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SEMINÁRIO SOBRE A
CRISE
FINANCEIRA
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MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Ministro de Estado Embaixador Celso Amorim
Secretário-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães
FUNDAÇÃO A LEXANDRE DE GUSMÃO
Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo
Instituto de Pesquisa em
Relações Internacionais
Diretor Embaixador Carlos Henrique Cardim
A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao
Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações
sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é
promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais
e para a política externa brasileira.
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo, Sala 1
70170-900 Brasília, DF
Telefones: (61) 3411-6033/6034/6847
Fax: (61) 3411-9125
Site: www.funag.gov.br
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Brasília, 2009
IV Conferência Nacional de Política Externa e
Política Internacional - IV CNPEPI
“O Brasil no mundo que vem aí”
Seminário sobre a
Crise Financeira
Rio de Janeiro, 29 de maio de 2009
Copyright ©, Fundação Alexandre de Gusmão
Fundação Alexandre de Gusmão
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo
70170-900 Brasília – DF
Telefones: (61) 3411 6033/6034/6847/6028
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Site: www.funag.gov.br
Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme
Lei n° 10.994, de 14/12/2004.
Capa:
XXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXX
Equipe Técnica:
Eliane Miranda Paiva
Maria Marta Cezar Lopes
Cíntia Rejane Sousa Araújo Gonçalves
Erika Silva Nascimento
Talita Castanheira Tatico
Juliana Corrêa de Freitas
Júlia Lima Thomaz de Godoy
Programação Visual e Diagramação:
Juliana Orem e Maria Loureiro
Impresso no Brasil 2009
Conferência Nacional de Política Externa e Política
Internacional - III CNPEPI : (3 : Rio de Janeiro :
2009). "O Brasil no mundo que vem aí" : Crise
financeira. - Brasília : Fundação Alexandre de
Gusmão, 2009.
80p.
1.Política externa - Brasil. 2. Política internacional -
Brasil. I. Título. II. O Brasil no mundo que vem aí.
III: Crise financeira.
CDU 327:33
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Apresentação
Este Seminário teve como objetivo pensar a crise financeira, sem as
limitações de tempo das análises jornalísticas. Com efeito, sob a pressão
imperiosa dos relógios, as análises de imprensa geralmente padecem da
condição de frutos de meditação insuficiente. A fim de permitir exame mais
aprofundado da questão, o Ministro Celso Amorim, através da Fundação
Alexandre de Gusmão, convocou o melhor do vetor do saber no campo da
economia para pensar a crise desde uma perspectiva brasileira.
Eis o resultado.
Embaixador Jeronimo Moscardo
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
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Debates
— Embaixador Jeronimo Moscardo, Presidente da FUNAG:
Bom dia. Estamos aqui reunidos, na Casa do Barão. Há poucos meses,
a Maria da Conceição Tavares teve um “Encontro com o Barão”. Aqui e
hoje ela volta para um encontro ampliado, para falar sobre a crise financeira.
Antes de começar os trabalhos, eu queria fazer um exercício de história
conjectural. O que seria do Brasil sem a paixão de Maria da Conceição
Tavares, sem as intervenções, sem as rupturas, sem as provocações de Maria
da Conceição Tavares, de Carlos Lessa, de João Paulo de Almeida
Magalhães? Até hoje, ninguém compreende por que Carlos Lessa deixou a
presidência de um dos maiores bancos do mundo, que é o BNDES. É muito
confortável continuar, é muito confortável adotar a Lei de Gerson e levar
vantagem em tudo. Aqui, nós queremos agradecer especialmente, porque
Maria da Conceição Tavares tem uma contribuição extraordinária à História
do Brasil. Talvez nós não tenhamos seguido o modelo do Menem, inclusive,
de adotar o dólar como moeda nacional, também seguido pelo Equador, por
causa de Maria da Conceição Tavares. Ela gritou, inclusive, naquele tempo
já passado, contra Roberto Campos, contra Bulhões, e, mais recentemente,
vocês têm acompanhado a sua militância. Portanto, o Embaixador Celso
Amorim nos proporciona o privilégio de estarmos aqui reunidos para pensar
o Brasil.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
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Eu queria evocar também essas rupturas anti-Gerson, porque no Brasil
vigora muito a Lei de Gerson, de levar vantagem em tudo. Eu queria lembrar,
Samuel Pinheiro Guimarães, que fez a grande ruptura no Ministério, quando
presidiu o IPRI, para evitar a ALCA, nos valendo da colaboração do grande
negociador brasileiro, Embaixador Bahadian.
Eu quero dizer a todos vocês que esse centro aqui, esse think-tank que
se forma aqui, sob o patrocínio do Barão do Rio Branco, não tem financiamento
das Nações Unidas, não tem financiamento de nenhuma ONG alemã, de
nenhuma fundação alemã, nem da CIA. Nós estamos aqui para pensar
livremente o Brasil, o livre pensar, o grande prestígio do vetor do saber. Com
a palavra Maria da Conceição Tavares.
