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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
CURSO DE DOUTORADO
Sublimação, ato criativo e sujeito na
psicanálise
Florianópolis
2009
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ii
Zeila Facci Torezan
Sublimação, ato criativo e sujeito na
psicanálise
Tese apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de doutor em Psicologia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Doutorado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Santa Catarina
.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Aguiar Brito de Souza.
Florianópolis
2009
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iii
Para Isabela e Laura, que já me dedicaram
tantas das suas preciosas criações.
iv
AGRADECIMENTOS
A despeito da solidão necessária nos momentos de estudo, reflexão
e criação, uma tese não é produzida sem o auxílio e colaboração, direta e indireta,
de muitas pessoas. Expresso minha profunda gratidão por todas elas e de forma
particular:
ao Prof. Dr. Fernando Aguiar Brito de Souza, por sua efetiva
contribuição para a realização desta tese e, sobretudo, pela postura sempre ética e
respeitosa com que conduz o trabalho de orientação;
ao Prof. Dr. Kleber Prado Filho, à Prof. Dra. Mérite de Souza e ao
Prof. Dr. Sérgio Scotti, pela participação e sugestões realizadas durante o exame
de qualificação, momento crucial para o desenvolvimento desta tese;
ao Prof. Dr. André Gellis, ao Prof. Dr. Vinícius Darriba, à Prof.
Dra. Mara Lago e ao Prof. Dr. Kleber Prado Filho, pela presença e contribuições
realizadas durante a banca de defesa da tese;
à Prof. Dra. Mérite de Souza e ao Prof. Dr. Carlos Augusto Remor
por aceitarem compor a banca examinadora de defesa como membros suplentes;
à psicanalista Angela Valore, por seu trabalho de todos esses anos,
cujos efeitos estiveram presentes no percurso de pesquisa e podem ser lidos nas
páginas desta tese;
ao meu marido e às minhas filhas, pelo carinho, incentivo e
compreensão;
às minhas queridas irmãs, Denise e Dionete (in memorian), pelo
amor que sempre me dedicaram;
aos meus pais, por tudo.
v
TOREZAN, Zeila F. Sublimação, ato criativo e sujeito na psicanálise.
Florianópolis, 2009. 162f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Aguiar Brito de Souza.
Defesa: 31/07/2009.
RESUMO
A tese, fruto de pesquisa teórica de orientação freudo-lacaniana, objetivou analisar
os enlaces entre sublimação, ato criativo e sujeito e afirmar a presença do sujeito
no ato criativo via sublimação. O método da releitura foi aplicado sobre os textos
de Freud e Lacan que tratam dos conceitos em causa e as publicações de mesma
orientação e tema semelhante. Partindo da noção de sujeito na psicanálise e de
suas especificidades na contemporaneidade, fez-se uma retomada conceitual da
sublimação em Freud e Lacan, seguida da discussão sobre o ato criativo. O
percurso afirmou o sujeito na sublimação e no ato criativo, quando ocorre o
afastamento do lugar de objeto e o reconhecimento e lide com o Real; quando o
vazio da Coisa é contemplado. Considerou-se as possibilidades e os efeitos da
sublimação nos dias de hoje, numa análise da relevância clínica do conceito de
sublimação na contemporaneidade. Identificou-se uma aproximação entre o
campo sublimatório e os efeitos do trabalho analítico. Sublimar não impede o
adoecer e não tem compromisso com o aceitável, desejável ou elogiável
socialmente, mas o valor da sublimação não pode ser negado, ainda mais em
tempos tão funestos, quando reina a apatia e a dessubjetivação, quando o ato
criativo sobrevive às minguas, à sombra de outras modalidades de ato, marcadas
por condutas violentas, delirantes, transgressoras ou depressivas.
Palavras-chave: Sublimação; Ato criativo; Sujeito.
vi
ABSTRACT
The work, a theoretical research from a Freud-Lacan background, aimed to
analyze relationships among sublimation, creative act and the subject and affirm
the presence of the subject in the creative act through sublimation. The reading
method has been applied over the Freud and Lacan texts and another publications
by the same orientation and with similar aim. Starting from the meaning of the
subject to psychoanalysis and from its contemporary traits, a conceptual retrospect
of sublimation in Freud and Lacan theory were followed by a discussion about the
creative act. The way affirmed the subject in the sublimation and in the creative
act, when both the disconnection from the object role and the handling with the
Real take place; when the empty of the Thing is contemplated. The possibilities
and effects of sublimation in present days were considered, analyzing the clinical
relevance of the sublimation concept in our time. There is a proximity between the
field of sublimation and the effects of psychoanalytical work. The sublimation do
not prevent sickness and has no commitment with witch is socially desirable,
glamorous or acceptable, but the value of sublimation cannot be neglected,
moreover in so dark times, when grasses the apathy, when the creative act
survives in the dearth, under the shade of other kinds of acting, tinted by violence,
delirium, transgression and depression.
Keywords: Sublimation; Creative act; Subject.
vii
SUMÁRIO
RESUMO------------------------------------------------------------------------------------v
ABSTRACT--------------------------------------------------------------------------------vi
Dos motivos e caminhos-------------------------------------------------------------------9
Sobre o método --------------------------------------------------------------------------- 22
1. Pesquisa teórica em psicanálise: o método da releitura.-------------------------- 22
Capítulo 1 - O sujeito em questão ------------------------------------------------------ 27
1.1. Sujeito e subjetividade na psicanálise.-------------------------------------------- 29
1.1.1. A constituição do sujeito: campo pulsional e psiquismo.-------------- 35
1.1.2. A constituição do sujeito: subjetivação e estrutura.--------------------- 40
1.2. Notas sobre o sujeito e a subjetividade na contemporaneidade --------------- 46
1.2.1. Uma nova ordem discursiva.----------------------------------------------- 46
1.2.2. O sujeito no contemporâneo. ---------------------------------------------- 49
Capítulo 2 - A Sublimação da construção ao resgate do conceito----------------- 57
2.1. Com Freud: da construção do conceito------------------------------------------- 60
2.1.1. O esboço conceitual.-------------------------------------------------------- 60
2.1.2. A delimitação da sublimação. --------------------------------------------- 63
2.1.3. Acréscimos.------------------------------------------------------------------ 70
2.2. Com Lacan: do resgate do conceito----------------------------------------------- 77
2.2.1. A Coisa. ---------------------------------------------------------------------- 78
viii
2.2.2. A definição da sublimação. ------------------------------------------------ 82
2.2.3. Desdobramentos do conceito. --------------------------------------------- 88
2.2.4. Reafirmações ---------------------------------------------------------------- 93
Capítulo 3 - Ato criativo: o sujeito na sublimação ----------------------------------- 98
3.1. Ato criativo--------------------------------------------------------------------------- 98
3.2. Ato criativo e sublimação ---------------------------------------------------------105
3.2.1. Arte, ciência e religião: ato criativo e sujeito. --------------------------112
Capítulo 4 - Enlaces Finais-------------------------------------------------------------125
4.1. O sujeito na sublimação -----------------------------------------------------------127
4.2. Sublimação na contemporaneidade ----------------------------------------------135
4.3. Sublimação, ato criativo e final de análise--------------------------------------143
4.4. Momento de concluir --------------------------------------------------------------151
Referências -------------------------------------------------------------------------------154
Bibliografia Consultada-----------------------------------------------------------------161
9
Dos motivos e caminhos
“O trabalho (de pesquisa) deve ser assumido no desejo.”
Barthes, [1984], 2004, p.99
Conforme explicitado já no título, esta pesquisa propõe a reflexão e
a análise dos enlaces entre sublimação, ato criativo e subjetividade, em especial
nos tempos atuais. Mais que um momento meramente reflexivo, pretende-se aqui
a construção e afirmação de uma tese que discuta a emergência do sujeito no ato
criativo; e, conseqüentemente, a relevância clínica do conceito de sublimação na
contemporaneidade – clínica no sentido não apenas do tratamento propriamente
dito, mas também da leitura da psicanálise como uma clínica do social
1
. Trata-se
de um trabalho teórico de retomada e delimitação conceitual da sublimação com o
intuito de pensar sobre suas possibilidades e desdobramentos nos dias de hoje,
enfocando e buscando afirmar a presença do sujeito no advento do ato criativo via
sublimação.
Como se sabe, não são unívocas nem a interpretação da
subjetividade na contemporaneidade nem a leitura dos conceitos psicanalíticos de
sublimação e criação; elas ganham portanto, no corpo deste texto, uma forma
particular, sem nenhuma pretensão de verdade. Afinal, além de ser parte efetiva de
1
Desde Freud, a psicanálise propõe uma leitura do social e entende o homem como engendrado e
mergulhado na cultura. O sujeito da psicanálise, como está explicitado no capítulo inicial desta
pesquisa, é fundado na relação com o outro através da linguagem. Assim, situar a clínica
psicanalítica como uma clínica do social implica o reconhecimento dos efeitos do discurso e da
organização social sobre a constituição e o funcionamento subjetivos. Em Psicologia das massas e
análise do eu (1921), Freud afirmou ser a diferença entre a psicologia individual e a psicologia
social muito menor do que pode aparentar à primeira vista. Esta proposição freudiana é tomada por
Lebrun (2004) como parte da sustentação de sua proposta de uma clínica psicanalítica do social a
partir da clínica psicanalítica individual e dos fundamentos teóricos de Freud e Lacan: “O que o
psicanalista ouve nessa defrontação com a clínica individual é igualmente ouvido por ele como
operando no social; o que ouve dos avatares do sujeito é do mesmo tipo que o que ouve dos
avatares do social” (Lebrun, 2004, p. 18). Propor uma clínica psicanalítica do social não significa
identificar a psicanálise como capaz de responder ou sanar as intensas dificuldades sociais da
atualidade, mas, sim, considerá-la como uma disciplina que dispõe de um aparato particular capaz
de analisar, questionar e produzir um discurso sobre tais dificuldades, como uma forma de
colaborar para uma possível transformação da ordem social.
10
um tempo e de um espaço, a produção do conhecimento também é, sempre, fruto
de um crivo de leitura processado através de um dado arcabouço teórico. É
possível afirmar que, ao menos no campo das Humanidades, não mais imperam os
ideais de universalização e neutralidade da ciência clássica – majoritária desde o
nascimento da Modernidade até o século XX – e o ato de pesquisar comporta em
sua atividade a incerteza e a insegurança, sem se preocupar com a busca de um
saber totalitário e de uma verdade absoluta. Neste contexto, a presente pesquisa
tem suas delimitações estabelecidas pela psicanálise freudiana
2
, acrescida da
interpretação e dos avanços lacanianos, ou seja, o que se convencionou denominar
de referencial freudo-lacaniano.
Um outro aspecto inegável, ao menos para nós psicanalistas, de
uma produção é sua relação com as particularidades e, mesmo, a subjetividade do
pesquisador. Devo dizer que minhas incursões pelos caminhos da pesquisa sempre
tiveram como mote uma formação e uma atuação eminentemente clínicas. Assim
foi na dissertação de mestrado
3
e também por um viés clínico é marcado o meu
interesse pelo tema da presente tese de doutorado, tema delineado, gradual e
principalmente, a partir da minha prática como psicanalista. Concomitantemente
ao referido percurso clínico, somou-se o início da minha carreira como professora
2
Considero uma redundância a utilização desta expressão, mas o intuito é de delimitar com a
devida clareza a orientação teórica desta pesquisa. A redundância está no fato de avaliar como
questionável a sugestão, implícita na expressão em causa, da existência de outras mais
“psicanálises” que não vinculadas aos pressupostos fundamentais freudianos. Entretanto, é
recorrente a consideração de que por psicanálise pode-se compreender uma série de concepções
teóricas – incluo aqui todo o campo psicológico das psicoterapias e as teorias junguiana e reichiana
– que, em minha opinião, muito se distanciam das proposições freudianas. As mais diversas
escolas de psicoterapia teriam em comum o fato de contornarem os três conceitos freudianos que
norteiam e definem o campo psicanalítico: o inconsciente, a sexualidade e a transferência. As
psicoterapias substituem o inconsciente freudiano por algo da ordem de um subconsciente
biológico; a sexualidade, não mais situada como conflito psíquico, é interpretada através do crivo
culturalista ou biológico; a transferência é reduzida a uma relação dual calcada na mestria e na
sugestão (Roudinesco, 2000). Miller (1997, p.12) propõe que o elemento essencial de qualquer
psicoterapia é a existência de um “Outro que diz o que deve ser feito, um Outro a quem o sujeito
que sofre obedece, e do qual se espera aprovação”. Em contraposição, o “analista recusa-se a ser o
mestre, recusa em utilizar os poderes da identificação” (Miller, 1997, p. 15). O sentido do trabalho
de Lacan de um retorno à Freud está calcado, exatamente, na identificação de distorções e
distanciamento de alguns pós-freudianos em relação à teoria fundadora. Com estas observações,
desejo demarcar a adequação desta pesquisa aos fundamentos freudianos e às contribuições
lacanianas a partir dos mesmos.
3
A dissertação foi defendida pela Unesp-Assis em 2001, com o título: Escuta analítica no
Hospital Geral: implicações com o desejo do analista. Na época trabalhava como psicóloga
clínica no Hospital Universitário Regional Norte do Paraná, em Londrina, função que
desempenhei durante nove anos.
11
universitária e o desejo de encaminhar uma formação acadêmica mais consistente,
voltada para a pesquisa e o ensino universitários.
Avalio que na última metade do meu percurso de trabalho clínico
até então, iniciado em 1992, fui sendo cada vez mais instigada pelas facetas
contemporâneas da subjetivação, pois a realidade constatada na escuta de nossos
analisandos não permite ficarmos alheios à singularidade humana de uma época.
Assim, acompanhar as produções teóricas psicanalíticas a respeito da
subjetividade contemporânea tornou-se um imperativo para a busca de
compreensão a respeito do que já se apresentava no trabalho cotidiano e se
diferenciava do considerado habitual. Com o passar dos anos, o acúmulo de
alguma experiência – em especial pela feliz oportunidade de somar à clínica
particular o trabalho também clínico desenvolvido em um hospital geral, bem
como, nos últimos sete anos, a experiência como professora e supervisora de uma
clínica-escola
4
– e o contínuo caminhar teórico foram esboçando um recorte de
trabalho dentro da extensiva temática da subjetividade contemporânea, no qual se
evidenciam, cada vez mais, sujeitos apáticos, muitas vezes, quase letárgicos.
Neste contexto, algumas formulações teóricas tornaram-se
valorosas para a fundamentação desta pesquisa. Por exemplo: a partir do modelo
freudiano para a neurastenia, que aponta para expressões clínicas apartadas ou
distanciadas do campo representacional, Pura Cancina (2004) descreve a fadiga
crônica como o mal do século, acometendo as pessoas de um estado depressivo
intenso e marcado pelo cansaço físico e mental. Por sua vez, Dany-Robert Dufour
(2005, p.10) considera haver atualmente um “esgotamento tanto do sujeito crítico
kantiano, quanto do sujeito neurótico freudiano”, indicando que a novidade desta
virada – por alguns, denominada de pós-moderna e, por outros, numa via diversa
de interpretação, de supermodernidade
5
– seria a “redução do espírito ou das
cabeças”. Este tipo de leitura, representativa do crivo lacaniano de interpretação
4
Ministrando disciplinas sobre a teoria e a técnica psicanalíticas e supervisionando estágios de
atendimento clínico de alunos de quarto e quinto anos do curso de Psicologia da Universidade
Filadélfia de Londrina.
5
A respeito destes diferentes posicionamentos sobre a Modernidade, Joel Birman (2006) identifica
duas propostas: a primeira, predominantemente americana, fala de pós-modernidade para se referir
à novos rumos de orientação oposta à Modernidade; a segunda, com maior difusão européia,
postula a continuidade da Modernidade com a radicalização de suas premissas. Esta questão será
retomada e expandida no primeiro capítulo desta tese.
12
das formas de subjetivação no contemporâneo, foi essencial no delineamento do
projeto desta pesquisa, colocando em cena um questionamento a respeito das
condições para a sublimação e criação nos tempos de hoje e impulsionando a
construção desta tese que aponta para a sublimação como sendo um conceito de
relevância clínica, em especial na atualidade, em virtude do crédito no advento do
sujeito no ato criativo sublimatório.
A despeito da existência de diferentes leituras e, mesmo,
discordâncias a respeito da subjetividade na contemporaneidade, é inegável quão
ruidosa ela tem se apresentado em nosso cotidiano, e muitas vezes,
paradoxalmente, sob o silencioso signo da apatia. De forma breve, é possível falar
dos alarmantes índices de violência distribuídos por todas as classes sócio-
econômicas, do isolamento social, da virtualidade das relações humanas e das
bizarras e quase epidêmicas formas de adoecimento, tais como: a depressão, a
hiperatividade, as adicções ou a síndrome do pânico. Sem qualquer preocupação
com o estabelecimento de um consenso teórico, não parece possível considerar a
subjetividade como desgarrada ou independente de um contexto sócio-histórico.
Assim, mesmo com diferentes interpretações e explicações para o processo de
transformações que esta etapa de pensamento intitulada Modernidade vem
sofrendo, vislumbra-se a relação deste processo às especificidades, hoje, da
subjetividade.
A guisa de introdução a respeito de tais mudanças, é possível
enunciar que novos parâmetros regulam a organização familiar. Cada vez mais
autônoma em relação ao laço social, e atravessada pelo lema dos direitos iguais, a
família sofre uma espécie de achatamento em suas relações e de dissipação da
autoridade parental. Masculino e feminino já não guardam as diferenças de
outrora, vivemos sob o imperativo de uma particular ética contemporânea
caracterizada por uma apologia do consumo em conjunto com efeitos nefastos do
enfraquecimento da lei na cultura, da suposta superação humana de todo e
qualquer limite e da anulação das diferenças.
Nesta direção, Dufour (2005, p.14) propõe a existência de um
“homem novo”, fruto do neoliberalismo, caracterizado essencialmente pela
tendência à dessimbolização decorrente do imperativo das trocas mercadológicas
13
e, em conseqüência, dos bens de consumo. Este “homem novo” é privado da
referência a valores transcendentes e, portanto, do predomínio de uma Lei
6
que
norteie os laços sociais, desvalido de sua faculdade de juízo e impulsionado ao
gozo todo
7
, apresentando novas modalidades de subjetivação, de adoecimento e
de convívio com os outros. Neste contexto, evoco o que denomino de valor
clínico da sublimação: estando situada na ordem de um gozo suplementar
8
, ela é
capaz de promover uma forma de satisfação independente da ordem sintomática e,
ao mesmo tempo, distante daquela de cunho totalitário e perverso.
Enfatizo que esta pesquisa buscou percorrer caminhos de
articulação entre sublimação, ato criativo e subjetividade, numa retomada do
conceito de sublimação e no vislumbre da afirmação de um sujeito em sua
inexorável condição de faltante. Assim, foi estabelecido um caminhar teórico que
culminou na organização do trabalho em quatro etapas, e, conseqüentemente, na
redação de quatro capítulos no presente texto. A observar que o último tema
aludido no título é o primeiro a ser tratado, pois o desenvolvimento deste
contempla elementos teóricos fundamentais para a pesquisa e para a construção
dos demais capítulos.
Desta forma, o capítulo inicial tem por objetivo fundamentar, com
o referencial psicanalítico freudo-lacaniano, as noções de sujeito e de
subjetividade
9
e suas especificidades na contemporaneidade. Para tanto, fez-se
6
A grafia da palavra iniciada com letra maiúscula é uma referência à lei simbólica da castração
que, ao instituir a inexistência da completude e a marca inexorável da falta no humano, permite a
este também ser introduzido no universo das leis simbólica de uma forma geral, incluindo aí as leis
da cultura.
7
A expressão, que ainda pode ser encontrada como gozo pleno, é também aqui utilizada em
referência ao conceito lacaniano de gozo do Outro que, por definição, é o equivalente ao gozo
mítico de completude materna. Momento ilusório, em que o Outro se apresenta como não-faltante,
uma vez que a criança é tomada como o objeto capaz de preencher a falta. Torna-se problemático
o crédito nesta possibilidade de gozo e a manutenção de sua busca, pois, para tanto, é necessário
renegar a castração e, logo, atuar uma modalidade perversa de funcionamento subjetivo. O leitor
encontra maiores comentários sobre o conceito de gozo e sua ordenação na teoria lacaniana no
Capítulo 2, na página 84 e seguintes.
8
Conforme observado na nota anterior, este conceito está aclarado e discutido nas páginas acima
indicadas. Neste momento, apenas assinalo que esta modalidade de gozo, também denominado de
gozo Outro, define uma forma de satisfação pulsional que independe do recalque e dos substitutos
fálicos. Entretanto, tal gozo só é possível após o ingresso no campo do gozo fálico: advindo com a
castração e o abandono do gozo do Outro, ele é suplementar exatamente em relação ao gozo fálico.
9
Como observa Roudinesco & Plon (1998), o termo sujeito foi empregado por Freud, mas ganhou
um estatuto conceitual com Lacan (entre 1950 e 1965) no âmbito de sua teoria do significante.
Lemos em Chemama (1995, p. 208) que “o sujeito, em psicanálise, é o sujeito do desejo, que S.
14
necessário percorrer os pressupostos freudianos e lacanianos a respeito do sujeito
e da subjetividade, passando por conceitos cruciais e indispensáveis como os de
inconsciente e pulsão. A noção de subjetividade para a psicanálise fundamenta-se
na divisão entre as ordens (diferentes) de funcionamento da consciência e do
inconsciente, com a preponderância da sintaxe inconsciente. O sujeito da
psicanálise é denominado de sujeito do desejo, estabelecido por Freud através da
noção de inconsciente e, portanto, distinto do ser biológico e do sujeito da
consciência filosófica. A constituição deste sujeito se dá por sua inserção na
ordem simbólica que o antecede, a saber, a linguagem e a trama das relações
familiares. Tomado pelo desejo de um Outro
10
, inicialmente representado pela
mãe, atravessado pela linguagem e mediado por um terceiro – a instância paterna
–, o sujeito neurótico freudiano, sujeito do desejo, é marcado pela falta e por ela
movido em sua existência.
Ainda no mesmo capítulo, a partir das contribuições de autores
contemporâneos e na direção do esboçado aqui nos parágrafos anteriores,
desenhou-se um perfil das especificidades do sujeito da psicanálise hoje, em suas
particulares formas de subjetivação, expressão e adoecimento, embasando a
discussão e análise das condições, efeitos e desdobramentos da sublimação e do
ato criativo para este mesmo sujeito no contemporâneo. É possível identificar um
abalo, introduzido pela atualidade, na noção de sujeito de desejo proposta pela
psicanálise. Apatia, alienação e angústia são marcas comuns deste sujeito onde a
falta não se instala de maneira efetiva e, portanto, o desejo está ameaçado em suas
possibilidades. Estando o sujeito imerso num discurso da apologia de uma suposta
Freud descobriu no inconsciente”, indicando ser este sujeito efeito da linguagem e distinto do
indivíduo biológico e do sujeito da compreensão. Garcia-Roza (2001, p. 277) considera que as
noções de sujeito e de subjetividade na psicanálise devem ser pensadas em referência ao conceito
de Édipo e de inconsciente, indicando ser apenas “a partir do lugar do Outro, da ordem simbólica
inconsciente que se pode falar em sujeito e em subjetividade segundo Freud”. Sujeito e
subjetividade na teoria psicanalítica estão necessariamente marcados por uma clivagem em duas
ordens de funcionamento, diferentemente da subjetividade cartesiana ou psicológica, que é
unificada e identificada com a consciência (Garcia-Roza, 2001). Vallejo & Magalhães (1991, p.
153) avaliam que Freud realizou uma transformação das noções de sujeito e subjetividade
vigentes anteriormente à sua teorização sobre o inconsciente, esta transformação “consiste em
postular a subordinação de um sujeito a uma estrutura que o determina e, por outro lado, marcar o
sujeito como fendido”.
10
O termo Outro é utilizado por Lacan “para designar um lugar simbólico – o significante, a lei, a
linguagem, o inconsciente, ou ainda, Deus – que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele,
ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 558).
15
felicidade plena proporcionada pelo saber científico, saber que pretende superar
todo e qualquer limite e suprir toda e qualquer falta, o declínio da lei da castração
se torna evidente e produtor de condutas e atuações delirantes e transgressoras. Se
por um lado, o panorama atual de um sujeito apático e pouco marcado pela lei da
falta sugere entraves para a sublimação e o ato criativo, por outro, como propõe
esta tese, é possível pensar o destino pulsional sublimatório como aquele que
permite a emergência do sujeito através do ato criativo. Um destino através do
qual a passividade sintomática é suplantada pela atividade sublimatória, em que o
sujeito pode dispor do vazio, reconhecer e contemplar esse vazio atrelado ao
Real
11
, num ato de subjetivação.
O segundo capítulo é dedicado à delimitação do conceito de
sublimação em Freud e Lacan. Sem o objetivo de levar à exaustão tal delimitação,
o que consistiria uma outra pesquisa
12
, percorri e destaquei da sublimação em
Freud e em Lacan o essencial para o desenvolvimento da tese em questão.
Teorização inacabada em Freud, a sublimação ganhou modificações e avanços na
pena de Lacan, abrindo espaço para questionamentos e formulações de outros
autores contemporâneos. Elaborado em 1905 sob a égide da teorização inicial
sobre a sexualidade, num primeiro momento o conceito de sublimação se
confunde com o de recalque, em virtude de sua associação a uma espécie de
recusa ao sexual. Considerada por Freud (2007 [1910], p.74) um caminho “mais
perfeito e raro” da derivação da pulsão para fins não sexuais, a sublimação é
posteriormente distinguida do recalque e formulada como uma possibilidade de a
pulsão escapar ao recalque, viabilizando a satisfação pulsional de forma não
sintomática. Por isso, Freud lhe atribui uma aura de superioridade.
Em termos metapsicológicos, a sublimação é caracterizada como
um possível destino para a pulsão sexual, e estabelecida como um processo que
diz respeito à libido objetal, na medida em que está em cena o redirecionamento
11
O termo é utilizado por Lacan para “designar uma realidade fenomênica que é imanente à
representação e impossível de simbolizar. Designa a realidade própria da psicose (delírio,
alucinação), na medida em que é composto dos significantes forcluídos (rejeitados) do simbólico”
(Roudinesco e Plon, 1998).
12
Por sinal, já desenvolvida por outros autores, como por exemplo: André Gellis (2000), com a
tese A sublimação depois de Freud, tese defendida na USP, 274p. e Sissi Vigil Castiel (2007),
com o livro Sublimação: clínica e metapsicologia, São Paulo: Editora Escuta, 143p.
16
da mesma para finalidade e objeto não sexuais. Freud (2007 [1914]) também
aclara não ser este re-direcionamento possível senão através da mediação do eu e
sob os auspícios do ideal do eu e do mecanismo da identificação secundária
13
;
após a identificação do eu ao objeto, num retorno narcísico da libido ao eu, é
possível a efetivação da sublimação através do investimento libidinal em objetos
socialmente valorizados. Com esta caracterização, a sublimação, em Freud,
adquire importância nos âmbitos individual e social – afinal, ela é postulada como
uma via de satisfação que se contrapõe ao adoecimento neurótico e como
colaboradora do desenvolvimento cultural. Tal importância acena para uma
articulação entre a sublimação e a clínica psicanalítica, na medida em que ambas
indicam a possibilidade de satisfação pulsional por vias que não as das formações
sintomáticas. Entretanto, Freud (2007 [1930]) assinala quão rara é a possibilidade
de o mecanismo sublimatório se efetivar, e observa que não se trata de levar o
paciente à sublimação pela via do tratamento, afirmando ser necessário haver um
quantum de satisfação diretamente associado à sexualidade.
A abordagem lacaniana da sublimação mantém os pressupostos
básicos de Freud, mas apresenta algumas características novas. Tal como Freud,
Lacan situa este mecanismo como uma particular forma de satisfação pulsional,
prescindindo do recalque e desviada de seu alvo e objeto sexuais; entretanto,
enfatiza o desvio em relação ao alvo, reafirmando o caráter de plasticidade do
objeto pulsional e sublinhando a presença do sexual, do erótico na sublimação.
Situada na ordem de um gozo suplementar, a sublimação transcende o gozo fálico
e possibilita o desprendimento do sujeito do lugar de falo para o Outro. Um
elemento também inovador na teoria lacaniana da sublimação é a preocupação de
demarcar a sublimação em sua íntima articulação com o campo pulsional e, ainda
mais, no centro da economia libidinal, remetendo o processo sublimatório a das
Ding, a Coisa freudiana.
13
Os conceitos de ideal do eu (assim como a diferença deste para o conceito de eu ideal) e
identificação secundária estão explicitados e desenvolvidos no referido capítulo 2, às p. 68 e
seguintes. A noção de eu ideal foi introduzida por Freud em Introdução ao narcisismo de 1914 e
designa o eu real que teria sido objeto das primeiras satisfações narcísicas, é a imagem do eu
dotado de todas as perfeições (Chemama, 1995). Este mesmo artigo freudiano apresenta o conceito
de ideal do eu, que se organiza pela tentativa de recuperação do narcisismo perdido da infância (eu
ideal). O conceito de identificação secundária está referido ao final do Édipo e à identificação do
eu ao objeto sexual, em substituição ao investimento libidinal do eu no mesmo objeto.
17
Atrelada aos primórdios da organização psíquica, das Ding é, para
Freud, o objeto perdido, embora nunca realmente possuído salvo miticamente, e
que deve ser reencontrado. Das Ding equivale a um centro, ou melhor, um furo,
em torno do qual gravitam as representações de coisa. A questão do vazio torna-
se central na concepção lacaniana do processo sublimatório, sendo explicitada e
sintetizada na seguinte formulação apresentada por Lacan: “a sublimação eleva
um objeto à dignidade da Coisa” (Lacan [1957-60], 1997, p. 140). Com o vínculo
ao vazio da Coisa, Lacan situa a sublimação como anterior a todo recalque e
independente dos ditames do eu e da vontade, primando por demonstrar a não
assimilação deste conceito a ideais adaptativos e normativos, ou ao desejável
socialmente. Ao mesmo tempo, a articulação da sublimação à pulsão, sua
localização nos primórdios da organização e estruturação do psiquismo e, enfim,
sua ligação com a Coisa, marcada pelo que está de fora do campo
representacional, vinculam-na ao Real e à repetição. Situada, por Lacan, no
âmbito da ética psicanalítica, da responsabilidade do analista e, portanto, no eixo
da clínica psicanalítica, a sublimação apresenta uma proximidade com o
tratamento psicanalítico. O fim de análise em Lacan aponta para o abandono do
imaginário de totalidade e o reconhecimento do Real; por sua vez, a sublimação é
de uma ordem que contempla o Real, viabilizando o seu reconhecimento com o
suporte do imaginário.
Na seqüência, o terceiro capítulo é efeito de um desdobramento do
conceito de sublimação e também um recorte sobre o tema da criação: aborda o
ato criativo num desenho do seu contorno em Freud e em Lacan, sempre traçando
suas amarras com o processo sublimatório. Para Freud a criação se dá pela
sublimação enquanto um processo intermediado pelo eu no investimento libidinal,
sob a égide do ideal do eu e da conformação fantasmática, possibilitando ao
sujeito uma via, alternativa à sintomática, de satisfação pulsional. Escapando ao
recalque, à Lei e à mediação simbólica, ainda assim, na teoria freudiana, o ato
criativo comporta o desejo inconsciente, na medida em que nele se vislumbra a
organização fantasmática do sujeito; a obra, fruto do ato criativo, estampa algo
deste campo do desejo inconsciente do autor e convoca o público também a partir
de seu desejo inconsciente.
18
Para Lacan, numa subversão da proposição freudiana da
intermediação do eu no processo criativo, a criação se dá a partir do vazio, na
medida em que a sublimação é definida em íntima relação com das Ding, a Coisa.
Sublimação e criação não são comandadas pelo eu, não podem ser submetidas à
vontade e se aproximam do funcionamento pulsional. Sendo a sublimação uma
via de satisfação que prescinde do recalque, a passividade sintomática é
suplantada pela atividade do movimento pulsional que pode ganhar forma no ato
criativo, momento no qual o sujeito se presentifica como autor no ato de produção
de sua obra. Mais uma vez, sublimação e criação não estão subjugadas ao
aceitável ou ao socialmente adaptável, e sim amarradas ao sujeito naquilo que ele
tem de mais íntimo e, ao mesmo tempo, inapreensível. O ato criativo pode ser
traduzido como a possibilidade de o sujeito dispor do vazio, vazio que é condição
fundamental de constituição deste sujeito. Este capítulo termina com a abertura da
discussão, mais apropriadamente desenvolvida no capítulo final, sobre as nuances
das possibilidades sublimatórias e criativas na contemporaneidade, assim como a
indicação da necessidade de aprofundamento e clareza sobre os possíveis efeitos
da sublimação/criação sobre a subjetividade hoje.
Finalmente, o quarto e último capítulo discute a relevância da
temática sublimação/criação em relação às particularidades sofridas pelo sujeito
da psicanálise na contemporaneidade e a importância clínica do conceito de
sublimação. Esta última já fora sinalizada em Freud, assumindo em Lacan
definidas e maiores proporções atreladas à noção de fim de análise. Entretanto, o
mecanismo sublimatório não é uma panacéia para salvar o sujeito do
adoecimento, mas sim uma via de expressão e satisfação com a qual o sujeito,
eventualmente, pode contar. É sobre este caráter de eventualidade que a discussão
deste capítulo é desenvolvida, ressaltando que em tempos de predomínio de apatia
e depressão, de redução de cabeças, de solidão e carência do simbólico, não
parece em nada descartável o resgate de um conceito como o de sublimação.
Afinal, a essência deste conceito está atrelada à possibilidade de dar forma ao
pulsional via criação, uma particular forma que se diferencia das saídas via
passagem ao ato, delírio ou sintoma, produtora, ao menos em alguma medida, de
19
um caminho de afirmação do sujeito e de laço social ao invés de desvanecimento
e ruptura.
Restam duas breves, mas imprescindíveis, observações a fazer
neste preâmbulo. A primeira diz respeito à escolha em ter como edição de
referência dos textos freudianos a coleção argentina da Amorrortu editores das
Obras Completas de Sigmund Freud (EA, 2007) e não a nossa Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (ESB, 1997). Os
problemas e distorções da tradução inglesa, que se refletiram na tradução
brasileira da ESB, já foram exaustivamente assinalados e são do conhecimento de
todos aqueles que transitam pelo campo psicanalítico. É verdade que algumas
correções informais desta tradução já estão consagradas; por exemplo, é sabido
que em lugar de instinto deve-se ler pulsão, termo de melhor correspondência ao
Trieb do alemão. Também não faltam renomados comentadores para passagens
importantes e de traduções conflituosas como é o caso da formulação freudiana
encontrada na conferência XXXI, “Wo es war, sool ich werden, Ali onde se
estava, ali como sujeito devo vir a ser” (Garcia-Roza, 2001, p.209) e que na ESB
aparece como “Onde o id estava, deve o ego advir”.
Mesmo assim, essa questão da tradução permanece um impasse,
tanto é que temos em andamento, já com a publicação de alguns volumes, uma
tradução brasileira para a obra freudiana diretamente do original em alemão. Por
outro lado, a tradução argentina feita por José Luis Etcheverry pela Amorrortu,
realizada a partir do texto de Freud em alemão, é tida em alta conta no meio
psicanalítico em virtude de seu cuidado com a fidelidade ao original, exatamente
na busca por combater as distorções produzidas pela edição inglesa e seguidas
pela edição espanhola. Desta forma, para me servir do valor desta tradução, sendo
fiel à mesma, as citações de Freud estão em espanhol, fato que talvez gere ao
leitor algum desconforto, mas certamente em nada comparável àquele produzido
pelos equívocos presentes na ESB. Caso haja necessidade, ou interesse, em
consultar ou comparar o texto em espanhol com o em português, indiquei nas
citações as referências da EA (2007) e da ESB (1997), – nas referências no final
da tese, portanto, constam as duas edições. Todavia, havendo chamadas para os
artigos freudianos no corpo do texto, indicando-os como fonte para os
20
comentários e argumentações que se seguem, traduzi os títulos do espanhol para o
português, por julgar assim produzir um efeito mais aprazível e maior agilidade na
leitura.
A segunda e última observação é sobre a exigência de algum grau
de originalidade na produção de uma tese de doutoramento. Peculiar exigência no
contexto de uma pesquisa que tem em seu cerne o tema da criação e aborda, em
alguma medida, a questão da originalidade. Esta tese trabalha o conceito de novo
ou original como fruto do ato criativo e das possibilidades sublimatórias de um
sujeito, adquirindo, assim, um caráter de singularidade. Isto posto, evidencio esta
questão da originalidade de uma tese e desenvolvo uma pequena argumentação
sobre a mesma com o intuito de delimitá-la nesta pesquisa, buscando demarcar o
que considero como original nesta tese.
Uma tese é “uma proposição para debate a ser defendida em
público” (Ferreira, 2004, p. 774). Como é possível identificar, a definição no
léxico não faz nenhuma alusão ao quesito originalidade, entretanto, este está
explicitado no manual do aluno de doutorado do Programa de pós-graduação da
UFSC. Parto, então, da seguinte premissa: uma pesquisa de doutorado é o
caminho na direção da construção, sustentação, afirmação e defesa pública de uma
tese que comporte originalidade. Resta definir qual é a idéia de originalidade
aplicável e pertinente à produção de uma tese.
Recorrendo novamente ao Aurélio (Ferreira, 2004, p.597),
dicionário de língua portuguesa, encontro as seguintes definições para o adjetivo
original: “1.relativo a origem; 2.que provém da origem; inicial, originário; 3.que
não ocorreu nem existiu antes, inédito; 4.feito pela primeira vez, ou que tem
caráter próprio, que não imita nem segue nada, ninguém; novo”. Entendo ser
inviável caracterizar um trabalho acadêmico ou a produção de conhecimento de
forma geral com todos os itens atribuídos ao original nas duas últimas definições;
afinal, o conhecimento se constrói sempre a partir do já existente, ainda que seja
para questioná-lo ou, em parte, modificá-lo. Necessariamente, a pesquisa
científica assume uma fundamentação e orientação teóricas e, assim, segue alguns
autores e suas produções; e, com os dois primeiros sentidos encontrados no
dicionário, é possível articular o trabalho de pesquisa, em relação à sua
21
originalidade, ao conhecimento anterior que lhe de base e em referência ao qual
algo possa se desenvolver. Entretanto, considero a expressão “que tem caráter
próprio”, presente na quarta definição, bastante adequada a esta questão de
originalidade em uma pesquisa, pois toda produção certamente possui caráter
próprio, particular, em virtude do crivo de leitura e dos caminhos definidos e
percorridos pelo autor.
Eco (2005, p.2) afirma que uma tese de doutorado “constitui um
trabalho original de pesquisa” que promova avanços na disciplina a que pertença,
resultando em alguma descoberta. Esta argumentação prossegue com uma
observação que recobre especialmente o campo das humanidades, indicando que a
idéia de descoberta não está associada a invenções revolucionárias, mas a
produções que considera bem mais “modestas” – como uma nova maneira de ler
um texto ou a maturação e organização de idéias que se encontravam dispersas em
um campo de saber.
Concluo, a partir das formulações tecidas acima, que uma tese deve
produzir algo de novo sobre o assunto que pesquisa, estando esse novo atrelado a
um conhecimento anterior e ao que é da ordem de “um caráter próprio” do autor
(o recorte e a leitura que este faz do tema e os caminhos que percorre para
desenvolvê-lo). Este é o sentido de originalidade proposto e presente nesta
pesquisa, sentido em acordo com a maneira com a qual o tema do ato criativo é
abordado ao longo da tese. O original se desenha pelo olhar do autor, é fruto do
ato criativo e das possibilidades sublimatórias de um sujeito, não se refere ao
inédito, mas sim ao singular por permitir ao sujeito dispor do vazio, sustentando-
o; vazio que é, sublinho, marca essencial do estatuto ético do sujeito do desejo,
marca do seu mais íntimo e, ao mesmo tempo, mais inapreensível.
Com este posicionamento, reafirmo o crédito não na exclusão da
subjetividade do pesquisador em seu trabalho; ao contrário, proponho que ela está
presente na produção daquilo que possa haver de original numa tese. Para
concluir, quero dizer que antes de um ponto final, no sentido do término e do
acabamento, considero que uma tese possa ser definida como mais uma produção
ao longo deste infindável percurso de construção do conhecimento; busca
interminável em torno de um vazio, tal qual ocorre nos liames da sublimação.
22
Sobre o método
“... é preciso, então, em dado momento, voltar-se contra o Método,
ou pelo menos tratá-lo sem privilégio fundador, como uma
das vozes no plural: como uma vista, em suma, um espetáculo
encaixado no texto; o texto, que é, afinal de contas, o único
resultado “verdadeiro” de qualquer pesquisa.”
Barthes, [1984], 2004, p. 397.
Embora alguns aspectos sobre o método já tenham sido indicados e
abordados de forma fragmentária no item anterior e possam ser apreendidos
através da leitura da tese – pois o método se presentifica nos textos referenciados,
na forma de leitura e recorte dos mesmos, nas articulações e construções
desenvolvidas... – proponho, neste tópico, a fundamentação e explicitação do
processo metodológico que atravessou todo o percurso de pesquisa e construção
da tese. Acredito que esta formalização do método, além de responder a uma
exigência acadêmica, permite ao leitor maior clareza sobre os caminhos trilhados
e contribui para o processo metodológico de outras pesquisas, ainda que pelo
questionamento do método aqui exposto e desenvolvido.
