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Alguns autores deixam gradualmente o pa-
pel de simples produtores de textos para
serem vistoso apenas como artesãos,
hábeis em seu ofício, mas como personagens
reverenciadas. Esse processo éo comum
quanto surpreendente, pois temos aqui um
criador que, pela própria força de sua cria-
ção, se transforma, ele mesmo, em persona-
gem de culto, numa personagem de outras
narrativas: um Pigmaleão às avessas! O que
alimenta esse processo? Como se cria o mito
nesse contexto específico? A análise do pro-
cesso de seleção de autores e práticas de
leitura em uma certa comunidade é o meio
utilizado pela autora deste livro para alcan-
çar algumas respostas àquelas questões.
O cenário escolhido é a Assis (SP) da primeira
metade do século XX. Os relatos de profes-
sores atuantes naquele período e naquela
cidade, a descrição de sua vivência, forma-
ção e critérios de eleição de autores e leitu-
ras fornecem o pano de fundo fascinante que
ao mesmo tempo expõe conceitos, valores e
princípios que norteiam a eleição dos "he-
róis", como a paisagem social em que, en-
tão, se praticava a educação de primeiro
grau. Longe de se circunscrever ao passado
de uma região isolada do Estado deo
Paulo, este é um trabalho que se impõe e
esclarece uma temática universal, de manei-
ra provocativa e elegante.
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A CONSTRUÇÃO DO "HERÓI"
LEITURA NA ESCOLA
ASSIS-SP- 1920/1950
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
Presidente do Conselho Curador
José Carlos Souza Trindade
Diretor-Presidente
José Castilho Marques Neto
Editor Executivo
Jézio Hernani Bomfim Gutierre
Conselho Editorial Acadêmico
Alberto Ikeda
Antonio Carlos Carrera de Souza
Antonio de Pádua Pithon Cyrino
Benedito Antunes
Isabel Maria F. R. Loureiro
Lígia M. Vettorato Trevisan
Lourdes A. M. dos Santos Pinto
Raul Borges Guimarães
Ruben Aldrovandi
Tânia Regina de Luca
A CONSTRUÇÃO DO "HERÓI"
LEITURA NA ESCOLA
ASSIS-SP- 1920/1950
RAQUEL LAZZARI LEITE BARBOSA
© 2000 Editora UNESP
Direitos de publicação reservados à:
Fundação Editora da UNESP (FEU)
Praça da, 108
01001-900-São Paulo-SP
Tel.:(0xxll) 3242-7171
Fax: (Oxxl1)3242-7172
Home page: www.editora.unesp.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Barbosa, Raquel Lazzari Leite
A construção do "herói". Leitura na escola: Assis - SP - 1920/195 0 / Raquel
Lazzari Leite Barbosa. -o Paulo: Editora UNESP, 2001 - (PROPP)
Bibliografia.
ISBN 85-7139-374-5
1. Assis (SP) - História 2. Educação - Assis (SP) 3. Heróis na
literatura 4. Literatura I. Título. II. Série.
01-5527 CDD-370.981612
Ìndice para catálogo sistemático:
1. Assis:o Paulo: Estado: Educação: História 370.981612
Este livro é publicado pelo projeto Edições de Textos de Docentes e
Pós-Graduados da UNESP - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
da UNESP (PROPP) / Fundação Editora da UNESP (FEU)
Editora afiliada:
Para meu pai.
Para Dito, Johnny e.
O MITO
Mas fulana será gente?
Estará somente em ópera?
Será figura de livro?
Será bicho? Saberei?
Sou eu, o poeta precário
que fez de Fulana um mito,
nutrindo-me de Petrarca,
Ronsard, Camões e Capim;
que a sei embebida em leite,
carne, tomate, ginástica,
e lhe colo metafísicas,
enigmas, causas primeiras.
Mas, se tentasse construir
outra Fulana queo
essa de burguês sorriso
e deo burro esplendor?
E digo a Fulana; Amiga,
afinal nos compreendemos.
Jáo sofro, jáo brilhas,
mas somos a mesma coisa.
(Uma coisao diversa
da que pensava que fôssemos.)
Carlos Drummond de Andrade,
A rosa do povo, 1943-1945
SUMÁRIO
Prefácio
Entre-linhas, entre-tempos, entre-heróis 11
Apresentação 15
1 Construindo o "Herói" 1 7
Desenhando contornos/medindo espessuras 1 7
Progresso: campo e cidade - educação e desenvolvimento 37
O "herói": dimensão/visibilidade 45
Práticas de leitura e construção do sentido 55
2 Os caminhos da mitificação 59
Revolvendo o solo: a cidade - a escola 59
Relações de poder 74
A ponte: informação e educação 111
Travessia: contração/distensão 115
3 "O verbo lero suporta o imperativo" 119
Caminhos percorridos 140
Referências bibliográficas 147
PREFÁCIO
ENTRELINHAS, ENTRE-TEMPOS, ENTRE-HERÓIS
Conheci Assis, primeiramente, por meio dos textos e das con-
versas com Raquel. Aos poucos, em meio aos encontros e telefone-
mas para dizer do andamento de seu trabalho, a pesquisadora foi
ganhando o sobrenome da cidade: Raquel, de Assis. O entusiasmo
com os estudos sobre a construção do "herói" por meio da leitura
ampliava-se com as revelações sobre a história da cidade. Por suas
narrativas fui descobrindo a "construção" dos espaços da cidade e
os seus heróis anônimos. Revelou-se para mim que a pesquisa séria
e comprometida tinha um ingrediente a mais para o seu sucesso: a
paixão pela cidade.
A vontade da autora de mergulhar fundo no passado, e conhe-
cer detalhes e lembranças dos inícios de Assis, foi complementada
pela outra paixão revelada pela escola ou, mais precisamente, pela
leitura na escola.
O texto de Raquel nos remete a outros tempos. Entre-linhas
fala da curiosidade de uma menina cruzando ruas com nomes de
pessoas desconhecidas; descobrindo que essas pessoas eram auto-
res de livros; que esses livros eram referências para os adultos da
cidade e, especialmente, para seus professores, seus "primeiros
ídolos". Curiosidade antiga e ainda apaixonada, este é um bom
sentimento para o início de uma pesquisa científica bem-sucedida.
E assim o foi.
O livro retrata exatamente esse entrelaçamento de sentimen-
tos e racionalidades que permeou todos os momentos da investi-
gação. Ao compromisso com a pesquisa de boa qualidade reuni-
ram-se a vontade e a alegria em descobrir mais sobre o passado da
cidade, a vida dos antigos moradores e professores, a construção
que fizeram dos seus "heróis", ídolos literários de seus queridos
mestres, e de todos os outros que aprendiam e ensinavam nas esco-
las da época.
"A gente lia demais!", diz a professora com saudade e alegria.
Os autores-heróis eram referênciaso apenas literárias, mas bio-
gráficas. As histórias de vida dos autores de cada época eram orien-
tações seguras para definir caminhos, comportamentos e posições.
A aura do saber revelado na escrita transcendia o próprio conteú-
do do texto, embrenhava-se na identificação do escritor. Este des-
tacava-se do seu estatuto de homem comum para alcançar o prestí-
gio, o respeito, a adoração de seus leitores. Autor-herói idealizado,
identificado com o ideário político-econômico desenvolvimentista
da época, tinha seus livros indicados nos guias das boas leituras es-
colares. Seu nome era perpetuado na fachada das escolas, bibliote-
cas, ruas, praças e monumentos. Tornava-se homem-autor-político.
Pleito determinado pelas circunstâncias de um momento, uma cer-
ta conjuntura social e cultural que precisava ser perenizada na me-
mória coletiva. Uma memória para o futuro, para o não-esqueci-
mento desta e das próximas gerações. Uma referência concreta
sobre alguém queo podia ser esquecido, "formas simbólicas de
acordo com as quais indivíduos e comunidades interpretam, orde-
nam eo significado à sua existência".
A dinâmica da obra "A construção do herói" está exatamente
no entrelaçamento da leitura escolar desses escritores com a histó-
ria de vida de seus leitores, em meio à ebulição progressista da socie-
dade brasileira e paulistana da época. A cidade de Assis, cenário esco-
lhido, reflete bem o movimento de mudanças contínuas e aceleradas
decorrentes da expansão do sistema capitalista. "Zona pioneira"
tem na expansão da Estrada de Ferro Sorocabana o símbolo do de-
senvolvimento regional que é acompanhado pelo desejo e empe-
nho pela urbanização, pela abertura de novas oportunidades pro-
fissionais e pelo anseio e necessidade de escolarização ampla. Luta
dos pioneiros pela definição e concretização de um projeto polí-
tico-econômico-social orientado para a região, no contexto de-
senvolvimentista geral que envolvia a sociedade brasileira.
O texto fala desse passado e da nostalgia presente nos antigos
professores e moradores quando relembram esses tempos. Os au-
tores-heróis (como Rui Barbosa, Coelho Netto, Olavo Bilac e mui-
tos outros, sendo Monteiro Lobato o mais lido e lembrado) des-
contextualizados na atualidade funcionam simbolicamente como
marcos de uma época. Esquecidos como escritores recomendados
nas listas de "boas" leituras para os jovens, permanecem como no-
mes reverenciados na história, mais pelas suas biografias do que
pelos seus escritos. Através de seus nomes, eo de seus textos,
corre a trama do livro: a história de uma cidade, dos seus pionei-
ros moradores, a memória que elesm das boas leituras de seus
tempos de escola, dos seus ídolos e suas ambições. Sonhos e imagi-
nários que se ampliam e que falam,o mais apenas de Assis, mas
de um momento comum do passado de inúmeras cidades brasilei-
ras e das pessoas comuns que ajudaram a construir esses espaços e
essas histórias.
O livro que Raquel Lazzari Leite Barbosa nos apresenta é mui-
to mais que tudo isso. É um convite delicioso para mergulhar na
memória dos moradores e dos professores em Assis, na primeira
metade do século, e partilhar o seu cotidiano: suas dificuldades, ale-
grias e problemas enfrentados, principalmente pelas mulheres.
Mais ainda, é ver a cidade a crescer, suas transformações e adensa-
mento, o movimento dos migrantes, o movimento dos imigrantes. As
instituições e os novos estabelecimentos que surgem a cada instante.
Um pouco além, o livro nos faz refletir sobre o papel da leitu-
ra e do autor na vida dos leitores, as marcas que permanecem na
memória, as transformações que produzem nos comportamentos,
nos pensamentos e nos sentimentos dos que "viveram a época".
Em um momento, como o da atualidade, em que autores e li-
vros - como muitas outras manifestações da cultura -o conside-
rados descartáveis, em que o excesso de informações, oriundas dos
mais diversos meios de comunicação, invade o nosso cotidiano e
nos obriga a esquecer, mais do que lembrar... o texto nos convida
a viajar nas memórias para outros tempos e espaços. E, entre-tem-
pos, nos enriquecermos com as lembranças e a força dos depoi-
mentos dos que viveram um outro momento do passado, em que
se forjou o nosso presente.
Vani Moreira Kenski
o Paulo, 30 de abril de 1998
APRESENTAÇÃO
Este estudo sobre práticas de leitura, entendidas como cons-
trução de interpretações, examina como foram se articulando na
região de uma comunidade - Assis (SP) - certas preferências por
determinados autores e pela leitura de suas obras. Tal articulação
passou a orientar as práticas de leitura de professores e alunos de
escolas de primeiro grau, nas décadas em torno de 1920 e 1950. A
partir dessa análise foi possível traçar um perfil da construção da
figura do "autor-herói" que vai se transfigurando em "herói-autor",
tradutor de representações valorativas daquela comunidade.
A recuperação de continuidade e descontinuidade no proces-
so de leitura, de condições em que se estabeleceram alguns liames
sociais, subjetividades individuais, exercício de poderes, ancorados
em instituições do mundo social, permitiu apreender a força que
práticas de leitura podem adquirir, em momentos históricos dife-
renciados, na constituição de configurações de época e no reforço
de certos valores sociais, como, por exemplo, nacionalismo, pro-
gresso e escolaridade.
Este trabalho está dimensionado em camadas e enredado em
processos amplos e complexos. A acelerada urbanização, vigente
no momento estudado, era, então, identificada com desenvolvi-
mento e progresso e alastrava-se pelas cidades do oeste do Estado
deo Paulo. Nesse contexto, a escolaridade era vista como chave
capaz de abrir portas para a "redenção" social e individual.
A imersão regional no ritual desenvolvimentista era acompa-
nhada por proposições otimistas em relação à construção de um
mundo novo onde a participação das pessoas estaria subordinada
às possibilidades de escolarização.
Esta obra deve muitos créditos. Às professoras Sarita A. Moy-
sés, Vani M. Kenski, Margareth e Maria Rosa. A Capes e ao CNPq,
ao curso de pós-graduação da Unicamp, à Faculdade de Ciências e
Letras da UNESP (Câmpus de Assis), aos professores de primeiro
grau e às pessoas da comunidade de Assis, quase "cúmplices" deste
trabalho com seus relatos de vivência. A minha família, em especial
Dito, João Paulo e Zé Renato. Meus agradecimentos ao Prof. Dr.
Antonio Manuel dos Santos Silva, pela leitura do trabalho. A Prof
a
.
Wanda Roselli, pela revisão do texto; e a Paulo Rocha, pela dia-
gramação.
I CONSTRUINDO O "HERÓI"
DESENHANDO CONTORNOS/MEDINDO ESPESSURAS
Longínqua ouo a mitologia só pode
ter um fundamento histórico, visto que
o mito é uma fala colhida pela história,
o poderia de modo algum surgir da
"natureza" das coisas.
(Barthes, 1989, p.132)
Iniciar uma reflexão expondo linhas teórico-metodológicas
que devem orientá-la talvez seja uma forma de explicitar o entrela-
çamento entre as hipóteses formuladas e as respostas pretendidas.
Segundo Walter Benjamin, "o dizero é apenas a expressão
do pensamento, mas também a sua realização. Do mesmo modo, o
caminharo é apenas a expressão do desejo de alcançar uma me-
ta, mas também a sua realização. Mas a natureza da realização ...
depende do treinamento de quem está a caminho" (1987, p.268).
Estou, pois, a caminho! Neste capítulo, o objetivo é discutir o
entendimento dado aos conceitos-chave que norteiam o trabalho
como um todo. Tais conceitos embasam a reflexão sobre a questão
fundamental do trabalho, ou seja, a de como leitores e não-leitores
- nas décadas em torno de 1950, em Assis - se referem à escolha de
autores e a práticas de leitura. Quais os valores que expressam a
marca das configurações da época?
Assim, inicialmente, a reflexão vai girar em torno do recurso à
categoria "mito", em relação a práticas de leitura e à idéia de cons-
trução de autor-herói. Isso corresponde à busca do entendimento
sobre o que era considerado "boa leitura" e como se estabelecem
práticas de leitura e escolha de autores e de suas obras, numa dada
comunidade.
A unidade do objeto de estudo requer, por sua vez, a caracteri-
zação de alguns processos significativos no contexto em questão,
na época: processo de urbanização; intensificação da busca pela
escolaridade; perspectiva de "progresso" visando a um empare-
lhamento com países desenvolvidos e idéia de nacionalismo.
A caracterização do conceito "mito" como sistema de comu-
nicação, mensagem, modo de significação seguiu o enunciado de
Barthes quando diz: "Mito é uma fala e, assim, tudo pode se cons-
tituir em mito, desde que seja suscetível de ser julgado por um dis-
curso. Os mitosoo eternos, pois é a história que transforma o
real em discurso e é ela, e só ela, que comanda a vida e a morte da
linguagem mítica. Os conceitos míticos podem constituir-se, alte-
rar-se, desfazer-se, ou desaparecer completamente.o históricos e,
assim, a história pode suprimi-los" (1989, p.131, 138, 139, 142).
Tal entendimento do conceito de mitificação, como valor so-
cial, cultural, ideológico e histórico - transformado pelo processo
mitificador em natural - significa, neste trabalho, a possibilidade de
desconstruir, em um dado contexto político-econômico-social, o
processo de criação de um autor-herói e da estruturação de práticas
de leitura, por meio de discursos sobre a leitura e sobre essas práticas.
Para tal análise foram essenciais relatos feitos por professores
de primeiro grau, hoje aposentados, que desenvolveram suas ativi-
dades em Assis, SP, em meados deste século. Eles contaram sobre
suas práticas de leitura, sobre sua escolha de autores, sobre sua vi-
vência, formação e desempenho profissional. Esses enunciados fo-
ram os guias maiores que conduziram à reflexão aqui desenvolvida.
Por meio de tais relatos é que se foram captando as nuanças da es-
colaridade; da construção de preferências por determinados auto-
res e leitura de suas obras; das práticas consideradas como "boa lei-
tura" que orientaram professores e alunos de escolas de primeiro
grau, leitores e não-leitores, e a configuração de valores aceitos so-
cialmente, em Assis, no momento estudado. Dessa forma, foi pos-
sível desmembrar articulações queo dando sentido ao reconhe-
cimento de alguns "heróis" construídos. Assim, por exemplo, em
relação ao reconhecimento de Rui Barbosa, os relatos mostram a
prevalência do "herói" político sobre o "herói" escritor, sobre a
leitura de seus trabalhos. Esse apreço, que o mérito político fazia
jus, aparece nos relatos dos professores.
Desde que eu me conheço por gente a rua principal da cidade se
chama Avenida Rui Barbosa. É uma homenagem a ele. Era político.
Era escritor? Era considerado o Águia de Haia. É, é ele mesmo! (D.
R. S. B., 1925, professora: 1948)
Olha, ler as obras de Rui, não. Tudo o que se falava era referente
ao Águia de Haia. Até nos livros didáticos falavam nisso. Tinha a bio-
grafia,s dávamos a biografia. Saía muita coisa escrita nos jornais.
Gonçalves Dias também era muito citado. (T. A. S., 1931, professora:
1949)
Esse relato retrata uma situação em que livroso lidos apare-
cem como suporte de valores que consagram o intelectual, Rui
Barbosa, Águia de Haia.
Uma pesquisa publicada na década de 1950 (Moreira, 1957)
sobre escolas de zonas urbanas no Brasil, abrangendo vários esta-
dos, inclusiveo Paulo, constatou que Rui Barbosa estava entre
os heróis mais cultuados nos livros didáticos de terceiras e quartas
séries dessas escolas. Tratava-se de uma valorização de sua quali-
dade de intelectual, de homem de palavra brilhante e fácil, de ho-
mem capaz de discutir muitos e variados assuntos. A ênfase recaía
sobre as referências biográficas.
A alta dignidade do escritor era afirmada pela capacidade de
verbalizar vários conhecimentos com brilho. Valorizava-se o inte-
lectual que dominava diversos saberes, o orador que orgulhava a
nação.
O exame de dados históricos revela que os discursos sedimen-
tados constroem a imagem, o mito, e este por sua vez dá a conhe-
cer o herói-autor, o protagonista do ato literário, o escritor. Rui
Barbosa (1849-1923) era referenciado nos anos 50 tal como o havia
sido nos anos 20. Em 1920 os estudantes da Faculdade de Direito de
o Paulo convidaram Rui Barbosa como paraninfo de sua colação
de grau de bacharel e associaram a essa solenidade a comemoração
de seu jubileu jurídico. Para esse ato Rui Barbosa escreveu o dis-
curso "Oração aos moços". Em 1957, segundo a pesquisa referida,
Rui Barbosa era cultuado nos livros escolares como um dos maiores
heróis nacionais.
A abrangência dos relatos dos professores cujos enunciados
foram tomados como guias maiores neste trabalho circula por pe-
ríodos que podem ser caracterizados como pertinentes a duas ge-
rações. Num primeiro momento, as referências atêm-se às práticas
de leitura desenvolvidas na fase de sua formação. Contam expe-
riências na escolaridade e fora dela até seu ingresso na vida profis-
sional. Na etapa seguinte, os professores confrontam aquelas prá-
ticas, acrescidas de outras desenvolvidas posteriormente com as
orientações transmitidas a seus alunos em escolas no município de
Assis. Com base na análise de tais relatos, foi possível perceber
configurações de valores, sobre nacionalismo por exemplo, pre-
sentes nas décadas de 1940 e 1950, que remeteram à configuração
desses valores nas primeiras décadas do século XX, em especial
desde os anos 20.
A partir das configurações que entrelaçam valores sociais pre-
sentes nas duas fases, foi possível detectar alguns movimentos va-
lorativos em favor da escolaridade, da escolha de certos autores e
de suas obras, de considerações sobre o que seria então "boa leitura".
Tais movimentos aparecem sempre permeados por idéias de "re-
denção" individual e nacional. "Redenção" entendida como uma
receita mítica que, se aviada, seria capaz de redimir o indivíduo, a
sociedade e a própria nacionalidade.
Esses mesmos movimentos aparecem como ingredientes pró-
prios do processo de urbanização que traz, embutida, uma busca
de desenvolvimento, de progresso, que pressupunha escolaridade e
práticas de "boa leitura" voltadas para uma determinada formação.
Envolviam teor político repassado ao ensino e à leitura. O grau de
"redenção" estava diretamente relacionado ao tipo de escolha e ao
sistema de apropriação daquelas práticas de "boa leitura".
A compreensão desse processo envolve questões de diversas
ordens: socioeconômicas, políticas, espaço-temporais, culturais,
educacionais. Práticas de leitura - vigentes, pelo menos, já no iní-
cio do século XX - que privilegiam determinados autores e suas
obraso adquirindo um caráter de empreendimento progressista
e fundador de uma identidade nacional.
Na conjuntura específica dessa nova ordem cultural, solidifi-
cada ao longo da década de 1920, a apropriação de conceitos de
"boa leitura" e a criação de autores-heróis que espelhassem o des-
tino promissor para o qual a nação estaria se encaminhando ampa-
raram a mitificação de alguns valores cívicos e morais tidos como
responsáveis pelo caminho para tal destino "grandioso".
A idéia de nacionalismo fundamentava-se no modelo defendido
pela Liga Nacionalista, criada em 1917, mas discutida com muita
ênfase já em 1908 e 1909. A diretriz seguida baseava-se em Olavo
Bilac e enaltecia a trilogia Educação, Saúde e Força. A Educação,
para Olavo Bilac, significava a fonte onde a nacionalidade encon-
trava o seu futuro. A Saúde representava o vigor para o engrande-
cimento e a Força, a garantia do triunfo (Sant'anna, 1992,
p.36-7). O nacionalismo defendido por Olavo Bilac propunha tirar
o povo do estágio letárgico em que estava, levando-o a combater
pela pátria e reerguer o caráter nacional (Capelato, 1989, p.159).
O jornal O Estado de S. Paulo afirmava na década de 1950:
Nacionalismo é um sentimento revigorador da nação que o cul-
tiva ... este o sentimento que nos fez, na segunda década do século,
soldados de Bilac e, posteriormente, fundadores e membros da Liga
nacionalista. ("Notas e informações", 30.11.1957, apud Sant'anna,
1992, p.37)
Esses valores emergentes das combinações constituídas no es-
paço sociocultural - configurações de época - eram repassados e
aceitos ou apropriados. A análise desse processo permite uma ava-
liação de como algumas similitudeso preservadas em momentos
diversos e do conhecimento da ação dos apropriadores.
Tal processo envolve diferentes setores da sociedade, institucio-
nais ou não. O papel da escola, a atuação de professores, as práticas
de leiturao referências especiais. Por meio dessas referências po-
dem-se captar significações e valores que permanecem, desapare-
cem, transformam-se. Pode-se observar, enfim, a existência ouo
de afinidades entre configurações de momentos históricos diversos.
Ainda que, no contexto estudado, muitas das obras mitificadas
pela eleição de seus autores como autores-heróiso fossem, por
vezes, lidas, os valores aceitos, como os de "redenção" social e na-
cionalidade, passavam a ser tidos como construção presente nelas.
O anseio para construir-se heróis considerados guardiões de
valores sociais era evidente na década de 1920, na cidade deo
Paulo. Isso pode ser observado no esforço de criação de "heróis"
representativos da contemporaneidade do Brasil com países consi-
derados "modelos de progresso". Segundo Nicolau Sevcenko,
Num instante, a cidade era paralisada, a população tomava as
ruas, o herói ou heróis eram retirados da estação da Luz ou, se fosse o
caso, de dentro do carro em que tinham entrado, e carregados nos
braços da multidão até sua casa ou hotel, sob flores, papel picado, vi-
vas, hurras, gritos, assobios, risos, soluços e lágrimas. Rui Barbosa, os
campeões sul-americanos de futebol, Edu Chaves, os aviadores por-
tugueses da travessia do Atlântico, os pilotos do raid de New York-Rio,
o conde d'Eu e o Príncipe d. Pedro e quantos e quantos mais reedita-
vam a cerimônia, sempre em atmosfera emocional escaldante. A festa
promovida para a recepção de Rui Barbosa, autoproclamado candi-
dato antioligárquico à presidência do país, em abril de 1919, parece
ter fixado o padrão para esse tipo de idolatria emotiva. (1992,
p.101-2)
Tal movimento de criação e homenagens a "heróis" ultrapas-
sava as fronteiras da capital paulista. Cidades que se desenvolviam
no oeste paulista participavam ativamente dele. Em Assis, ele se fa-
zia presente. Homenagens a Rui Barbosa exemplificam esse fato.
No livro São Paulo: "A capital artística"..., publicado na comemo-
ração do centenário da Independência do Brasil, em 1922, anuncia-
va-se na parte referente à cidade de Assis:
A principal artéria da cidade é a Avenida Ruy Barbosa, que par-
tindo da estação da Sorocabana, corre larga e direita até perder-se na
encosta de uma suave e verdejante colina.
É nesta Avenida onde se acham as principais casas de comércio,
hotéis, residências particulares, repartições públicas, farmácias, etc.
(Capri, 1922)
Um morador, nascido em Assis, assim se expressa sobre o tema:
No meu tempo já era Avenida Rui Barbosa. Rui Barbosa era até
aqui na rua Bandeirantes. Da rua Bandeirantes para cá era rua Con-
ceição. (U. F., 1919, funcionário municipal aposentado)
A memória guarda a marca da geração à qual pertencem os en-
trevistados. A explicitação do nome de Rui Barbosa em referência
à avenida que leva esse título, em Assis, aparece freqüentemente
nas observações das pessoas nascidas nas décadas de 1920 e 1930.
A geração que tinha Rui Barbosa como herói memorizou, no
referencial da avenida, o seu nome. Para essa geração, a avenida
será sempre "Avenida Rui Barbosa". Depois aconteceram mudan-
ças de cena. Novas configurações foram se impondo. As referências
sobre o mesmo logradouroo mudando. Passa-se a mencionar
apenas o indicativo "Avenida" e nada mais. Ainda que, em Assis,
existam outras avenidas, a Rui Barbosa transformou-se apenas em
"Avenida". Praticamente apagou-se da memória popular o nome
institucional que permanece nas placas. Nominou-se "Avenida
Rui Barbosa" quando o personagem era o "herói". Depois, as refe-
rências sobre o "Águia de Haia" foram se extinguindo.
Tal fato repete-se em Assis mais tarde, na década de 1950,
com outras ruas. A Rua José Nogueira Marmontel, homenagem a
um ex-prefeito e pessoa de destaque na política local nos anos 20 e
30, passa a ser simplesmente "Rua do Cemitério". A Rua Dr. José
Vieira da Cunha e Silva, que homenageia o primeiro médico de
Assis, passa a ser "Rua de Cândido Mota".
Algumas ruas com nomes mais ou menos indiferentes ao ima-
ginário do povom tais nomes substituídos, a partir da indiferen-
ça popular relacionada à extinção de homenagens antes previstas.
Assim, a antiga Rua Bandeirantes passa a chamar-se Rua Sebastião
da Silva Leite, e a antiga Rua Cristóvão Colombo leva o nome de
Rua Dra. Ana Barbosa.
Dessa forma, alguns "heróis"o esquecidos e outros entroni-
zados.o existe nenhuma rigidez nos conceitos míticos, eles po-
dem constituir-se, alterar-se, desfazer-se, desaparecer completa-
mente.
Assim como no processo de construção de "heróis", no proces-
so de "desmitificação" ou "volatilização" de alguns heróis construí-
dos a escola retém um importante papel. As comemorações escola-
res, por exemplo, interferem ativamente. Elas envolvem gestos,
palavras, rituais específicos. Numa concepção romântica de nação,
o incluídos costume (tradição), religião, linguagem etc. As festas
relatadas por professoreso amostras.
A nossa festa era festa completa,o era só discurso, aquelas coi-
sas, entregávamos prêmios para os alunos, aos primeiros da classe,
aos três primeiros. Dávamos um livro de lembrança. Era uma sessão
solene! (M. S. B., 1918, professora: 1935)
Os livros oferecidos como prêmios eram "livros de leitura" re-
ferendados socialmente como de "boa leitura". Dessa forma, con-
sagrava-se a "boa leitura" para o "bom aluno".
Monteiro Lobato era bastante conhecido ... Olavo Bilac, Manuel
Bandeira, eles liam. Os alunos declamavam, tinha festa, tinha orfeão.
A professora regente do orfeão mandava os alunos cantarem, aí todos
cantavam os hinos patrióticos. Eleso entravam na classe sem can-
tar, embora estivesse fazendo frio, ventando ou chovendo. (M. S. B.,
1918, professora: 1935)
A festa guarda as mais diversas conotações: culturais, econô-
micas, políticas, religiosas. Sua função nem sempre é apenas aquela
explicitada. Ela representa poder à medida que se lhe atribui um
caráter mitificador.
Segundo Norbert Elias (1991, p.13-5), o mundo social pode
ser pensado como um tecido de relações com dependências recí-
procas ligando indivíduos uns aos outros, como matriz constituti-
va da sociedade. Valores estabelecidos socialmente constroem
"heróis" cuja entrada e permanência em cena dependem da dura-
ção de sua representatividade como mito. Tais heróis podem con-
solidar-se rapidamente ou desaparecer de cenao rápido quanto
entraram. Esses "heróis" podem, ou não, ter sido apresentados
por leituras ou pressuposições de leitura, mas recebem confirma-
ção nas práticas escolares.
Em torno do nome de Rui Barbosa, por exemplo, criaram-se
estereótipos que passaram a ser confundidos com "inteligência",
como valor fora de padrões comuns. Embora suas obraso fos-
sem representativamente lidas, as idéias que se presumia ali esta-
rem contidas possibilitavam o culto de valores socialmente acei-
tos. Tais valores, reforçados na escolaridade, constituíam-se em
modelos próprios de "heróis". A sociedade brasileira, na busca de
comprovação de sua contemporaneidade com países "desenvolvi-
dos", consagrava Rui Barbosa como herói sob a aura da intelectua-
lidade. Entretanto, essa consagração amparava-se em outra ação.
A ação política de Rui Barbosa, em especial na "Conferência de
Haia". Foi por esse caminho que os princípios expressos ouo
pelo "herói" intelectual encontravam sua legitimação.
Em Oração aos moços, suas palavras confirmam isso. Dizia
Rui Barbosa: "... se a sociedadeo pode igualar os que a natureza
criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode
reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e
perseverança" (1962, p.27).
Após a morte de Rui Barbosa, em 1923, foi criado o museu
com seu nome (1927) e depois a Instituição Casa Rui Barbosa
(1928). Entre os principais objetivos dessa instituição estava o de
cultivar a memória e promover a publicação sistemática das obras
do escritor-político. De 1942 a 1972 foram publicados 99 tomos
do total dos 150 previstos até aquele momento (Silva, 1972, p.9).
A singularização que as homenagens - incluindo a nominação
de logradouros públicos - imprimem a políticos, escritores, enfim
a pessoas destacadas no meio social e cultuadas nas escolas, faz
parte dos mecanismos diferenciadores que a sociedade estabelece
entre seus membros. Os escolhidoso como que expostos em vi-
trines e tornam-se figuras mais ou menos sacralizadas. Concreti-
za-se, dessa forma, um processo de mitificação que hierarquiza e
cria códigos que possibilitam, aos que detêm o seu segredo, tirar
deles o melhor proveito.
Homenagens e comemorações são, em seus rituais, em seus
gestos, formas de preservação de um passado segundo uma cons-
trução feita no presente. A comemoração é, primeiramente, a tea-
tralização da memória. É o teatro do passado.
A eleição de autores-heróis, percebida nos relatos dos profes-
sores em Assis, envolve com maior ou menor intensidade diversos
nomes. Entre eles estão Monteiro Lobato, Olavo Bilac e Coelho
Netto. Monteiro Lobato, assim como Rui Barbosa, representa a
interligação entre o político e o escritor.
O conteúdo e a prática de leitura tornam-se mais facilmente
mitificáveis quandoo apresentados por autores-heróis. Passam a
contar com o mesmo apreço atribuído a tais heróis. Daí a interliga-
ção entre construção de autor-herói, prática de leitura e constru-
ção de valores sociais. Nessa interligação, na construção do autor-
herói aparece o porquê do recurso a dotes, próximos ou distantes,
da qualidade do escritor. Segundo Gramsci, se os conteúdos ama-
dos pelo povoo expressos por grandes artistas (Shakespeare,
clássicos gregos, Tolstói ou Dostoiévski),o esses os preferidos
(1968, apud Bosi, 1991, p.84). Como, entretanto, tais personagens
o existem em profusão,o encontradas formas mais ágeis de tor-
nar amados autores-heróis e, por essa via, suas obras. Através de pre-
dicados político-sociais passam a ser depositários da "boa leitura".
No caso de Monteiro Lobato, a diversidade de suas atividades
também concorria, eficazmente, para o êxito de seu ingresso no
rol dos "heróis". Suas obras constituíam-se, graças a seu programa
empresarial, naquelas que estavam mais à mão, isto é, que existiam
no mercado.
Conforme a amplitude da oferta e a forma de edição, o texto
que vira livro adquire mais ou menos força, e passa a ter caráter de
objeto natural, detentor de qualidades intrínsecas validadas social-
mente. Textos inseridos em livros de leituras escolares apresentam
interpretações do que deve ouo ser valorizado na formação da
criança, do jovem.
É importante acompanhar os relatos dos professores sobre suas
experiências:
As professoras seguiam aquele programa, quando havia come-
morações as datas eram divulgadas. As leituras eram voltadas para o
ensino. Monteiro Lobato, naquela época, era muito conhecido. Os
alunos declamavam poesias de Olavo Bilac. Os contos para crianças,
do Coelho Netto, eram também conhecidos. (M. S. B., 1918, profes-
sora: 1935)
As preferências pelo autor Monteiro Lobato e leitura de suas
obras aparecem, quase como unanimidade, nas manifestações de
professores em Assis. Tal unanimidade abarca o período de forma-
ção dos professores e o de seu exercício profissional.
No rol das leituras referidas pelos professores entrava ainda
muita poesia, em especial as de Olavo Bilac, herói-autor das gera-
ções em trânsito neste trabalho.
Poesia eu gosto até hoje.
Do Olavo Bilac eu tinha um monte. Gostava mesmo.
Olha, sabe, chegava o fim da aula eu mandava recitar, cantar, e
isso era uma coisa que desenvolvia muito a criança, desinibia, então
toda a vida eu fiz muito isso, sempre dez minutos antes de terminar a
aula. Eu sempre fiz isso. (I. F. F., 1930, professora: 1950)
Quando eu estava mais velha, aí eu lia Coelho Netto. Do José
de Alencar eu acho que li quase tudo.o sei quem tinha e me em-
prestava. Eu li quase todos. (L. N. C. L., 1928, professora: 1948)
Coelho Netto, autor bastante lembrado, principalmente no
que diz respeito à sua obra Apólogos: contos para crianças (1921),
retrata princípios morais vigentes no momento em estudo. Por
exemplo, o valor atribuído ao trabalho aparece em "O paralítico".