— Maria da Conceição Tavares, UFRJ:
Primeiramente, eu quero agradecer ao Embaixador Jeronimo Moscardo,
que representa a Fundação Alexandre de Gusmão, e dizer que ele não tem
razão em me atribuir o que seria o Brasil sem mim. Algum economista teria
que perguntar o que seria o Brasil sem o mestre Celso Furtado e os seus
discípulos.
Agora, eu me honro de ser uma primeira discípula, de primeira hora, de
Celso. Ele tem muitos discípulos, muitos companheiros de trabalho, muitos
alunos que levaram a luta à frente. O Brasil é talvez o único país da América
Latina que tem um conjunto de economistas políticos que, desde a Ditadura,
sempre enfrentaram a batalha. Enfrentaram a batalha na Ditadura, em situações
difíceis, e depois, quando houve a abertura democrática, no período do
neoliberalismo. Ninguém que está nesta mesa, que eu saiba, e alguns dos
ausentes, apoiou essa onda de loucura que invadiu o mundo a partir da década
de 80 e que nos conduziu a esse desastre dessa crise atual.
Evidentemente, vocês não acham que essa crise começou apenas com a
crise dos subprimes. Isso foi apenas o detonador, que foi a demonstração
da loucura elevada ao limite.
Na verdade, não é que o Brasil queira levar vantagem em tudo. O Brasil
é um país acomodado, acomodatício, até porque ele tem uma posição
internacional ambígua. Nós temos uma inserção internacional independente,
até prova em contrário, embora estejamos ganhando crescente autonomia
nos últimos anos. Por outro lado, temos sempre a ideia de que é possível ter
um projeto nacional. Eu não tenho tanta certeza de que seja possível um
DEBATES
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projeto nacional, dada a fragmentação, tanto das classes dominantes quanto
das classes dominadas. O Brasil não é um país que tenha uma hegemonia
política clara de nenhum setor. Não somos tão conservadores quanto os
Estados Unidos. Ou seja, o que o conservadorismo brasileiro obrigou o Lula
a fazer não é nada comparado com o que o conservadorismo americano está
obrigando o Obama a fazer. Eu não tinha ilusões, não por falta de respeito
pelo Obama, porque eu até o acho uma figura interessante, mas, obviamente,
não tinha ilusões de que uma figura isolada fosse capaz de vencer aquela
correlação de forças. Aliás, hoje, até a direita concorda com que a crise
decorra de uma aliança explícita (que agora não é mais só implícita) entre a
oligarquia financeira privada e, obviamente, o poder público.
Essa crise não teria ocorrido, não fosse o fato, particularmente visível,
desde o Governo Clinton, de que o FED e o Tesouro Nacional operaram
sempre a favor da premissa de que nenhuma instituição financeira grande
podia, na verdade, quebrar. Acaba que quebrou. A outra premissa, que,
evidentemente, era ideológica, era a de que o mercado resolvia tudo, e de
que o Estado de bem-estar era incômodo para o mundo. Na verdade, cada
um deveria receber de acordo com o seu merecimento; isso é eficiência no
mercado.
Tirando as boas ideias de justiça social — e nisso, obviamente, o
Presidente Obama ainda tem muito a aprender com o Presidente Lula, que é
veterano nessa luta, o que já é uma boa notícia —, se ele não conseguir
mudar o núcleo do establishment americano, e, também, se ele se arruinar a
ponto de não conseguir se autorredefinir, vamos ter uma crise muito longa.
Então, eu quero avisar o seguinte: quem detesta o capital financeiro, (e eu
seguramente sou uma das que detesta), é melhor não torcer para que se
desfaça de vez, na hipótese otimista e ingênua de que, se isso ocorrer, nós
vamos para uma sociedade melhor. Nada garante que vamos para uma
sociedade melhor, e podemos ir para uma grande catástrofe, dado que não
se sabe que forças reacionárias virão, se a crise se agravar mais ainda. É isso
que torna o horizonte tão incerto e gera a ambigüidade das políticas. A crise
de 1930 era clara: sabia-se de onde surgiu, como se desenvolveu. Por outro
lado, a crise de 1930 surgiu quando os Estados Unidos era a grande potência
financiadora do mundo, com a Inglaterra totalmente arruinada, e o padrão
ouro idem. Agora, a crise atual não é assim. Essa crise surge de um dólar que
todo mundo achava, quando rompeu o sistema de Bretton Woods, que não
iria a lugar nenhum e que se afirmou como moeda financeira do mundo.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
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Passado o pânico da década de 70, em que muita gente achou, com razão,