1. Pesquisa teórica em psicanálise: o método da releitura.
Esta foi uma pesquisa de caráter teórico e, evidentemente,
qualitativo, na qual o problema de pesquisa e a tese construída e afirmada foram
delimitados e analisados pelo referencial psicanalítico freudo-lacaniano. Se a
expressão psicanálise freudiana já foi apontada como redundante (v. p. 10), o
termo composto psicanálise freudo-lacaniana sofreria, então, de dupla
redundância: afinal, se não há outra psicanálise que não a freudiana, tampouco
existe Lacan sem Freud. Entretanto, se opto mais uma vez pela manutenção da
suposta redundância é por considerar a ausência de consenso absoluto sobre tais
23
afirmativas, pois, nem todos entendem não haver psicanálise ou Lacan sem Freud.
Assim, em vez de sugerir a existência de mais de uma psicanálise, a expressão em
causa torna-se aqui esclarecedora de um posicionamento e de uma filiação teórica:
a pesquisa se desenvolveu orientada pelos ensinamentos freudianos e pela
interpretação e produção lacanianas a partir destes mesmos ensinamentos.
A pesquisa teórica é proposta por Garcia-Roza (1994) como uma
das possibilidades mais promissoras e eficazes de se desenvolver uma pesquisa
em psicanálise no âmbito universitário. Esta afirmativa está fundamentada no fato
de a pesquisa teórica se debruçar sobre os textos e não realizar uma mera
transposição do trabalho dos consultórios particulares para o campus universitário.
No contexto desta proposta de pesquisa teórica em psicanálise, a releitura seria o
processo fundamental, talvez se possa dizer o método, pelo qual este tipo de
trabalho deva se desenvolver.
A releitura apresenta a característica essencial de não temer o
novo, elemento suficiente para distingui-la do puro comentário de um texto. Em
vez de “um redobramento especular do texto, [...] produzir a partir dele um outro
discurso, [...] a releitura se propõe não como reveladora, mas como
transformadora” (Garcia-Roza,1994, p.16). A proposta da releitura prima por um
percurso onde a singularidade do conceito tratado seja preservada, através da
busca das questões fundamentais que norteiam os textos sobre os quais se
pesquisa, sem desconsiderar a história e o campo conceitual do tema de pesquisa.
Ressalto haver uma aproximação importante entre o processo de releitura de um
texto e a atitude do analista de “não impor ao texto as nossas próprias questões,
mas tentar identificar as questões colocadas pelo texto” (Garcia-Roza, 1994,
p.18). Evidentemente, há nesta aproximação uma referência ao método clínico
psicanalítico, considerado por excelência o método de pesquisa em psicanálise.
O trabalho de Freud se caracterizou como uma terapia e um método
de investigação e, portanto, “temos na origem e na história do desenvolvimento
psicanalítico o modelo de pesquisa em psicanálise: o diálogo permanente entre a
teoria e a clínica” (Safra,1993, p. 120). Este diálogo entre teoria e prática
circunscreve a investigação em psicanálise, ao contrário do que ocorre nas
24
ciências empírico-formais, como sendo a busca em “[...] interpretar a polissemia
das situações observadas” (Rezende,1993, p. 105).
Podemos ler em Chemama (1995, p. 166), no verbete psicanalítica
(técnica), a seguinte definição: “Método original, criado por S. Freud, para
facilitar a verbalização daquilo que é inacessível para o sujeito, uma vez que
recalcado”. A livre associação e a atenção flutuante são indicadas neste verbete
como os aspectos fundamentais do referido método, circunscrevendo uma espécie
de regra fundamental ao trabalho do analisante e do psicanalista respectivamente.
O conceito de atenção flutuante refere-se à recomendação de Freud de que o
psicanalista “permaneça com a maior receptividade, abertura e disponibilidade
possíveis em relação ao que o paciente possa dizer” (Chemama, 1995, p. 167).
Apontada a articulação entre a releitura e o método clínico
psicanalítico e relembradas as características deste último, é possível identificar o
método da releitura como mantenedor dos aspectos fundamentais do método
clínico psicanalítico: uma espécie de atenção flutuante na leitura dos textos, uma
atenção à textualidade e não ao sentido, um caráter não impositivo das idéias do
pesquisador e acima de tudo a abertura ao novo e a inexistência de um “já sabido”
a alcançar. Além do mais, e em acordo com o que se espera da construção de uma
tese, a proposta da releitura é a de um trabalho de transformação, de produção e,
portanto, implica o novo, a criação, tal qual ocorre no método clínico psicanalítico
de investigação e tratamento.
Aclarada a maneira através da qual os textos foram abordados e
trabalhados ao longo da pesquisa, trato agora de indicar como se deu a seleção
destes mesmos textos. Dado o referencial teórico norteador desta tese, os textos
fundamentais deste percurso foram aqueles pertencentes à obra de Freud e de
Lacan. Assim, no que diz respeito ao eixo central da tese – a sublimação e o ato
criativo – o método da releitura foi aplicado aos principais escritos freudianos e
lacanianos que contemplam esta temática. A identificação destes textos foi feita
com o auxílio de obras de referência da teoria psicanalítica
1
e a partir de trabalhos
1
Dicionário de psicanálise (Roudinesco e Plon, 1998); Vocabulário de Psicanálise (Laplanche e
Pontalis, 2001); Dicionário de psicanálise (Chemama, 1995); Dicionário enciclopédico de
25
já publicados
2
que abordaram tema semelhante também sobre os textos de Freud e
Lacan. Observo que a seleção dos textos não se deu absolutamente num a priori,
ou seja, não houve uma total determinação dos mesmos no momento da confecção
do projeto de pesquisa. Tal seleção, como todo o percurso da pesquisa, pode ser
caracterizada como um processo: a própria leitura de um texto nos leva a novas
referências, através de explícitas ou implícitas remissões às mesmas; ou os
desdobramentos e as construções a partir daquela leitura impõem a busca de
novos textos na direção da tese proposta a afirmar.
Também foram eleitas as publicações, que envolvem aspectos e
conceitos trabalhados nesta pesquisa, de dois teóricos e comentadores de
reconhecido valor no campo psicanalítico freudo-lacaniano: Luís Alfredo Garcia-
Roza e Roberto Harari. Tal escolha foi feita em virtude do rigor teórico e
conceitual destes dois autores que produziram várias obras de releitura dos textos
de Freud e Lacan, o que, em muito, auxiliou na releitura pretendida por esta
pesquisa. Ainda foram realizados freqüentes levantamentos bibliográficos junto
ao site da Capes e Google Schoolar, o que resultou em muitas leituras de teses e
periódicos, dos quais foram selecionados aqueles que realmente abordavam
aspectos enriquecedores para esta pesquisa.
Desejo ressaltar o caráter dinâmico, contínuo e singular do
processo de pesquisa: a cada nova leitura existiu a possibilidade de avanços nas
argumentações e construções realizadas ou de redirecionamento do
encaminhamento iniciado. Considero impossível descrever para o leitor cada um
destes momentos, que foram muitos nestes quatro anos de trabalho, mas gostaria
de registrar que neste processo da interação de duas posições fundamentais de um
pesquisador, a de leitor e a de autor, reside, em minha opinião, o verdadeiro
método de pesquisa. Esta interação não é apenas pontual, vale dizer, não se refere
apenas às leituras e ao texto produzido durante a pesquisa, mas está também
psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Kaufmann, 1996); Lacan e a filosofia (Juranville, 1987) e
Lacan: a trajetória de seu ensino (Marini, 1990).
2
A Paixão do negativo: Lacan e a dialética (Saflate, 2006); Freud e a Sublimação: arte, ciência,
amor e política (França Neto, 2007); Sublimação: clínica e metapsicologia (Castiel, 2007); A
sublimação depois de Freud (Gellis, 2000: tese de doutorado defendida na USP); Pulsão e
inconsciente: a sublimação e o advento do sujeito (Wine, 1992)
26
articulada ao percurso de formação e de trabalho e à subjetividade do pesquisador.
Assim, num contínuo labor de leitura, reflexão e escrita, as idéias são construídas,
revistas e reconstruídas até o momento, sempre provisório, de encerramento da
pesquisa.
27
Capítulo 1
O sujeito em questão
O leitor atento estará de acordo com a presença de uma duplicidade
de sentido no título deste capítulo inicial. Por um lado, é possível a interpretação
de se tratar de saber qual é a noção de sujeito sobre e com a qual se trabalha nesta
pesquisa ou, em outros termos, qual é o sujeito em pauta. Por outro, é viável o
entendimento de um questionamento relativo à mesma noção de sujeito, numa
alusão à admissão da existência de um abalo ou de uma rachadura no estatuto
deste sujeito na contemporaneidade. A intenção desta proposital ambigüidade é
exatamente indicar, através dos dois vieses sugeridos pelo título e agora
explicitados, os objetivos deste capítulo: conceituar sujeito e subjetividade
segundo a leitura psicanalítica e discutir, sempre com o mesmo enfoque teórico,
as especificidades e particularidade presentes nas formas de subjetivação e seus
efeitos sobre a existência humana, o adoecimento e o convívio social na
atualidade.
No contexto desta pesquisa, a meta do presente capítulo é
necessária para traçar os visados enlaces entre sublimação, ato criativo e
subjetividade, em especial nos tempos atuais. Num trabalho de tese que pretende
afirmar a presença do sujeito no advento do ato criativo pela via da sublimação e
discutir a relevância, as possibilidades e os efeitos da sublimação sobre o sujeito
no contemporâneo, é imprescindível a delimitação dos conceitos de sujeito e
subjetividade conforme a fundamentação teórica psicanalítica, assim como a
discussão sobre suas particularidades nos dias de hoje. Além do mais, e a leitura
do texto comprovará esta afirmação, não há como situar o conceito de sublimação
e também a noção de ato criativo sem levar em conta os pilares da concepção de
sujeito para a psicanálise.
Uma vez definidos os objetivos e justificativas deste capítulo
inicial – sem deixar de enfatizar que o tema, extenso e denso, será tratado na
28
medida e proporção do alcance destes objetivos –, o leitor poderá acompanhar nas
páginas seguintes o desenvolvimento das duas vertentes acima explicitadas sobre
o sujeito em questão.
29
1.1. Sujeito e subjetividade na psicanálise.
As noções de sujeito e de subjetividade constituem a própria
essência do que se denomina campo psicanalítico composto por duas regiões que
não admitem um desmembramento absoluto, a saber: o aparelho psíquico e o
campo pulsional. (Garcia-Roza, 2001). A primeira das duas regiões, o psiquismo,
formada pelos sistemas pré-consciente/consciência e inconsciente é, de hábito,
compreendida como a própria subjetividade. Entretanto, como assinalado acima,
não há como segmentar completamente uma região da outra e quando falamos do
aparelho psíquico, logo há a referência aos representantes pulsionais que
constituem este aparelho em sua articulação ao registro do simbólico
1
e, portanto,
à linguagem. Assim, a segunda região, o campo das pulsões, está também
implicada na constituição da primeira, o aparelho psíquico.
Se as concepções de sujeito e de subjetividade estão diretamente
associadas ao psiquismo e às pulsões, então, as definições de inconsciente e
pulsão são indispensáveis para o bom entendimento das enunciadas concepções e,
logo, serão abordadas neste item. Enfatizo ser este posicionamento orientado por
uma leitura da psicanálise freudiana (v. p. 10), acrescida da interpretação e dos
avanços lacanianos, ou seja, o que se convencionou denominar de referencial
freudo-lacaniano.
É pertinente lembrar que o surgimento da psicanálise se dá no seio
da modernidade, momento em que o discurso da ciência substitui o discurso
teológico e a noção de subjetividade passa a ser dominada pela razão e, portanto,
conduzida pela consciência. O autocentramento do sujeito no eu e na consciência
é o marco cartesiano, com a célebre formulação penso, logo sou, que atribui ao eu
o seu reinado, subjugando o conceito de inconsciente, reduzido a uma espécie de
1
Segundo Roudinesco e Plon (1998, p.714), o termo é usado por Lacan “para designar um sistema
de representação baseado na linguagem, isto é, em signos e significações que determinam o sujeito
a sua revelia.” Os autores também indicam que o conceito de simbólico tornou-se inseparável dos
conceitos de imaginário – lugar do eu e de seus fenômenos de ilusão, captação e engodo (v. p.371)
– e de real – associado ao conceito freudiano de realidade psíquica, designa uma realidade
desejante inacessível ao pensamento subjetivo e à simbolização (v. p.645). Os três constituem,
assim, uma tópica.
30
consciência desconhecida. A filosofia ocidental define o sujeito como sendo “o
sujeito do conhecimento, do direito ou da consciência”, e que desde “René
Descartes (1596-1650) e Immanuel Kant (1724-1804) até Edmund Husserl (1859-
1938), o sujeito é definido como o próprio homem enquanto fundamento de seus
próprios pensamentos e atos” (Roudinesco e Plon, 1998, p.742). Este tipo de
posicionamento é indicativo de que “a individualidade é a categoria fundamental
que define o ideário da modernidade” (Birman, 2006, p.39); o indivíduo, num
encaminhamento claramente narcísico e liberal
2
, delimita, a partir do eu, o seu
espaço na relação com o outro. Tais aspectos caracterizavam uma subjetividade
unificada e governada pela consciência, e reduziam o conceito de inconsciente a
um estado de caráter temporário e adjetivado, uma espécie de adendo
desconhecido da consciência.
Neste contexto, irrompem as figuras de Marx, Nietzsche e Freud,
pensadores introdutores de uma série de quebras de ideais e de mitos a respeito
dos valores, da ciência e do sujeito produzidos pela modernidade. A este respeito,
Birman (2006) afirma que estes pensadores promoveram uma ruptura com o eixo
central da modernidade
3
e desencadearam questionamentos a respeito do reinado
do eu e da razão. Com este prisma de análise, o autor assinala que, com Marx, o
decentramento do eu se deu em relação à economia e à política, num
reconhecimento das forças produtivas como ordenadoras da sociedade; com
Nietzsche, se aclararam as relações de forças e de poder como centrais e
reguladoras do humano, também derrubando a primazia do eu e da consciência; e,
por sua vez, Freud realizou o abalo do estatuto de soberania do eu, da consciência
e da razão com uma nova concepção sobre o inconsciente. Com esta concepção
freudiana, na qual o inconsciente passa da condição de apêndice da consciência à
estrutura particular e determinante da subjetividade, o sujeito se torna cindido em
2
“Foi o liberalismo que se impôs como a doutrina por excelência dos tempos da modernidade,
definindo em termos concretos os ganhos e as perdas das individualidades nas relações com os
outros, nas simpatias e antipatias, na paz e na guerra. Enfim, o universo dos sentimentos centrados
no eu, ao demarcar as fronteiras e os territórios entre o indivíduo e os outros, se desdobra em
lucros, direitos e poder no espaço social.” (Birman, 2006, p.41)
3
O autor adota a expressão modernismo para caracterizar estas mudanças estruturais na
modernidade que começaram a abalar a soberania do eu, da razão e da consciência.
31
duas formas de funcionamento, o inconsciente e a consciência, e subjugado à
primazia do inconsciente.
Assim, um ponto fundamental e inaugural da teoria freudiana é a
noção de clivagem da subjetividade, através da formulação do inconsciente
enquanto um sistema psíquico regido por leis próprias, instaurando um
afastamento e um decentramento de outro sistema, a consciência. Essa divisão em
instâncias psíquicas diferenciadas e antagônicas, indicativa de uma subjetividade
essencialmente clivada, refere-se a uma cisão de regimes, de dois modos
diferentes de funcionamento do psiquismo (Garcia-Roza, 2001). Esta é a proposta
de Freud sobre o inconsciente: caracterizá-lo como uma instância psíquica
marcada por uma particular maneira de operar, regulado por leis diferentes
daquelas ordenadoras da consciência.
Como indicado acima, além de ser caracterizado como um sistema
com lógica própria e, via de regra, adversa à da consciência, o inconsciente em
Freud é o que genuinamente constitui a subjetividade, e não apenas um
indesejável detalhe da mesma. Neste caso, o decentramento do eu e da
consciência e a quebra da apregoada unidade da subjetividade promovem um
novo ordenamento: subjetividade cindida e primordialmente regida pelo
inconsciente. É na Interpretação dos Sonhos, particularmente em seu sétimo
capítulo, que Freud (2007, [1900]) apresenta claramente esta concepção do
aparelho psíquico enquanto dividido em instâncias, pré-consciente/consciente e
inconsciente, e elabora a sintaxe própria do inconsciente
4
.
Destaco que a concepção de um modo de operar característico do
inconsciente leva à idéia de uma inexistência de arbitrariedade nos
acontecimentos psíquicos, pois estes são determinados pela lógica do
inconsciente. Isto implica dizer que o inconsciente não é o caos, o mistério, o
ilógico, e que as formações do inconsciente – sonhos, chistes, lapsos, atos falhos,
apontados na teoria freudiana como formas metafóricas de manifestação do
4
Refiro-me ao processo primário, mecanismo característico do funcionamento do inconsciente, em
contraposição ao processo secundário, que define o funcionamento do pré-consciente e da
consciência. No processo primário a energia escoa livremente de uma representação para a outra,
segundo os mecanismos de condensação – uma única representação contempla o significado de
várias outras que formam uma cadeia – e deslocamento – quando uma representação recebe todo o
valor e significado de outra (Laplanche e Pontalis, 2001).
32
inconsciente – indicam, mais uma vez, a existência de um sujeito não unificado.
Trata-se do sujeito do inconsciente, da cisão entre sujeito do enunciado e da
enunciação
5
, noções desenvolvidas por Lacan a partir da obra freudiana.
Uma outra constatação a respeito do regime de funcionamento do
inconsciente, também de particular importância, é apresentada por Garcia-Roza
(2000) ao dizer que Freud situa a psicanálise, do início ao fim de seu percurso, no
registro da linguagem, delimitando o que chamou de parábola freudiana, a saber,
o surgimento do sujeito a partir da linguagem. Esta constatação seria evidenciada
através do processo primário e seus mecanismos de condensação e deslocamento,
das leis de associação dos traços mnêmicos descritos por Freud (2007, [1900])
para a formação dos sonhos; ou, ainda, pela afirmação freudiana de que o sonho
importa pelo seu relato, é o discurso sobre o sonho, e não o sonho por si mesmo,
que pode ser interpretado como da ordem da realização de um desejo. Dor (1991,
p.11-2), ao fundamentar o “retorno a Freud” proposto por Lacan, sintetiza este
aspecto da articulação freudiana ao campo da linguagem, afirmando que as
descrições de Freud sobre os processos psíquicos inconscientes estão submetidas à
linguagem e à sustentação desta na transferência: “é na palavra que o inconsciente
encontra sua articulação essencial”.
Lacan fez uma leitura da teoria freudiana contemplando
contribuições advindas da tradição filosófica alemã (em especial de Heidegger e
Hegel), da lingüística estrutural de Ferdinand de Saussure e do estruturalismo de
Lévi-Strauss
6
, para fundamentar seu resgate dos fundamentos freudianos, que
julgava perdidos ou distorcidos, e para desenvolver suas próprias formulações
teóricas, incluindo aí sua noção de inconsciente e de sujeito. Lacan substituiu a
herança do crivo freudiano, calcado na biologia, na neurologia e na física, por um
outro que denomina estrutural e organizado por três registros: Imaginário,
5
O sujeito do enunciado é aquele que se apresenta no discurso numa relação de exterioridade com
o sujeito da enunciação, por sua vez, aquele não expressado no enunciado, no discurso manifesto
(Vallejo e Magalhães, 1979).
6
Para um aprofundamento a respeito das contribuições destas três vertentes no trabalho lacaniano,
remeto o leitor às seguintes obras de referência: Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente
estruturado como uma linguagem (Dor, 1991), Lacan e a filosofia (Juranville, 1987), Lacan: a
trajetória de seu ensino (Marini, 1990), Jacques Lacan: esboço de uma vida, história de um
sistema de pensamento (Roudinesco, 1994), A paixão do negativo: Lacan e a dialética (Saflate,
2006).
33
Simbólico e Real (v. p. 24). Esta concepção de estrutural é indicativa da
“dependência do sujeito a uma ordem que o ultrapassa e que está na sua origem –
o Simbólico” (Marini, 1990, p.59), e este posicionamento e a ordenação dos três
registros da realidade humana derivam da influência e dos efeitos da teorização de
Lévi-Strauss
7
.
Assim, quando Lacan (1988 [1964], p.25) postula, no Seminário
11, que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e, ainda, que “o
sujeito é efeito do significante”, ele segue os passos de Lévi-Strauss, indicando a
existência de um sistema de relações pré-existentes ao sujeito e de uma ordem
significante que o antecede, pois o Outro que lhe precede está já tomado pela
linguagem. Ao nascer, o homem é inserido em uma ordem humana que lhe é
anterior, uma ordem social na qual ele adentra através da linguagem e da família.
Assim, a história do sujeito o antecede por um mito familiar que passa a recobri-lo
a partir de seu nascimento e através da linguagem – linguagem que é, em essência,
sempre equívoca e passível de múltiplas interpretações, facilitadora da construção
de um mito individual em referência ao mito familiar. Além do mais, neste
encaminhamento similar ao de Lévi-Strauss, que toma a estrutura da língua como
modelo para suas explicações antropológicas dos fenômenos humanos, os
aforismos lacanianos acima reproduzidos apontam para a relação e aproximação
entre os mecanismos de funcionamento da linguagem e do inconsciente,
indicando a existência de regras estruturais comuns entre ambos.
A lingüística estrutural introduz e ressalta a importância do eixo
sincrônico para o estudo da língua, o que significa dizer que a significação das
palavras depende do sistema da língua e que a dimensão diacrônica ou histórica
7
“Através das estruturas elementares de parentesco, consideradas como instituição fundamental de
toda sociedade, a antropologia afirmava a primazia da Cultura, elemento terceiro entre Natureza e
Sociedade, contra o pensamento marxista então dominante na França. E, apoiando-se na
lingüística, ciência ainda ignorada entre nós à época, e da qual fazia uma ciência-piloto, ele
tomava a estrutura da Língua como estrutura-modelo capaz, por transposição metodológica, de
explicar todos os fenômenos humanos. Lacan tenta fazer o mesmo em seu próprio domínio, pois o
encontro com as pesquisas de Lévi-Strauss lhe permite dar forma ao que ele busca desde o artigo
de 1938 sobre A Família: uma reformulação do Édipo como entrada, graças à figura paterna, no
universo da lei, da participação dos valores socioculturais e do reconhecimento como sujeito por
inteiro, através do tributo do respeito aos interditos fundamentais” (Marini, 1990, p.59).
Roudinesco (1994) também afirma que com o pensamento de Lévi-Strauss, Lacan encontra uma
solução teórica para reelaborar a doutrina freudiana, escapando do biologismo e atrelando a
psicanálise a uma estrutura de linguagem.
34
não é suficiente para tal estudo. É a este sistema da língua, à estrutura da língua,
que Lacan propõe relacionar o funcionamento do inconsciente; e é pela
linguagem, pelo discurso que este mesmo inconsciente pode advir. E desta noção
de estrutura, do que, segundo a lingüística, se organiza como estrutura, como
sistema operante na língua, Lacan se apropria, não sem importantes modificações,
fundamentalmente, de dois aspectos: o valor do signo e, por conseguinte, a
diferença entre significante e significado, e os dois cortes do sistema de
linguagem, resultando nos eixos paradigmático e sintagmático que organizam o
discurso
8
.
A partir desses fundamentos estruturalistas, e enfatizando as
proposições freudianas, Lacan (1988 [1964]) formula as tese de que o
inconsciente é pré-ôntico e pulsátil: o inconsciente não é objetivado, localizável,
nem da ordem da realidade, é pura potência (representação de coisa) para o dizer
(articulação entre representação de coisa e representação de palavra). É também
através de sua particular tomada de elementos da lingüística estrutural, que Lacan
retoma a descontinuidade – pois é, de acordo com Freud, através do disfarce nos
sonhos, no tropeço na fala ou na memória e ainda na formação sintomática que
teremos a emergência do inconsciente – como caráter inaugural na descoberta
freudiana e avança para a indicação de que é na rachadura, no intervalo, na fenda
que o inconsciente se manifesta, não apenas no tropeço e sim em toda cadeia
discursiva, entre dois significantes ou na passagem de um significante a outro.
Neste ponto, uma questão se impõe na direção do que se faz
relevante neste capítulo: como se dá a instalação deste potencial para o dizer? Em
outros termos, como o inconsciente se estrutura e, portanto, como ocorre a
constituição do sujeito, na acepção psicanalítica do termo, sujeito do inconsciente,
sujeito do desejo?
8
A relação entre significado (conceito) e significante (imagem acústica) constitui o chamado signo
lingüístico, ordenado por uma separação entre seus dois elementos. Esta separação é interpretada
por Lacan pela via de uma autonomia do significante em relação ao significado, autonomia que
leva à consideração de uma supremacia do primeiro em relação ao segundo, numa subversão da
proposição inicial de Saussure. O eixo paradigmático é o responsável pelas seleções, pelas
escolhas das palavras, onde se admitem substituições por semelhança: um termo leva a outro por
similitude, equivalendo ao processo metafórico. O eixo sintagmático é onde ocorre o trabalho de
combinação das palavras escolhidas, onde as substituições podem ocorrer por contigüidade,
equivalendo ao processo metonímico. (Dor, 1991).
35
1.1.1. A constituição do sujeito: campo pulsional e psiquismo.
Já vimos, com as contribuições do estruturalismo de Lévi-Strauss,
que para a psicanálise o processo de constituição subjetiva está intimamente
relacionado com a concepção de que o campo do sujeito é efeito, em especial, da
linguagem e de uma trama de relações pré-existentes ao nascimento, constituindo
o que será o mito fundador de uma história singular. O sujeito para a psicanálise é
aquele que se constitui na relação com o Outro através da linguagem, é em
referência a essa ordem simbólica que se pode falar em sujeito e subjetividade a
partir de Freud, e em especial após a produção teórica de Lacan.
Portanto, o sujeito não é agente, como ocorre na posição cartesiana,
e sim determinado pela função simbólica, assim como a posição do sujeito em
relação ao Outro é mediada pelas regras e convenções do registro simbólico
(Vallejo e Magalhães, 1997). Para avançar na direção da compreensão de como
este sujeito se constitui, ou seja, de que maneira esta relação com o Outro,
intermediada pela linguagem, estrutura o inconsciente e promove a organização
subjetiva, é necessária a retomada do conceito de pulsão, pois o inconsciente é
formado pelos representantes psíquicos da pulsão, e é no processo de
pulsionalização ou erogenização do corpo infantil que poderemos falar de um
sujeito em constituição.
Como já observado, o campo pulsional caracteriza uma das duas
entrelaçadas regiões – enfatizando que a outra é o aparelho psíquico, com
destaque para o conceito de inconsciente – que compõem a subjetividade para a
psicanálise. Acrescento agora, relembrando o leitor e fortalecendo os argumentos
que sustentam as noções de sujeito e subjetividade em pauta, que é através do
conceito de pulsão em sua segunda teorização que uma nova organização tópica e
clínica começa a se organizar na obra freudiana. A pulsão, como pura potência
dispersa, num mais além do princípio do prazer assume lugar de destaque na
teoria freudiana através dos conceitos de pulsão de morte e de compulsão à
repetição, deslocando o foco da ordem, do sentido e da representação – elementos
marcantes da primeira tópica – para o que faz limite a esta ordem, para o caos, a
desordem. Assim, há algo da subjetividade que se constitui como exterior ao
36
inconsciente, exterior à representação e ao psiquismo, caracterizando a chamada
segunda região desta subjetividade, que é o campo pulsional.
O conceito de pulsão começa a ser construído em 1905, com a
publicação dos Três ensaios da teoria sexual (Freud, 2007 [1905]), e sofre uma
série de modificações e avanços ao longo da obra freudiana. Neste texto de 1905,
mas já em acréscimos realizados em 1915, a pulsão é articulada à representação
psíquica de estimulações somáticas que fluem continuamente, em oposição às
estimulações esporádicas e externas. A pulsão é, então, formulada como um
conceito de fronteira entre o psíquico e o somático
9
. Nesta mesma direção de
fronteira, de limite e articulação entre psíquico e somático, Freud apresenta ainda
em 1905 sua noção de apoio
10
, que enfatiza a origem somática da fonte pulsional
e fundamenta o dualismo pulsional proposto neste momento, a saber, a oposição
entre pulsões sexuais e pulsões de autoconservação ou pulsões do eu. Portanto,
este texto estabelece que as pulsões sexuais se instalam a partir das necessidades e
que a sexualidade se torna autônoma, secundariamente, quando o objeto exterior
indicado para a autoconservação é abandonado e a satisfação sexual pode ser
obtida de forma auto-erótica.
Novas construções sobre a teoria pulsional são apresentadas por
Freud (2007 [1915a]) com o artigo Pulsões e destinos da pulsão. Este texto
apresenta os quatro elementos que caracterizam as pulsões sexuais: a fonte, a
pressão, o alvo e o objeto. A fonte é mesmo corporal e atrelada às zonas erógenas;
a pressão é o fator motor, uma força constante que é a própria atividade da pulsão;
o alvo da pulsão é sempre a satisfação, a redução da tensão provocada pela
pressão, que é sempre parcial; e o objeto é um meio para um fim, a forma de
atingir o alvo, é o que há de mais variável, pois a pulsão não tem objeto próprio.
9
“Por pulsión podemos entender al comienzo nada más que la agencia representante
{Reprasentanz} psíquica de una fuente de estímulos intrasomática en continuo fluir; ello a
diferencia del estímulo, que é produzido por excitaciones singulares provenientes de fuera. Así,
pulsión es uno de los conceptos del deslinde de lo anímico respecto de lo corporal.” (Freud, 2007
[1905], v.VII, p.153; Freud, 1996 [1905], v.VII, p.159). A este respeito, Roudinesco e Plon (1998,
p. 628) indicam que a pulsão pode ser definida “como a carga energética que se encontra na
origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem
10
Segundo Laplanche e Pontalis (1991), o termo apoio é usado por Freud para indicar que as
pulsões sexuais se apóiam inicialmente nas funções vitais. Os autores enfatizam que através da
idéia de apoio há a indicação de uma relação primitiva entre as pulsões sexuais e as pulsões de
autoconservação.
37
Com diferentes zonas erógenas disseminadas por todo o corpo, com uma
satisfação sempre parcial, neste artigo as pulsões sexuais aparecem marcadas pelo
caráter da parcialidade, cuja somatória constitui a sexualidade, num
distanciamento da primazia e da totalização do sexual via genitalidade.
Mantendo a idéia de conceito de fronteira, limite entre psíquico e
somático, a pulsão é afirmada neste texto de 1915 como sendo “[...] un
representante {Repräsentant} psíquico de los estímulos que provienen del interior
del cuerrpo y alcanzan el alma” (Freud, 2007 [1915a], p. 117; Freud, 1996,
[1915a’], p. 127). Esta formulação acaba por equivaler a pulsão e seus
representantes-representação – o que é retificado no mesmo ano no texto
intitulado O Inconsciente, onde se encontra a proposição freudiana de que “una
pulsion nunca puede pasar a ser objeto de la conciencia; solo puede serlo la
representación que es su representante” (Freud, 2007 [1915b], p.173; Freud, 1996
[1915b’], p. 182). Sendo assim, Pulsões e destinos da pulsão trata dos destinos
dos representantes-representação da pulsão e indica que os afetos, a despeito de
sofrerem os efeitos desses destinos, tem os seus próprios encaminhamentos, a
saber: a conversão, o deslocamento e a angústia. Todavia, dos quatro destinos
elencados neste texto como possíveis para os representantes-representação da
pulsão, Freud desenvolveu apenas dois, a reversão ao seu oposto e o retorno ao
eu, indicando que o recalque e a sublimação ganhariam um tratamento à parte em
outros artigos. Isso de fato ocorreu com o recalque, mas não, infelizmente, com a
sublimação, tema central desta pesquisa, que será tratada no capítulo subseqüente.
Em 1920, com o artigo Mais além do princípio do prazer (Freud,
2007, [1920]), a segunda teoria das pulsões é apresentada por Freud, já
constituindo também os pilares para a posterior organização da sua segunda tópica
em 1923 e iniciando uma nova forma de pensar a subjetividade. Até então
preocupado com o aparato psíquico e sua ordem, afirmando um predomínio do
princípio do prazer, Freud agora se indaga a respeito do que faria obstáculo a esse
princípio, e a resposta o leva à formulação do conceito de pulsão de morte, através
do qual o caos e o acaso são introduzidos na teorização freudiana.
Este texto de 1920 propõe um novo dualismo entre pulsão de vida –
que reagrupa as pulsões sexuais e as pulsões do eu – e pulsão de morte. A
38
concepção desta última enquanto retorno ao estado anterior à vida dá um caráter
conservador à pulsão, em oposição ao apresentado anteriormente por Freud,
quando a pulsão era identificada com a renovação e a promoção de mudanças.
Ainda nestes termos de uma postura conservadora, por buscar manter o estado de
coisas, repetir o mesmo, o conceito de compulsão à repetição ganha forma e
aponta sua articulação à pulsão de morte como movimento de uma ordem mais
primitiva, mais elementar, mais “pulsional” que o campo das pulsões de vida,
estas últimas articuladas ao aparelho psíquico. Entretanto, Freud (2007 [1920])
formula não haver diferença qualitativa entre as pulsões, indicando que as pulsões
de vida são numerosas e ruidosas, enquanto que a pulsão de morte é silenciosa,
invisível e indizível.
Lacan (1988 [1964]), nos capítulos do Seminário 11, em que
trabalha o conceito de pulsão, aborda esse ponto, evidenciando que o dualismo
não se refere à natureza da pulsão, mas sim ao seu modo de apresentação. A
pulsão é uma só, mas com duas formas de apresentação: uma delas, denominada
por Freud de pulsão de vida, se refere ao campo pulsional que é capturado pelo
aparato psíquico, que pode ser inscrito no inconsciente e inserido na ordem do
Simbólico; a outra apresentação, denominada por Freud de pulsão de morte,
caracteriza o campo pulsional que escapa à representação no psiquismo, estando,
assim, de fora do Simbólico e inserido no registro do Real. Neste mesmo texto,
Lacan enfatiza o caráter sempre parcial das pulsões e deixa muito claro que o mais
importante para a pulsão é o seu circuito, no qual o contorno do objeto se produz.
Tal circuito é fechado com o retorno à fonte e o conseqüente desprendimento e
queda do objeto da sua posição temporária de produtor de satisfação pulsional.
Este aspecto – a não existência de um objeto específico para a
pulsão – é de extrema relevância por favorecer a delimitação do campo humano
em seu distanciamento da noção de necessidade aplicável ao mundo animal. Sobre
este ponto de demarcação de uma diferença radical entre pulsão e instinto, Lacan
aprofunda seus comentários e estabelece, na articulação entre os conceitos de
inconsciente e pulsão, a concepção de desejo para a psicanálise. Assim, é a partir
dos pilares freudianos que Lacan, no transcorrer de sua obra, articula ao
39
inconsciente as noções de sujeito do inconsciente/sujeito do desejo, e à
consciência o eu/sujeito do enunciado.
Em Freud (2007, [1900]), o desejo é caracterizado por um impulso
na busca da reprodução de uma satisfação original, mas de forma alucinatória; ou
seja, faz referência a um objeto atrelado originariamente à satisfação e não mais
encontrado, um objeto perdido e então representado na ordem do simbólico.
Assim o desejo pode realizar-se, sem nunca se satisfazer – diferentemente do que
acontece com a necessidade – e sempre de forma parcial, na medida em que o
encontro com o objeto, tomado pelo desejo circunstancialmente, também produz
remissão ao mítico objeto perdido para sempre, reabrindo a insatisfação e
relançando o desejo em sua incansável circularidade. Então, no cerne do desejo
está a falta, pois esta é o que continua presente em referência ao objeto perdido e,
decididamente, dá ao desejo o estatuto de inconsciente e, portanto, estrangeiro ao
eu. A esta idéia freudiana do desejo inconsciente e que tende à realização, Lacan
articulou a proposição filosófica fenomenológica do desejo baseado no
reconhecimento, onde o desejo humano é desejo de desejo do outro. Grosso
modo, para a psicanálise, o que o homem deseja é ser reconhecido pelo desejo do
outro, ser amado, desejado pelo outro, estando a noção de desejo atrelada a de um
vazio infindável, para o qual não há objeto que lhe dê cabo.
Uma vez enunciada esta posição desejante do humano e
percorridos os elementos fundamentais sobre as duas regiões que compõem a
subjetividade, o inconsciente e o campo pulsional, volto à questão de como este
sujeito do desejo, sujeito do inconsciente se constitui, sempre com o intuito de
completar o percurso até aqui desenvolvido a respeito das noções de sujeito e
subjetividade em pauta nesta tese. Enfatizo a meta do presente capítulo – de
delimitar os conceitos de sujeito e subjetividade de acordo com a fundamentação
teórica em questão e analisar suas particularidades nos dias de hoje – como
essencial para esta pesquisa que pretende afirmar a presença do sujeito no advento
do ato criativo via sublimação e discutir a relevância, as possibilidades e os efeitos
da sublimação para o sujeito no contemporâneo. Sendo assim, é pertinente e
necessário tecer alguns comentários sobre o caminhar da constituição subjetiva,
40
no qual se processam os conceitos teóricos abordados – inconsciente e pulsão –
culminando nas chamadas estruturas clínicas, como veremos a seguir.
1.1.2. A constituição do sujeito: subjetivação e estrutura.
A leitura clínica estrutural se opõe ao diagnóstico meramente
semiológico e nosográfico e propõe que a especificidade da estrutura de um
sujeito é predeterminada pela economia de seu desejo. O diagnóstico estrutural
busca compreender como se dá essa economia, como ela é administrada. Esta
economia do desejo se refere ao Édipo, à relação que o sujeito mantém com a
função fálica e com a castração. Portanto, quando falamos em estruturas clínicas
ou estruturas de personalidade (neuroses, psicoses e perversão), falamos dos
avatares transcorridos ao longo da constituição do sujeito, em especial ao longo
dos três tempos do Édipo.
Pensar o Édipo em três tempos é uma proposta de Lacan que
incluiu no Édipo como um todo os períodos antes denominados por Freud de pré-
edípico e de saída edípica ou declínio do Édipo – os quais correspondem,
respectivamente, ao primeiro e terceiro tempos do Édipo para Lacan.
O primeiro tempo edípico ocorre nos primórdios da interação mãe-
criança, onde esta é tomada imaginariamente pela mãe como o seu objeto de
completude; o segundo tempo do Édipo é marcado pela descolagem inicial da
criança do lugar de falo para a mãe, momento da castração imaginária, onde a
criança rivaliza com o pai o lugar de falo para a mãe; o terceiro e último tempo
edípico se caracteriza inicialmente pela hipótese infantil de que o pai detém o falo,
e, em seguida culmina na saída do Édipo com a conclusão de que ninguém é ou
possui o falo, todos somos faltantes, castrados, e o que homens e mulheres
desejam em seus pares é, exatamente, a falta. A neurose se dá com a passagem
pelos três tempos do Édipo, momento no qual a castração simbólica está
decididamente instalada e o recalque funda o sujeito barrado; no outro extremo,
aprisionada ao primeiro tempo edípico, à condição de ser o objeto para o Outro, à
41
ausência da castração e sob os auspícios da forclusão do Nome do Pai
11
, está a
psicose; por sua vez, perversão caminha até o segundo tempo do Édipo, momento
em que a castração é vislumbrada como possível na realidade corporal, tempo em
que a diferença sexual é conhecida, mas no caso de uma estruturação perversa é
negada concomitantemente, instaurando a renegação da castração.
Com esta concepção da clínica estrutural e por todas as
considerações já tecidas sobre o sujeito ser efeito da relação com um Outro por
intermédio da linguagem, está evidenciado que na leitura psicanalítica sobre a
organização subjetiva, é fundamental o lugar em que se é tomado pelo desejo
parental. A partir de um necessário e recíproco engodo amoroso – em que na
díade mãe-criança impera o ser tudo uma para a outraas demandas maternas
são dirigidas à criança e estabelecem a erogenização do corpo infantil, processo de
sexualização do campo pulsional, em função da criança ocupar, temporariamente,
o lugar de objeto fálico a completar o desejo do Outro. Num aparente paradoxo,
ao mesmo tempo em que é necessário ao sujeito ocupar tal lugar mítico de
completude, ele deve também deixar de ocupá-lo, inicialmente em função da
constante e infindável circularidade das demandas maternas – desde que no
inconsciente da mãe já opere o Nome do Pai – e posteriormente pela efetivação da
função paterna ao interditar o desejo da mãe em relação à criança. Cabe ao pai
impedir o desejo materno devorador, estabelecendo limite para as demandas
maternas, retirando a criança do subjugo ao código materno e inserindo-a no
campo da lei da castração. Como já indicado algumas linhas acima, deste
processo, sempre marcado por particularidades e jamais perfeito, no sentido de
sempre contemplar falhas em sua efetivação, depende a organização estrutural e,
portanto, a modalidade de funcionamento subjetivo.
Observo que este processo de pulsionalização do corpo infantil
através das circulares demandas maternas ocorre em dois tempos de trabalho ou
duas operações de causação do sujeito: a alienação e a separação. A alienação ou
11
Segundo Roudinesco e Plon (1998) o termo foi criado por Lacan para designar o significante da
função paterna, função de interdição do desejo materno e inscrição da lei da castração e da falta.