A louvação da inteligência e sabedoria está em "O espelho maravi-
lhoso". Os forteso elogiados em "A princesa parizada". E, prin-
cipalmente,o louvadas a docilidade e a submissão como qualida-
des próprias do sexo feminino. O conto "A mulher mimosa" é um
exemplo disso.
O poder atribuído a valores que movem as pessoas em dife-
rentes momentos históricos, se confrontado com estudos dessa rea-
lidade, pode, então, dar uma das medidas da permanência de tais
valores.
Os contos de Coelho Netto presentes em Apólogos foram pu-
blicados pela primeira vez em 1911. Em 1921 estavam na terceira
edição. Os valores ali defendidosm a ver com aqueles conside-
rados uma chave para que o país superasse o subdesenvolvimento
diagnosticado nos anos 50 e valorizasse a sabedoria obtida na esco-
laridade com suas práticas de leitura e o trabalho como força que
movia o mundo.
Em sessão solene da Liga de Defesa Nacional, em 7 de setem-
bro de 1919, um "herói" homenageia outro "herói". Em "Panegy-
rico de Olavo Bilac", Coelho Netto dizia:
A obra do Poeta aí está e quem a vai levando por diante e acres-
centando é a Mocidade. Quem passa pelas escolas, bem chamadas
colméias, à hora em que se inicia a fabricação do mel espiritual, ouve
as abelhas zumbirem alegremente o Hino à Bandeira. Nas Academias
a palavra do Poeta é a senha para o Futuro. O espírito do Cantor
Magnífico enche toda a extensão da Pátria: elle é a alegria, elle é a co-
ragem, elle é a confiança, elle é o enthusiasmo, o patriotismo, enfim.
... Heróeso se choram, cantam-se. (1923, p.84-5, 147)
Invocações engrandecedoras da escola, do saber intelectual,
do Hino à Bandeira, do futuro da Pátria e do patriotismo, presen-
tes na "Oração" de Coelho Netto, de 1919, continuavam vivas nas
indicações dos professores nos anos 50. Por isso o herói precisa
ainda ser cantado.
Assim, pode-se dizer que a tônica colocada no nacional-desen-
volvimento e na superação do subdesenvolvimento, privilegiada
nos anos 50, vinha sendo modelada de acordo com os processos
político-sociais que sobressaíam já nos anos 20.
Aceita-se correntemente que os anos 20 representam um pe-
ríodo de prevalência de princípios liberais que foram retomados
na segunda metade dos anos 40. Em 1930 desencadeia-se um pro-
cesso em favor de uma nova "ordem", uma proposta unitária e au-
toritária para o conjunto da sociedade, a "ordem do Estado Novo".
Ela pregava a substituição dos "negativos" conceitos políticos libe-
rais por conceitos "positivos" que possibilitassem superar a luta de
classes pela colaboração de classes. Os discursos dos livros escolares
editados nesse período exaltam o "labor cotidiano", os "cuidados
do lar", a "tenacidade" e a grande virtude militar, a "disciplina",
para a construção da pátria. Lar, escola e pátria se constituíam em
referenciais de ausência de conflitos (Lenharo, 1986, p.49).
As linhas de representação da realidade brasileira, na década
de 1930, passaram por várias transformações. De forma mais ou
menos urgente, foram recolocados alguns dilemas que concorre-
ram para acentuar ou modificar formas de apropriação de valores
pela sociedade de modo geral. Acentuou-se, nesse momento, o in-
vestimento por parte do setor público na expansão e diversificação
da economia. Cresceram a industrialização e a urbanização. As mo-
dificações político-econômico-sociais repercutiram, de modo parti-
cular, na caracterização dos valores referidos à questão nacional.
Antonio Candido classifica o movimento de outubro de 1930
no Brasil como um eixo catalisador:
Um eixo em torno do qual girou de certo modo a cultura brasilei-
ra, catalisando elementos dispersos para depô-los numa figuração no-
va ... Gerou um movimento de unificação cultural projetando na es-
cala de Nação fatos que antes ocorriam no âmbito das regiões ... Isto
ocorreu em diversos setores: instrução pública, vida artística e literá-
ria, estudos históricos e sociais, meios de difusão cultural como o li-
vro e o rádio. (1987, p.182)
No final da década de 1930 outras grandes mudanças anun-
ciam-se.o acentuar-se com o término da guerra (1939-1945)
e, principalmente, nos anos 50. Os avanços tecnológicos passam a
exigir transformações no mercado. O tema dominante é a busca
do progresso por via do nacionalismo. O nacionalismo indica que
o caminho para o desenvolvimento independente do país é co-
mandado pelo capital e burguesia nacionais.
Valores de perfil moral e cívico, plantados especialmente a
partir dos anos 20 e reforçados pelo patamar repressivo do Estado
Novo,o reapropriados e adquirem força no período posterior a
1945, sob a meta desenvolvimentista-nacionalista.
Tal apropriação envolvia um processo de mascaramento da
complexidade dos conflitos sociais, bem como de choques entre
os grupos dominantes na sociedade. O social e o histórico prosse-
guiam sendo transformados em natural.
É nesse sentido que refletir sobre configurações marcadas pelo
nacionalismo possibilita a discussão do processo de mitificação de
autores que, políticos, transformam-se em "heróis" de leitura, he-
róis de nacionalismo.
Nos anos 50 a fundamentação e o reconhecimento de valores
nacionalistas integravam práticas de leitura diferenciadas, e tais
práticas, por sua vez, amparavam-se em autores-heróis retomados
dos anos 20.
Os relatos dos professores reconstroem esses valores e sua di-
fusão, por meio de gestos rituais e festas.
A matéria de História, por exemplo, a gente conseguia colocar
em música popular que eles conheciam. Coisa mais linda. Olha, eu
tenho uma vinda da Família Real ao Brasil. Até hoje a minha filha,
que foi minha aluna, fala: o que a senhora quer saber da Família Real?
s inventávamos, eu e mais alguns professores. Tinha uma que era
uma gracinha, dos Ìndios, da Família Real, da Independência do Brasil e
da Proclamação da República. (I. T. L., 1934, professora: 1950)
O tipo de ensino de história valorizado aparecia nos temas e
forma de abordagem. O recurso à música fazia parte da técnica de
memorização. A música possibilitava o desenvolvimento de um ri-
tual envolvendo gestos, exercício de voz e linguagem. Na repeti-
ção do dizer cantando aconteciao só a memorização como o
despertar do entusiasmo que consagra fatos e heróis.
Esse entusiasmo que se procurava despertar nos alunos era
compartilhado pelos professores. Isso transparece no relato de
uma delas.
Eu guardei um livro, eu guardei, porque eu achei um bom crité-
rio de quem editou. Ele escolheu histórias mais importantes, tanto as
internacionais quanto as nacionais. Era um livro muito bonito, fabu-
loso. Tinha para o quarto e para o terceiro ano. Eu me lembro que no
do terceiro tinha uma história do Tiradentes. Uma história como se
fosse um romance, a vida dele. Linda, maravilhosa! (I. T. L., 1934,
professora: 1950)
A construção do herói na históriao pode ser desvinculada
da construção do autor-herói.o partes integrantes das proposi-
ções nacionalistas que permeavam a escolaridade, as práticas de lei-
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tura nesse contexto. Os discursoso históricos,o a própria his-
tória. Os autores-heróiso construídos a partir de "sonho" da
sociedade, da sociedade que se quer sustentar.
Tal como o símbolo representa o ausente, a representação do
herói pode transformar-se em fator de respeito e de submissão. A
leitura mitificante, tornada representação de valores, pode ser
considerada uma estratégia que encaminha posições e relações.
Conforme a relação do indivíduo, ou do grupo, com a leitura, ele
pode ser apreendido socialmente.
Compreender a apropriação dos discursos, isto é, a maneira
como afetam o leitor indicando novas normas de compreensão de
si e do mundo, é uma modalidade de apreender práticas social-
mente construídas (Remond, 1988, p.12).
O estudo das condições de produção e da apropriação de dis-
cursos (de qualquer ordem) dentro de uma sociedade leva à apreen-
o de peças eficientes no reconhecimento de formas de constru-
ção e de apropriação de valores (por exemplo, valores de caráter
nacionalista) aceitos pela mesma sociedade.
Um sistema de configuração apóia-se em uma lenta sedimen-
tação. Sua análise significa a captação de comoo pensados cer-
tos instantes culturais validados por uma sociedade, e captar tais
instantes, compartilhados, implica levar em conta sua pluralidade
cultural.
Para Octávio Ianni (1992, p. 145-6), apenas na aparência a
cultura vigente na sociedade brasileira é "uma" cultura. O que pa-
rece ser "uma cultura brasileira" é um complexo de modos de vi-
ver e trabalhar, sentir e agir, pensar e falar queo se organizam
em algo único, homogêneo, integrado, transparente. "As idéias de
língua nacional, sociedade brasileira, nação, Estado Nacional mu-
dam conforme as condições de vivência e sofrença."
Uma tensão fundamental domina, portanto, a possibilidade
de ir do discurso ao fato. Uma análise da realidade por meio de suas
configurações requer atenção a múltiplos sentidos que envolvem
tais configurações.
Entrar nessa tensão para analisar práticas de leitura implica
tornar operatória a noção que se dá ao conjunto de suas apropria-
ções, isto é, ao relacionamento existente entre os discursos e quem
os utiliza - autores e professores, escritores e leitores.
As ações, as interações, as relações de conflito que aparecem
nos diferentes relatos dos professores, cujos enunciadoso os
guias maiores neste trabalho, representam configurações de época
sob a forma de histórias. A evidência de determinado herói-autor
em dado momento relaciona-se com experiências cotidianas que
propiciam a consagração do personagem.
Segundo Roger Chartier (1990, p. 22), representações sociais
m tanta importância quanto lutas econômicas no engendramen-
to dos mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor,
sua concepção de mundo social, seus valores.
Seguindo essa linha, quais seriam o gênero e os valores ou o
emaranhado deles que garantiam as configurações de época? Co-
mo o herói-autor teria entrado no processo de escolarização, assu-
mido a qualidade de testemunha de um tempo, de um espaço, de
interrogações, de emoções e de ridículos de uma época?
Observações presentes na fluência perspicaz de protagonistas
dos momentos analisados retratam algumas dessas questões.
Eu adorava ler. Antigamenteo usava mandar ler, eu lia por-
que gostava de ler.
Eu lia um pouco de Monteiro Lobato, eu me lembro... Humberto
de Campos eu li, José de Alencar, O tronco do ipê, Iracema, O guara-
ni, Machado de Assis, Dom Casmurro, Obras póstumas de Brás Cubas,
tudo isso eu li. Castro Alves, Fagundes Varela... Rui Barbosao ti-
nha livro assim gostoso para a gente ler, mas era muito famoso. (M.
T. L. F., 1927, professora: 1945)
Rui Barbosa era "famoso", mas seus livroso eram lidos.
O princípio de hierarquização no campo do poder era favorá-
vel àqueles que dominavam em campos como o econômico e o po-
lítico. Os índices de sucesso no campo cultural subordinavam-se
ao campo do poder (Bourdieu, 1992, p.301-2).
Olha, lá na escola que eu lecionei, lá no Grupo João Mendes, a
gente lia demais, a gente trocava muitos livros. Jorge Amado era um
dos que a gente lia.
Os alunos tinham livros de leitura. Então eram aquelas as lições,
as dos livros de leitura deles. Tinha estórias curtinhas, era só assim.
A gente mandava reproduzir, algumas vezes fazia perguntas para
ver se entendiam o texto. Usava também fazer muita leitura silenciosa.
A gente percebia que eles liam só com os olhos, outros ficavam só me-
xendo com os lábios. A genteo usava mandar ler e depois cobrar.
Euo me lembro se tinha nome de autores nos livros, tinha peque-
nos trechos que eles liam e daí a gente tirava exercícios de gramática
e mandava reproduzir. Era um livro que se chamava livro de leitura,
tinha bastante pedaços curtos, euo me lembro do nome dos auto-
res, nem lembro se tinha nomes. (M. T. L. F., 1927, professora: 1945)
O livro didático nacional firmou-se a partir de 1930. A crise
econômica mundial e a desvalorização da moeda brasileira permi-
tiram a competição comercial com o livro importado (Freitag,
1993, p.12).
Em 1937 foi criado o INL (Instituto Nacional do Livro), ór-
o subordinado ao MEC, comportando a Coordenação do Livro
Didático. Os livros de leitura de classe foram definidos, então, co-
mo "livros usados para leitura dos alunos na aula". Nesse momento
foi também criada uma comissão com função,o explicitada, de
controle político-ideológico. A ela foram delegados poderes que
possibilitavam um controle da produção e circulação do livro di-
dático.
Nesses livros, "livros de leitura",o aparecem referências
aos autores dos textos. Tais textos eram transcritos em forma de
"pedaços curtos", como mencionam os professores em seus rela-
tos. Tal fato guarda certa coerência. A difusão dos nomes dos au-
tores e de suas obras era feita por outras vias. Por meio da invoca-
ção de outros predicados, políticos, intelectuais. Estabelecia-se
uma relação entre "herói" e "gênio". Era muito importante, por-
tanto, divulgar os conteúdos, os valores, maso era necessário
que a identificação de autores acontecesse pela efetivação concre-
ta da leitura. O autor-herói podia ser construído independente-
mente dela, mas a partir de pressupostos contidos em suas obras.
Daí a dispensa de identificação dos autores nos "livros de leitura"
escolares.
Rui Barbosa, por exemplo, era o herói que representava a in-
teligência da nacionalidade brasileira. O gênio capaz de assombrar
o mundo desenvolvido, em Haia. Monteiro Lobato, porque criava
outros heróis que ultrapassavam as mais diversas dificuldades.
Olavo Bilac era o poeta que sabia cantar o país grande, como afir-
ma Coelho Netto. A "heroicidade" de Machado de Assis é bem ex-
plicada por Roberto Schwarz quando diz:
Ora, a despeito de toda a mudança havida, uma parte substancial
daqueles termos de dominação permanece em vigor cento e dez anos
depois, com o sentimento de normalidade correlato, o que talvez ex-
plique a obnubilação coletiva dos leitores, que o romance machadia-
no, mais atual e oblíquo do que nunca, continua a derrotar.
Nem é à-toa que Machado de Assis brilhe de formao oficialis-
ta nas seletas escolares, ou que Rui Barbosa lhe tenha atestado ao-
da-cova discursando em nome da Academia Brasileira... (Schwarz,
1990, p.36, 163)
As obras de Machado de Assis estão entre as mais citadas pelos
professores entrevistados, e numerosas seletas inseridas nos "li-
vros de leitura", ainda que nem sempre identificadas explicita-
mente, eram tiradas de obras do mesmo autor.
Diz uma professora:
Machado de Assis eu li porque tinha a coleção e eu tenho ainda.
Li quase todos os livros de Machado de Assis.
E por sinal quando eu estava no ginásio eu tinha uma professora
de português que mandava a gente ler muito sobre Machado de
Assis, então a gente fazia trabalhos sobre o livro. Acho que li uns cin-
co ou seis livros para fazer trabalhos.
Você sabe que quando eu lecionava e tinha classe boa de primei-
ra série, no final do ano, eu tinha bastante livrinhos e eu mandava as
crianças lerem. (I. F. F., 1930, professora: 1950)
A memorização histórica tem, ela mesma, uma historicidade.
Cada época constrói seus modelos. De tais modelos emergem his-
tórias de leitura. A visão do grupo de professores, privilegiado nes-
te estudo, permitiu rastrear a apropriação de histórias de leitura,
construção de "heróis" e de valores, em graus e momentos diver-
sos, no município de Assis.
Trilhar o caminho pelo qual eles chegaram ouo às escolas,
a forma como foram conhecidos ou desconhecidos, consumidos e,
às vezes, esquecidos no processo social, é buscar a compreensão
do processo mitificador, acontecimento queo é neutro. Assim,
sua desconstrução implica organizar fatos dispersos, captar finali-
dades em discursos por mais generalizadores que sejam. O herói
construído é um ator político de natureza modeladora.
Nos relatos da fase de formação escolar dos professores, seu
gosto pela leitura, por exemplo, é muito salientado. Os autores e
obras lidas, ou não,o claramente identificados e qualificados.
Por outro lado, quando as referências dizem respeito ao período
de exercício profissional, as práticas de leiturao apresentadas
em função de trabalhos gramaticais e de interpretação.
Considerando o herói construído como um ator político com
natureza modeladora pode-se perguntar: de onde vem ele?
A construção do herói-autor guarda, sem nenhuma dúvida,
grande distância daquela do herói-personagem da história e de es-
tórias. Entretanto, pode-se pensar que a trajetória de um herói su-
e uma história de perdas e ganhos que influenciam a relação entre
o herói e o leitor e que, no desenvolvimento dessa relação, ambos,
leitor e herói criado, redimem-se, em comunhão, por meio do dra-
ma ou da comédia. É possível então argumentar que a construção
do herói-autor mantém algumas semelhanças com a construção do
herói-personagem da história e de estórias. No sistema de constru-
ção de um herói-autor, o material que o ampara costuma, tam-
bém, estar impregnado de apelos dramáticos ou alegres, de episó-
dios marcantes de sua própria biografia. Tais episódios podem
estar relacionados a questões de nacionalidade, de etnia, a grandes
feitos que lheo atribuídos ou a dramas e alegrias vividos pessoal-
mente ou em sociedade.
Essa pluralidade própria da construção do herói permite que
anti-heróis aparentemente típicos sejam entronízados também na
galeria dos "heróis". Jeca Tatu é um exemplo. A respeito desse
"herói", diz uma professora:
Aquelas coisas do Jeca Tatu apareciam muito. A gente lia aque-
las historinhas, principalmente no primário.
Quando eu estava dando aulas as crianças liam. Eram histori-
nhas. Tinha sempre na biblioteca da escola aqueles livrinhos. Aqui na
Vila Operária tinha biblioteca. (D. R. S. B., 1925, professora: 1948)
Jeca Tatu tem características de anti-herói, mas entra em cena
como "herói". Nesse caso a configuração do herói se realiza, exa-
tamente, pelo mesmo processo que modela o "herói" vencedor. O
Jeca Tatu também é único na sua espécie,o existe outro. Nin-
guém acha que se iguala a Jeca Tatu. Ninguém se assemelha a
"praga da terra", "piolho da terra". Eleo retrata ninguém, nin-
guém se identifica com ele. É o anti-herói da escola, aquele que
o é instruído. Mas ele é excepcional, mostra o patamar do qual
se deve fugir para atingir a meta geral - o desenvolvimento, o pro-
gresso. Portanto, aponta o caminho queo deve ser trilhado para
se alcançar a grandeza da Pátria. Daí sua aceitação como herói.
O culto do herói Jeca Tatu nas escolas é desenvolvido a partir
dessa simbologia ligada à própria simbologia da nacionalidade, do
nacionalismo.
O uso, o culto de símbolos, de comparações, de falas figurati-
vas na construção da imagem de nação como uma totalidade orgâ-
nica, concorre para neutralizar conflitos na sociedade. Jeca Tatu
representa, assim, a unanimidade nacional. Mostra o queo deve
acontecer. Sem distinções de classe social, todos concordam que
ninguém deve se parecer com ele.
Herói é sempre construção. É construído, primeiramente, na
imaginação. Assume o papel do "outro". Tem muito a ver com a
busca de fórmulas para solucionar problemas. Guarda proximida-
de com um referencial quase religioso. O carisma que o acompa-
nha implica uma relação entre o grande símbolo e seus seguidores,
e a inserção do carismático num contexto social (Weber, 1979,
p.128, 141).
A luta em torno da legitimação do mito da contemporaneidade
com países desenvolvidos envolveu a construção de heróis exempli-
ficadores. Essa construção pressupunha identificação de ídolos a se-
rem coletivizados como heróis. O ídolo é relativo, ídolo de uns po-
deo ser o de muitos. O herói tem um caráter mais absoluto,
preenche anseios sociais. É sempre autor de façanhas, único, inde-
pendente, e corresponde a um modelo valorizado socialmente.
Assim, práticas consideradas como "boa leitura", nos momen-
tos analisados, foram entendidas como práticas de produção de in-
terpretações, formas de apropriação de valores. Valores que cons-
truíram configurações. Configurações a respeito de progresso no
campo e na cidade, progresso na educação com desenvolvimento.
PROGRESSO:
CAMPO E CIDADE - EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
Desenvolvimento científico e técnico se confunde com pro-
gresso da humanidade? Progresso científico e regressão social per-
tencem a um núcleo comum? Existem o progresso e as vítimas do
progresso?
A partir da década de 1920 no Brasil, a miragem do progresso, o
anseio para atingir as condições de país desenvolvido cristalizaram-se
segundo os desígnios maiores dos segmentos sociais dominantes. O
"progresso" aconteceu, muito particularmente, no Estado deo
Paulo. Nesse momento foi-se alastrando, de modo intenso, pela re-
gião Oeste desse Estado. Tal fato pode ser verificado nas notícias da
imprensa da época, tanto de circulação estadual como local.
Sobre a cidade de Assis já se dizia, em 1922:
A uberdade maravilhosa das terras que prestam-se para qual-
quer cultura, a amenidade do clima, a posição topográfica da locali-
dade, pitoresca e alegre foram, aos poucos, atraindo para esse saudo-
so recanto paulista novas famílias e levas de trabalhadores que ali se
estabeleceram, dando, dia a dia, rápido incremento a Assis, assim de-
nominada em homenagem ao seu fundador e doador do patrimônio
- Francisco Assis Nogueira. (Capri, 1922, p.l)
Em 1939, o Jornal de Assis publicava em editorial:
O ritmo progressista de Assis vai num acelerado assustador, e o
dínamo funciona admiravelmente dando-nos a antevisão de um futu-
ro de grandes proporções, se nada suceder na marcha tranqüila e se-
rena pela qual atravessa o nosso rico Estado e o nosso glorioso Brasil.
("Assis e o seu progresso", 13.5.1939)
A grande imprensa deo Paulo manifestava uma linha atrela-
da à euforia progressista. Segundo estudos sobre o jornal O Estado
de S. Paulo, englobando períodos queo de 1927 a 1945 e de
1955 a 1958, a grande imprensa incorporou e retratou o projeto
aceito como detentor da matriz do desenvolvimento para o Brasil
(Prado & Capelato, 1980, p.11-3). Tal projeto político já era apa-
rente na década de 1920. O jornal defendia o que era considerado
o motor do desenvolvimento para o país, isto é, a união da indús-
tria, da agricultura e do comércio, o que viria possibilitar o pro-
gresso social e econômico, tendo como ponto de partida a educa-
ção (Sant'anna, 1992, p.36, 37, 52).
A idéia de sobreposição do homem ao mundo natural cami-
nhava estreitamente ligada à valorização da busca de progresso,
considerado, por sua vez, como condição imprescindível para a
construção de um futuro promissor.
Relatos de professores confirmam esses anseios:
Em 1939 eu ingressei em Cruzália, naquele tempo chamava-se
Cruz Alta. A escola tinha de primeiro a terceiro ano. Eu dava aula pa-
ra primeiro e terceiro e uma colega para o segundo ano.
1939! Ah! meu Deus! era uma aventura! Nossa Senhora! Parece
que era o fim do mundo. Até Anhumas a gente ia mais ou menos, a
FOTO 1 - Vista parcial de Assis (1935).
estrada era boa. De Anhumas para lá era mata fechada. Você passava
no meio da mata, era mato dos dois lados.
Eu vinha uma vez pors para Assis, viajava de jardineira.
Mas era longe! Levava três horas de viagem.
Em 1939 fui transferida para a Água da Baixada, aqui perto de
Assis. Eu já tinha casado e meu marido me levava de Chevrolet, os
alunos me esperavam na porteira e aí a gente ia a, porque o auto-
móvelo chegava até a escola.
Da Água da Baixada fui para Cardoso de Almeida. Aí eu ia de
trem. (M. S. B., 1918, professora: 1935)
A Avenida Rui Barbosa morria aqui na Rua Sete de Setembro e
dali para a frente era estrada que ia para o Matão, Pavão, Piratininga.
Depois é que alargaram a avenida, que continuou com o nome de Rui
Barbosa.
Assis ficava para o lado do Museu. A rua principal era a Capitão
Assis, e a cidade era toda para esse lado. Cresceu depois, quando pas-
sou a Sorocabana; antes era tudo para o lado do Museu, o correio, os
cartórios. (U. F., 1919, funcionário municipal aposentado)
O diagnóstico sobre a vitória do "progresso"o podia ser
mais preciso. A mata estavao próxima! Jáo era nem zona ru-
ral, era silvestre mesmo, mata! Ruas viravam estradas. Mas quase
de repente a "jardineira" foi sendo substituída pelo "Chevrolet",
pelo "trem". O centro histórico da cidade, a rua principal - Rua
Capitão Assis, nome do doador do patrimônio - deixou de ser o
referencial mais importante no desenvolvimento da cidade. A Es-
trada de Ferro Sorocabana foi assumindo o comando. Tudo come-
çou a girar em torno da sua estação. Há dificuldade em separar
campo e cidade, que se entrelaçam, se aproximam e se distanciam.
O impulso de desenvolvimento em direção ao progresso esta-
va associado a um processo de acelerada urbanização. Esta, por
sua vez, reforçava, nas cidades, o anseio de desenvolvimento nas
mais diferentes áreas. Por exemplo, na valorização da escolaridade
que englobava certezas sobre a necessidade do ler e do escrever. As
práticas de leitura e de escrita pareciam conter faculdades mágicas
para o progresso, o alcance da ascensão social.
Assim, um dos eixos tido como sustentáculo do tipo de desen-
volvimento que se defendia para o Brasil centrava-se na educação.
As concepções sobre sociedade e nação, propostas para nortear a
escola, abarcavam princípios absorvidos em teorias consideradas
responsáveis pelo desenvolvimento alcançado por países europeus
e pelos Estados Unidos. Esses eram os referenciais aceitos como
modelo.
Os mecanismos vistos como responsáveis pelo salto desenvol-
vimentista que se creditava a esses países eram a valorização da
ciência e da técnica. No final da década de 1920, setores ligados a
esse posicionamento passaram a difundir a necessidade de uma re-
construção nacional com reconstrução escolar. Uma nova postura
em relação ao conceito de nacionalismo foi sendo fortalecida.
No período compreendido entre 1889 e 1930, entre as orien-
tações teóricas que envolveram a educação estava o positivismo,
combinado com evolucionismo e darwinismo social, além de ou-
tras correntes. A produção intelectual de alguns autores, como a
de Olavo Bilac, de Rui Barbosa e de Euclides da Cunha, expressava,
também, algumas dessas tendências.
FOTO 2 - Festa: Inauguração da Estação da Estrada de Ferro Sorocabana. Presença
do padre David Corso (Vigário de Assis- 1926-1930, 1936-1942) e da
Corporação Musical Santa Cecília.
Assim, os heróis-autores construídos mantinham uma relação
com a idéia de nacionalidade que se perseguia e que era impregnada
de um determinado tipo de nacionalismo.
Tal idéia era celebrada por meio de atos concretos. Por exem-
plo, os estudantes da Faculdade de Direito deo Paulo ergueram
um Monumento a Olavo Bilac; foi projetado e executado o Mo-
numento às Bandeiras e há uma multiplicação de "templos cívi-
cos" (Sevcenko, 1992, p.99).
Tais movimentos de celebração podem ser vistos como forças
que, ao despertarem o entusiasmo, geram uma euforia capaz de
concorrer para que se estabeleça uma identificação com os "he-
róis" envolvidos na homenagem. Os apelos emocionais levados às
últimas conseqüências incentivam as mais diversas manifestações.
Nessa época (1922), por exemplo, houve a celebração extra-ofi-
cial da bandeira, criada pela Liga Nacionalista. Organizou-se uma
marcha ritual noturna à luz de tochas, atrás de uma gigantesca
bandeira brasileira conduzida por jovens estudantes. Tudo culmi-
nou no Monumento a Olavo Bilac e numa grande queima de fogos
(ibidem, p.102). Assim, uniam-se mitos solidários: herói e símbolo
nacional.
Nesse contexto, a escolaridade representava um dos indispen-
sáveis caminhos para a formação do "homem de êxito". O suces-
so, dizia-se, exige instrução.
A partir dos pressupostos teóricos expostos por John Dewey
passaram a ser desenvolvidos, no Brasil, alguns estudos e propos-
tas com o objetivo de dar direção à política educacional. A linha da
"Escola Nova" foi um deles.
A Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924,
teve papel importante na história da educação contemporânea no
Brasil. Atuava por meio de reuniões, conferências e documentos.
Entre estes o mais conhecido, lançado em março de 1932, é o
"Manifesto dos pioneiros da Escola Nova".
Em 1930 criou-se o Ministério da Educação e Saúde e o pri-
meiro ministro nomeado foi Francisco Campos.
Alguns educadores entrevistados por Ester Buffa e Paolo No-
sella, cujos depoimentos constam de um "livro-documento",
apontam a importância da educação dentro do processo de urba-
nização em marcha no Brasil e, em especial, no Estado deo Paulo.
Além disso, salientam a influência norte-americana e, especialmen-
te, o progressismo em educação de John Dewey. Segundo Buffa &
Nosella, todos os educadores entrevistados por eles concordavam
que se tratou de um movimento de caráter progressista (1991,
p.59-62).
O ideário da Escola Nova no Brasil envolve uma grande com-
plexidade (Cunha, 1992, p.298). Contudo, pode-se dizer que esse
ideário foi marcado, basicamente, por uma proposta de renovação
da educação e, no que diz respeito ao âmbito político, esteve bas-
tante ligado ao resgate de conceitos liberais voltados para um aten-
dimento às idéias de progresso sustentado na ciência e na técnica
(Sant'anna, 1992, p.52).
Nessa tarefa tomaram vulto, a partir da década de 1920, as
perspectivas de transformação do Brasil por intermédio da educa-
ção.o Paulo e Rio de Janeiro tiveram um papel relevante na di-
fusão das idéias escolanovistas, seguidos por outros estados onde
foram propostas algumas reformas educacionais. O desenvolvi-
mento de estudos em áreas de ciências como biologia, psicologia e
sociologia também foi importante na orientação de novos ângulos
a serem explorados pela educação.
Assim, a educação foi, cada vez mais, sendo relacionada ao
conceito de progresso, processo esse intrínseco à urbanização que
ia mostrando sua face contínua e avassaladora no Estado deo
Paulo, incluindo sua região oeste. A urbanização, o "progresso"
englobavam um conjunto de pressupostos, todos relacionados ao
esperado bem-estar social, econômico, político, cultural e, tam-
bém, a uma abertura para a realização individual.
A Escola Nova tinha como fundamento o conceito "todos para a
escola" que absorveu o conceito "escola para todos", no sentido de
escola única, "reconstruída através do método científico. Dentro do
projeto educacional de 'escola para todos', exigia-se o fim do analfa-
betismo, para se conseguir o progresso" (Sant'anna, 1992, p.62).
Segundo Buffa & Nosella,
é inegável que a época dos Pioneiros da Educação Nova e das gran-
des reformas estaduais do ensino dos anos 20 e 30 está, de alguma
forma, presente em toda a reflexão educacional brasileira de ontem e
de hoje como uma referência histórica fundamental, uma espécie de
tempos heróicos da memória educacional brasileira. (1991, p.59)
Tratava-se de um momento de negação de formas tradicionais
de ensino e de novas propostas de métodos e conteúdos que acom-
panhavam o processo de urbanização com escolaridade que envol-
viam a sociedade brasileira.
Para Paschoal Lemme, a fim de se entender a importância do
movimento e das reformas educacionais desse período, é preciso
considerar o que era o Brasil antes disso: um país com uma educa-
ção inteiramente elitista, jesuítica, autoritária (apud ibidem, p.64).
Segundo Lemme, os educadores envolvidos no movimento de re-
novação vieram trazer o progresso que a burguesia impulsionava.
Entretanto, ao lado do reconhecimento da existência de uma
busca de progresso, os depoimentos sobre o movimento dos cha-
mados "Pioneiros" apontam, também, um ângulo idealista que se
expressaria num evolucionismo econômico, numa ingenuidade
política.
Os limites teóricos do movimento dos "Pioneiros" e a repres-
o desencadeada no governo Vargas, a partir de 1935, levaram a
uma interrupção da mobilização em torno da procura de diretrizes
para a política educacional no Brasil.
A política educacional do Estado Novo foi sempre balizada
pelo autoritarismo e pela preocupação de "equacionar as questões
da relação escola - trabalho, ou seja, da profissionalização do ensi-
no. Esta preocupação se evidenciao só na legislação, na criação
do SENAI e do SESI, mas também na criação de escolas técnicas
federais nos vários Estados" (ibidem, p.96).
Com o fim do Estado Novo, inicia-se um período em que os
conflitos sociais e educacionais começam a voltar à tona.
Na década de 1950, a idéia de contemporaneidade com os paí-
ses desenvolvidos parecia estar mais ao alcance da mão, dependen-
do somente de algum esforço para o progresso levar o país até.
A sintonia parecia possível dado o aparato de tecnologia que,
em cada momento, diversificava-se e se difundia mais e mais.
Em Assis, um poeta da cidade, nos anos 60, procurava estabe-
lecer uma interlocução entre o aparato progressista que se preten-
dia alcançar e a Assis "provinciana". Dizia:
Assis, eu conheci calada e provinciana.
o a Assis forrada deste ruído incessante, deste ruído de cami-
nhões que travam pelas ruas o diálogo do progresso.
o a Assis filetada de asfalto por onde trepidam o dinamismo
de uma cidade adolescente espigada e séria, autoconfiante e que sabe
o que quer.
o a Assis de troncudos edifícios com muitas janelas onde se
quadricula o sol.
Assis eu te conheci calada e provinciana.
o a Assis de muita gente.
o a Assis da Faculdade de Filosofia.
o a Assis da futura Faculdade de Odontologia.
o a Assis onde fiz guarda para um Presidente da República.
o a Assis onde outro Presidente exagerando me chamou de
jornalista.
o a Assis da Catedral nova se avolumando atrás da outra, a
antiga.
o -o foi esta a Assis que eu conheci e que perdi.
Ainda subsiste dentro da minha memória e principalmente den-
tro de meu coração a Assis perdida.
Aquela que eu conheci calada e provinciana.
De poucos veículos levantando nas ruas o seuu de poeira.
De casas pequenas, porque eu no topo de uma árvore era dono
da cidade.
Assis de pouca gente.
Assis de feroz futebol aos domingos, o Atlético e a Ferroviária,
as camisas azuis e as camisas vermelhas. Depois a reunião no bar do
Pepino e as infalíveis brigas. Eu torcia pelo Atlético, assim como meu
tio e meu pai. Era hereditário torcer pelo Atlético em casa.
Assis onde eu nunca vira um Presidente da República.
Assis da Catedral antiga. Aqui, vocêso me desculpar, sei que é
um progresso, mas por uma questão de sinceridade e amor antigo,
sou acérrimo defensor da Catedral antiga, onde o Padre David me
entregou a Deus.
Assis, enfim, das coisas de muito antigamente e que talvez para
os novoso faça muito sentido.
Assis que eu conheci calada e provinciana.
Assis, como os bons tempos de outrora, distantes e, infelizmente,
mortos. (Pedro d'Arcádia Neto, Jornal de Assis, 1
o
.7.1962)
O "HERÓI": DIMENSÃO/VISIBILIDADE
Trabalhar a escolaridade, práticas de leitura e escolha de auto-
res envolve encarar a construção de vários tipos de "heróis". Há o
herói da história com caráter de libertador nacional, de responsá-
vel pela nacionalidade e pela preservação da territorialidade. É
considerado herói positivo. No caso do Brasil, Tiradentes é um
exemplo. Há o herói patriótico com fundamentos nacionalistas,
cujas histórias visam fazer as pessoas aceitarem posicionamentos
políticos. Rui Barbosa seria um deles: um "herói" civilista. Há o
herói de leituras como Olavo Bilac, Coelho Netto. Há também o he-
rói-editor-escritor como Monteiro Lobato.