naquela altura, que a hegemonia estava em xeque, por várias razões
(econômicas, políticas, financeiras e até culturais) se verificou uma reafirmação
da hegemonia americana nos anos 80, e, particularmente, nos 90, sem
precedentes. Ou seja, passaram a exercer a hegemonia de uma maneira dura,
endividados até às orelhas, se endividando mais em 90 do que nunca, e, no
entanto, a sua moeda era a moeda reserva internacional. Esse sistema, na
verdade, durou mais do que Bretton Woods. O pessoal dizia que já era um
sistema novo, uma espécie de segundo Bretton Woods. Como deu no que
deu, todo mundo agora quer o terceiro Bretton Woods. Só que eu não vejo
donde, porque o pessoal esquece que, tanto o primeiro quanto o segundo
Bretton Woods se fizeram sob a hegemonia americana. Os Estados Unidos
coordenaram formalmente, no caso do primeiro Bretton Woods, e
informalmente, no caso do segundo Bretton Woods, a partir de 1985. Entre
1985 e 1989, eles tiveram um período de coordenação formal, com os
Acordos de Louvre e Plaza, e em 1989, arrogantemente, tomaram a decisão
de fazer o contrário do que tinham feito em 1979. Em 1979, eles mandaram
para o espaço os países periféricos que estavam endividados. Com o choque
da taxa de juros todos nós quebramos, sem exceção. Dizer que não fomos à
falência nem à moratória é um modo de falar, porque todos nós fomos à
moratória tácita. É claro que o Delfim Neto não proclamou a moratória, mas
bem que ele gostaria. Só o México o fez. Mas isso não quer dizer nada,
porque nós estávamos quebrados, e todo mundo entrou em inadimplência e
em cessação de pagamentos. Nessa altura, a taxa de juros americana era 20,
ou até mais de 20. Em 1989, eles simplesmente levaram a taxa de juros a 4,
e sem a concordância do G-7, sem a concordância dos países ricos. Ou
seja, é uma política já francamente imperialista. Obviamente, isso decorria de
que não tinha mais mundo bipolar. Tudo isso ocorreu porque, objetivamente,
a União Soviética estourou, a China estava começando a entrar nas regras
do jogo do liberalismo econômico, devagarzinho, sem enfrentamento, porque
tinha mudado a ideologia do Mao Tse-Tung para o segundo Governo.
Obviamente, não havia nenhum candidato a se opor aos Estados Unidos em
nada, nem na economia, nem na ideologia, nem na política, e, muito menos,
militarmente. Essa não foi uma hegemonia benigna. Benigna foi a primeira.
No caso da primeira, até se pode dizer que foi uma hegemonia benigna,
porque havia convergência das taxas de crescimento, o mundo
subdesenvolvido começou a fazer o seu desenvolvimento, a convite, no caso
DEBATES
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da Ásia e no nosso caso, deliberado pelo Estado Desenvolvimentista. Nós
fizemos um desenvolvimento torto, mas fizemos. Fizemos a industrialização e
avançamos.
Mas, a partir de 90, isso não aconteceu. Em 1990, a financialização da
riqueza que beneficiava os Estados Unidos, fez com que famílias, Estado,
empresas e bancos, por um lado, enriquecessem, e, por outro lado, se
endividassem. Isso é o bonito! O bonito é que você se endividava à galega,
particularmente os bancos, e enriquecia porque crescia o valor patrimonial
da riqueza financeira. Depois, verificou-se que tudo isso era fictício. Entretanto,
durante mais de uma década, houve um enriquecimento espantoso, e ficou
disfuncional para os países da periferia porque nos invadiram de liquidez,
outra vez. E nós, outra vez, esquecendo o que tinha ocorrido com os
petrodólares — e todo mundo se lembra de quem dirigia o Governo nessa
altura, e, de quem era o Ministro da Fazenda — , não apenas fizemos tudo o
que o neoliberalismo mandava (privatização, etc.), como, o que é pior, fizemos
uma valorização cambial e aderimos financeiramente o país ao endividamento
de curto prazo. Essa é uma das diferenças para a qual se tem que chamar a
atenção agora. É claro que está entrando outra vez o capital especulativo.
Não há a menor dúvida disso. Primeiro, está todo mundo atento, coisa que
naquela altura não acontecia, porque ninguém estava atento e todos achavam
ótimo combater a inflação com a supervalorização do câmbio, e achavam
que era uma demonstração de que o País ia muito bem terem entrado dezenas
de bilhões de dólares, a maioria deles ligados ao processo de privatização.
Evidentemente, o problema é que nós estouramos. Agora, não fomos só nós.