42
vel da alienação
12
corresponde à primeira volta do circuito pulsional em que a
demanda materna toma a criança como seu objeto pulsional. Parafraseando Harari
(1990, p.248), a alienação é a operação que determina a captura do sujeito pelo
significante, é a ação do Outro que produz a primeira conflituosa e ambígua
aparição do sujeito, pois este paga, para surgir, o preço da desaparição sob os
significantes do Outro, correndo o risco de aí petrificar-se. Em seu Seminário 11,
Lacan (1988 [1964]) propõe o conceito de afânise
13
ou fading, para designar, o
referido desaparecimento da condição de sujeito por sua aparição através de um
primeiro significante que surge no campo do Outro, marcando assim o caráter de
divisão do sujeito: “Quando o sujeito aparece em algum lugar como sentido, em
outro lugar ele se manifesta como fading, como desaparecimento” (Lacan, 1988
[1964], p. 207). Assim, o sujeito sob o efeito afânise é de um lado sentido e, de
outro, sem sentido, fato indicativo da inevitável perda que ocorre nesta primeira
operação de constituição do sujeito, perda que se traduz naquilo que é
inconsciente.
Lacan (1988 [1964], p. 203) assinala que a separação, segunda
operação de causação do sujeito, é também a segunda e necessária volta do
circuito pulsional na relação do sujeito ao Outro e “surge do recobrimento de duas
faltas”. Considerando que o objeto da pulsão é sempre variável, que não é
equivalente ao objeto da necessidade, que é apenas contornado, e, não, apreendido
pela pulsão, o Outro se apresenta como faltante nos intervalos de seu discurso.
Neste ponto, através dos intervalos, das faltas no discurso do Outro, o desejo do
Outro é apreendido pela criança como um enigma: o que o Outro quer de mim?
Lacan prossegue com a afirmativa de que para responder a este enigma, o sujeito
12
Lacan (1998 [1964], p. 200) observa que vel significa “ou” em latim, partícula indicadiva de
disjunção e que no caso do vel da alienação, temos um tipo específico de disjunção, que na
realidade perde o seu caráter disjuntivo e introduz uma falsa escolha, uma falta: “nem um, nem
outro”. Lacan compara tal disjunção do vel da alienação à dialética hegeliana do senhor e do
escravo, em que o segundo se propõe: a liberdade ou a vida. Se a escolha for a liberdade, o
resultado é a perda das duas; escolhendo a vida, tem-se esta amputada da liberdade. Assim, toda
escolha realizada no vel da alienação comporta o que Lacan chama de fator letal, envolvendo o
conceito de afânise explicitado algumas linhas abaixo da introdução desta nota no corpo do texto.
13
Lacan se apropria deste termo usado por Ernest Jones, mas com diferente significação. A
definição de Jones indicava o desvanecimento do desejo, enquanto para Lacan o conceito remete
ao “desaparecimento da condição de sujeito, em função e em virtude daquilo que o constitui como
tal” ( Harari, 1990, p. 239)
43
põe em cena a sua própria falta referente ao seu desaparecimento, propondo a sua
própria perda como objeto para o desejo do Outro: pode ele me perder? Assim,
uma falta recobre a outra – a falta no Outro e a falta na criança de seu próprio
desaparecimento – e deste recobrimento resulta o que Lacan (1988 [1964], p. 208)
denomina de “função da liberdade”, função que permite o sujeito libertar-se do
efeito afânise. A partir desta liberação promovida pela separação, temos,
definitivamente, a falta a ser no sujeito, a inscrição do representante pulsional e a
aparição do objeto a, objeto causa do desejo, estabelecendo a condição para que o
sujeito possa desejar, possa eleger objetos para o seu desejo a partir da passagem
pela condição de objeto pulsional para o Outro.
Por esta via entende-se a produção sintomática como uma maneira
do sujeito resistir à posição de objeto fálico para o Outro, ou seja, resistir à
alienação e a um desejo que não é o seu. Porém, ressalva seja feita, o sintoma
sempre comporta, ambígua e imaginariamente, a satisfação da demanda que se
supõe no Outro. Este movimento é radicalizado nas denominadas neuroses de
borda
14
ou sujeitos em estado limite
15
, inegáveis cânones da subjetividade
contemporânea. O fenômeno (por exemplo: pânico, bulimia, anorexia, adições,
melancolização, fenômenos psicossomáticos, o ato de cortar-se, a cleptomania) é
marca da aparição direta em ato ou no corpo do campo pulsional, já que este não
se encontra efetivamente simbolizado em virtude do parcial aprisionamento do
sujeito na posição de objeto da demanda materna. Frente à insuportável angústia
de ser tomado na posição de objeto que completa o Outro, o sujeito aparece
através do fenômeno, num ato de recusa e repugnância ao desejo do Outro, ao
mesmo tempo em que se confirma existente através da posição de alienação que
14
O termo, também conhecido como montagens fenomênicas, neuroses de borda ou
fenomenologias de borda, faz referência à teorização nascida na Argentina há aproximadamente
quinze anos em busca de explicações para as novas modalidades de adoecimento e funcionamento
subjetivo que assolam a contemporaneidade. A despeito de uma estruturação neurótica, as
neuroses de borda contemplam falhas na inscrição pulsional, na organização do narcisismo
primário e, portanto, são marcadas pelo fracasso da simbolização. Assim, o fenômeno – em
contraposição ao sintoma que é o retorno das inscrições pulsionais recalcadas – é a apresentação
direta no vivido do sujeito deste campo pulsional mal simbolizado.
15
O estado limite corresponde à leitura francesa para as novas modalidades clínicas da atualidade,
na qual é vislumbrada sua proximidade tanto do funcionamento perverso quanto do psicótico. As
características centrais desta posição, que não se define como estrutural, são a somatória da
angústia e da depressão, condutas sociais e sexuais perversas e danos à imagem do corpo e aos
processos de pensamento.
44
lhe é tão conhecida. Em alguma medida, também é possível identificar uma
função semelhante na recorrência ao delírio na paranóia, pois este se organiza
numa tentativa de cura, buscando estabelecer significações onde elas faltam para o
sujeito, constituindo, assim, uma barreira ao seu completo desaparecimento.
Sem o intuito de construir generalizações, é plausível afirmar algo
em comum entre as formas de subjetivação acima referidas, a saber: a luta pelo
advento do sujeito, pela sustentação, ainda que de maneira frágil e distorcida, do
lugar de sujeito. Destaco tal elemento em comum, pois esta pesquisa se
encaminha para a defesa da presença, da emergência do sujeito no ato criativo via
sublimação, ou seja, a sublimação pode ser compreendida como mais uma
maneira pela qual o sujeito busca a sua sustentação e, quiçá, com menos
sofrimento.
Nesta direção, e à guisa de uma breve antecipação sobre o que
ainda será tratado e discutido nesta tese, evoco a afirmação de Pommier (1990) de
que o ato criativo via sublimação permite ao sujeito distanciar-se de sua
identificação fálica. Utilizando-se dos mesmos campos pulsionais que o
aprisionaram, mas agora num desvio da alienação, a obra ocupa o lugar do que se
era para o Outro, lugar de falo, e assim tem-se a dessexualização, na medida em
que o corpo se liberta de sua posição fálica. Portanto, a atividade do processo
sublimatório se presentifica pela criação, pois ela se efetiva pelo ato, constitui um
produto e é assinada – inversamente à passividade presente no sintoma que ao
mesmo tempo constitui certo rechaço e mantém a erotização do corpo em nome
do desejo do Outro.
Resumindo o que foi desenvolvido até o momento, torna-se central
a identificação da subjetividade psicanalítica como aquela dividida em duas
ordens de funcionamento e essencialmente constituída pela sintaxe inconsciente.
O sujeito da psicanálise é o sujeito do desejo, estabelecido por Freud através da
noção de inconsciente e, portanto, distinto do ser biológico e do sujeito da
consciência filosófica. Para que tal sujeito possa emergir, entende-se que ele deva
ser inserido em uma ordem simbólica que o antecede, atravessado pela linguagem
e tomado pelo desejo de um Outro, mediado por um terceiro, processo através do
45
qual se abre a possibilidade de inscrição dos dois enigmas fundamentais para a
existência humana: Podes me perder? e O que o Outro quer de mim? Caso a
função paterna se efetive favoravelmente de forma a fazer contrapeso à mãe, a
resposta para a primeira pergunta será afirmativa e para a segunda, sempre
indefinida, resultando no sujeito neurótico freudiano, marcado pela falta e por ela
movido em sua existência.
Ainda um último comentário faz-se pertinente a título de
fechamento da primeira parte deste capítulo: não parece difícil depreender da
exposição até então realizada, a importância, também para a psicanálise, do plano
social para a constituição subjetiva. Pensar o laço social como sempre atrelado à
linguagem é essencial para a compreensão psicanalítica da noção de sujeito, por
isso as formas de subjetivação e de adoecimento são estudadas tendo como
referência o contexto sócio-cultural, a historicidade, a ordem e o discurso social.
Esta pequena nota visa apenas demarcar o campo psicanalítico como inserido e
mesmo atravessado pela cultura e, obviamente, detentor de uma particular leitura
a respeito da ótica social e de seus efeitos sobre o sujeito.
Um desdobramento, talvez não estrondoso, mas relevante desta
proposição é que, sendo o sujeito constituído através da linguagem e do enlace
social, certamente não é possível pensá-lo com características rigidamente fixas.
Isto não significa dizer que o mesmo é volátil, mas sim aberto a mudanças e
produtor das mesmas. Tal esclarecimento enfatiza a importância e a escolha do
próximo tópico deste capítulo que tratará das particularidades da subjetividade na
contemporaneidade – através das lentes da psicanálise –, fundamento para a
posterior análise das possibilidades sublimatórias via ato criativo e sua relação
com a subjetividade no discurso contemporâneo.
46
1.2. Notas sobre o sujeito e a subjetividade na
contemporaneidade
”A humanidade instala-se na monocultura;
prepara-se para produzir civilização em massa,
como a beterraba. Seu trivial só incluirá esse prato.”
Lévi-Strauss, 2004 [1955], p.105.
1.2.1. Uma nova ordem discursiva.
A vida é feita de poucas certezas – talvez de uma só, como diz a
sabedoria popular – e assim, também, o campo das humanidades entende a
atividade de pesquisa e a produção de saber: nada de garantias ou de busca de
verdades absolutas e definitivas, o que permite a existência de diferentes e,
mesmo, contraditórias leituras e interpretações sobre uma mesma questão. É o que
tem acontecido, quando o tema é a modernidade ou a pós-modernidade e as
condições e questões relativas ao sujeito e à subjetividade em nosso tempo, seja
ele moderno ou pós-moderno. As diferenças a respeito desta temática, parecem
apontar, fundamentalmente, duas formas opostas de interpretação: uma delas, com
predomínio norte-americano, aposta numa ruptura com a essência da modernidade
e indica o fim da mesma e a construção de uma pós-modernidade; a outra,
primordialmente européia, avalia a existência de uma radicalização dos
pressupostos organizadores da modernidade e, portanto, a continuidade desta e de
seu projeto (Birman, 2006).
Certamente existem exceções nos pensamentos americano e
europeu a respeito da contemporaneidade, mas a referida ordenação de focos de
interpretação se deveria ao fato de a modernidade ter sido um projeto europeu.
Portanto, ela marcaria a identidade européia, sendo mais aceitável a idéia de um
desdobramento da modernidade e da manutenção de seu projeto estrutural. Por
sua vez, a proposição norte-americana de uma ruptura radical com a modernidade
e do nascimento de um novo modelo denominado de pós-moderno estaria calcada
no ideário de uma hegemonia da cultura americana como fundadora de um novo
tempo histórico (Birman, 2006).
47
Todos devem estar lembrados que Freud já se ocupava dos aspectos
concernentes ao enlace entre o sujeito e a cultura
16
, e que indicou e preconizou as
dificuldades relativas à organização social no artigo O mal-estar na cultura
(Freud, 2007 [1929]). Neste texto, ele afirma que a cultura tem como uma de suas
funções regular as relações dos homens entre si, mas que sua instauração depende
exatamente da renúncia à satisfação pulsional, especialmente a renúncia à
agressividade. Assim a insatisfação é colocada como uma condição prévia para a
cultura e denominada de frustração cultural. No mesmo artigo, enuncia que a
perda da felicidade, através do sentimento de culpabilidade engendrado pela
cultura, é o preço pago pela evolução cultural.
Freud (2007 [1929]) considera a vida muito pesada, e que o
sofrimento nos ameaça por três vias: a decadência do próprio corpo, o mundo
exterior e as relações com os outros. Ao destaque para o sofrimento advindo dos
relacionamentos humanos, soma-se a constatação de que a finalidade de evitar o
sofrimento se sobressai àquela da busca pelo prazer, a despeito de considerar que
a procura de uma satisfação ilimitada é uma norma de conduta tentadora. Freud
elege três formas principais de diminuição deste sofrimento: distrações que fazem
parecer pequena a nossa miséria, satisfações substitutivas que a reduzem e os
narcóticos que nos tornam insensíveis a ela. Refere-se também, no decorrer do
trabalho, ao isolamento social como uma maneira de evitar o sofrimento advindo
do relacionamento humano.
Entretanto, Lebrun (2004) alerta para a leitura que a seu tempo
Lacan faz do mal-estar na civilização. Observa que Freud, ao menos de certa
forma, compartilhava do movimento cientificista de sua época, enquanto Lacan –
espectador dos efeitos maléficos do tecnocientificismo – concebeu o discurso
da ciência como responsável pelo fadado mal-estar. É necessário considerar que a
mudança de um discurso teológico, antes organizador da Antiguidade, para um
discurso científico é essencial para a estruturação da modernidade, e é a partir
desta premissa que Lebrun (2004) formula a hipótese de que o discurso da ciência
16
É necessário considerar ao menos cinco textos freudianos articulados diretamente à temática em
causa: Psicologia das massas e análise do eu (2007 [1921]), O mal-estar na cultura (2007 [1929])
, Totem e Tabu (2007 [1913 (1912-13)]), Moisés e a religião monoteísta (2007 [1939 (1934-38)])
e O futuro de uma ilusão (2007 [1927]).
48
é o responsável pelas dificuldades presentes na modernidade e, sobretudo, na
atualidade para o exercício e eficácia da função paterna e da lei da castração. Uma
nova forma de funcionamento do laço social se estabeleceu com o nascimento da
ciência moderna: a autoridade de Deus é abalada e em seu lugar se estabelece o
saber, um saber que se pretende totalizador e capaz de dominar a realidade e
transpor os limites humanos.
Em outras palavras, a ciência moderna desbanca a autoridade
religiosa, a tradição e o lugar do Mestre em sua relação com a transmissão do
saber. Neste novo laço social, o saber é norteador – mas agora de forma acéfala,
pois não mais enunciado por um Mestre e encaminha a busca, imaginariamente,
de um domínio pleno da realidade. Ao discurso da ciência nada escapa e este não
comporta o efeito atrelado à função paterna de fazer corte, limite, instituir a falta,
a não-completude. Assim temos as conseqüências nefastas da falência, da queda
do Outro e conseqüentemente da Lei
17
em nossa cultura. Privados da alteridade
radical do Outro, os homens são arrancados do domínio da Lei, arremessados em
relações de horizontalidade permeadas por um ideário de pretensa igualdade, mas
que na realidade traz certa permissividade para que supostas leis
18
sejam
estabelecidas entre os pares.
Legislando em causa própria, o homem de hoje aposta todas as suas
cartas na máxima de que todo o gozo é possível e deve ser alcançado. Esta
mensagem, ou talvez seja melhor dizer ordem, é veiculada na cultura pelas mais
diversas vias e está em alto grau acoplada aos progressos técnico-científicos. Cada
vez mais a tecnologia em nome da ciência, ou ainda, a ciência em nome do avanço
tecnológico, trabalha no sentido da manipulação, do controle, da racionalização e,
portanto, da exclusão do sujeito. Assim, numa assepsia subjetiva, a vida e muitos
dos aspectos relativos a ela tornam-se bens, propagados como necessários para o
acesso ao gozo. Este movimento elide a condição sine qua non da subjetividade
humana, que se refere à inexistência de um objeto que satisfaça o desejo humano
17
Lembro o leitor que a palavra iniciada com letra maiúscula é uma referência à lei simbólica da
castração, conforme consta na p.13.
18
Refiro-me às transgressões das leis sociais tão em voga hoje em dia, em que as leis civis se
encontram destituídas de eficácia simbólica e por isso são, muitas vezes desconsideradas, ainda
que tentem afirmá-las por um aumento de sua quantidade ou por um enrijecimento de suas
proposições.
49
e, logo, a uma subjetividade constituída por um vazio insuperável. Como diz
Lacan (1997 [1959-60], p. 280) no livro 7, “a dimensão do bem levanta uma
muralha poderosa na via do nosso desejo”, identificando assim a necessidade de
“um repúdio radical a um certo ideal do bem”. Neste sentido, é apropriada a
consideração de que propor um gozo impossível como ideal a ser atingido produz
mais angústia do que gozo, mais violência do que fruição (Kehl, 2002). Afinal é a
interdição do incesto, da satisfação pulsional direta e, portanto, do gozo, que
possibilita a ascensão ao prazer. Para a psicanálise, esta instauração da lei da
castração constitui os sujeitos, que marcados pela falta se tornam sujeitos do
desejo.
Em conjunto com este novo ordenador social, o discurso da ciência,
temos a instalação do eixo central da modernidade que é a categoria do indivíduo
e a regulação do espaço social em torno desta mesma categoria e, cada vez mais,
na direção liberal da anulação da falta, do limite e da diferença. Em direção a um
ideal perverso de recusa da castração e de desconhecimento da alteridade? Ou em
direção à loucura, em que a Lei já elidida não tem mesmo como operar?
Infelizmente, as duas opções têm-se apresentado como possíveis perante o
declínio da lei simbólica da castração e a ascensão do saber ao lugar da verdade,
encaminhamentos representados pelas barbáries presentes em nosso cotidiano nos
níveis social, político e individual.
1.2.2. O sujeito no contemporâneo.
Mesmo que sob diferentes e contraditórias interpretações ou
denominações, as descrições da contemporaneidade reconhecem a existência de
modificações importantes que afetam o sujeito, indicativas de uma fase de
transição, ainda que seja por uma radicalização dos pressupostos modernos, nos
quais, em alguma medida, uma nova etapa de pensamento, logo, da organização
do conhecimento está se desenvolvendo. Certamente, tais transformações
englobam toda a existência humana e tornam-se, cada vez mais, perceptíveis em
nosso cotidiano:
50
Ninguém contestará que nosso social está, atualmente,
profundamente modificado: ademais, sua evolução se dá de
modo tão rápido que com freqüência nos sentimos impotentes
quanto a identificar as articulações de onde procedem todas as
mudanças a que assistimos. Citemos, sem impor ordem, a
mundialização da economia, a desafetação do político, o
crescimento do individualismo, a crise do Estado providência,
os excessos da tecnologia, o aumento da violência ao mesmo
tempo que a evitação da conflitualidade, a escalada do
juridismo... (Lebrun, 2004, p.13)
O autor também referencia as novas formas de adoecimento
19
, evocando o que
denomina uma clínica do social, no sentido de que estas respostas de subjetivação
correspondem diretamente às transformações no funcionamento familiar, às
torções dos papéis feminino e masculino e à derrocada da instância paterna.
20
Neste contexto de transformações, a leitura de Dufour (2005)
propõe o fim do que identifica como o duplo sujeito da modernidade, a saber, o
sujeito crítico kantiano e o sujeito neurótico freudiano. O encaminhamento do
capitalismo em sua faceta neoliberal seria produtor de extrema dessimbolização
em virtude do imperativo das trocas mercadológicas fundamentadas
exclusivamente no valor monetário das mercadorias, numa recusa de qualquer
valor simbólico que pudesse estar aí associado, seja de ordem moral, tradicional
ou transcendental. Desta forma, haveria o predomínio de um “sujeito precário,
acrítico e psicotizante” (Dufour, 2005, p.21) em nossos dias, uma vez que não há
mais lugar para o sujeito crítico e conduzido por um imperativo moral de
liberdade e nem para a culpabilidade neurótica. Isto não significa que todos
rumamos para a estruturação psicótica, e sim que os sujeitos estariam
demasiadamente abertos às mudanças e flutuações identitárias e desgarrados do
19
Alusão às toxicomanias, estados depressivos ou melancólicos, pânico, fenômenos
psicossomáticos, delinqüência e atuações perversas... entre outras formas de adoecimento tão
comuns em nossos tempos e que ganham, como já referido no tópico anterior neste mesmo
capítulo, diferentes leituras e denominações: fenomenologias de borda, estados-limite ou, ainda, de
forma mais genérica, doenças da alma.
20
“A partir dos séculos XVIII-XIX, no entanto, e de um modo que desde então não pára de se
intensificar, a família se organiza como visivelmente destacada deste trabalho de articulação com o
social, como se fechando sobre si mesma e só se estruturando em torno dos atores que a compõem
[...]. Uma família igualitária em que a hierarquia desapareceu no casal e se esfuma entre gerações
[...]. Para dizer em uma palavra, uma família que pretende poupar qualquer terceiro significativo.
Nesse movimento, o que, então, haveria de mais lógico senão assistir ao declínio tanto da
autoridade quanto da legitimidade daquele que precisamente tinha o encargo de manter uma
posição de terceiro, isto é, o pai?”(Lebrun, 2004, p.14-5).
51
simbólico, favorecendo os já aqui referenciados estados-limite. É ainda necessário
assinalar, em conjunto com o autor, a existência de resistências, pois os sujeitos
não se entregam sem combate às mudanças impostas pela nova ordem social.
Como dito anteriormente, as formas contemporâneas de
subjetivação impulsionaram a psicanálise freudo-lacaniana a traçar novos
contornos teóricos, resultando nas intituladas neuroses de borda, fenomenologias
de borda ou estados-limite. Nesta teorização, o modelo e parâmetro fundamental
para a compreensão da subjetividade e das manifestações clínicas na atualidade é
tomado de Freud, com sua proposição sobre as neuroses atuais
21
. Conforme este
modelo, nas neuroses atuais não há intermediação psíquica da excitação sexual e,
portanto, esta última afeta o corpo de forma direta. Cancina (2004) propõe que a
neurastenia
22
pode ser, dentre as neuroses atuais freudianas, considerada como
uma espécie de paradigma da subjetividade contemporânea, pois, além da sua
descrição clínica corresponder quase que completamente com os estados atuais de
sofrimento, do ponto de vista metapsicológico encontra-se a semelhança no que se
refere à manifestação direta, sem mediação simbólica, de um campo pulsional
carente de representação.
Haveria nestes quadros, atualmente denominados pela psiquiatria
de fadiga crônica, uma “derrota das estratégias operatórias significantes, espécie
de falha da simbolização, assim como das formações inconscientes clássicas”
(Cancina, 2004, p.252). Em outras palavras, as formações puramente sintomáticas
falham, abrindo espaço para os fenômenos, em virtude do fracasso de algumas
21
Segundo Laplanche e Pontalis (2001), Freud distingue as neuroses atuais das psiconeuroses pelo
fato de as primeiras encontrarem sua origem no presente e não em conflitos infantis; e também por
resultarem diretamente da ausência ou da inadequação da satisfação sexual, sem uma expressão
simbólica. Destaco, nesta concepção, que a noção de atual é associada à ausência de mediação
psíquica ou simbólica, mediação característica da formação sintomática nas psiconeuroses.
Observo, ainda, a presença da problemática sexual na definição freudiana das neuroses atuais.
22
Segundo Laplanche e Pontalis (2001), o termo se refere a uma afecção descrita pelo médico
George Beard (189-83), caracterizada por fadiga física, cefaléia, dispepsia, prisão de ventre,
parestesias espinhais e empobrecimento da atividade sexual. Freud se apropriou desta descrição,
não sem apresentar pontos de discordância com Beard, alocando-a no campo das neuroses atuais
ao lado da neurose de angústia. Cancina (2004) afirma a questão etiológica como essencial para a
organização nosográfica freudiana, indicando que, em relação à neurastenia, Freud sustenta uma
etiologia atual e sexual. A autora também localiza na segunda tópica uma nova abordagem
freudiana da neurastenia: “Em Inibição, sintoma e angústia (1926), vai diferenciar as neuroses
atuais das psiconeuroses, segundo se trate de processos que ocorrem no eu ou que ocorrem no
isso. Hoje diríamos: acontecimento pulsional sem a mediação do inconsciente” (Cancina, 2004,
p.64).
52
inscrições pulsionais, no sentido destas não estarem habilitadas para o jogo
combinatório dos processos de condensação e deslocamento e para a posterior
articulação com os representantes de palavra. Tal fracasso se estabelece a partir de
uma posição materna pouco marcada pela castração simbólica, que resulta em
investimentos sobre a criança de demandas pulsionais não eficazes. Nestes casos,
os processos de alienação – ser tomado como objeto da demanda pulsional – e
separação – momento da queda deste lugar de objeto para a demanda pulsional,
com a conseqüente inscrição do representante pulsional – são falhos. Tais falhas
se devem a intervalos não muito bem estabelecidos entre estes dois momentos, ao
excesso na fase da alienação e, portanto, uma fraca separação ou à carência na
operação da alienação.
Também a respeito dos novos posicionamentos subjetivos
produzidos na contemporaneidade, vale comentar a recente formulação de
Melman (2008) sobre o favorecimento na atualidade do que denomina de
paranóia social ou paranóia da vida cotidiana. Os dispositivos sociais atuais
colaborariam para os sujeitos agirem de forma delirante, de acordo com o modelo
estrutural paranóico. A paranóia é definida como “a certeza para um sujeito de ter
o saber da verdade, da verdade absoluta” (Melman, 2008, p.13), e esta verdade é
salvadora, capaz de reparar tudo o que não vai bem nas instâncias familiares,
sociais e políticas. Todos seríamos tentados por esta possibilidade de um saber
sobre a verdade que o paranóico possui. Aí se encontraria a nossa vulnerabilidade
à paranóia, em muito favorecida hoje em dia pelo discurso da ciência que apregoa
o acesso a um saber ilimitado. Um saber capaz de promover o domínio pleno da
realidade e em que a categoria do impossível é elidida. Além do mais, ao primar
pela exclusão do sujeito e da subjetividade, a ciência tornar-se-ia perseguidora e
ameaçadora para este sujeito.
Melman (2008) ainda salienta o fato de tendermos a defender, a
proteger a nossa subjetividade, a nossa identidade – que se encontra fortemente
abalada neste contemporâneo marcado pela indiferenciação e pela globalização –
e assim nos sentimos ameaçados pela diferença e pelo o que possa estar além das
nossas fronteiras. Este posicionamento é aplicado à fragilidade e, mesmo,
53
dificuldade dos laços sociais na atualidade, assim como às condutas de violência
extremada e gratuita manifestadas no cotidiano.
Na atualidade, os laços sociais tornam-se cada vez mais frágeis,
com a intensificação de ao menos dois mecanismos já considerados importantes
em 1929 por Freud (2007 [1929]) para a busca humana de diminuição do
sofrimento: o isolamento e a intoxicação. A intoxicação, tanto pelas drogadicções
quanto pela “medicalização do espírito” (Roudinesco, 2000, p.21), parece se
destacar, nesta dita era da individualidade, exatamente com o sentido que Freud
lhe atribui, isto é, tornar-nos insensíveis à nossa miséria. Entretanto, como já
comentado, a miséria contemporânea tem suas particularidades e a via da
intoxicação busca promover a dessubjetivação e o desaparecimento do sujeito, ao
mesmo tempo em que permite que ele se afirme, num afastamento da angustiante
posição de objeto na qual sente-se convocado em virtude da presença de um Outro
pouco interditado e passível de uma falta imaginária e não simbólica.
Talvez também o incremento do misticismo, que hoje se constata,
tenha um efeito similar ao caráter delirante e impositivo atribuído por Freud (2007
[1927]) à religião no início do século XX. Ele considerava que a religião impedia
o livre jogo de cada um a respeito dos percursos a serem traçados na busca da
felicidade, definindo igualmente para todos um caminho único para alcançar a
felicidade e evitar o sofrimento. Neste sentido é particularmente interessante que
este texto de 1927, O futuro de uma ilusão, seja encerrado com uma explícita
referência à dualidade Eros e pulsão de morte, e com a aspiração de que o
primeiro se sobreponha à segunda. Aspiração reafirmadora do posicionamento
freudiano de Eros a serviço da cultura, capaz de reunir os indivíduos e de
constituir a humanidade, em oposição à agressividade destrutiva da pulsão de
morte.
Mais do que nunca, a busca de uma suposta felicidade plena e ideal
se faz presente no discurso social em contraposição aos intensos sofrimentos que
fazem parte da miséria humana contemporânea. Entretanto, parafraseando Garcia-
Roza (1990, p.134), é necessário considerar a relativização de Lacan sobre a idéia
da pulsão de morte como não mais identificada à agressividade, mas sim à
criação. Com este enfoque, a tendência totalitária e unificadora de Eros levaria a
54
um distanciamento da singularidade, com o aumento da indiferenciação. Com a
eliminação da diferença extingue-se o sujeito e aplaca-se o desejo, que é pura
diferença, ao passo que a pulsão de morte, como potência destrutiva, impede esse
movimento totalitário (e mortífero) de Eros, através de sua característica
disjuntiva, criadora e renovadora.
A partir desta perspectiva de análise, é possível pensar, a título
interpretativo dos fenômenos contemporâneos, que o predomínio de Eros
preconizado por Freud é constatado no mundo de hoje, mas, em vez da promoção
de laços que construam a cultura, este predomínio resulta na busca da
individualidade como vã tentativa de diferenciação, singularidade e subjetivação.
A ideologia da igualdade e a busca do gozo todo
23
(também enunciado como um
direito), ambos pertencentes ao registro do imaginário, parecem ir ao encontro do
projeto de Eros, enquanto propiciam a derrocada do sujeito.
Como assinalado no início, este capítulo objetivou delimitar os
conceitos psicanalíticos de sujeito e subjetividade presentes nesta tese e
circunscrever, sempre com o mesmo enfoque teórico, as especificidades e
particularidade das formas de subjetivação e do sujeito em sua existência, suas
modalidades de adoecimento e de convívio social na atualidade. Relembro que no
contexto da pesquisa em curso a meta deste capítulo é necessária para traçar os
visados enlaces entre sublimação, ato criativo e subjetividade, em especial nos
tempos atuais. Em relação à subjetividade para a psicanálise, foi indicado que esta
é definida como dividida em duas ordens de funcionamento, relativas à
consciência e ao inconsciente, e essencialmente constituída pela sintaxe
inconsciente. O sujeito da psicanálise é o sujeito do desejo, estabelecido por Freud
através da noção de inconsciente, marcado e movido pela falta, distinto do ser
biológico e do sujeito da consciência filosófica. Este sujeito se constitui por sua
23
Como já indicado, a expressão se refere à mítica possibilidade de um gozo pleno, sem perdas,
sem limites, que teria sido vivenciado por nós nos primórdios de nossa existência. Na ordenação
do campo dos gozos proposta por Lacan, este é gozo pleno é denominado de gozo do Outro e
também equivalente ao posicionamento perverso de satisfação. O leitor encontrará um
desenvolvimento mais detalhado desta questão no capítulo 2, especificamente na p.84 e seguintes.
55
inserção em uma ordem simbólica que o antecede, atravessado pela linguagem,
tomado pelo desejo de um Outro e mediado por um terceiro.
Por sua vez, as observações deste segundo item do capítulo em
curso evidenciam um abalo, introduzido na atualidade, desta noção de sujeito de
desejo proposta pela psicanálise. Abalo, no sentido de identificarmos hoje um
sujeito à mercê de um Outro pouco interditado, pouco marcado por uma falta
simbólica e, portanto, imaginariamente passível de completude, o que torna o
sujeito suscetível à objetalização. Apatia, alienação e angústia são marcas comuns
onde a falta não se instala de maneira efetiva, pondo em questão o estatuto do
sujeito do desejo. Imerso num discurso da apologia de uma suposta felicidade
plena proporcionada pelo saber científico, saber que pretende superar todo e
qualquer limite e suprir toda e qualquer falta, o declínio da lei da castração se
torna evidente e produtor de condutas e atuações delirantes e transgressoras.
Essas nefastas perspectivas contemporâneas aqui apontadas sobre o
enlace social, a subjetividade e a noção de sujeito, convocam o que se chama
responsabilidade social do psicanalista
24
, indicativo da necessidade de nos
interrogarmos a respeito da utilização do saber produzido através da clínica
cotidiana também para uma leitura do campo social. Atravessada por tal
posicionamento, esta pesquisa propõe uma retomada do destino pulsional
sublimatório, como aquele que escapa ao recalque e permite a emergência do
sujeito através do ato criativo, no qual a passividade sintomática é suplantada pela
atividade sublimatória, e o sujeito pode dispor do vazio, reconhecer e comportar
esse vazio atrelado ao Real, à pulsão em seu modo de apresentação apartado do
psiquismo e do campo representacional. Em tempos de apatia, dessubjetivação e
de ideologia de superação da falta e dos limites humanos, há uma relevância ética
em evidenciar a sublimação e o ato criativo como potencialmente capazes de pôr
em cena o sujeito que vem sofrendo tão intenso apagamento. Quem sabe seja
possível vislumbrar na sublimação e no ato criativo, uma pequena rachadura no
estatuto do sujeito no contemporâneo, uma fenda pela qual se possa reintroduzir –
24
O termo é usado pelo próprio Lebrun (2004), já referenciado neste texto, indicando a
importância do discurso psicanalítico para uma análise da cultura e do funcionamento social, com
o intuito de que este discurso possa contribuir para movimentar, para circular os saberes já
instituídos e predominantes na cultura.
56
ainda que minimamente – algo da ordem do não-todo, da falta, do vazio que
habita e constitui o humano.
Passo então ao capítulo seguinte, visando destacar os elementos
fundamentais – para a sustentação desta tese – da construção do conceito de
sublimação ao longo da obra freudiana e do resgate e modificações do mesmo na
produção lacaniana.
57
Capítulo 2
A Sublimação
da construção ao resgate do conceito
Na abordagem do conceito psicanalítico da sublimação, é comum
nos depararmos com observações que contrapõem à relevância do tema sua
insuficiente sistematização, mesmo elaboração na pena freudiana. É verdade que
tal conceito não ganhou desenvolvimento em um artigo específico
1
, tendo sido
trabalhado por Freud em textos destinados a outras temáticas e em momentos
muito distintos de sua obra
2
, portanto, carecendo da organização desses
fragmentos dispersos e da lapidação das ambigüidades e contradições possíveis de
serem identificadas neste material.
Nesta direção, encontramos em Laplanche & Pontalis (2001) e
Chemama (1995), em seus respectivos verbetes sobre a sublimação, que o
conceito foi pouco elaborado na teoria freudiana. Pode-se inclusive ler em
Chemama (1995, p. 207) que “os elementos de teorização são fragmentários; não
há, em Freud, teoria constituída da sublimação”. Tecendo, a princípio, um breve e
1
A este respeito há uma observação do Editor Inglês na introdução aos Artigos sobre
Metapsicologia (2007 [1915c], v. XIV; 1996 [1915c’], v.XIV), sobre o fato de Ernest Jones
afirmar que Freud teria escrito mais sete artigos que integrariam a sua metapsicologia, sendo um
deles um ensaio específico sobre a sublimação, o qual, conjuntamente com os outros seis, teria
sido perdido ou, mesmo, destruído pelo próprio Freud.
2
Como o leitor verá mais adiante, o conceito de Coisa (das Ding), introduzido por Freud (2007
[1950 (1895)]) no texto Projeto de psicologia (escrito em de 1895, mas publicado, post-morten,
em 1950), já o torna uma referência, ainda que indireta e suscitada pelo trabalho de Lacan, ao
conceito da sublimação. Em Três ensaios de teoria sexual (Freud, 2007 [1905]), inicia-se
propriamente uma concepção sobre a sublimação, acrescida e modificada em vários textos, sendo
os principais: Moral sexual “cultural” e doença nervosa moderna (Freud, 2007 [1908]), Uma
lembrança infantil de Leonardo da Vinci (Freud, 2007 [1910]), Pulsões e destinos da pulsão
(Freud, 2007 [1915a]), Introdução ao narcisismo (Freud, 2007 [1914]), Mais além do princípio do
prazer (Freud, 2007 [1920]), O eu e o isso (Freud, 2007 [1923]), O mal estar na cultura (Freud,
2007 [1929]), Angústia e vida pulsional –Novas conferências introdutórias à psicanálise (Freud,
2007 [1932]), Esboço da psicanálise (Freud, 2007 [1940]).
58
genérico panorama a partir do levantamento bibliográfico
3
sobre o tema, é
possível dizer que a existência desta lacuna continua provocando os interlocutores
da teoria freudiana, que, em algum ponto de seus percursos, se interrogam a
respeito da problemática da sublimação. Desta feita, temos a produção de
trabalhos a partir de uma releitura do conceito na obra freudiana, contemplando
sua discussão, o caminho desenvolvido pelo fundador, os impasses detectados,
assim como a indicação de uma possível síntese a ser abstraída em Freud.
A delimitação teórica desta pesquisa torna evidente ao leitor a
inclusão da contribuição de Lacan, que certamente foi muito além de uma síntese
da produção freudiana sobre o tema. Parafraseando Harari (1997, p.142), o labor
lacaniano sobre o texto de Freud concebe o resgate do conceito de sublimação, em
especial a partir do Seminário 7: A ética da psicanálise. Fundamentalmente, esse
resgate promove o distanciamento do reducionismo, propagado pelos “pós-
freudianos”
4
, pelo qual a sublimação, na condição de facilitadora da adaptação
social, é tomada como um conceito normativo. Ainda neste capítulo me ocuparei
deste resgate, que é também produtor de acréscimos e mesmo diferenças em
relação ao trabalho freudiano sobre a sublimação e a criação.
As incursões realizadas através das pesquisas bibliográficas
também permitiram encontrar publicações recentes sobre o tema em Lacan agora
não mais por lacunas ou fragmentações teóricas, mas talvez pela inegável
complexidade do discurso lacaniano, e ainda por seu efeito de nos instigar ao
trabalho. É preciso acrescentar que alguns desses textos
5
fazem referências à
importância e atualidade do conceito de sublimação em sua conexão ao tema da
criação e às questões clínicas e sociais contemporâneas, fato precioso e mesmo
3
Realizado em vários momentos da pesquisa, em especial junto ao site da Capes e Google
Schoolar, mas não de forma exaustiva, já que tais textos não são aqui abordados de maneira
sistemática. Afinal, a pesquisa não teve por objetivo identificar o estado da arte do conceito
psicanalítico de sublimação, mas sim produzir uma leitura deste tema em articulação com a criação
e a subjetividade contemporânea, em especial a partir dos textos freudianos e lacanianos e de
alguns renomados comentadores destes dois autores.
4
O termo é usado por Lacan e por seus seguidores para indicar os demais grupos de psicanalistas
que, do ponto de vista da própria leitura lacaniana, apresentam orientações divergentes do
pensamento freudiano.
5
Cito aqui os mais recentes e relevantes para as discussões e construções feitas nesta tese: A
Paixão do negativo: Lacan e a dialética (Saflate, 2006); Freud e a Sublimação: arte, ciência, amor e
política (França Neto, 2007); Sublimação: clínica e metapsicologia (Castiel, 2007); A sublimação
depois de Freud (Gellis, 2000: tese de doutorado defendida na USP).
59
oportuno para este percurso de discussão e produção a respeito dos enlaces entre
sublimação, ato criativo e subjetividade.
Com o intuito de tecer mais uma parte da trama necessária para a
construção desta tese, trato neste momento da delimitação do conceito de
sublimação, revisitando sua construção e modificações em Freud e acompanhando
com Lacan um particular resgate do mesmo. Não sendo o presente exercício fato
inédito, dialogo também com outros autores que, em alguma medida,
desenvolveram trabalho semelhante.
60
2.1. Com Freud: da construção do conceito
2.1.1. O esboço conceitual.
Numa tomada cronológica dos textos freudianos, a primeira alusão
à sublimação aparece no período considerado como pré-psicanalítico, sendo
encontrada em 1897 numa das cartas dirigidas a Fliess (Carta 61 – Rascunho L)
onde o termo é empregado em associação a construções fantasiosas, mas ainda
sem propriamente uma elaboração conceitual, e como defesa em relação à
sexualidade. Assim, a sublimação neste momento, sem ser claramente
diferenciada do recalque, tem a função de promover esquecimento de lembranças
dolorosas
6
. Esta conotação de defesa em relação ao sexual associada à sublimação
é fruto da concepção de Freud sobre a sexualidade, o conflito psíquico e o
adoecimento neurótico no início de sua obra (Castiel, 2007). Este período foi
marcado pela produção de conflito em função da dicotomia, presente na chamada
primeira teoria das pulsões, entre satisfação sexual e conservação do eu, com a
necessidade da renúncia ao sexual levando à psiconeurose.
Assim, mesmo tardando um pouco a apresentar a primeira
definição da sublimação – feita em 1905, nos Três ensaios de teoria sexual,
portanto, oito anos após a referência inicial ao termo – esta definição traz
igualmente a marca da defesa contra o sexual, e, mais especificamente, a marca da
dessexualização. Neste momento inicial da teorização freudiana, a
dessexualização das moções pulsionais é tida como um processo essencial para as
realizações culturais e para a normalidade individual, sendo a sublimação
claramente atrelada a tal processo e formulada no sentido de um desvio das metas
6
“Por la identificación com estas personas de moral inferior, que como um material femenino
carente de valor tan a menudo son recordadas em relaciones sexuales com el padre o el hermano,
se vuelve posible um sinnúmero de cargos com reproches (hurto, aborto); y, a consecuencia de la
sublimación de estas muchachas em las fantasías, se incluyen luego en estas fantasías acusaciones
muy inverosímiles contra otras personas.” (Freud, 2007 [1897], v. I, p. 289-90; 1996, v.1, p.297-
8).
