
Caminhos da Análise em Acidentes de Trabalho – CAPÍTULO 4
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A última corrente que gostaria de evocar é a da confiabilidade, que se de-
senvolve desde os anos 80, sob a dupla influência da evolução tecnológica
e da evolução da maneira com que as ciências humanas abordam o proble-
ma do acidente. Essa evolução tecnológica caracteriza-se pela automatização
e informatização, mas, também, pela preeminência de tarefas de controle, de
vigilância, de manutenção. Além disso, a complexidade dos sistemas aumen-
tou, seja pelo aumento do número de interações, seja pelo aumento do grau
de dependência de um elemento em relação a outro. Ao mesmo tempo, e
paradoxalmente, os sistemas de segurança em si (quer dizer, os sistemas
destinados a ter papel de proteção contra falhas conhecidas) são também
pontos falhos de sistemas complexos
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. Essa sobrecarga de barreiras defensi-
vas torna os sistemas não somente frágeis, mas, também, cada vez mais
difícil; e, então, dificilmente controláveis por aqueles que são encarregados
de geri-los, de conduzi-los e de mantê-los. Com efeito, no período “normal”,
o sistema pode, no melhor dos casos, ser gerido de modo automático. Mas,
certas disfunções, se exigem uma intervenção humana e, sobretudo, se são
raras, encontram um operador que perdeu a sua perícia. Um operador pouco
informado sobre os desenvolvimentos anteriores e que deve, além disso, to-
mar uma decisão dentro da incerteza e sobre uma contrainte
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temporal: to-
das as condições estão reunidas para aumentar a chance de aparecimento
de um “erro humano”.
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Nota da tradução: Nesse ponto, o autor refere-se a contribuições como as de Charles Perrow,
mostrando que a introdução de redundâncias, proteções, a serem acionadas em caso de falha
da primeira linha de proteção, pode aumentar sua complexidade sistêmica e a chance de
interações fortemente interligadas aumentando as chances de ocorrência de acidentes.
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Nota da tradução: Segundo o Nouveau Petit Le Robert, os termos “astreinte” e “contrainte” são
usados para expressar a idéia de “obrigação forte”. “Contrainte” indica ainda entrave à liber-
dade de ação, violência exercida contra alguém, coerção. Citando van Harrison, Jacques Leplat
usa “contrainte” como equivalente da expressão inglesa “job stress” e afirma: “Um trabalho gera
uma “contrainte” à medida que ele não fornece o que precisa para satisfazer as expectativas
do indivíduo, e à medida que as habilidades do indivíduo são inferiores às exigências do tra-
balho [...] Nos dois casos, as necessidades e os valores do indivíduo não serão satisfeitos pe-
las contribuições (apports) do ambiente de trabalho” (pág. 54). Logo adiante, Leplat usa a ex-
pressão “astreinte” como equivalente ao termo inglês (strain) (pág. 55) e, em seguida, refere-
se às exigências do trabalho como “as contraintes” impostas pela tarefa e às quais a atividade
deve responder”. Para Leplat, na fisiologia propõe-se a seguinte distinção para essas duas pa-
lavras: “contrainte“ (exigência) e “astrainte” (carga, que ressoa no organismo). LEPLAT, J.
“L´analyse psychologique de l’activité centrée sur l’agent”. In LEPLAT, J. Regards sur l´activité
en situation de travail. Paris : PUF, 1977 (Le Travail Humain); págs. 35 a 56. Na edição brasi-
leira de “Compreender o trabalho para transformá-lo” o termo “contrainte” foi traduzido como
“constrangimento”.
Analise Acidentes.pmd 25/03/2004, 14:0389