Ao aproximar-se a década de 1920 o ramo editorial provocava
entusiasmo no mercado. A esse respeito, já em novembro de 1917,
dizia Monteiro Lobato: "Lá pela Revista do Brasil tramam coisas e
esperam deliberação da assembléia dos acionistas. Querem que eu
substitua o Plínio na direção; mas minha idéia é substituir-me à as-
sembléia, comprando aquilo" (Lobato, 1950, p.159).
Assim, desde 1918, Monteiro Lobato, com 13 contos de réis
obtidos na venda de uma fazenda de café, tornou-se o único pro-
prietário da Revista do Brasil. Sobre os resultados do investimento
afirmava: "A Revista do Brasil vai bem. Quando me fiquei com ela,
entravam em média 12 assinaturas por mês. Hoje entra isso por
dia. Nesta primeira quinzena de agosto [1918] registrei 150 assi-
nantes novos" (ibidem, p.179).
O ingresso de Lobato no ramo editorial tem sido considerado
fundamental na história do livro no Brasil. Lobato procurou im-
primir uma relação nova com o leitor e um caráter diferente ao
mercado. Empenhou-se em transformar o estilo de escrever livros
e, com isso, mudou o tipo e a quantidade de leitores atraídos para
a leitura. Procurou atingir o público leitor em todo o território na-
cional. Porém, enfrentou outro problema, a falta de pontos-de-
venda para o livro. Adotou então uma estratégia peculiar para a
época, a de propor a venda de livros a proprietários de bancas de
jornais, papelarias, farmácias e armazéns de todos os recantos do
país. Para isso valeu-se da cooperação dos agentes postais que, por
solicitação sua, lhe enviaram endereços de estabelecimentos situa-
dos nos locais onde representavam os serviços de correio. Assim,
com expedientes mais ou menos simples, Lobato conseguiu revo-
lucionar quase todos os aspectos da indústria editorial (Hallewell,
1985,p.236, 244-5, 248).
Dizia ele:
Meu processo é obter em cada cidade o endereço das pessoas
que lêem e enviar a cada uma o prospecto da Revista, com uma carta
direta e mais coisas - iscas. E atiço em cima o agente local. Estou a
operar sistematicamente no país inteiro. Mande-me pois daí o nome
das pessoas alfabetas menos cretinas e merecedoras da honra de ler a
nossa revista. Tenho a esperança de que desta brincadeira da Revista
do Brasil me saia uma boa casa editora.
Um ano depois obtinha, de fato, bons resultados. Podia anun-
ciar ao amigo Rangel:
O negócio vai crescendo de tal modo que já estamos montando
oficinas próprias, especializadas na fatura de livros. Aqui morre-se de
trabalhar. Já temos oficinas, problemas operários, a firma está regis-
trada na Junta Comercial. Chamamo-nos na "praça", Olegário Ribei-
ro, Lobato & Cia. Limitada! A "Praça"! Uma coisa seríssima, Rangel.
Temos dum lado, literariamente, o Público Ledor; e de outro, co-
mercialmente, a Praça! ... O próximo número da Revista já será im-
presso em nossas oficinas, com tintas nossas, tipos nossos - e verás
como melhorará a fatura. Acaba de fazer um ano que comprei a Re-
vista do Brasil... Saiu melhor do que esperei. Quando fiz a compra, o
ativo era de 3 contos e o passivo de 16; custou-me portanto 13 con-
tos. Hoje, um ano depois, estamos com um ativo de 70 contos e um
passivo de zero. (Lobato, 1950, p.179, 186, 189, 192, 202)
A difusão das obras de Monteiro Lobato é assim lembrada:
O primeiro livro que eu comprei para os meus filhos foi a cole-
ção, para crianças, do Monteiro Lobato. (M. T. L. F., 1927, profes-
sora: 1945)
A euforia, entretanto,o durou muito tempo. Em 1925, Lo-
bato escrevia:
Aindao posso dizer que rumo tomarão as coisas. Antes cons-
truir uma casinha nova e só da gente do que remendar um casarão de
todo o mundo. Havendo liquidação, lançaremos sem demora a Com-
panhia Editora Nacional, pequenininha, com 50 contos em dinheiro e
2.000 em experiência - e em poucos anos ficaremos ainda maiores
que o arranha-céu que desabou. A Companhia Editora Nacional vai
prosseguir na obra partindo do ponto em que a outra estava no mo-
mento do tombo. Com a diferença que o negócio agora é só nosso -
meu e do meu velho companheiro -o há acionistas nem capitalis-
tas estranhos. (Lobato, 1950, p.279-81)
A expansão editorial registrou florescimento de muitas edito-
ras. Contudo, a primeira companhia de Monteiro Lobato, ou a sua
sucessora, a Companhia Editora Nacional, "ocuparam o primeiro
lugar entre as firmas brasileiras dedicadas exclusivamente à edição
de livros, desde 1921 até princípios da década de 70, sem inter-
rupção" (Hallewell, 1985, p.254).
A importância de Monteiro Lobato no desenvolvimento do
mercado editorial brasileiro é também lembrada pelo escritor-
rio Graciotti:
Lá pelo ano de 1917, a situação do livro no Brasil era feia ... Veja
o exemplo de Monteiro Lobato. Quando naquele ano ele escreveu
"Urupês", pensou em tirar 300 exemplares, 100 para os amigos, co-
mo homenagem, e 200 para bicharem nas prateleiras. Lobato dizia
que um livro levava em média cinco anos para esgotar uma edição.
Quer dizer, o autor escrevia um livro, mil exemplares para ficar mais
barato, mas como ele, Lobato, tinha poucos recursos, quis tirar 3.000
exemplares e esperar cinco anos. Mas o livro espantou a nação brasi-
leira, foi um sucesso e chegou à segunda e terceira edição rapidamente.
(Graciotti, 1992)
O próprio Lobato mostrava-se surpreso com a dinâmica que o
mercado do livro foi assumindo. Em 1934 ele dizia: "Tenho em-
pregado as manhãs a traduzir, e num galope. Imagine só a batelada
de janeiro até hoje, Grimm, Anderson, Perrault, Contos de Conan
Doyle, 'O homem invisível' de Wells e 'Polyana Moça'. O livro de
Jungle. E, ainda, fiz 'Emília no país da gramática'" (Lobato, 1950,
p.327). Juntava-se, portanto, às atividades de escritor e empresá-
rio, a de tradutor.
Segundo Marisa Lajolo,
Depois do estrondoso sucesso de seu primeiro livro para crian-
ças, Lobato percebe a importância da escola na difusão do gênero e
o hesita em fazer dela um trampolim para seus livros infantis.
Assim, de uma forma até mais simples do que aquela pela qual orga-
nizara uma rede alternativa para a distribuição de livroso infantis
de sua editora, foi através da escola que ele fez escoar os cinqüenta
mil exemplares que imprevidente mas premonitoriamente fizera im-
primir de Narizinho Arrebitado. (1985, p.49)
Conta-se que Washington Luiz, então presidente da Repúbli-
ca, em visita a uma biblioteca escolar percebeu um livro bastante
manuseado -A menina do nariz arrebitado - e recomendou a com-
pra de exemplares para distribuição às escolas públicas do país.
Perguntado a Lobato quantos exemplares poderia vender ao go-
verno, respondeu: "Quantos quiser, temos narizinhos a dar com
pau. Posso fornecer cinco mil, dez mil, vinte mil, trinta mil...".
o acreditando muito, o secretário que fazia a encomenda pediu
trinta mil exemplares e, com surpresa, recebeu imediatamente
aquele número inusitado de livros, para a época. Tudo estava
"premonitoriamente" em estoque.
A associação de informações, algumas coincidentes com o
currículo escolar (Emília no país da gramática foi publicado em
1934), favorecia o interesse de pais e professores no incentivo à lei-
tura das obras de Monteiro Lobato e, em conseqüência, sua divul-
gação.
Fica assim o autor: "como homem dos sete instrumentos que
foi, como gato de sete vidas, que era. E que, por tocar tantos ins-
trumentos e por viver tantas vidas, prossegue gerando polêmicas
o acesas quanto aquelas que pontilharam sua vida" (Lajolo,
1985, p.80).
Neste trabalho, o envolvimento de Monteiro Lobato no mer-
cado editorial vem sendo salientado em razão, exatamente, da re-
lação estabelecida entre esse fato e a notoriedade adquirida pelo
seu nome e suas obras no contexto social brasileiro em geral e, em
particular, nas práticas de leitura nas escolas.
Referências a Monteiro Lobato aparecem como chave de
exercício de boa leitura, em "todos os tempos".o importa a his-
toricidade do leitor, criança no Brasil devia (deve?) ler histórias de
Monteiro Lobato. Ele era, e é, amado. Quando morreu, a multidão
o homenageou como o herói "daquele tempo". Depois seu nome
continuou a ser o legitimador de "boa leitura".
Essa legitimação é assinalada em depoimentos de professores
de primeiro grau em Assis. Dizem eles:
Olha, quando eu estava estudando, fazendo magistério, então
eles davam idéias para quando a pessoa fosse lecionar, ou nas aulas
práticas, que a gente ia dar. Naquela aula os professores ficavam no
fundo da sala, a gente morrendo de medo. Então eles davam muitos
exemplos, falavam muito para se usar histórias de Monteiro Lobato.
(M. M. D. C, 1942, professora: 1962)
s fazíamos biblioteca circulante nas classes. Vinham livros
doados pelo governo. Os alunos podiam levar os livros para casa. Um
dia por semana era o dia de biblioteca, de distribuição de livros, ge-
ralmente livros de recreação. Monteiro Lobato era o preferido. (M.
S. B., 1918, professora: 1935)
Relatos sobre formas, sobre a aproximação entre leitores e li-
vros constituem-se fonte para o entendimento de como se estabe-
lecem elos que condicionam práticas de leitura e escolha de auto-
res. Podem revelar a constituição da cadeia envolvida no controle
e difusão de valores sociais.
O prestígio do nome e das obras de Monteiro Lobato alcança-
va extrema repercussão na imprensa assisense. Em 1944 o jorna-
lista, colaborador do Jornal de Assis, que assinava Paes Leme, pu-
blicou, com o título "Eu conversei com Monteiro Lobato", uma
crônica com passagens que merecem ser referidas:
- O sr.o é Monteiro Lobato?
- Perfeitamente, sou Monteiro Lobato.
- Tenho lido muito os seus livros. O sr.o tem escrito mais,
por quê?
- Só escreverei mais tarde quando o mundo for outro,o este
cheio de interesses mesquinhos, de interesses pessoais. Enquanto a
democraciao cobrir a face da terra, continuarei escrevendo apenas
para crianças.
- O sr. é o escritor mais lido atualmente no Brasil! (Jornal de
Assis, 4.3.1944)
A preferência pela leitura da obra de Monteiro Lobato foi pas-
sando de geração a geração. Institucionalizou-se a sua prática. Ela
estava presente desde o momento da formação dos professores até
o do desenvolvimento de suas atividades profissionais.
A correspondência entre gosto e sistema de valores aceitos pela
sociedade venceu, até mesmo, as repercussões de perseguições po-
líticas a que esteve sujeito o autor. Conta uma professora.
Na época em que eu estudava havia uma campanha contra o
Monteiro Lobato, vocêo acredita. Contra porque falavam que o
petróleo era nosso. Então a gente lia, mas sabia que ele tinha idéias
estranhas. Era quando eu estava no ginásio, tipo assim, 1945, até 48.
(I. T. L., 1934, professora: 1950)
As histórias de Monteiro Lobato passaram a fazer parte do ima-
ginário simbólico das pessoas. A cobrança da representação da
imagem idealizada do autor aparece nos relatos a seguir:
Li Monteiro Lobato inteirinho. Eu li em criança e depois eu li
uma parte da coleção para adulto. Todo mundo lia, tanto que foi uma
decepção quando comecei a ver os desenhos dos livros do Monteiro
Lobato na televisão.o era nada daquilo que eu tinha imaginado.
Foi um choque. Como é que podiam passar à criança uma outra idéia
daquilo que está no livro. Aqueles personagens, aqueles monstros...
me parecia queo tinha nada disso. Eu imaginava um sítio, mas um
sítio normal. Um sítio comum... (T. A. S., 1931, professora: 1949)
O estudo de práticas de leitura em Assis, num tempo determi-
nado, está diretamente relacionado a referenciais do presente.
o se trata de recuperar algo de que alguém se lembre, nem de
tomar consciência tardia de uma realidade, mas, por meio de his-
tórias de leitura, buscar imagens que representem, no presente, si-
tuações de uma época.
Para Peter Burke (1994, p.24), "os processos pelos quais ima-
gens reforçam o podero ainda mais eficazes por serem parcial-
mente inconscientes". A escolha de autores nas práticas de leitura,
tenham as pessoas consciência ou não, relaciona-se ao poder dos
símbolos queo sociais, apropriados em condições de conflito.
Tanto que, a respeito da adaptação de O Sítio do Pica-Pau
Amarelo para a televisão, conta um participante da equipe, Mar-
cos Rey:
A crítica culpava a gente de imaginar demais, adulterar, justa-
mente em episódios em que a imaginação, o invento, era todo de res-
ponsabilidade total de Lobato. Como resultado desse desentendi-
mento, o que era de Lobato e o que não, o que era arte e o que
parecia puro comércio, a equipe encarregada do trabalho concluiu
que a obra do autoro era, infelizmente,o conhecida como se su-
punha, e que mesmo os mais ardentes defensores, em artigos assina-
dos em jornais e revistas, evidenciavam que haviam lido apenas al-
guns livros, os mais conhecidos, dos quais conservavam uma lembrança
geral,o detalhada.
Apesar da incompreensão dos adultos, as crianças, para quem a
obra foi escrita, fixaram-se nas adaptações, descobrindo também o
prazer de lê-la, conhecê-la no original, fato que atestei visitando co-
légios durante oito anos em que o programa foi ao ar. (1992)
Várias constatações emergem desse depoimento. A primeira
delas diz respeito ao fato de que ser considerado heróio signifi-
ca ser autor lido. Esse fato atinge, em grau maior ou menor, todos
os autores. Talvez mais no caso de Rui Barbosa, e menos, mas in-
clusive, no de Monteiro Lobato. Outra questão que aparece refe-
re-se a leituras de jornalistas (segundo a visão de Marcos Rey) de
apenas algumas das obras de Lobato. Haviam lido pouco, mas es-
creviam muito. Quanto às crianças da época da transmissão de O
Sítio do Pica-Pau Amarelo, estas iam em busca da visão dada pelo
vídeo. Contudo, todos os casos apontam para o conhecimento do
autor.
É ainda Marcos Rey quem diz:
O nome de Monteiro Lobato foi um dos primeiros em minha vida
que ouvi pronunciar por inteiro, nome e sobrenome, pois àquela altu-
ra, com três, quatro ou cinco anos de idade, as pessoas para mim só
tinham prenome e apelido. Lobato gozava o referido privilégio por-
que era patrão do meu pai, na editora que levava o seu nome, portan-
to merecedor de respeito especial pela família de um dos chefes de
seção. (Ibidem)
Além dos heróis construídos a partir de qualidades positivas,
, como foi visto, aqueles construídos com base em qualidades
negativas, o caso de Jeca Tatu. Portanto, os matizes constitutivos
do heróio muito variados. As questões político-culturais mos-
tram força na construção de heróis-autores, na apropriação de
práticas de leitura e de não-leitura, mas os personagens criados pe-
los autores-heróis, presentes nas obras,o deixam de fazer parte
também desse processo.
Tais heróis habitantes das páginas da literatura pontificam na
imaginação do leitor.o criaturas de heróis-autores e concorrem,
com suas qualidades e defeitos, para alçar o criador a patamares
valorizados pela sociedade.
Dessa forma, estudar a criação de heróis, qualquer que seja a
sua natureza, é entrar num reino especial que guarda algumas nor-
mas e certas convenções.
O conteúdo interior da personalidade carismática guarda uma
estreita relação com a maneira como o carismático se insere no
contexto social. O carisma que envolve a construção do herói, o
herói-autor no caso aqui focalizado, tem origem em vertentes bem
diversas, mas a fascinação que o privilegia está estreitamente rela-
cionada à forma como é introduzido numa sociedade e por ela va-
lidado. Isso acontece, também, em relação às criaturas de suas his-
tórias, sejam elas ficção explícita ou não. Autores, sua escolha e
suas obras,oo investidos de nenhuma "natureza" autônoma,
segregada. Só conseguem chegar aos leitores e penetrar em sua
imaginação transfigurando-se, ali, em quase-verdades que afetam
sua maneira de viver e de pensar e invadem a vida cotidiana. Dessa
forma realiza-se o diálogo, ainda que seja um diálogo mudo, entre
o seu mundo, o mundo social e o mundo das criações, um diálogo
de signos, segundo Benjamin (1985, p.248). As históriasm con-
tinuidade, atravessam os tempos. As chamadas histórias para crian-
ças, em sua maioria,m implicações morais e trazem embutido üm
processo de aprendizado. Uma narrativa traz sempre uma semente
de outra narrativa.
A literatura se organiza em determinados padrões ou "mitos",
estruturas que se repetem.o existem textos isolados, mas sim
uma rede de relações e repetições de textos.
Na literatura, quase sempre o falante, o ouvinte e o herói entram
em contato pela primeira vez nada sabendo um do outro,o tendo
nenhum horizonte em comum e sendo, portanto, destituídos de
qualquer coisa em que pudessem conjuntamente se apoiar ou fazer
pressuposições. Aí se distinguem dos autores-heróis aqui referidos.
Antonio Candido (1987, p.140-1), estudando características
literárias, a partir das condições de produção, apresenta o que
qualifica de fases dessa produção. A primeira delas corresponderia
à ideologia de "país novo". Tal fase alcançaria, mais ou menos, a
década de 1930 e leva a idéia de país aindao realizado, mas com
possibilidades de progresso e grandeza. A segunda fase, sem que
houvesse mudanças substanciais na distância que separava o Brasil
dos países desenvolvidos, responderia pela estruturação do que o
autor chama de "consciência de país subdesenvolvido" que se ma-
nifestaria claramente nos anos 50.
Tal consciência envolvia um movimento em direção à supera-
ção desse subdesenvolvimento. Era uma forma de ignorar as ques-
tões então presentes.
Em Assis na década de 1950, tomava vulto um movimento po-
lítico envolvendo expectativas tanto de ordem econômica como
de caráter cívico. Tais expectativas aparecem em relatos de pessoas
que participaram delas.
s formamos naquela ocasião um grupo de jovens e quería-
mos, evidentemente, a mudança no sistema político nacional, especial-
mente no Estado deo Paulo. Eu vivi minha infância, minha juven-
tude, dentro de um regime político ditatorial, que foi o do Getúlio de
30 a 45. Então, quando surgiu Jânio, que simbolizou exatamente a
mudança da ética na política, dos costumes eleitorais emo Paulo,
elegendo-se vereador na capital, depois deputado estadual e chegou
à Prefeitura deo Paulo em 1952, dentro de um movimento, que
naquela ocasião se chamou a "Revolução Popular" ... O Jânio levou a
nós, os moços, essa vontade exatamente de acompanhá-lo no sentido
de mudar as regras do jogo político deo Paulo... Aquilo, paras
moços, que nascíamos e vivíamos no término da Guerra, que simbo-
lizou para o mundo democrático uma mudança em todo o mundo...
s tivemos um grande movimento político local, que foi a eleição
do Thiago Ribeiro contra Tonico Silva, que era prefeito, que era adhe-
marista, que simbolizava aquilo ques combatíamos, que era o
adhemarismo ... Em 1955 o Jânio então se elegeu governador de
o Paulo, es vencemos aqui a eleição em âmbito municipal. Foi
nessa gestão, Thiago prefeito e Jânio governador deo Paulo, que
Assis obteve obras públicas que marcaram a projeção de Assis. (A. N.
D., 1928, advogado e político)
A tônica geral era dada pela temática do nacional-desenvolvi-
mentismo. É no bojo de tal contexto que valores cívicos eram refe-
rendados e, entre os elementos envolvidos nesse processo, esta-
vam as práticas de leitura. A "boa leitura", procurada nas obras
dos autores-heróis.
As obras, lidas ou não, de alguns dos autores citados como
mais conhecidos por professores no município em estudo - Assis -
imprimiam força a valores cívicos apresentados à sociedade.
Porque a gente fazia muita questão da Educação Moral, Social e
Cívica. E era através dos versos que a criança passava a entender um
pouco, a ter aquele amor à Pátria. As crianças recitavam bastante, de-
coravam as poesias que cantavam muito a Pátria. Essas eram lindas.
(T. A. S., 1931, professora: 1949)
Segundo Bakhtin (Voloshinov & Bakhtin, 1989, p.15-7), o
discurso escrito é parte integrante de uma discussão ideológica.
Responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e
objeções potenciais, procura apoio. Qualquer enunciação consti-
tui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal
ininterrupta, seja concernente à vida cotidiana, à literatura, ao co-
nhecimento, à política ou a qualquer outra área. Essa comunica-
ção constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contí-
nua, em todas as direções, de um grupo social determinado. A
comunicação verbalo poderá ser compreendida e explicada fo-
ra do vínculo com a situação concreta. Graças ao vínculo concreto
com a situação, a comunicação verbal é sempre acompanhada por
atos sociais de caráter não-verbal, gestos, atos simbólicos, rituais,
cerimônias que, às vezes,o apenas complementos (Bakhtin,
1996, p.123-4).
A fala está ligada às condições de comunicação que, por sua
vez, estão ligadas ao social. Compreender um signo significa fazer
uma aproximação com outros signos já conhecidos (Vigotski,
1987, p.7-9).
PRÁTICAS DE LEITURA E CONSTRUÇÃO DO SENTIDO
"Um texto só é um texto se ele oculta ao primeiro olhar, ao
primeiro encontro, a lei de sua composição e a regra de seu jogo ...
A dissimulação da textura pode, em todo caso, levar séculos para
desfazer o pano" (Derrida, 1991, p.7).
No ato de ler estão implícitas questões como a leitura que co-
gita alcançar uma compreensão, a leitura que reconhece a histori-
cidade de cada obra a ser lida. O sentido constituído em práticas
de leitura é impregnado de historicidade. Pode-se dizer que é his-
toricamente datado. As faces dessa historicidadeo diversas.
Uma delas pode ser remetida ao contemporâneo, outra à feição
particular ainda que esta restabeleça, em grande parte, uma história
cultural, entendida como história social. Práticas de leitura fun-
dam-se em práticas anteriores, em transmissão cultural. A cultura
institucionalizada predispõe a uma recepção particular de discur-
sos e dos valores neles vistos. Cada momento carrega normas refe-
rendadas por diferentes grupos socioculturais. As práticas de leitu-
rao regidas segundo tais normas que se constituem para além do
sentido previsto pelos discursos. Passam por seqüências e rupturas
e permitem o estabelecimento de hierarquizações culturais. O au-
tor-herói aqui estudado é representativo desse processo. Ele é o
expoente de todo um sistema de valores contidos, em larga medida,
numa acumulação de "saberes" anteriores. Saberes institucionaliza-
dos. Os efeitos produzidos por práticas de leitura, decifrados,
identificam estratégias que entrelaçam sentidos antigos e novos.
O processo pelo qualo atribuídos novos sentidos, traços-
ticos a textos clássicos, foi estudado por Jack Zipes por meio do
conto de fada. Por exemplo, Zipes estudou a institucionalização e
as adaptações acontecidas desde o século XVII, com o conto "A
bela e a fera". Segundo Zipes, o conto de fada, inicialmente,o
era dedicado à leitura infantil, mas ao divertimento, à representa-
ção das maneiras apropriadas às senhoras da aristocracia e alta
burguesia, em reuniões nos salões da época. Sua finalidade era di-
vertir. A institucionalização do conto de fada teve início depois de
1700, quando se começou a escrever para crianças. Nesse momen-
to aconteceram transformações de sentido e a finalidade passou a
ser sublinhar códigos de civilidade; instruir, divertindo crianças da
classe rica; ensinar lição e código da civilização; marcar diferenças
e atribuições por classe e sexo; confirmar maneiras de assegurar
poder; estabelecer questões de decoro.
Contos de fadao constantemente reelaborados, acompa-
nham e atuam nas transformações sociais. Assim, devem sempre
aparecer como "naturais". É o processo que Barthes qualificou de
transformação da história em natureza. A correspondência de va-
lores e a preservação de relações de poder numa sociedade ampa-
ram-se muito na glorificação de ações consideradas de bondade.
Os contos de fadao um exemplo.
Norbert Elias (1993, p.201-2) chama a atenção para o que de-
signa "compulsão real", ou seja, o constrangimento, o controle
exercido pelo indivíduo sobre si mesmo. Esse processo envolve,
além do conhecimento das possíveis conseqüências de certos atos,
experiências cotidianas.
Nesse sentido, a veiculação de valores por meio de práticas
culturais - práticas de leitura - pode adquirir formas diferenciadas
mesmo além do ler.
Pela leitura difundem-se valores sociais. A respeito do traba-
lho, diz uma professora:
Eu sempre gostei muito de literatura. Como eu quase sempre dei
aulas para o quarto ano, eu fazia assim. Eu tinha um rol de poesia de
poetas, de escritores, mais conhecidos: Clarice Lispector, Vicente
Guimarães, Rui Barbosa e... aquele que morreu recentemente... Viní-
cius de Moraes, o Drummond. Por exemplo, quando chegava a épo-
ca da comemoração do Dia do Trabalho, eu tinha uma poesia do Vi-
cente Guimarães que fala sobre o trabalho eo existe outra igual,
o linda!o linda!o tinha outra coisa para explicar melhor, para
conscientizar melhor o aluno sobre o trabalho, do que essa poesia.
Eu tinha uma lenda do Padre Anchieta, quando era comemoração
dele, eu tinha tudo programado. Eu aproveitava os últimos cinco mi-
nutos da aula e cada dia eu colocava uma estrofe. Falava sobre o au-
tor etc. Eles decoravam comigo, eu punha na lousa, então eles liam
uns quatro ou cinco versinhos. E cada versinho eu explicava, em uma
semana eles conseguiam decorar uma poesia. Daí toda manhã eles fa-
lavam em forma de coro falado. Cada fileira falava uma estrofe. Ti-
nha uma poesia que eu gostava muito, "O trenzinho", que é do Vi-
cente Guimarães. Então no fim do ano eles conheciam uns dez
poetas, os mais conhecidos. Música também, eu dava muita música
... A matéria de História, por exemplo, a gente conseguia colocar em
músicas populares que eles conheciam...s fizemos uma biblioteca
, a duras penas, vendendo Diário Oficial, papel, garrafas. Eu escre-
vi para um monte de livrarias e editoras, então eu recebi muita coisa.
Tinha de tudo... Toda sexta-feira à tarde, meia hora antes de termi-
nar a aula, eu distribuía os livros es líamos. Eu ensinava procurar
no índice, eles escolhiam a história que se identificavam mais e faziam
uma votação. Aquela que fosse a mais votada é que ia ser lida. Se eu
soubesse alguma coisa do autor eu falava e comentava e tal. Cada alu-
no lia um parágrafo. Ele tinha que ler em voz alta. Os professores da
quinta série diziam que conheciam, no ato, os meus ex-alunos, por-
que eles liam corretamente, eles falavam certinho... No livro Histó-
rias e mais histórias, tinha histórias as mais conhecidas. Rapunzel,
umas duas ou três do Monteiro Lobato, as mais bonitas. (I. T. L.,
1934, professora: 1950)
Entre o livro do autor e as histórias sobre esse livro, lido ou
não, prevalece a segunda alternativa, as histórias sobre o livro.
Nesse particular pode estar uma das tensões centrais de uma histó-
ria da prática de leitura entendida como prática criadora, ativida-
de produtora de sentidos singulares, de significaçõeso condicio-
nadas às intenções dos autores de textos ou dos fazedores de livros.
"Abordar a leitura é, portanto, considerar, conjuntamente, a
irredutível liberdade dos leitores e os condicionamentos que pre-
tendem refreá-la" (Chartier, 1990, p.123). Os condicionamentos
existem e sua dinamizaçãoo pode ser desvinculada do contexto
social específico, de sua historicidade.
Daí a importância de se recuperar descontinuidades presentes
nas histórias da leitura, bem como rupturas fundamentais.
As pessoas anseiam por construir, ou encontrar, seu modelo
ideal, um arquétipo que seja considerado o correto. O arquétipo
"herói" é perseguido porqueo significa, simplesmente, um
exemplo de excelência, mas é também aquele que vocêo é, e
nunca vai ser. É aquele a quem se pode delegar problemas, que po-
de fazer o papel do "outro". Assim, a criação de heróis atende a
uma ânsia social e sua aceitação pode responder pelo estabeleci-
mento ou difusão de valores sociais.
Esse fato está estreitamente ligado à maneira como a socieda-
de se organiza, e os autores-heróis envolvidos nas práticas de leitu-
ra emergem a partir de relações entre grupos.
Em Assis, os autores-heróis estudados estruturam-se num mo-
mento de predomínio de características nacionalistas-desenvolvi-
mentistas, dominantes nos anos 20 e 50. Configurações espaciais,
temporais, de escolaridade/práticas de leitura, vigentes então, com-
põem tal quadro.
1 OS CAMINHOS DA MITIFICAÇÃO
REVOLVENDO O SOLO: A CIDADE - A ESCOLA
Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado de-
ve agir como o homem que escava. Antes de tudo,o deve temer
voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, re-
volvê-lo como se revolve o solo. (Benjamin, 1987, p.239)
Cidade é escola, é escola permanente ... A cidade é arquivo de
pedra. Memória ao mesmo tempo que projeto. Espaço temporal.
(Auzelle, 1972, p.9)
Estudar práticas de leitura e escolha de autores numa comuni-
dade do Oeste paulista - Assis -, tendo como referência as décadas
em torno de 1920 e 1950, implica refletir sobre questões relacio-
nadas ao processo de urbanização que atingia essa região, englo-
bando ideais nacional-desenvolvimentistas com valorização da es-
colaridade. Envolve, também, atenção a problemas que afetaram a
vida de pessoas e cidades tanto no Brasil, de modo geral, como no
Estado deo Paulo e, especificamente, sua região Oeste.
Segundo Joseph Love, "à proporção queo Paulo partia dis-
parado à frente do país tanto no desenvolvimento cultural quanto
no desenvolvimento econômico, da década de 1880 até os anos 30,
crescia depressa o sentido da superioridade regional" (1975, p.60).
Um acentuado dinamismo, se comparado ao de outros Esta-
dos da federação, impunha-se no Estado deo Paulo. O êxito
econômico apresentado nesse momento esteve ligado, especial-
mente, à produção e à comercialização do café.
A partir dos anos 20, acompanhando o desenvolvimento eco-
nômico, modificaram-se os sistemas de transporte, chegaram os
carros, novas tecnologias surgiram, a imprensa foi adquirindo no-
vos contornos. Outros meios de comunicação de massa começa-
ram a se impor: o rádio, o cinema, as gravações de música. Estilos
de vida diferentes apareceram, novas formas de luta política em
torno de questões nacionais e regionais foram se impondo. Todas
essas transformações, próprias de uma sociedade urbano-indus-
trial (Sevcenko, 1992, passim), foram acompanhadas por novos
pressupostos em relação à escolarização e aos valores sociais que
deveriam acompanhá-la.
O cruzamento da análise de relatos e estudos socioeconômi-
cos sobre a região e o município de Assis permite ressaltar ques-
tões fundamentais discutidas neste trabalho: a interligação entre as
diferentes dimensões do processo de educação, escolaridade, prá-
ticas de leitura, urbanização, desenvolvimento e a construção de
conceitos valorativos na sociedade.
A medida que um certo tipo de desenvolvimento, o "progres-
so", confundido com urbanização, é estabelecido como meta, cer-
tos valores, aceitos como fundamentais para se atingir tais objeti-
vos, passam a ter o apoio social.
Dessa forma, práticas de leitura que envolvem a apropriação
de valores tornam-seo decisivas no encaminhamento dos objeti-
vos estabelecidos quanto outras práticas, culturais ou não. Valores
culturaiso compatibilizados com valores de mercado.
Tais processosoo pacíficos, significam conflitos que
transparecem em falas de professores que desenvolveram suas ati-
vidades em Assis, em torno da década de 1950. As suas histórias
sobre o cotidiano se entrelaçam com os acontecimentos próprios
do contexto específico e do mais geral, no Estado deo Paulo. Os
contextoso precedem à operação que os constrói. Essas opera-
ções, procedimentos, experiências de contextualização tocam de
maneira parcial, específica e relativa, uma parte do real histórico
(Chartier, 1994b, p.274). Operações de contextualização, neste
trabalho, situam-se no interior do quadro específico das décadas
em torno de 1920 e 1950.
Os sobressaltos vividos pelos personagens envolvidos no novo
panorama - repleto de condições tumultuosas em que se operava
o desenvolvimento -o assim descritos por uma professora:
A primeira vez que eu fui para a escola em Cruz Alta, chorei mui-
to, eu nunca tinha me separado de minha mãe.
Sofremos barbaridade, era muito frio,o sei se devido à proxi-
midade da barranca do rio.
Sabe o que nos diziam? Que se a genteo conseguisse 70% de
promoçãoo conseguiria se remover, então eu e minha colega alu-
gamos, com o nosso dinheiro, uma sala para dar aulas de reforço pa-
ra os alunos mais fracos.
Também, a escola teve a primeira promoção, foi a primeira em
alfabetização. (M. S. B., 1918, professora: 1935)
Na escola da Fazenda Santo Antônio eu ia de ônibus de Assis até
a Água de Santo Antônio e daí eu andava três quilômetros a cavalo
para chegar na escola. (T. S., 1931, professora: 1950)
Engraçado! Lá em Barra do Turvo, que era um lugar assim, que
tinha jagunço famoso que vinha do Paraná. Barra do Turvo ficava lá
naquele buraco, mas era distrito. Então eu me lembro que lá tinha ca-
noa e eles atravessavam o rio de canoa. Euo me lembro o nome do
jagunço que costumava vir para Barra do Turvo. Ele estava escondi-
do da polícia. De vez em quando ele vinha e esfaqueava, invadia ca-
sas. As pessoas tinham medo. A escola ficava embaixo e a igreja no al-
to. Lá morria muita gente de febre tifóide, febre amarela, muitas
doenças. Eles eramo pobres, maso pobres que eles traziam o de-
funto de canoa. Às vezes eu estava dando aula e via eles levando o
defunto só na rede ou num trançado de pau. Um segurava na frente e
outro atrás. Iam levando para a igreja.
Luz só de lampião. Ah! meu Deus do céu, era difícil, lá foi difícil
mesmo. (D. R. S. B., 1925, professora: 1948)
As falas, ambivalentes, dos professores mostram as precárias
condições de trabalho, anseios de promoção individual e, ao mes-
mo tempo, veiculam valores nacional-desenvolvimentistas. Por
exemplo, mostram o empenho por parte do Estado em direção à
alfabetização. Alfabetizar aparecia como forma de superar o sub-
desenvolvimento, de chegar ao desenvolvimento. O professor ti-
nha que alfabetizar para poder haver remoção. Entretanto, as con-
dições necessárias para trilhar esse caminho eram ignoradas.
Assim, ignorava-se o presente pretendendo um futuro sem futuro.
Na região de Assis, o processo de urbanização, segundo Viní-
cius Caldeira Brant (1977, p.61-4), desenvolveu-se em três etapas
bem definidas. Na primeira delas, até 1920, a área praticamente
desocupada recebeu importantes fluxos migratórios. Na segunda,
de 1920 a 1940, houve intenso crescimento da população (vegeta-
tivo e migratório). A partir de 1940, até 1970, aconteceu uma de-
saceleração do povoamento no campo e crescimento no centro
urbano. Esse fato era constatado pela imprensa local, que propu-
nha como solução a vinda de mais imigrantes para trabalhar no
campo.