61
sexuais para novas metas de orientação distinta
7
. Apesar da indicação de que a
sublimação é uma das fontes para a atividade artística, este texto traz também a
articulação do processo sublimatório à construção de “caráter” do homem. Freud
chega mesmo a não diferenciar tal processo da formação reativa
8
. O processo de
formação reativa, que se manifesta através de comportamentos, atitudes ou
hábitos psicológicos peculiares, e que na clínica adquire valor sintomático, seria
uma “sub-variedade” da sublimação.
El tercer desenlace de una disposición constitucional anormal
es posibilitado por el proceso de la “sublimación”. En ella, a
las excitaciones hiperintensas que vienen de las diversas
fuentes de la sexualidad se les procura drenaje y empleo en
otros campos, de suerte que el resultado de la disposición en si
peligrosa es un incremento no desdeñable de la capacidad de
rendimento psíquico. [...] Una subvariedad de la sublimación
es tal vez la sufocación por formación reactiva, que, según
hemos descubierto, empieza ya en el período de latencia del
niño, y en los casos favorables continúa toda la vida. Lo que
llamamos el “carácter” de un hombre está construido en buena
parte con el material de las excitaciones sexuales, y se
compone de pulsiones fijadas desde la infancia, de otras
adquiridas por sublimación y se de construcciones destinadas a
sofrenar unas mociones perversas, reconocidas como
inaplicables.
(Freud, 2007 [1905], v. VII, p. 218; Freud, 1996
[1905], v.VII, p.225)
A citação acima aclara que, neste momento, a transformação
reativa das moções pulsionais sexuais em sentimentos como asco, vergonha ou
moral é compreendida como um processo sublimatório, o que permite – além da
não especificidade do conceito de sublimação em relação ao da formação reativa –
uma associação direta da sublimação ao mecanismo do recalque, pois é por meio
7
“Los historiadores de la cultura parecen contestes en suponer que mediante esa desviación de las
fuerzas pulsionales sexuales de sus metas y su orientación hacia metas nuevas (un proceso que
merece el nombre de sublimación), se adquieren poderosos componentes para todos los logros
culturales. Agregaríamos, entonces, que um proceso igual tiene lugar em el desarrollo del
individuo, y situaríamos su comienzo en el período de latencia sexual de la infancia.” (Freud, 2007
[1905], v. VII, p.161-2; 1996 [1905], v. VII, p.167-8)
8
Segundo Chemama (1995, p.185), o termo designa um “comportamento ou processo psíquico de
defesa, com valor de sintoma, mobilizado pelo sujeito em reação contra determinados conteúdos
ou desejos inconscientes”. Por exemplo, a “atitude ou hábito psicológico” do pudor se oporia a
tendências exibicionistas (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 200 ).
62
do recalcamento da sexualidade que a formação reativa pode se processar. Além
do mais, é possível evidenciar nesta primeira formulação freudiana do conceito de
sublimação a presença marcante do que se pode denominar de uma moral,
perceptível por certa idealização da sublimação em contraposição ao sexual, em
conjunto com a idéia de normatização, exemplificadas por expressões como
“refreamento de moções perversas” ou “rendimento psíquico” em oposição à
sexualidade como uma “disposição perigosa”, e pela leitura da sublimação como
uma saída frente à “disposição constitucional anormal”. Além de seu caráter
francamente patológico, em virtude da predominância do processo defensivo na
formação reativa, este mecanismo é também entendido por Freud como
participante do desenvolvimento de qualquer indivíduo, exercendo, ao lado da
sublimação, um importante papel “na edificação dos caracteres e das virtudes
humanas” (Laplanche e Pontalis, 2001, p.202). Portanto, em sua primeira
apresentação, a sublimação mais se aproxima da defesa do que da busca de
satisfação, encontrando-se enlaçada ao recalque e à norma social.
Já com um intervalo de tempo menor, o texto de 1908, Moral
sexual “cultural” e doença nervosa moderna, traz novamente uma definição do
conceito, ainda na mesma direção da anterior: “a esta facultad de permutar la meta
sexual originaria por otra, y no sexual, pero psíquicamente emparentada con ella,
se le llama la facultad para la sublimación (Freud, 2007 [1908], v.IX, p.168;
Freud, 1996 [1908], v.IX, p.174). Também neste trabalho Freud aponta as
restrições à vida sexual, impostas pela cultura moderna, como causadoras das
psiconeuroses e assinala a capacidade de uma pequena parte das pessoas
sublimarem ao invés de adoecerem. A despeito de termos ainda a sublimação em
consonância com o recalque, por promover algum tipo de renúncia ao sexual
através do “domínio da pulsão sexual” pela dessexualização, há ao mesmo tempo
uma indicação de que o processo sublimatório promove uma saída diferente
daquela sintomática produzida pelo recalque, pois o direcionamento das forças
pulsionais para fins culturais se contrapõe ao adoecimento neurótico
9
.
9
“Sólo una minoría consigue el dominio por sublimación, por desvío de las fuerzas pulsionales
sexuales desde sus metas específicas hasta metas culturales más elevadas; y aun esa minoría, sólo
temporalmente, y con máxima dificultad en la época de su ardoroso vigor juvenil. Los más se
63
2.1.2. A delimitação da sublimação.
Seguindo a ordem temporal, o próximo texto freudiano a tratar do
conceito de sublimação, talvez um dos mais reconhecidamente associados ao
tema, é Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci, de 1910. Mesmo sem o
objetivo específico de desenvolver uma teoria sobre o processo sublimatório, este
texto apresenta efetivamente uma diferenciação entre sublimação e recalque – já
esboçada em 1908 – e indica que a primeira se dá através do escape da libido em
relação ao recalque, delineando melhor a presença de satisfação pulsional através
da sublimação de uma forma distinta daquela que se dá pelo sintoma via retorno
do recalcado:
El tercer tipo, más raro y perfecto, en virtud de una particular
disposición escapa tanto a la inhibición del pensar como a la
compulsión neurótica del pensiamento. Sin duda que también
aquí interviene la repressión de lo sexual, pero no consigue
arrojar a lo inconciente una pulsión parcial del placer sexual,
sino que la libido escapa al destino de la repressión
sublimándose desde el comienzo mismo en un apetito de saber
y sumándose como refuerzo a la vigorosa pulsión de
investigar. También aquí el investigar deviene en cierta
medida da compulsión y sustituto del quehacer sexual, pero le
falta el carácter de la neurosis por ser enteramente diversos los
procesos psíquicos que están en su base (sublimación en lugar
de irrupción desde lo inconciente); de él está ausente la
atadura a los originarios complejos de la investigación sexual
infantil, y la pulsión puede desplegar libremente su quehacer
al servicio del interés intelectual. (Freud, 2007 [1910], v.XI,
p.74-5; Freud, 1996 [1910], v.XI, p.88)
A teorização proposta por Freud neste estudo sobre as inibições na
vida sexual e na atividade artística de Leonardo da Vinci fundamenta-se na
hipótese de que a curiosidade infantil sobre a sexualidade é transformada em
busca pelo conhecimento, em pulsão de saber. Assim a pulsão sexual é sublimada
em Leonardo para suas pesquisas que inicialmente serviam para arte e que depois
se tornaram primazia em sua vida, chegando a afastá-lo da pintura. Leonardo foi
eleito por Freud como um modelo do processo sublimatório: assim é possível
vuelven neuróticos o reciben algún otro daño. ” (Freud, 2007 [1908], v.IX, p.173; Freud, 1996
[1908], v.IX, p.178)
64
dizer que este texto retrata a posição freudiana, ao menos até a data do artigo,
quanto à essência deste conceito.
Neste momento, Freud considera que a libido permanece sendo a
energia em questão, “sublimada desde o começo”, ou seja, independente do
recalque e livre das substituições sintomáticas passíveis de serem realizadas a
partir do mesmo. Dito de outra maneira, a satisfação da pulsão pela sublimação
dá-se sem conexão com o recalque: recalque e sublimação são mecanismos
distintos. A sublimação funciona como “substituto para a atividade sexual”, mas
mantém a libido como a energia em questão. Assim, a sublimação promove a
satisfação pulsional do sexual através de alvo e objeto não-sexuais. Considerando
estes argumentos, a sublimação, além de defesa contra o sexual, também é via de
satisfação pulsional tal qual está postulado em Pulsões e destinos da pulsão,
momento em que Freud (2007 [1915a]) elege a sublimação como um dos destinos
possíveis para a pulsão sexual. Esses destinos sinalizam, ao mesmo tempo,
satisfação pulsional e defesa contra o pulsional.
Apesar de dela discordar em alguns aspectos, parece-me digna de
nota a leitura de Castiel (2007) do percurso freudiano sobre a sublimação, ao
delimitar três momentos na teorização deste conceito, dos quais o primeiro teria
sido encerrado em 1910, com o estudo sobre Leonardo da Vinci; o segundo se
iniciaria em 1914-15, com Introdução ao narcisismo e Pulsões e destinos da
pulsão; e o terceiro seria marcado pela nova teorização pulsional em 1920 com
Mais além do princípio do prazer. Escreve a autora:
Há momentos distintos da teorização do processo sublimatório
em Freud; um primeiro momento no qual dizia que a
sublimação se caracterizava pela dessexualização pulsional, no
qual haveria uma modificação da meta da pulsão, de tal modo
que os objetivos passariam de sexuais a não sexuais. Em um
segundo momento, Freud define a sublimação como um dos
quatro destinos pulsionais, sendo este o mais evoluído e, mais
tarde, afirma que paralelamente a mudança de meta na
sublimação haveria, também, uma mudança nos objetos.
(Castiel, 2007, p. 12)
Conforme sua proposição, o texto freudiano sobre Leonardo da
Vinci coroa um período inicial da conceituação da sublimação, no qual a
65
sexualidade está imbricada no processo sublimatório, mas de forma que a
sublimação explica as produções culturais como algo possível frente à recusa do
sexual: “a sublimação terá essa marca do que resta ao sujeito diante da renúncia
ao sexual” (Castiel, 2007, p.23). Entretanto, como já assinalado, neste artigo
Freud também expõe a satisfação do sexual via sublimação e não apenas a defesa
do sexual. Ainda considero que a diferenciação entre recalque e sublimação –
apresentada em Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci e já esboçada em
Moral sexual “cultural” e doença nervosa moderna – é um elemento importante
para a saída desta que é denominada, por Castiel, primeira fase conceitual da
sublimação.
Esta diferenciação entre recalque e sublimação, já delineada nos
dois textos freudianos supracitados, torna possível o encadeamento com o artigo
metapsicológico sobre a teoria pulsional de 1915 (Pulsões e destinos da pulsão),
no qual a sublimação é definida como um dos destinos para os representantes-
representação da pulsão e, portanto, um mecanismo distinto do recalque, este
indicado como outra vicissitude pulsional possível. Como já abordado no início
deste capítulo, Pulsões e destinos da pulsão apenas distingue a sublimação como
um destino pulsional, sendo que Freud menciona a futura construção de um artigo
específico, jamais publicado (v. p. 57), para desenvolver tal conceito. No entanto,
é sabido que a capacidade pulsional de mudança de objeto, dentre muitos
elementos a respeito da caracterização das pulsões apresentados neste texto de
1915 (Pulsões e destinos da pulsão), é de extrema relevância na teorização sobre
as pulsões (v. p. 37 e seguintes); e, numa passagem onde apresenta uma
caracterização geral das pulsões sexuais, Freud
10
associa a sublimação a esta
capacidade de plasticidade das pulsões. Tal associação, em meu entendimento,
também é fonte para uma leitura diversa da proposta por Castiel (2007), que
vislumbra, em Freud, o aspecto da mudança de objeto na sublimação apenas a
partir de 1920.
10
“Se singularizan por el hecho de que en gran medida hacen un papel vicario unas respecto de las
otras y pueden intercambiar con facilitad sus objetos (cambio de vía). A consecuencia de las
propiedades mencionadas en último término, se habilitan para operaciones muy alejadas de sus
acciones-meta originarias (sublimación).” (Freud, 2007 [1914a], v.XIV, p.121; Freud, 1996
[1914a’], v.XIV, p.131)
66
Ainda no mesmo período de produção dos artigos
metapsicológicos, temos em Introdução ao narcisismo (1914) importantes
formulações contemplando o processo sublimatório, a começar pela diferenciação
entre sublimação e idealização. De uma forma direta e clara, Freud postula que a
sublimação se refere à pulsão em seu processo de “deflexão” em relação à
sexualidade, consistindo na capacidade da pulsão de afastar-se da satisfação
sexual. Por outro lado, afirma que a idealização se refere ao objeto:
La sublimación es un proceso que atañe a la libido de objeto y
consiste en que la pulsión se lanza a outra meta, distante de la
satisfacción sexual; el acento recae entonces en la desviación
respecto de lo sexual. La idealización es un proceso que
envuelve al objeto; sin variar de naturaleza, este es
engrandecido y realzado psíquicamente. La idealización es
posible tanto en el campo de la libido yoica cuanto en el de la
libido de objeto. Por ejemplo, la sobrestimación sexual del
objeto es una idealización de este. Y entonces, puesto que la
sublimación describe algo que sucede con la pulsión, y la
idealización algo que sucede con el objeto, es preciso
distinguirlas en el plano conceptual. (Freud, 2007 [1914],
v.XIV, p.91; Freud, 1996 [1914], v. XIV, p. 101)
Na seqüência deste texto, e ainda em relação às diferenças entre um e outro
processo, Freud aponta o quanto os mesmos se relacionam distintamente em
relação à causação da neurose, pois a formação de um ideal aumenta as exigências
do eu e assim favorece o recalque, enquanto a sublimação permite atender tais
exigências independentemente do recalque.
Além da nítida distinção entre estes dois processos, o estudo sobre
o narcisimo permite a apreensão de uma das condições necessárias para que se dê
a sublimação: a saber, a retirada do investimento libidinal do objeto sexual pelo
eu, retornando tal investimento sobre si mesmo e, posteriormente, reorientando-o
para novas metas e objeto não sexuais (Chemama, 1995). É possível vislumbrar
em tal formulação, ao menos quatro significativos desdobramentos: a mudança de
objeto no processo sublimatório, a presença da libido e da satisfação sexual na
sublimação, a intermediação do eu na efetivação da sublimação e o
reconhecimento do ideal do eu como favorecedor do processo sublimatório.
Vejamos cada um destes desdobramentos mais detidamente.
67
O primeiro refere-se à não exclusão da mudança também de objeto
no processo sublimatório, ainda que a definição da sublimação esteja diretamente
atrelada à mudança em relação ao alvo de satisfação sexual. Na verdade, faz-se
necessária a troca de objeto para que haja o desvio em relação à satisfação e, ainda
mais, é preciso que o novo objeto seja socialmente valorizado. Embora não
explicitada de forma tão clara anteriormente, a mudança de objeto na sublimação
já se fazia perceber no texto freudiano, tanto em Uma lembrança infantil de
Leonardo da Vinci, quanto em Pulsões e destinos da pulsão: afinal, tal troca fica
evidente nas produções artísticas e é uma das características da plasticidade das
pulsões.
O segundo desdobramento, extraído a partir das idéias de libido do
eu e libido do objeto presentes nas formulações sobre o narcisismo, é exatamente
a confirmação – sim, confirmação, por já identificarmos esta idéia nos mesmos
dois textos freudianos supracitados – da manutenção da libido no processo
sublimatório e, portanto, a não exclusão do sexual nesta nova modalidade de
satisfação. Paradoxalmente, encontra-se neste momento a idéia de uma “deflexão”
da sexualidade e a manutenção da libido no processo sublimatório.
Dessexualização e manutenção da libido; logo, a guisa de uma pequena síntese do
exposto, parece pertinente o seguinte enunciado: o sexual está na origem e se
mantém presente na sublimação, a dessexualização se dá em relação ao objeto.
Agregando elementos mais inovadores do que os dois pontos
anteriores, temos a necessária intervenção do eu narcísico para que a sublimação
possa se efetivar – para que o não-sexual possa satisfazer o sexual – como terceiro
desdobramento da condição de redirecionamento libidinal essencial à sublimação.
É a possibilidade da satisfação narcísica que favorece a criação e dá lugar à
satisfação sublimada:
68
A sublimação será bem-sucedida apenas se houver a
intervenção do eu narcísico, isto é, se obtiver sucesso em
retirar a libido do objeto sexual e fazê-la retornar sobre si
mesmo. Este é o primeiro momento do processo de
sublimação. O segundo momento consiste em dirigir essa
libido retirada do objeto sexual para um outro não sexual. É o
que acontece, por exemplo, na atividade artística onde, através
da satisfação narcísica obtida pelo artista, há um
favorecimento da atividade criadora dando lugar a uma
satisfação sublimada. Entre a satisfação erótica infantil e a
satisfação sublimada há, portanto, a mediação necessária do
narcisimo. O eu narcísico constituí-se como objeto
intermediário através do qual dá-se o deslocamento do objeto
sexual para o objeto não sexual (Garcia-Roza, 2000, p.143)
Aclarada a mediação do eu narcísico no processo sublimatório, e
sabendo que o estudo sobre o narcisismo traz uma importante inovação conceitual
através da introdução do ideal do eu distinguido do eu ideal, o quarto elemento
surge como relevante desdobramento em nossa análise do texto freudiano em
questão, e diz respeito à participação do ideal do eu como um desencadeador ou
favorecedor da sublimação, o que não significa que ele seja responsável pela
efetivação da mesma. Uma pequena digressão se faz necessária neste momento
em função da ainda não superada polêmica (ao menos para alguns) ao redor da
formulação ou não por Freud desta diferenciação conceitual entre eu ideal e ideal
do eu.
De acordo com Garcia-Roza (2000, p.51), o texto original de Freud
apresenta claramente dois conceitos, e não apenas um, ao se referir a “Ich ideal
(ideal do eu) e Ideal Ich (eu ideal)”. A confusão seria de responsabilidade de
alguns tradutores – o que não ocorre na edição argentina da Amorrortu, mas,
infelizmente, é o caso da Edição Standard Brasileira em sua tradução da versão
inglesa das Obras Completas de Sigmund Freud – que interpretaram a diferença
terminológica introduzida por Freud como mero equívoco ortográfico. Já por si
mesma questionável, a hipótese de um erro não se sustenta em virtude do emprego
do termo Ich ideal (ideal do eu) em uma série de outros textos
11
. Roudinesco e
Plon (1998) também são partidários da identificação em Freud de dois conceitos
11
A saber: Conferências introdutórias sobre psicanálise, 1917; Psicologia das massas e análise
do eu, 1921; O eu e o isso, 1923 e Novas Conferência introdutória sobre a psicanálise, 1933
(Roudinesco e Plon, 1998).
69
com diferentes funções, traçados a partir de Introdução ao narcisimo (1914). Por
outro lado, Laplanche e Pontalis (2001, p.139) afirmam não se encontrar em
Freud “qualquer distinção conceitual entre Idealich (ego ideal) e Ichideal (ideal do
ego)”, considerando-a fruto de teorizações posteriores.
Mesmo não havendo unanimidade sobre a questão, parece-me bem
sustentada a hipótese da existência de uma elaboração em Freud dos dois
conceitos, em especial pelo emprego de termos distintos em vários textos, e vou
tomá-la como premissa para retornar à discussão a respeito da articulação entre
ideal do eu e sublimação. Antes, porém, reproduzo o polêmico parágrafo alocado,
não por acaso, imediatamente antes daquele citado acima em que Freud distingue
a sublimação da idealização:
Y sobre este yo ideal recae ahora el amor de sí mismo de que
en la infancia gozó el yo real. El narcisismo aparece
desplazado a este nuevo yo ideal que, como el infantil, se
encuentra en posesión de todas las perfecciones valiosas.
Aquí, como siempre ocurrre en el ámbito de la libido, el
hombre se ha mostrado incapaz de renunciar a la satisfacción
de que gozó una vez. No quiere privarse de la perfección
narcisista de su infancia, y si no pudo mantenerla por
estorbárselo las admoniciones que recibió en la época de su
desarrollo y por el despertar de su juicio propio, procura
recobrarla en la nueva forma del ideal del yo. Lo que él
proyecta frente a sí como su ideal es sustituto del narcisismo
perdido de su infancia, en la que él fue su próprio ideal.”
(Freud, 2007 [1914] v,XIV, p.91; Freud, 1996 [1914] v. XIV,
p. 100-1)
Sucintamente, relembro ao leitor a essência de cada um dos dois
conceitos em questão. O eu ideal pode ser considerado como a imagem do eu
dotado de todas as perfeições, é a imagem idealizada do eu fruto do narcisismo
dos pais, então projetado na criança de forma acrítica. Em seu tempo, o ideal do
eu se organiza pela tentativa de recuperação do narcisismo perdido da infância (eu
ideal), a partir das exigências externas também introduzidas pelos pais e seus
substitutos sociais. Portanto, o ideal do eu se organiza em referência a questões
externas ao sujeito, externas ao puro campo imaginário do eu ideal e em
articulação com as leis, com o lugar do simbólico. Assim, através do
estabelecimento de ideais simbólicos, é o ideal do eu quem direciona o
70
investimento em novos objetos não sexuais e socialmente valorizados no processo
sublimatório (Garcia-Roza, 2000).
Os avanços advindos destes dois textos metapsicológicos,
Introdução ao narcisismo e Pulsões e destinos da pulsão, permitem efetivar na
teoria freudiana sobre o processo sublimatório alguns pontos que já vinham sendo
fragmentariamente esboçados. Definitivamente, no destino pulsional sublimatório
há satisfação pulsional e de forma diversa daquela existente no recalque – a
sublimação é considerada por Freud como “mais evoluída” exatamente por
prescindir ao recalcamento. Havendo tal satisfação, o sexual não se ausenta da
sublimação e a libido é redirecionada através do ideal de eu para novos objetos
socialmente valorizados. Com esta formulação, é inevitável a constatação da
necessária passagem do narcisismo primário do eu ideal para a organização do
ideal do eu para que a sublimação possa se efetivar, restringindo o processo
sublimatório ao campo neurótico
12
.
2.1.3. Acréscimos.
Continuando o percurso de construção do conceito de sublimação
ao longo da obra freudiana, chegamos a 1923, com o artigo O eu e o isso, marco
de uma nova hipótese de funcionamento para o aparelho psíquico, em uníssono
com os efeitos da segunda teoria das pulsões elaborada três anos antes em Mais
além do princípio do prazer (Freud, 2007 [1920]). No que concerne à sublimação,
o artigo sobre uma nova tópica para o psiquismo avança na mesma direção
indicada no estudo sobre o narcisismo, postulando o eu como mediador necessário
para o processo sublimatório, e agora envolvendo também o conceito de
identificação.
Em função do objetivo de delimitação conceitual da sublimação
que norteia este capítulo, tomo pontualmente, em O eu e o isso, a noção de
12
A definição do ideal do eu, tecida no parágrafo anterior ao que comporta esta nota, expressa a
articulação deste à entrada na lei simbólica da castração e, conseqüentemente, demarca sua
pertença ao campo neurótico. Então, se o ideal do eu é, para Freud, o desencadeador da
sublimação, esta última só será possível na neurose.
71
identificação, a despeito dos outros momentos em que a mesma é formulada em
Freud
13
. Partindo do modelo da identificação ao objeto perdido na melancolia,
Freud
14
o amplia para conceituar a denominada identificação secundária,
estabelecida pela finalização do Édipo quando a identificação do eu ao objeto
sexual substitui seu investimento libidinal no mesmo objeto. Neste processo, não
mais aplicável apenas ao adoecimento melancólico, mas também à formação do
eu, Freud visualiza uma espécie de sublimação efetivada pelo eu ao abandonar o
alvo primordialmente sexual e transformar a libido objetal em libido narcísica,
identificando-se com o objeto do qual retira o investimento libidinal.
A partir deste raciocínio, ele propõe que possa ser este o caminho
de toda sublimação, avaliando que neste mecanismo sempre haverá a
intermediação do eu. O eu retira a libido do objeto transformando-a em libido
narcísica, e posteriormente pode – “talvez”
15
possa, como diz Freud –
redirecionar, de acordo com os ditames do ideal do eu, tal investimento para
outros objetos socialmente valorizados na vertente sublimatória
16
. Assim, está
afirmado que o trabalho sublimatório só pode se efetivar na dependência da
passagem ao narcisismo secundário, posteriormente à organização do ideal do eu
e com o término do Édipo, circunscrevendo-se, portanto, ao âmbito da neurose.
Apenas mais um pequeno comentário sobre o trecho acima
referenciado e reproduzido em nota de rodapé: o emprego do advérbio “talvez” é
mesmo intrigante, pois além de remeter à formulação freudiana segundo a qual a
sublimação é o destino pulsional “mais raro e mais perfeito” (Freud, 2007 [1910],
v.XI, p.74; Freud, 1996 [1910], v.XI, p.88), também conduz à indagação a
13
Laplanche e Pontalis (2001) consideram que a exposição mais completa sobre a identificação
feita por Freud, está no capítulo VII de Psicologia de massas e análise do eu (1921), com a
distinção de três modalidades de identificação: a identificação primária pelo laço afetivo com o
objeto; a identificação substitutiva pela escolha de objeto abandonado; a identificação histérica,
produzida pela existência de um elemento em comum entre o sujeito e o objeto.
14
Freud, 2007 [1923], v.XIX, p. 30; Freud, 1996 [1923], v.XIX, p.41.
15
Este é originariamente o termo empregado na ESB, correspondendo ao “acaso” da EA, como se
pode constatar na citação logo abaixo.
16
“La transposición así cumplida de libido de objeto en libido narcisista conlleva, manifiestamente,
una resignación de las metas sexuales, una desexualización y, por tanto, una suerte de sublimación.
Más aún; aquí se plantea una cuestión que merece ser tratada a fondo: ¿No es este el camino
universal hacia la sublimación? ¿No se cumplirá toda sublimación por la mediación del yo, que
primero muda la libido de objeto en libido narcisista, para después, acaso, ponerle {setzen} otra
meta? (Freud, 2007 [1923], v.XIX, p. 32; Freud, 1996 [1923], v.XIX, p.43)
72
respeito de quais os mecanismos reguladores deste “talvez” – ou seja, o que
permite, ou não, que a sublimação ocorra. Questionamento não trabalhado por
Freud, por ora deixado também aqui em aberto, mas essencial a esta pesquisa, ele
virá à baila com toda legitimidade no último capítulo, em que serão tecidas as
articulações finais entre sublimação, ato criativo e o sujeito.
Ainda não esgotados os pontos em que O eu e o isso convoca a
trabalhar sobre o conceito de sublimação, aponto a clara associação feita pelo
autor entre Eros e sublimação
17
. Ao desenvolver tal formulação, Freud, além de
enfatizar a intermediação do eu e o envolvimento do ideal do eu e da identificação
secundária no mecanismo sublimatório, sublinha a ligação deste último à pulsão
sexual. Ao ser associada a Eros, ao campo pulsional capturado pelo psiquismo, a
sublimação é reafirmada como um destino para o pulsional inscrito no psiquismo;
ou seja, um destino para os representantes das denominadas pulsões sexuais. Esta
caracterização, evidentemente, mantém na satisfação sublimada o caráter sexual e
distancia o processo sublimatório do campo da pulsão de morte. Além do mais,
vislumbramos novamente o processo sublimatório ser atrelado por Freud a
aspectos morais, através da vinculação da sublimação às tendências adaptativas e
integradoras de Eros.
Com um pequeno salto temporal, encontramos em O mal-estar na
cultura (Freud, 2007 [1929]) algumas poucas notas sobre a sublimação, mas que
valem ser assinaladas. Numa primeira passagem
18
, ao tratar das maneiras pelas
quais o homem busca contornar a intensa gama de sofrimentos que a vida lhe
impõe, Freud deixa clara a importância da sublimação como um destino pulsional
para a promoção de satisfação por vias alternativas à satisfação sexual direta.
Contudo, avalia que a intensidade da satisfação sublimada é tênue por “não
comover nossa corporeidade”
19
, e indica a dependência deste mecanismo de
17
“Si esta energía de desplazamiento es libido desexualizada, es lícito llamarla también sublimada,
pues seguiría perseverando en el propósito principal del Eros, el de unir y ligar, en la medida en
que sirve a la producción de aquella unicidad por la cual – o por la pugna hacia a cual – el yo se
distingue.” (Freud, 2007 [1923], v.XIX, p.46; Freud, 1996 [1923], v.XIX, p.58.)
18
Tratando-se de uma passagem extensa, remeto o leitor ao texto em questão: Freud, 2007 [1929],
v.XXI, p.77-9; Freud, 1996 [1929], v.XXI, p.86-7.
19
“Por ahora sólo podemos decir, figuralmente, que nos aparecen “más finas y superiores”, pero
su intensidad está amortiguada por comparación a la que produce saciar mociones pulsionales más
73
algumas particularidades, tornando-o não acessível a todas as pessoas. Entretanto,
em nota de rodapé nesta mesma página, são tecidos comentários que ampliam as
possibilidades da sublimação, ao articulá-la não apenas à produção artística ou
científica, mas também ao trabalho profissional de forma geral. Na seqüência da
referida passagem, Freud avalia seu pouco conhecimento a respeito do
funcionamento do processo sublimatório e considera a necessidade de caracterizá-
lo em termos metapsicológicos, observações que denotam a já comentada frágil
elaboração conceitual da sublimação em Freud, a despeito de passados quase
trinta anos desde sua formulação inicial.
É necessário observar como polêmica esta passagem freudiana que
assinala haver na sublimação uma perda de satisfação quando comparada com
aquela obtida diretamente pelo ato sexual, por ser este último capaz de “comover
nossa corporeidade”. Mais uma vez, parece que nos deparamos no texto freudiano
com um elemento que remete a uma possível dessexualização no processo
sublimatório, mesmo a despeito da identificação em Introdução ao narcisimo da
manutenção da libido na sublimação. Novamente o paradoxo: como pensar em
libido dessexualizada? Haveria em Freud, nesse momento, uma alusão a uma
mítica satisfação plena, sem perdas, no ato sexual? Sendo assim, que corpo é este
ao qual ele se refere? Sabemos que o corpo para a psicanálise é da ordem do
pulsional, um corpo erógeno equivalente a um desvio da biologia pelo
atravessamento do orgânico pela linguagem
20
. Isto posto, uma perda de gozo é
característica do humano em seu distanciamento do instinto, a pulsão comporta,
em sua definição, desvio e perda. Acreditar nesta suposta menor satisfação
pulsional na sublimação seria desprezar o aforismo lacaniano de que “não há
relação sexual”, idealizando uma satisfação sexual inigualável e máxima, sem
nenhuma perda de gozo no ato sexual:
groseras, primarias; no conmueven nuestra corporeidad” (Freud, 2007 [1929], v.XXI, p.79). Na
ESB a expressão é traduzida por: “não convulsiona o nosso ser físico” (Freud, 1996 [1929], p.87)
20
Esta concepção do corpo na psicanálise está presente no primeiro capítulo desta tese, à p. 32 e
seguintes.
74
Tal aforismo tantas vezes desprezado, quer dizer que sempre
há uma perda de gozo, dado que o encaixe entre os sexos não é
preciso nem feliz, devido – em termos gerais – ao “desvio”
imposto aos falantes pelos efeitos da linguagem. Portanto, da
mesma forma em que esse gozo resulta perdido em virtude do
não ato sexual, falamos de gozo perdido na sublimação; ao
mesmo tempo, aquilo que se procura restituir como mais-de-
gozo no ato sexual, é o que também se tenta restituir como
mais-de-gozo na sublimação. (Harari, 2001, p.276, grifos do
autor)
Esta discussão será ampliada no próximo tópico deste capítulo, pois a leitura
acima introduzida é fruto das formulações lacanianas, já estando neste momento
indicado o posicionamento de Lacan sobre uma não-inibição da pulsão e,
portanto, do sexual na sublimação.
Numa outra ressalva do artigo O mal-estar na cultura, Freud (2007
[1929]) enfatiza ainda mais a sublimação como um processo particular e
importante para a sociedade, no sentido de ser responsável pelas produções
culturais, indicando seu desenvolvimento como fruto da civilização, como
evidencia a citação a seguir:
La sublimación de las pulsiones es un rasgo particularmente
destacado del desarrollo cultural; posibilita que actividades
psíquicas superiores
científicas, artísticas, ideológicas
desempeñen un papel tan sustantivo en la vida cultural. Si uno
cede a la primera impresión, está tentado de decir que la
sublimación es, en general, un destino de pulsión
forzosamente impuesto por la cultura. Pero será mejor
meditarlo más. (Freud, 2007 [1929], v.XXI, p.95-6; Freud,
1996 [1929], v. XXI, p.103)
Elejo este pequeno trecho do texto freudiano em questão como
exemplificativo deste momento da obra em que Freud destaca na sublimação o
seu caráter de favorecedora do laço social. Como indicado acima, o artigo de 1929
traz apenas algumas poucas notas sobre a sublimação, mas elas têm considerável
valor para esta pesquisa em virtude da associação proposta por Freud entre
sublimação e cultura: afinal, esta tese aponta para a importância de um resgate do
conceito de sublimação em tempos de dessubjetivação e fragilidade dos laços
sociais. Não há em O mal-estar na cultura acréscimos conceituais ao mecanismo
da sublimação; aliás, em termos de desenvolvimento teórico parece ser possível
75
afirmar que os avanços ocorreram até os esclarecimentos advindos dos textos
metapsicológicos sobre a pulsão (1915a) e sobre o narcisismo (1914), encadeados
com o novo modelo da teoria pulsional (1920) e com a organização da segunda
tópica freudiana (1923). Findada a peregrinação proposta pelos principais textos
freudianos nos quais a sublimação é abordada, tracemos em linhas gerais uma
síntese do exposto, numa leitura esquemática do conceito em Freud.
Elaborado, em 1905, sob a égide da teorização inicial sobre a
sexualidade, o conceito de sublimação se confunde com o recalque em virtude de
sua associação a uma espécie de recusa ao sexual, recusa que necessariamente
implica a sua presença na fonte da criação advinda do processo sublimatório. Tal
confusão, que começa a ser desfeita em 1908, é dissipada dois anos mais tarde no
estudo sobre Leonardo da Vinci. A sublimação é um mecanismo distinto do
recalque, é a possibilidade de satisfação do sexual por vias que se distanciam do
adoecimento neurótico e, por isso, Freud lhe atribui uma áurea de superioridade.
Em termos metapsicológicos, a sublimação é caracterizada como um possível
destino para a pulsão sexual, e estabelecida como um processo que diz respeito à
libido objetal, na medida em que está em cena o redirecionamento da mesma para
alvo e objeto não sexuais.
Freud também aclara ser este redirecionamento somente possível
através da mediação do eu narcísico e sob os auspícios do ideal do eu e do
mecanismo da identificação secundária; após a identificação do eu ao objeto, num
retorno narcísico da libido ao eu, é possível a efetivação da sublimação através do
investimento libidinal em objetos socialmente valorizados. Com esta
caracterização, a sublimação em Freud adquire importância nos âmbitos
individual e social – afinal, ela é postulada como uma via de satisfação que se
contrapõe ao adoecimento neurótico e se apresenta como colaboradora do
desenvolvimento cultural. Tal importância acena para um aspecto da sublimação
concernente à clínica, na medida em que ela possibilita satisfação pulsional sem
as formulações sintomáticas. Mais: se ela é uma via para dar forma ao pulsional
via criação e, portanto, põe em cena o desejo e não a recusa do mesmo, é possível
dizer que os efeitos produzidos pelo processo sublimatório se aproximam dos
76
caminhos visados pelo tratamento analítico. Entretanto, Freud assinala quão rara é
a possibilidade de o mecanismo sublimatório se efetivar; e ainda observa que não
se trata de levar o paciente à sublimação, pois é necessário que um quantum de
satisfação se dê diretamente associada à sexualidade.
Diante dessas observações, algumas questões se impõem: por que
Freud dizia ser a sublimação difícil de se efetivar? Do que dependia, para ele, a
possibilidade sublimatória? Como foi assinalado, Freud não fornece as respostas
para tais questões e reconhece a necessidade de avanços na caracterização
metapsicológica da sublimação. Sendo assim, o que podemos dizer a respeito
destas questões nos dias de hoje? Seria a sublimação ainda mais rara na
atualidade, dadas as condições de apatia e dessubjetivação que caracterizam o
homem contemporâneo? E por outro lado, poderíamos pensar em efeitos da
sublimação sobre a subjetividade, no sentido de que a primeira seja uma via de
subjetivação?
Esboçar respostas para essas indagações demandam a continuidade
do trabalho proposto para este capítulo de delimitação teórica da sublimação,
agora abordando o conceito ao longo da obra lacaniana.
77
2.2. Com Lacan: do resgate do conceito
No transcorrer de seu trabalho de uma releitura da obra freudiana,
Lacan aborda o conceito de sublimação numa proposta de resgatá-lo do que
considera distorções estabelecidas pelos denominados pós-freudianos. Esta
tomada da sublimação se dá fundamentalmente no Seminário 7: A ética da
psicanálise, no qual Lacan (1997 [1959-60]) propõe definir os “verdadeiros
fundamentos éticos da psicanálise e construir – graças às descobertas da
psicanálise – uma ética para o nosso tempo, à altura da tragédia do homem
moderno e do mal-estar na civilização” (Marini, 1990. p. 204). Obviamente, não é
à toa que o trabalho lacaniano sobre o processo sublimatório se dê em meio a uma
intensa discussão sobre a ética, pois nele um dos pontos centrais abordados é a
não pertença da sublimação a uma moral adaptativa: a sublimação não se reduz a
um processo em busca de uma boa adaptação social. O conceito de sublimação
foi desfigurado pelos pós-freudianos a ponto de ser igualado ao desempenho
correto de um ofício ou à possibilidade de ganhar dinheiro, numa identificação da
sublimação a uma espécie de “felicidade comportamental”, adaptada ao
socialmente desejável e elogiável (Harari, 1997, p. 142).
Distante deste tipo de formulação de cunho moral e normatizador,
a definição fornecida por Lacan aponta para o centro da economia libidinal ao
referir como fundamental a noção freudiana de das Ding, a Coisa, afirmando que
a sublimação “eleva um objeto à dignidade da Coisa” (Lacan, 1997 [1959-60], p.
140). Para bem compreender tal definição, inclusive no sentido de extrair da
mesma seus possíveis desdobramentos, convido o leitor a me acompanhar no
tracejar de algumas linhas a respeito da leitura lacaniana de das Ding, a Coisa.
78
2.2.1. A Coisa.
A apresentação de das Ding é feita por Freud no Projeto de
psicologia (Freud, 2007 [1950 (1895)])
21
através da formulação de um primeiro
complexo perceptivo organizado em duas partes, sendo a primeira caracterizada
pela estabilidade e imutabilidade, e a segunda, marcada pela instabilidade e
flexibilidade. Neste modelo perceptivo, a Coisa é localizada em sua parte
inalterável e está atrelada aos primórdios da organização psíquica; das Ding é,
para Freud, o objeto perdido, embora nunca realmente possuído a não ser
miticamente, e que deve ser reencontrado. Um reencontro, portanto, impossível
de se dar, mas é em função desta infindável busca pela Coisa, comandada pelo
princípio do prazer, que se forma a rede das representações através dos caminhos
da memória. Assim, “ficamos interminavelmente girando em torno de um centro
que nunca é atingido e que Freud chama de das Ding” (Garcia-Roza, 1990, p.84).
Um centro, ou melhor, um furo, em torno do qual gravitam as representações de
coisa, o que significa dizer que, para Freud, das Ding não pertence ao campo das
representações, mas, paradoxalmente, está presente no psiquismo ainda que por
sua ausência, como evidenciam as palavras de Lacan reproduzidas a seguir:
Das Ding é o que no ponto inicial, logicamente e, da mesma
feita, cronologicamente, da organização do mundo no
psiquismo
se apresenta, e se isola, como o termo de estranho
em torno do qual gira todo o movimento da Vorstellung, que
Freud nos mostra governado por um princípio regulador, do
dito princípio do prazer, vinculado ao funcionamento do
aparelho neurônico, é em torno desse das Ding que roda todo
esse processo adaptativo, tão particular no homem visto que o
processo simbólico mostra-se aí inextricavelmente tramado
(Lacan, 1997 [1959-60], p.76).
Se das Ding está no início, a mãe na qualidade de Outro primordial
pode ocupar o lugar de das Ding, ressaltando que isso não significa equivaler a
Coisa à mãe concreta ou empiricamente falando, mas referenciar a incessante
busca por das Ding na direção de um bem absoluto (de uma plenitude originária,
21
Vale assinalar que este texto, como já antes referido, foi publicado apenas após a morte de
Freud, e que o termo das Ding não é retomado no trabalho posterior de Freud. Assim, das Ding
ganha o estatuto de conceito com a releitura lacaniana.
79
de um Outro absoluto) miticamente atrelado à mãe. Nesta direção, Gellis (2000,
p. 92) afirma que para Lacan “o sujeito não busca propriamente o objeto perdido,
mas suas coordenadas de prazer”, ou seja, a busca é por um estado de satisfação e
não por um objeto em si. Este argumento é central na leitura lacaniana que propõe
uma noção de objeto calcada na falta e não na articulação a algo efetivamente
existente e perdido.
Pensando nesta condição de falta radical, falta não de algo, mas de
nada, parece possível atrelar a Coisa lacaniana com a falta originária que marca a
nossa condição como seres humanos sexuados e mortais. A diferença dos sexos e
a impossibilidade de nos perpetuarmos com a reprodução de idênticos, marca
inauguralmente o humano com uma dupla perda de elementos jamais possuídos: a
completude e a imortalidade. Esta perda originária, falta inaugural não definida
por um anterior já não mais possuído, falta de nada, é a Coisa lacaniana.