Verdade seja dita, não se tem que atribuir ao Brasil nenhuma originalidade
em nada. Nós não somos muito originais. Nós fizemos o que todo mundo
fez. A Coréia, que tinha sido original, foi a primeira a entrar no buraco, sem
falar na Tailândia e outros países menores. Enfim, pegou toda a periferia
asiática, toda a periferia do Leste Europeu e toda a periferia latino-americana,
que entraram a se endividar, privadamente, a curto prazo, para investimentos
supostamente de longo prazo. Ou seja, se alavancaram. Os países fizeram o
que os “bancos não bancos” faziam, e, com isso, estourou tudo. Tivemos
uma série de crises. A década de 90 foi ótima para os Estados Unidos e foi
péssima para toda a periferia, a partir de 94. Foi um desastre para o México,
o Leste Asiático, a Rússia, o Brasil, a Argentina; enfim, todo mundo entrou,
outra vez, em crise. Desta vez, não. É claro que eu não estou dizendo que
nós não seremos atingidos pela crise atual, como já fomos. A tese do
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
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decoupling, do desacoplamento, obviamente, não vigora com uma crise
mundial deste tamanho. Mas, quando se falou nisso foi antes de setembro, o
“setembro negro”, de 2008. Só que, até setembro, não tinha havido nada
nos países periféricos. Ao contrário, estava todo mundo indo muito bem,
obrigada. A tal ponto que o nosso Banco Central achava que estávamos com
tendência a crescer acima da nossa possibilidade. Diziam que a demanda
efetiva estava produzindo inflação, quando não era isso. Era o ciclo de
commodities, e a taxa de juros subiu. Nessa parte da política monetária o
Brasil tem a peculiaridade, talvez por causa da sua história de hiperinflação,
de ser hiperconservador. Então, a gente sempre ganha a parada de ter a taxa
de juros mais alta do mundo. No momento, até que não, porque há países
com problemas no terceiro mundo, e já tem uns três ou quatro que têm uma
taxa de juros mais alta do que a nossa. O Banco Central começou a se
comportar melhor depois de setembro de 2008.
Mas esta crise bateu, sobretudo, nos ricos. Essa também é uma
diferença. A crise bateu nos ricos, e, paradoxalmente, bateu mais pesado
nos ricos europeus e no Japão. Os Estados Unidos, apesar de ser o núcleo,
o cerne, a origem da crise, tiveram uma crise desbragada no setor financeiro,
mas o governo americano socorreu com mais de dois trilhões de dólares o
sistema bancário, apesar de grandes protestos da população, do Main
Street. O Main Street acha que o Wall Street é uma praga. Eu também
acho. Mas a verdade é que não dava para deixar quebrar os grandes,
porque o efeito sobre o desemprego seria o que se imaginou. Agora, em
termos de desemprego e recessão, os Estados Unidos teve menos
desemprego e menos recessão do que os seus pares do G-7. Por isso é
que quando o Krugman faz a avaliação de que esta crise é menor do que a
crise de 30, ele está fazendo a avaliação a partir da queda da produção
industrial americana, que foi brutal em 1930. Mas, se você fizer, como
outros pesquisadores americanos fizeram, o cálculo para a Europa e para
o Japão, o resultado é o contrário. Para estes, a crise atual foi pior do que
a crise de 1930. E mais do que isso, foi pior do que a crise de 30, e como
não há nenhuma guerra à vista, como esses países da Europa (em particular,
a Alemanha) e da Ásia (em particular, o Japão) não estão se militarizando
para fazer uma guerra, as possibilidades de se sair endogenamente da crise
são muito baixas. Vale dizer que eles são periféricos aos Estados Unidos.
Se os Estados Unidos não se recuperarem, os países ricos também não
vão se recuperar. Não há nenhuma evidência de a Europa ter um plano de
DEBATES
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recuperação endógeno. E, para variar, a Alemanha está se comportando
mal, como sempre, no sentido de que ajuda a endividar os países da periferia
do Leste Europeu, e, depois, tira o time. Também é verdade que tiram o
time porque os grandes bancos deles sempre quebram. Quebrou um grande
banco da Polônia, um dos “C”, e agora está quebrando um dos “D”, acho
que o Dusseldorf. A Alemanha tem um grande banco internacional; a França
tem outro; a Inglaterra não tem nenhum; os bancos japoneses estão em
petição de miséria, desde a crise de 90; os Estados Unidos só tem um
banco no ranking dos grandes, que é o Morgan. Aliás, até agora, não se
descobriram as mazelas do Morgan, até porque se o Morgan tiver títulos
tóxicos, não declara em balanço. Esse é um dos problemas que o sistema
financeiro americano tem para resolver: como vai resolver o problema dos
títulos tóxicos sem ser às custa do FED. Vocês sabem que o FED já fez
coisas do arco da velha: já emprestou para bancos de investimentos, o que
não podia; emitiu títulos comerciais; engoliu títulos tóxicos; enfim, fez de
tudo. Desta vez, o governo americano tem sido muito pró-ativo, mais pró-
ativo do que nenhum outro, mas tem o problema de que a desalavancagem
custou muito caro aos Estados Unidos, e os programas, mesmo os do
Obama, não contêm grandes elementos da realimentação econômica. O
Obama tem bons programas sociais, como nós. Mas eles não têm um
programa de infraestrutura como nós. O Obama disse que ia fazer, mas
acontece que no orçamento que ele mandou ao Congresso este ano tem 50
bilhões para infraestrutura do Governo Federal. Ou seja, é irrisório, não dá
para a cova de um dente, como se costuma dizer. Até porque, como todo
mundo, eles estavam com o sistema de infraestrutura ruim. Uma das porcarias
dessa política monetária de curto prazo e de alavancagem é que se dava
preferência, sempre, ao curto prazo, e ia se deixando que o investimento
do longo, do setor público, se afundasse. Então, por mais que na campanha
o Obama tenha dito que ia fazer as duas coisas — proteger os pobres e
alavancar o investimento — , não é verdade. Só tem dois grandes programas
de investimento público de infraestrutura no mundo: o da China e o nosso.
