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Benjamin, esta traduzibilidade é o que conecta a tradução e o original, como explica no
trecho que segue:
O fato da traduzibilidade ser própria de certas obras não significa que a
sua tradução lhes seja necessária e essencial mas sim que um
determinado significado, existente na essência do original, se expressa
através da sua traduzibilidade. É evidente que uma tradução, por muito
boa que seja, nunca consegue afetar ou mesmo ter um significado
positivo para o original. Ela mantém no entanto com o original uma
estreita conexão através da traduzibilidade. E esta conexão é tanto mais
estreita e íntima por não afetar o original, podendo ser denominada como
conexão natural, ou mesmo, num sentido mais rigoroso, como relação
vital. (Op. Cit. p. 38)
A tarefa do tradutor seria captar a essência da obra original através de sua
traduzibilidade e integrá-la a uma “Língua” única e verdadeira. A tradução, para Benjamin,
deve apenas tocar de leve o original, e somente num ponto infinitamente pequeno do seu
significado, para em seguida continuar o seu próprio caminho. O autor alemão cita
diferenças fundamentais entre os propósitos do autor do original e da tradução,
considerando o primeiro (original) ingênuo e primário, enquanto a segunda norteia-se por
uma intenção já derivada.
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Porém, ao contrário do que ocorre com a obra original, a
tradução não se encontra situada no centro da “floresta da língua”, mas fora desta, e sem
entrar nela, a tradução invoca-a para um lugar onde um “eco”, através da própria
“ressonância da obra”, pode ser transmitido a uma língua estranha. (Ibid., p. 42)
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Benjamin aponta as atividades do autor e do tradutor como intrinsecamente diferentes e incomparáveis, e
lembra que a história não confirma o preconceito corrente que diz que “o tradutor de importância é por
necessidade um grande poeta, e o poeta insignificante um mau tradutor.” (1979, p. 40) A querela que compara
a importância dos autores e tradutores é abordada recorrentemente na bibliografia sobre tradução. Suzana
Lages (2002, pp. 68-70) observa o extremismo das opiniões que dividem a questão: “as visões tradicionais do
tradutor e da tradução tendem a oscilar da impotência mais resignada a um ideal de onipotência sobre-
humana”. Algumas correntes do pensamento teórico e de realizações práticas de tradução acreditam que este
exercício deva buscar a fidelidade máxima ao sentido literal expresso no original, visto que o tradutor tem
esta dívida para com a verdade do autor. Defendem, como diz Lages, que “o tradutor não deveria ‘aparecer’,
deixar marcas suas no texto traduzido, devendo procurar neutralizar ao máximo sua operação sobre o texto
original, o qual é definido a priori como superior.” Essa noção, continua a autora, é proveniente de uma visão
que considera o texto original “um produto acabado, fechado, imutável, completamente imune às vicissitudes
histórico-temporais a que está exposto todo o produto da cultura humana.” (Ibid., p. 70) É um modelo
altamente idealizado, que gera uma sensação de inferioridade diante do original, inapreensível em sua
totalidade lingüística, histórica e subjetiva. Exaltando a unicidade do original, portanto, esta visão acaba
gerando a desvalorização da tradução e conseqüentemente, da própria tarefa do tradutor. Daí decorre o
complexo de inferioridade do tradutor que Lages irá analisar detalhadamente em seu livro. (2002)