Tempos e Espaços Civilizadores
Espaços Civilizadores
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temporal e espacialmente como parte das relações sociais. Urinar e peidar
são socialmente reinventados: a ação já não depende da vontade dada pela
necessidade biológica, mas é a necessidade biológica que se submete aos
imperativos do protocolo social. O espaço-corpo vai, aos poucos, tornan-
do-se etiqueta, moda, modelo, corpo socialmente moldurado, emoldurado.
comer, cheirar, dançar, transar, encostar, dizer, encarar, cumprimentar, o-
lhar, pentear, piscar, bocejar, tossir, assoar, escarrar
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... O rigor, a disciplina
e a norma: o processo-espaço inventado e reinventado.
No exemplo “C”, de “Do hábito de assoar-se”, lê-se: “Não assoe
o nariz com a mesma mão que usa para segurar a carne” (ELIAS, 1994,
também pela forma de assoar. O controle no hábito de assoar tem no uso
um importante componente/acessório para as mulheres e os homens. O
lenço de pano impede o contato das mãos com as secreções nasais, com
a mucosidade
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. O sentido de limpeza, de novos hábitos higiênicos, passa
a tomar conta do corpo social, das camadas mais privilegiadas primeiro
para as de menos posses e prestígio, em seguida.
O processo de imposição de hábitos, com o tempo, e na medida
em que são internalizados, constitui autocontroles relacionados especial-
mente à vergonha e ao medo, pública e também privadamente:
(...) hábitos são condenados cada vez mais como tais, em si, e
não pelo que possam acarretar a outras pessoas. Desta maneira,
impulsos ou inclinações socialmente indesejáveis são reprimi-
dos com mais vigor. São associados ao embaraço, ao medo, à
vergonha ou à culpa, mesmo quando o indivíduo está sozinho.
3 Discutindo uma das metáforas espaciais, a região, Albuquerque Jr. (2008) salienta que a região é também
“modos de pensar, modos de querer, modos de falar, modos de gostar, modos de preferir, modos de
amar, modos de desejar, modos de olhar, de escutar, de cheirar, de sentir sabor e de sentir dor. A região
se expressa em jeitos de corpos, em gestos, em modos de vestir, de se alimentar, de beber, de dançar,
de andar, de se pôr de pé ou de sentar. A região, ao ser subjetivada, ao ser encarnada, ela conformará os
corpos e os processos subjetivos”.
4 Vale pensar na velocidade em que o lenço de pano, nas últimas décadas, deu lugar aos lenços de papel.
Hoje, grosso modo, são os próprios lenços de pano que são associados a uma maneira pouco higiênica
de assoar, e seu uso (reiteradamente), diferentemente de décadas anteriores, parece ser, no extremo,
enojado.