Tanto em energia, como transporte pesado, de ferrovia, portos, etc., a
China, com um maior grau de interiorização, e nós com as duas coisas.
Nós estamos fazendo tanto para dentro quanto para fora. Obviamente, nós
continuamos a ter que exportar matérias-primas. Acho que é obvio que a
parceria entre Estados Unidos e China está problemática, no momento.
Tanto que o Ministro chinês deu-se ao luxo de dar uma pancada verbal no
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
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dólar. Só que dar uma pancada verbal é fácil; o problema é o que ele vai
fazer com as reservas em dólar. É claro que ele gostaria de passar para
direitos especiais de saque; só que os direitos especiais de saque são desse
tamanho. Então, por mais que a China e os demais países ainda superavitários
possam, daqui em diante, na margem, passar para outras moedas, primeiro
não tem nenhuma moeda candidata a nada. O euro é aquela desgraça,
dada a situação européia; o yen idem; e o yuan, até que venha a ser moeda
convertível, em nível internacional, vai demorar. Já estão fazendo
experimentos na Ásia, e até emprestando para a Argentina em yuan, mas
vai levar tempo. Assim como os direitos especiais de saque. Então, se for
uma transição pacífica, vai ser na margem. Ninguém vai substituir o dólar
rapidamente, por mais que queira. Só existe uma solução alternativa a
substituir o dólar: que as economias se fechem, fiquem nacionalistas e
comecem uma trapalhada do tipo beg-thy-neighbor. Mas não estamos em
1930, e a interdependência econômica do capitalismo é muito maior do
que nunca; o capitalismo é global, e não era global em 30. Tinha vários
países grandes fora do sistema capitalista, e agora não tem nenhum; não é
tão fácil prever uma saída que não seja pacífica. Essa saída, apesar de
pacífica, pode trazer algumas transformações ideológicas profundas, algumas
maneiras diferentes de ver, e um diferente e novo papel do Estado sob
outras vestes. Se isso ocorrer, tudo bem. Agora, como vai demorar, eu não
sei. Não estou falando dos BRICs, porque a Rússia está péssima; até porque
virou, praticamente, monoexportadora de petróleo, o que é uma desgraça.
Ser monoexportador do que quer que seja, hoje, é uma desgraça. A China
desacelerou brutalmente: chegou a 6%. Só que 6% é ótimo, e para eles
voltarem aos 8%, é tranqüilo. Eu acho que a China, a Índia, que é muito
menos integrada financeiramente, e o Brasil têm chances. Pode ser que a
um ritmo mais lento, mas acho que têm chances. Eu não acho que o Brasil
este ano vá entrar em recessão; não no sentido técnico, porque já há recessão
nos dois primeiros trimestres, mas não numa recessão prolongada, como
muita gente previa. Como a maioria dos analistas, acho que o Brasil está
retomando o fôlego, devagarzinho. Agora, acho, sim, que tivemos a
infelicidade de abortar um ciclo de crescimento que era o maior ciclo de
crescimento desde a década de 70. Em 80 e 90, não teve um ciclo de
crescimento como o que teve no Governo Lula, do segundo semestre de
2003 até agora. Isso foi abortado. Agora, foi um ciclo que se apoiou,
basicamente, primeiro, no crescimento das exportações, e depois, no
DEBATES
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crescimento do consumo e no crescimento do investimento privado. Eu
não acho que esse padrão vá se repetir. O Brasil não pode esperar, no seu
futuro modelo de crescimento, se apoiar nas exportações, depois, no
consumo privado, e, por derivação, no investimento privado. Eu acho que
não. Acho que vai ter que se apoiar no consumo público, para espanto dos
conservadores, que não querem! Agora, não querem que se gaste em saúde,
em educação, porque é perigoso! Perigoso não sei para quem! Até o Lessa
escreveu um artigo, no “Valor” , dizendo isso. Não se imagina que seja
possível fazer com que o investimento, tanto em infraestrutura quanto no
social, funcione sem gente! Será que eles acham que é no autômato, que se
tem um autômato para fazer funcionar as coisas? Como isso não é verdade,
nós vamos ter que nos apoiar pesadamente nas políticas sociais, não apenas
nas políticas compensatórias, mas nas estruturantes, e nas políticas de
infraestrutura. Essa é a minha opinião. O Dr. João Paulo, seguramente,
comentará o futuro, e os meus demais colegas comentarão tudo da crise e
a situação brasileira. Eu não estou, portanto, sendo pessimista em relação
ao Brasil. Eu acho apenas que o padrão tem que mudar, e, se alguma dúvida
tenho, é sobre a capacidade de o Estado brasileiro gerir uma nova estratégia
e levar, passo a passo, essa nova estratégia, dado que há segmentações
internas do Governo, como é óbvio. Até porque vários segmentos
representam interesses diferentes da sociedade. Esse conflito no interior
do Governo vai permanecer; agora, espero que ganhe o bom caminho. Eu
tenho esperado isso sempre, na minha vida. Provavelmente, morrerei com
mais uma derrota, mas, se for assim, espero que as gerações mais jovens
vejam, finalmente, uma vitória definitiva do desenvolvimento com justiça
social e distribuição de renda nesse País, que era a inspiração do Mestre
Furtado, a minha, e, seguramente, a de todos aqui presentes.