Foi a partir da década de 1920 que as atenções do capital co-
meçaram a se voltar para os municípios do Oeste paulista. O pro-
longamento da Estrada de Ferro Sorocabana pelo Vale do Parana-
panema significou a integração efetiva dessa região ao sistema de
produção vigente e, também, uma possibilidade mais ampla de
ação sobre a área, por parte do Estado (Corrêa, 1988, p.59).
A integração dos municípios do Vale ao sistema econômico vi-
gente foi garantida pela infra-estrutura ferroviária que estabelecia
a ligação com o porto exportador: Santos. A travessia da ferrovia
pela região possibilitou outros efeitos estimulantes, como a aber-
tura de novas terras para a economia agrícola; a mercantilização
dessas mesmas terras e dos produtos nelas cultivados; crescimento
demográfico e urbanização. A presença da ferrovia era um incenti-
vo para mais investimentos (cf. ibidem).
A primeira metade do século XX representa o início do ponto
de inflexão do processo de urbanização que foi marcando a região
em que se situa Assis. A aceleração desse ritmo coincidia com o
que acontecia no Estado deo Paulo de maneira geral.
O tema da penetração do capital na região Oeste do Estado de
o Paulo, e sua inter-relação com os vários setores implicados
nessa estruturação, tem sido objeto de estudos de diferentes ângu-
los.
1
Entre eles está a preocupação com a identificação espacial da
região. Por muito tempo, a delimitação regional do Estado deo
Paulo baseou-se no traçado das ferrovias. Por essa identificação, o
município de Assis localiza-se na Alta Sorocabana.
Tais referenciais aparecem nas vozes de pessoas contemporâ-
neas desses acontecimentos.
O Estado já tinha a sua divisão territorial geográfica determinada.
Esta região era considerada Sorocabana por causa da Estrada de Fer-
ro Sorocabana. As estradas de ferro, então, demarcavam as regiões
paulistas. (A. N. D., 1928, advogado e político)
A partir de critérios de homogeneidade de condições socioeco-
nômicas, Juarez R. Brandão Lopes (Lopes, 1957, p.145-53; Quei-
roz, 1973, p.13-5) incluiu Assis como município característico de
"zona pioneira".
Tais "zonas pioneiras" diferenciavam-se de outras zonas do
Estado deo Paulo, tanto no que se refere ao ambiente físico
quanto ao gênero de vida. Constituíam-se como zonas de povoa-
mento relacionadas à expansão do café, com uma estratificação
social mais dinâmica, flexível. Era à custa de exploração de novas
terras que se faziam e desfaziam fortunas. "Zonas pioneiras" dife-
renciavam-se da "civilização caipira" (Queiroz, 1973, p.15) pelo
seu desenvolvimento acelerado.
Na primeira etapa de povoamento muitas das famílias que se
estabeleceram em Assis vinham de Minas Gerais ou transitavam
por esse Estado ou por cidades mais antigas do Oeste paulista. O
rumo em direção a municípios mais novos relacionava-se com as
oportunidades que se abriam. Agrimensores, engenheiros, advo-
gados dirigiam-se para locais onde houvesse negócios envolvendo
terras. Essa característica das "zonas pioneiras" envolvia busca de
ascensão social. A escolaridade era vista como canal de acesso a tal
objetivo.
As vozes contemporâneaso bem essa medida:
1 Sobre o tema na região de Assis, ver: Almeida, 1988; Campos Junior, 1992;
Colosso, 1990; Müller, 1974; e Salloti, 1982.
Meu pai nasceu em Palmeiras, neste Estado, em 13 de abril de
1886. Formou-se em Farmácia, na Universidade do Rio de Janeiro,
em 1908. Casou-se com descendente de mineiros e veio para Assis
em 1920. Aqui adquiriu uma farmácia e depois uma fazenda na Água
das Antas, onde passou a plantar café. Em 1922 foi eleito vereador e
depois foi prefeito municipal. Ocupou esse cargo até 1928. Em 1934
voltou à Prefeitura e em 1948 à presidência da Câmara Municipal.
A fazenda era de café, mas tinha gado, plantava-se algodão, tam-
bém. A escola ficava na colônia e era freqüentada pelos filhos dos co-
lonos que cuidavam do cafezal e de sitiantes vizinhos. Eu fui profes-
sora nessa escola. (M. T. L. F., 1927, professora: 1945)
Versos publicados no jornal A Notícia, em 1948, ilustram a
trajetória desse pioneiro de "zona pioneira":
TELAS DA TERRA
Pharmacêutico elle é. Mas certo dia,
"Ora pirulas!" disse e, alviçareiro,
A pharmacia vendeu. Por melhoria,
Comprou fazenda, agora fazendeiro.
Nas "Antas" colhe um bom café e porfia
Em torna-lo excelente, no terreiro.
Na cidade, a vereança o prestigia
E é presidente ilustre e justiceiro.
Cosa de larga popularidade,
Tanto no matto como na cidade,
Estimado por gregos e troyanos,
Porque sabe viver, sabe ser bom
o derrapa dos trilhos do Bom Tom,
Conhecendo a Vida os mil arcanos... (A Noticia,
22.4.1948)
Assis surgiu de uma doação. Em 1
o
de julho de 1905, o capi-
o Francisco de Assis Nogueira doou 80 alqueires de terras de
cerrado, como patrimônio de uma capela sob a invocação do Sa-
grado Coração de Jesus, deo Francisco de Assis e em intenção
da obra piao de Santo Antônio.
O registro foi feito no cartório de Campos Novos do Parana-
panema e foi aceito pelo vigário padre Paulo de Mayo (Dantas,
1978; Silva, 1979).
FOTO 3 - Casa da Fazenda de Café Água das Antas - Assis.
FOTO 4 - Residência no centro urbano de Assis.
Um familiar do doador relata:
Foi o Capitão Assis que acabou arrastando o meu avô para esse
sertão.
Quando a comarca se tranferiu de Campos Novos para Assis, to-
dos vieram para Assis. Aqui já havia chegado a Sorocabana. O Capi-
o Assis é quem havia doado 80 alqueires de terreno para a forma-
ção do patrimônio, hoje Assis. (A. N. D., 1928, advogado e político)
Uma historiadora, em entrevista a um jornal local, assinala:
"O Capitão era um latifundiário da região de Botucatu quando
adquiriu, em sociedade com José Machado de Lima, a Fazenda
Taquaral no Vale do Paranapanema. O Vale era uma região im-
portante, muito rica".
2
Conta um escritor da cidade:
O Capitão Assis nasceu em 1810, na cidade mineira de Baepen-
di. Comprou a gleba de José Teodoro, em 1866, e denominou-a Fa-
zenda Taquaral. O Capitão Assis era muito religioso e fez uma pro-
messa ao Francisco de Assis de que se resolvesse a questão de suas
terras, pacificamente, doaria uma área para a construção de um po-
voado. Nesta época ele pretendia doar uma área nas margens do Rio
Paranapanema, e Assis seria. Mas o desvio dos trilhos da ferrovia e
a existência de um povoado e de uma capela de pau-a-pique, onde
hoje é a Catedral, fizeram-no mudar de idéia. O aniversário de Assis
é comemorado no dia 1
o
de julho porque foi nesta data, em 1905,
que a doação foi registrada no cartório de Campos Novos do Parana-
panema.³
Os trilhos da ferrovia iam decidindo o destino de cidades.
Em novembro de 1915 foi criado em Assis o Distrito de Paz.
Em dezembro de 1917, Assis passou a município, e em 1918 insta-
lou-se ali a comarca.
A transferência da sede da comarca de Campos Novos para
Assiso foi tranqüila. As notícias da épocao conta de uma
disputa entre Assis e Cardoso de Almeida. Em 1918 o Jornal de
Assis publicava a seguinte notícia:
2 Artigo "Polêmica de volta", jornal A Voz da Terra, Assis, 3.7.1993.
3 Jornal A Gazeta do Vale, Assis, 24.12.1992, edição de Natal.
Queremos melhoramento material, moral e intelectual de Assis.
A transferência da sede da Comarca será feita para Assis. As notícias,
portanto, que por ahí correm, isto é que a sede será transferida para
Cardoso de Almeida,o tem fundamento algum. Depois para que
porque ser Cardoso de Almeida a localidade talhada para ser a sede
da Comarca? Quando se faz a pergunta vem logo a descabellada res-
posta: Oh! o José Giorgi tem dinheiro, e dá casa para a cadeia etc.
{Jornal de Assis, 1°.9.1918)
Nessa notícia sobre a disputa pela instalação da sede da co-
marca em Assis, aparecem defesas de valores sociais privilegiados
no contexto paulista na década de 1920. Esperavam-se melhora-
mentos materiais, intelectuais e morais, valores muito presentes na-
quele momento de afirmação de certas posições que deveriam nor-
tear o desenvolvimento do país e a vida social. Tais valores estavam
presentes nas práticas de leitura, nas obras de autores escolhidos.
Vencida a batalha política, Assis integrou-se à comunidade de
municípios e cidades do Estado deo Paulo. É por meio da orga-
nização política que se estabelecem os canais capazes de efetivar as
inter-relações entre os diversos níveis de poder municipal, estadual
e federal. As sedes das regiões "pioneiras" foram os elos, as pontas-
de-lança que permitiram estruturar o poder, organizar o espaço
material e social.
No livro São Paulo: "A capital artística"... (Capri, 1922), na
parte dedicada aos municípios do Estado deo Paulo, chama a
atenção, de imediato, o título: "Municípios do Estado, vistos atra-
s de todos os aspectos do seu progresso e riqueza". Está aí pre-
sente a preocupação em ressaltar a importância desses municípios
no contexto do Estado e da nação brasileira.
Nesse livro, rico em ilustrações,o dedicadas catorze páginas
a Assis. Nele ressalta-se que a cidade é sede da "maior e mais im-
portante comarca do nosso Estado, abrangendo uma superfície de
43.000 km
2
e os municípios de Campos Novos, Platina, Palmital,
Assis, Conceição de Monte Alegre e Presidente Prudente".
No livro, consta que a cidade tinha "500 prédios, chalets ele-
gantes e confortáveis vivendas de estilo moderno". Entre os edifí-
cios públicoso destacados: "a Santa Casa de Misericórdia, o
Grupo Escolar, a Câmara, o Fórum, a Igreja Matriz (em constru-
ção), o Templo Presbiteriano Independente, o Clube Recreativo e
o Posto Policial".
Sobre as pessoas que merecem maior destaque na cidadeo
enumeradas aquelas consideradas a "intelectualidade": "São 28
advogados, 6 engenheiros, 3 agrimensores, 4 médicos, 3 farma-
cêuticos, 3 dentistas, 8 professores".
O livro destaca, também, a publicação do jornal Cidade de
Assis, "impresso em oficinas próprias, com um corpo de redação
escolhido e competente".
Em relação ao setor escolar, salienta que o Grupo Escolar fun-
ciona em dois períodos, com sete professores e uma freqüência
média de 280 alunos, além da existência de uma escola particular
dirigida por Dona Alice Feitosa.
O interesse pela escolaridade, por parte de uma comunidade,
envolve diversas questões. No caso da sociedade assisense, inserida
num complexo de "zona pioneira" e caracterizada pela marcha da
urbanização que envolvia essas zonas, manteve-se, no período es-
tudado, tendência para reforçar algumas posições a respeito do
papel da escola. Uma destas refere-se à visão segundo a qual a es-
colaridade é complemento indispensável para alcançar o progresso
e fugir da marginalidade social. A criança, o adolescente, conside-
rados como "de passagem" para a idade adulta, devem ser escola-
rizados, pois assim se forma o adulto que vai atender ao "projeto"
almejado.
No município de Assis essa visão fica evidente em depoimen-
tos que se referem à valorização do papel do professor, ao respeito
que este despertava, e ao empenho da comunidade em cooperar
na instalação e melhoria de suas escolas.
Na cidade de Assis a ênfase dada à escolaridade manifestou-se
muito precocemente. A luta da comunidade para conseguir des-
frutar dos diferentes graus de ensino tem uma historicidade cuja
análise permite perceber continuidades e rupturas políticas, e nuan-
ças de um modelo cultural que confirma valores que embasam o
conceito de desenvolvimento defendido na época. Tal conceito
conjugava elementos gerais, e alguns específicos, ligados ao pro-
cesso local de urbanização, desenvolvimento e nacionalismo.
Sobre o início da implantação de instituições escolares, a me-
mória evocada guarda lembranças de quando Assis era ainda um
povoado de poucas casas. O primeiro professor chegou em 1913,
era o capitão Francisco Rodrigues Garcia, o "seu" Chiquinho. A
própria casa do professor virou escola.
4
Em 1915, Dona Alice Feitosa montou uma sala de aula numa
dependência do quintal de sua casa. Mais tarde, a convite do padre
David Corso, passou a ministrar suas aulas na Casa Paroquial. De-
pois instalou-se, com o Externato Sagrado Coração de Jesus, no
recém-construído Teatro Paroquial Dom Carlos. Posteriormente,
Dona Alice ocupou o cargo de professora municipal. Sua forma-
ção, como professora, desenvolveu-se no Colégio Santana da capi-
tal do Estado (Dantas, 1978, p.103).
Um morador da cidade, nascido em Assis, descreve seus pri-
meiros estudos.
Comecei a estudar no Externato Coração de Jesus, a diretora
era a minha tia, Alice Feitosa. Lá eu tive professores como o capitão
Francisco Rodrigues Garcia, era o Seu Chiquinho, ele era o nosso
professor de francês. Era uma escola particular. Dali eu fui para o
grupão, Grupo Escolar João Mendes Júnior. Isso foi em 1930, quan-
do eu me formei. Sou da primeira turma de quarto ano do Grupo
Escolar. Minha professora era Dona Macambira Leopoldina Barbo-
sa. Muito boa professora, muito brava!
Meus padrinhos de batismo foram a primeira professora de
Assis, Dona Judith de Oliveira Garcez, e o primeiro prefeito da cidade,
Dr. João Teixeira de Camargo. (U. F., 1919, funcionário municipal,
aposentado)
Em 1917, foram criadas duas escolas e chegou a primeira pro-
fessora do serviço público, Dona Judith de Oliveira Garcez. Ela
havia se formado em 1915 pela Escola Normal Secundária deo
Paulo e, por concurso, foi nomeada para a escola feminina. Sua via-
gem para Assis foi feita a cavalo.
5
4 Dantas, 1978, p.86; Dantas, 1993.
5 Dantas, 1978, p.105; "A primeira mestra", Jornal de Assis, 14.10.1961.
FOTO 5 - Grupo Escolar João Mendes Júnior "4
o
ano Masculino, Diplomandos
de 1930" (Antidio Guimarães, Francisco Guedelha, Wilson de Roure,
João Maldonado Junior, Julio Bellucci, Adiei Barbosa, Olavo Mar-
montel de Barros, Wilson Guedelha, José Coelho Ferraz, José Ribeiro
de Oliveira, Arnaldo Brandileone, Romeu de Maio, Mario Carneiro,
João Domente, Lindolpho Bittencourt, Julio Nunes Nogueira, Alcyr
Zuccolorto, Germano Netto, José de Andrade, Cid Lopes Machado,
Herlygenes de Roure, Apparecido Messias, Adelino Villaça, Antonio
Muniz, Michel Nammur, João de Castro Campos, João Alves Paschoal,
João Alcides, Uyraçaba Feitosa e Sebastião Custodio).
Com a transferência da comarca de Campos Novos para Assis,
em 1918, e a transferência do Grupo Escolar, em 1919, as duas es-
colas de Assis e outra criada posteriormente foram incorporadas
ao referido grupo que passou a se chamar Grupo Escolar de Assis e
depois Grupo Escolar João Mendes Júnior. O primeiro diretor foi
o professor Leão Alvares Lobo (Dantas, 1978, p.106).
O prédio onde funcionava o grupo era de pau-a-pique e ficava
na Praça D. Pedro II, local onde depois funcionou o Fórum.
6
Em 1926 foi instalado, na Casa Paroquial, um externato misto
com aulas diurnas e noturnas (cf. Correio de Assis, 15.8.1926).
6 A Gazeta do Vale, Assis, Especial 88 anos, 1°.7.1993.
Em 1930, instalou-se o quarto ano no Grupo Escolar João
Mendes Júnior; a professora Dona Leopoldina Macambira Barbo-
sa, formada pela Escola Normal de Botucatu, assumiu a classe. Em
1931, sob a direção do professor Carlos de Assis Velloso, criou-se
o Cinema Educativo e fundou-se a Biblioteca Escolar, a primeira
biblioteca organizada em Assis (Dantas, 1978, p.106).
Um advogado e político da cidade lembra de sua formação no
Grupo Escolar João Mendes Júnior:
Eu freqüentei, aqui em Assis, o Grupo Escolar João Mendes-
nior, cursei o último ano aqui onde era o antigo Fórum na Praça da
Cidade, onde hoje é o Centro Cultural. Em 1941 o grupo mudou-se
lá para onde é hoje o João Mendes Júnior, na Praçao Paulo. (A. N.
D., 1928, advogado e político)
Em 1939 a imprensa local registrava a reivindicação da popu-
lação pela construção do Grupo Escolar. Dizia-se:
Os habitantes de Assis já estão desanimados e perderam quase a
esperança de verem a nova casa de ensino funcionando. Alguns, en-
tretanto, acreditam no milagre de ser o prédio do Largoo Paulo
FOTO 6 - Escola feminina (1917).
concluído no ano vigente e, assim, o estribilho "Não há vagas" passará
para o rol das coisas esquecidas.
7
Versos satíricos faziam parte da luta pela melhoria das condi-
ções de ensino na cidade. Era uma das estratégias utilizadas contra
ass condições do aparato físico dado às escolas. A população
orgulhava-se por empreender essa busca do saber.
Dizia-se que, desde o início de seu funcionamento em 1919, o
Grupo Escolar Dr. João Mendes Júnior jamais atribuíra "diplomas
de primeiras letras a uma turmao grande como a de 1939, cento
e cinqüenta ao todo".
8
"O Grupo, afinal!": com esse brado de satisfação era dada a
notícia da retomada das obras desse estabelecimento e previa-se
sua conclusão para funcionar em 1940.
9
Em relação à instalação de escolas e, especialmente, de grupos
escolares, havia uma luta permanente. O atendimento a essa rei-
vindicação dependia do desenvolvimento econômico, aumento
demográfico, distribuição administrativa e, também, da força de-
monstrada pelas lideranças políticas locais.
A instalação de um grupo escolar era a glória máxima. Os po-
líticos locais manifestavam, pelos jornais, orgulho em ostentar co-
mo sua essa conquista.
O prestígio que cercava o ensino primário, na época, fazia que
as notícias sobre o assunto ultrapassassem os jornais locais. O jornal
O Estado de S. Paulo, em 4 de dezembro de 1940, publicava a se-
guinte notícia:
No Teatro Católico Diocesano realizou-se sábado último a ses-
o solene promovida pela Diretoria do Grupo Escolar Dr. João
Mendes Júnior para entrega de diploma a 180 alunos que concluí-
ram o curso primário nesse estabelecimento de ensino. Paraninfou a
turma o Professor Victor Mussumessi, Diretor do Ginásio Municipal
de Assis.
7 "Ainda o Grupo Novo", Jornal de Assis, 19.3.1938.
8 "Grupo escolar",/ornal de Assis, 25.11.1939.
9 "O Grupo, afinal!", Jornal de Assis, 15.7.1939.
O município de Assis, de ponta-de-lança da expansão pioneira
foi se consolidando como centro polarizador regional. Sua sede, de
"cidade de madeira", transformou-se em "cidade de tijolos". A ar-
recadação municipal foi crescendo. A imprensa local registrava fre-
qüentemente notícias sobre o grande progresso e o formidável sur-
to de desenvolvimento que se apoderava do município. Salientava,
ainda, a quadruplicação dos despachos do café, entre 1937 e
1947.
10
Alguns relatoso uma visão dessas condições em Assis.
Vim para, para Assis, com quatro anos de idade. Meu pai era
advogado. A comarca veio de Campos Novos para Assis e meu pai
veio para advogar. Campos Novos foi uma cidade muito importante,
era sede de comarca, depois a comarca foi transferida para Assis e
s viemos morar aqui.
Aqui minhae era professora primária, foi diretora do Grupo
Escolar João Mendes Júnior. O Grupo era naquele prédio onde é ho-
je o Centro Cultural Dona Pimpa... O nome de minhae foi dado,
depois, para um grupo escolar aqui da cidade de Assis.
Naquele tempo os rapazinhos ou moças que queriam cursar o
ginásio tinham que ir para cidades maiores.
Fui para o colégio interno emo Paulo. Liceu Nacional Rio
Branco. Lá se formou muita gente de boas condições.
Então fiquei lá para fazer o ginásio.
Depois eu fiz vestibular e entrei na Faculdade de Direito do Largo
o Francisco.
Durante esse curso o Brasil sofreu grandes transformações. So-
freu duas revoluções. A revolução de 30 e a de 32. (W. G. C, 1918,
advogado e professor)
Eu sou natural de Assis, nasci em 1928. Meu pai era nordestino,
cearense, veio ainda menino do Ceará. Ingressou para os quadros da
Sorocabana, que fazia a sua construção pelo sertão, pelo Oeste pau-
lista. Meu pai entrou para a Sorocabana porque ele era agrimensor.
Antes do meu avô já tinha vindo um primo do meu avô que era o
Capitão Francisco de Assis Nogueira, fundador de Assis. Então foi a
vinda do Capitão Assis que acabou arrastando o meu avô para o ser-
tão. Chegando aqui ele comprou uma grande fazenda nesta região,
10 "Imigrantes parao Paulo", Jornal de Assis, 29.1.1949; "Futuro econômico
de Assis", Jornal de Assis, 31.3.1951; "Isto é Assis", Jornal de Assis, 17.1.1948.
hoje Maracaí, e lá ele se instalou e deu à fazenda o nome de Santa
Amélia, que era o nome de minha avó. Faleceu, ainda moço, de
pneumonia. Essa fazenda que foi de meu avô é onde se localiza a Usi-
na Maracaí. Esta ainda hoje tem o nome de Fazenda Santa Amélia, no-
me colocado por meu avô em 1890. (A. N. D., 1928, advogado e
político)
Nasci em Assis no dia 6 de março de 1919. Meus pais vieram de
Salto Grande. Meu pai é nascido no Norte, em Alagoas. Ele se casou
em Manduri aqui emo Paulo. A família de minhae era de Mi-
nas, Três Corações. Meu pai veio quando era tudo sertão. Meu pai
veio para cá porque ele era agrimensor, então ele trabalhava em me-
dir terras. Tinha meu tio também, ele era engenheiro. (U. F., 1919,
funcionário municipal, aposentado)
Com o processo de urbanização e desenvolvimento que se es-
praiava pelas cidades constituídas como de "zonas pioneiras" no
Oeste do Estado deo Paulo, implementava-se uma constante re-
combinação da vida social. Tal recombinação manifestava-se no
sistema de escolaridade que por sua vez tinha a ver com a apropria-
ção de sentidos referentes a valores sociais, entre os quais conta-
vam-se princípios alicerçados no nacionalismo.
RELAÇÕES DE PODER
Um estudo evidencia sempre a leitura que faz seu autor dos
fundamentos aos quais recorre, do material que privilegia.
É no grau de acerto da consistência dada ao amálgama gerado
que se justifica a validade da reflexão apresentada. Para Walter
Benjamin, "quando se pede num grupo que alguém narre alguma
coisa, o embaraço se generaliza ... É como se estivéssemos priva-
dos de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a facul-
dade de intercambiar experiências" (1987, p.198).
É esse o desafio. Desafio para um trabalho que procura confi-
gurações de valores sociais.
Numerosas práticas e representações emergentes em socieda-
de, em dados momentos,o se explicam senão por referência às
relações de poder. O campo do poder é o espaço da relação de for-
ças entre os agentes e as instituições (Bourdieu, 1992, p.300). Se-
gundo Pierre Bourdieu, na hierarquia que se estabelece nas rela-
ções de poder e entre os seus detentores, o campo de produção
cultural ocupa uma posição dominante (ibidem, p.302).
Questões de prestígio político e intelectual afetavam no mo-
mento em estudo as relações entre cidades do Oeste paulista, in-
cluindo Assis. Situações conflitantes, nesse nível, envolviam tam-
m as cidades deo Paulo e Rio de Janeiro.
A projeção queo Paulo vinha conseguindo, a partir princi-
palmente da década de 1920, fazia aflorar uma certa rivalidade
com a capital federal. Essa rivalidade ultrapassava as questões po-
pulacionais, comerciais e de capacidade industrial, para alojar-se na
disputa por uma hegemonia cultural e intelectual.
É significativo que já em 1922 fosse editada uma obra intitula-
da São Paulo: "A capital artística" na commemoração do centená-
rio (Capri, 1922). Nesse livro, afirma-se que seu título, por si,
demonstra "a grandeza de nossas intenções pátrias", e constitui
"uma justa homenagem à Capital deste próspero Estado". Nele se
propõe expor também "A vida intensa e as riquezas naturais dos
municípios do Estado". O objetivo, diz-se, é deixar documentados
pela "fiel estatística da nossa instrução, pelos gráficos do nosso
maravilhoso e rápido desenvolvimento no comércio e nas indús-
trias, pelo balanço da nossa cultura... o nosso incontestável adian-
tamento e o rápido e brilhantíssimo progresso de S. Paulo, como
um dos territórios mais progressistas deste amorável e lindo recanto
do Novo Mundo" (p.3).
Monteiro Lobato filiava-se à corrente de críticas ao Rio de Ja-
neiro. Dizia, em 1925: "O Rio me dá idéia dum tremendo cancro
que parasita e suga toda a seiva do Brasil. Ou o Brasil dá cabo deste
Rio de Janeiro, ou o Rio de Janeiro dá cabo do Brasil" (Lobato,
1950, p.284).
A intenção de colocaro Paulo, de alguma forma, como a
"capital" do Brasil englobava a amostragem do vigor que domina-
va todo o Estado, a capital e os municípios do interior.
Essa preocupação em assegurar a proeminência do Estado de
o Paulo na vida da nação brasileira vai tomar vulto durante o go-
verno de Getúlio Vargas, especialmente após 1932. As estratégias
adotadas pelos grupos sociais dominantes no Estado tomaram-
rias formas. Uma delas foi o apelo ao estudo das ciências sociais.
Além da questão intra-regional que inquietava as elites domi-
nantes paulistas, havia, na década de 1930, outro elemento catali-
sador de preocupações. Era a perplexidade diante do colapso da
política vigente no país. Colapso esse ligado também às questões
de ordem internacional, como a crise de 1929.
A fundação da Escola Livre de Sociologia e Política emo Pau-
lo, em 1933, significou um tipo de busca de resposta para as novas
questões político-sociais que desafiavam a elite paulista.
Tentava-se entender o novo mundo e retomar o domínio das
forças sociais emergentes.
A fundação da Faculdade de Filosofia da USP, a primeira cria-
da sob a legislação do governo Vargas (1934), representou outro
tipo de apelo para solucionar os problemas que se colocavam.
Para entender a criação dessa escola é importante olhar a his-
tória da reforma educacional brasileira desde 1920 (Oneil, 1971).
Um grupo de educadores, influenciados pela linha de Dewey, pro-
curava reorganizar e revitalizar o sistema educacional no Brasil.
Tinham por objetivo mudar o velho sistema de privilégios que
propiciavao só uma educação elitista, mas também destruía a
possibilidade de a escola promover mudanças sociais. Defendiam
a oportunidade para todos, segundo suas habilidades. Um ensino
secundário renovado iria possibilitar a introdução do Brasil no
mundo moderno, ou seja, um Brasil industrializado. Algumas des-
sas idéiaso eram estranhas àquelas defendidas pelo governo
Vargas. Muito pelo contrário, tinham pontos comuns. Vargas acei-
tava a ampliação da oferta da educação como meio para alcançar o
desenvolvimento, mas rejeitava a crença numa sociedade demo-
crática. A idéia da Faculdade de Filosofia era formar pesquisa-
dores e educadores, priorizando a formação de professores de es-
colas secundárias. As duas escolas, a de Sociologia e Política e a de
Filosofia da USP, caminharam, portanto, por vias diferenciadas. A
primeira ia em busca de formas de controle da sociedade emergen-
te. A Faculdade de Filosofia, sem apresentar uma quebra radical,
representava a procura de um caminho que criasse possibilidades
de acesso dos diversos grupos da sociedade paulista à educação
gratuita.
Nessa perspectiva, o projeto da Escola Livre de Sociologia e
Política é que estaria mais voltado para a retomada do prestígio de
certos grupos empresariais. Os objetivos e as estratégias eram dife-
renciados, mas sempre ficava evidente a preocupação em sustentar
o prestígio do Estado deo Paulo no contexto da Federação. Por
exemplo, em 1940 o jornal O Estado de S. Paulo publicava notícia
salientando a importância dos autores paulistas, chamando a aten-
ção para o lado intelectual do Estado deo Paulo. Dizia:
O grande Estadoo produz apenas café e algodão. Aí estão,
Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Antonieta Rudge, Guiomar
Novaes, Monteiro Lobato, Guilherme de Almeida, Menotti Del Pic-
chia, Magdalena Tagliaferro, Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Ri-
beiro Couto, Tarsila do Amaral, Origines Lessa, Oliveira Ribeiro Neto,
Hugo Adami, Rubens Amaral, Antônio Constantino, Flávio Pires de
Campos, Joaquim Rocha Ferreira e outros que, na poesia, no romance,
na música, na pintura, constituem afirmações de queo Pauloo é
apenas o maior parque industrial da América Latina. (22.5.1940)
Também em relação à alfabetização aparecia a rivalidade en-
tre os estados do Rio de Janeiro e deo Paulo. A elite do Rio de
Janeiro levantava a bandeira da "Cruzada Nacional da Educação".
Seus integrantes salientavam que, sem contar com nenhuma sub-
venção oficial, tinham conseguido instalar e manter escolas de al-
fabetização popular na capital. Isso era possível graças ao "produto
de contribuições mensais ou anuais angariadas entre o povo e o co-
mércio". "A Cruzada Nacional da Educação" tinha sido fundada
no Rio de Janeiro pelo médico paulista Dr. Gustavo Armbrust.
Seu objetivo, dizia-se, era "coordenar um movimento cívico nacio-
nal" contra o analfabetismo. A primeira diretoria foi eleita em 3 de
fevereiro de 1932 e a entidade foi reconhecida como de utilidade
pública em agosto do mesmo ano, pelo Decreto n.21.731. Tinha
por incumbência realizar, em todo o país, a semana da alfabetiza-
ção, entre os dias 12 e 19 de outubro de cada ano (O Estado de S.
Paulo, 6.6.1940).
A reação deo Paulo a essa iniciativa apareceu no I Congres-
so Brasileiro de Escritores, realizado emo Paulo de 22 a 27 de
janeiro de 1945. Nas discussões sobre educação foram adotadas
cláusulas indicando ao governo a necessidade de tornar gratuito, o
mais brevemente possível,o só o ensino primário, mas também
o ensino secundário no Brasil. Foi também aplaudida a afirmação
de um dos líderes do congresso, segundo a qual "a simples alfabe-
tização pode ser feita num país fascista, em benefício do fascismo"
e a "Cruzada Nacional", feita nessa direção, teria sido "instrumento
de demagogia" (Dulles, 1992, p.79).
Vários elementos chamam atenção nas notícias sobre esse
congresso. Em primeiro lugar, a importância de sua realização em
o Paulo em 1945. Havia a preocupação deo Pauloo apare-
cer somente como o estado mais rico da federação, mas que se
projetasse também por meio de seus intelectuais. Além disso,
aprofundava-se, nesse momento, a oposição às condições políticas
vigentes, oposição ao governo federal de Getúlio Vargas.
A "Cruzada Nacional da Educação" nascera no Rio de Janeiro
sob os aplausos desse governo. Assim, era coerente que no I Con-
gresso Brasileiro de Escritores, realizado emo Paulo, quando se
manifestou mais claramente a oposição à ditadura, aparecessem
propostas educacionais diferenciadas daquelas surgidas, com o be-
neplácito governamental, na capital política do país.
Segundo Carlos Guilherme Mota (1990), o I Congresso Brasi-
leiro de Escritores representou um momento significativo na his-
tória da cultura no Brasil e propiciou confrontos de posições de di-
versas vertentes teóricas:
Cultura e política, nesse contexto, eram níveis que se entrecru-
zavam; enriquecia-se a noção de cultura, ampliando o sentido de en-
gajamento, adensando-se e oferecendo novos conteúdos à temática
da militância política do intelectual... Criou-se com nitidez um divi-
sor de águas na história da cultura contemporânea no Brasil, em que
a perspectiva política passa a estar presente nos diagnósticos sobre a
vida cultural. (p.137-8)
Os conflitos de ordem política, ecônomica e social que aconte-
ciam na capital do Estado deo Paulo repercutiam também no in-
terior.
Ainda que na região de Assis as lideranças políticas mais anti-
gas mantivessem o predomínio, sempre se abriam brechas para o
surgimento de outras, novas (Corrêa, 1988). A medida que os mu-
nicípios constituídos em "zonas pioneiras" se consolidavam, era
freqüente esse fenômeno, gerador de disputas entre os grupos po-
líticos regionais e locais.
No município de Assis, as divergências entre grupos políticos
desde muito cedo tomaram rumos bastante complicados e se pro-
longaram por várias décadas.
Alguns grupos políticos, mesmo depois de situarem-se numa
mesma direção, acabavam divergindo e opondo-se uns aos outros.
Assim, por exemplo, a instalação da luz elétrica na cidade gerou
uma questão polêmica que se desdobrou por várias décadas.
A instalação da luz elétrica datava de 1920, quando foi feito
um contrato entre a Prefeitura Municipal e a Empresa de Eletrici-
dade do Paranapanema. A população reclamava da má qualidade
da iluminação, as luzes da cidade eram apagadas às 10 horas da
noite. Em 1930, a usina elétrica foi incendiada pela população, e
sua destruição deixou a cidade sem luz por dois anos.
11
Esse fato
aparece nas palavras de um assisense:
Bom, eu era menino, a usina era lá na Vila Coelho, então puse-
ram fogo. Quando eu cheguei lá tinha aquele mundo de gente, tudo
pegando fogo e aquela manifestação contrária à usina. Tudo isso eu
assisti. É porque a empresa era muito ruim. A empresao funciona-
va, a luz era muito fraca, apagava constantemente. E houve uma re-
beldia do povo e foram lá e puseram fogo. A cidade ficou durante
muito tempo sem luz. Parece,o estou afirmando, mas parece que o
líder era o F. (U. F., 1919, funcionário municipal, aposentado)
A companhia responsável pela iluminação acionou a prefeitu-
ra para obter a indenização dos prejuízos causados pela destruição
da usina. Isso gerou uma grande controvérsia entre as alas políti-
cas da cidade. Um grupo apoiou a concessão da indenização, outro
discordou.
As querelas políticas na região ligavam-se, especialmente, a
disputas pelo poder local, mas também tinham a ver com as rela-
ções mais amplas em nível de aproximação, ou não, com os chefes
dos partidos políticos do Estado deo Paulo.
12
11 A Gazeta do Vale, Especial 88 anos, 1°.7.1993.
12 Sobre as disputas políticas na região do Vale do Paranapanema, ver "Política,
contestação e violência", em Corrêa, 1988, p.233-303.