Juranville (1987) enfatiza a presença de um caráter ambíguo na
noção de das Ding, pois se por um lado ela se associa à idéia de uma mítica
plenitude absoluta, por outro contempla em sua origem a falta desta plenitude. O
interessante é que nesta ambigüidade, de qualquer forma, estão presentes as
condições de possibilidade do desejo, afinal, não há desejo sem mito da plenitude
e, tão pouco, sem falta. Sobre a articulação da Coisa como possibilitadora do
desejo, Juranville (1987) evoca uma formulação de Lacan que associa a Coisa ao
sujeito do desejo:
[...] o sujeito verdadeiro, para não dizer o bom sujeito, o
sujeito do desejo, tanto no esclarecimento da fantasia quanto
em seu refúgio fora do discernimento, não é nada além da
Coisa, que é dele o que há de mais próximo, embora mais lhe
escape. (Lacan, 1998 [1966], p. 662)
Nestes termos, vislumbramos a Coisa como causa do desejo.
Voltando à associação de das Ding ao lugar da mãe como Outro
absoluto, Harari (1997, p. 73-4) afirma que das Ding “configura o primeiro
exterior hostil com que se defronta o sapiens”, evidenciando o quão devorador é o
desejo materno de reintegração, de reabsorção de seu produto (a criança). É neste
ponto marcado pela possibilidade de um gozo pleno que a mãe se apresentaria
para a criança como das Ding, configurando, assim, este “primeiro exterior
80
hostil”. Sabemos que o movimento das representações regido pelo princípio do
prazer na direção de das Ding leva o sujeito, inevitavelmente, ao encontro apenas
das coisas no sentido dos objetos, caracterizando sempre maus encontros, pois
não há o bom objeto que leve à ausência de toda e qualquer demanda e, portanto,
à extinção do desejo. A este respeito, Lacan (1997 [1959-60], p.93) indica que
das Ding apresenta-se ao nível da experiência inconsciente como aquilo que
desde logo constitui a lei”, lei que se distingue daquela regida pelo princípio do
prazer, governante do inconsciente; lei da Coisa através da qual a
insuportabilidade do bom objeto é evitada.
Foi dito que, já em Freud, das Ding não pertence ao campo das
representações e que se configura como um furo, em torno do qual gravitam as
representações de coisa. Lacan (1997 [1959-60]) desenvolve a idéia da Coisa não
pertencer ao âmbito da linguagem, partindo da diferença estabelecida por Freud
entre das Ding e die Sache. Estes dois termos podem ser traduzidos do alemão
como “coisa”, sendo que as representações de coisa são Sachevorstellungen, e
apenas estas podem se associar às representações de palavra (Wortvorstellungen).
Assim, mesmo constituindo uma espécie de núcleo do psiquismo em torno do
qual gravitam as representações de coisa em articulação com o universo da
linguagem (representações de palavra), das Ding é estrangeira, exterior ao
funcionamento e às leis que regem o inconsciente e também exterior ao campo da
linguagem; mas, paradoxalmente, trata-se do exterior mais íntimo do qual se pode
ter notícia. Reporto-me, mais uma vez, às palavras de Lacan:
A Sache é justamente a coisa, produto da indústria ou da ação
humana enquanto governada pela linguagem. Por mais
implícitas que estejam inicialmente na gênese dessa ação, as
coisas estão sempre na superfície, estão sempre ao alcance de
serem explicitadas. [...] A palavra encontra-se aí em posição
recíproca, visto que se articula, que vem aqui explicar-se com
a coisa, visto que uma ação, ela mesma dominada pela
linguagem, até mesmo pelo mandamento, o terá, este objeto,
destacado e feito nascer. Sache e Wort estão, portanto,
estreitamente ligados, formam um par. Das Ding situa-se em
outro lugar. (Lacan, 1997 [1959-60], p. 61)
Situada em outro lugar, a Coisa freudiana é identificada por Lacan,
ainda no mesmo texto e sempre em referência ao Projeto de psicologia, como
81
“fora do significado” e “anterior a todo o recalque” (Lacan, 1997 [1959-60],
p.71), elementos que atestam a relação de das Ding com a pulsão num além do
princípio do prazer. Lacan enfatiza, como sempre, o valor do texto freudiano,
considerando as formulações de 1895 nada caducas, ao contrário, elas comportam
certo caráter visionário ao posicionar a Coisa em referência a elementos da
teorização pulsional que só seriam elaborados formalmente a partir de 1920.
Ainda um assinalamento importante e bem trabalhado na leitura
lacaniana de das Ding é a distinção entre os objetos e a Coisa. Tal distinção,
assim como a própria noção de das Ding, remonta às origens filosóficas do termo,
e Lacan elege Kant e, especialmente, Hiedegger como interlocutores a respeito de
das Ding. A essência da proposta metafísica é “a idéia da existência de objetos
absolutos, inacessíveis ao conhecimento, mas concebidos como reais em si
mesmo” (Garcia-Roza, 1990, p. 74): o problema é como chegar ao conhecimento
desta coisa-em-si, tida como verdadeira realidade. Temos então uma cisão entre
os objetos dados pela experiência, os chamados fenômenos, e os objetos
absolutos, ou coisa-em-si – trata-se da origem da nossa visada, a diferença entre
os objetos e a Coisa.
É possível dizer que em Kant o termo Ding-an-sich, coisa-em-si, é
o que está para além do mundo organizado por nossa experiência, o que
transcende as possibilidades do conhecimento, mas pode ser pensado; “a rigor,
coisa-em-si é o nome que recebe um pensamento completamente indeterminado
de algo em geral” (Ferrater-Mora, 1994, Tomo I, p. 493). Por sua vez, Heidegger
formula claramente a distinção entre objeto e coisa. O objeto não possui
existência em si mesmo, ele é o que se coloca diante do homem como percepção,
pensamento, lembrança ou imaginação; a coisa independe das vias de
representação às quais estão submetidos os objetos, ela se mantém como coisa
por si mesma. O exemplo de coisa dado por Heidegger, e citado por Lacan, é o de
um vaso que se caracteriza como tal por sua condição de continente; é o vazio, e
não o seu material, que faz o jarro ser jarro. A despeito de ser possível vislumbrar
fundamentos da Coisa freudiana na coisa-em-si kantiana como o que está para
além do campo das representações e, ainda, da coisa em Heidegger como vazio
de determinações, Garcia-Roza (1990) alerta que em Lacan, e acrescento que
82
primeiramente em Freud, a Coisa permanece mítica enquanto para os filósofos
citados ela possui alguma aproximação com o mundo.
2.2.2. A definição da sublimação.
Estabelecido o fundamental a respeito da Coisa, retorno à
formulação de Lacan como síntese de sua teorização a respeito da sublimação: “a
sublimação eleva um objeto à dignidade da Coisa” (Lacan, 1997 [1959-60],
p.140). Da definição lacaniana proponho a interpretação de que o processo
sublimatório reproduz, em alguma medida, o engano que existe ao redor da Coisa
enquanto o objeto mítico da completude e, ao mesmo tempo, atesta a importância
deste objeto não por sua existência concreta, mas sim pela presença da mais pura
falta. Tal engodo é favorecido pela cultura em conjunto com o tecido do registro
imaginário, atribuindo ao objeto em questão a dignidade da Coisa. Friso que o
fundamental não é a associação da Coisa a uma completude imaginária, mas sim
a articulação deste conceito ao vazio e à presença do Real. Assim, a dignidade
advinda da sublimação está no fato desta não elidir o vazio, mas sim sustentá-lo,
permitindo que o Real ganhe forma no ato criativo.
É oportuno lembrar um assinalamento realizado no capítulo
anterior, a respeito de a sublimação permitir ao sujeito distanciar-se de sua
identificação fálica na medida em que a obra ocupa o lugar do que se era para o
Outro (Pommier, 1990); assim, quando um objeto pode elevar-se à Coisa, o
sujeito se liberta, mesmo que temporariamente, das vias de oferenda de seu corpo
ao desejo do Outro. Nesta libertação e pela dignidade da presença do vazio na
Coisa o sujeito se sustenta na sublimação. A sublimação segue em direção
contrária ao encontro do Bem, sustenta a falta – condições por excelência da
subjetividade e do apaziguamento da angústia frente à possibilidade de encarnar a
completude – e promove o encontro com o social na criação de formas e valores
socialmente valorizados: tal é o princípio, e o efeito, da sublimação.
Nos capítulos do Seminário sobre a ética dedicados diretamente à
sublimação, Lacan (1997 [1959-60], p. 111) começa sinalizando o quão essencial
83
é este conceito em relação à “nossa responsabilidade de analista”. Essencial e
também problemático, tanto no sentido da existência de interpretações teóricas,
que, na leitura lacaniana, se distanciam de Freud e da ética psicanalítica, por
produzirem um encaminhamento moral e normatizador, quanto em relação às
dificuldades inerentes ao tema em seu inacabamento na teoria freudiana. Esta
proposição a respeito da íntima relação entre ética psicanalítica e sublimação,
grafada pela responsabilidade do analista, permite vislumbrar em Lacan a
localização da temática da sublimação no âmago da clínica psicanalítica – tanto
no que se refere à condução da cura quanto ao âmbito de uma clínica do social –
caracterizando um elemento de sustentação desta pesquisa em seu viés sobre a
importância da sublimação para a leitura psicanalítica da subjetividade no
contemporâneo.
Dando ênfase à relação da sublimação com o campo pulsional,
Lacan (1997 [1959-60]) relembra o caráter de plasticidade das pulsões e sustenta
o posicionamento freudiano de a sublimação ser um processo relativo à libido
objetal em sua capacidade de satisfação mesmo com a mudança de alvo e de
objeto. Lacan (1997 [1959-60], p.112) considera que em 1905, nos Três ensaios
de teoria sexual, Freud ainda não havia desenvolvido os elementos necessários
(particularmente em relação à teorização pulsional) para uma verdadeira
elaboração do que nomeia de “problema da sublimação”. Ele avalia que tal
formulação tenha de fato ocorrido na obra freudiana no momento da teorização
sobre o narcisismo (Introdução ao narcisismo, 1914), com a distinção entre
idealização e sublimação. Não é excessivo relembrar que tal diferenciação aclara
o enredamento da sublimação à pulsão, pois o processo sublimatório é associado
à libido objetal, enquanto a formação de um ideal diz respeito, exclusivamente, ao
objeto em seu processo de engrandecimento.
Lacan sublinha o fato de que em Freud a sublimação é uma forma
particular de satisfação da pulsão, forma desviada de seu alvo, numa economia
distinta daquela estabelecida pelo recalque, em que a satisfação se dá por vias de
substituição significante na formação sintomática. Aí, neste desvio de alvo, e nem
tanto na mudança de objeto, reside o enigmático no processo sublimatório, afinal,
dada a plasticidade das pulsões, o objeto é sempre o mais variável, não
84
consistindo sua mudança uma particularidade do processo sublimatório. A este
respeito, a tônica lacaniana avança sobre a idéia de um alvo não mais sexual e
para o questionamento de uma dessexualização da pulsão – concepção, como foi
delineado anteriormente, presente no pensamento freudiano, ainda que de forma
ambígua.
Para Lacan o paradoxo relativo ao referido desvio de alvo, em que
uma satisfação pulsional se dá por um alvo que já não é mais o seu, está longe de
ser solucionado por tal formulação de uma dessexualização da pulsão, que ele
considera incoerente e vazia de sentido. Ao contrário, propõe encaminhar esta
questão assinalando a possibilidade sublimatória como reveladora da essência das
pulsões, que, por serem sempre parciais e não se reduzirem ao caráter instintivo,
não mantém uma relação direta com alvo e objeto sexuais no sentido da
genitalidade ou da corporeidade, mas são atreladas à das Ding.
A teoria lacaniana estabelece uma classificação do campo dos
gozos
22
, onde localiza a sublimação na ordem do gozo suplementar, aquele que
transcende o gozo fálico. Em psicanálise o termo gozo “permite falar
simplesmente da meta da libido”, seja no sexo, na fala, na estética ou na gula
(Pommier, 1992, p. 209). No campo psicanalítico, desde os seus primórdios, a
sexualidade foi associada ao símbolo fálico e, numa generalização, passou-se a
falar em gozo fálico para abarcar os prazeres humanos em geral. No entanto,
Freud se deparou com o limite desta exclusividade do falo nos últimos dez anos
de seu trabalho, a propósito de seus estudos sobre a sexualidade feminina.
Reconhecendo as particularidades da sexualidade feminina, Freud “evocou um
gozo próprio da mulher, que não mais podia ser concebido em termos de
amputação em relação à sexualidade masculina” (Pommier, 1992, p.210).
22
Podemos ler em Chemama (1995, p. 90) que o termo gozo designa “diferentes relações com a
satisfação que um sujeito desejante e falante pode esperar e experimentar, no uso de um objeto
desejado”, e se refere ao desejo inconsciente, ultrapassando os afetos, emoções ou sentimentos.
Roudinesco e Plon (1998) historicizam o termo, indicando seu raro emprego por Freud e sua
condição de conceito na obra de Lacan. Inicialmente, o conceito estaria ligado ao prazer sexual,
implicando a idéia de transgressão e participando da perversão enquanto um dos componentes
estruturais do psiquismo, e que posteriormente teria sido “repensado por Lacan no âmbito de uma
teoria da identidade sexual, que levou a distinguir o gozo fálico do gozo feminino (ou gozo dito
suplementar)” (Roudinesco e Plon, 1998, p.299).
85
A classificação do campo dos gozos acima referida é organizada
em três instâncias: gozo do Outro, gozo fálico e gozo suplementar ou gozo Outro.
Uma vez que o sujeito pode escapar ao aprisionamento do gozo do Outro – aquele
que se refere ao momento mítico de completude narcísica – que o acondicionava
ao lugar de objeto, ele se inscreve no circuito do gozo fálico, que inclui o gozo
sexual, o gozo do sintoma e o gozo da fala. Entretanto, num além do falicismo, é
necessário reconhecer uma outra modalidade de gozo, a qual só é possível na
medida em que o gozo fálico se estabeleceu: trata-se do gozo suplementar ou
gozo Outro, onde se localizam o gozo feminino, a sublimação e o gozo místico.
Em condição de acréscimo, a sublimação é suplementar,
especificamente, ao gozo do sintoma pois está além da substituição e
simbolização fálicas. A sublimação é um destino pulsional que permite ao sujeito
ausentar-se da erotização do amor materno através do ato criativo, ultrapassando
a paralisia do sintoma que o aprisionava em posição de falo e, portanto,
localizando-se num para além do gozo fálico. Esta formulação esclarece a idéia, a
princípio paradoxal, de haver na sublimação uma satisfação pulsional desviada de
seu alvo: trata-se de uma satisfação que não se encontra no campo do gozo fálico,
o que significa um apartamento do sexual estritamente em sua alusão ao falo.
Dito de outra forma, o erótico se mantém na obra e não mais no corpo, a pulsão é
dessexualizada no sentido de não mais representar o incesto, desgarrando-se do
falicismo. Em uma palavra, a sublimação não se encontra no circuito das
substituições fálicas e neste fato reside o desvio de alvo e a idéia da
dessexualização.
Esse direcionamento lacaniano, enfatizando o desvio de alvo na
sublimação, desemboca em sua definição do conceito como sendo um processo
que “eleva um objeto à dignidade da Coisa” (Lacan, 1997 [1959-60], p.140),
sublinhando que o objeto em Freud emerge numa relação narcísica e, portanto,
imaginária, no estabelecimento de uma permuta com o amor que se tem pela
própria imagem. Esta referência freudiana é tomada por Lacan para distinguir o
objeto, este que surge a partir da imagem idealizada atrelada ao eu ideal e, depois,
ao ideal do eu, de das Ding, indicando que é exatamente na diferença entre ambos
que se situa a sublimação. Nas palavras de Lacan:
86
É nessa relação de miragem que a noção de objeto é
introduzida. Mas esse objeto não é a mesma coisa que aquele
visado no horizonte da tendência. Entre o objeto, tal como é
estruturado pela relação narcísica, e das Ding há uma
diferença, e é justamente na vertente dessa diferença que se
situa, para nós, o problema da sublimação. (Lacan, 1997
[1959-60], p.124)
Mais uma vez, temos a sublimação como aquela que permite ao
objeto elevar-se à dignidade de das Ding, movimento capaz de promover a
sustentação do vazio, ao invés da anulação da falta. Esta proposição evidencia o
processo sublimatório como capaz de aproximar o sujeito de seu desejo,
encaminhamento que nos faz retornar a Freud (2007 [1910]) quando define a
sublimação como o destino pulsional “mais perfeito”, por escapar ao
recalcamento e, assim, evitar o afastamento do desejo.
É também em referência a essa diferença entre o objeto e das Ding,
assim como em relação à localização desta última – parafraseando Lacan, no
início, lógica e cronologicamente, da organização do psiquismo – que se encontra
uma das maiores divergências lacanianas a respeito da teorização em Freud sobre
a sublimação. No desenrolar do item anterior deste mesmo capítulo, o leitor pode
acompanhar a construção do conceito de sublimação em Freud e, portanto,
constatar que para ele a sublimação só pode consagrar-se pela intermediação do
eu, na medida em que após um retorno narcísico da libido, o eu pode redirecioná-
la para novos objetos e finalidade não-sexuais. Por sua vez, Lacan propõe o
problema da sublimação como anterior à organização do eu e, logo, independente
de seu comando, como é postulado no trecho citado a seguir:
87
O problema da sublimação se coloca muito mais cedo do que
no momento em que a divisão entre as metas da libido e as
metas do eu se torna clara, patente, acessível, no nível da
consciência. Se me é permitido frisar aqui algo do que lhes
comunico, direi que esse termo do qual me sirvo com vocês
para tentar dar, enfim, à sublimação uma articulação conforme
àquilo com que lidamos, das Ding, o que chamo de a Coisa, é
um lugar decisivo em torno do qual se deve articular a
definição da sublimação, antes de [eu] ter nascido e, por uma
razão mais forte, antes de os Ichziele, as metas do [eu],
aparecerem. (Lacan, 1997 [1959-60], p.195)
A absoluta importância de das Ding na concepção lacaniana da
sublimação é evidenciada na citação acima, e, com ela, o distanciamento de
qualquer tipo de comando do eu para o processo sublimatório. A organização do
eu é posterior à instalação da possibilidade sublimatória, esta última, como já
apontado, está no centro da economia libidinal, numa relação direta com a Coisa.
Se das Ding, que ocupa um lugar decisivo para a sublimação, encontra-se de fora
do campo representacional e das leis que regem o funcionamento inconsciente, se
ela (das Ding) está num para além do princípio do prazer, então, enfatizo, a
sublimação se aproxima do movimento pulsional, aquele em circuito ao redor do
objeto, apartada dos ditames do eu e do mecanismo do recalque.
Este posicionamento lacaniano se desdobra para o campo da
criação – temática também central na abordagem lacaniana da sublimação –
circunscrevendo-a a partir do vazio, do nada (ex nihilo
23
), vazio representado por
das Ding como centro, furo em torno do qual se articulam as representações
inconscientes sob a égide do princípio do prazer. A criação se dá a partir do nada,
do vazio, e não por intermédio do eu ou de qualquer manifestação de
voluntarismo, forte argumento para a sustentação da leitura lacaniana da não
identificação da sublimação a um encaminhamento normativo e adaptativo. Esta
relação entre sublimação, criação e vazio será retomada no próximo capítulo,
destinado à construção de uma leitura psicanalítica sobre o ato criativo.
23
A expressão latina, traduzida como do nada (criação ex nihilo: criação do nada), e usada por
Lacan de forma correlacionada ao vazio original que constitui o humano, pois nada há no vazio.
88
2.2.3. Desdobramentos do conceito.
Se a sublimação está associada a das Ding num para além do
princípio do prazer ou numa aproximação do movimento pulsional, acrescento ser
possível identificar em Lacan a articulação do conceito em questão ao Real e à
noção de repetição. Abro, na seqüência, um oportuno e necessário parênteses
sobre o conceito de repetição na teoria lacaniana.
A repetição ganha em Lacan (1988 [1964]) estatuto de conceito
fundamental, ao lado do inconsciente, da pulsão e da transferência. Sua definição
da repetição parte da re-elaboração das proposições freudianas de 1920, numa
recentralização em torno da repetição de forma indissociável da pulsão de morte.
Para Lacan “o que se repete é o que separa a ausência da presença, o Fort e o Da,
isto é, o corte” (Lachaud, 1997, p.237), explícita referência ao momento inaugural
da constituição subjetiva no vel da alienação
24
e à instalação do traço unário no
inconsciente. O corte, momento da separação, cessa a identificação alienante,
instaura a falta e permite o desejo. Respondendo ao mecanismo fundamental de
busca pelo reencontro do objeto perdido, de “fazer ressurgir este unário
primitivo” (Lachaud, 1997, p.238), a repetição repete um fracasso que atesta,
reafirma o impossível do gozo da Coisa.
Para Lacan a repetição não é mera reprodução, ao contrário, ela é
movimento, “pulsação que subjaz à busca de um objeto, de uma coisa (das Ding)
sempre situada além desta ou daquela coisa particular e, por isso mesmo,
impossível de atingir” (Roudinesco e Plon, 1998, p. 658). Desta forma, Lacan –
no primeiro aspecto indicado a seguir, tanto quanto Freud – postula a repetição
como fundadora do pulsional e avalia a presença do novo, do não-idêntico na
mesma. Este caráter de não redução à reprodução, ao mesmo, está articulado à
proposição lacaniana de pensar a repetição em duas vertentes: a do simbólico,
24
A expressão, já trabalhada no primeiro capítulo desta tese à p.42, é usada na teoria lacaniana em
referência à relação entre a mãe e a criança, relação através da qual se processa o trabalho de
causação do sujeito, trabalho composto por duas operações: a alienação e a separação. Recordo ao
leitor que o momento da alienação é aquele em que a criança é tomada na demanda pulsional
materna como objeto, momento que deve ser temporário e seguido pelo tempo da separação,
tempo onde a criança já não mais ocupa o lugar de objeto para a demanda materna. Com o advento
da separação, da queda da criança do lugar de objeto, há a inscrição no inconsciente do
representante psíquico da pulsão, inscrição da falta em ser o objeto ou inscrição do traço unário.
89
automaton, da insistência dos signos na cadeia discursiva, e a do real, tiqué,
considerada a verdadeira repetição no sentido de ser aquela que origina o repetir,
desencadeando, então, a insistência dos signos.
No que se refere aos desdobramentos desta abordagem lacaniana
da repetição para o tratamento analítico, é possível dizer que o já referido estatuto
de conceito fundamental ganha no manejo transferencial toda a sua potência. Para
Freud, após 1920, a repetição passa de mero obstáculo ou erro no tratamento para
a condição de fracasso fundamental, fracasso que julga intransponível e, portanto,
limitador do tratamento (Lachaud, 1997). Por sua vez, Lacan vislumbra no fim
freudiano
25
a própria essência do tratamento analítico, uma vez que a clínica
psicanalítica é para ele uma clínica do Real. Ou seja, se o trabalho analítico se
reduzir ao simbólico ele estará fadado ao sentido, à imaginarização, elementos já
abundantes e promotores de sofrimento na neurose. Assim, o terminável de uma
análise para Lacan está exatamente na possibilidade do reconhecimento do Real,
do impossível, findando, ainda que temporariamente, a busca neurótica de
desconhecimento ou superação do mesmo. Comportar o Real na clínica também
equivale a considerar o movimento da repetição como fundamental no
relançamento e atualização do campo pulsional na transferência; afinal, é a
repetição que possibilita a insistência da cadeia significante e, portanto, viabiliza
o encaminhamento discursivo na transferência.
Portanto, temos a repetição como fundadora do pulsional e
associada ao próprio movimento da pulsão, engendrando o novo nesta busca pela
Coisa. Sendo assim, a repetição, tanto quanto a Coisa, situa-se num “fora do
significado” e é “anterior a todo o recalque”; e mais: em sua própria essência está
a possibilidade de satisfação pulsional. Esta caracterização da repetição em
Lacan, inevitavelmente, remete ao conceito de sublimação no mesmo autor, no
qual a satisfação sublimada se dá a despeito do recalque, numa suspensão do
mesmo e na busca pela Coisa. Como já assinalado, ao circunscrever a sublimação
no centro da economia libidinal e numa direta relação com a Coisa, Lacan
estabelece uma articulação deste conceito com o “fora do significado”, e
25
Alusão ao texto freudiano Análise terminável e interminável de 1937 (Freud, 2007 [1937]), onde
o fim de análise está atrelado ao insuperável da castração e ao fracasso da repetição.
90
interpreta o “sublimando-se desde o começo” da formulação freudiana de 1910
26
como indicativo da associação da sublimação aos primórdios da organização
psíquica – portanto, conclui-se, também atrelada à repetição como fundadora do
pulsional.
A respeito desta localização da sublimação no início da
organização psíquica e enlaçada à repetição, é necessária a remissão ao texto de
Jean Hyppolite (1998)
27
, sobre o artigo freudiano A negação
28
de 1925, no qual
enuncia identificar em Freud a possibilidade de associar a sublimação à gênese do
pensamento através do movimento denegatório
29
. Antes de passar ao
desenvolvimento de Hyppolite sobre o artigo freudiano em questão, evoco os
elementos deste último que se aplicam à discussão aqui estabelecida.
Neste trabalho de 1925, A negação, Freud formula que uma
afirmação construída negativamente na transferência é expressão do inconsciente
em sua forma invertida; assim, quando o paciente nega uma idéia ou lembrança,
devemos considerá-la como verdadeira, pois tal negação comporta uma afirmação
velada. A explicação deste processo é estabelecida por Freud nos seguintes
termos: o conteúdo recalcado pode tornar-se consciente desde que seja negado,
pois esta negação gera uma espécie de suspensão, de cancelamento do recalque,
mas sem a aceitação consciente do recalcado, produzindo uma separação entre o
intelectual e o afetivo
30
.
Na seqüência do texto, Freud rastreia as origens deste mecanismo,
associando-as à formação do juízo e do pensamento, no estabelecimento das
realidades psíquica e exterior. Para ele, as afirmações primeiras do psiquismo são
26
A referência é ao texto Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci e está explicitada e
comentada neste mesmo capítulo, à p.63
27
Este texto intitulado Comentário falado sobre a Verneinung de Freud está incluído como
Apêndice nos Escritos de Lacan (1998, p.893 – 902), dada a relevância atribuída por ele à
contribuição de Hyppolite neste artigo. É a propósito das colocações de Hyppolite que Lacan se
compromete a trabalhar posteriormente sobre o conceito de sublimação.
28
Freud (2007 [1925]), v.XIX, La negación; na ESB (1996 [1925]), v.XIX, A negativa
29
Hyppolite diz preferir traduzir verneinung como denegação por não se tratar “da negação de
alguma coisa no juízo, mas de uma espécie de julgar ao contrário” (Hyppolite, 1988, p. 894).
30
“Por tanto, un contenido de representación e de pensamiento reprimido puede irrumpir en la
conciencia a condición de que se deje negar. La negación es un modo de tomar noticia de lo
reprimido; en verdad, es ya una cancelación de la repressión, aunque no, claro está, una aceptación
de lo reprimido. Se ve cómo la función intelectual se separa aquí del proceso afectivo.” (Freud,
2007 [1925], v.XIX, p.253-4; Freud, 1996 [1925], v.XIX, p.265-6)
91
estabelecidas através do que é introjetado como bom, constituindo os
representantes de coisa, no fugaz momento em que a vivência de ser objeto para a
demanda alheia pode ser significada como boa. Não estando mais o encontro entre
demanda pulsional e objeto na ordem de uma valência positiva – caracterizando
um mau encontro no qual este objeto já não mais satisfaz tal demanda – a negação
destas afirmações primeiras produzem o que fica de fora, o que é excluído do
campo representacional, o que cai como resto e escapa à simbolização, validando
os representantes de coisa como sendo da ordem do simbólico. Em seguida, o eu-
realidade definitivo (Real-Ich) pode iniciar sua infindável busca pelo reencontro
do objeto miticamente perdido, viabilizando o investimento em objetos da
realidade que possam representar, sempre temporariamente, o objeto primordial.
Freud ainda associa Eros, pulsão de vida em seu potencial
unificador, ao movimento inicial das afirmações e introjeção do bom, e a pulsão
de destruição, pulsão de morte, ao excluído, ao ruim que fica de fora da
representação no psiquismo. Se o mau encontro não se instala, se não há negação,
exclusão, se a pulsão não se fecha em seu circuito, haverá prevalência do sujeito
no lugar de objeto, equivalendo à devoração e apagamento subjetivos. Desta
forma, a pulsão de morte está postulada como criadora, promotora de movimento
para a organização do psiquismo, e não como sinônimo de destruição.
Por sua vez e a pedido de Lacan, Hyppolite (1998, p.895) faz uma
leitura do referido texto freudiano à luz da dialética hegeliana
31
, enfatizando que
o termo Aufhebung
32
, empregado por Freud, comporta, ao mesmo tempo, a idéia
de negar, suprimir e conservar e, “no fundo, suspender”. Trata-se de uma
suspensão do recalque sem que este seja suprimido, sem que haja aceitação do
recalcado; aliás, o recalque subsiste através da não aceitação. Esta formulação
indicaria uma apresentação do ser pela maneira de não sê-lo: apresento o que eu
não sou, afirmação sustentada pela negatividade. Como observado acima, no
31
A dialética hegeliana é fundamentada na negatividade, a qual é responsável pelo devir criativo
do homem e por seu acesso à sabedoria (Wine, 1992). Para Ferrater-Mora (2000), a dialética em
Hegel significa o momento negativo de toda realidade e é a dialética que torna possível o
desenvolvimento, o amadurecimento e a realização da realidade.
32
O termo é familiar para Hyppolite a partir da filosofia de Hegel, na qual era um grande
especialista. Wine (1992) destaca este termo como fundamental em Hegel para relativizar a
negação, em virtude de ele apontar para a manutenção do negado enquanto negado, para a
transformação sem a aniquilação completa.
92
texto freudiano a negatividade e a pulsão de morte assumem um caráter de
movimento que permite a gênese do psiquismo. Em termos lacanianos, este
movimento instaura, concomitantemente, o real como o impossível de inscrição e,
portanto, como o que fica de fora do aparelho psíquico, e o simbólico como o
traço, marca do registro pulsional no inconsciente.
Quanto à já indicada associação, feita por Hyppolite, entre a
sublimação, a denegação e o nascimento do pensamento, é possível afirmá-la
como fundamentada na premissa freudiana sobre o intelectual originar-se de uma
separação do afetivo, ou melhor, o intelectual ser efeito da suspensão do conteúdo
afetivo por meio do processo denegatório. A este caráter de suspensão presente na
denegação e na gênese do intelectual, estaria enlaçada a sublimação, sendo esta
última identificada à própria suspensão que gera o intelectual
33
. Desta forma,
temos a sublimação vinculada aos primórdios da organização psíquica – portanto,
à fundação do pulsional – do aparelho psíquico e, conseqüentemente, do sujeito.
Sobretudo, temos a sublimação associada à produção do intelectual e, portanto, à
criação. Nesta direção, Wine (1992) propõe que a sublimação seja compreendida
como responsável pela estruturação e expansão do psiquismo na medida em que
ela viabiliza o uso da pulsão dentro do mesmo. Assim, a satisfação sublimada se
daria pela redução da tensão não pelo escoamento da energia pulsional para fora
do aparelho psíquico, mas pelo uso da mesma na estruturação e ampliação deste
aparelho
34
. Este pensamento segue na direção de articular a sublimação com a
singularidade do sujeito.
33
Entendo que Hyppolite faz esta formulação a partir do texto freudiano de 1910, Uma lembrança
infantil de Leonardo da Vinci, onde a sublimação é “desde o começo” atrelada à pulsão de saber e,
portanto, à gênese do pensamento. Na p.63 deste mesmo capítulo o leitor pode recuperar a citação
freudiana em questão, assim como os comentários tecidos sobre a mesma.
34
“Neste ponto do percurso, esperamos poder sustentar que a essência da sublimação é a
capacidade cada vez maior que o psiquismo tem de utilizar a energia que o invade para se expandir
e se estruturar. Ao deter partes desta energia, ao invés de escoá-las para fora, o psiquismo se
estrutura e se amplia. O aparato complexifica-se cada vez mais e, ampliando-se suas redes,
aumenta sua tolerabilidade e suportabilidade em relação à tensão que a energia pulsional causa. A
satisfação sentida na sublimação não se dá por conta da descarga da energia pulsional para fora do
aparato psíquico e da conseqüente diminuição da tensão; a satisfação “outra” que a sublimação
ocasiona é sentida por redução da tensão e da pressão dentro do aparato psíquico. Essa redução
ocorre porque a energia, em parte, é convertida em energia que estrutura e amplia o próprio
aparato e o que resta é mais bem distribuído nas redes mais complexas, perdendo sua intensidade.”
(Wine, 1992, p.97-8).
93
No meu entendimento, estas formulações permitem pensar numa
sempre possível expansão do psiquismo, uma vez que não é viável reduzirmos a
sublimação apenas aos primórdios da existência humana. Esta idéia é reafirmada
pela articulação da sublimação com um sujeito singular, sempre diferente, e abre
as portas para os caminhos que venho delineando desde o início desta tese sobre a
presença do sujeito no ato criativo via sublimação. Expansão e ampliação podem
ser interpretadas como movimento na direção do novo, movimento pulsional
associado à repetição que não reproduz, mas produz. Produz, sempre, uma nova
possibilidade de existência para o sujeito através da reafirmação do gozo
impossível da Coisa. A sublimação é também, e por excelência, uma via de
produção onde o sujeito pode advir através do ato criativo.
E ainda proponho, formalmente, como questão: seria a sublimação
uma espécie de alternativa à repetição, na medida em que esta última põe em ato
o Real enquanto que a primeira pode comportá-lo com o suporte do imaginário no
ato criativo? Em outros termos, a sublimação eleva à dignidade da Coisa e a
repetição expõe – pondo em ato – a face de horror da Coisa.
2.2.4. Reafirmações
Dando continuidade aos comentários sobre o texto lacaniano em
questão, destaco um trecho onde, a título de complemento, como uma
“curiosidade sobre a sublimação” (Lacan, 1997 [1959-60], p.198), Lacan aponta
um paradoxo da sublimação ao afirmar que a mudança de objeto não
necessariamente faz desaparecer o objeto sexual no processo sublimatório. Para
tanto, faz referência aos textos literários que apresentam alusões explícitas ao
sexual, nos quais o objeto sexual emerge e se destaca, sem por isso deixarem de
caracterizar uma via de sublimação, mesmo que distante do sublime no sentido do
nobre e afastado do sexual.
A dimensão deste comentário, feito como que de passagem, vai
muito além de uma simples curiosidade. Em primeiro lugar, é possível nele
identificar mais um argumento a respeito da discussão, desenvolvida algumas
94
linhas atrás, sobre o destaque atribuído por Lacan à mudança de alvo na
sublimação: a satisfação é desviada em seu alvo, mesmo não desaparecendo o
caráter sexual do objeto. Por outro lado, é incontestável que com este
apontamento Lacan leva às últimas conseqüências o posicionamento de que na
sublimação a satisfação permanece na ordem do sexual, mas num campo do gozo
suplementar, e não do gozo fálico. Assim, está soterrada a problemática em torno
de uma suposta dessexualização da pulsão a partir do acréscimo de que nem
mesmo em relação ao objeto exista uma necessária dessexualização na visada
sublimatória.
Isto posto, é preciso esboçar um questionamento a respeito da
segunda parte do enunciado, já formulado neste texto à guisa de síntese, a
respeito da temática da dessexualização da pulsão na teorização freudiana da
sublimação, a saber: o sexual está na origem e se mantém presente na
sublimação, a dessexualização se dá em relação ao objeto. De qualquer forma há
uma mudança em relação ao objeto, pois, obviamente, a presença do sexual no
texto ou em qualquer outro tipo de obra não equivale ao objeto sexual
propriamente dito, mas sim consiste numa representação ou alusão ao mesmo.
Ressalta-se que a possibilidade de tal presença estar explicitada também pelo
objeto na via sublimatória é marca confirmadora do sexual em sua origem e
processo. Também é viável identificar neste breve comentário o elemento central
em torno do qual Lacan desenvolve o resgate do conceito de sublimação a partir
de Freud, pois, não havendo necessariamente neste processo a presença do
sublime no sentido do afastamento do sexual, delimita-se o distanciamento da
sublimação em relação aos ditames de uma moral normatizadora e ainda a não-
submissão do processo sublimatório ao adaptável e elogiável socialmente.
Localizo ainda alguns elementos importantes a respeito da
sublimação apontados no Seminário sobre a ética, mas, por sua direta relação
com as questões da criação, faço a escolha de abordá-los no capítulo a seguir,
dedicado a desdobrar o tema da sublimação no que concerne ao ato criativo.
Refiro-me ao tratamento dado por Lacan ao amor cortês, e sua relação com a arte
como forma de sublimação, e, ainda à indicação da religião e da ciência também
como vias sublimatórias, sendo exatamente a concepção da criação a partir do
95
vazio (ex nihilo) o traço comum a estes elementos. O leitor ainda vai se deparar
nos dois capítulos subseqüentes com referências sobre a sublimação, oriundas dos
seminários A lógica do fantasma e O ato psicanalítico, alocadas nestes capítulos
também em virtude da articulação ao tema do ato criativo e da relação entre
sublimação e final de análise.
Antes, porém, do terceiro capítulo, esboço uma síntese deste item,
tal qual foi realizado a respeito do conceito de sublimação em Freud, com o
intuito de produzir uma leitura esquemática da sublimação em Lacan, no afã de
viabilizar integração e fluência do texto. De acordo com a essência da produção
teórica em Freud, Lacan também situa a sublimação como uma particular forma
de satisfação pulsional pelo fato de esta prescindir do recalque e ser desviada de
seu alvo e de seu objeto sexuais. Entretanto, Lacan enfatiza o desvio em relação
ao alvo, reafirmando o caráter de plasticidade do objeto pulsional e sublinhando a
presença do sexual, do erótico na sublimação. Situada na ordem de um gozo
suplementar, a sublimação transcende o gozo fálico e possibilita o
desprendimento do sujeito do lugar de falo para o Outro.
Com a preocupação de demarcar a sublimação em sua íntima
articulação com o campo pulsional e, ainda mais, no centro da economia libidinal,
Lacan remete o processo sublimatório à das Ding, a Coisa, através da fórmula de
elevação do objeto, pelas vias do imaginário, ao estatuto da Coisa. Desta feita,
com o vínculo ao vazio da Coisa, ele situa a sublimação como anterior a todo
recalque e independente dos ditames do eu e da vontade, primando por
demonstrar a relevância deste conceito e sua não-assimilação a ideais adaptativos
e normativos, ou ao desejável socialmente. Ao mesmo tempo, a articulação da
sublimação à pulsão, sua localização nos primórdios da organização e
estruturação do psiquismo e a ligação com a Coisa, que é marcada pelo que está
de fora do campo representacional, vinculam-na ao Real e à repetição.
Indissociável da noção de pulsão de morte, a repetição é situada
por Lacan como um dos pilares da psicanálise e definida, como vimos
anteriormente (p. 88), em dois eixos: automaton, que marca a insistência dos
signos na cadeia discursiva, e tiqué, relativa à instalação pulsional, produzida no
96
momento do corte, da separação, quando o Real se faz como impossível e valida
o traço como representante psíquico da pulsão. Em Lacan, tiqué, a verdadeira
repetição ou repetição diferencial, repete o impossível do gozo da Coisa, o corte,
o reencontro sempre faltoso. E não é a sublimação exatamente a comprovação do
vazio e do impossível da Coisa?
A sublimação é circunscrita por Lacan ao âmbito da ética
psicanalítica, da responsabilidade do analista e, portanto, no eixo da clínica
psicanalítica; aliás, tal qual acontece com o conceito de repetição no mesmo
autor. Mais uma vez, e agora com maior evidência, as vias sublimatórias estão na
direção pretendida pelo tratamento analítico, numa aproximação do sujeito ao seu
desejo e na produção de laço social, através da possibilidade de satisfação
pulsional de forma independente das distorções sintomáticas e do adoecimento
neurótico. Se o fim de análise em Lacan aponta para o reconhecimento do Real,
para o abandono do imaginário de totalidade e se a sublimação é de uma ordem
que comporta o Real, que o viabiliza com o suporte do imaginário, tem-se uma
aproximação entre fim de análise e sublimação.
Esta aproximação será discutida no capítulo conclusivo desta tese
(capítulo 4), mas já adianto que não se trata de forçar o sujeito para a sublimação
e, muito menos, de postular a sublimação como um ideal; aliás, espero ter sido
clara a respeito da visada lacaniana de retirar da sublimação qualquer nuance de
ideal normatizador e adaptativo. Feita esta oportuna e necessária ressalva, e
destacadas as contribuições lacanianas para o conceito de sublimação, retorno às
questões formuladas a partir da teorização em Freud na tentativa de respondê-las.
Parece possível relacionar a postulada “escassez” freudiana da
sublimação com o fato de este autor considerar o limite do tratamento analítico
associado ao intransponível da castração e ao fracasso imposto pela repetição.