— Embaixador Jeronimo Moscardo:
Agradecendo essa provocação inicial da Maria da Conceição Tavares, eu
renovo as boas vindas ao Dr. Ernani Torres, ao Professor Antônio Corrêa de
Lacerda, ao Dr. João Paulo de Almeida Magalhães, ao Dr. Luís Carlos Delorme
Prado, ao Dr. Antônio Carlos Peixoto, ao Dr. Luiz Eduardo Melin de Carvalho e
Silva, e, também, aos nossos colegas do Itamaraty, seguramente os melhores
negociadores da Casa: o Embaixador Jório Dauster, o Embaixador Bahadian e o
Embaixador Ouro Preto. Agora, o Embaixador Cardim coordenará os debates.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
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— Embaixador Carlos Henrique Cardim, Diretor do IPRI:
Muito bom dia a todos. Sejam bem-vindos. Antes de iniciar os debates,
eu gostaria de dar uma palavra sobre a metodologia do nosso sistema de
trabalho. Apesar de o título do evento ser “seminário”, nós estabelecemos
mais uma “mesa redonda” para provocar o debate e a discussão entre os
participantes, principalmente entre os convidados sentados à mesa.
Inicialmente, teremos a exposição breve dos autores de texto, que foram
disponibilizados via Internet, ou foram distribuídos agora aqui. Então, nós
vamos conceder a palavra, inicialmente, aos autores de texto para uma
exposição breve, inicial, onde não será feito propriamente um resumo do
texto, mas colocado o problema do texto. Eu pediria que cada um dos autores
fizesse isso em cinco minutos, e, depois, passaremos a palavra aos convidados
para intervenções breves, da mesma natureza. Depois, voltaremos a circular
a palavra, para que todos os sentados à mesa, principalmente, possam debater
entre si. Será uma discussão em beneficio de todos os presentes. Então, eu
tenho o prazer e a satisfação de passar a palavra, inicialmente, ao Professor
João Paulo de Almeida Magalhães.
— João Paulo de Almeida Magalhães, CRE/RJ:
Bem, a colocação ao texto é basicamente uma colocação de longo prazo.
A explicação é a seguinte: de fato, essa crise é uma crise muito séria, muito
grave. Mas o mais sério dentro da economia brasileira e da economia da
América Latina é que nós estávamos diante de uma semirrecessão que dura,
já, 30 anos. A crise atual, de uma maneira ou de outra, por um método ou por
outro, vai acabar terminando, como todas as outras, e nós vamos continuar
com esses problemas que estão subjacentes à crise atual. Na verdade, essa
crise cria uma oportunidade para resolver esse outro problema, que eu
considero mais grave, no sentido de que a crise atual mostrou que o
neoliberalismo não funciona, nem nos países subdesenvolvidos nem nos
desenvolvidos. Então, a pergunta é: como aproveitar essa oportunidade?
Eu lembraria que, no período recente, diante do fracasso do
neoliberalismo baseado no Consenso de Washington, houve uma série de
livros publicados no Brasil, obras coletivas e obras individuais, criticando o
neoliberalismo. Mas, na verdade, o que esses textos faziam era, simplesmente,
contrapor exatamente as medidas opostas ao que se estava fazendo no País
DEBATES
17
e na América Latina. Ou seja, nós tínhamos uma taxa de juros altíssima, que
estaria prejudicando o desenvolvimento dos países, onerando as finanças
públicas; então, baixem-se seus juros. Nós tínhamos uma sobrevalorização
do real, estávamos nos especializando em commodities agrícolas e industriais;
então, faça-se a desvalorização do real. E assim por diante. Ora, o que
aconteceu é que esse neoliberalismo e o Consenso de Washington são
apoiados pela teoria neoclássica, que hoje é, praticamente, o fulcro básico
da ciência econômica. Consequentemente, esse Consenso de Washington,
ao invés de desaparecer, se transformou em um Consenso de Washington
ampliado, ou seja, no próprio neoliberalismo complementado por medidas
institucionais para corrigir aqueles defeitos existentes que, em princípio,
estariam bloqueando o nosso desenvolvimento.