Ainda sobre a empresa elétrica, diz o mesmo assisense:
O S. L. era o prefeito e estava emo Paulo. E quem assinou um
acordo foi o T. A., que era vice-prefeito. O S. L. dizia que o Z. J. deu
um barril de vinho. Eu conheci essa empresa quando era aqui na Rua
Bandeirantes, ali perto da Leco. Era tocada a vapor. (U. F., 1919,
funcionário municipal aposentado)
A esse respeito o jornal Correio de Assis publicou, sob o título
"Malhando em ferro frio", um diálogo que retrata o desconforto
que antecedeu a queima da usina:
- Você é capaz de me dizer por que é que o vapor apita antes de
se acenderem as lâmpadas?
- É para avisar o povo; porque, seo apitasse, ninguém perce-
beria que havia luz na cidade... (15.8.1926)
A respeito do mesmo assunto publicou-se uma carta de um
político de muito prestígio na cidade. Dizia a carta:
Tem ela [a empresa elétrica] sido um motivo de descrédito para
a cidade. Eu, porém, tenho fé que um dia o povo, prejudicado e ex-
torquido, saberá dar-lhe uma resposta que será, ao mesmo tempo,
um castigo, uma vingança.
A demora tem sido apenas para ganhar direitos. Nessa ocasião,
fique sabendo desde já a empresa de eletricidade Vale do Paranapa-
nema - formarei na onda...
13
Seria lícito, então, dizer que em determinadas circunstâncias a
divulgação de posições assumidas por certas pessoas que desempe-
nham papel de liderança numa comunidade, unida a uma situação
contextual geradora de tensões, pode fazer que a barreira entre o
enfrentamento ouo de tal situação passe a ser vista como passí-
vel de ser ultrapassada. O alvo nunca é escolhido aleatoriamente,
mas possibilita extravasar sentimentos latentes. Seguindo-se essa
linha de pensamento, incendiar a usina elétrica podeo ter sido
uma opção aleatória, de momento. A iluminação era um entrave
13 Correio de Assis, 15.8.1926, carta assinada por J. Marmontel, que havia sido
chefe político e prefeito na cidade. Uma das principais ruas de Assis tem seu
nome.
ao desenvolvimento do "progresso". O mal-estar propiciado pela
situação pode ter se configurado como algo passível de ser resolvi-
do pela força e com responsabilidade diluída.
Tais reflexões, baseadas em depoimentos de pessoas envolvidas
nos fatos estudados e em notícias veiculadas pela imprensa, buscam
o processo por intermédio do qual é "historicamente produzido um
sentido e diferenciadamente construída uma significação" (Chartier,
1990, p.24).
No processo de busca de "desenvolvimento" atuam variantes
que operam a distância e, também, aquelas que ocorrem numa vi-
zinhança mais próxima (Giddens, 1991).
Pequenos fatos, aparentemente díspares, dentro de uma socie-
dade, podem indicar caminhos em direção a certa meta comum.
Assim, quando se examinam significações sociais é possível consi-
derar-se que a soma de tais fatos dispersos compõe um quadro
maior, o quadro da procura de valores, de determinados objeti-
vos. A iluminação era um fator importante para alcançar o desen-
volvimento e para que a cidade pudesse ostentar fisionomia de
progressista. Uma cidade sem luz era uma cidade desprestigiada,
sem possibilidades, até mesmo de escolaridade. Esse entendimen-
to aparece numa peça de teatro apresentada na cidade. A peça, es-
crita pela professora Leopoldina Macambira Barbosa, na década
de 1920, tinha por título Assis às escuras. Faz referências à condi-
ção de "cidade rainha", rainha sem iluminação? E a Menotti, in-
fluência da Semana de 1922?
Qu' escuridão!... Somente se vê treva
nesta cidade, do sertão rainha...
Por aqui,o conheço outro Menotti,
ao ser eu, vermelho futurista. (Dantas, 1978, p.126)
Aparecem assim retratadas aspirações de desenvolvimento
embutidas em fatos os mais diversos. Todos, entretanto, envolven-
do a apropriação de valores sociais. Dizia a peça: "Sae azar! ...
Desgraceira, causa infinda de presentes desgraças e futuras. Agora
chegou o dia de chamar-te à conta" (ibidem).
Portanto, em Assis, a busca da trilha do desenvolvimento mos-
trava-se por vários ângulos. A valorização do ensino era um deles e
muito evidente. Consolidado o ensino até o quarto ano primário,
a luta da população voltou-se para a instalação de um ginásio na
cidade.
Essa luta culminou com a celebração, em 3 de abril de 1937, de
um contrato entre a Prefeitura Municipal da cidade e a Sociedade
de Educação "Ginásio Paulistano", da capital do Estado. O objeti-
vo era a instalação do Ginásio Municipal, uma entidade particular
(Dantas, 1978, p.110-1). Logo a seguir a escola entrou em funcio-
namento e se anunciava que era a única, "nesta zona, que estava
diretamente subordinada ao Ministério de Educação e Saúde".
14
O Ginásio foi instalado na Praça Arlindo Luz, em prédio cedido
pela Câmara Municipal. As inscrições de alunos para a primeira
turma foram muito concorridas. Setenta e uma inscrições ao todo.
Os nomes dos candidatos foram publicados no jornal da cidade,
com a especificação da filiação de cada um dos inscritos. Eram os
filhos, dizia-se, das famílias mais representativas da sociedade.
A criação de ginásios e do ginásio em Assis é lembrada por
pessoas da cidade.
Naquele tempo um senhor que tinha alguma experiência nesse
campo fundava um ginásio. Eram pagos esses ginásios. Meu pai foi
professor do ginásio, minhae também. E, quando eu me formei
em Direito, eu vim tentar a advocacia em Assis. Cheguei aqui e en-
contrei um ginásio particular em funcionamento. Em 193 9, eu come-
cei a advocacia e comecei como professor dando aulas no ginásio do
professor Vitor Mussumessi. Como a cidade só tinha um ginásio parti-
cular começou a criar corpo a idéia de se fundar um estabelecimento
de ensino oficial em Assis, como havia em muitas cidades. Havia um
em Botucatu, Itapetininga,o Carlos. Poucas cidades eram privile-
giadas com a existência de uma Escola Normal oficial. (W. G. C,
1918, advogado e professor)
Com a insuficiência de escolas públicas para a demanda cres-
cente que acompanhava o processo de urbanização, abriram-se
14 "Gimnasio Municipal de Assis, sob inspeção federal", Jornal de Assis,
22.1.1938.
possibilidades para a iniciativa particular, especialmente no nível
de ensino "secundário". O ensino nesse grau passou a constituir-se
um bom investimento, atraindo o interesse privado.
A criação do grau de ensino ginasial em Assis marcou a vida da
cidade. Até então só podiam cursar esse grau aqueles jovens cujos
pais tinham posses para encaminhá-los para colégios da capital ou
de outras cidades de regiões mais antigas.
A importância que o Ginásio de Assis adquiriu era mostrada
nas festas promovidas pelos ginasianos e que tinham grande reper-
cussão social.
A primeira "Rainha dos Estudantes", Alice de Pádua Mello,
foi "coroada", em 1938, em festa de grande pompa:
Foi servida aos convidados uma taça de Champagne e uma mesa
de finíssimos doces, iniciando-se, logo a seguir, o baile que durou
quase até ao alvorecer. Os dois ótimos jazzes da cidade, "Tangarás" e
"Guarany", abrilhantaram a elegante reunião. Todas as cerimônias
foram irradiadas pela Rádio Propagadora de Assis. Medida excelen-
te, e que veior as numerosas pessoas que se encontravam nas ime-
diações da Praça Arlindo Luz a par de tudo que se realizava nos sa-
lões. Comemorando, também, o dia da importante festa da Rainha
dos Estudantes, os alunos do nosso estabelecimento de ensino fize-
ram circular sábado passado o jornal "Folha Gymnasiana".
15
O jornal trazia uma homenagem à Rainha:
Flagrante da Coroação
Ela que ao trono sobe, sobranceira,
De porte majestoso, triunfante.
Vai reinar. É rainha verdadeira.
o pensem que é brinquedo de estudante.
Com a Corte completa, alviçareira,
Autêntica figura de reinante,
- Entre lindas princesas, é primeira
Alice, a soberana deslumbrante!
15 "A festa da Rainha dos estudantes", Jornal de Assis, 18.6.1938.
Palmas, músicas, flores e champanha,
Luzes a "giorno" - ela sorri, contente,
Também sorrindo a Corte que a acompanha...
E como alegra ouvir-se a mocidade,
Aos gritos proclamar, em tom fremente!
É rainha! É rainha de verdade! (ibidem)
As festas se sucediam, referenciando um valor que era consi-
derado caminho para o desenvolvimento, a escolaridade.
No dia 4 de dezembro de 1940, no Cine Universo, seis rapazes
recebiam seus certificados de conclusão do curso ginasial. Era a
primeira turma que se formava em Assis. Foi um acontecimento
com repercussão regional. Os meios de comunicação - jornal da
cidade e dos alunos, rádio e jornais de circulação estadual - cola-
boravam na promoção das festividades escolares.
Tal movimentação mostrava dois ângulos a respeito da escola-
ridade: a escolaridade como valor social ligado às propostas nacio-
nal-desenvolvimentistas e a escolaridade como barreira entre diferen-
tes segmentos sociais. O empenho e o entusiasmo pela escolaridade
que transpareciam nos movimentos em prol dos vários graus do ensi-
noo significavam, entretanto, uma generalização dessa possibili-
dade. A festa da Rainha dos Estudantes deixa isso muito evidente.
A transmissão dessa festa pela rádio para além do recinto em que
ela se realizava - fato que foi muito louvado - explicitava que o
objetivo era permitir que o grande número de pessoas que estavam
fora, assistindo à entrada dos convidados, tomasse conhecimento
do evento que acontecia nos salões. Provavelmente essas pessoas,
em sua maioria, eram as mesmas que estavam também fora da es-
cola. O Ginásio era particular, acessível, portanto, aos que podiam
arcar com as despesas.
O Ginásio Municipal recebia uma subvenção da Prefeitura
Municipal de Assis, e o contrato assinado entre a administração
municipal e o Ginásio Paulistano deo Paulo rezava queo logo
fosse criado, pelo governo do Estado, uma escola "de ensino supe-
rior" (nome dado, na época, ao curso Normal) em Assis, o Ginásio
Municipal seria encampado pela prefeitura.
FOTO 7 - Quadro de formatura da primeira turma do Ginásio Municipal de Assis
(1940).
FOTO 8 - Baile de formatura da primeira turma do Ginásio Municipal de Assis
(1940).
Foi o que aconteceu em 1941 (26 de abril), quando foi assina-
do pelo então governador do Estado, Adhemar de Barros, o De-
creto n.11.490. Esse decreto criava a Escola Normal de Assis com
uma condição: a de que o seu funcionamento só se efetivasse quan-
do a Prefeitura Municipal construísse um prédio com as necessárias
instalações.
Essa condição mobilizou a sociedade assisense, que iniciou,
imediatamente, uma campanha para conseguir o dinheiro para
construir o prédio. A prefeitura recebeu do bispado da cidade o do-
mínio direto de um terreno e, com a subscrição pública, teve início
a construção do prédio para a instalação da Escola Normal.
16
Em 15 de março de 1944, na sala da diretoria do extinto Giná-
sio Municipal, sito à rua Brasil, número três, desta cidade, onde a-
tulo provisório funcionará a escola, até que se conclua o majestoso
edifício com auxílio da população e que está sendo terminado pelo
governo do Estado, deu-se início à solenidade da instalação da Escola
Normal Oficial. (Jornal de Assis, 29.7.1944)
Esse acontecimento está assim registrado na memória de um
contemporâneo:
Em 1944 foi criado o Ginásio do Estado. Foi um trabalho do
bispo diocesano Dom Antônio José dos Santos. Foi um bispo que fez
muito pela cidade. Dom Antônio conseguiu do governo a criação do
Ginásio do Estado. Em seguida foi instalada a Escola Normal, depois
veio o curso colegial e transformou-se em Instituto de Educação. O
povo de Assis se reuniu, se cotizou, e a prefeitura construiu esse pré-
dio onde hoje é o grupo Carlos Alberto. Esse prédio saiu com recur-
sos coletados junto à população de Assis. (A. N. D., 1928, advogado
e político)
Ainda sobre a criação da Escola Normal em Assis:
Eu aprendi então que, naquele tempo, a criação de um estabele-
cimento de ensino de valor respeitável era uma questão de poder po-
lítico. Era prefeito aqui em Assis o Dr. Liycurgo de Castro Santos. Ele
tinha as suas relações com o secretário da Educação, ele era político
antigo, o partido dele estava com a Interventoria emo Paulo. O
16 "Escola Normal de Assis", Jornal de Assis, 1
o
.1.1944.
Dr. Liycurgo teve muita força. Com toda a força dele ele formou co-
missões na cidade, ele conseguiu criar e fazer funcionar uma Escola
Normal oficial aqui em Assis. Para espanto de todos nós, veio cá um
representante do Governo do Estado, da Secretaria da Educação,
com uma lista de cadeiras de Escola Normal e me perguntou: você
quer Sociologia? Sociologia para você. Eu falei, aceito. Eu achei que
isso até ia me ajudar nos meus estudos de Direito. Fiquei lecionando
na Escola Normal de Assis com poucas aulas de Sociologia, tinha
poucas aulas. Fiquei como interino. Mais tarde resolveram submeter
todos os interinos à efetivação. Como eu tinha sido soldado em 32
no Batalhão de Assis ... esses documentos do meu serviço militar
possibilitaram me efetivar na cadeira de Sociologia. Me tornei en-
o titular efetivado na cadeira de Sociologia da Escola Normal de
Assis. Essa Escola hoje é o Instituto de Educação Dr. Clybas Pinto
Ferraz. E ali eu fiquei trabalhando. (W. G. C, 1918, advogado e
professor)
Em entrevista concedida em 1944, sobre a criação da Escola
Normal, o bispo diocesano Dom Antônio José dos Santos afirma-
va: "A idéia surgiu de uma conversa com o Governador Adhemar
de Barros". O governador fez referência a uma intenção do gover-
no de fechar, em algumas cidades, três Escolas Normais queo
tinham alunos.
A essa conversa seguiram-se gestões do bispo diocesano, do
prefeito de Assis, Dr. Lycurgo de Castro Santos, e de uma "comis-
o composta pelos Senhores Gianazi, Juversino, Antônio Silva e
Vara" para pedir a transferência, para Assis, de uma daquelas esco-
las que estavam para ser fechadas. Foram ao Paulo falar com o
governador, que deu a seguinte resposta:
- Isso de transferir uma Escola Normal é muito difícil. Depois
fica uma gritaria na cidade que perde a escola, queo há quem
consiga acalmar. Dou uma Escola Normal para Assis, e um Grupo
Modelo.
Assim, em 26 de abril de 1941 foi criada a Escola Normal Ofi-
cial de Assis.
É ainda o bispo diocesano quem diz:
Ia me esquecendo de dizer que assim que o Dr. Adhemar garan-
tiu que daria uma Escola Normal para Assis, o Dr. Lycurgo disse: -
s colocamos os nossos corações de assisenses nesta mesa, doutor.
Eu então acrescentei:s colocamos os nossos corações no coração
do Dr. Adhemar.
O senhoro se esqueça de dizer, também, que o povo assisense
muito nos auxiliou, contribuindo com quase duzentos mil cruzeiros.
17
Afinal, em 15 de março de 1944, aconteceu a instalação da
Escola Normal em Assis. Na cerimônia de sua instalação estavam
presentes: Dom Antônio José dos Santos, bispo diocesano; Dr.
Lycurgo de Castro Santos, prefeito municipal; Prof. Joel Aguiar,
inspetor estadual; e os professores e funcionários do corpo admi-
nistrativo. O Ginásio Municipal já havia sido encampado pela Pre-
feitura Municipal e repassado ao Governo Estadual.
18
Uma professora fala sobre sua trajetória de estudos nos primei-
ros estabelecimentos de ensino criados em Assis:
Eu fiz o primário no Dr. João Mendes Júnior e um ano no Colé-
gio Santa Maria. Depois veio o ginásio. Aí eu já comecei lá a primeira
série e acho que a segunda, depois foi criada a Escola Normal "Anhaia
Melo". É a "Clybas Pinto Ferraz" hoje, mas era Anhaia Melo quando
eu me formei. Na época tinha o pré-Normal e depois dois anos de
Normal. Eu me formei em 1950. (I. F. F., 1930, professora: 1950)
A importância que Anhaia Melo tinha em relação à criação da
Escola Normal foi louvada em entrevista ao Jornal de Assis, publi-
cada em abril de 1944. O então prefeito municipal, Dr. Lycurgo
de Castro Santos, dizia: "Ainda me custa acreditar que chegamos
ao término de nossa jornada, jornada do povo de Assis, e esteja-
mos vendo aquele majestoso prédio se concluindo para nele ser
instalada a Escola Oficial de Assis, Anhaia Melo" {Jornal de Assis,
2.4.1944).
Da mesma forma que acontecia com nomes de ruas, também,
os nomes das instituições de ensino desfaziam-se de "heróis" ante-
17 Entrevista de Dom Antônio José dos Santos - "Escola Normal de Assis" - con-
cedida ao jornalista Paes Lemme, Jornal de Assis, 22.1.1944.
18 "Instalação oficial da Escola Normal de Assis", Jornal de Assis, 18.3.1944;
"Escola Normal Oficial. Ata da instalação e histórico da criação", Jornal de
Assis, 29.7.1944.
Viação na época. A ele atribuía-se um papel relevante nessa conquis-
ta. Posteriormente a homenagem foi cancelada. O nome escolhido
foi o de um ex-professor e diretor da escola, Clybas Pinto Ferraz.
Na luta pela escolaridade em Assis juntavam-se autoridades civis
e da Igreja. Em entrevista a um jornal local, dizia o prefeito Lycurgo
de Castro Santos (prefeito durante o Estado Novo): "A autoridade
máxima da Igreja Católica e seus auxiliares, com quem mantenho
perfeita harmonia de vistas, rendo sempre o respeito de queo
merecedores e tenho sido sempre retribuído com a gentileza e alta
distinção..." (ibidem). A harmonia entre os poderes eclesiástico e
civil é um fator que concorre para o fortalecimento em defesa de
determinados valores morais e cívicos dentro de uma sociedade.
A diocese de Assis foi criada em 1928. A prosperidade trazida
pela expansão dos cafezais impulsionou sua criação. No Estado de
o Paulo foram criadas, entre 1908 e 1928, onze novas dioceses.
Segundo Sérgio Miceli (1988, p.62), a partir de 1890 até 1930, o
Brasil passou de um número de 12 para 56 dioceses. Na distribui-
ção foram privilegiados o conjunto dos estados do Nordeste,o
Paulo e Minas Gerais. A expansão organizacional da Igreja signifi-
cou um processo de estadualização do poder eclesiástico. As cir-
cunscrições paulistas foram implantadas nos principais centros re-
gionais, ou em postos avançados das frentes pioneiras de expansão
econômica. Nos estados mais desenvolvidos a Igreja valeu-se, para
implementar sua política de estadualização, da receptividade que
encontrava entre segmentos majoritários da população e do apoio
ostensivo de dirigentes.
Em Assis foi também fundada, em 1913, uma Igreja Presbite-
riana Independente. Segundo um de seus pastores, em companhia
dos desbravadores que acompanharam a expansão da rede ferro-
viária para o Oeste paulista, vieram numerosos "crentes". Entre
eles, Delfino Augusto de Moraes, que fez parte do Grupo de Pres-
bíteros que, em 31 de julho de 1903, lançaram as bases do prebite-
rianismo no Brasil. Ele foi um dos construtores do primeiro templo
em Assis, provavelmente em 1911. A construção era de madeira, de
pau-a-pique, coberto de tabuinhas. Em 1930, Assis já era um cen-
tro de missionários, com muitas congregações e igrejas organizadas.
O reverendo Azor Etz Rodrigues iniciou seu trabalho em Assis, em
1929. Atuou por 65 anos. Além de pastor foi professor muito con-
ceituado na cidade.
A expansão das igrejas era um dado que acompanhava o de-
senvolvimento, o "progresso" das cidades do Oeste paulista. En-
tretanto, um dado que pode ser colocado como contraponto ao
poder religioso era a expansão das "zonas de meretrício". O pres-
tígio da "zona" de Assis merece destaque, também, como índice de
crescimento econômico. As histórias dessa "zona" fazem parte do
folclore da cidade. Muitos "casos" fazem a sua história. Conta um
morador:
A zona de Assis era famosa. Os viajantes faziam pião aqui. Era fa-
mosa e tinha coronéis. Uma vez um piloto que fazia a linhao Pau-
lo-Assis-Presidente Prudente chegou a Presidente Prudente e voltou
para Assis à noite.o havia iluminação no campo de aviação para ele
descer. Então foram para lá todos os automóveis da cidade para ilumi-
19 "Uma Igreja que nasceu junto com Assis - 80 anos", depoimento de Valmir
Machado Ribeiro ao jornal A Voz da Terra, 27.11.1993, p.12.
nar o campo. E ele desceu. Aí disseram, mas o que houve? e ele falou:
Eu vim aqui porque hoje é aniversário da Antonieta e euo podia
faltar. (U. F., 1919, funcionário municipal aposentado)
A importância dada, em Assis, à sua "zona" está ligada à condi-
ção de cidade de passagem, de trânsito, de movimento de mercado.
Outro indicativo de desenvolvimento na cidade eram os no-
vos meios de transporte. Em 1938, foi inaugurado um trem de luxo
da Estrada de Ferro Sorocabana, batizado de "Ouro Verde", invo-
cando a riqueza dos cafezais da região.
Esse acontecimento é assim descrito:
A inauguração do Ouro Verde foi uma festa, todo mundo cor-
reu para a estação esperar a primeira viagem do trem. Todo mundo
entrava dentro dos carros que eram muito bonitos e limpos. Chamava
Ouro Verde, diziam, que era por causa dos cafezais da região. Antes
da Ouro Verde eram uns carros de madeira, uns carroções sem con-
forto nenhum. O Ouro Verde na época era um trem de luxo. (U. F.,
1919, funcionário municipal aposentado)
Nas cidades do Oeste paulista os meios de comunicação sem-
pre foram muito valorizados. É bom lembrar que tais cidades nas-
ceram em região chamada "sertão". As estações ferroviárias eram
ostentadas com orgulho. Em Assis o lazer cotidiano girou, por mui-
to tempo, em torno da estação e das praças e ruas principais. Havia
uma identificação da comunidade com esses logradouros. Eram
locais de encontro da população eo sempre lembrados pelos
participantes da vida na comunidade. O conjunto privilegiado en-
globava jardim, coreto, fonte, matriz e avenida.
O deslocamento de famílias para Assis foi aos poucos fazendo
que se desenvolvessem formas de lazer. Segundo Paulo Dantas
(1978, p.177-8 passim), na Avenida Rui Barbosa instalou-se o Ci-
neteatro Avenida. Próximo ficava o Bar do Gato Preto. O som pa-
ra os filmes silenciosos era mérito de Dona Nena Valente com seu
piano. Sem muita regularidade funcionava também o Cineo Jo-
. Com a madeira da capela, demolida para dar lugar à Igreja
Matriz, construiu-se o Teatro Dom Carlos (homenagem ao bispo
diocesano de Botucatu). Quando Assis tornou-se diocese e rece-
beu seu bispo, o nome do teatro mudou. Passou a chamar-se Dom
Antônio.
A partir do final da década de 1920, a professora Dona Leo-
poldina Macambira Barbosa passou a montar, com seus alunos,
um espetáculo teatral. Na década de 1930, essa tarefa foi assumida
pela professora Dona Alice Feitosa. Havia também espetáculos
apresentados por companhias que vinham a Assis. A chegada de
circos representava uma festa.
Em 1931, Assis recebeu Villa Lobos. O teatro foi lotado por
alunos do Grupo Escolar. A passagem de Villa Lobos foi marcada
por um episódio que mostra como o aprendizado de valores cívi-
cos era aceito pela juventude assisense. Durante uma conferência,
Villa Lobos criticou o aspecto artístico do Hino Nacional. Esse fato
provocou a ira de alguns jovens a ponto de ameaçarem bater no
músico compositor. Também alguns parques de diversão que pas-
savam pela cidade eram motivo de desagrado para a população.
Seus programas eram considerados imorais.
Durante o carnaval, fazia-se o "corso" com carros alegóricos
que desfilavam pela Avenida Rui Barbosa. Depois havia sessão de
cinema no Cine Avenida. Os intervalos eram aproveitados para
continuar a guerra de serpentinas. Os bailes no Clube Recreativo
encerravam a festa. Esses bailes eram muito freqüentes e apreciados.
A Avenida Rui Barbosa era também o local do footing. Na cal-
çada da direita ao lado do cinema passeava a elite da cidade. Na
outra calçada, os menos privilegiados. O footing acabava quando
iniciava a sessão de cinema.
Em 1932 foi inaugurado um rinque. Foi nesse momento que
chegou também o sorvete "picolé". "Chique era patinar chupando
sorvete" (Dantas, 1978, passim). A Confeitaria Cabral e o Bar Se-
leto eram pontos de reunião.
As festas cívicas e religiosas eram animadas pela Banda de-
sica. As festas religiosas adquiriam grande impulso nas celebrações
especiais dos meses de maio, outubro e dezembro e, também,
quando os padres missionários visitavam a cidade.
A cidade tinha também os seus anti-heróis. A Cotinha-Louca,
que amedrontava as crianças, Dona Jesuína, muito idosa, era filha
do fundador da cidade. Mário-Chuva carregava o Dicionário e en-
ciclopédia internacional Jackson para mostrar a biografia de seu
pai. De fato ela estava.
Meninos gostavam de tomar banho no Buracão e chupar jabu-
ticabas na Chácara do Capitão Garcez. Os moços gostavam da co-
lheita de gabirobas no campo.
Um "morador de Assis" narra assim sua experiência de vida na
cidade:
Os moradores de Assis, isto é, os moradores de sempre, lem-
bram-se com emoção dos locais pitorescos e marcantes de nossa cida-
de. Locais que foram palco de nossa vida cotidiana, principalmente a
Avenida Rui Barbosa. A juventude dos anos 50 e 60, de antes até,o
esquece do footing entre o antigo Bar Cabral... e o Hotel Paramount,
ao som do alto-falante do Major, cujo estúdio ficava no alto do pré-
dio Carpentieri ... Aos sábados o movimento aumentava depois da
sessão das sete e meia do Cineo José, aos domingos depois da ses-
o das seis.
A Rua José Nogueira Marmontel era conhecida como a Rua do
"Cemitério" ou de saída para Echaporã. Era também a via que dava
acesso ao Aeroporto Municipal e ao Aeroclube de Assis, que ficava
logo depois do cemitério. O vaivém de aviões era entusiasmante. A
empresa que atendia Assis era a Real, com seus DC-3 turboélices em-
pinados, imponentes, que quando aterrissavam levantavam enormes
nuvens de poeira, já que a pistao era asfaltada, e os espectadores,
que ficavam sempre atrás da cerca de madeira às margens da pista,
corriam fugindo do pó e do vento: os homens seguravam os chapéus
e as mulheres as saias. Era uma festa! (Oliveira, 1993)
Assis, diz um escritor da cidade, "nasceu em torno de uma pe-
quena capela e o sítio urbano tem a forma de um tabuleiro de xa-
drez, ruas que se cruzam em ângulos retos. A cidade tem a forma
triangular..." (Dantas, 1978). A rua principal tinha o nome do doa-
dor do patrimônio, o Capitão Assis. Entretanto, como essa viao
dava acesso à Estação da Estrada de Ferro, foi, pouco a pouco,
perdendo a sua importância. A Avenida Rui Barbosa a suplantou.
O nome de Rui Barbosa foi dado a essa avenida pelo primeiro pre-
feito da cidade.
Sobre as praças da cidade, dizia, em 1944, o prefeito Dr. Ly-
curgo:
a área da D. Pedro II é grande e teremos que fazer o calçamento de
quase toda ela, na Arlindo Luz foi terminado o coreto, reformado o
jardim e a iluminação, isto dá uma impressão bem agradável aos que
visitam Assis. Quanto ao calçamento das ruas, só poderemos cogitar
daquele da Avenida Rui Barbosa, quando ficar concluído o serviço
de esgotos.
20
Uma professora nascida em Assis apresenta a sua versão:
Onde é a Praça Arlindo Luz tinha uma máquina de algodão. Esse
local foi doado para a prefeitura por meu pai. Ele doou o terreno
com a condição de que ali fosse construída uma praça que deveria re-
ceber o nome de Arlindo Luz, diretor da Estrada de Ferro Sorocaba-
na. A homenagem era em agradecimento por Arlindo Luz ter lhe cedi-
do um vagão da ferrovia para transportar, ao Paulo, um dos meus
irmãos, o G., que estava muito doente. (M. T. L. F., 1927, professora,
1945)
Calçamento, construções, serviços urbanoso indicativos de
urbanização e desenvolvimento nas cidades. Assim, a urbanização
que se acreditava ser a portadora do esperado "progresso" mostra-
va sua cara nos anos 50. Os assisenses puderam, então, comemo-
rar a seguinte notícia: "Afinal, o calçamento!":
A Câmara Municipal de Assis vem autorizar a Prefeitura a con-
tratar com as firmas Luiz Bicudo Júnior e Luiz Castaldi a pavimenta-
ção da nossa cidade. No prazo de 3 anos cerca de 70.000 metros qua-
drados de paralelepípedos serão assentados abrangendo perto de 20
importantes artérias. (Jornal de Assis, 2.12.1950)
O sistema de sociabilidade e os valores que o norteiam podem
ser percebidos no estudo da relação entre casas e rua em Assis. A
separação entre elas, ao longo do tempo, sofreu um processo que
pode retratar traços daquela relação.
Até mais ou menos a década de 1950, o que prevalecia na divi-
o entre a casa e a rua era um muro de alvenaria, baixo, ou a pare-
de da casa como divisória, com janelas voltadas para a rua. Uma
20 "O dr. Lycurgo de Castro Santos comemora hoje quatro anos de trabalhos, de
lutas e de grandes realizações como prefeito municipal de Assis", entrevista,
Jornal de Assis, 2.4.1944.
pequena varanda precedida de um jardim também muito pequeno
completava a fachada da maioria das residências. A partir dessa
década começam a se impor as casas que procuram ligar o jardim à
rua, eles prolongando-se sem muros até o passeio, mas o corpo da
casa é voltado para o interior. As janelas, quando davam para a
rua, eram altas e pequenas. O mais freqüente é que se abrissem
muito amplamente, às vezes transformando-se em portas para o
interior do terreno. Os muros, quando existiam, continuavam bai-
xos, geralmente recobertos com pedras das mais variadas qualida-
des e eram completados por pequenas grades. O voltar as costas
para a ruao era ainda assumido. Camuflava-se essa separação.
Pareciao se pretender interromper a integração com a rua, mas
sim limitá-la. Através do jardim permanecia a comunicação, mas
uma comunicação passível de ser controlada.o era mais aquela
comunicação permanente, propiciada pela varandinha. A convi-
vência social ficava, agora, sob controle, mas o rompimentoo
era explicitado. É somente a partir da década de 1960, mais clara-
mente na década de 1970, que o rompimento vai sendo assumido
com os altos muros e altas grades.
Relacionamento direto da casa com a rua é uma idéia pouco
urbana. Retrata o entrelaçamento entre campo e cidade. Tal ques-
o integra a construção de valores sociais mesclados de atributos
rurais e urbanos.
Estilos de casas representam valores preservados por uma co-
munidade. A análise de suas edificações pode mostrar permanên-
cias e rupturas em torno de determinados conceitos. Por exemplo:
ao pedir-se a uma criança para desenhar uma casa, a figura que
costuma aparecer é composta de um telhado cobrindo uma forma
mais ou menos retangular, com algumas janelinhas e porta. Essa
imagem está ligada a uma formulação que a tradição estabeleceu
como representativa de moradia familiar. Com o processo de ur-
banização, infinitos outros tipos de moradia foram se impondo,
alguns em direção à sofisticação e muitos, ao empobrecimento,
como os caixotes de favelas. Contudo, na memória ainda prevalece
a imagem idealizada da casinha com o típico telhado e janelinha. A
tradição procura preservar a idéia de harmonia social, da casa da
família. Como nos contos de fada, ainda que tudo mude, perma-
nece o mascaramento de situações sociais.
Com a urbanização, os prédios públicos de Assis, até mesmo
as escolas, tornaram-se mais imponentes. A majestade era configu-
rada no tamanho. Essa era uma forma de retratar o desenvolvi-
mento da cidade. A construção da nova agência dos Correios foi
muito festejada; sua inauguração, em 3 de julho de 1949, signifi-
cou um grande acontecimento.
21
Sobre o novo Palácio da Justiça, projetado em 1950, dizia-se:
"E suntuoso e de construção moderna, uma conquista para a cida-
de. Assis, pelo seu vasto movimento, coloca-se entre as principais
comarcas paulistas".
22
A melhoria do campo de aviação preocupava constantemente a
população. Até a década de 1940 estava situado em terreno particu-
lar, e suas dimensões eram exíguas. O prefeito Dr. Lycurgo de Cas-
tro Santos iniciou, de acordo com o Departamento de Aeronáutica
Civil.
em 1941, um processo de dasapropriação de uma
área
neces-
sária para um campo de aviação cujas dimensões correspondessem
mais às necessidades do momento. Diz o prefeito: "Declarei de uti-
lidade pública uma área de um milhão de metros quadrados".
23
A esse respeito o jornal da cidade comentava: "Com essa pro-
vidência, Assis ficará possuindo um campo de aviação modelo e
em condições de receber aviões de qualquer tamanho".
24
A cidade integrava-se ao mais avançado meio de transporte.
Esse campo de aviação funcionou até 1967, quando um novo aero-
porto foi inaugurado pelo então prefeito Oliveiros Alberto de Cas-
tro.
25
Melhoramentos urbanos, escolaridade e estradas significavam
passagem para o "progresso" e eram colocadas no mesmo patamar.
O processo de urbanização que foi envolvendo Assis fez que
fossem surgindo, na periferia da cidade, as chamadas "vilas". As
21 "Inaugura-se amanhã a nova agência do Correio de Assis", Jornal de Assis,
2.7.1949.
22 "Notícias alvissareiras para Assis", Jornal de Assis, 1°.4.1950; Oliveira, 1993.
23 "O dr. Lycurgo de Castro Santos comemora...", op. cit.
24 "Campo de aviação de Assis"', Jornal de Assis, 2.5.1942.
25 Placa comemorativa: Aeroporto de Assis.
vilas formavam-se principalmente com moradores vindos das zo-
nas rurais. A Igreja Católica teve sempre um papel importante na
organização dessas vilas. Logo de início surgiam as capelas, geral-
mente de madeira, sendo depois substituídas por construções de
tijolos.
A dinâmica dessa relação despertava constantemente, em al-
guns setores da população, a preocupação com a necessidade de
ser dada atenção "à proliferação de vilas e loteamento de terre-
nos" em Assis. Dizia-se que projetos estavam sendo executados "à
revelia da prefeitura, com alinhamentos e arruamentos sem plano,
sem senso de responsabilidade". Sob o título: "Urbanismo para o
povo", era solicitado que se expedissem orientações a proprietários
que "queiram vender seus imóveis em lotes" (Jornal de Assis,
28.4.1951). O processo de incorporação de propriedades rurais
ao espaço urbano ia, assim, mostrando-se muito conflituoso.
Segundo Luís de Castro Campos Júnior (1992, p.20, 64 pas-
sim), pode ser estabelecida uma relação entre o desenvolvimento
da Vila Xavier com sua rua principal - a Armando Sales de Olivei-
ra - e a criação dos bairros Três Porteiras, Vila Operária, Vila Ri-
beiro e Vila Prudenciana.
A ligação com o centro de Assis era feita através da Rua Ar-
mando Sales de Oliveira. Algumas pessoas da cidade foram os pro-
motores de grandes loteamentos onde foram surgindo as Vilas.