Afinal, se Freud entendia a sublimação como uma via de satisfação pulsional
independente do recalque e num desvio de alvo e objeto sexuais, apontava já na
direção de um para além do princípio do prazer e num para além do circuito
fálico, e foram estes os caminhos trilhados por Lacan em sua concepção da
sublimação. Mas o horizonte freudiano não incluía este além na categoria de um
impossível a ser tomado como tal e assim considerado para efeito de fim de
97
análise – ao contrário, vislumbrava ali o limite da clínica psicanalítica e, talvez,
fossem também estes os limitadores do processo sublimatório para Freud.
A partir deste raciocínio, é possível considerar que a idéia
freudiana de uma espécie de escassez da possibilidade sublimatória teria em
Lacan vias de ampliação pelo tratamento analítico? Enfatizo não se tratar de
afirmar a sublimação como um equivalente à cura, as pessoas não deixam de
fazer sintoma porque sublimam, não há uma troca de sofrimento por sublimação,
não há ideal a atingir. Entretanto, a enunciada aproximação entre sublimação e o
que concerne ao fim de análise em Lacan, indica que a sublimação pode ser
alcançada pela análise; pode ser, formulação que assume conotação similar ao
“talvez” freudiano, comentado neste mesmo capítulo, presente no texto O eu e o
isso, de 1923, e indicativo da dependência para a ocorrência da sublimação de
elementos não esclarecidos por Freud. Pergunto, por ora, se tais elementos não
estão diretamente associados ao que de mais particular possa haver para um
sujeito: a sua organização fantasmática, fruto de uma história singular.
Com este último comentário, mantenho a questão elaborada no
final do item anterior sobre haver um outro tipo de escassez da sublimação nos
dias de hoje, aquela atrelada ao perfil apático, de “cabeça reduzida”, do sujeito no
contemporâneo. Contenho neste ponto os adiantamentos e grifo o retorno a estes
aspectos aqui esboçados no capítulo final da tese. Proponho agora a continuidade
do texto com a abordagem psicanalítica do tema da criação a partir de um recorte
enfocando o ato criativo. Este próximo capítulo certamente agregará elementos
muito relevantes à discussão da sublimação, para em seguida tecer o acabamento
das amarras entre sublimação, ato criativo e sujeito.
98
Capítulo 3
Ato criativo
o sujeito na sublimação
3.1. Ato criativo
Este capítulo é efeito de um desdobramento do conceito de
sublimação e, ao mesmo tempo, de um recorte sobre o tema da criação
1
,
circunscrevendo neste momento a questão do ato criativo
2
como foco: trata-se,
não me parece redundância enfatizar, de uma leitura psicanalítica, sempre de
fundamentação freudo-lacaniana, sobre a questão em pauta. Havendo, explícita e
intencionalmente, este caráter de desdobramento em relação ao capítulo
precedente, devo alertar o leitor para a possibilidade de se deparar com elementos
já esboçados antes. Entretanto, os mesmos ganharão neste momento um
tratamento particular visando a delimitar a noção de ato criativo conforme as
proposições psicanalíticas, sempre com o intuito de gradualmente tecer e
enriquecer a discussão e os enlaces almejados para o capítulo final entre
1
Segundo Ferrater-Mora (2000, Tomo I, p.608) o termo criação pode ser entendido,
filosoficamente, em quatro sentidos: “1.produção humana de algo a partir de uma realidade
preexistente, mas de forma que o produzido não se encontre necessariamente nessa realidade; 2.
produção natural de algo a partir de algo preexistente, mas sem que o efeito esteja incluído na
causa ou sem que haja uma estrita necessidade desse efeito; 3. produção divina de algo a partir de
uma realidade preexistente, resultando então, de um caos anterior, uma ordem ou um cosmo; 4.
produção divina de algo a partir do nada”. O primeiro sentido é o que usualmente se dá à produção
humana de bens culturais, mas o mesmo esteve freqüentemente ligado, ao menos na história da
filosofia ocidental, ao terceiro e quarto sentidos, numa relação dialética entre criação a partir do
preexistente e a partir do nada.
2
A expressão é usada por Pommier (1990) com o intuito de demarcar o caráter de atividade
presente na sublimação – e manifesto no ato de criar, na autoria de uma obra – em contraposição à
passividade da produção sintomática. Esta argumentação será apresentada e discutida mais adiante,
neste mesmo capítulo.
99
sublimação, ato criativo e sujeito – em especial no que tange às particularidades
deste último na contemporaneidade
Este objetivo também sustenta a condição estabelecida de um
recorte sobre o tema da criação, destacando do mesmo o que é de estrito interesse
desta pesquisa, em acordo com sua orientação teórica e suas metas. A propósito,
tanto pelo caráter de desdobramento, quanto pelo de recorte, a escolha da
expressão ato criativo, tomada na acepção de atividade e presença de um sujeito
no processo sublimatório, não se reduz a uma mera questão de estilo. Ao
contrário, constitui uma referência ao âmbito desta pesquisa, demarcando o foco
na singularidade, no que é da ordem do sujeito da psicanálise, sujeito que também
se faz presente no e pelo ato criativo em virtude de seu caráter de não-alienação e
viabilização de satisfação pulsional sublimada, pondo em cena o desejo
inconsciente numa suspensão do recalque
Além do mais, o ato comporta o humano, não existe ato que
exceda o humano e, portanto, este implica o sujeito, ainda que, paradoxalmente,
por aparentes maneiras de não sê-lo, como ocorre, mesmo que de diferentes
formas, nos atos falhos, nos atos sintomáticos, nas atuações, nos acting out e nas
passagens ao ato
3
. Os atos falhos e sintomáticos, por definição, são a expressão
metafórica de um desejo inconsciente à revelia do querer consciente; são atos
psíquicos
4
, por serem fruto de uma intenção do sujeito do inconsciente.
Por sua vez, os termos acting-out, atuação e passagem ao ato,
comportam semelhanças e especificidades em suas definições que merecem ser
apontadas. O termo acting out foi adotado por psicanalistas ingleses para traduzir
o que Freud denominou de Agieren – e não mais de Akt –, para designar a
colocação em prática, e não em palavras, de pulsões, fantasias e desejos. Lacan
faz uma distinção entre estas três possíveis modalidades em que o sujeito coloca
algo em prática de forma impulsiva: a atuação é entendida como significante,
permitindo que o sujeito aí se identifique e se transforme. O acting out é uma
3
A partir do vocábulo freudiano Akt, propõe-se a existência de “uma família conceitual integrativa
do campo semântico psicanalítico, a saber: o ato falho em geral, o ato sintomático e causal, o
acting-out, a passagem ao ato, a colocação em ato, o horror ao e do ato, a intervenção em ato e –
last, but not least – o ato analítico.” (Harari, 2001, p.45). Mais à frente retorno às idéias deste
autor a respeito da noção de ato e, em especial, de ato analítico.
4
A expressão é usada por Freud em Conferências Introdutórias sobre Psicanálise de 1916-17.
100
demanda de simbolização, de interpretação, é assumida por um sujeito e dirigida
a um outro sujeito. A passagem ao ato indica o não simbolizável, é um agir
verdadeiramente impulsivo no qual o sujeito se vê confrontado e identificado
com aquilo que ele é como objeto para o Outro; é ao mesmo tempo demanda de
amor, de reconhecimento simbólico (Roudinesco e Plon, 1998 e Chemama,
1995). De qualquer forma, em graus e condições diferentes, temos a presença, ou
a tentativa desesperada da presença, de um sujeito do inconsciente tanto nos atos
falhos e sintomáticos, quanto em cada uma destas três modalidades de Agieren;
ou seja, de alguma forma, o ato implica o sujeito, e assim também o é no ato
criativo em seus enlaces com a sublimação.
Acrescento a este raciocínio que o termo criativo deve ser
compreendido em uníssono com a presente idéia de ato, ou seja, no sentido
daquilo que pode ser produzido, criado, de forma ativa por um sujeito nos
trâmites da sublimação. Não há em tal concepção nenhuma necessária amarra
com o campo da criação artística, das normas estéticas ou com o compromisso de
gerar o diferente ou o inovador. Este posicionamento está contido na célebre
formulação lacaniana, trabalhada no capítulo anterior, sobre a sublimação ser um
mecanismo que “eleva um objeto à dignidade da Coisa” (Lacan, 1997 [1959-60],
p. 140), pois sabemos tratar-se de qualquer objeto que possa adquirir a qualidade
de representante da Coisa através da sublimação no ato de criar.
Para exemplificar este ponto, Lacan evoca uma lembrança que
elege como representativa do que é “inventar um objeto numa função especial,
que a sociedade pode estimar, valorizar e aprovar” (Lacan, 1997 [1959-60],
p.142). O exemplo tem origem em visita à casa de um amigo, ao se deparar,
numa época marcada por forte restrição econômica na França, com um arranjo
feito com caixas de fósforos vazias encaixadas umas nas outras e assim dispostas
no entorno da lareira. Lacan enfatiza que tal arranjo fez com que a caixa de
fósforos deixasse de ser simplesmente um objeto e, em virtude da forma em que
estava proposta, passasse a ser uma Coisa. É a revelação da Coisa para além do
objeto numa promoção de satisfação que, nas palavras de Lacan (1997 [1959-60],
p.144 ), “não pede nada a ninguém”.
101
Desprovido de qualquer compromisso com normas estéticas, com
o grandioso e com qualquer tipo de utilitarismo, o criativo está na possibilidade
da revelação ou da apresentação da Coisa a partir de um objeto. Com este
enfoque, o original articula-se ao singular, às especificidades advindas da
organização pulsional e da constituição subjetiva de cada um de nós, que, com o
ato criativo, podem ganhar particular apresentação através da sublimação. Enfim,
o que aqui se denomina ato criativo importa mais por seus efeitos de subjetivação
sobre aquele que o produz do que pelas qualidades ou status do que é produzido.
Dito de outra maneira, ainda que seja possível identificar aí um laço com o social
e uma possibilidade de aprovação do social, tais elementos não são os definidores
do criativo aqui em causa.
Ao mesmo tempo, tal concepção de criativo permite uma alusão à
clinica psicanalítica, na qual, da parte do analista, o ato analítico comporta
criatividade e, do lado do analisando, impulsiona o trabalho de elaboração. Esta
elaboração, por sua vez, talvez possa encaminhar-se para o ato criativo, num
entrelaçamento entre labor analítico e sublimação e, ainda, entre sublimação, ato
criativo e subjetividade. A este respeito, Harari (2001, p.278) retorna sobre uma
formulação de Lacan em A lógica do fantasma [1966-67], “segundo a qual um
fruto típico da situação analítica é a sublimação”, enfatizando que a palavra
“típico” se diferencia de exclusivo ou de ineludível. Haveria certo modismo,
equivocado, que tenderia à idéia de a análise encaminhar o analisando para “uma
aptidão nebulosa destacada como ‘criatividade’” (Harari, 2001, p.276). Podemos
desdobrar estas afirmativas na direção dos parâmetros aqui indicados para a
noção de ato criativo, enfatizando não se tratar do desenvolvimento de dons
artísticos na sublimação ou no transcorrer analítico: não há na sublimação um
compromisso com a criação artística.
Assim, antecipo e indico que a discussão mais abrangente deste
ponto será ainda desenvolvida no próximo e último capítulo deste trabalho de
tese: a condição de “fruto típico” não postula a sublimação como o equivalente ao
fim de análise e, mesmo sendo possível traçar aproximações entre uma e outra, há
necessárias ressalvas a serem feitas a este respeito, afim de que a sublimação não
102
seja tomada como um ideal a ser atingido pelo tratamento analítico ou por
qualquer outro caminho.
A noção de ato analítico ganha destaque na teorização lacaniana
5
,
e pode ser definida como “a intervenção do analista no tratamento, enquanto ela
constitui o enquadramento do trabalho psíquico e possui um efeito de travessia”
(Chemama, 1995, p.18). Tal definição está ancorada na compreensão de que o
tratamento analítico deve ir além da deposição sintomática e viabilizar que o
sujeito possa reposicionar-se subjetivamente, rompendo, verdadeiramente, com a
estagnação e as amarras fantasiosas do gozo sintomático. Esta ruptura com uma
modalidade de gozo sintomático, e sua conseqüente ascensão a formas de
satisfação menos sofridas e distorcidas, é possibilitada, então, pelo trabalho
analítico na medida em que ele favoreça uma retomada significante tanto dos atos
psíquicos quanto daquilo que é posto em ato. Desta forma o sujeito pode traçar
seu percurso de atravessamento de sua organização fantasiosa e reposicionar-se,
mais efetivamente, na qualidade de sujeito do desejo. Nas palavras de Lacan:
Si tenemos que introducir y muy necesariamente a nivel de
psicoanálisis la función del acto, es en tanto que ese hacer
psicoanalítico implica profundamente al sujeto. Que a decir
verdad, y gracias a esta dimensión del sujeto que renueva para
nosotros completamente lo que pude ser enunciado del sujeto
como tal y que se llama el inconsciente, este sujeto en el
psicoanálisis, es, como ya lo he formulado, puesto en acto.
(Lacan, s.d [1967-68], p. 3)
No conceito de ato analítico estariam envolvidos os parâmetros
definidores e norteadores da teoria e da clínica psicanalíticas, assim como a
maneira como se processa o seu ensino. Não seria mais suficiente para abarcar as
mudanças impostas à subjetivação em nossa época – e acrescento, também não
ser mais possível após as contribuições de Lacan – delimitar a clínica
psicanalítica exclusivamente ao campo do Simbólico, sendo necessária a inclusão
do Real na transferência para a verdadeira superação de uma “hermenêutica
5
Lacan considera especificamente esta questão em dois seminários ainda não publicados
oficialmente no Brasil: A lógica do Fantasma (1966-67) e O Ato Psicanalítico (1967-8).
103
interpretativa”.
6
A noção de ato em Freud
7
é explicitada no vocábulo Akt, e,
lamentavelmente, foi obscurecida com a tradução para ação, feita por Etcheverry
na edição da Amorrortu:
Quando falamos do ato analítico, ou do que é um lapsus
linguae, ou do esquecimento dos nomes próprios, nada disso
tem a ver com fenômenos referentes a movimento motor. A
partir de uma etimologia antiga, ato se acha muito ligado a
ator e autor é uma das acepções de ator. (Harari, 2001, p.43).
Nesta formulação, o caráter de autoria potencializa a idéia acima
desenvolvida sobre a presença, ao menos em alguma medida, do sujeito nas
variantes do ato. Em sua especificidade, o ato analítico deve apontar para o que é
de uma ordem novadora que provém do ainda não-simbolizado, que se repete
pela impossibilidade de inscrição ou de representação no psiquismo. Produzir
algo novo a partir do que insiste como inapreensível pelo sujeito, dar forma a um
campo pulsional que embora seja efeito de linguagem se localiza de forma
exterior à mesma. Assim, o ato analítico é ato criativo e, inevitavelmente, remete
à noção da Coisa, que está no centro do psiquismo, mas é exterior ao campo
representacional que lhe constitui. Esta alusão à sublimação feita a partir do ato
analítico, aproxima-a, mais uma vez, da noção de repetição e da clínica
psicanalítica pelas vias da necessária presença do Real em cada uma destas
questões.
Prosseguindo a argumentação que sustenta a afirmação do ato
analítico como criativo, remeto-me ao conceito freudiano de atenção flutuante: o
psicanalista deve escutar seu paciente sem privilegiar nenhum elemento do
discurso, deixando que seu inconsciente entre em ação (Roudinesco & Plon,
6
“Francamente, hoje em dia o analista deve estar advertido das conseqüências oriundas do
trabalhar de acordo com o Simbólico generalizado. Vejamos: a psicanálise – por meio da castração
– tende a gerar seus próprios anticorpos. Por isso, somente uma clínica onde a transferência
compreenda um alcance novadoramente Real, onde os esforços do analista possam transcender a
hermenêutica interpretativa e onde, finalmente, seja possível a implementação de atos analíticos
não regidos pela exclusiva “neutralidade valorativa”, por tudo isso, a dita clínica psicanalítica
poderá ser capaz de enfrentar – a meu juízo – os desafios propostos pelas mudanças de época aos
posicionamentos subjetivos (mudanças de época também determinadas, como está dito, pelo
exercício ativo de nossa doutrina).” (Harari, 2001. p.22-3)
7
A referência feita por Harari (2001) é à quarta conferência das Conferências de Introdução à
Psicanálise (Freud, 2007 [1916-1917 (1915-1917]), onde Freud trata do ato falho.
104
1998). Para que esta regra fundamental possa se efetivar, Freud (2007 [1911-
1915 (1914)]) em várias passagens de sua coletânea de Artigos sobre a técnica
psicanalítica recomenda como necessária a suspensão da subjetividade, do
interesse de pesquisa e do raciocínio do analista no ato da escuta: todo trabalho
teórico e intelectual deve ser feito fora da sessão do paciente. Se a escuta analítica
se dá a partir do inconsciente do analista, assim também o será a interpretação,
uma vez que esta só pode se estabelecer através da primeira.
Seguindo o raciocínio acima enunciado, é possível dizer que o
trabalho interpretativo, logo, todo ato analítico, irrompe subitamente no analista,
que é ultrapassado por seu enunciado e/ou por sua ação; entretanto, são palavras
esperadas no contexto e na seqüência das sessões (Nasio, 1999, p.143). Sabemos
ser a psicanálise um tipo de práxis construída a partir de seus achados e, portanto,
assim também se dá a interpretação psicanalítica. Esta afirmativa está
fundamentada no fato de a teoria e a clínica psicanalíticas serem, desde sempre,
construídas a partir da prática clínica. Para apontar o caráter de imposição da
interpretação ao analista, Fontanele (2002) relembra a apropriação feita por que
Lacan, a propósito da sublimação, da frase de Picasso: “Eu não procuro, acho”
(Lacan, 1997 [1959-60], p.149). Apesar de não explicitar em seu texto uma
aproximação entre o ato analítico e a sublimação, vislumbro aí esta possibilidade,
na medida em que referencia em Lacan um ponto a respeito da sublimação e o
associa ao trabalho interpretativo. Dito de outra maneira, uma vez que a
sublimação contempla o ato criativo – o que será desenvolvido logo a seguir
neste capítulo – parece-me possível reler o posicionamento da referida autora
como uma alusão ao ato analítico como ato criativo.
Delineada a noção de ato criativo, sobre a qual versa este capítulo,
e reafirmados os objetivos e a ótica desta pesquisa, convido o leitor a me
acompanhar no desenvolvimento das questões pertinentes ao duplo movimento
de recorte e desdobramento aplicado à criação e à sublimação.
105
3.2. Ato criativo e sublimação
De início, uma questão singela, mas necessária: é possível definir
o ato criativo sem o equivaler à sublimação? Afinal, ambos foram trabalhados
conjuntamente desde o início: o tema da criação foi abordado por Freud através
do conceito de sublimação, sendo que a própria concepção deste mecanismo
envolvia a busca de compreender e explicar a criação humana. A despeito desta
explícita intenção de apreender os caminhos da criação humana, uma série de
enigmas foi lançada, não sendo possível localizar na obra freudiana uma clara
concepção sobre a criação. Na verdade, como já assinalado no capítulo anterior,
ficaram em aberto algumas questões sobre a sublimação e a criação, que também
interrogaram Lacan e o impulsionaram para as suas contribuições a este respeito.
Mas as lacunas na teorização freudiana sobre a sublimação não
nos impedem de localizar em suas formulações um claro enlace entre sublimação
e criação e uma leitura do ato criativo como subjugado em alguma medida ao eu
e comprometido com a aprovação da cultura, com o socialmente elogiável. Por
sua vez, a criação adquire, com Lacan, proporções ainda maiores no campo da
sublimação: é com o ato criativo que o objeto ganha a possibilidade de
representar a Coisa. Portanto, o ato criativo é essencial à sublimação, e a
sublimação está na essência do ato criativo, que se dá a partir do nada, do vazio e
sem nenhuma intermediação do eu. É também com Lacan que o ato criativo é
situado mais claramente num distanciamento da utilidade e das grandes obras;
criar não é exclusividade dos gênios e não está, necessariamente, comprometido
com uma função ou com uma moral social.
A despeito dos avanços lacanianos, ou talvez por causa deles, as
questões sobre a criação e o processo sublimatório não cessam de convocar
aqueles psicanalistas que, como eu, em algum ponto de sua transferência para
com a teoria e/ou a clínica, se deparam com aspectos relativos ao tema,
atualizando os questionamentos formulados a partir dos ensinamentos freudianos
e lacanianos. Então, do que depende a possibilidade sublimatória ou o que leva o
sujeito a criar? Se Freud já indicava a sublimação e a criação como raras, o que
106
dizer de suas possibilidades nesta atualidade marcada pela apatia, dessubjetivação
e pela “redução do espírito ou das cabeças” (Dufour, 2005)? E, por outro lado, se
um final de análise pode levar a um encaminhamento sublimatório como seu
“fruto típico”, teríamos hoje no tratamento analítico, mais do que nunca, uma via
de trabalho possível para minimizar essas funestas manifestações subjetivas do
contemporâneo através de uma possível potencialização do ato criativo?
As interrogações fomentam o movimento desta pesquisa na
direção de suas metas, e a continuidade deste percurso demanda delimitar a noção
psicanalítica de criação, nos seus contornos do ato criativo, de acordo com as
proposições freudianas e lacanianas. Em resposta à questão inicial deste item,
sobre as dificuldades de diferenciação entre ato criativo e sublimação, é evidente
que sublimação e ato criativo estão intimamente relacionados. Entretanto, a
sublimação é uma hipótese teórica, é um mecanismo psíquico e se refere a uma
forma possível de satisfação pulsional; por sua vez, o ato criativo aproxima-se de
uma noção, e pode ser definido como o que dá forma ao processo sublimatório, é
no ato criativo que a sublimação é consumada e é passível de visualização; é
também pelo ato criativo que a sublimação pode exercer algum tipo de efeito
sobre a cultura – eventualmente, num favorecimento do laço social.
Como há pouco observado, ainda que Freud tenha buscado dar
conta da criação humana através do mecanismo sublimatório, ele não esboça uma
teoria sobre a criação, uma vez que sua construção do próprio conceito de
sublimação também não se efetivou de maneira clara. É exatamente em seu texto
sobre um gênio criador das artes e da ciência (Uma lembrança infantil de
Leonardo da Vinci, de 1910) que se encontra uma de suas abordagens mais
diretas sobre a sublimação, evidenciando as amarras sugeridas pelo autor entre
ato criativo e sublimação. Neste artigo, uma definição de criação é esboçada pelo
desdobramento do que é formalizado com o conceito de sublimação; assim, o ato
criativo em Leonardo da Vinci é entendido como efeito do mecanismo
sublimatório, propiciando uma forma de satisfação ainda sexual, desviada do alvo
e objeto sexuais e por vias distintas daquelas propostas pelo recalque.
Freud aposta que o ato criativo em Leonardo articula-se com sua
organização fantasmática, marcada por uma presença materna excessiva e
107
erotizada e por uma função paterna pouco eficaz. Essa presença maciça de um
Outro é reencontrada por Freud em elementos figurativos que se repetem em
algumas das obras do pintor italiano, como o sorriso enigmático do qual não se
sabe o que esperar, o dedo que aponta para algo fora do campo de visão e que
também se conforma em enigma, as pernas que se confundem e impedem uma
nítida distinção entre os corpos. Uma formulação possível a este respeito,
viabilizada pelas contribuições lacanianas ao conceito de sublimação, seria
identificar os elementos repetitivos e indecifráveis como a marca de uma
incessante busca por dar forma ao inapreensível pelo sujeito, ao que escapa à
simbolização, ao que se apresenta como o Real; assim, criar seria um caminho
possível perante o Real.
Neste texto de 1910, Freud também interpreta as dificuldades do
pintor em finalizar suas obras, tendo levado muito tempo em algumas delas e
considerado outras como inacabadas, como a busca por um ideal, manifestada na
ânsia pela perfeição. Talvez seja possível acrescentar à análise destas dificuldades
a própria caracterização freudiana da sublimação como sendo um mecanismo
raro e que necessita de uma espécie de ativação psíquica. A partir deste
acréscimo, proponho, com o auxílio do pensamento lacaniano, uma aproximação
dos elementos considerados e somados ao inatingível da Coisa. A sublimação
pode ser rara, e o ato criativo também, porque em sua essência está a busca pelo
impossível e inatingível associado à Coisa; a Coisa, este objeto perdido, embora
nunca realmente possuído a não ser miticamente, sendo o seu reencontro fadado
ao fracasso; a Coisa, furo no psiquismo associado à falta radical, falta de nada, ao
vazio. A sublimação visa produzir uma obra elevada ao estatuto da Coisa e tal
estatuto não é simples de se estabelecer (o que concerne a esta não simplicidade
será analisado no próximo capítulo), dificultando o processo de criação.
Ainda em referência ao exposto no capítulo anterior, um outro
importante aspecto para pensar o ato criativo a partir da teorização freudiana
sobre a sublimação é encontrado no artigo Introdução ao narcisismo (Freud,
2007 [1914]), através do qual o eu é identificado como o promotor do retorno da
libido sobre si mesmo e do redirecionamento para novos objetos não mais
sexuais, tornando-se mediador do processo sublimatório e do ato de criar. A
108
satisfação narcísica obtida pelo retorno da libido sobre o eu é entendida como
favorecedora da criação por viabilizar a possibilidade de uma satisfação ainda
sexual através de objetos não mais sexuais e socialmente valorizados – ou seja,
uma satisfação sublimada.
Lembro ainda que no mesmo artigo o conceito de ideal do eu
ganha sua delimitação e lugar de destaque no desenrolar da sublimação e do
processo de criação. O ideal do eu é organizado pela tentativa de recuperação do
narcisismo perdido da infância (eu ideal), a partir das exigências externas ao
sujeito, introduzidas pelos pais e seus substitutos sociais; externas ao puro campo
imaginário do eu ideal, em articulação com as leis e, portanto, com o lugar do
simbólico. Assim, através do estabelecimento de ideais simbólicos, é o ideal do
eu quem direciona o investimento em novos objetos não sexuais e socialmente
valorizados no processo sublimatório e assim viabiliza o ato criativo. O peculiar
em tal processo é a possibilidade de produzir satisfação pulsional, em referência
às exigências do ideal do eu sem que estas convoquem o recalque, via de regra,
favorecido pelas mesmas exigências; ao contrário, nos trâmites da
sublimação/criação concretiza-se um salto do recalque, uma satisfação pulsional
apartada do recalque e, portanto, da lei da castração.
Em síntese, para o olhar de Freud, criar em suas amarras à
sublimação é efeito de uma necessária intermediação do eu no investimento
libidinal, sob a égide do ideal do eu e da conformação fantasmática,
possibilitando ao sujeito uma via, alternativa à sintomática, de satisfação
pulsional. Escapando ao recalque, à lei e à mediação simbólica, ainda assim, na
teoria freudiana, o ato criativo comporta o desejo inconsciente, na medida em que
nele se vislumbra a organização fantasmática do sujeito; a obra, fruto do ato
criativo, estampa algo deste campo do desejo inconsciente do autor e convoca o
público também a partir de seu desejo inconsciente. O belo comporta o sexual,
mesmo que pelo despojamento da sexualidade.
Este posicionamento freudiano sobre a criação e, mais
especificamente, sobre a criação nas artes é muito bem situado em uma das obras
de Vladimir Saflate (2006). O autor considera problemáticas as relações entre
psicanálise e arte, e recorre a Badiou para afirmar que a interação entre estes dois
109
campos, ao menos no discurso freudiano, se resume ao que a arte pode oferecer à
psicanálise
8
. A leitura de Freud sobre as artes seria centrada numa espécie de
legitimação do saber psicanalítico, pois o campo estético não impulsiona, como o
faz o trabalho clínico, a produção teórica, apenas constata, exemplifica a teoria
psicanalítica; assim, o mesmo sistema metapsicológico de apreensão e
interpretação é igualmente aplicado ao material clínico e ao material estético. Por
esta via, localiza-se em Freud “uma procura arqueológica de sentido que visa
desvelar a racionalidade causal do fenômeno estético ao reconstruir uma espécie
de texto latente que estaria obliterado pelo trabalho do artista” (Saflate, 2006,
p.270). Com esta leitura, a psicanálise teria como proposta o desvelamento de
uma verdade inconsciente que subjaz à obra, ou seja, seria guiada por uma
hermenêutica interpretativa.
Por outro lado, seria possível identificar em Lacan duas
modalidades distintas de relações entre psicanálise e arte. A primeira delas não se
diferenciaria muito da proposta freudiana, pois “nos envia a uma interpretação do
material estético como desvelamento da gramática do desejo” (Saflate, 2006,
p.272). Seriam exemplos desta conceituação os comentários lacanianos sobre
uma série de obras, nas quais se sobressai uma leitura centrada especialmente nos
conceitos psicanalíticos de falo e Nome do Pai
9
. A segunda modalidade utilizada
por Lacan na interface psicanálise e arte estaria estruturada “em torno do
problema do estatuto próprio ao objeto estético em sua irredutibilidade” (Saflate,
2006, p.273). Entendo que tal irredutibilidade se refere à centralidade do Real na
teorização lacaniana e na importância deste registro para o seu conceito de
sublimação, desembocando numa especificidade da obra de arte que concerne
8
“Se nos restringirmos, por exemplo, ao recurso freudiano à estética, é difícil não seguir Badiou
em sua afirmação: “A relação entre psicanálise e arte é sempre um serviço oferecido apenas à
psicanálise. Um serviço gratuito da arte” (Badiou, 1998, p.18)” (Saflate, 2006, p. 269-70).
9
“O primeiro modo nos envia a uma interpretação do material estético como desvelamento da
gramática do desejo. O comentário lacaniano sobre A carta roubada é, nesse sentido,
paradigmático; mas devemos lembrar também das análises de Hamlet (Shakespeare), de O balcão
(Genet) e de O desperta da primavera (Wedekind). Nesses casos, o material estético é tratado
como espaço de organização de uma gramática do desejo pensada principalmente mediante os
dois operadores maiores da clínica lacaniana: o Falo e o Nome do Pai. Assim, a arte aparece
novamente como campo legitimador da metapsicologia.” (Saflate, 2006, p.272)
110
exatamente àquilo que está para além das possibilidades de simbolização e de
compreensão reflexiva.
Trata-se da elevação do objeto ao estatuto da Coisa, ou seja, o
objeto criado ganha ares do inapreensível ao invés de ser encarado como
expressão de uma subjetividade. Ao contrário do depósito e reconhecimento no
objeto da imagem do eu, este objeto criado pela sublimação “mostra o que resta
do sujeito quando a fortaleza do eu se dissolve” (Saflate, 2006, p. 274). Caminho
de subjetivação, o sujeito se apresenta no ato criativo não por seu reconhecimento
nas vias imaginárias de identificação e organização do eu, mas sim naquilo que
escapa ao universo simbólico. Nas palavras de Saflate (2006, p.274): “Em Lacan,
a arte pode aparecer como modo de formalização da irredutibilidade do não
conceitual, como pensamento de opacidade.”
Assim, numa subversão da proposição freudiana da intermediação
do eu no processo de criação, não há para Lacan nada que comande o ato criativo,
sendo o mesmo reposicionado a partir do vazio (ex nihilo) na medida em que a
sublimação é definida em íntima relação com das Ding, a Coisa. A organização
do eu é posterior à instalação da possibilidade sublimatória; esta última, como já
apontado, está no centro da economia libidinal, numa relação direta com a Coisa,
caracterizada como centro, furo em torno do qual se articulam as representações
inconscientes sob a égide do princípio do prazer. Ocupando, portanto, um lugar
decisivo para a sublimação, das Ding encontra-se fora do campo representacional
e das leis que regem o funcionamento inconsciente, num para além do princípio
do prazer, aproximando a sublimação e o ato de criar do movimento pulsional e,
especificamente, do registro do Real, apartados dos ditames do eu e do
mecanismo do recalque. Sublimação e ato criativo dão-se a partir do nada, do
vazio, e não por intermédio do eu ou de qualquer manifestação de voluntarismo.
Desta forma, como propõe Lacan, não há no processo sublimatório
viezes normativos e adaptativos. No criar e no sublimar não há comprometimento
com a utilidade ou o elogiável socialmente, ambos podem adquirir algum tipo de
função social. Entretanto, tal aspecto não lhes é inerente, tanto quanto não é
inerente à pulsão a sujeição a qualquer tipo de ordem ou reconhecimento social
na sua busca de satisfação. A aproximação sugerida por Lacan entre a sublimação
111
e o próprio circuito pulsional é deveras importante: afinal, é característico da
pulsão o desvio em relação ao alvo, numa satisfação sempre parcial no contorno
do objeto. E é exatamente no desvio, com a possibilidade de satisfação do sexual,
que reside a essência da sublimação pela via do ato criativo.
Ainda em relação à criação como um processo a partir do vazio
(ex nihilo), retomo a eleição e os comentários de Lacan sobre o exemplo do oleiro
proposto por Heidegger, no qual é indicado que o vaso é construído em torno de
um vazio. Em outras palavras, o vazio constitui a essência do vaso, pois este só
pode ser vaso e estar pleno na medida em que contempla inicialmente o vazio;
temos, portanto, o vazio no centro da criação. É interessante que Lacan descola
do vaso seu caráter de utensílio, sua função, e o propõe como significante, cuja
modelagem permite a delimitação de um furo em seu centro. Nesta perspectiva, o
vaso é “um objeto feito para representar a existência do vazio no centro do real
que se chama a Coisa” (Lacan, 1997 [1959-60], p.153). Criar um objeto
possibilita a representação da Coisa num enredamento pelas vias do significante
– representação que permite, concomitantemente, a aproximação e a manutenção
da necessária distância da Coisa.
112
3.2.1. Arte, ciência e religião: ato criativo e sujeito.
No capítulo X do Seminário sobre a ética, ondeo problema da
sublimaçãoé abordado, Lacan (1997 [1959-60]) retoma as três formas clássicas
do processo sublimatório – arte, ciência e religião – para demonstrar que o vazio
é determinante para todo e qualquer tipo de sublimação e de criação. A este
respeito, Lacan enuncia que a arte sempre se organiza em torno de um vazio,
como uma espécie de resposta ao mesmo; a ciência, pela rejeição deste vazio,
num ideário de um saber absoluto; e, enfim, a religião, pela tentativa de evitar
este vazio.
É possível falar em sublimação no discurso religioso quando este
viabiliza a satisfação pulsional de forma direta, sem o intermédio do recalque e
num desvio de alvo e objeto. Lembro ao leitor que em relação à classificação dos
gozos, aquele que concerne ao discurso religioso – o gozo místico – está na
mesma ordem de suplementariedade que a sublimação, ou seja, ambos pertencem
ao campo do gozo Outro ou gozo suplementar. Contudo, não parece tão evidente
localizarmos no discurso religioso o ato criativo. Há, sim, criação, no sentido da
construção de um saber com o intuito de evitar o vazio – e no momento em que
isto se efetivou, ou seja, no momento em que o discurso religioso é construído,
poderíamos vislumbrar um sujeito e o ato criativo. Mas a partir de então não se
verifica o movimento do ato criativo, tal qual é identificado nas produções
artísticas e científicas.
No que se refere à arte como sublimação, acrescento aos
elementos já desenvolvidos acima o fato de Lacan eleger como seu paradigma o
amor cortês cantado em poesia. Nesta forma de criação poética, a mulher –
denominada a Dama – é idealizada, desprovida de toda e qualquer realidade e,
inalcançável, recebe uma descrição generalista que lhe priva da singularidade, do
particular e possui ares de crueldade. É interessante isso ocorrer exatamente
numa época em que a sexualidade não sofria um caráter eminentemente
repressor; ao contrário, havia mesmo uma banalização da sexualidade e a mulher
era desvalorizada socialmente e posicionada no lugar de objeto nas mãos do
113
homem. Tal fato parece suscitar uma leitura da necessidade de impor um
distanciamento em relação a esta mulher excessivamente concreta, palpável e
desvalorizada, distanciamento favorável à imaginarização via sublimação, numa
elevação da mulher-objeto à Coisa (França Neto, 2007).
No amor cortês cantado em poesia, a mulher encarna uma
representação da Coisa através da idealização, da inacessibilidade, da tentativa,
via generalização, de situar A mulher
10
, inexistente, mítica, tanto quanto a Coisa.
Simultaneamente ao fascínio, manifesta-se o horror à Coisa, representado pela
crueldade da Dama em relação ao trovador, ou ainda presente nas trovas
evocadas por Lacan, nas quais há referência explícita ao sexual caracterizado
como abjeto e repugnante. Reproduzo a seguir parte do trecho do poema de
Arnaud Daniel sobre o qual Lacan situa seus comentários sobre uma não-
necessária mudança de objeto na sublimação e, muito menos, de uma mudança
que implique o elogiável socialmente. Nesta trova, também é possível localizar o
lado de horror convocado pela referência à Coisa:
Visto que o senhor Raimon unido ao senhor Truc Malec
defende a dama Ena e suas ordens, estarei velho e
esbranquiçado antes de consentir em tais requisições, donde
poderia resultar uma tão grande inconveniência. Pois para
“abocanhar esta trombeta”, ser-lhe-ia preciso um bico com o
qual extrairia os grãos do “tubo”. E depois, ele bem poderia
sair de lá cego, pois, forte é a fumaça que se desprende dessas
pregas. Ser-lhe-ia bem preciso ter um bico e que esse bico
fosse longo e agudo, pois a trombeta é rugosa, feia e peluda e
nenhum dia se encontra seca e o brejo dentro é profundo: eis
porque fermenta em cima a pez que dela sem cessar escapa,
transbordando. E não convém que jamais seja um favorito
aquele que ponha a sua boca no tubo. (Lacan, 1997 [1959-60],
p.199)
Esta face de horror na alusão à Coisa, presente no que é criado
pelo processo sublimatório, remete às formulações freudianas sobre os
10
A notação faz alusão ao aforismo lacaniano sobre a inexistência da mulher. Ttal aforismo
articula-se à noção de que o feminino se organiza fora da lei universal fálica que funda o
masculino, em que odos são castrados pelo fato de ao menos um ter escapado à mesma. Isso se dá
pelo fato de a castração ser sofrida inicialmente pela menina como uma privação atribuída a uma
mãe fálica, e tem por conseqüência a não implicação completa da mulher no gozo fálico e a não
existência do universal A mulher (Chemama, 1995).
114
primórdios da organização do aparelho psíquico, no qual interior e exterior estão
se constituindo através dos mecanismos de introjeção do bom e expulsão do ruim,
vigentes no funcionamento do eu-prazer (Lust-Ich). Como já comentado no
capítulo anterior, em seu texto de 1925, A Negação, Freud indica que as
afirmações primeiras do psiquismo são estabelecidas através do que é introjetado
como bom, constituindo os traços unários, representantes de coisa, no fugaz
momento em que a vivência de ser objeto para a demanda alheia pode ser
significada como boa. Quando o encontro entre demanda pulsional e objeto não
está mais na ordem de uma valência positiva – caracterizando um mau encontro
no qual este objeto já não mais satisfaz tal demanda – ocorre a negação destas
afirmações primeiras e a produção do que fica de fora, do que é excluído do
campo representacional, daquilo que cai como resto e escapa à simbolização,
validando os representantes de coisa como sendo da ordem do simbólico. Na
seqüência, o eu-realidade definitivo (Real-Ich) pode iniciar sua infindável busca
pelo reencontro do objeto miticamente perdido, viabilizando o investimento em
objetos da realidade que possam representar, sempre temporariamente, o objeto
primordial.
No mesmo artigo, Freud associa Eros, pulsão de vida em seu
potencial unificador, ao movimento inicial das afirmações e introjeção do bom, e
a pulsão de destruição, pulsão de morte, ao excluído, ao ruim que fica de fora da
representação no psiquismo. Se o mau encontro não se instala, se não há negação,
exclusão, se a pulsão não se fecha em seu circuito, haverá prevalência do sujeito
no lugar de objeto, equivalendo à devoração e apagamento subjetivos. É nesta
possibilidade da presença de um Bem absoluto, possibilidade presente em todo
relançamento pulsional, inclusive nos processos de sublimação e criação, que
reside a face de horror na busca pela Coisa. Entretanto, com o ato criativo, a
sublimação torna-se capaz de promover a elevação do objeto, da obra, do
produto, ao estatuto da Coisa, e não o comprometimento do sujeito com o lugar
da Coisa. Aí encontramos seu fascínio e valor para a economia psíquica.
Neste momento, remeto novamente o leitor ao trabalho de
Pommier (1990), no qual ele relembra a célebre frase de Picasso, antes já
referenciada por Lacan no livro 7, a respeito da origem de sua arte: “Eu não
115
procuro, acho”. Num outro momento, o pintor teria precisado, através da escrita,
este seu pensamento: “A criação plástica é apenas secundária [...], o que conta é o
drama do próprio ato, o momento em que o universo se evade para encontrar sua
própria destruição” (Pommier, 1990, p.191).
A primeira frase de Picasso sugere a pré-existência daquilo que irá
se constituir como obra e, mais, se há tal pré-existência, é possível interpretá-la
como autônoma em relação ao sujeito, configurando a afirmativa lacaniana de
que o eu não é intermediário do ato de criar. Entretanto, se este anterior vem à
luz, ou somente ganha existência pelo ato de criar, é possível identificá-lo a um
nada, “o que estava antes ainda não era nada e a obra permanece marcada por
este nada que ela porta em seu centro” (Pommier, 1990, p.192). Anterior marcado
pelo nada e atrelado, na segunda frase do pintor, à destruição, elementos alusivos
à criação a partir do nada (ex nihilo), ao Real em Lacan e à pulsão de morte em
Freud. Anterior associado a um drama secreto e que pode ser relacionado, como
postulou Freud, à organização fantasmática, à própria constituição subjetiva e ao
campo pulsional. Além do mais, vislumbra-se nesta formulação a importância do
ato criativo, já que é através dele que o referido anterior adquire um contorno que
lhe dê existência.