A meu ver, o que se tem que fazer é alguma coisa que nos é indicada
pelos problemas da segunda onda dos países de industrialização do século
XIV: o Japão, a Alemanha e os Estados Unidos. Esses países, para se lançarem
no processo industrial, tinham que proteger suas indústrias nascentes. A melhor
teoria econômica da época, a Teoria das Vantagens Comparativas, dizia que
qualquer protecionismo era prejudicial, não só para a economia internacional,
como, também, para o país que a adotava. Então, havia um bloqueio, ou
seja, eram necessárias medidas contra a ciência oficial. A solução foi dada
pela teoria protecionista de Friedrich List, que se incorporou à mainstream
economics e deu cobertura teórica ao protecionismo, e, portanto, ao
desenvolvimento desses países. Esse é o ponto central do meu trabalho. Aliás,
ele é desenvolvido no livro citado no texto.
Mas, a par disso, é necessário também, na perspectiva de longo prazo,
a correção de alguns sérios defeitos do capitalismo moderno, revelados por
essa crise. Se não houver essa correção, corremos o risco de ver a reprodução
da crise presente dentro de mais alguns anos, e, possivelmente, em nível de
muito maior gravidade.
Eu notei três distorções a serem corrigidas: a primeira delas é a que os
economistas têm chamado de problema principal agent. Isso significa o
choque entre os interesses da empresa e os dos executivos que a comandam.
Na verdade, o capitalismo inicial, eficiente, era de pequenas empresas, era o
proprietário que dirigia as empresas; portanto, não podia existir o problema
do principal agent. No momento atual, nós estamos acompanhando, pelos
jornais, que os homens que são responsáveis por essa enorme crise nos
Estados Unidos estão milionários, com os seus bonds. Então, é um problema
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
18
de principal agent. Ou seja, o choque entre o interesse da empresa e o
interesse dos executivos que a controlam, executivos indispensáveis em
empresas que atingiram grande complexidade e não podem ser comandados
por um proprietário qualquer que iniciou o seu sucesso.
O segundo problema é o que o economista chama de moral hazard,
“risco moral”. Isso significa, simplesmente, que riscos injustificáveis são
corridos. Novamente, aqui, eu recordaria que, no início do capitalismo, todos
os recursos necessários ao desenvolvimento das empresas eram oferecidos
pelo próprio proprietário. Com o aumento das empresas, que determinou o
surgimento do executivo profissional, também foi necessária a criação de um
grande sistema bancário, um sistema de captação de poupanças, que era um
sistema cuja característica era de ser muito instável, no sentido de todas as
crises se tornarem sistêmicas. Então, o Governo é obrigado a tomar medidas
para defender esse sistema, e essas medidas vão encorajar o moral hazard,
“riscos injustificáveis”. O empresário percebia que, no momento em que
houvesse o problema, o Governo interviria para salvar a situação. Então, nós
tivemos esse problema, que é um problema extremamente grave, e que explica,
inclusive, os riscos corridos através dos “empréstimos ninja”, através dos
subprime.
Finalmente, eu diria que a terceira distorção a ser corrigida no sistema
capitalista atual é essa distorção resultante de a economia monetária ter
crescido, algumas vezes, mais rapidamente do que a economia real. Como a
economia real é o que interessa, essa é uma distorção extremamente grave.
Eu diria que a causa disso foi, simplesmente, que o sistema financeiro privado
evoluiu da sua tarefa básica de intermediação financeira, ou seja, de reunir
poupadores que não sabem investir, com investidores que não conseguem
poupar, e criar, então, condições para o encaminhamento desse capitalismo.
Essa é uma coisa que tem que ser corrigida, porque o sistema atual deixou de
apenas cumprir a sua função básica de intermediação financeira, e partiu
para a tentativa de criar um capitalismo financeiro sem riscos. Então, foi a
multiplicação dos derivativos, foi a generalização da securitização. Portanto,
esse é um problema da maior gravidade. Eu digo que, a par do problema
anteriormente referido, que é a questão da retomada do crescimento
acelerado, no Brasil e na América Latina, há esse problema da mudança da
estrutura do capitalismo, de modo que o capitalismo moderno se adapte
àquelas regras do jogo, que são as regras do jogo justas e necessárias. Sob
esse aspecto, no meu paper eu não ofereço nenhuma solução, porque,
DEBATES
19
evidentemente, o texto tinha que ser limitado, mas, nos debates, se for o
caso, eu vou oferecer algumas indicações para esse segundo problema, diga-
se de passagem, extremamente radicais. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Muito obrigado, Professor João Paulo. Com a palavra o Professor Antônio
Corrêa de Lacerda.
Antônio Corrêa de Lacerda, PUC/SP:
Bom dia a todos. Em primeiro lugar, eu quero parabenizar os organizadores
deste Seminário, o Embaixador Jeronimo Moscardo e o Embaixador Carlos
Henrique Cardim, e agradecer o convite para estar aqui e poder debater
com as senhoras e senhores um tema relevante como este.
Como as exposições anteriores já declinaram, nós temos uma crise que
decorre de um processo estrutural do capitalismo, especialmente a mudança
ocorrida nas últimas décadas dessa hegemonia da globalização financeira,
ou, como alguns preferem, da financeirização, e os seus impactos para a
economia mundial.