Thiago Ribeiro foi quem mais loteou. Dono de várias proprieda-
des semi-rurais na periferia da cidade original, fez grandes investi-
mentos nesse setor. Loteou as Vilas Adileta, Ouro Verde,o Cris-
tóvão,o Jorge, Ribeiro, Fabiano, Prudenciana, Thiago Ribeiro,
Silvestre, Tênis Clube, Orestes, Santa Cecília e Vila Glória.
José Santilli Sobrinho loteou o Jardim Paraná, Vila Santa Rita,
Progresso e Jardim Aeroporto. As famílias Palhares, Fiuza, Funari
e Piedade, e algumas outras, também lotearam suas áreas.
26
Era a
urbanização de áreas do campo.
Tal urbanização dependia, essencialmente, de vias de acesso.
Assim, por exemplo, quando em 1958 noticiou-se que o Depar-
26 A Gazeta do Vale, Especial 88 anos, 1°.8.1993.
tamento de Estradas de Rodagem propunha-se a construir uma
variante que ligaria a Vila Xavier ao Porto Areia e à "Estrada Ofi-
cial" (Jornal de Assis, 11.1.1958), estabeleceu-se uma grande po-
lêmica. A imprensa local envolveu-se na disputa que se travava
entre a Vila Xavier e a Vila Boa Vista (Jornal de Assis, 22.2.1958).
Nas disputas entre centro e Vila Xavier, por muito tempo, foi
lembrada outra polêmica, criada quando foi escolhido o local para
a construção do prédio para sediar a Escola Normal. Dizia-se:
Quando da criação da Escola Normal desta cidade - e isso já faz
anos - houve uma verdadeira celeuma com respeito ao local em que a
mesma deveria ser edificada. Muita genteo gostou da escolha, di-
zendo queo belo edifício ficava escondido, sem vista e atirado
num canto ermo da nossa urbe. Uma grande corrente de opinião ba-
teu-se até para que o majestoso prédio fosse construído na Vila Xa-
vier, no largo ali existente, pouco além do Grupo Escolar João Men-
des Júnior.
27
A rivalidade entre a região central da cidade e a Vila Xavier -
bairro que mostrava uma grande vitalidade - manifestava-se espo-
radicamente. Mas as duas maiores polêmicas deram-se em torno
da construção de uma estrada variante que ligaria a cidade à estra-
da oficial do Estado para o Paraná
28
e a do prédio para a Escola
Normal.
Novamente juntam-se os elos que pressupunham busca de
desenvolvimento, estradas e escolaridade. A travessia de estradas
determinava o destino de bairros e cidades. Locais marginalizados
pela passagem de vias férreas, inicialmente, e depois rodoviárias,
estavam condenados a ver seu desenvolvimento esvair-se lenta-
mente. Comunicação e escolas eram a garantia da condição para o
enfrentamento do futuro.
Assis, pelo recenseamento geral do Brasil, realizado em 1950,
ficava em segundo lugar em população entre as cidades da Alta So-
rocabana, situando-se em 33° no Estado deo Paulo.
29
27 "A vez da Vila Xavier", Jornal de Assis, 13.3.1948.
28 "A variante da Vila Xavier", Jornal de Assis, 11.1.1958.
29 "O progresso de Assis em números", Jornal de Assis, 7.7.1951.
Havia uma disputa, mais ou menos submersa, entre as cidades
da Alta Sorocabana em relação ao alcance de um maior ou menor
"progresso". Relatórios do movimento da Estrada de Ferro Soro-
cabana eram, freqüentemente, publicados pela imprensa local pa-
ra demonstrar qual das cidades servidas por essa rede ferroviária
conseguia maior volume de renda.
30
Essa rivalidade envolvia tudo que pudesse representar um ca-
minhar rumo ao "progresso" perseguido. A conquista de diferentes
graus de escolarização erao considerada como a vinda de imi-
grantes europeus para a região.
Na década de 1950 foi celebrada em Assis, com muito entusias-
mo, a chegada da primeira parcela de famílias de imigrantes italia-
nos (mais ou menos cinqüenta, em 17.9.1951) e o anúncio da vin-
da de mais outras 150 famílias. Esses imigrantes vinham com
destino a esse município, para a localidade de Pedrinhas. Era o iní-
cio do cumprimento do Acordo Italo-Brasileiro de Imigração. O
acontecimento foi motivo de muitas esperanças no que diz respei-
to a um bom desenvolvimento regional.
31
Um balanço das conquistas de Assis no ano de 1955 conside-
rava que o saldo tinha sido muito positivo. Dizia-se que a Estrada
de Ferro Sorocabana era a única ferrovia de propriedade do
governo do Estado queo apresentava déficit e que um dos prin-
cipais fatores que concorria para isso era a "fabulosa produção
agrícola da Alta Sorocabana".
32
Em relação ao setor educacional o saldo positivo dizia respeito
à criação e instalação de escolas de grau Ginasial e Normal, na-
cada de 1940. Esse fato se insere no bojo de uma campanha que se
desenvolvia no Estado deo Paulo como um todo. Propunha-se
ampliar o ensino gratuito além do nível de alfabetização valorizando
o ensino "secundário".
Tal valorização havia norteado a criação da Faculdade de Filo-
sofia da Universidade deo Paulo. Segundo Florestan Fernandes:
30 "A Estrada de Ferro Sorocabana e o progresso de Assis", Jornal de Assis,
9.12.1944.
31 "Imigração italiana para o Brasil", jornal de Assis, 29.9.1951; "Mais imigran-
tes para Assis", Jornal de Assis, 6.2.1952.
32 "1955 chegou!", editorial, Jornal de Assis, 1.1.1955; "Assis reivindica, precisa
e merece a 4
a
Divisão da E. F. S.", Jornal de Assis, 10.12.1955.
As pessoas que projetaram a constituição dessa Faculdade agi-
ram em um plano tipicamente idealista. Supunham que, criada a Fa-
culdade, estavam dando o passo necessário para a solução de um dos
problemas fundamentais do ensino - e do curso secundário. Decorri-
dos vários anos de funcionamento da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, podemos ver onde falharam os idealizadores da inovação
em nosso Estado. Limitaram-se a intervir num único setor de nosso
sistema escolar, supondo que a solução de um problema acarretaria
fatalmente a correção dos demais... Os resultadoso se fizeram es-
perar.o foi a Faculdade de Filosofia que assimilou o meio, mas o
inverso. (1954, p.5)
Os influxos operados a distância a respeito da valorização da
escolaridade, unidos à dinâmica da sociedade, deram as caracterís-
ticas do desenvolvimento do sistema escolar na cidade de Assis.
Assim, a luta prosseguiu em direção à instalação de novos graus de
ensino. A questão tornou-se mais complicada quando novas cida-
des de "zona pioneira" passaram a reclamar do "privilegiamento"
de Assis em relação à criação da Escola Normal. Elas entraram
também na batalha. Em 1947, com o título "Uma Escola Normal
para a Alta Sorocabana", o jornal O Estado de S. Paulo inseria, en-
tre as notícias sobre o interior, um apelo para a criação de uma
Escola Normal para essa região. Dizia que a "última Escola Nor-
mal Oficial" na Alta Sorocabana situava-se na cidade de Assis e ar-
gumentava: "Não é possível que a juventude da Alta Sorocabana
tenha de deslocar-se para Assis ou Santa Cruz do Rio Pardo em
busca de um diploma de normalista" (20.5.1947).
Em Assis, a luta já se dirigia em favor da instalação do curso co-
legial. Interrogava-se: "E o nosso Colégio?". Tal questionamento
era, quase cotidianamente, estampado no jornal local. Assim, após
uma série de entendimentos políticos conseguiu-se, em dezembro
de 1949, a aprovação, pela Assembléia Legislativa, do Curso Cole-
gial Estadual em Assis. Foi criado o curso em 4 de janeiro de 1950,
pela Lei n.623. Em 22 de maio desse mesmo ano ele foi instalado.
33
Em 1957 já se discutia a construção de um novo prédio para o
Instituto de Educação de Assis (antiga Escola Normal). As verbas
33 "Criado o Colégio Estadual de Assis", Jornal de Assis, 31.12.1949; ver tam-
m "Jubileu de Prata", Jornal de Assis, 22.5.1962.
para seu término foram liberadas pelo governo do Estado somente
em 1962.
34
Na cidade já funcionavam, então, outros cursos. No Ginásio
Santa Maria a primeira turma de licenciandas se formara em 1950.
Nesse ano instalou-se no Ginásio Diocesano um internato mascu-
lino. Esses fatos foram muito comemorados, pois tornavam a cidade
um pólo de atração para alunos de toda a região.
35
O Colégio Diocesano funcionou inicialmente no prédio onde
está atualmente a Casa das Meninas. Esse colégio estava ligado ao
Pontifício Instituto das Missões (Pime). Seu primeiro diretor foi o
padre João Airighi. Depois, vieram os padres Enzo Ticianelli e José
Contini. Com o aumento do número de alunos, o colégio foi trans-
ferido para o prédio construído em terreno doado, no Jardim Pau-
lista. Começou a funcionar nesse local em 1958. Em 1960, já ofe-
recia o Curso Colegial (A Gazeta do Vale, 6.8.1993).
Na época, o mercado para o ensino secundário constituiu uma
alavanca dinâmica dos empreendimentos eclesiásticos. A criação
das escolas femininas e masculinas, na grande maioria estabeleci-
mentos confessionais, recebia apoio dos governantes empenhados
no sucesso da política educacional entregue em mãos das autorida-
des diocesanas e de ordens religiosas, sobretudo estrangeiras.
O processo institucional da Igreja Católica no Brasil, nas pri-
meiras décadas do século XX, prende-se, de um lado, às novas di-
retrizes da Santa Sé e, de outro, aos desafios que se apresentavam
na sociedade brasileira (Miceli, 1988, p.20-3).
Em 1951, após grande mobilização da população, foi conse-
guido o "Novo Grupo Escolar". A cidade nesse momento passou,
então, a contar com essa nova escola, além do Grupo João Mendes
Júnior e de um grupo que funcionava na Escola Normal.
36
Arruda Dantas, no seu trabalho "Memória do patrimônio do
Assis", informa que houve tentativas de criação de cursos técnicos
e secundários nas décadas de 1920 e 1930, mas sua duração sem-
pre foi efêmera (Dantas, 1978, p.110).
34 "Obras do Instituto de Educação", Jornal de Assis, 9.7.1962.
35 "Importantíssimo: Assis com o próximo ano terá o internato masculino", Jor-
nal de Assis, 17.2.1949.
36 "Novo grupo escolar", Jornal de Assis, 17.2.1951.
Entretanto, essa modalidade de ensino continuou a represen-
tar uma preocupação para os assisenses. Preocupação que se trans-
formou em luta e foi dando seus resultados. Assim, em 22 de janei-
ro de 1946, foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo a seguinte
notícia: "Realizou-se no dia 16 do corrente a cerimônia de entrega
dos certificados de habilitação aos alunos que concluíram o curso
técnico do Núcleo Ferroviário de Assis".
A valorização do trabalho costumava vir relacionada a civis-
mo. Seu enaltecimentoo se restringia ao nível individual, tinha
uma referência mais ampla, dirigia-se à nacionalidade, à grandeza
da nação. A valorização do trabalho manual num país que fora es-
cravista, como o Brasil,o se configura em tarefa muito fácil.
Nesse contexto é que deve ser compreendida a valorização da es-
colaridade e de práticas de leitura como formas de vislumbrar uma
possibilidade de ascensão social alheia ao trabalho manual.
A instalação da Escola Técnica Ferroviária em Assis era coe-
rente com a importância que se dava à difusão do valor do traba-
lho manual, em especial nos anos do Estado Novo. Ainda mais que
o complexo ligado à Estrada de Ferro Sorocabana vinha assumindo
um grande papel no desenvolvimento de Assis. Com a instalação,
na cidade, de uma oficina dessa ferrovia para os reparos de locomo-
tivas, Assis tornou-se um centro de administração da Sorocabana.
Os ferroviários tinham seu bairro residencial na cidade, a Vila Coe-
lho, que depois passou a chamar-se Vila Operária. Esses ferroviários
vinham de diferentes regiões e tinham grande peso econômico na
cidade. Sua remuneração, na época, era considerada boa. As casas
de engenheiros da Sorocabana, até 1950, estavam entre as melho-
res da cidade.
37
Em 1948, era festejada a criação de uma Escola Profissional
em Assis, e reivindicava-se que esse estabelecimento secundário
fosse contemplado com um prédio próprio a ser construído na Vila
Xavier. Reavivou-se, nesse momento, aquela antiga rivalidade en-
tre os moradores dessa vila e os da região central.
38
37 "Ferroviários eram uma comunidade à parte", A Gazeta do Vale, Especial,
1°.8.1993.
38 "A vez da Vila Xavier", Jornal de Assis, 13.3.1948.
O mito do progresso acompanhava a dinâmica do capital e
adquiria feições de denominador comum na órbita da lógica ca-
pitalista. Fazia parte dele a idéia de que a atuação de certas media-
ções sociais e culturais o favorecia. Em Assis as conquistas pela es-
colaridade aparecem como um desses veículos mediadores.
Eis um depoimento que retrata o anseio de escolaridade que
atingia indivíduos e famílias:
Os meus pais eram analfabetos. Papai era semi-analfabeto e a
minhae analfabeta. Eu fui a primeira da família a estudar. Eu fui a
primeira a formar professora, da família, dos parentes. Depois disso
é que eles começaram a estudar, porque papai era lavrador. Então ti-
nha uma casa na cidade com uma tia que tomava conta das crianças
na escola. E eu quis estudar. As outras estudaram também, mas eu fui
a primeira. Quando eu pedia presente, eu pedia um livro. (T. A. S.,
1931, professora: 1949)
Paralelamente à campanha para a instalação das escolas na ci-
dade, desenvolvia-se um trabalho em favor da instalação de biblio-
tecas públicas. A primeira delas foi inaugurada em março de 1941.
Dizia-se que "mais esse elemento de progresso, mereceu os aplau-
sos da sociedade" {Jornal de Assis, 22.2.1941).
Patenteia-se nesse ato o entendimento de que a escolaridade e a
idéia sobre práticas de leitura compunham um só conjunto. Portanto,
perseguir os caminhos da escolaridade é perseguir práticas de leitura.
Em 1948 teve prosseguimento uma campanha em favor de bi-
blioteca para a cidade. Dessa vez pretendia-se instalar uma bibliote-
ca chamada "Popular" e que deveria funcionar na Escola Normal
para servir "o público e os estudantes".
39
A valorização do ensino em Assis, além de fator ligado à as-
censão social, pode ser considerada uma forma de afirmação da ci-
dade no contexto regional.
Na década de 1950, cursos de primeiro e segundo graus jáo
satisfaziam a aspiração da população da cidade de Assis. Era im-
portante ampliar as possibilidades para o terceiro grau. Procura-
va-se justificar essa reivindicação através, basicamente, de duas
observações. A primeira delas dizia respeito à importância que re-
39 "Uma biblioteca popular", Jornal de Assis, 3.4.1948.
presentava ser a sede de uma instituição de ensino superior. A se-
gunda referia-se a um projeto mais ou menos vago, isto é, propiciar
aos filhos de pessoas da região queo pudessem se deslocar para
locais mais distantes a possibilidade de cursar uma faculdade na
própria cidade.
Para o professor Antônio Lázaro de Almeida Prado,
40
um dos
professores fundadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Le-
tras de Assis, a cidade sempre compreendeu a necessidade de uma
rede superior de ensino e o projeto de interiorização do ensino
universitário ofereceu essa possibilidade. Na década de 1950 o
plano de "Ideologia desenvolvimentista e expansão para o interior"
do então presidente da República, Juscelino Kubitschek, favoreceu
o campo educacional.
Em 1958 foi criada a Faculdade de Ciências e Letras de Assis.
Um membro da comissão que trabalhou para essa implanta-
ção, assim a descreve:
Tem tanta coisa criada queo se regulamenta! Então o segundo
passo era o da instalação. Era o mais importante. Iniciou-se um movi-
mento muito grande nesse sentido.
Começamos a preparar Assis para receber a Faculdade. O Thiago
lançou um bônus junto aos contribuintes de Assis. Os contribuintes
foram instados a contribuir com o bônus que seria depois descontado
nos impostos nos anos subseqüentes. Essa era a forma de se arrumar
dinheiro para reformar o prédio, porque no Colégio Santa Maria as
salinhas eram pequenas e tinha que se ampliar de acordo com aquilo
que o professor Amora entendia indispensável para uma faculdade
que iria funcionar dentro de um sistema revolucionário então no
Brasil que era o sistema de tempo integral.
40 A Gazeta de Assis, Edição de Aniversário. Educação. 1°.8.1993; "Assis, cidade
que cresce e se moderniza", "Uma pesquisa sobre Assis", Departamento de
História FFCL Assis, jornal Voz da Terra, Edição Especial- 1°.7.1965, 4p. Pro-
fessores e historiógrafos responsáveis pelo "Projeto Memória", do Centro de
Documentação e Memória (Cedem) da UNESP, estão realizando um trabalho
sobre a história da criação, instalação, ampliação e funcionamento da FFCL de
Assis, como Instituto Isolado, assim como de outras unidades criadas, também,
como institutos isolados no Estado deo Paulo. Agradeço à equipe a possibili-
dade de trabalhar com algumas das entrevistas feitas com pessoas da comunidade
de Assis.
Então o pessoal andava por aí pedindo dinheiro,s tínhamos
uma comissão, andávamos atrás para convencer o contribuinte a
comprar os bônus da prefeitura, porque aquilo era fundamental.
Ninguém se interessou muito para reaver a parcela.
A Faculdade era uma expectativa muito grande para Assis.o
houve assisense queo aplaudisse, queo contribuísse para que
aquilo se concretizasse. (A. N. D., 1928, advogado e político)
O envolvimento de grande parte da população de Assis reivin-
dicando e participando diretamente, por meio de contribuições fi-
nanceiras, para as conquistas de escolaridade na década de 1950,
já estava presente no período de implantação do ensino de primeiro
grau nas décadas de 1920 e 1930 e segundo grau nos anos 40.
Ainda sobre a criação da Faculdade em Assis:
O povo acabou se entusiasmando, mas a Faculdade além de ser
de assuntos elevados e abstratos, Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, ainda foi um espetáculo maior quando foi anunciado o corpo
docente. Um corpo docente de estourar, professores, alguns europeus,
alguns nem sabiam falar direito a língua portuguesa. Professores vin-
dos do estrangeiro que tinham vindo para a USP e queriam estudar,
fazer suas teses na tranqüilidade do interior, e com isso vieram pro-
fessores que falavam francês muito bem. Um falava alemão, era ale-
mão, mas quando falava português os alunos quaseo entendiam.
Então houve aquele choque na cidade. A cidade ficou muito tímida e
esses professores começaram a dar aulas de extensão universitária.
Começaram a dar noções para os habitantes da cidade que quisessem
se inscrever lá para se ilustrar, para ficar sabendo o que era a Faculda-
de criada aqui. Eu então freqüentei também. A mim me foi facultado
freqüentar como ouvinte. E eu me matriculei como ouvinte na seção
de línguas anglo-germânicas. Eu freqüentava as aulas como ouvinte
por uma razão muito séria, porque a Faculdade foi criada sob um re-
gime severo de dedicação plena - full time de manhã e de tarde. Os
professores passavam a manhã e a tarde, às vezes ficavam até de noite
na Faculdade. Eu tinha meu escritório de advogado eo podia
abandonar tudo, ter a dedicação de tempo integral... (W. G. C,
1918, advogado e professor)
A alta qualificação dos professores que se deslocaram para
Assis a fim de iniciar os trabalhos na Faculdade foi motivo de or-
gulho para a população. Era mais um fato que a cidade tinha para
ostentar no setor da escolaridade diante de outras cidades vizinhas.
Na década de 1960 o Pime instalou, no Colégio Diocesano, a
Faculdade de Educação Física.
A luta pela escolaridade em Assis, no momento estudado,
guarda uma temporalidade e um ritmo que lheo próprios.o
se compõem em um quadro unitário. O que prevalece para este
trabalho é a estabilização e desestabilização de sistemas de valores
que se reformulam sem previsibilidade. O deslocamento para o
primeiro plano de certos valores sociais evidencia formulações de
caráter nacionalista.
As escolas atingem, indireta ou diretamente, todos os inte-
grantes da comunidade. Na criação de instituições de ensino e no
processo escolar estão envolvidas pessoas de origem e formação
infinitamente diversificadas e que devem trabalhar juntos na defe-
sa dos valores atribuídos à escolaridade. Os objetivos ler, escrever
e contar estão estreitamente vinculados ao propósito de uma de-
terminada formação guardiã de valores cívicos e morais.
Sarita Moysés (1994) observa, ao comentar uma pesquisa cujo
objetivo foi observar práticas de leitura do ensino de leitura, de
primeira a quarta séries, de escolas públicas de Campinas:
quando nos encontramos diante de um valor consensual - no caso to-
dos afirmavam que se deve ler, que é bom ler - é para outra coisa que
devemos nos orientar: é para as práticas de leitura, para as realidades
sociais, as relações de força e os espaços de negociação - queoo
unânimes, são, pelo contrário, conflituais.
Entendendo-se que, numa dada sociedade, perspectivas sem-
pre tendem a difundir valores sociais como próprios dessa socie-
dade como um todo - consensuais portanto -, pode-se considerar
que hierarquizações aceitas socialmente sobre práticas de leitura e
preferências por autores, desconhecendo os espaços conflitantes
das diversas inserções sociais em relação à escolaridade, concor-
rem para instalar o processo de evasão da leitura e exclusão social
de grande parcela da população.
Nos relatos de professores que desenvolveram suas atividades
na década de 1950 em Assis, a escolaridade, naquele momento,
era melhor. Essa formação, ou seja, a memória da escola melhor,
no passado, atravessa gerações.
Olha, eu encontro ex-alunos que hojeo senhores de cabelos
grisalhos e eles falam: Dona M., meu filho sabe menos agora do que
quando eu estava no Grupo. Eles acham que a cultura que eles adqui-
riram nos quatro anos de primário no João Mendes era muito exigente,
ques exigíamos muito. (M. S. B., 1918, professora: 1935)
Ecléa Bosi (1991, p.169), estudando a comunicação de massa,
afirma poder-se duvidar de sua onipotência. Ela esbarra na situa-
ção vivida pelo receptor, nas atitudes sedimentadas, na percepção
seletiva das mensagens.
Os relatos dos professores entrevistados para este trabalho
possibilitaram, com a complementação de outras fontes, desenvol-
ver uma análise de processos de esmaecimento e de reforço de va-
lores no contexto em questão, mostrando, dessa forma, problemas
de estrutura social.
Em 1950 o meio rural no Brasil era habitado por 70% da po-
pulação e, em 1980, as proporções se inverteram, os habitantes do
meio urbano passaram a 70%.
Assim, a percepção das relações entre campo e cidadeo fun-
damentais para compreender-se a apropriação de pressupostos
norteadores da formulação de conceitos sobre escolaridade e prá-
ticas de leitura.
Os relatos de práticas, a visão de "silenciosos" professores
aposentados, constituem-se abertura para o entendimento de rela-
ções, às vezes conflitantes, dentro de grupos sociais em épocas di-
versas. Tais relatos captam o que sucedia na encruzilhada da vida
individual e social (Queiroz, 1988, p.33-6).
A partir de 1930 a reorientação dada às diretrizes políticas do
Estado brasileiro, no sentido de um maior intervencionismo, in-
cluiu modificações no setor da agroindústria canavieira. O contro-
le, pelo governo federal, da produção do açúcar concretizou-se
por meio de algumas medidas como, por exemplo, a criação, em
1933, do Instituto do Açúcar e do Álcool (Colosso, 1990, p.25-9).
Com a crise que atingiu a cafeicultura, em 1929, e as perspec-
tivas que se abriam para a agroindústria canavieira, as plantações
de cana-de-açúcar passaram a despertar, cada vez mais, o interesse
dos plantadores do centro-sul do Brasil, em especial do Estado de
o Paulo, incluindo sua região Oeste.
A escassez dos derivados de petróleo, decorrente da eclosão
da Segunda Guerra Mundial, aumentou ainda mais o interesse pe-
la agroindústria canavieira. As atenções se voltaram então para a
produção do álcool anidro.
Nesse contexto, a região de Assis começou a firmar-se como
região canavieira, produtora de açúcar e álcool. O cultivo da cana-
de-açúcar ampliou-se na região em razão, especialmente, da de-
manda de álcool anidro. As modificações na estrutura produtiva
regional, ligadas às novas condições da ordem internacional, na-
cional e local, atingiram as relações de trabalho estabelecidas.
Consolidou-se o panorama concentrador de população em cen-
tros urbanos.
Relatos de professores de primeiro grau retratam o contexto
em mudança. Eles mostram o conflito.
Eu ia de carona de FNM. Ia na estrada pegar a carona,o tinha
ônibus. Os motoristas eram respeitosos, comparavam a vida da pro-
fessora rural com a deles. Achavam que a professora da zona rural ti-
nha a mesma vida sacrificada que eles tinham. Eu era bem jovem e
o lembro de ter tido nenhum problema. Lecionei trinta e cinco
anos. (T. A. S., 1931, professora: 1949)
Eu trabalhei em escolas isoladas, aquele ritual que a gente cumpre,
primeiro as escolas isoladas. Trabalhei no primeiro ano perto da usina
Nova América. A primeira escola minha foi a da Água da Onça. Era ru-
ral. Eu ia e voltava diariamente, caminhava 2 quilômetros para ir e para
voltar, a. Eu morava aqui em Assis e viajava de ônibus que ia para a
Nova América. Ele me deixava na estrada e eu descia a pé até chegar à
fazenda onde eu lecionava. (Z. L. G., 1940, professora: 1959)
As "Águas", as fazendas de café, deixavam de ser ponto de re-
ferência principal para a localização das escolas.
As transformações que aconteciam no campo acarretavam
mudanças na relação rural/urbano. Novos padrões levavam a dife-
rentes questionamentos. Valores sociais, sistema de escolarização
passavam por revisão diante da nova conjuntura econômica que
atingia algumas áreas do Oeste paulista. O trabalhador, enquanto
"colono", morava na própria fazenda de café. O trabalhador de
canaviais, cortador de cana-de-açúcar, vai morar na periferia da
cidade. Assim, as modificações econômicas do campo envolvem
tipos diferenciados de urbanização. Aos padrões considerados de
desenvolvimento urbano, isto é, novas construções, calçamento,
melhoramentos sociais, junta-se outro tipo de urbanização. Esse tipo
é representado pelo aglomerado de população vinda do campo para
a periferia do centro urbano. A cidade passa a crescer pelas bordas.
Tal processo repercute em instituições educacionais. Novas
situações se apresentam, outras exigências levam à busca de solu-
ções. Acentuou-se, por exemplo, a discussão sobre o que deveria
ser ensinado aos alunos de escolas rurais. Um discurso bastante
freqüente defendia que a escola ruralo fosse "mera escola de
ensinar a ler, escrever e contar", mas que tivesse como finalidade
"a educação entendida como socialização do indivíduo e sua inte-
gração ao meio físico e ao ambiente social". Propunha-se para o
ensino rural "coisas cuja valia e utilidade" seriam "percebidas por
todos os alunos e pais à vista da sua aplicação direta e concreta". O
que se quer, afirmava-se, "é que a criança seja educada como crian-
ça do campo e seja feliz no campo".
41
Essa era a forma pela qual procurava-se enfrentar o acentuado
êxodo rural.
Entretanto, ao mesmo tempo que tais propostas apareciam,
aprofundava-se na sociedade, como um todo, a idéia de valoriza-
ção da escolaridade como forma de inserção no sistema urbaniza-
dor. Isso aparecia no interesse da população pela ampliação da rede
escolar.
Dessa forma, evidenciava-se um paradoxo. Havia, por um la-
do, por parte da sociedade, uma busca da escolaridade visando à
inserção no cotidiano da cidade. Pela escolaridade, procurava-se
fugir da onda de marginalidade que a urbanização anunciava para
grande parte da população. Por outro lado, as propostas dos seto-
res ligados ao ensino seguiam em sentido contrário. Os parâme-
tros reais se chocavam com as propostas educacionais.
41 O Estado de S. Paulo, 7.9.1940, Educação, p.6.
Os professores mostram o processo de escolaridade visto co-
mo chave de inserção positiva na sociedade.
Os pais dos alunos faziam mutirão, carpiam o quintal, pintavam
a escola.
O fazendeiro tinha feito a escola a pedido deles.
Lá tinha uma escola municipal à tarde e eu dava aula na estadual
de manhã.
Os alunos chegavam a andar 8 quilômetros de distância para
chegar à escola. Eleso faltavam porque sabiam que eu ia.
Professora ganhava bem, quem casava com professora era cha-
mado de "chupim".
Lecionei dez anos na zona rural, na Fazenda Santo Antônio, em
Maracaí e na Água do Pavão.
Professora era uma figura respeitada. Era respeitada pelos pais
dos alunos, pela sociedade. Era mais líder.
A primeira coisa que fiz no Pavão, que é bem próximo de Assis,
foi fazer uma movimentação para construir privadas e comprar fil-
tros. O bairro inteiroo tinha privadas nem filtros. Os alunos faziam
os buracos, os pais faziam mutirão. (T. A. S., 1931, professora: 1949)
o falas que retratam imagens de pessoas, valores estabeleci-
dos num projeto amplo rumo ao desenvolvimento. A educação en-
trava nele como parte integrante substancial. Ao mesmo tempo
que se reclamavam de estradas pediam-se escolas. As duas reivin-
dicações equivaliam-se na realização do projeto estabelecido.
A imprensa de Assis reclamava da falta de atendimento, por
parte do Departamento de Estrada e Rodagem - DER, às necessi-
dades rodoviárias da Alta Sorocabana. Dizia-se: "Os projetos do
DER, em execução,o atendem a região considerada uma das
mais ricas, senão a mais rica deo Paulo ... Ela é a que mais pro-
duz e no entanto a que menos recebe" {Jornal de Assis, 25.2.1939).
O clamor por "Estradas! Estradas!" era constante. Argumen-
tava-se que o principal objetivo dos administradores deveria ser
fazer boas estradas. A boa estrada seria responsável pelo progresso
e, ao mesmo tempo, pela fixação da população (Jornal de Assis,
22.4.1948). Contudo, somente na década de 1950 começou a to-
mar vulto a rede rodoviária que atravessou Assis.
A PONTE: INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO
As diretrizes educacionais de um paíso sempre vistas como
pontes para se conseguir implantar, e também para se impedir,-
gicas repetitivas estabelecidas no cotidiano. Com esse empenho,
lideranças políticas dominantes, em diferentes espaços e momen-
tos, recorrem aos meios de comunicação por reconhecê-los como
os próprios alicerces para a construção daquela ponte.
Através dos meios de comunicação se firmam estratégias para
se conseguir assentimento a propósitos de poder.
Os compromissos firmados a partir da "revolução de 1930"
que encaminharam a instalação de um Estado autoritário - o go-
verno de Getúlio Vargas (1930-1945) - favoreceram, entre outras
coisas, o exercício do controle rígido sobre a educação, com ênfa-
se no apelo aos meios de informação.
Foi instituída uma nova lei de imprensa e criado um órgão de
difusão e de controle ideológico da informação: o Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP).
O controle chegava às escolas. Em depoimentos de professo-
ras aparecem repercussões da repressão institucionalizada. Procu-
rava-se direcionar as práticas de leitura para o que seria uma "boa
leitura". Selecionavam-se autores cujas obras podiam proporcio-
nar essa "boa leitura". Nesse momento, as obras de Monteiro Lo-
bato passaram a ser questionadas. Certos valores presumidamente
nelas contidos deixavam de representar o caminho da "boa leitura".
Diz uma professora:
Eu gostava muito de ler. No meu colégio eles faziam campanha
contra Monteiro Lobato. Mas todo mundo lia, ninguém se incomo-
dava com isso. (I. T. L., 1934, professora: 1950)
Manifestações contrárias ao controle que se procurava impor
a atividades e assuntos culturais muito raramente conseguiam pro-
duzir efeitos. Sobre o Decreto-Lei de 1940 que regulamentava a
importação do papel, a Associação Paulista de Imprensa manifes-
tou-se dizendo que o restabelecimento de taxas sobre tal importa-
ção criava situação insustentável para os jornais, na medida em que
o valor das taxas era maior que o próprio custo do papel (O Estado
de S.Paulo, 4.1.1940).
Essa crise do papel foi registrada, também, por jornais de Assis
que a sentiam profundamente. Dizia-se que a quase "totalidade
dos jornais paulistanos" teve que reduzir o número de suas edições
e que o Jornal de Assis (27.1.1951) se via obrigado a recorrer a um
papel de má qualidade.
Contudo, ainda que enfrentando problemas e vivendo sob rígi-
do controle, a imprensa no Brasil, e de modo especial emo Paulo,
seguia sua marcha para a consolidação como empresa no modelo
capitalista.
Movimentos voltados para novas formas de comunicação, cada
qual com tempo e espaço determinados, foram-se desenvolvendo
na primeira metade do século XX.
A revista Tico-Tico, criada em 1905, tinha como um de seus
personagens a figura de Rui Barbosa. Tal fato é muito significati-
vo para o entendimento da criação do autor-herói Rui Barbosa.
Outras revistas em quadrinhos foram surgindo. A Gazetinha foi
criada, emo Paulo, em 1929. Em 1934, o Suplemento Juvenil
atingiu uma tiragem por volta de 450 mil exemplares. Em 1937
foi criado o Globo Juvenil e em 1939, O Gibi, que se tornou sinô-
nimo de revista em quadrinhos. Em 1943, surgiu O Guri. A pri-
meira exposição internacional de quadrinhos aconteceu em
1951. Os desenhos de Ziraldo aparecem no final dos anos 50. A
sociedadeo via com bons olhos tal tipo de leitura para as crian-
ças. Achava-se que era perniciosa. Entretanto, cada vez mais ela
se difundia.
Assis teve o primeiro jornal, Cidade de Assis, em 1918, edita-
do pela Tipografia Barros. Em 1921 começava a circular o Jornal
de Assis que manteve permuta, desde 1932, com os Diários Associa-
dos: Diário da Noite, jornal e revista Cruzeiro e foi editado até
1962 (Jornal de Assis, 23.1.1932).
Nesse ano, em dezembro, o Jornal de Assis publicava em sua
primeira página a seguinte notícia:
Levemente pasmado, esqueço-me fitando esta folha de papel em
branco, ruminando a tarefa que me lançaram: dizer adeus aos leito-
res em nome do Jornal.
Porque o Jornal de Assis encerra suas atividades hoje...
Nosso Jornal - mais uma teimosia, uma tradição, que qualquer
outra coisa - rodopia, como os órgãos pequenos de imprensa, no rede-
moinho das dificuldades que afetam todos os jornais interioranos...
Nosso consolo é saber que esta folhao é um órgão desligado da
cidade, mas ele é a própria cidade. Quem quizer uma fisionomia, uma
paisagem rasgada no passado e na formação de Assis, encontrará, sem
dúvida, toda esta vida timbrada nestas graves coleções encadernadas
que em seus ventres carminados concentram a crônica assisense.
42
Neste particular estava certo o articulista, o Jornal de Assis tor-
nou-se material indispensável ao conhecimento da história de Assis.
Na década de 1920, foi ainda criado o jornal Correio de Assis,
editado até 1931. O jornal A Notícia foi fundado em 1938. Nele
era incluída uma página dedicada aos alunos do Ginásio em que
estudantes exercitavam suas aptidões literárias e jornalísticas. Em
1955 foi fundado o jornal diário A Gazeta de Assis. O jornal A Voz
da Terra foi fundado em 1963.