A segunda proposição de Picasso evidencia ainda mais a
relevância do ato criativo, é por ele que a sublimação se efetiva, configurando o
momento em que o sujeito emerge e garante um quantum de satisfação pulsional.
A obra, postulada por Picasso como secundária, se reduz a produto, resultado que
se apresenta como efeito, resto de um ato criativo. A elevação da obra à
dignidade da Coisa é fugaz e se dá no exato momento do ato criativo. Esta
característica de não-prioridade, atribuída à obra, possui estreita relação com o
posicionamento lacaniano da destituição da obra de um a priori de utilidade; a
obra não é produzida com o objetivo de trazer reconhecimento para seu autor ou
de integrá-lo ou adaptá-lo ao social, ela não possui estas ou quaisquer outras
funções. Afinal, ela é apenas secundária ao ato criativo.
No decorrer de suas reflexões, Pommier (1990, p. 193) propõe
ainda uma necessária e interessante interrogação, da qual me aproprio neste
momento: “Por que sublimar quando é possível fazer de outro modo?” Ora, se o
116
objeto e o fim sexual trazem algum prazer, por que desviar o caminho?
Intimamente associado a tais questionamentos, encontra-se outro de Clara
Cruglak (2001, p. 11): “De que depende que um sujeito, frente à irrupção do
Real, frente a contingências dramáticas da vida, produza um sintoma, uma
criação, uma anorexia, uma adição, uma lesão ou outra manifestação no corpo?”
Ao mesmo tempo em que esta questão sugere a existência de uma diferença, ela
também indica algo em comum nestas modalidades de lide com o Real. Neste
caso, este comum não estaria associado a uma forma própria encontrada pelo
sujeito, dentro de suas possibilidades estruturais, para garantir sua existência?
Sublimar pode ser um desvio necessário e possível, através do qual se efetiva a
emergência de um sujeito no ato criativo.
Com o intuito de desdobrar esses questionamentos, retorno ao
conceito de pulsão e relembro sua relação com a constituição do sujeito. A
psicanálise, em sua leitura sobre a organização subjetiva, considera como
fundamental o lugar em que se é tomado pelo desejo parental. E assim, a partir
das demandas maternas dirigidas à criança, se estabelece a chamada erogenização
do corpo infantil, processo de sexualização do campo pulsional em função da
criança ocupar, temporariamente, o lugar de objeto, de falo a completar o desejo
do Outro. Num aparente paradoxo, ao mesmo tempo em que é necessário para o
sujeito ocupar tal lugar mítico de completude, ele deve também deixar de ocupá-
lo em função da constante e infindável circularidade das demandas maternas,
bem como da interdição paterna em relação ao desejo da mãe. Este é o processo
que culmina na organização estrutural e, portanto, nas estruturas clínicas com
suas particulares modalidades de funcionamento subjetivo.
Assim, a produção sintomática pode ser interpretada como uma
maneira do sujeito resistir à posição de objeto fálico para o Outro, ou seja, resistir
à alienação, à submissão ao desejo deste Outro. Mas é necessário lembrar que o
sintoma também comporta, de forma ambígua e imaginária, a satisfação da
demanda que se supõe no Outro. As neuroses de borda ou neuroses com
montagens fenomênicas, cuja conceituação também já foi trabalhada no capítulo
inicial desta tese, são muito representativas desta resistência do sujeito frente ao
que ameaça a sua existência, não mais através do sintoma, mas sim do fenômeno.
117
O fenômeno (pânico, bulimia, anorexia, adição, melancolização ou fenômenos
psicossomáticos) é marca da aparição direta em ato ou no corpo do campo
pulsional, já que este não se encontra efetivamente simbolizado. O sujeito
aparece através do fenômeno, num ato de recusa e repugnância ao desejo do
Outro, ao mesmo tempo em que se confirma existente através da posição de
alienação que lhe é tão conhecida.
Em resposta ao seu próprio questionamento, Cruglak (2001) passa
exatamente pela fundação do sujeito em seus primórdios da organização psíquica,
lá onde o sujeito é efeito do corte que permite a instalação pulsional em suas duas
vertentes: inscrição da representação pulsional, registro do simbólico e, o
impossível de se inscrever, registro do Real. Retornando às formulações
freudianas a respeito da gênese do psiquismo (v. p.
78 e 113) em que interior e
exterior são fundados a partir da negação das afirmações primeiras, desenvolve
suas proposições ao redor da temática da identificação e assim localiza a Coisa,
lugar vazio, “como resultante da operação de Incorporação na primeira
Identificação” (Cruglak, 2001, p.100).
Este lugar vazio, lugar da Coisa seria portador de uma potência,
caracterizando o gozo do Outro como inexistente e viabilizando a entrada no
gozo fálico. Em virtude de o sujeito dispor deste vazio da castração primordial é
que ele poderia criar, criar como resposta a algo da ordem do Real; isto é, “dispor
do vazio, neste caso, é poder fazer com a Coisa: elevar o objeto à dignidade da
Coisa” (Cruglak, 2001, p.100). Entretanto, seria ainda necessário que o sujeito
prescindisse do significante do Nome do Pai, que necessariamente se inscreveu
para ser possível dispor de tal vazio, pois seria nesta renúncia que residiria a
possibilidade de um novo significante advir no ato criativo. É necessário
acrescentar que dispor do vazio não protegeria o sujeito das irrupções do Real, ou
que tal disposição não teria necessariamente como efeito a criação.
Este último apontamento já foi indicado em mais de um momento
desta tese, com o intuito de sempre reafirmar que sublimação e criação não estão
na ordem de um ideal: sublimar não salva o sujeito do adoecimento e do
sofrimento, criar não extingue ou anula o sintoma. Insisto: sublimar pode ser um
118
desvio do encaminhamento pulsional que permita a afirmação do sujeito no ato
criativo: vazio possível de se dispor, fruto típico a ser colhido.
Como já indicado, o ato criativo via sublimação pode permiter ao
sujeito distanciar-se de sua identificação fálica. Utilizando-se dos mesmos
campos pulsionais que o aprisionaram, mas agora num desvio da alienação, a
obra ocupa o lugar daquilo que se foi para o Outro, lugar de falo. Assim tem-se a
dessexualização, na medida em que o corpo se liberta de sua posição fálica
(Pommier, 1990). Portanto, a atividade do processo sublimatório presentifica-se
na criação, pois ela se efetiva pelo ato, constitui um produto e é assinada –
inversamente à passividade presente no sintoma que ao mesmo tempo constitui
certo rechaço e mantém a erotização do corpo em nome do desejo do Outro.
Posto isso, proponho a interpretação da frase de Picasso (“Eu não procuro, acho”)
em uníssono com a de Lacan (“A sublimação eleva o objeto à dignidade da
Coisa”), no sentido de que ambas fazem uma referência à pulsão – o que se cria
já está lá como potencial e é fruto do efeito da linguagem, mas sem existência até
que a sublimação via ato criativo lhe dê forma, uma forma que possa ter o efeito
de representar a Coisa.
Harari (2001, p.277) apresenta uma definição para a sublimação a
partir do ensino de Lacan, em especial sobre elementos de articulação entre os
Seminários 10 (A angústia [1962-63]) e 14 (A lógica do fantasma [1966-67]),
postulando o que se segue: a sublimação é “a não sem (-
φ
)”
11
enquanto a
angústia é “a sem (-
φ
)”. Evoco tal formulação neste momento em virtude de
considerá-la atrelada à questão e ao trabalho de Cruglak, que reproduzo
novamente: “De que depende que um sujeito, frente à irrupção do Real, frente a
contingências dramáticas da vida, produza um sintoma, uma criação, uma
anorexia, uma adição, uma lesão ou outra manifestação no corpo?” (Cruglak,
2001, p.11). Parece-me que a hipótese de Harari (2001) sugere uma resposta na
mesma direção apontada pela referida autora: onde falta a castração imaginária,
onde falta a falta, o a aparece e o sujeito se objetaliza à mercê do desejo do
11
A letra a é a notação usual na psicanálise lacaniana para a noção de objeto, a notação (-
φ
) indica
o lugar da castração imaginária ou lugar da falta.
119
Outro: aí temos a angústia e seus possíveis desdobramentos fenomênicos.
Entretanto, quando a castração pode ser preservada através de algum objeto,
quando esse a, objeto criado, permite ao sujeito sua liberação da condição de
objetalização, temos a sublimação: lugar onde a falta não falta exatamente por
conta da criação de um objeto.
Esta relativa clareza sobre a presença e dinâmica do ato criativo e
da sublimação nas artes parece, no entanto, se dissipar quando estes aspectos são
situados no campo das ciências. Freud elege a ciência, em conjunto com a arte,
como forma de sublimação. Lacan, embora retomando este enunciado freudiano,
também considera, de forma paradoxal, o discurso científico como excludente do
sujeito, e em busca da construção de um saber absoluto e pleno, de um domínio
total do Real, de forma que nada escape ao conhecimento e à explicação. Sendo
assim, a leitura lacaniana permite entender a ciência como uma tentativa de
rejeição, ou de superação, do vazio. Então: como vislumbrar aí o processo
sublimatório em sua elevação do objeto ao estatuto da Coisa, esta que é a marca
por excelência do vazio? E, ainda, se o sujeito é excluído no discurso científico,
em virtude deste ser constituído por um conjunto acéfalo de enunciados
12
, se a
subjetividade é avessa ao científico, se o universal deve se sobressair ao singular,
como articular à ciência o ato criativo em sua emergência do sujeito?
É justamente nesta tentativa de rejeição do vazio que Lacan
também situa a criação científica, tendo como centro o vazio. Afinal, é nesta
busca, sempre fadada ao fracasso, de um tudo-saber, de uma eliminação do vazio
que a produção intelectual se processa e pode sempre continuar a se dar, uma vez
que a meta de superação do vazio não pode ser atingida. O engodo de completude
presente do discurso científico acaba por se tornar motor da criação. Quanto ao
sujeito, não se pode negar que, de alguma maneira, ele esteja presente quando há
criação científica, pois é ele quem faz a ciência na produção de conhecimento,
mesmo sem ser reconhecido como tal pelo ideário de dessubjetivação reinante no
12
A expressão é usada por Lebrun (2004, p.53) ao indicar que “o desenvolvimento da ciência
moderna abala o lugar da autoridade religiosa e produz um novo laço social, cujo motor,
doravante, o que comanda, não é mais a enunciação do mestre, seu dizer, mas um saber de
enunciados, um conjunto acéfalo de ditos.”
120
discurso científico. Ainda que o sujeito sofra o seu apagamento pelo discurso
científico, em algum momento ele esteve ali, pois não há como elidir o
inexistente, algo da ordem do desejo se presentifica e impulsiona o homem da
ciência para sua produção. Assim, o ato de criar na ciência, quando se efetiva,
não é menos sublime que na arte.
Entretanto, a título de ressalva à presença do ato criativo e da
sublimação nas ciências, é necessário considerar a diferenciação entre a mera
reprodução e replicação de saberes e técnicas e a genuína produção de
conhecimento, esta sim marcada pelo ato criativo. A este respeito identificamos,
com Lebrun (2004), três fases no percurso da ciência, sendo a primeira delas
denominada de discurso do homem da ciência, em que, a despeito de um voto
para o seu desaparecimento, a enunciação ainda se faz presente. O segundo
momento do caminhar científico seria o do discurso científico, no qual os
enunciados tornam-se autoridade em detrimento da enunciação, num
fortalecimento da meta de apagamento do sujeito. Por sua vez, o atual e terceiro
tempo da ciência – o discurso técnico – é caracterizado pela presença apenas dos
enunciados e pela produção de objetos que são cada vez mais incorporados ao
nosso cotidiano. É o momento do tecnocientificismo, onde a ciência se vê
subjugada à técnica e celebra-se “a elisão da categoria do impossível e a perda de
uma relação espontânea com o mundo” (Lebrun, 2004, p.64).
Num tempo em que a técnica ultrapassa a ciência, a reprodução
impera sobre a criação, o sujeito do ato criativo é reduzido ao pesquisador
anônimo; e este, numa ânsia de reconhecimento, contenta-se com uma existência
mensurável pelos índices de impacto das revistas científicas nas quais deve
publicar. Época, de cabeças reduzidas, e marcada por um particular esgotamento
da capacidade intelectual, do julgamento crítico, da posição desejante do sujeito
e, conseqüentemente, de sua possível emergência no ato criativo. Assinalamentos
desta natureza alertam para a importância em nossos dias do resgate e
favorecimento do campo sublimatório e criativo, pois estes produzem movimento
na direção contrária à redução das cabeças: no ato criativo o sujeito se faz
presente ao invés de sucumbir à crescente convocação ao apagamento, oferecida
121
pelo contemporâneo em suas diversas facetas, inclusive através do discurso
científico.
A esta altura do texto, o leitor provavelmente estará de acordo
com o estabelecimento de um elo associativo entre ciência e Universidade,
considerando ser a última centrada na primeira; afinal, o discurso universitário é
constituído em torno da ciência. Se, como afirmado acima, o discurso científico,
ainda mais em sua atual vertente predominantemente técnica, trabalha na direção
da produção de objetos e da exclusão do sujeito, a relação deste ideário científico
com o âmbito universitário aponta para uma discussão sobre a criação na
Universidade. Sem o intuito de enveredar por este caminho, pois então se
conformaria um novo tema de pesquisa, faço apenas alguns apontamentos
contemplando o assunto, dentre os quais o fato de não parecer errônea a
qualificação do reduto acadêmico como mais favorável à reprodução do que ao
ato criativo, à dessubjetivação do que ao engendrar do sujeito. A título de
exemplo, permaneço no âmbito da predominância dos números nas avaliações
efetivadas pelas instâncias reguladoras e fomentadoras de pesquisa e a tirania que
tais algarismos passam a exercer sobre os pesquisadores: as metas propostas para
as instituições e seus pesquisadores estão atreladas à redução do tempo de
conclusão das pesquisas e ao aumento da quantidade de publicações em revistas
científicas com altos índices de impacto.
De acordo com o percurso de análise desenvolvido até aqui,
desloco o termo índice de impacto de seu contexto habitual e proponho pensá-lo
em referência ao pesquisador. Cabe perguntar: o impacto destes números sobre o
sujeito não seria paralisante, já que o ato criativo se efetiva através do campo
pulsional e, portanto, num distanciamento da ordem da necessidade, dos
imperativos exclusivamente racionais, das possibilidades de mensuração e de
matematização? A este respeito, o site da Capes
13
possibilita o acesso a um outro
índice que pode ser somado a esta discussão: em média vinte por cento dos
alunos ingressantes em cursos de doutorado não concluem seus trabalhos.
Considerando as enormes dificuldades de acesso ao ensino superior em nosso
13
www.capes.gov.br O site oferece a consulta aos relatórios dos cursos de pós-graduação através
do campo estatísticas.
122
país, em que, em média, apenas dez por cento da população atinge este nível de
escolaridade
14
, parece representativo que vinte por cento dos tão poucos que
avançam além da graduação desistam ou abandonem seus doutoramentos.
Obviamente, muitos fatores podem ser relacionados a este índice, configurando
diferentes interpretações para este dado: apenas enfoco, pela direção desta
discussão, a anulação subjetiva causada pelo pouco espaço reservado na
academia para o sujeito pesquisador, para a autoria e o ato criativo.
A despeito das adversidades presentes na educação brasileira de
forma geral e do baixo índice nacional de escolaridade de terceiro grau, vivemos,
paradoxalmente, um imperativo por títulos e especialidades
15
: esta é a ordem do
mercado de trabalho que segue os moldes americanos, causando um empuxo para
algum tipo de qualificação. O ideário liberal estabelece para as políticas
educacionais uma relação diretamente proporcional entre os níveis educacionais e
de desenvolvimento econômico de um país. Este pensamento é explicitado na
Teoria do Capital Humano que ganhou força a partir da década de 60, associada à
preocupação com o crescimento econômico e melhor distribuição de renda, e
preconiza a educação como um investimento para rendimentos futuros, tanto no
nível individual quanto social (Almeida e Pereira, 2000). A despeito da expansão
de vagas no ensino médio e superior, principalmente após 1996, os níveis
educacionais brasileiros permanecem entre os piores da América Latina, e a
expansão educacional não se refletiu em crescimento econômico, diminuição das
desigualdades e fluidez social. Tal constatação contraria as premissas liberais, em
especial a Teoria do Capital Humano, e aponta que as mudanças apenas
educacionais não são suficientes para um melhor desenvolvimento social
(Tavares Junior, 2005).
Face a esta demanda mercadológica de qualificação profissional,
temos a proliferação de cursos de graduação e especialização, e já estão em
menor escala aqueles ofertados pelo Estado, sintoma de um tempo em que
14
www.mec.gov.br No site do Ministério da Educação é possível acessar o portal do INEP –
Avaliações e Censo Educacional. Andrade e Dachs (2007) atestam um índice de 13% de
matriculados no ensino superior brasileiro.
15
Existem países com níveis sócio-econômicos muito superiores ao Brasil, como é o caso dos
países nórdicos ou da Austrália, que também possuem baixos índices de escolaridade de terceiro
grau, onde a demanda de mercado de trabalho não é a da qualificação superior.
123
conhecimento e saber se transformam em bens, e a educação pode, então, ser
claramente comercializada, a ponto de ser considerada atualmente como campo
de investimento de capital estrangeiro.
Como falar em criação e sublimação nessas circunstâncias em que
o sujeito nem ao menos está implicado no ato de estudo e de pesquisa, pois,
muitas vezes, a busca pelo saber é reduzida à mera aquisição de titulação? Não há
como negar a existência de um caráter alienante e de dessubjetivação presente
nesta imposição pela busca de títulos e também na pressão por curtos prazos para
as pesquisas e por elevados números de publicações. Por este prisma de análise,
parece haver uma tendência à passividade e à alienação do sintoma no ambiente
universitário, e não à atividade da sublimação. Sendo assim, sujeito e ato criativo
não são presenças marcantes neste reduto.
É provável que o leitor esteja se perguntando, com toda a
propriedade, a respeito do argumento, apresentado na primeira parte deste
trabalho, que aproxima o processo sublimatório à produção de pesquisa, pois a
construção do conhecimento é infindável e se dá no entorno de um vazio, tal qual
a sublimação. Esta formulação não foi abandonada e tampouco desconsidero o
fato de que é com este movimento que o novo se configura: o ato criativo
presentifica-se na produção, na leitura singular que o pesquisador/autor pode
fazer de seu campo de trabalho. O que está em questão não é a existência da
possibilidade de sublimar e criar no mundo acadêmico, mas sim o quanto estas
condições são pouco favorecidas no âmbito universitário.
Com as considerações traçadas até então, acredito ter atingido a
meta, proposta para este capítulo, de desdobrar o conceito de sublimação na
direção do ato criativo, vislumbrando no processo sublimatório, como autor da
criação, o sujeito. Sendo a sublimação uma via de satisfação que prescinde do
recalque, a passividade sintomática é suplantada pela atividade do movimento
pulsional que pode ganhar forma no ato criativo, momento no qual o sujeito se
presentifica como autor no ato de produção de sua obra. Ato este que se efetiva a
partir e ao redor do vazio, numa íntima relação com das Ding – furo central e
originário na constituição subjetiva – e sem intermédio do eu ou compromisso
124
com uma moral. Sublimação e criação não estão subjugadas ao aceitável ou ao
socialmente adaptável, e sim amarradas ao sujeito naquilo que ele tem de mais
íntimo e, ao mesmo tempo, inapreensível.
Retomo a afirmativa de que o mecanismo sublimatório não é uma
panacéia para salvar o sujeito do adoecimento, mas sim uma via de expressão e
satisfação com a qual o sujeito, eventualmente, pode contar – via que se constitui
como caminho ou campo de subjetivação, e não apenas como reflexo de uma
subjetividade latente. Interessa agora problematizar, de forma mais aprofundada,
as condições associadas a esta eventual possibilidade sublimatória e,
particularmente, como tais condições têm sido afetadas na contemporaneidade.
Em tom de adiantamento e provocação do leitor, enuncio que o sujeito no
contemporâneo não está muito habilitado a dispor do vazio que deveria
constituir-se como fundamental em sua existência. Estando a castração menos
assegurada, é ainda mais difícil que este sujeito possa prescindir do significante
do Nome do Pai, uma vez que ele não se encontra bem estabelecido. Se nem
mesmo o trânsito pelo campo do gozo fálico está garantido, é difícil pensar em
sua suplementação no campo do gozo Outro e, portanto, vislumbra-se atualmente
uma escassez, ainda maior do que aquela enunciada por Freud em 1910, da
sublimação e do ato criativo.
Também é mote neste momento o avanço na argumentação sobre
proximidade e diferenças entre fim de análise e sublimação, tanto pelo desejo de
contribuir para dissipar certos equívocos que pairam sobre esta temática, quanto
para colocar em pauta as conseqüências e a significação da sublimação na
contemporaneidade. Essas últimas observações indicam as discussões que se
seguirão no capítulo conclusivo desta tese, sempre sem a pretensão de um
acabamento totalizador. Há, sim, a meta de chegar ao ponto final deste percurso,
fruto de um particular olhar sobre tantos outros já lançados, mas um final que
engendre abertura, capaz de produzir alguma fenda a partir da qual novos
relançamentos possam ocorrer.
125
Capítulo 4
Enlaces Finais
Na condição de capítulo conclusivo desta tese, seus objetivos são
retomar o que foi desenvolvido até então – para fortalecer e, em alguns casos,
ampliar os enlaces já tecidos ao longo da construção do texto – e também discutir
com maior propriedade alguns pontos antes apenas enunciados e anunciados. Para
ser precisa, são três as vertentes aqui propostas e entrecruzadas. A primeira delas
retoma, agora de forma mais integrada, os elementos, já trabalhados pontualmente
em cada um dos capítulos anteriores, capazes de demarcar e sustentar a presença
do sujeito no ato criativo via sublimação. A segunda avança a discussão outrora
esboçada sobre as particularidades e possibilidades do movimento sublimatório, e
suas especificidades no contemporâneo. A terceira estabelece a semelhança e as
diferenças entre sublimação e final de análise na teoria lacaniana,
problematizando a relevância clínica e social deste conceito.
Estas três instâncias devem convergir para a conclusão do que foi
estabelecido como meta de pesquisa desta tese: a retomada e delimitação
conceitual da sublimação com o intuito de pensar sobre suas possibilidades e
desdobramentos nos dias de hoje, enfocando e buscando afirmar a presença do
sujeito no advento do ato criativo via sublimação.
Devo enfatizar neste momento o caráter sempre parcial e inacabado
de um trabalho de pesquisa, já que não orientado pela busca de uma suposta
verdade inquestionável e comprometido com um crivo teórico de interpretação.
Desta feita, uma nova ótica ou outras leituras podem ser aplicadas à temática em
pauta. Além do mais, uma pesquisa é realizada a partir de um recorte estabelecido
num determinado campo de investigação; portanto, o que proponho neste
momento como conclusivo está estritamente delimitado pelos objetivos e pelo
126
percurso desenvolvido nesta pesquisa. Trata-se de concluir esta produção com o
desejo de contribuir para o encaminhamento das questões aqui abordadas sobre a
sublimação e o sujeito na contemporaneidade, quiçá gerando um efeito de
abertura que impulsione novas pesquisas sobre o tema.
Considero ainda ser a conclusão de uma etapa de trabalho e de um
ato de criação, ato através do qual a minha presença como sujeito é
inquestionável, seja pelos motivos que me levaram a esta pesquisa, seja pelos
caminhos escolhidos em sua realização e, sobretudo, pelo resultado produzido,
exposto e assinado. Neste ponto, reporto-me ao antes enunciado na apresentação
deste trabalho: a originalidade de uma pesquisa pode ser definida pelo que há de
singular em sua produção, através do particular recorte desenhado e configurado
pelo autor em suas próprias possibilidades sublimatórias, quando, dispor do vazio,
lhe permite criação e subjetivação.
Definidos os objetivos deste capítulo e o percurso proposto para
alcançá-los, faço ao leitor o último convite de trabalho para me acompanhar na
construção das três vertentes acima estabelecidas como norteadoras deste
momento final.
127
4.1. O sujeito na sublimação
A afirmação, paulatinamente trabalhada ao longo desta pesquisa,
da presença do sujeito na sublimação não consistiu, por si, em novidade. De
acordo com o caminho percorrido até aqui, foi possível a localização, nos textos
freudianos e lacanianos, de elementos que permitiram a constatação desta
presença; e, de fato, autores evocados durante a construção da presente tese –
como Harari (1997 e 2001), Pommier (1990) e Wine (1992) – referendam esta
evidência. Foi de interesse a identificação e alinhavo de construções, em Freud e
em Lacan, favoráveis à indicação da existência da relação sujeito-sublimação,
argumentando e assinalando a relevância do advento do sujeito no processo
sublimatório e, em particular, nesse tempo atual, marcado pela apatia e pelo
apagamento subjetivo.
Inicio esta última etapa, não por acaso trazendo novamente à baila
a temática da pulsão. A esta altura do texto, espero estar sustentada a centralidade
e relevância do conceito de pulsão na concepção de sujeito para a psicanálise,
assim como a direta ligação entre este mesmo conceito e o da sublimação. A
teorização pulsional é identificada por Freud como aquela de maior relevância na
psicanálise; Lacan considera a pulsão como um dos quatro conceitos
fundamentais da teoria psicanalítica, ao lado do inconsciente, da repetição e da
transferência. Vale observar: estes quatro conceitos são trabalhados por Lacan de
maneira interligada e produzindo desdobramentos na direção de outras
concepções, se não denominadas de fundamentais, primordiais para a
psicanálise
1
.
1
A leitura do Seminário 11 permite identificar tal articulação – ou seja, entre os quatro conceitos
que Lacan propõe como fundamentais à experiência analítica – já pela estrutura do livro, onde não
há um desmembramento absoluto entre os capítulos que tratam do inconsciente e da repetição,
assim como são trabalhadas em conjunto a pulsão e a transferência. Há ao longo de todo o
Seminário 11, referências contínuas e enlaces entre os quatro conceitos abordados, ainda que cada
um deles esteja focalizado como central em dado momento; e encontramos já alusão à pulsão nos
capítulos introdutórios sobre o inconsciente e a repetição, assim como há um retorno sobre o tema
do inconsciente na segunda metade do livro destinada à transferência e à pulsão. A este respeito,
Harari (1990) propõe um esquema onde os quatro conceitos sejam alocados de forma a
128
Como já observado no capítulo inicial, o segundo momento
freudiano de construção da teoria pulsional é um marco para a psicanálise, pois
determina a passagem de um modo de pensar a subjetividade e a clínica centrado
na ordem, no sentido e na representação – elementos característicos da primeira
tópica e da primeira teoria das pulsões – para um novo modelo marcado pelo caos
e pela desordem. Assim, a pulsão como pura potência dispersa, num mais além do
princípio do prazer, assume lugar de destaque na teoria freudiana a partir de 1920
através dos conceitos de pulsão de morte e de compulsão à repetição, indicando
haver algo da subjetividade que se constitui como exterior ao inconsciente, à
representação e ao psiquismo. Desta forma, temos as noções psicanalíticas de
sujeito e de subjetividade atreladas a dois campos distintos, porém relacionados: o
psiquismo, em sua predominância do inconsciente, e o âmbito pulsional (para
Freud, pulsão de morte) não representado neste mesmo psiquismo, que na teoria
lacaniana consistirá no registro do Real.
Delimitando o campo da sexualidade, a pulsão estabelece uma
distância da ordem da biologia e da necessidade, ou seja, do instinto, uma vez que
se caracteriza como uma força sempre constante, e não ritmada como é o instinto;
marcada pela parcialidade na satisfação, e não pela extinção de uma necessidade
como ocorre no instinto; e, pela variação do objeto, ao contrário da fixidez objetal
da necessidade instintual. É nesta distância do orgânico que se concretiza o
humano, isto é, que se constitui o sujeito na concepção da psicanálise. O processo
de instalação pulsional ou erogenização do corpo equivale aos primórdios da
constituição subjetiva, quando o aparelho psíquico começa a se organizar para sua
posterior divisão em instâncias de ordenação própria, o inconsciente e a
consciência.
O momento mítico inaugural da subjetividade está calcado na
existência de um Eu Real originário (Real Ich) indiferenciado do mundo externo e
destinado a manter a homeostase. Este Eu Real originário transforma-se em Eu
constituírem um retângulo, sendo que em cada um de seus cantos está grafado um dos conceitos.
As linhas entre os cantos que demarcam os lados do retângulo são flechas indicativas das relações
existentes entre os conceitos, relações que permitem um desdobramento e a inclusão de novas
noções também essenciais à pratica psicanalítica. São elas: o objeto a, a inibição, a repetição
diferencial ou tiquê, o lugar ou desejo do analista e a sexualidade.
129
Prazer (Lust Ich) no momento em que uma satisfação primária se dê, ordenando o
funcionamento sob a égide do prazer/desprazer, da incorporação do bom e
expulsão do ruim. Este momento mítico de uma satisfação originária é ao mesmo
tempo instaurador de uma afirmação primeira, significante inaugural que traduz a
captura da pulsão pelo psiquismo, e de um resto excluído, expulsão do ruim que
constitui o Real em Lacan. A partir das satisfações vivenciadas e afirmadas, o Eu
realidade definitivo vai em busca de objetos, na realidade externa, que possam
corresponder àqueles afirmados e incorporados anteriormente (Queiroz , 2005).
Vale assinalar que este processo de inscrição das pulsões parte,
necessariamente, da demanda pulsional de um outro
2
, denominado por Lacan
(1988 [1964], p.169) de “sujeito da pulsão”, exatamente em função de ser o
produtor do campo pulsional neste sujeito que há de se constituir. Os
investimentos libidinais deste outro (em geral representado pela mãe) sobre a
criança devem, num primeiro momento, ser suficientes para tomá-la no lugar de
objeto da completude materna. Assim, inicialmente alienada na posição de objeto,
a criança deve em seguida separar-se desta mesma condição ao se deparar com a
inexorável falta materna, produzindo tamm neste novo sujeito em constituição a
inscrição da falta, falta em ser o objeto da completude.
Nas inúmeras e sucessivas voltas das demandas pulsionais ocorrem
quedas do sujeito em constituição do lugar de objeto, momentos de separação, dos
encontros de duas faltas, tendo como efeito as inscrições de representantes
pulsionais no psiquismo e, ao mesmo tempo, a produção de um resto excluído,
não simbolizado, que constitui o Real. É também neste circuito de vai-e-vem da
pulsão, onde os tempos da alienação e da separação se processam que os enigmas
fundamentais e necessários para a existência humana se estabelecem: O que o
2
A grafia “pequeno outro”, no Seminário 11 suscita interpretações controversas, sendo
considerada por alguns autores como erro de transcrição. Entretanto, Laznik-Penot (1997) é
categórica ao afirmar que Lacan se refere mesmo aí ao pequeno outro, o semelhante, um indivíduo
concreto, necessário para o enlaçamento pulsional e a constituição do sujeito em referência, aí sim,
ao campo do Outro, campo do inconsciente e dos significantes. Esta posição fundamenta-se na
fidelidade de Lacan ao texto freudiano (no caso, o artigo metapsicológico sobre as pulsões de
1915), o que “exige que seja na relação ver – ser visto ou na relação sadismo – masoquismo, que
haja intervenção de um outro em carne e osso” (Laznik-Penot, 1997, p.216). Há uma ligação entre
esse pequeno outro e o Grande Outro, afinal, a mãe tem um duplo papel a desempenhar: tanto o de
outro concreto na relação dual, quanto de Outro, lugar do tesouro do significantes.
130
Outro quer de mim? E Podes me perder? Como já enunciado anteriormente, o
abandono da posição de objeto em prol da ascensão do sujeito, exige que a
primeira questão permaneça sempre indecifrável enquanto que a segunda tenha
uma resposta afirmativa.
É, portanto, neste momento de corte, de separação e queda do
lugar de objeto que a identificação alienante é interrompida, viabilizando a
inscrição pulsional, instaurando a falta e permitindo o desejo; em outras palavras,
com o corte, tempo da separação, vemos surgir o sujeito. No seminário A Lógica
do Fantasma, Lacan (2008 [1966-67], p.207) afirma que o corte é o responsável
pela eliminação do Outro “como campo fechado e unificado”. Esta afirmativa
aponta o corte como produtor do reconhecimento deste Outro como barrado,
inacessível e incompletável, com a conseqüente inscrição da falta – falta em ser o
objeto da completude deste Outro, então reconhecido como não pleno – no sujeito
em constituição.
Encontramos, ainda em Lacan (2008 [1966-67]), a articulação do
conceito de repetição ao momento de corte, de separação e queda do lugar de
objeto: respondendo ao mecanismo estruturante de busca pelo reencontro do
objeto perdido, a repetição repete um fracasso que atesta, reafirma o impossível
do gozo da Coisa. Na instalação da pulsão também se inaugura a repetição,
ambas atreladas à constituição do psiquismo e do sujeito e à infindável busca de
reencontro do objeto miticamente perdido, do reencontro da Coisa. Reencontro
sempre impossível de ocorrer e, ao mesmo tempo em que buscado
incansavelmente, também é indesejável, pois sua efetivação condenaria o sujeito
ao apagamento subjetivo, uma vez que este estaria fadado à condição alienada de
objeto para o Outro.
Retomo o fato de Lacan (1988 [1964]) propor pensar a repetição
em duas vertentes: a do simbólico, automaton, da insistência dos signos na cadeia
discursiva e a do Real, tiqué, a repetição diferencial, considerada a verdadeira
repetição no sentido de ser aquela que origina o repetir, desencadeando, então, a
insistência dos signos. A repetição diferencial da ordem do Real, tiqué, nunca é
mera reprodução. Ao contrário, ela é movimento na direção da busca impossível
131
de das Ding, fato que remete ao conceito de sublimação em sua condição de
produtora de uma elevação do objeto à Coisa.
A articulação entre sublimação e repetição é estabelecida de forma
direta e clara por Lacan na mesma lição XII de A Lógica do Fantasma [1966-67],
comentada acima, como é possível notar na passagem a seguir:
A sublimação é o termo – que não chamarei mediador, porque
ele não o é – é o termo que nos permite inscrever o acento e a
conjunção do que é disposição subjetiva, na medida em que a
repetição é sua estrutura fundamental, e que ela comporta essa
dimensão essencial sobre a qual resta, em tudo o que se
formulou até o presente na análise, a maior obscuridade, e que
se chama satisfação. (Lacan, 2008 [1966-67], p.211)
Neste pequeno trecho, ao afirmar a sublimação numa relação
direta e estrutural com a repetição – de onde é possível apreender que a
sublimação ocorre com base na repetição, aquela que se inaugura com o corte e a
constituição do Real pela exclusão de um resto pulsional não simbolizável –,
Lacan evidencia a presença do sujeito no campo sublimatório, uma vez que este
sujeito surge pelo corte na instalação da pulsão e da repetição. Esta mesma
passagem também aborda a questão da satisfação pulsional nos contornos da
sublimação, e, nos parágrafos que se seguem à citação acima reproduzida, lê-se
que Freud definiu a sublimação como uma possibilidade de satisfação pulsional
desviada em seu alvo e objeto sexuais, mas não inibida quanto à finalidade
sexual. Em uma palavra: a satisfação na sublimação se mantém na ordem do
sexual, pois este não se define e não se restringe ao campo genital
3
.
Em continuidade ao desenrolar dos enlaces aqui propostos e ainda
em referência à centralidade do conceito de pulsão para a noção psicanalítica de
3
“A Zweckmassigkeit, finalidade sexual, ele não nos disse que ela fosse de forma alguma
gehemmt, inibida, na sublimação: Zielgehemmt. E é precisamente aí que a palavra é feita
exatamente para nos deter... isso que nós gargarejamos com o pretenso objeto de nossa santa
pulsão genital, isto é, precisamente o que pode sem nenhum inconveniente ser extraído, totalmente
inibido, AUSENTE, no que é entretanto da pulsão sexual, sem que ela perca em nada sua
capacidade de Bifriedigung, de satisfação. Assim é, desde a aparição do termo Sublimierung, como
Freud a definiu sem termos sem equívoco. Zielgehemmt, por um lado, mas, por outro lado,
satisfação encontrada sem nenhuma transformação, deslocamento, álibi, repressão, reação ou
defesa. É assim que Freud introduz, coloca diante de nós, a função da sublimação.” (Lacan, 2008
[1966-67], p.213-4).
132
sujeito e também para o conceito de sublimação, relembro o leitor que num dos
importantes momentos da construção freudiana deste conceito (v. p. .66 e
seguintes), ele estabelece a sublimação como um processo que diz respeito
especificamente à pulsão, diferenciando-a da idealização, a qual concerne ao
objeto. Além do mais, o fato, evocado no parágrafo anterior, de a sublimação ser
postulada por Freud como um dos destinos da pulsão e definida como uma
possibilidade de satisfação pulsional desviada em seu alvo e objeto, e de forma
independente do recalque, evidencia a relação do processo sublimatório com o
campo pulsional. Entretanto, é necessário considerar que, em Freud, a sublimação
é subjugada aos trâmites do eu, que pela égide do ideal do eu pode redirecionar o
investimento libidinal, ora retirado dos objetos e retornado para o eu, para novos
objetos socialmente valorizados; ou seja, para Freud, a referida relação da
sublimação com o campo pulsional é intermediada pelo eu.
Por sua vez, para Lacan, a sublimação se apresenta mesmo como a
essência do funcionamento pulsional, pois a pulsão obtém sua satisfação sempre
pelo contorno do objeto e não por sua apreensão; portanto, é no circuito como
desvio que se dá a satisfação pulsional, é assim que o alvo é atingido e assim
também o é com a sublimação que por definição se dá pelo desvio do alvo. Desta
forma, o eu não mais é postulado como intermediário do processo sublimatório e
do ato criativo, a sublimação está para Lacan no centro da economia libidinal, no
âmago do funcionamento pulsional e, portanto, da constituição do sujeito. Assim,
ela pode ser um caminho através do qual o sujeito pode dispor do vazio, ou seja,
presentificar o vazio que o constitui através do ato criativo, alternativamente ao
adoecimento sintomático, ao acting-out ou à passagem ao ato. Definida como um
movimento capaz de gerar para o objeto o estatuto da Coisa, a sublimação está
vinculada à busca pela Coisa e, portanto, associada aos primórdios da
organização subjetiva onde as afirmações primeiras do que é bom se confirmam
com a expulsão e negação do ruim.
Além da citada e comentada relação entre sublimação e repetição
estabelecida no Seminário A Lógica do Fantasma, há também neste texto um
explícito entrelaçamento entre estes dois conceitos e as noções de acting-out e
passagem ao ato. Na realidade, Lacan (2008 [1966-67], p.209) parte da repetição
133
e da proposta de seu vínculo com a passagem ao ato, que considera um “modo
privilegiado e exemplar de instauração do sujeito”. Afirmativa preciosa que
remonta ao exposto no terceiro capítulo desta tese (v. p. 99 e seg.), confirmando a
implicação de um sujeito nisso que em psicanálise denomina-se ato.
A definição de ato dada por Lacan (2008 [1966-67]) é composta
pelos seguintes termos: o ato é significante, significante que se repete, mesmo que
apenas em ações; o ato é a instauração do sujeito, através do ato o sujeito surge
como efeito do corte, embora ele não se reconheça aí como tal. Estas formulações
possibilitam a apreensão de que a passagem ao ato e o acting-out – duas
modalidades de ato – comportam a repetição, clarificando o vínculo proposto
entre esses dois conceitos de ato e a repetição. O que está em questão é a
repetição diferencial da ordem do Real, que impulsiona a insistência dos
significantes na cadeia, fruto do corte, da separação que também permite o
surgimento do sujeito. Afinal, a passagem ao ato e o acting-out fazem corte, ou
melhor, reeditam o corte fundador da repetição, uma vez que eles põem em cena
o que escapou à simbolização e reafirmam a existência de um sujeito que rechaça
a alienação ao Outro e busca presentificar a falta.
Depois de trabalhada a relação entre repetição, passagem ao ato e
acting-out, Lacan (2008 [1966-67]) prossegue discorrendo sobre a articulação dos
três conceitos à sublimação, destacando o vínculo desta última com a repetição.
Enfatizo que esta série de conexões importa por sua clara demarcação da presença
do sujeito no campo sublimatório, corroborando o exposto até então nesta tese e
indo ao encontro do enunciado no segundo capítulo (ver p.88) a respeito de ser a
sublimação uma possível alternativa,o apenas ao funcionamento do recalque,
mas também à repetição, em função da primeira viabilizar, com o suporte do
imaginário, a existência do Real através do ato criativo, enquanto a segunda leva
à atuação do Real via passagem ao ato ou acting-out.
Com o vínculo ao vazio da Coisa, situando a sublimação como
anterior a todo recalque e independente dos ditames do eu e da vontade, Lacan
ainda demonstra a não assimilação deste conceito aos ideais adaptativos e
normativos, ou ao desejável socialmente. Além do mais, nesse distanciamento do
eu é possível vislumbrar a presença do sujeito, marcado pela falta e sob a égide
134
do inconsciente, avesso ao funcionamento da consciência e da razão. Assim,
temos a articulação da sublimação à pulsão e à repetição por sua localização no
centro da economia libidinal, nos primórdios da organização e estruturação do
psiquismo e sua ligação com a Coisa, que é marcada pelo que está de fora do
campo representacional, numa vinculação da sublimação ao Real. Insisto: toda
esta rede de relações compõe um quadro favorável à identificação do sujeito no
ato criativo via sublimação. Afinal, sublimar e criar presentificam a marca
fundamental do sujeito, marca traduzida como o vazio, o Real que pode ganhar
forma no ato criativo via sublimação. E ainda, a sublimação libera o sujeito do
aprisionamento neurótico ao lugar de falo para o Outro: a obra, fruto do ato
criativo, exerce a função de falo e permite assim a saída do lugar de objeto e o
conseqüente advento do sujeito na sublimação.
