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O grande mestre Roman Jakobson (2003, p. 34-62) desvendou coisas
profundas a respeito do discurso poético; adotou-o como um código de expressão
lingüística: projeção do eixo das semelhanças no eixo das contigüidades:
subordinação referente às leis da analogia. É uma definição que dá conta das
iterações: do metro, da rima, das aliterações, das regularidades morfossintáticas, da
sinonímia, da paronímia, das correspondências semânticas:
Com um rabeio final, o papa-mel empoou-se e espoou-se nas
costas, e andou à roda, muito ligeiro, porque é bem assim que
fazem as iraras, para aclarar as idéias, quando apressa tomar
qualquer resolução. Girou, corrupiou, pensou, acabou de pensar, e
aí correu para a margem direita, sempre arrastando no solo os
quartos traseiros, que pensam demais. E, urge, urge, antes de pegar
toca, parou, e trouxe até à nuca, bem atrás de uma orelha, uma das
patas de trás para coçar. (ROSA, 1982, p. 282).
O tom de oralidade na fala dos bois revela a expressividade do discurso
poético, em contraposição ao discurso meramente comunicativo. A representação
poética transmite sons, ritmos e imagens do mundo dos “Gerais”. As imagens,
entretanto, nascem de palavras conhecidas e desconhecidas utilizadas pelo
narrador ou pelas personagens, uma vez que a estória “Conversa de bois” mostra-se
baseada numa melodia de enumerações repetitivas, escrita com palavras simples:
Dando-se que [o boi] Brilhante fala dormindo, repisonga e se repete,
em sonho de boi feliz. Assim por assim, o pelame preto compacto
põe-no por baixas vantagens, qual e tal, em quente de verão,
comborço que envergasse fraque, entre povos no linho e brim
branco. Que por isso, ele querer toda vez, no pasto, a sombra das
árvores, à borda da mata, zona perigosa, onde mil muruanhas –
tavãs e tavoas – tão moscas, voejam, campeando o mole e quente
em que desovar. [...] Coisando por tristes lembranças, decerto, bem
faz que Brilhante já carregue luto de-sempre. Mas, perpetuamente
às voltas com bernes, bichos, carrapichos, e morcegos, rodoleiros,
bicheiras, só no avesso da vida, boas maneiras ele não pode ter.
(ROSA, 1982, p. 285).
Ao observar a unidade indissolúvel de linguagem que procura expressar a
intensas vivências do eu, tanto do narrador quanto das personagens, nota-se, por
exemplo, em Miguilim a visão da experiência humana, rica em clareza e nitidez, a
qual se encontra retida nas retinas do menino que se mostra poeta: “Dito, eu às
vezes tenho uma saudade de uma coisa que eu não sei o que é, nem de donde, me