43
A imprensa falada contava com a Rádio Difusora de Assis,
fundada na década de 1940. Em abril de 1962, nova rádio foi fun-
dada: a Rádio Cultura.
Emo Paulo, na década de 1940, a organização N. de Macedo
representava as emissoras do interior e oferecia seus préstimos a
anunciantes e agências (Castelo Branco, 1990, p.184).
O desenvolvimento dos meios de transporte permitia uma
melhor distribuição de jornais e revistas, rompendo assim com o
regionalismo e propiciando um intercâmbio maior de notícias.
Passou a havero só maior facilidade de receber material impres-
so em cidades do interior, como, também, era facilitado o envio de
notícias dessas cidades para a capital do Estado. Alguns assinantes
de jornais de Assis, residentes emo Paulo, chegavam a reclamar
dos serviços de correio quando os exemplares de sua cidade che-
gavam com atraso.
44
42 "Adeus, leitores", Pedro D'Arcádia Netto, Jornal de Assis, 25.12.1962.
43 Dantas, 1978, p.112-3; A Gazeta do Vale, Especial 88 anos, T.7.1993.
44 Carta de assinante, Jornal de Assis, 22.4.1944.
Os jornais foram se tornando veículos cada vez mais dinâmi-
cos na divulgação de notícias, propaganda e, até mesmo, de livros.
Publicações dedicadas ao consumo em larga escala apareciam cada
vez mais: histórias em quadrinhos, revistas especializadas em-
dio, TV, cinema e revistas voltadas para o público feminino.
A imprensa, o rádio, o cinema, a televisão, o desenvolvimento
do sistema de transporte e de propaganda, sob controle, difundi-
ram heróis, mitos.
Nos anos 30 e 40, o cinema norte-americano tinha se debru-
çado sobre os seriados do tipo "continua na próxima semana",
apresentando boa parte dos heróis originários das histórias em
quadrinhos. As aventuras consumidas nos gibis, nos seriados radio-
fônicos e no cinema tiveram, nas décadas de 1960 e 1970, seu pres-
tígio reacendido nos filmes de longa metragem.
45
A imprensa do interior também foi conseguindo maior consi-
deração entre os meios empresariais e de comunicação. Os indus-
triais passaram a dedicar a essa imprensa um acolhimento diferen-
ciado em razão da publicidade que podia veicular. Passaram a
patrocinar reuniões de profissionais da imprensa do interior, em
o Paulo.
46
O Diário de São Paulo e a Rádio Tupi enviavam representan-
tes a Assis, em busca de dados para realizar reportagens sobre a ci-
dade. A Rádio Difusora de Assis retransmitia essas reportagens,
com grande repercussão (Jornal de Assis, 18.9.1948).
A radiodifusão com seus programas de humor, transmissões
esportivas (sobretudo futebol), musicais, radionovelas e radiojor-
nalismo ganhou as massas e "iniciou a padronização cultural"
(Pinto, 1989, p.52). Getúlio Vargas soube usar a força do rádio
lançando a Hora do Brasil. Apareceram o Repórter Esso e a novela,
ambos por meio da Rádio Nacional. Esses programas fascinaram o
país, durante décadas (Castelo Branco, 1990, p.226).
A transmissão, pelo rádio, da Copa do Mundo de Futebol em
1950 marcou tal ano como o do sucesso desse meio de comunica-
45 "Super-homem, o herói de todos nós", Folha de S.Paulo, Ilustrada, 2.4.1979.
46 "A imprensa do interior e a grande indústria paulista", Jornal de Assis,
22.4.1944.
ção. A invenção do transistor fez que, na década de 1950, come-
çasse a ser superado o problema da falta de energia que atingia as
transmissões radiofônicas.
Notícias da Fiesp publicadas pela imprensa assisense davam
conta, em 1951, de que a importação de rádios receptores caíra,
em cinco anos, de 250 mil unidades para 30 mil, em razão da fa-
bricação no próprio país (Jornal de Assis, 14.4.1951).
A chegada da televisão ao Brasil em 1950, por iniciativa de
Assis Chateaubriand, proprietário de uma cadeia de rádios e jornais,
marcou a abertura de um campo de divulgação sem limites. Até o
final da década de 1950 foram instaladas emissoras de TV nas
principais capitais brasileiras. Emo Paulo, além da TV Tupi, inau-
gurou-se a TV Paulista em 1952, a Record em 1953 e a Cultura em
1958.
As transmissões foram chegando ao interior deo Paulo e,
portanto, também a Assis.
O "poeta da cidade" de Assis, Pedro d'Arcádia Netto, fez a sua
celebração sobre a passagem da década de 1950:
Onde é que está o "Encontro Marcado", livro meu que alguém
emprestou? O Alcindo me deu o "Piloto de Guerra", a Enyd me deu
o "Vôo Noturno", o Miltom me deu "Terra de Homens", Prof. Cas-
siano, o "Pequeno Príncipe", eu já possuía outros dois do Exupéry,
conclusão: tenho todos os livros de Antoine de Saint-Exupéry, que
você leitor, que passeia seus olhos inteligentes por estas linhas precisa
urgentemente conhecer casoo conheça. O homem é imenso. Por
isso,o tenho reclamações, 59 foi uma beleza.
47
TRAVESSIA: CONTRAÇÂO/DISTENSÃO
Para os brasileiros, os anos 50 passaram, de modo geral, a
idéia de euforia. Foram anos de fabricação de um quadro ideológi-
co nacionalista, especialmente no período do governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1961). Embora esse quadro tenha raízes distan-
tes, a entrada maciça de capital estrangeiro nesses anos favoreceu a
idéia de se alcançar os países "grandes".
47 "Bom dia Sessenta", Jornal de Assis, 1°.1.1960.
Assim, os anos que medeiam o retorno de Vargas ao poder
(1951) até a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, caracteriza-
ram-se pelo reforço de tendências ideológicas nacionalistas que vi-
nham, desde muito tempo, sendo plasmadas. A superação do sub-
desenvolvimento econômico transformou-se em alvo difuso a ser
atingido (Mota, 1990, p.155-6).
Segundo Antonio Candido, na literatura, "a consciência do
subdesenvolvimento é posterior à Segunda Guerra Mundial e se
manifestou claramente a partir dos anos de 1950" (1987, p.142).
No processo de escolarização, foram sendo fortalecidos cer-
tos valores considerados como condição para constituir-se uma
nacionalidade brasileira, nos moldes previstos pelos setores domi-
nantes da sociedade. As práticas de leitura e escolha de autores es-
tiveram sempre presentes nesse processo. Tais práticas modifi-
cam-se, os autores-heróis aparecem e desaparecem. Contudo, os
valores prosseguem amparados em símbolos cultuados que refe-
rendam a sociedade tal como é apresentada.
Ainda que justificativas simbólicas nem sempre sejam de-
monstráveis, o cruzamento de dados históricos e depoimentos
permite dizer que, no contexto estudado, a perspectiva mais am-
pla era de que a realização pessoal e coletiva viria por via do pro-
gresso, do desenvolvimento com a urbanização. A escolaridade,
com suas práticas de leitura mitificadas, aparecia como um cami-
nho que encurtava distâncias para se atingir os modelos de realiza-
ção. Os autores transformavam-se em heróis e, presumia-se, suas
obras, lidas ou não, continham os valores difundidos.
Valores cívicos divulgados especialmente a partir dos anos 20,
no Estado deo Paulo, conseguem reforço nos anos 50.
Esses dois momentos diferentes evidenciam o culto a determi-
nados valores direcionados para a afirmação nacional brasileira.
Os anos 20 - em especial, com a revolução artístico-cultural
que sobressai na Semana de Arte Moderna de 1922 - representa-
ram um momento de amálgama de correntes estéticas e culturais
com elementos nacionalistas. O reconhecimento da nacionalidade
brasileira era visto como fator de alcance da universalidade em to-
dos os campos do conhecimento e da arte.
Os anos 50 foram marcados pelo surgimento de projetos re-
formista-nacionalistas e desenvolvimentistas. Tais projetos e suas
formas de divulgação propiciaram a produção e reapropriação,
com caráter diferenciado, de valores nacionalistas expostos e reve-
renciados nos anos 20.
O quadro prevalecente nesses dois momentos diversos mos-
trou-se propício para a emergência e cultivo de heróis e mitos. Entre
esses mitos estava a possibilidade de alcançar o internacionalismo e
desenvolvimentismo por via do ideal nacionalista. Quanto aos he-
róis, eram entronizados aqueles que defendiam, ou dizia-se que
defendiam, tal ideário.
A revista Anhetnbi, em 1954, fez uma pesquisa sobre a situa-
ção do ensino no Brasil. Várias figuras de destaque nos meios edu-
cacionais da época foram ouvidos. Florestan Fernandes foi um de-
les. Em sua exposição, afirma: "Em primeiro lugar, gostaria de
deixar bem claro de que sou, por natureza, um otimista, ainda que
pretenda possuir alguma dose de realismo ... Por isso, impõe-se
acreditar, a um tempo, que os problemas criados pelo desenvolvi-
mento do país serão solucionados ou corrigidos, inevitavelmente,
em etapas mais adiantadas desse desenvolvimento... (1954, p.4).
Tais afirmações por parte de um dos representantes do "pen-
samento radical no Brasil" (Mota, 1990, p.182)o uma medida
do otimismo desenvolvimentista que imperou na década de 1950.
Mas chegam os anos 60 e, sobretudo em sua segunda metade,
mostrarão a inviabilidade da fórmula para se chegar ao "desenvol-
vimento".
Como afirma Lévi-Strauss em Tristes trópicos, ser "sub"o é
ter futuro, éo estar nunca no presente.
48
A grande imprensa abraçava causas e campanhas divergentes e
a imprensa do interior do Estado deo Pauloo ficava imune a
tais posicionamentos.
Em Assis, o tom de euforia quase constante, registrado na im-
prensa local no início da década de 1950, foi mudando lentamente.
O Jornal de Assis manifestava-se, dizendo:
48 Citado por Arnaldo Jabor em "Filme de Welles anuncia Brasil sem presente"
(Folha de S.Paulo, Ilustrada, 21.6.1994).
O telegrama do Prefeito de Descalvado, enviado ao sr. Presiden-
te da República, e que foi publicado pors e por quase toda a im-
prensa do Estado, é um autêntico brado de alerta às autoridades do
país sobre a calamitosa situação que estamos vivendo.
O custo de vida, nestes últimos tempos, subiu de maneirao
apavorante, que se medidas urgentes e radicaiso forem tomadas
para por um dique a tal estado de coisas, ninguém poderá fazer a mais
leve previsão do que em futuro bastante próximo poderá acontecer ...
O despacho telegráfico do chefe do executivo de Descalvado - e que
deve ter sido lido por milhões - é um retrato fiel do drama atualmente
vivido pela população do Brasil inteiro.
49
A década de 1960 terminaria com a imprensa censurada, direi-
tos políticos cassados, atos institucionais. A idéia de progresso vol-
tou a ser transmitida através do apelo ao controle pela força. O
chamado "milagre brasileiro", ou seja, a aceleração do crescimento
econômico, por via do endividamento externo e de extraordinária
concentração de renda, acentuou-se por volta de 1967.
Em Assis, os movimentos de distensão e de contração da vida
social política e econômica manifestavam-se especialmente na
busca de desenvolvimento com escolaridade. Tal objetivo aparecia,
por vezes, como um valor isolado, onipotente, desvinculado da en-
grenagem fundamental, o processo de urbanização.
Uma análise que envolva práticas de leiturao pode ser des-
vinculada da visão de escolaridade.o processos indissociáveis,
gerados dentro de um dado quadro histórico. Cenas de vida dos
professores apresentam similaridades e legitimam tais visões do
contexto em que valores foram veiculados e apropriados.
Uma professora que iniciou suas atividades profissionais em
Assis na década de 1930 conta sua história:
Para vir para Assis eu dei uma procuração, mandei a relação das
escolas e ele... foi lá e escolheu para mim. Aí ele falou para a A., olhe
eu escolhi a primeira escola lá em Cruzália para a M., você escolhe a
segunda que ao menos vocês ficam juntas.
Eu fiz permuta e, em 8 de agosto de 1941, vim para o João Men-
des Júnior, peguei o quarto ano, o diretor era o professor Henrique
Zolner. (M. S. B., 1918, professora: 1935)
49 "Sinal de alerta", Jornal de Assis, Editorial, 2.2.1957.
3 "O VERBO LERO SUPORTA O IMPERATIVO"
"O verbo lero suporta o imperativo" (Pennac, 1990, p.40).
Entretanto, a escolaridadeo está desvinculada de práticas de lei-
tura, e à escola de primeiro grau é atribuído, como papel principal,
ensinar a ler, escrever, contar e formar segundo determinados va-
lores sociais. O desempenho de tais funções requer esforço, refle-
o e envolve o atendimento a princípios estabelecidos socialmente.
Assim, ainda que a necessidade de "ler" se configure como inques-
tionável, surgem infinitas discussões sobre como desenvolver prá-
ticas de leitura na escola e fora dela. Freqüentemente, essa ques-
o é inserida num rol de problemas qualificados como "crise de
leitura".
O livro tem sido visto, ao longo dos tempos, como instrumento
poderoso para concentrar pensamentos dispersos e capaz de confe-
rir eficácia à difusão de conhecimentos. Movimentos em favor de
práticas de leitura consideram, em maior ou menor dimensão, a
escolaridade como um espaço privilegiado para o seu experimento.
Entretanto, mesmo obras de reconhecido valor artístico per-
dem, na escola, seu poder de encantamento. Os livros, os textos,
usualmenteoo lidos para extrair vivências imaginárias e alter-
nativas. "Ensina-se literatura para aprender Gramática e para revi-
sar a História ou a Sociologia e para redigir melhor. Tornando-se
matéria para adornar outras ciências, o texto literário se descarac-
teriza e afasta de si o leitor" (Zilberman, 1991).
A discussão de tal problemática envolve a necessidade de es-
colher caminhos que possam contribuir para a compreensão das
condições nas quais se desenvolvem práticas de leitura e escolha
de textos.
Váriaso as fontes que, apesar das limitações, podem propi-
ciar aproximação do problema. Neste trabalho, os relatos dos pro-
fessores de primeiro grau foram privilegiados. A técnica de entre-
vistas guarda flexibilidade, permite um contato mais próximo,
cria uma atmosfera de confiança, afasta temores e possibilita escla-
recimentos a respeito do tema de interesse da pesquisa. As falas
dos professores foram muito francas. Numa atmosfera agradável,
cheia de calor humano, confiaram recordações que os envolviam
emocionalmente, evocaram suas lembranças de leitura e de atua-
ção na vida profissional, enriqueceram muito as perguntas apre-
sentadas.
As histórias de leitura em Assis, no período estudado, apare-
cem como um elo entre realidade vivida e aspirações de vida. Pre-
dominava um empenho muito grande em favor da escolaridade e
de suas práticas. Isso conduzia para um processo reificador no que
diz respeito à instrução. A escolaridade e práticas de leitura passa-
vam, assim, a serem vistas como abertura inquestionável para uma
ascensão social individual e para o nacional-desenvolvimentismo
da região em particular, e do país de modo geral.
Por esses caminhos, a fisionomia que foi se delineando, em re-
lação a práticas de leitura e escolha de autores, em Assis, no perío-
do concentrado em torno das décadas de 1920 e 1950, retrata
uma unidade de símbolos, valores e representações. A aura criada
em torno de certos autores, os autores-heróis, envolve defesa de
padrões de "boa leitura", baseada em valores sociais próprios da
sociedade que os estabeleceu.
Toda ação é um processo histórico reflexivo construído men-
talmente pelos atores no momento de sua realização. Segundo Jean
Penneff (1990, p.106), essa construção é influenciada pelas mu-
danças e pelas redefinições da situação concreta transitória nas
quais os atores estão colocados no curso da ação.
Nessa perspectiva, em Assis, a análise do discurso sobre o te-
ma práticas de leitura e escolha de autores envolve também o co-
nhecimento da trajetória de escolarização, de práticas de leitura
vividas e difundidas por professores de primeiro grau. Envolve co-
nhecer sua formação como leitores e de que maneira procuraram
desenvolver seu trabalho e como, com esse objetivo, eram estabe-
lecidas as preferências por determinadas obras e autores.
As narrativas dos professores começam, em geral, exprimindo
emoção e afetividade, centradas neles próprios:
O primário eu fiz no Rubião Júnior, em Casa Branca, uma es-
cola pública. Era grupo escolar, o grupo mais antigo da cidade. A
Escola Normal foi instalada lá mais ou menos em 1913, a redondeza
toda ia estudar. Além de ser uma das sete primeiras que foram ins-
taladas no Estado, a qualidade do ensino era muito boa. Os professo-
res eram famosos, muito bons mesmo. Eu fiz a Escola Normal. Fiz
três anos de escola complementar depois do quarto ano do Rubião
Júnior. Eram três anos, mas tinha que fazer admissão para entrar.
Depois passei para o primeiro da Escola Normal e me formei em
1935. Era uma escola muito boa, tinha colegas queo conseguiam
passar e iam para outras escolas e aí eram as primeiras da classe.
Eram as Escolas Normais livres, que eram particulares. Naquele tem-
poo se falava escola particular, mas Escola Normal Livre. Os pro-
fessores precisavam de alunos e os alunos eram muito bem aceitos. E
se formavam com notas mais altas que os das escolas do Estado e fazi-
am concorrência no concurso para o ingresso no magistério. (M. S.
B., 1918, professora: 1935)
Eu fiz o primeiro, o segundo e o terceiro ano primário em escola
rural e erao bom o ensino estadual. No quarto ano eu fui interna
no Mackenzie e fiz um ótimo quarto ano com ótimas notas e eu tinha
vindo da escola rural, lá a gente tinha aula primeiro, segundo e tercei-
ro anos juntos na mesma classe.
Fiz o ginásio em Assis, aí voltei interna para um colégio de frei-
ras emo Paulo, o Colégio Santa Inês, fiz o Normal. Eu esperei
completar os 18 anos para começar a lecionar. (M. T. L. F., 1927,
professora: 1945)
Eu morava em uma cidadezinha perto de Bauru, Iacanga, é
aquela cidade às margens do Tietê. Aí eu fiz o primário e meu pai me
mandou para um colégio de freiras em Bauru que naquele tempo era
o melhor em formação. Aí eu fiquei interna, tive que prestar exame
de admissão. Isso foi em 1940. Fiz quatro anos de ginásio e o pré-
Normal e depois dois anos de Normal. No meu colégio existiam me-
ninas de todas as cidades da redondeza. Eu terminei o Normal em
Assis, porque o meu pai mudou para. Eu me formei com 17 anos.
Eu sempre gostei muito do magistério, eu lecionei 34 anos. (I. T. L.,
1934, professora: 1950)
Eu morava na fazenda, vim para Assis para fazer o primeiro ano
no grupo quando era aqui na Rui Barbosa, onde é o antigo Fórum.
Depois eu prestei admissão no Santa Maria, aí fechou o Santa Maria
e eu fui para o Ginásio Municipal de Assis. Fiz o ginásio e passei para
a Escola Normal.
De Português a gente estudava só gramática. Nunca fiz uma re-
dação na minha vida, nunca fiz uma interpretação de textos. No
Normalo existia nem Português, nem Matemática. Uma aberra-
ção! Você se formar para professora eo ter nem Português nem
Matemática,o existia! (L. N. C. L., 1928, professora: 1948)
Eu comecei o primário na escola mista. Eu fiz até o terceiro ano,
papai tinha sítio, morava no sítio.
O quarto ano eu fiz aqui no João Mendes que era onde foi o-
rum. O prédio era bem velho, até um tempos saímos e fomos estu-
dar ali perto da estação. Estava caindo o prédio. Depois voltamos,
deram uma arrumadinha. A minha professora foi a Dona Judith Gar-
cez. Depois eu fiz o ginásio, naquele tempo tinha admissão ao giná-
sio. Era o Ginásio Municipal ali onde é o cinema. Depois eu passei
para a Escola Normal. Primeiro fazia-se o pré-Normal depois o pri-
meiro e segundo Normal. Eu terminei o Normal em 1948. (D. R. S. B.,
1925, professora: 1948)
Eu fiz o primário no João Mendes Júnior aqui em Assis. Depois
eu fiz admissão. Fiz um ano no Colégio Santa Maria, depois veio o
Ginásio, aí eu comecei lá a primeira série. Eu me formei no Normal
em 1950. (1. F. F., 1930, professora: 1950)
Eu nasci em Portugal, estudei lá até a quarta série. Vim para o
Brasil com 11 anos. Fiz a quarta série em Regente Feijó, fiz admissão e
entrei para o Ginásio. Terminei lá em Regente Feijó o magistério, em
1962. Em 1965 eu mudei para. (M. D. G., 1942, professora: 1962)
A imagem do professor primário vem atravessando os tempos
sem muitas transformações. A figura do professor de zona rural
enfrentando um meio hostil é muito disseminada. Sua luta pela di-
fusão do conhecimento e do progresso espera, como retorno, a sa-
tisfação intelectual e uma possível estabilidade de emprego a ser
alcançada no setor urbano. Essas visões agem como exercícios de
legitimação de estereótipos presentes na sociedade.
As narrações de professores sobre escolarização seguem a li-
nha tradicional de defesa da boa qualidade das escolas de então e
da boa formação oferecida por elas. O contexto social aparece, em
grande medida, nas exposições. Os roteiros apresentadoso mais
ou menos semelhantes. Jovens de classe média, sem muita homo-
geneidade no que se refere a essa classificação geral, mas envolvi-
dos em base comum: o empenho das famílias em propiciar o estudo
para seus filhos. Essa é mais uma das faces que se mostram, entre as
muitas outras, da busca pela escolaridade que acompanhava o pro-
cesso de desenvolvimento da região em estudo. Tal busca manifes-
tava-se na preocupação em assegurar ao jovem uma garantia de
profissionalização num trabalho que era especialmente reservado
às mulheres e que gozava, então, de um bom conceito social. Essa
profissionalização aparecia como a chave a ser utilizada para se
conseguir uma relativa independência econômica, além da "boa
formação" almejada pelas famílias de classe média.
Na homogeneidade dos depoimentos referentes às boas quali-
dades do ensino no momento em estudo, podem-se destacar algu-
mas informações destoantes que fazem vislumbrar conflitos em
torno da eficiência defendida. Assim, por exemplo, a reclamação
explícita quanto à inexistência de disciplinas de Português e de
Matemática no currículo de Escola Normal; a limitação do ensino
de Português ao ensino da gramática; e a não-inclusão de redação
ou interpretação de texto no programa.
Esses conflitos inscrevem-se na perspectiva de rompimento de
certos elos de uma trajetória de fala que aparentemente é comum.
o temas, por vezes, considerados malvistos ouo apropriados
para definir uma situação à qual é reservada uma boa imagem.
Também a questão da diferenciação feita entre a superiorida-
de do ensino oferecido pelo Estado e o particular pode ser apre-
sentada como um referencial que envolve tensões. O concurso de
ingresso ao magistério era muito concorrido. As notas obtidas du-
rante o Curso Normal pesavam, e isso gerava disputa. A maior ou
menor facilidade oferecida pelas escolas para a atribuição de notas
era motivo de conflitos.
O fascínio das histórias pessoais, imerso em material históri-
co, ganha consistência de história coletiva. Assim, aquilo que foi
interiorizado e é recontado permite o delineamento da significa-
ção que práticas de leitura podem assumir, dentro de uma dada
comunidade, na constituição de valores sociais que se perpetuam,
se transformam ouo superados.
No caso das práticas de leitura desenvolvidas pelos professo-
res é sensível sua preocupação em salientar o conhecimento de di-
ferentes autores prestigiados pela sociedade, o gosto e a prática in-
tensa da leitura. Poucos depoimentos destoam desse olhar.
O tom geral dos relatos dos professores segue em direção à
afirmação: "A gente lia demais!".
Eu lia um pouco de Monteiro Lobato, eu me lembro, lia Narizi-
nho arrebitado, Viagens ao céu e tinha um livro que eu ganhei uma
vez que eu nunca mais esqueci, euo sei quem é a autora, a Viagem
maravilhosa de João Peralta e Pé-de-Moleque, uma coisa assim, eu
gostava muito. Eu tinha o Tesouro da juventude que a gente olhava. É
uma coleção muito antiga de livros, uma espécie de enciclopédia pa-
ra crianças em começo de estudos, es líamos.
Eu adorava! Antigamenteo usava mandar ler, eu lia porque
gostava de ler.
Olha, lá na escola que eu lecionei lá no grupo João Mendes a
gente lia demais, a gente trocava muitos livros. Sabe, tinha duas pro-
fessoras que tinham sempre muitos livros. Elas compravam bastante
e eu emprestava delas e também emprestava para elas. Foi até engra-
çado, a M. S. comprou a coleção do Jorge Amado e ele continuou es-
crevendo como continua até hoje, então ela falava: nunca mais quero
comprar coleção de autor vivo porqueo acho livro com a capa
igual aos da coleção que comprei. (M. T. L. F., 1927, professora:
1945)
Sem conhecer tal opinião mas quase como resposta, diz Jorge
Amado na comemoração de seus 80 anos: "Fujo aos festejos, ao
fogo de artifício, ao banquete, fujo ao necrológio, estou vivo e in-
teiro. Amanhã, passado o obituário de reverências, voltarei ao ro-
mance ...o vou repousar em paz,o me despeço, digo até logo
minha gente..." (Amado, 1992, p.337-8).
As referências de leitura dos professores entrevistados envol-
vem um real e um potencial dessa leitura.
A gente lia o Humberto de Campos, José de Alencar, O tronco
do ipê e como se chama o outro? A Iracema eu li, também o Guarani.
Do Machado de Assis: o Dom Casmurro, Quincas Borba, Memórias
póstumas de Brás Cubas, tudo isso eu li. Tudo no tempo que eu dava
aula no João Mendes. Euo gostava de ler o Guimarães Rosa. (M.
T. L. F., 1927, professora: 1945)
Quando eu era criança eu gostava demais de ler, gostava mes-
mo, eu me lembro que meu pai trazia muito livrinho de história para
a gente e a gente lia. Até hoje você sabe que eu lembro das figuras na
minha mente, na minha mente tem as figuras. Tinha uma estória de
um macaquinho que euo me lembro mais da estória, mas eu me
lembro que eram umas figuras coloridas muito bonitas. Agora a cole-
ção de Monteiro Lobato eu li inteirinha, eu lembro que eu lia contos
da Carochinha, eu ganhei de aniversário do meu irmão, era um livro
grosso, chamava Contos da Carochinha, tinha cento e tantas estórias,
então quandoo tinha o que ler eu revia as estórias de tanto que eu
gostava de ler.
Depois de moça também eu lia muito.
Tinha umas revistas que vinham com romance, cada semana um
capítulo, eu lia todos eo perdia nada. Eu comprava as revistas para
seguir o livro, eu lia o que aparecia, mas euo me lembro dos auto-
res.
Depois que eu me formei eu li muitos livros também. Machado
de Assis eu li porque tinha a coleção e eu tenho ainda. Li quase todos
os livros do Machado de Assis. A mão e a luva, Helena, Dom Cas-
murro.
Quando eu estava no ginásio eu tinha uma professora de Portu-
guês que mandava a gente ler muito sobre o Machado de Assis, então
a gente fazia trabalhos sobre o livro, eu acho que eu li uns cinco ou
seis livros para fazer trabalhos.
Agora quando as meninas [filhas] estavam no ginásio, então eles
mandavam ler livros de José de Alencar; então eu lia para ajudar as
meninas. Diva, Tronco do ipê, Iracema. José Mauro de Vasconcelos,
A arara vermelha, Meu de laranja lima, As confissões de Frei Abó-
bora, Rosinha minha canoa, Coração de vidro. (I. F. F., 1930, profes-
sora: 1950)
Na história de práticas de leitura da professora podem-se
apreender questões relacionadas à leitura de folhetim em capítulos.
Segundo Ecléa Bosi (1991), em seu estudo sobre leituras de operá-
rias, o folhetim era pouco lido entre elas em razão da impossibili-
dade da compra mensal ou quinzenal. O seu salárioo permitia.
Entretanto, as suas preferências recaíam sobre narrações folheti-
nescas cujo tom geral é de uma moral conservadora, cujos valores
defendidoso os de um modelo de mulher abnegada, fiel, votada
ao lar, para quem o amor é um sentimento sagrado. Há uma confu-
o entre ficção e moralidade. Extinguem-se as indagações e assim
escapam as possibilidades de uma reavaliação crítica dos valores.
s líamos bastante. Olhe, na época, havia uma campanha fér-
rea contra o Monteiro Lobato, vocêo acredita. Falavam que o pe-
tróleo era nosso. Então a gente lia, mas sabia que ele tinha idéias es-
tranhas. Uma passava os livros para a outra. As externas traziam para
a gente.
A professora de português induzia muito à redação, ela usava
uma estratégia para empolgar o pessoal a escrever. Ela fazia uns con-
cursos.
Eu adorava ler os livros da Pearl Buck, Èrico Veríssimo, Stefan
Zweig.
No meu colégio eles faziam campanha contra o Cassiano Ricar-
do, o Monteiro Lobato, o Rui Barbosa. Mas todo mundo lia, nin-
guém se incomodava com isso. (I. T. L., 1934, professora: 1950)
O direcionamento das escolhas de leituras durante a escolari-
dade está sempre presente. Entretanto, em momentos de maior re-
pressão política esse direcionamento aparece explicitamente, como
no caso narrado em relação às obras de Monteiro Lobato. Perce-
be-se, pelo depoimento, a prática de uma militância nacionalista
intolerante.
Eu lia livros do Clube do Livro. A gente mandava vir pelo correio.
(L. N. C. L., 1928, professora: 1948)
Eu sempre li demais. Eu lia tanto autores nacionais como auto-
res estrangeiros. Eu li a coleção do Machado de Assis, inteirinha. Eu
li Rachel de Queiroz. Fui uma leitora maníaca. Forque eu gostava e
na escola eles também exigiam muito. Eles indicavam os livros, um
que era muito massante, mas que eles usavam muito era Memórias
póstumas de Brás Cubas. (T. A. S., 1931, professora: 1949)
Então lia nesse sentido de estudar, maso livros de literatura.
Quando eu era estudante no ginásio e no magistério eles davam
idéias para quando a pessoa fosse lecionar, ou nas aulas práticas, que
a gente ia dar. Era aquela aula com os professores no fundo da sala, a
gente morrendo de medo. Então eles falavam muito em Monteiro
Lobato. Fora disso falavam do Machado de Assis. Manuel Bandeira
era bem falado,o assim para a gente ler os livros. Nada de livros,
ninguém mandava ler nada. Ninguém pedia para ler.
Sobre Rui Barbosa, ficou na minha cabeça uma frase que até eu,
às vezes, comento aqui em casa...
Olavo Bilac também era bem comentado.
o se lia. Muito pouco, muito pouco. Sobre Flor de Lácio eles
fizeram sugestão,o era obrigado, eu me lembro que eu comprei.
Agora me lembro, Graciliano Ramos.
Eles falavam mais em poemas,o falavam em romance, em
obras de literatura mesmo. A gente estudava literatura, mais a biogra-
fia, o que o fulano fez.o mandavam ler os livros. (M. D. G., 1942,
professora: 1962)
"Falavam muito do Monteiro Lobato", estudava-se "mais a
biografia". A figura do autor era mais importante que a sua obra.
A mamãe [1895], ela dizia que gostou muito de ler, e disse que
lia demais, e um dia papai chegou em casa e ela tinha esquecido de fa-
zer o almoço porque estava num pedaço bom de um livro e ele pegou
o livro e jogou pela janela. Ela resolveuo ler nunca mais, parou de
ler por causa disso. Ele chegou e ficou bravo porque estava tudo atra-
sado e ela lá lendo, lendo! Ele jogou o livro pela janela e ela disse:
o li mais. (M. T. L. F., 1927, professora: 1945)
O relato da professora retrata um universo das mulheres,
expectativas em relação às atividades que deveriam ser desempe-
nhadas por elas. Num dado meio e em determinada época, existe
sempre uma trama ou um "drama" que é recontado.
As convicções estabelecidas socialmente vinculam-se a deter-
minadas práticas sociais, entre elas as práticas de narrações, que
m um papel importante na perpetuação ou crítica a determina-
das imagens difundidas na comunidade.
A dinamização de condicionamentos em relação à liberdade
de leitura está estreitamente ligada ao contexto social específico e
à historicidade do leitor. Uma idéia muito freqüente em sociedade
é relacionar o ato de ler apenas ao lazer e assim desvinculá-lo de
qualquer atividade que possa ser confundida com um trabalho.
Um depoimento de Caetano Veloso retrata bem essa situação.
Diz Caetano:
Houve um tempo que eu li muita poesia por gosto. Mas acontece
o seguinte, eu leio na hora de dormir, quando me deito. Só leio nessa
hora. Leio jornal durante o dia, mas livro eu tenho vergonha de du-
rante o dia ir no escritório, botar um livro e ler assim sentado. Euo
sinto isso como natural. Eu me deito e leio, o que quer que eu leia é
nessa hora ... a narração combina com você ir se acalmando ... você
vai continuar no dia seguinte, a história tem um fio...
1
As atividades de leitura na escola muito freqüentemente tam-
m aparecem desvinculadas das atividades consideradas curricu-
lares.
Diz uma professora:
Toda sexta-feira à tarde, meia hora antes de terminar a aula, eu
distribuía os livros es líamos... (I. F. F., 1930, professora: 1950)
Muitas das narrações dos professores a respeito de leituram
a ver com o mundo mitificado pelas intermediações dos meios de
comunicação. Uma modalidade de contato com as obras, bem co-
nhecida dos professores em Assis, era a compra do livro com a in-
termediação do Clube do "Livro do Mês".
Conta uma professora:
Eu cheguei a pertencer ao Clube de Leitura. Então por meio do
correio vinham os livros.
Eu cheguei a ler até o Ctonin.
Na época lia-se muito, mais do que hoje. (T. A. S., 1931, profes-
sora: 1949)
Os jornais de Assis publicavam com muita freqüência notícias
sobre o "Livro do Mês". Dizia-se: "Poupando aos leitores o traba-
lho de escolha e procura dos melhores livros editados no Brasil,
'Livro do Mês' coopera para a difusão da boa leitura". Os anúncios
1 Depoimento ao jornal Folha de S.Paulo, Caderno Mais!, 9.8.1992, p.5-6 D.
eram acompanhados de cupons para preenchimento autorizando a
remessa dos livros, pelo correio, ao leitor (cf. Jornal de Assis,
31.3.1951).
A própria proposta do "Livro do Mês", poupar aos leitores o
trabalho de escolha e procura dos melhores livros, já traduzia ma-
nipulação. A pessoao escolhia, mas recebia o que deveria ler.
Até 1983, quando foi comprado pela Editora Ática, o Clube
do Livro vendeu dez milhões de exemplares, quase quinhentos-
tulos foram entregues aos sócios em suas casas, pelo correio, por
todo o Brasil.