Reafirmo que o sujeito da psicanálise é o sujeito do desejo,
marcado pela falta e por ela impulsionado em sua existência. Com uma
concepção de subjetividade clivada em duas lógicas de funcionamento e
prioritariamente regida pela ordem inconsciente, a psicanálise promove um
decentramento do sujeito da razão e da consciência. Entretanto, esta noção de
sujeito é posta em xeque nos dias de hoje, em que a falta é vista como nociva e
superável pelo saber científico e pelo discurso capitalista, ambos supostamente
capazes de produzir bens a serem consumidos em busca de uma felicidade plena e
da extinção dos limites humanos. O resultado, que temos presenciado, deste
discurso contemporâneo está, na realidade, cada vez mais distante de qualquer
tipo de felicidade: apatia e angústia são o destaque no momento, intensos
sofrimentos que acabam por se manifestar nas posições extremamente
depressivas, nas crises de pânico, nos fenômenos psicossomáticos, no ato de
cortar-se e nas condutas violentas de caráter transgressor ou delirante. Sendo
assim, é necessário indagar e trabalhar sobre o que viabiliza o caminho
sublimatório e ampliar a discussão sobre tal possibilidade na contemporaneidade,
elementos que constituem a segunda vertente de trabalho proposta neste capítulo
e desenvolvida a seguir.
135
4.2. Sublimação na contemporaneidade
Tem-se como aclarada a presença do sujeito na sublimação pelo
fato de este mecanismo viabilizar que o vazio da Coisa, marca fundamental do
sujeito, seja contemplado através do ato criativo, produzindo efeito de
subjetivação, em virtude do afastamento do lugar de objeto e da possibilidade de
reconhecimento e lide com o Real – sem que este seja vivenciado como angústia e
atuado. Trata-se agora de retomar a questão enunciada em vários momentos desta
tese a respeito do que possibilita a sublimação ou o que determina a realização do
caminho sublimatório, bem como as particularidades, limitações e relevância
deste encaminhamento nos dias atuais.
No final do segundo capítulo (v. p.97), há uma indicação segundo a
qual a sublimação deve estar na dependência de elementos associados à
organização fantasmática, às particularidades da história de constituição de um
sujeito. Esta indicação retorna agora como afirmação: qualquer questão
relacionada ao sujeito na teoria freudo-lacaniana remete, necessariamente, aos
aspectos fundamentais da leitura estrutural de constituição e funcionamento
subjetivos. Afinal, neste prisma de análise os encaminhamentos, escolhas e
posicionamentos de um sujeito são fruto de sua organização fantasmática e
estrutural. Com esta lógica interpretativa, no capítulo anterior (v. p.
115 e
seguintes) foi formulado que a possibilidade sublimatória é assegurada pela
presença da castração primordial, a castração imaginária (-
φ
), e, ainda, pela
condição de o sujeito poder prescindir do significante Nome do Pai para que um
novo significante possa advir no ato criativo. Em outras palavras, se a falta está
instalada, se o vazio da Coisa está presente nele, o sujeito poderá sublimar e
dispor deste vazio perante a irrupção do Real. Ele poderá, o que não significa que
lance mão desta capacidade.
Mas, se por um lado, a sublimação depende da presença da
castração imaginária, por outro, ela é capaz de assegurá-la, capaz de presentificar
a falta, eximindo o sujeito da condição de objeto e assegurando a falta com o ato
136
criativo, preservando a castração através de um objeto criado via sublimação (v. p.
114 e seguintes). A partir desta leitura, traçada, especialmente, no capítulo
anterior, proponho pensar a sublimação como um recurso
4
que pode ser utilizado
quando o sujeito se vê ameaçado (ameaçado na sua posição de sujeito do desejo).
A condição de recurso pressupõe a disponibilidade do mesmo, disponibilidade
fundamentada na presença do vazio da Coisa, presença da castração imaginária.
Um recurso “frente à irrupção do Real, frente a contingências dramáticas da vida”
(Cruglak, 2001, p.11) que, guardadas as devidas proporções e diferenças, pode ser
comparado a outras tentativas de subjetivação, como o sintoma, o fenômeno e as
diferentes modalidades de ato ou o delírio.
Se a sublimação é um recurso comparável a outras modalidades de
subjetivação que implicam em defesa e/ou em satisfação, não há razão para
considerá-la como capaz de inviabilizar a utilização pelo sujeito dos demais
recursos com os quais possa contar. Afinal, desde que as condições necessárias
para a utilização de cada um destes recursos estejam instaladas, não há motivo
para que sejam excludentes entre si
5
. Mas ainda é possível indagar: o que leva o
sujeito a lançar mão de um ou outro recurso que tenha como possibilidade? E, se a
angústia e seus desdobramentos fenomênicos e de ato se explicam pela fórmula a
sem (-
φ
), enquanto a sublimação se define como a não sem (-
φ
) (Harari, 2001, p.
277), como é possível que mesmo sublimando – portanto, depois de assegurada,
4
O termo é encontrado no Aurélio (Ferreira, 2004), com as seguintes definições: 1. Ato ou efeito
de recorrer. 2. Auxílio, ajuda, socorro, proteção. 3. Meio, expediente: Usou de todos os
recursos
disponíveis. 4. Meio pecuniário; numerário: Viu-se de repente sem
recursos para enfrentar os
gastos. 5. Meio para resolver um problema; remédio, solução. 6. Jur. Meio de provocar, na mesma
instância ou na superior, a reforma ou a modificação de uma sentença judicial desfavorável. O
emprego do vocábulo nesta tese se aproxima do terceiro e quinto sentidos indicados acima.
5
Observo que as denominadas condições necessárias se referem exatamente à organização
estrutural. A título de exemplo, quando um sujeito recorre aos fenômenos elementares da psicose,
é porque tem, estruturalmente, as condições necessárias para tanto. Se este mesmo sujeito não faz
sintoma, não é porque os fenômenos elementares excluam esta possibilidade, mas, sim, porque
falta a ele as condições para a formação sintomática. Ainda é necessário considerar que as
mudanças do discurso social e seus efeitos sobre a estrutura familiar e a organização subjetiva têm
provocado uma espécie de dilatação das fronteiras entre as estruturas, uma maior fragilidade entre
as linhas divisórias das clássicas estruturas clínicas: neurose, psicose e perversão. A este respeito, é
possível retornar ao primeiro capítulo desta tese, onde foram trabalhados os conceitos de neurose
de borda e/ou estados-limite, os quais são novamente referenciados um pouco mais à frente neste
mesmo tópico de trabalho.
137
reafirmando-a, a castração primordial – o sujeito possa também estar à mercê da
angústia e suas conseqüências, se estas últimas assinalam a ausência da falta?
Já está afirmado que as respostas para as questões em voga estão
atreladas à estruturação subjetiva. Neste ponto, dada a referência à importância da
organização fantasmática para o avanço na compreensão do processo
sublimatório, faz-se necessário a abordagem do conceito de fantasma em Lacan,
conceito que possui contornos precisos e valiosos para a clínica psicanalítica.
Representado pela fórmula $
a, a qual se lê: sujeito punção do objeto a, o
fantasma tem, para Lacan, uma lógica, lógica – que ele explicita e trabalha no
seminário A Lógica do Fantasma [1966-67].
O seminário é iniciado com a referida fórmula proposta para a
escrita do fantasma, detalhando cada um dos seus elementos e as relações entre os
mesmos: o S barrado remete ao conceito de sujeito do inconsciente, sujeito do
desejo. Tantas vezes indicado nesta tese, o sujeito do inconsciente é apontado por
Lacan como marca inaugural de toda a descoberta freudiana, o sujeito dividido,
“barrado pelo significante que o constitui” (Marini, 1990, p.240), “barrado
daquilo que o constitui propriamente, enquanto função do inconsciente” (Lacan,
2008 [1966-67], p.12).
Este sujeito barrado está, na fórmula em questão, em relação ao
objeto a, que é efeito das operações de causação do sujeito (alienação e
separação), que cai como resto do vel da alienação, da relação do sujeito com o
Outro, “um resto impossível de simbolizar” (Roudinesco e Plon, 1998, p. 552). O
objeto a é o objeto causa do desejo e como tal “é causa da divisão do sujeito”
(Chemama, 1995, p.153): é o objeto que presentifica a falta a ser do sujeito.
O signo, semelhante a um losango e chamado de punção, que
estabelece a ligação entre o sujeito barrado e o objeto a, é “um signo forjado
expressamente para nele reunir o que pode dele isolar-se, conforme vocês o
separem por um traço vertical ou com um traço horizontal” (Lacan, 2008 [1966-
67], p14). A punção estabelece uma relação de se e somente se entre o sujeito
barrado e o objeto a, ou seja, a lógica do fantasma está exatamente nesta
necessária relação do sujeito ao objeto a, relação particular que implica união e
138
exclusão, alienação e separação, permitindo que o sujeito surja como efeito da
verdade que o causa.
E qual é a verdade fundadora de um sujeito, se não o vazio
primordial e não simbolizável? Se não a falta em ser que atesta o Outro como
barrado e incompletável? Se não a Coisa, furo central do inconsciente, exterior ao
simbólico e em torno do qual se organizam as representações de coisa? O mesmo
vazio passível de se dispor, com o qual é possível fazer com [faire avec] na
sublimação, em que, com efeito, o sujeito também aparece.
O fantasma é determinado pela maneira como se deram os
investimentos pulsionais sobre o sujeito em constituição, pela forma como
transcorreram os processos da alienação e da separação, pelo que se constituiu
como resto (objetos a e Real) e como inscrição psíquica nas voltas do circuito
pulsional. Por outro lado, mas em função destes mesmos elementos
organizadores, o fantasma é determinante da relação do sujeito com o seu desejo,
dos investimentos libidinais e escolhas objetais possíveis de serem realizadas por
um sujeito. O desejo, efeito da linguagem, em seu deslizamento metonímico de
um objeto a outro, dá-se nos contornos do fantasma. É o que nos diz a fórmula do
fantasma: o sujeito – e, portanto, seu desejo – está na dependência dos objetos que
o causa. Composto de elementos simbólicos e imaginários, o fantasma opera
como obturador do Real, como uma tela protetora do sujeito “não só contra o
horror do real, mas também dos efeitos da divisão, da castração simbólica”
(Chemama, 1995, p.72). Temos, então, demarcado, um caráter estruturante e
defensivo do fantasma.
Foi dito que a sublimação é assegurada pela presença da castração
primordial e pela possibilidade do sujeito prescindir do Nome do Pai para que um
novo significante possa advir em seu lugar, para que o ato criativo possa se
efetivar. Também está afirmado que o fantasma é organizador da subjetividade, da
condição de sujeito marcado pela castração, pela falta e, portanto, determinante
dos encaminhamentos e das escolhas objetais deste mesmo sujeito.
Sabemos, portanto, que no desenho do fantasma, na forma como as
inscrições pulsionais se efetivaram, encontra-se o potencial para a formação
sintomática e/ou fenomênica. É na composição dos traços pulsionais que se dá o
139
diferencial dos encaminhamentos subjetivos, uma espécie de matriz dos destinos
pulsionais, um mapeamento das possibilidades pulsionais. Um mapeamento das
bordas erógenas, dos pontos de encontro entre Real e simbólico, onde reside a
diferença tanto da tessitura do sintoma ou do fenômeno, quanto do tipo de
construção sintomática ou fenomênica. Em outras palavras, o tracejar
fantasmático indica, por exemplo, o porquê de o sujeito eleger os transtornos
alimentares como saída fenomênica e não o pânico; ou ainda, em um outro
exemplo, o porquê dos sintomas depressivos ao invés do fenômeno
psicossomático.
Sigo este raciocínio para sustentar a afirmação de que também a
sublimação está relacionada à maneira como o fantasma se organiza e do quão a
castração está assegurada. Acrescento que o fato de a castração operar em um
sujeito não significa dizer que ela esteja afirmada a cada uma das voltas
pulsionais, que ela não possa ser falha em um ou mais pontos do processo de
erogenização. Este é um dos fundamentos das neuroses de borda (v. p. 43) – as
denominadas disfunções do (-
φ)
pois o fenômeno é fruto de um campo pulsional
mal simbolizado, efeito de algum fracasso nas operações de alienação e de
separação e, portanto, na inscrição da castração.
Vislumbro, neste ponto, a resposta para a condição de o sujeito
poder dispor de recursos em princípioo díspares, como a sublimação, o sintoma
ou as modalidades de ato perante a angústia. A partir das disfunções do (-
φ)
, dos
pontos de falha da castração, é possível que ao ser convocado à posição de a o
sujeito se veja sem (-
φ
), deparando-se, portanto, com a angústia e seus possíveis
desdobramentos. Entretanto, tais falhas não impedem que, em outros momentos,
este mesmo sujeito, perante a irrupção de a, perante a emergência do Real, esteja
não sem (-
φ
) e, assim, possa sublimar. Nestas circunstâncias, é permitido sublimar
pela presença da castração e, ao mesmo tempo, sublimar permite alguma
suplementação das disfunções do (-
φ)
operantes no sujeito, permite que a
castração seja assegurada, que o Real seja comportado, que se possa fazer com o
vazio.
140
Com o caminho percorrido até aqui, impõem-se afirmar que, nas
particularidades, nos pormenores dos investimentos pulsionais maternos, nos
meandros da alienação e da separação, reside a resposta para o sujeito lançar mão
de um ou de outro recurso como forma de lidar com a presença do Real. Estas
particularidades estão associadas, primordialmente, à qualidade dos investimentos
pulsionais sobre o sujeito em constituição e ao intervalo de tempo entre estes
mesmos investimentos. Tanto a qualidade das demandas pulsionais, quanto o
intervalo de tempo entre elas referem-se ao circuito pulsional, à quantidade de
voltas pulsionais efetivamente realizadas, a como e com qual intervalo temporal
os processos de alienação e separação ocorreram, e puderam instalar como
enigma a questão: Que queres? Detalhes, de fundamental relevância, que remetem
aos trâmites das funções maternas e paternas no processo de constituição
subjetiva, indicadores da marca da castração nos pais, da presença em seus
próprios inconscientes do Nome do Pai, para que, efetivamente, possam
desempenhar seus papéis e favorecer a inscrição da falta.
Esta argumentação produz o encontro com o segundo critério,
apontado por Cruglak (2001), necessário para a ocorrência da sublimação, a saber:
a possibilidade de prescindir do significante do Nome do Pai para que um novo
significante possa advir em seu lugar, dando vez e voz ao ato criativo. Antes de
tudo, para abrir mão do Nome do Pai, é necessária a presença deste significante no
inconsciente. Obviamente, não há como prescindir de algo que não se tem, e para
poder transcender este significante, para poder ir além deste Nome na produção de
novos significantes, é preciso saber, ao menos em alguma medida, que este ato de
criação não o anulará, que prescindir deste Nome não significa destruí-lo. Ao
contrário, é operar fora de seus domínios, mas, em virtude de seus efeitos e
corroborando a sua função de assunção subjetiva.
Excedendo, por definição, os limites da Lei simbólica, os limites
do Nome do Pai, num salto do recalque e da Lei da castração, a sublimação leva à
satisfação pulsional sem o compromisso com as defesas neuróticas contra a
sexualidade. Se na sublimação está presente o Real, registro carente de toda e
qualquer organização e, portanto, fora da Lei, ela está livre do imaginário de
totalização e de um gozo pleno, sem perdas; portanto, não há motivos para temer e
141
repudiar a satisfação em sua necessária parcialidade. Lembro ainda que a
sublimação se efetiva a partir do nada, do vazio, e, portanto, o ato criativo não é
efeito de desdobramentos metafóricos, substitutivos a um significante inaugural –
como acontece na formação sintomática – mas, sim, da produção de novos
significantes de maneira independente do recalque e do Nome do Pai.
Prescindir do Nome do Pai implica, em meu entendimento, um
reposicionamento subjetivo que permite um pontual distanciamento das
cristalizações presentes no funcionamento neurótico. Um reposicionamento em
relação à Lei e à potência paternas, de forma liberta do temor neurótico de
ultrapassar o Pai, independente das amarras sintomáticas de sustentação e
suplementação da função paterna. Inevitavelmente, estas considerações sobre a
sublimação remetem à temática do final de análise – do qual se espera,
minimamente, um reposicionamento subjetivo com satisfações pulsionais menos
adoecidas –, tema que será em breve abordado com o intuito de discutir sobre sua
relação com o processo sublimatório. Antes, porém, mais algumas palavras a
respeito da sublimação na contemporaneidade.
De acordo com o exposto no primeiro capítulo, há atualmente um
abalo no estatuto do sujeito do desejo. Pouco marcado pela falta e inserido em um
discurso social que apregoa justamente a superação de todo e qualquer limite e a
busca do saber e do gozo plenos, o sujeito do desejo tem se distanciado das
referências simbólicas do Nome do Pai, da lei da castração. Fadado, assim, a um
predomínio do imaginário, freqüentemente o homem de hoje carrega o peso da
ausência da falta perante um Outro pouco interditado e, portanto, ameaçador.
Ameaçador por convocar o sujeito na condição de objeto e assim destituí-lo da
posição de desejante, lançando-o à angustia, à apatia e à alienação.
Nestas circunstâncias, em que a castração está pouco assegurada,
em que o Nome do Pai é pouco eficaz, ficam escassas as condições necessárias
para a sublimação e o ato criativo. Entretanto, quando o sujeito possui
minimamente tais condições, quando se trata de um campo pulsional perante o
qual foi possível produzir o objeto a como resto, como sobra do inscrito, quando,
enfim, Real e simbólico puderam se tocar na borda erógena, está aberto então o
caminho – ainda que por uma passagem estreita – para a sublimação. Caminho
142
que, como trabalhado ao longo de toda esta pesquisa, é produtor de subjetivação
ao permitir que o Real e o vazio da Coisa sejam reconhecidos como tais e
incorporados, reafirmando, assim, a condição de barrado do sujeito.
Considero inegável a relevância de ser a sublimação
potencialmente capaz de reavivar a presença do sujeito do desejo em tempos tão
favoráveis à dessubjetivação, mesmo ciente de que a chama é tênue e efêmera.
Dito de outro modo, não há garantias advindas da sublimação, este destino
pulsional não salvaguarda o sujeito de outros destinos, muitas vezes, menos
aprazíveis. De qualquer forma, é produtor de subjetivação.
Não é o final de análise, ao menos na proposta lacaniana, destinado
ao reconhecimento do Real, à afirmação da impossibilidade e, portanto, da
presença do sujeito? Isto posto, passo ao terceiro tópico deste capítulo conclusivo,
destinado a trabalhar as aproximações e diferenças entre sublimação e final de
análise.
143
4.3. Sublimação, ato criativo e final de análise
No transcorrer desta pesquisa, construí afirmativas sobre o que
denominei de uma aproximação entre o processo sublimatório e o final de análise
na teoria lacaniana. Tais afirmativas foram fundamentadas, primordialmente, na
consideração de que tanto a sublimação, quanto o final de análise em Lacan,
abrangem o Real e implicam a possibilidade de fazer com este Real. No caso da
sublimação, o fazer com se expressa pelo ato criativo e no final de análise, como
veremos a seguir, se refere à identificação do sujeito ao seu sinthoma
6
, ao fazer
com o gozo podre, ou seja, à produção de um gozo não mais sintomático. Se
somarmos a este ponto a formulação lacaniana de que “um fruto típico da situação
analítica enquanto tal é a sublimação” (Lacan, 2008 [1966-67], p.211), seria
possível pensar neste gozo não mais sintomático, de um final de análise, como um
gozo sublimatório? E neste caso, haveria equivalência entre sublimação e
sinthoma, ou, entre sublimação e final de análise? E mais: se a sublimação é,
como afirma Lacan, “um fruto típico da situação analítica” só poderíamos falar de
sublimação num final de análise?
Estas são questões que norteiam este item de trabalho e, na
realidade, algumas ressalvas tecidas nos capítulos anteriores já evidenciaram não
haver uma equivalência entre um e outro termo, entre sublimação e final de
análise. O próprio vocábulo aproximação permite pensar em elementos comuns,
mas também na manutenção de alguma distância entre os dois processos em
questão. Agora, é necessário desenvolver a argumentação que sustente esta
distância de forma lógica e consistente teoricamente e, assim, responder às
indagações acima formuladas.
Um outro aspecto de aproximação entre sublimação e final de
análise é o fato de ambos se distanciarem de um caráter moral e normativo: não há
ideal a atingir em nenhum dos dois processos e, também, nenhum dos dois,
6
Lacan utiliza a grafia antiga (sinthome) da palavra symptôme (sintoma) com o intuito de indicar a
existência de dois conceitos diferentes, como veremos mais adiante neste mesmo capítulo.
144
objetiva a adaptação social. A este respeito, enfatizo que a sublimação não es
comprometida com o socialmente elogiável ou desejável. Por sua vez, o
tratamento analítico não está regulado por uma ética do bem-estar ou do bem-
fazer, mas, sim, pela ética do bem-dizer, orientada na direção do sujeito desejante
e do reconhecimento do Real, do reconhecimento “de que há um limite, um
impossível do qual não temos como escapar” (Maurano, 2003, p.58).
Com o intuito de trabalhar sobre os elementos de aproximação e de
distanciamento entre sublimação e final de análise, é fundamental, em primeiro
lugar, definir e marcar as especificidades do final de análise na teoria lacaniana,
em sua contraposição ao final de análise em Freud.
É possível enunciar como diferença inicial e decisiva entre as
abordagens freudiana e lacaniana da temática em causa, o fato de, na primeira,
uma análise encontrar o seu limite no insuperável da castração e no fracasso
imposto pela repetição. Freud está certo de que o homem não pode curar-se da
castração e do mais além e ingovernável da repetição, considerando esta condição
como um limite, indicativa dos alcances – para Freud, um tanto frustrantes – de
um tratamento analítico. Por sua vez, Lacan avalia a inexorabilidade da castração
e a presença do Real na repetição, não como limite, mas, sim, como fatos a serem
tomados como tais e considerados para efeito de fim de análise. Assim, o término
de uma análise comporta o impossível da castração e do Real, envolve a
possibilidade de reconhecimento e de fazer com o impossível, contempla a saída
da impotência do imaginário e do sintoma para a impossibilidade inerente ao
Real.
Harari (2001) identifica três distintos momentos na concepção
lacaniana de final de análise. O primeiro desses momentos, seguindo Freud,
estipulava a interpretação do sintoma como fim; o segundo, apontava para o
atravessamento do fantasma e o terceiro para uma identificação. Considerar a
interpretação do sintoma como fim de análise é circunscrever o trabalho analítico
aos domínios do simbólico e do imaginário. Os avanços lacanianos na direção da
concepção de uma clínica do Real põem em xeque o ideário da interpretação do
sintoma como fim de análise. Entretanto, pode ser que o analisando esteja
satisfeito com este alcance, que as significações advindas do trabalho analítico
145
sobre o sintoma sejam suficientes para muitas pessoas – em função dos efeitos de
alívio de sofrimento – e, então, este será o ponto final de certas análises. Esta
observação indica que nem sempre o término de uma análise coincide com o que a
teoria propõe como final de análise, com os alcances sabidos como possíveis de
atingir.
Num segundo tempo de construção teórica, a equivalência do final
de análise ao denominado atravessamento do fantasma estabelece que o sujeito
deve percorrer toda a trama que compõe o seu fantasma e, a partir desta travessia,
reposicionar-se perante o mesmo. Este reposicionamento subjetivo implica a
descoberta de que o Outro, na realidade, nada demanda ao sujeito. Tal descoberta
permite um funcionamento subjetivo distante do gozo sintomático, pois liberto do
imaginário de responder às supostas demandas do Outro, liberto das identificações
alienantes ao suposto desejo do Outro – é necessário frisar ser esta uma posição
não-definitiva, pois os sintomas podem voltar a operar –, viabilizando uma maior
amplitude das satisfações pulsionais sem o adoecimento sintomático. Como lemos
em Chemama (1995), Lacan, em suas Conferências nos Estados Unidos (1975),
proferiu que uma análise não deveria ser levada muito longe, pois um final de
análise comporta algo de problemático, e seria suficiente que o analisando se
sentisse feliz por viver. Problemático, no sentido de se impor como importante
prova narcísica, afinal, a descoberta de que o Outro nada me demanda equivale a
dizer que não sou nada para o Outro, que não promovo seu gozo.
Por sua vez, o último Lacan define o fim de análise associado a
uma identificação, o que propõe, de início, a seguinte questão: “identificação a
quê?” (Harari, 2001, p.284). A formulação lacaniana é que o sujeito se identifique
ao seu sinthoma, e, assim possa fazer com [faire avec] o gozo podre. Neste ponto,
mais uma vez está o enunciado como problemático: que se possa fazer diferença a
partir do gozo sintomático, que o gozo do adoecimento se modifique e produza
além do sofrimento. É oportuno voltar ao assinalamento lacaniano também sobre
o final de análise a respeito de ser a sublimação um fruto típico da análise. O
inevitável bate à porta: a sublimação, fruto que pode ser colhido no final da
análise, é fazer com o vazio, e o final de análise é fazer com o gozo podre.
Reiteradamente inquiro: o que há de comum nestes atos? E o que os diferencia?
146
Buscar responder a estas indagações implica, no mínimo, num
delineamento do conceito de sinthoma na teoria lacaniana, essencial à discussão
em curso sobre as relações entre sublimação e final de análise.
No Seminário 23 – O Sinthoma, Lacan (2007 [1975-76]), apresenta
uma reformulação no nó borromeu
7
, de forma a organizá-lo não mais com três
elos – real, simbólico e imaginário mas, sim, compreendendo um quarto termo –
o sinthoma – responsável pela amarra dos outros três. A idéia inicial de Lacan é a
equivalência do sinthoma a uma prótese, capaz de remediar uma possível
dissociação dos três aros no nó borromeu – quando estão originalmente mal
enodados – provocada pelo fracasso e pela ruptura de um deles. Assim, no mesmo
Seminário 23, Lacan considera como sinthomática a produção de James Joyce –
que ele identifica como sendo psicótico – e avalia que sua obra possui a referida
função de prótese, fazendo suplência ao Nome do Pai (De Neuter, 1997).
De Neuter (1997) considera que, no transcorrer do Seminário 23,
Lacan formula não apenas o sinthoma como prótese, suplência na psicose, mas
como condição de estrutura, propondo um nó borromeu organizado desde o início
por quatro aros: Real, Simbólico, Imaginário e Sinthoma. Se o sinthoma é
condição de estrutura, o final de análise não pode objetivar a sua extinção. Por
isso, a idéia, de um final de análise comportar a identificação ao sinthoma, de
forma que o sujeito possa fazer com, que o gozo do sofrimento sintomático possa
transformar-se em uma forma de satisfação menos pesarosa e mais prazerosa.
Não é raro encontrarmos observações (o próprio De Neuter, 1997,
e Santos, 2006) sobre a existência de ambigüidades, reflexo de um não-
acabamento teórico nas formulações lacanianas sobre o sinthoma. Segundo estes
autores, as contradições se referem, em especial, à diferença entre sintoma e
sinthoma e ao fato de ser o sinthoma condição de estrutura, ou, apenas, prótese.
Não se trataria de distinguir o sintoma freudiano do sinthoma lacaniano, pois estes
seriam “duas faces da mesma moeda” (Santos, 2006, p. 251). Entendo esta
7
Segundo Frignet (1997), um enodamento é borromeano quando o entrelaçamento entre suas
cordas se desfaz com a ruptura de qualquer uma delas. Lacan utiliza esta noção, a partir de 1972,
para articular Real, Simbólico e Imaginário. Sob a lógica borromeana, os três registros são
tomados em conjunto e considerados interdependentes. Cada um dos registros participa da
sustentação dos demais – aliás, o que faz cada um consistir é o fato de se manterem juntos – e, em
seu entrelaçamento estão localizados a inibição, o sintoma e a angústia.
147
afirmativa como sinalizadora de que o centro da discussão, inclusive no que
concerne ao final de análise, é o campo pulsional e sua plasticidade. O sinthoma é
uma forma de o sujeito servir-se da plasticidade pulsional, uma forma de
encaminhar a satisfação pulsional por meios diferentes e menos sofridos do que
aqueles do sintoma. Nas palavras de Harari (2001, p. 287): “Onde sintoma estava,
sinthoma deve advir”
8
. Avalio que esta proposição se aplica perfeitamente ao fim
de análise nas neuroses, e, acrescento outra, agora aplicável às psicoses, onde o
sinthoma adquire sua função mais claramente protética: Onde sintoma não estava,
sinthoma pode advir.
De qualquer forma, seja o sinthoma prótese ou elo estrutural da
organização subjetiva, o que interessa nesta pesquisa é a discussão da relação
deste conceito com a sublimação, em virtude do estabelecimento das semelhanças
e dessimetrias entre sublimação e final de análise. Harari (2001, p. 273) afirma,
sem ressalvas, que sublimação e sinthoma se diferenciam por serem conceitos
regidos por “lógicas distintas, caso adotem, ou não, o falo (a castração) como
referencial definitivo”. A sublimação está inscrita na lógica fálica, pois, se assim
não o fosse, não poderia ser definida como um caminho de satisfação pulsional
que prescinde do recalque. Para prescindir do recalque, é, antes, necessário que
este mecanismo componha o funcionamento subjetivo, o que implica haver
passado pelo Édipo e pela castração e, portanto, estar sob a lógica fálica. Por sua
vez, o sinthoma não está sob a égide da ordenação fálica, pois ao ser pensado
como prótese na psicose – estrutura clínica constituída pela forclusão do Nome-
do-Pai – ele é definido como excluído da castração e da lógica fálica. Da mesma
forma, pensado como elo estrutural da organização subjetiva, o sinthoma está
aquém da lógica fálica, uma vez que situado em referência aos primórdios da
constituição subjetiva.
Se há uma diferença lógica e estrutural entre sublimação e
sinthoma, e se este último está associado ao final de análise, temos, por
conseqüência, um passo dado, também, na direção da identificação dos limites
entre a sublimação e o final de análise. O fazer com o vazio, na sublimação, está
8
É explícita a alusão de Harari à formulação freudiana presente na conferência 31: “Wo es war,
sool ich werden,; Ali onde se estava, ali como sujeito devo vir a ser” (Garcia-Roza, 2001, p. 209).
148
implicado na lógica fálica e atrelado ao ato criativo, onde um objeto é elevado à
dignidade da Coisa. O fazer com o gozo podre, no final de análise, não implica a
lógica fálica e criacionista a partir do vazio, é antes o reconhecimento da
impossibilidade do gozo pleno e a aceitação de uma satisfação sempre parcial.
Em outras palavras, estes dois atos de fazer com operam de formas
distintas e com resultados ou efeitos diversos. Como já observado, nos capítulos
precedentes, a sublimação não impede a presença do adoecimento sintomático ou
fenomênico e, portanto, não pode equivaler ao final de análise, quando se espera
haver – ainda que não de forma definitiva e decisiva – uma maior amplitude das
satisfações pulsionais sem o adoecimento e o gozo do sofrimento. De qualquer
modo, estas diferenças entre sublimação e final de análise não anulam a sua
aproximação em função dos dois processos envolverem o sujeito em sua relação
com a falta e com a presença do Real.
Pommier (1990) também é categórico ao diferenciar o fim de
análise e a sublimação, indicando a pertença de ambos a registros distintos: a
sublimação concerne à pulsão, enquanto o fim de análise incide sobre a fantasia.
Este critério de diferenciação também implica numa aproximação; afinal, a
fantasia se constrói a partir de e sobre o campo pulsional. Nas interfaces entre fim
de análise e sublimação, ambas se articulam a uma perda de gozo, entretanto, “a
primeira não guarda esperança, enquanto que a segunda recupera o que foi
perdido e isto graças à obra.” (Pommier, 1990, p.202). Assim, encontramos a
confirmação da existência de um elo comum entre sublimação e final de análise,
mas, também, a clareza a respeito da distinção entre os dois processos. O elo diz
respeito exatamente à presença do sujeito e seu desejo nos dois processos, sujeito
marcado pela falta, pela perda de gozo, pela impossibilidade do Real. Entretanto,
neste mesmo ponto se encontra a diferença essencial: “a estética está assim do
lado da pulsão, do gozo, enquanto que a ética se confronta com a impossibilidade
de um desejo que renunciou a este gozo” (Pommier, 1990, p.205).
Com o estabelecimento dos contornos delimitadores da sublimação
e do final de análise, está indicado que um tratamento analítico não conduz o
sujeito para a sublimação e, portanto, uma análise não produz efeitos diretamente
sobre a capacidade sublimatória, não desenvolve ou amplia o potencial de
149
sublimação. E, ainda, é preciso assinalar que a sublimação não depende do
trabalho analítico para se efetivar. A sublimação é fundadora da civilização e,
portanto, muito anterior à descoberta da psicanálise e é um processo que possui
elementos em comum com o resultado de uma análise, mas economizando todo o
percurso do tratamento analítico (Pommier,1990). Então, como entender a
formulação lacaniana que supõe a sublimação como fruto típico da situação
analítica?
Proponho – ciente de que apesar de didáticas, são problemáticas as
comparações metafóricas – acompanharmos a metáfora presente neste enunciado
de Lacan. Elejo como exemplo a goiabeira, árvore frutífera velha conhecida de
todos. Uma goiabeira, potencialmente, dá goiabas, isto é um fato, fato
determinado pela condição de goiabeira que aquela árvore possui. Para que esta
árvore dê sua florada e produza seus frutos não é necessário nada além do que
qualquer planta precisa para se desenvolver e frutificar: terra, água, luz e
polinização. Mas a florada será melhor e os frutos mais bonitos se a terra for
adubada, a quantidade de água controlada e os pequenos frutos envoltos em sacos
de papel para não “bicharem” enquanto crescem e amadurecem.
Nesta metáfora, considero a situação analítica comparável aos
cuidados para que a árvore produza mais e melhor. Ressalva seja feita: a ética
analítica não está alinhada com o discurso capitalista do empreendedorismo ou da
qualidade total. Como já referido, a psicanálise não é regulada pela ética do bem-
fazer ou do bem-estar, mas, sim, pela ética do bem-dizer. A comparação deve ser
feita pensando nos efeitos de desamarras dos sintomas e das inibições produzidos
por uma análise, os quais podem, ainda que indiretamente, favorecer as condições
para a ocorrência da sublimação. Falo de uma espécie de desobstrução de
caminhos e não de um aumento de potencial ou da capacidade de sublimar.
Afirmo, assim, que uma análise pode colaborar para que o sujeito usufrua ou
utilize mais o recurso da sublimação, o que não implica em uma análise produzir
sublimação.
Neste ponto, retomo a proposição, feita no item anterior deste
mesmo texto, de ser a sublimação um recurso, recurso desenvolvido pelo sujeito
ao longo de sua organização subjetiva. Recurso que depende da presença da
150
castração primordial, da inscrição do Nome do Pai e da possibilidade de abrir mão
deste mesmo Nome. As condições que habilitam a existência da sublimação como
recurso e, ainda, os elementos associados ao lançar mão ou não deste recurso –
ambos discutidos no item anterior – podem ser comparados na metáfora com o
potencial a dar goiabas, ou a condição de goiabeira. Em outros termos, se a
sublimação é um recurso com o qual o sujeito possa contar, a análise pode ser
favorecedora de sua utilização.
Considero não mais haver dúvida sobre a não-equivalência entre
sublimação e final de análise: uma análise não resulta num encaminhamento para
a sublimação e para o ato criativo. Entretanto, o tratamento analítico e a
sublimação têm em comum o fato de favorecerem a emergência do sujeito
marcado pela falta e pelo desejo: a análise, pela produção da queda das
identificações alienantes, do reconhecimento da falta e do impossível do Real; a
sublimação, pela liberação do sujeito do lugar de falo e por contemplar o vazio e o
impossível do Real. Além do mais, uma análise pode viabilizar o campo
sublimatório em virtude de seus efeitos sobre as inibições e do abandono do gozo
sintomático em favor de outras modalidades de satisfação, entre as quais pode
constar a sublimação.
151
4.4. Momento de concluir
Neste momento de concluir, impõe-se a ênfase sobre os pontos de
ancoragem desta tese.
Foi resgatado o conceito de sublimação e sustentada a presença do
sujeito na sublimação. Presença marcada no e pelo ato criativo via processo
sublimatório, em que a emergência do sujeito se dá com o afastamento do lugar de
objeto e a possibilidade de reconhecimento e lide com o Real; onde o vazio da
Coisa, fundamental para a constituição e presença do sujeito, é contemplado. O
ato criativo via sublimação se efetiva, não para escamotear o vazio, mas sim para
sustentá-lo, e deste modo garantir a presença sujeito. Presença favorecida pela
própria dinâmica sublimatória – fundada nos primórdios da constituição subjetiva,
no momento do corte, da separação –, que opera pelo desvio, com a produção de
uma satisfação sexual de forma independente do recalque e de suas derivas de
sofrimento sintomático. Mesmo tendo em sua estrutura a repetição, a sublimação
também opera uma espécie de desvio em relação aos efeitos desta, pois o ato
criativo via sublimação comporta o Real (eleva à dignidade da Coisa), enquanto
que a repetição põe em ato o Real (expõe a face de horror da Coisa) através da
atuação, da passagem ao ato e do acting-out.
Isto posto, é inegável a aproximação do campo sublimatório com
os efeitos do trabalho analítico e, principalmente, com o que é determinado como
fim de análise na teoria lacaniana. Afinal, com o tratamento analítico, é esperada a
emergência do sujeito marcado pelo vazio e pelo impossível, desgarrando-se do
gozo adoentado e encaminhando formas de satisfação mais prazerosas e menos
pesarosas. O fazer ali com o que antes gerava o adoecimento é comparável ao
fazer com o vazio na sublimação. Como desenvolvido no item anterior, esta
aproximação não iguala a sublimação ao final de análise, mas, sim, permite
indicar o tratamento analítico como capaz de alargar as vias pelas quais a
sublimação pode se efetivar.
No meu entendimento, todo o caminho percorrido nesta pesquisa
permite chegar ao reconhecimento da sublimação como um conceito de peso no
152
campo psicanalítico: afinal, seus efeitos produzem subjetivação, favorecem a
satisfação pulsional e podem extrapolar as fronteiras do indivíduo, com
implicações na cultura e nos laços sociais. Muitas ressalvas já foram feitas nesta
tese sobre o cuidado em não caracterizar a sublimação como salvadora da
humanidade ou como capaz de promover a adaptação social. Repito: a sublimação
não impede ninguém de adoecer e não possui nenhum compromisso com o
aceitável, desejável ou elogiável socialmente. Entretanto, o valor do processo
sublimatório não pode ser negado, ainda mais em tempos tão funestos, quando
reina a apatia e a dessubjetivação, quando o ato criativo sobrevive às minguas, à
sombra de outras modalidades de ato, marcadas por condutas violentas, delirantes,
transgressoras ou depressivas.
Falo, então, da condição da sublimação como um conceito de peso,
no sentido de sua capacidade de produzir, ao menos em alguma medida, um efeito
de leveza para a existência humana. Não uma leveza que acabe por deixar o
sujeito à deriva; ao contrário, leveza que permita a este sujeito reencontrar, ainda
que momentaneamente, a firmeza que só as bases podem fornecer. E não é o
vazio, presente na sublimação, fundador das bases constitutivas do sujeito? Bases
estruturalmente abaladas no contemporâneo regulado pelos discursos da ciência e
do capitalismo, discursos orientados para a eliminação da falta e das diferenças,
para a anulação dos limites e do vazio primordial e fundador do humano.
Na iminência do ponto final, desejo retomar a afirmativa sobre a
presença da subjetividade do pesquisador em seu trabalho e a associação deste
aspecto ao quesito originalidade de uma tese. Como indicado em outros
momentos, a produção desta tese foi para mim um ato de criação associado ao
meu percurso de formação e atuação junto à psicanálise. Percurso, acrescento,
marcado por uma história pessoal em que o vazio do papel que um dia na infância
suscitou angústia paralisante pode se transformar em convite à escrita.
Considero que as estradas da vida, escolhidas não por acaso, me
levaram até uma encruzilhada, onde ocorreu o encontro entre a psicanálise e esta
pesquisa de doutorado. Um encontro, considerado por muitos como problemático,
entre a formação e a prática psicanalíticas fora da Universidade e o âmbito
acadêmico. Para mim um encontro agradável, produtor de um trabalho árduo e
153
demorado, mas muito aprazível. Sinceramente, espero que o leitor que,
pacientemente, me acompanhou até aqui tenha compartilhado desta experiência de
interlocução entre psicanálise e Universidade. Anseio ainda que a leitura tenha
deixado claro que a originalidade desta tese pode ser encontrada em todos os
pontos onde a minha singularidade como autora se presentificou: do recorte feito
no tema, passando pelos enlaces e afirmativas construídas até as conclusões
alcançadas.
Finalizo com o crédito nesta e em outras pesquisas que tenham o
intuito de fomentar o discurso e a ética da psicanálise. Vislumbro, no resgate do
conceito de sublimação realizado nesta tese, e na tessitura produzida sobre as
relações deste conceito com a subjetividade no contemporâneo, uma contribuição
para a tarefa desde sempre assumida pela psicanálise: sustentar a falta e o desejo,
promovendo movimento, mesmo que na direção oposta à maré.
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