Sobre o Clube do Livro, conta seu fundador, o escritor Mário
Graciotti:
A idéia do Clube do Livro nasceu em 1942, no trajeto de bonde
da Praça do Correio à minha casa, nas Perdizes. Na época eu queria ler
dois livros, "O poder soviético" e "Eu fui médico de Hitler". Eu costu-
mava comprar livros numa banca de jornais do Touring Clube, e o do-
no da banca, o Vicente, me pediu então 25 mil réis por livro, uma for-
tuna. Pensei, vamos fazer um livro barato e bonito, para ajudar a
cultura brasileira e evitar o encalhe. Para evitar os direitos autorais, co-
mecei a editar livros famosos, por exemplo, "O guarani". Fiz cinco
anúncios nos jornais deo Paulo e recebemos 9 mil inscrições. Anos
mais tarde, em outubro de 1956, tiramos 35 mil exemplares de "Uma
lágrima de mulher", de Aluísio de Azevedo. No gênero, foi a maior tira-
gem no país. A façanha foio importante que a Câmara do Livro colo-
cou lá na sede uma placa de bronze com meu nome. (Graciotti, 1992)
Mário Graciotti, como presidente do Clube do Livro, envol-
veu-se em muitas polêmicas. Ele censurava nos textos palavras que
considerava imorais, como "amante", "prostíbulo" e palavrões. O
próprio Graciotti justifica sua posição dizendo:
Tiro tudo o que é pornográfico, maso mutilo a obra ... Em
um romance de Maupassant, há a história de um rapaz que foge com
uma jovem casada ... Entram no quarto e o autor começa a descrever
o início de um ato sexual. Pra quê? Por isso cortei toda a cena ... Ten-
tei dignificar a terra, ajudando-a na conquista de melhores e mais fe-
lizes dias. (Graciotti, 1994)
A censura atingia diferentes setores das atividades culturais na
época estudada. Em Assis, por exemplo, conta o "cartazista de ci-
nema de outras épocas", João Dias da Silva:
Para serem exibidos, os filmes deveriam obedecer a uma legisla-
ção rigorosa e só chegavam às telas depois de passarem pelo crivo da
censura e serem aprovados por ela. Geralmente o delegado em exer-
cício também participava desse trabalho ... Para evitar transtornos
maiores, o delegado mesmo ficava na porta do cinema. A apresenta-
ção do documento que comprovasse a idade era obrigatória.
2
Em relação às práticas de leitura, as preocupações se avoluma-
vam nas primeiras décadas do século XX. Assim, em 1937, foi cria-
do o Instituto Nacional do Livro, que, entre seus objetivos, tinha o
de incentivar a leitura. Intelectuais, como Mário de Andrade e
Manuel Bandeira, faziam parte de alguns de seus órgãos. O Insti-
tuto lançou no mercado, a preços considerados baixos para a épo-
ca, cerca de quatrocentos títulos e criou o sistema de co-edição para
estimular a editoração.
Vendedores de livros tiveram um papel muito importante na
difusão de obras e de autores. Conta um paulistano:
Em 1955, um auxiliar de contabilidade na Livroluz ... passou a
vendedor de livros. Trabalhou alguns anos na Livroluz, na W. M.
Jackson que vendia, na época, as obras de Machado de Assis e outros
clássicos, além da Enciclopédia "O Tesouro da Juventude". Depois
montou sua própria empresa Editora Iracema, referência à persona-
gem de José de Alencar. Em pouco tempo editava o "Tesouro Cientí-
fico" [10 volumes, obra de complementação didática dirigida a estu-
dantes de 1
o
e 2
o
graus], obras de Rui Barbosa. (Vicente, 1944)
A preocupação com o incentivo à leitura aparecia, freqüente-
mente, na imprensa assisense. Quando se organizava, em 1941, a
Segunda Semana de Arte Moderna, apareceram notícias observan-
do que o evento poderia trazer ao "povo que nunca" algum inte-
resse pelos livros.
3
2 João Dias da Silva, "Entrevista: cinema assisense", A Voz da Terra, 1°.2.1994.
3 "Semana de Arte Moderna", Jornal de Assis, 22.3.1941.
Recriações envolvem a categoria de percepção e questiona-
mentos que se colocam para a sociedade no momento particular
do recolhimento da informação. Há uma certa dificuldade em re-
memorar fatos queo sejam pensados, que estejam alheios ao
repertório do momento, queo se apresentem como questão na-
quele presente.
As leituras evocadas pelas professoras de primeiro grau em
Assiso aquelas percebidas como mais apropriadas para o con-
texto vivido. Retratam práticas de leitura e escolha de autores se-
gundo perspectivas da época. O material é extremamente rico, no
sentido de mostrar a trajetória dos movimentos culturais e a per-
cepção do quadro cultural emoldurado pelo movimento de urba-
nização na região do Oeste paulista.
O fato, por exemplo, de uma escritora (romancista) assisense,
Vanda Carneiro, ser agraciada em 1962, em Piracicaba, com a
"Medalha Cultural e Comemorativa Imperatriz Leopoldina",
conferida pelo Instituto Histórico e Geográfico deo Paulo, foi
muito comemorado pela imprensa da cidade, na época. O Jornal
de Assis mencionava que a escritora havia sido sua colaboradora.
4
Esse fatoo consta das rememorações das professoras, en-
quanto os nomes dos escritores festejados pelos meios de comuni-
cação de âmbito estadual e nacionalo lembrados até com deta-
lhes. Tais nomes continuam em evidência,o notícia ainda hoje.
Assim, os autores mais lembradoso aqueles que merecem
uma reverência constante da sociedade brasileira em geral. As
obras mencionadas guardam, também, uma estreita relação com
os enredos que elas encerram:
Naquela época era considerada boa leitura o José de Alencar,
Machado de Assis, Monteiro Lobato. Depois houve o José Mauro de
Vasconcelos. Ele foi muito lido, mas só que o português deleo era
lá aquelas coisas, não. Se a gente fosse pegar em termos de boa leitura,
bom portuguêso era, mas como interessava às crianças elas liam
demais. (T. A. S., 1931, professora: 1949)
4 "Escritora assisense agraciada em Piracicaba", Jornal de Assis, 18.8.1962.
Eram quase todas crianças pobres,o eram escolas particula-
res, eram todas do governo, mas bem que tinha filhos de professores,
mas a maioria era criança pobre.s falávamos para os pais: por fa-
voro ensinem as crianças, porque vinha tudo atrapalhado. Era me-
lhor deixar tudo para atividade dentro da classe.
Em junho eu já tinha terminado a cartilha e em agosto já come-
çava o livro.
Eu selecionava, para mim, em seções forte, média e fraca, sem o
aluno saber. Dava atenção para as três seções. O aluno da primeira
série se você bater só naquilo que ele já sabe, ele perde o interesse.
Eu fazia ficha, eu fazia muita leitura. Eu recortava de cartilhas.
Tem cartilhas que vinham feito estorinhas, então eu recortava as
estorinhas, fazia uma ficha e depois em baixo eu punha as perguntas
de acordo com a estorinha que ele leu. Então se ele leu e entendeu,
ele responde direitinho. Agora se eleo respondia era porque ele
o tinha entendido. Aí eu ia saber o porquê. Porque tem criança que
lê eo sabe o que está lendo. Eu tinha recorte de contos, cortava li-
vros, tudo que eu via que estava ao alcance da criança, eu recortava e
fazia as fichas. Isso ajudava demais. Eu dava atenção para a seção fra-
ca e já distribuía as fichas para a outra seção. O aluno fraco você tem
que trabalhar diretamente com ele, o aluno forte não, você pode dei-
xar ele fazer as atividades que ele desenvolve.
Cartilhas! Mudou uma vez, veio aquela cartilha Meninos traves-
sos. Quando chegou o final do ano, tinha professora louca porque
o tinha alfabetizado. Eu adotei a cartilha porque era obrigado, mas
eu dei as lições do meu jeito, então os meus alunos todos chegaram
alfabetizados no final do ano.
Lá nessa cartilha era um método global, o aluno aprendia as pa-
lavras, decorava as palavras. Eu toda vida dei esse método global,
mas das palavras eu tirava a silabação.
A cartilha que toda a vida eu gostei foi a Caminho suave, mas eu
o deixava só na cartilha, é muito maçante. Então eu recortava e ti-
rava lições de outras cartilhas e colocava na lousa e leitura na lousa.
Eu usava às vezes letra de fôrma e também letra cursiva. As histori-
nhas tinham autores, mas euo me lembro dos nomes. Às vezes eu
pregava uma figura e mandava fazer uma redação sobre ela.
Quando eu tinha classe boa de primeira série no fim do ano eu
tinha bastante livrinhos e eu mandava as crianças lerem. Tinha biblio-
teca boa lá no João Mendes.
Porque eu fazia as perguntas eles sabiam que eles tinham que ler
e entender.
Eu tinha uma facilidade muito grande para escrever. Euo sei
mais escrever. Acho que isso é falta de leitura, às vezes eu quero me
expressar eo tenho vocabulário.
Eu era excelente em redação, escrevia poesia, porque eu lia mui-
to, mas hoje euo tenho mais essa facilidade. Eu tenho certeza que
é por falta de leitura.
Hoje eu tenho tempo para ler eo leio,o consigo me con-
centrar. Depois que passou a novela Tieta eu comprei o livro e li. O
meu escritor preferido é o Jorge Amado. Quando eu leio os livros de
Jorge Amado parece que eu estou lá onde ele está contando a estória.
Eu vivo a estória dele, parece que eu sou um personagem. Gosto de-
mais.
Se eu nascesse de novo queria ser professora e alfabetizar por-
que é muito gratificante, eu fazia aquilo que eu gostava. A gente fazer
aquilo que gosta é uma coisa, se faz com prazer, é uma beleza, agora
fazer aquilo que a genteo gosta, como muita professora que a gen-
te vê por, é uma tristeza, massacra o aluno, Deus me livre, eu tinha
um amor nos meus alunos. (I. F. F., 1930, professora: 1950)
Lecionei 25 anos no João Mendes e dei aula só para quarta série,
todos esses anos. Comecei lá em 1950. É gostoso a quarta série, é me-
lhor do que o primeiro ano. A escola tinha biblioteca, mas as crianças
usavam muito pouco. A genteo usava mandar a criança ler como
hoje eles mandam. A genteo mandava ler, leitura era só na classe
com os livros deles,o tinha costume de mandar ler em casa. Tinha
os livros de leitura, então era aquelas lições dos livros de leitura de-
les. Livros didáticos. Vinha estórias curtinhas. A gente mandava re-
produzir, depois algumas vezes fazia perguntas para ver se entende-
ram o texto, usava também fazer muita leitura silenciosa, a gente
percebia que eles liam só com os olhos, outros ficavam só mexendo
com os lábios. Isso euo vejo falar agora, acho que é coisa queo
fazem mais. A genteo usava mandar ler e depois cobrar. Euo
me lembro se tinha nomes de autores nos livros, tinha livro de leitura.
Eram pequenos trechos que eles liam e daí a gente tirava exercícios de
gramática e mandava reproduzir. Fazia perguntas para ver se enten-
deram o texto. Era um livro que se chamava livro de leitura, tinha
bastante trechos curtos. (M. T. L. F., 1927, professora: 1945)
Primeiro eu dei aula na Água do Cabral. Depois ingressei numa
escola em Ibirarema, Água da Lingüiça. Depois fui para Pedrinhas.
Fiquei anos, depois vim para a Nova América e depois de um ano
fui removida para Nova Alexandria. Mais tarde eu vim para Assis na
escola D. Antônio, depois para o Ernani Rodrigues.
Eu dava livrinhos para eles. Eles faziam uma equipe na classe, saía
cada coisa mais linda. Eu trazia os livros. Sete equipes de cinco alu-
nos. Fazia uma rodinha. Aí eles liam, ou então se eu tivesse cinco li-
vrinhos de um autor eu dava para cada equipe. Cada uma lia na sua
casa o mesmo livro para depois eles se juntarem, discutirem e passa-
rem para o papel com desenho. (M. D. G., 1942, professora: 1962)
Eu dei aula, durante trinta anos, só para a quarta série.
Quando eu dava aula eu exigia demais, mas como eram sempre
lugares carentes, eram sempre textos de livros didáticos, mas textos
de autores nacionais. Era só uma parte dos livros, eram pequenas
aventuras. Os alunos interpretavam, eles faziam interpretação direi-
tinho. Eles liam, depois respondiam um questionário e faziam um re-
suminho. Eles aplicavam um certo episódio na vida deles. Eles conta-
vam a estória.
Eu tinha a "hora da história", era eu quem contava as histórias
que eu tinha lido na minha infância. Às vezes eu dava outro fim ou
exigia outro fim dado por eles.
Eles chamavam o livro didático de livro de leitura, porque era
um livro de língua portuguesa. Eram livros queo eram descartáveis.
Os professores escolhiam os livros. As editoras mandavam as amos-
tras, a gente analisava e adotava. Os que podiam compravam. Para
aqueles queo podiam a escola dava, seo dava a professora é que
comprava. Cada quatro anos mudava-se de livro. A gente fazia tam-
m um círculo de interesse. Aproveitava história do Brasil, também
para leitura, Ciências, Geografia. Fazia a criança imaginar como era
naquela época.
Eles liam, tiravam as partes principais para memorizar. Até o vo-
cabulário, tudo era estudado.
o havia como há agora, a classe inteira vai ler tal livro.
A gente também costumava cortar os textos dos livros mais velhos.
Fazia uma coletânea e soltava na classe, um diferente do outro. Era uma
espécie de provinha, para ver se eles sabiam interpretar mesmo.
Na quarta série eu ainda dava uma complementação da alfabeti-
zação, geralmente eles liam com falhas. (T. A. S., 1931, professora:
1949)
Os temas evocados pelas professoras em relação às atividades
escolares e às práticas de leiturao em direção do sucesso na con-
tínua superação das dificuldades, graças a seu próprio empenho e
à boa reação dos alunos.o valorizadas as inovações colocadas
em prática e que conduzem ao êxito escolar. É transmitida uma
imagem mítica da escola, uma visão otimista e tranqüilizante. Há
insistência sobre boas lembranças e aspectos positivos. A honra da
profissão é celebrada, assim como o bom acolhimento, a gratidão,
a emoção do povo em relação à professora.
Essa caracterização da escola como espaço sem conflitos, assim
como o lar e a pátria, foi ainda mais intensificada no período auto-
ritário do Estado Novo (1937-1945).
O insucesso escolar, as dificuldades pedagógicas ou a rotina
do funcionamento interno ficam em segundo plano. Também difi-
culdades disciplinares com os alunos, dificuldades de entendimento
com os pais e com a administração e a concorrência entre colegas
o praticamente silenciadas. Entretanto, a falta de recursos das
escolas e dos alunos é descrita minuciosamente:
Um dia a temperatura estava muito baixa e as crianças estavam
no comecinho da aula, logo depois das oito horas. Eu tinha deixado
o livro de chamada e o diário, o semanário, o livro de matrícula em
casa porque era o último dia do mês. Eu levava para casa para fazer
direitinho. Nisso uma pessoa falou: "Dá licença, professora". E eu
o conhecia essa pessoa, era um estranho. E ele falou: "Eu sou o no-
vo delegado de Ensino e gostaria de dar uma olhada na sua classe".
Eu falei: "pois não, pode entrar". Só que eu fiquei nervosa. Pensei, e
agora, eu estou sem a documentação da escola, sem os livros, o que
eu vou falar para esse homem. Aí ele olhou as crianças, sentou, fez a
chamada,o tinha nenhuma falta. Num dia de geada,o tinha ne-
nhuma falta. Aí ele falou: "A senhora tem..." e eu já adiantei: "Eu es-
tou sem diário, sem semanário, porque esse é o último dia dos e
eu faço esse serviço em casa". E ele falou: "Não se preocupe, profes-
sora, numa escola, num dia de geada, 100% de assiduidade, isso aí
significa que o professoro falta de jeito nenhum, porque senão
o tinha ninguém". Então lavrou uma ata no livro de presença do
Inspetor, despediu e foi embora. Mas que susto que eu passei! (T. A.
S., 1931, professora: 1949)
Nas visitas dos inspetores era costume fazer uma avaliação. Ve-
rificavam qual o livro didático que estava sendo adotado, que méto-
do de alfabetização estava sendo aplicado. Alguns inspetores exigiam
determinadas cartilhas. Agora, eu sempre fui rebelde, eu nunca acatei
a opinião deles. Aquilo que a minha experiência mandava é que eu
adotava. Eles me respeitavam um pouco, porque quando eles vinham
fazer a avaliação, o meu progresso era geralmente maior do que
aquele que eles conseguiam adotando as cartilhas que eles exigiam.
o gostavam muito, mas aceitavam. Geralmente eles atribuíam à
maturidade, à criança, parao dar o braço a torcer, maso era.
Eles lançavam as coisas sem um estudo bem-feito. Exigiam o tal do
Fernando Silvinho, e Fernando era uma cartilhao difícil. (T. A. S.,
1931, professora: 1949)
Nas descrições das práticas de leitura das professoras, a leitura
aparece como uma atividade contínua, bem desenvolvida. Os no-
mes de autores e títulos de obras lidas eo lidaso muito bem
lembrados, até com detalhes. Isso, desde sua infância, passando pela
adolescência e durante o período de atividade profissional. Rememo-
ram leituras que desenvolveram desde o curso primário, passando
pelo Ginásio, Normal, e durante o exercício profissional.
Entretanto, quando se trata das histórias de leitura dos alunos,
o há identificação de autores e de obras lidas. O que apareceo
referências de como os autoreso vistos e sobre leituras de tre-
chos de livros, fragmentos, históriaso identificadas. O objetivo
é a elaboração de exercícios de gramática, de verificação do enten-
dimento e da capacidade de interpretação da leitura. Trata-se da
leitura para a aprendizagem de certas habilidades. O empenho es-
tá voltado para o ensinar a vencer dificuldades.o estabelecidas
as etapas a serem vencidas no processo de aprendizagem. Tudo
converge, e deve convergir, para a função atribuída à escola: ensi-
nar a ler, escrever, contar e transmitir valores sociais.
Contudo, na prática de leitura individual das professoras, seja
quando estudantes seja como profissionais do ensino, é bem assi-
nalado o prazer na leitura.
Então fica estabelecida a grande diferenciação. Quando se tra-
ta da leitura para os alunos, a preocupação das professoras centra-
se na aprendizagem de habilidades periféricas ao ato de ler. Elas
m um programa a cumprir. Uma missão a desempenhar. Por ou-
tro lado, quando se trata de analisar a própria motivação para a lei-
tura, o eixo se fixa no prazer. E, mais ainda, esse prazer que dizem
sentir, desde as primeiras experiências como leitoras, é sempre
desligado de qualquer conotação escolar. A escolaridadeo teve
nada a ver com seu desabrochar. Ele aparece espontâneo e espon-
taneamente cultivado.
Assim, pode-se dizer que se estabelece muito claramente uma
dicotomia. De um lado, o prazer sentido e vivido por meio da lei-
tura pelas professoras desde sua infância, mas desligado de cono-
tações escolares, já que a escolao aparece como incentivadora
desse hábito prazeroso. De outro lado, sua preocupação constan-
te, e até angustiante, no exercício do trabalho escolar, no cumprir
a tarefa que lhes foi delegada: ensinar a criança a ler. A leitura en-
tão, nesse caso, fica desligada da relação com o prazer e, também,
desaparece a necessidade da identificação de obras e autores.
Uma pesquisa feita nos anos 50 (Bazanella, 1957), sobre os va-
lores e estereótipos em livros de leitura para a quarta série, mostra
a presença constante, até aquele momento, de preocupação com o
patriotismo. Essa preocupação pode aparecer sutilmente ou nem
tanto. A noção de patriotismo que se transmitia revestia-se de refe-
rências vagas, em tom que se pretendia literário. Eram feitas mui-
tas chamadas à pátria, à bandeira, à terra brasileira. A região era
enquadrada liricamente, com descrição de paisagens onde se exal-
tava a exuberância da vegetação, a prodigalidade do solo, a gran-
diosidade das belezas naturais. O fatos históricos geralmente re-
produziam, naqueles livros, os episódios heróicos.
A análise dos livros didáticos mostra que as descrições do am-
biente social e seus problemas eram quase inexistentes. Os perso-
nagens principais das histórias geralmente eram crianças filhas de
profissionais liberais, que viviam confortavelmente. Aparecem
sempre alegres, interessantes, meigas, estudiosas. Quando prati-
cam atos reprováveis, logo se arrependem. Os erroso corrigidos
por meio de conselhos. Já os adultos aparecem como bons, com-
preensivos, especialmente os professores, sem exceção. Todos de-
dicados, pacientes, afetuosos, carinhosos.
A valorização das profissões liberais estava ligada ao prestígio
que se buscava atribuir à educação como caminho para a ascensão
social. Esse argumento ia ao encontro da ambição, principalmente
da classe média. As histórias procuravam reforçar o prestígio social
do médico, do advogado, do engenheiro.o se prestigiava a pro-
fissão de professor. A condição do pobre nunca era apresentada
como irremediável. A caridade sempre o beneficiava.
Os assuntos escolares enfatizavam, com muita freqüência,
questões ligadas ao civismo. A escola era vista como o local privile-
giado para a realização de eventos dessa natureza.
A preocupção com o civismo aparece registrada em notícias
de jornais de Assis no momento em estudo. Dizia-se: "O ensino-
vico deve ser ministrado em todas as disciplinas do Programa e o
professor hábil saberá aproveitar todas as oportunidades para es-
sas aulas, e até nas palestras com os alunos em recreio".
5
A prática do civismo aparece nas histórias dos professores:
No nosso tempo as crianças antes de entrarem para a classe can-
tavam um hino patriótico. A professora regente do orfeon fazia can-
tar embora estivesse fazendo frio ou chovendo.
Nas festas as mães eram convidadas. A primeira comunhão era
feita na escola. Nas festas de fim de ano todos os alunos iam vestidos
de branco. Depois veio uma lei dizendo que as formaturas deviam ser
feitas de uniforme. (M. S. B., 1918, professora: 1935)
Pessoas nascidas em Assis contam:
Na escola, a primeira coisa era saber tudo quanto era hino: Hi-
no Nacional, Hino da Bandeira. Cantávamos toda quarta ou sexta-
feiras. Tinha, também, o exame das unhas e orelhas, isso incomodava
a gente. (U. F., 1919, funcionário municipal aposentado)
As escolhas de autores e as práticas de leitura na escolaridade
em Assis, no período em estudo, organizaram-se como engrena-
gens de um movimento maior, o ideal de desenvolvimento. Esse
ideal, por sua vez, tinha como suporte certos valores, como o nacio-
nalismo, que encaminhariam para o "progresso" e ascensão social.
Nas décadas em torno de 1920 e 1950 tais metas apareciam como
passíveis de serem atingidas em linha contínua. A escolaridade
com seus valores adquiria um caráter redencionista, e o naciona-
lismo, a figura de motor capaz de levar à concretização do ideal
nacional-desenvolvimentista.
CAMINHOS PERCORRIDOS
Procurando analisar práticas de leitura como "produção de in-
terpretações", pretendi seguir, neste trabalho, a proposição de Ro-
ger Chartier, segundo a qual invenções de sentidoo limitadas
por determinações múltiplas que definem, para cada comunidade,
os comportamentos legítimos e as normas incorporadas (Chartier,
1994a, p.106).
A opção de trabalhar conceitos, como o de mito e o de herói,
em relação à análise de práticas de leitura e escolha de autores, foi
definida a partir de hipóteses que englobavam compreensão de
processos complexos nos quais tais práticas e escolhas se enredam
e se enraízam. Parti da convicção de que o objeto em foco era uma
questão sociocultural, e que é com base em contextos históricos
que surgem formas simbólicas de acordo com as quais indivíduos e
comunidades interpretam, ordenam eo significado à sua exis-
tência. Entendi que o "fetiche" da mitificação e da heroicidade
oo alvos alheios à dinâmica social. Assim, a pesquisa envere-
dou, às vezes, por campos bem diferenciados.
O tratamento dado ao recorte estabelecido para o trabalho
o foi encarado particularizadamente, mas integrado a uma socie-
dade, à sociedade brasileira, em geral, e à do Estado deo Paulo,
em particular. Sociedade esta vertiginosamente atingida, no mo-
mento estudado, pelas nuanças variadas da expansão do sistema
capitalista que mostravam processos diferenciados nele embuti-
dos: a urbanização e a idéia desenvolvimentista com a escolarida-
de que dava o rumo do "progresso". Escolaridade com práticas de
leitura orientadoras de professores e alunos de primeiro grau, de
leitores e não-leitores, e com força para impor preferências e reve-
rências em relação a autores-heróis, heróis-autores.
O município escolhido para análise das hipóteses de trabalho
- Assis - está integrado política e administrativamente a uma re-
gião do Estado deo Paulo e da federação brasileira. Dessa for-
ma, considerei a necessidade deo perder de vista essa inserção
numa realidade ampla. A institucionalização do processo de esco-
laridade em Assis integrou, portanto, um complexo econômico-
político-social que lhe impunha certos parâmetros.
Contando com esses pressupostos é que procurei fazer um en-
trelaçamento entre o social, o político, o econômico e o cotidiano
escolar.
O "caminho de ferro" - a expansão da Estrada Sorocabana -
representou a materialização da possibilidade de progresso para a
região do Oeste paulista. O assentamento dos trilhos significou
grandes mudanças e muitos cruzamentos entre as comunidades
por eles atingidas. A intensificação da urbanização, o aumento do
fluxo migratório, as inovações no setor agropecuário com a intro-
dução de novas culturas anunciavam novos tempos. A ferrovia, a
partir da década de 1920, era o agente de aproximação e de infor-
mação.
Os acontecimentos das décadas subseqüentes estiveram estrei-
tamente ligados ao desenvolvimento desse transporte e das formas
de comunicação presentes na região em estudo. O sentido dado à
escolaridade, às práticas de leitura, à escolha de autores, aos valo-
res sociais defendidos esteve estreitamente ligado à didática e à pe-
dagogia instituídas pelo Estado, e que chegavam pelos meios de
comunicação.
Nos anos 20, emo Paulo, já se configurava uma conjunção
de acontecimentos envoltos na mística do desenvolvimento, do
progresso, pressupondo "redenção" com escolaridade. Tal encon-
tro abria caminho para a eleição de figuras singularizadas, expos-
tas em vitrines, alvo de mecanismos que as diferenciavam dos de-
mais membros da sociedade. Eram os "heróis", parte integrante de
um processo mitificador cuja elaboração envolvia homenagens sa-
cralizadoras. O afastamento permite a diferenciação, fator essen-
cial no processo de mitificação.
O carisma que envolve o "herói" vem de sua transformação
em arquétipo representativo da excelência. Representa aquele
personagem que a pessoao consegue ser, mas a quem pode de-
legar problemas. Ele é "herói" porque se lhe atribuem dons capa-
zes de solucionar problemas ou realizar coisas irrealizáveis por ho-
mens comuns. O "herói", então, é eleito para fazer o papel do
outro. Ao "herói", exposto como paradigma de uma sociedade,
atribuem-se qualidades ambicionadas pelos que o entronizam
como "herói".
Os valores sociais ligados à pátria, ao nacionalismo, assim
apropriados pela sociedade nas décadas em torno de 1920, como
aparecem em meados do século?
O período em torno dos anos 50 no Brasil representou, com
maior ou menor ênfase, uma busca de contemporaneidade. Busca
de "progresso", tendo a escolaridade como uma de suas bandeiras.
No município de Assis - inserido nesse contexto desenvolvi-
mentista desde sua caracterização como "zona pioneira" - atribuía-
se às diretrizes escolares um papel de ponte para o mundo do pro-
gresso e da realização individual. A luta pela expansão do ensino
nos diferentes graus comprova isso, vista como motor que possibi-
litaria a travessia almejada para o desenvolvimento.
Norbert Elias, quando discute problemas sobre dinâmica social,
mostra que planos e ações, impulsos emocionais e racionais de pes-
soas isoladas constantemente se entrelaçam de modo amistoso e
hostil. Esse tecido básico, resultante de muitos planos e ações iso-
lados, pode dar origem a mudanças e modelos que nenhuma pes-
soa (isolada) planejou ou criou. Dessa interdependência de pessoas
surge uma ordem diferente, uma ordem mais irresistível e mais for-
te do que a vontade e a razão das pessoas isoladas que a compõem.
Prosseguindo, o mesmo autor lembra que tal afirmação sobre a au-
tonomia das configurações sociais pode, entretanto, ficar vazia ou
ambígua, a menos que a dinâmica concreta do entrelaçamento so-
cial seja diretamente ilustrada com referências a mudanças específi-
cas e empiricamente demonstráveis (Elias, 1993, p.l93s.).
Assim, a proposição que norteou este trabalho procurou ex-
pressar uma realidade, interrogar mitos e suas fonteso para re-
velá-los como uma impostura, mas, por meio do estabelecimento
de cumplicidades, fugir da criação de outro mito, aquele da desmi-
tificação.
No confronto da memória oral, notícias escritas e estudos di-
versos, pode-se perceber que, por vezes, a tradução esperada pelos
organizadores das mensagens embutidas em práticas de leitura e
obras de autores escolhidoso era captada como o previsto.
Contudo, permaneceram nas décadas em torno de 1920 e foram
cultivadas ou retomadas, com mais intensidade por volta de 1950,
a relação entre progresso com escolaridade e as preferências por
autores e obras, lidas ou não, que se pressupunha defenderem va-
lores cívicos, tais como pátria/nacionalismo/desenvolvimento, as-
sim como a representação de "boa leitura" com significados cívi-
cos e morais próprios dessa época.
Assim, posso agora dizer que no decorrer do trabalho procu-
rei mostrar como o processo de mitificação da leitura e a constru-
ção do herói, no espaço e momento estudados, estiveram amparados
numa simbologia cuja força também era definida por determinadas
práticas de leitura e escritos de homens "políticos", autores-he-
róis, heróis-autores.
Essa força evidenciava-se tanto em momentos sujeitos a maior
vigilância por parte do Estado, durante os regimes de caráter tota-
litário, quanto nos momentos de exacerbado otimismo como nas
décadas de 1920 e 1950.
Assim, o desenvolvimento que teve impulso no começo do-
culo, décadas de 1920 e 1930, cheirando a gasolina, com expan-
o de tipos de energia e de indústria, seguiu mostrando-se por vezes
mais exacerbado como no governo Juscelino Kubitschek. Nesse
momento chegou-se a acreditar que a travessia da ponte tinha dado
certo.
Em Assis o desenvolvimento, o "progresso" iniciado com a
exaltação da "uberdade maravilhosa das terras", nos anos 20, pros-
seguiu com as transformações das atividades agrícolas e suas reper-
cussões sociais.
As memórias dos professores de primeiro grau em Assis mos-
tram uma quase unanimidade na exaltação, "no seu tempo", da
existência de um bom ensino, e de seu gosto pessoal pela leitura. É
uma configuração nostálgica de um mundo tradicional que a esta-
bilidade então presente, mas perdida, faz que seja retomada como
baliza simbólica, como figura de verdade, de autenticidade.o
configurações de época marcadas pelo nacionalismo.
Entretanto, alguns julgamentos destoantes confirmam que é
em clima de tensão dentro de grupos considerados mais ou menos
homogêneos num contexto social que se estruturam as configura-
ções relativas a uma dada época.
A construção do "herói", herói-autor, relaciona-se ao introje-
tado simbolicamente pelos leitores. Os nomes entronizadoso
necessitavam ter sua identificação consagrada no exercício da es-
colaridade. O livroo aparece como o texto, mas como suporte
de valores, daí a mitificação.
Rui Barbosa, Coelho Netto e outros "heróis" hoje perderam a
aura. Monteiro Lobato pode parecer que não. Entretanto, uma
pesquisa realizada, em 1992, com alunos do primeiro grau (segunda
a sétima séries) em escola de Assis mostrou o seguinte resultado:
40% dos 159 alunos entrevistadoso tinham a menor idéia de
quem teria sido Monteiro Lobato. Os demais limitaram-se a dizer
que "ele é um escritor famoso" ou o associaram ao "Pica-pau Ama-
relo". O contato com o escritor, quando houve, foi por via da esco-
la. Os alunos apontaram, como leitura de livro, qualquer texto, até
mesmo fragmentos de livros didáticos (Ceccantini, 1996, p.6).
6
Outro exemplo: o escritor Soljenitsyn, quando de seu regres-
so à Rússia, dizia em recente entrevista: "As pessoas dizem Quem é
Soljenitsyn? oh! sim, é o homem que 'eles' expulsaram. Ele fez al-
guma coisa, há... muito tempo".o há menção aos livros. Isso
torna a situação difícil, declarou o escritor. "É difícil dizer até que
ponto meus esforços morais terão ressonância e sucesso. O fato é
que meus livroso foram lidos - isso também interfere muito. É
impossível encontrá-los."
7
Com base nessas observações, retomo Roland Barthes quando
diz: "Longínqua ou não, a mitologia só pode ter um fundamento
histórico, visto que o mito é uma fala escolhida pela história:o
poderia de modo algum surgir da 'natureza' das coisas" (1989,
p.132).
Os autores-heróis foram construídos, esquecidos, mas a prática
de leitura - fio condutor privilegiado neste trabalho como integra-
dor da constituição de valores sociais, em momentos aparente-
mente diversos -o perde sua força. A análise de sua produção e
apropriação e dos valores sociais veiculados a partir dela, numa
6 Pesquisa realizada pelos alunos do curso de graduação em Letras Amaya Obata
Mouriño, Aroldo José Abreu Pinto, Gerson Luís Pomari, Ivan Cláudio Pereira
e Lia Cupertino Duarte, sob a orientação de João Luís Ceccantini, do Câmpus
de Assis da UNESP.
7 Vanora Bennet, entrevista com Alexander Soljenitsyn (O Estado de S. Paulo,
28.5.1994).
dada comunidade - Assis, num tempo determinado - permitiu
aberturas para um entendimento de imbricações entre o histórico-
cultural e o político. O autor-herói, construído com base em um
contexto social, concorre também por sua atuação, ou pela que lhe
é atribuída, para a construção de sua aura e de novas "realidades".
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Arquivos particulares: Carivaldo Ferraz de Menezes Dória, Sebastião
da Silva Leite.
Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (Cedap) UNESP - Assis.
Jornais:
O Estado de S. Paulo.
Folha de S.Paulo.
Correio de Assis.
A Gazeta de Assis.
Jornal de Assis.
A Notícia (Assis).
A Voz da Terra (Assis).
A Gazeta do Vale (Assis).
O Tempo -Jornal da Região.
Museu de Assis.
Relatórios, entrevistas, depoimentos de professores e pessoas da comu-
nidade - Assis.
SOBRE O LIVRO
Formato: 14 x 21 cm
Mancha: 23 x 43 paicas
Tipologia: Classical Garamond 10/13
Papel: Offset 75 g/m
2
(miolo)
Cartão Supremo 250 g/m
2
(capa)
I
a
edição: 2002
EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Coordenação Geral
Sidnei Simonelli
Produção Gráfica
Anderson Nobara
Edição de Texto
Nelson Luís Barbosa (Assistente Editorial)
Ana Paula Castellani (Preparação de Original)
Fábio Gonçalves e
Ada Santos Seles (Revisão)
Editoração Eletrônica
Lourdes Guacira da Silva Simonelli (Supervisão)
Luís Carlos Gomes (Diagramação)
Raquel Lazzari Leite Barbosa nasceu em
Assis, SP, e graduou-se em Fonoaudiologia
pela PUC-SP. Fez mestrado e doutorado em
Educação, respectivamente, na PUC-SP e na
Unicamp. Atualmente é professora no Depar-
tamento de Educação da Faculdade de Ciên-
cias e Letras - UNESP, Campus de Assis - SP
A questão fundamental que percorre o livro, o seu fio
condutor, é a reflexão sobre como foram se articulan-
do na região de uma comunidade - Assis (SP) - esco-
lhas e preferências por determinados autores e as his-
tórias de leitura de suas obras. Com as práticas de
leitura, concretizadas a partir do cruzamento desses su-
portes, passaram a orientar professores e alunos de
escolas de primeiro grau desse universo - leitores e não-
leitores. O objetivo de tal reflexão foi analisar a cons-
trução da figura do autor-herói ou de como esse autor
se transforma em herói-autor, dentro de valores acei-
tos na comunidade. Para isso procurou-se estudar a
apropriação de normas relacionadas à formação de lei-
tores, em uma configuração de época - décadas em
torno de 1920 e 1950.
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