Apenas para ilustrar isso que o Professor João Paulo acabou de dizer,
do descolamento entre o volume de ativos financeiros e a economia real, se
nós retomarmos apenas 30 anos atrás, o volume de ativos no mercado
financeiro, sem considerar os derivativos, equivalia, exatamente, ao volume
do PIB global. Basicamente, no início da década de 80, esses dois volumes
eram muito parecidos. A partir daí, houve um claro descolamento desse
processo, e no auge do processo, em 2008, antes da fase mais aguda da
crise, esse volume de ativos estava estimado em quatro vezes o PIB global.
Portanto, a desregulamentação dos mercados financeiros internacionais e a
criação de novos produtos fizeram com que o mercado financeiro ganhasse
uma vida própria de se autorreproduzir no que os marxistas chamam de “capital
fictício”. Na verdade, você gera uma reprodução no âmbito apenas financeiro,
sem respaldo no nível produtivo.
Isso teve impacto significativo para o mundo todo, e impactou também a
economia real, na medida em que o comércio internacional, o fluxo de
investimentos diretos e estrangeiros e o papel das empresas transnacionais
ganhou uma dimensão significativa. Houve uma fase de forte abundância de
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20
capital, a custo relativamente baixo, e isso favoreceu a internacionalização do
capital também no âmbito produtivo. De 2002 a 2008, antes da crise, tivemos
uma fase de crescimento sem precedentes, tanto do PIB como do comércio
internacional, quanto dos fluxos de investimento, ao longo das últimas três ou
quatro décadas. Esse processo sofreu uma ruptura quando a crise
desencadeada nos Estados Unidos praticamente desmoronou o mercado de
crédito; a crise de confiança, decorrente da quebra dos bancos, levou a um
processo de travamento do crédito em nível internacional, e isso trouxe
impactos para o mundo todo.
Especificamente no caso brasileiro, algumas das chamadas “debilidades”
da nossa economia, nessa nova fase, se transformaram em verdadeiras
vantagens, ou, pelo menos, permitiram minimizar o impacto da crise. Mas o
Brasil, ao longo dos anos 90, aderiu ao receituário neoliberal e promoveu
uma inserção internacional passiva dentro desse processo, contrariamente
ao que ocorreu, por exemplo, com alguns países asiáticos, que promoveram
uma inserção ativa e pelo lado produtivo. A nossa inserção foi mais passiva e
fortemente calcada no aspecto da liberalização das contas financeiras.
Isso nos expôs, ao longo dos anos 90, a um processo de vulnerabilização
da nossa economia. A nossa vulnerabilidade externa, em muitos momentos,
inviabilizava um projeto de desenvolvimento, seja pela questão ideológica,
que estava calcada no ideário neoliberal do Consenso de Washington, seja
pela incapacidade de produzir uma política alternativa e que viabilizasse um
crescimento em bases sustentadas, ao longo do processo. Sempre que havia
uma crise, como a russa, a asiática, ou, antes disso, a mexicana, você tinha
um processo de desvalorização cambial que acabava impactando a inflação.
Isso exigia juros elevados e inviabilizava o processo de crescimento.
O que mudou no Brasil, nessa nova crise? Algumas dessas chamadas
“debilidades”, que os liberais criticavam na economia brasileira, se
transformaram em “amortecedores” da crise. A primeira foi o nosso baixo
grau de abertura da economia. Ou seja, se a gente pega especialmente a
participação das exportações no PIB brasileiro, elas mal representam 15%,
o que significa que a dinâmica se dá pelo mercado interno. Então, o impacto
da queda provocado no comércio global tem um efeito menor, relativamente,
do que teria, se a economia derivada das exportações, como em outros países,
fosse mais ampla.
A segunda “debilidade” estava associada aos programas sociais.
Claramente, toda a rede social que foi montada, ao longo dos últimos anos,
DEBATES
21
serviu, e está servindo, como um amortecedor à crise, no sentido de garantir
um mínimo de funcionamento do mercado doméstico. É claro que isso também
é influenciado pelos reajustes salariais, não apenas no setor público, mas
também no setor privado. Isso tem permitido que a massa salarial não sofra
um impacto mais significativo e possa garantir certa expansão da economia.
A terceira “debilidade” é a decorrente do papel do crédito público, que
representa de 35% a 40%. Ou seja, no momento de crise, há um travamento
do mercado de crédito privado dos bancos públicos, com destaque para o
BNDES, dado o seu potencial de financiamento, que é significativo. Só para
dar uma referência para vocês, outro dia o Vice-Presidente do BID participou
de um evento no Brasil e declarou que o BID ia despender 10 bilhões de
dólares nas Américas, ao longo de 2009. Ora, o budget do BNDES é
alguma coisa como cinco ou seis vezes isso para o Brasil. Então, junto com a
Caixa Econômica Federal, com o Banco do Brasil e os bancos estatais, tudo
isso representa, especialmente em uma época de crise, e se for bem utilizado,
um excelente amortecedor desse processo de crise.
Portanto, essas chamadas “debilidades” se transformaram em focos de
resistência ao processo da crise, e a principal delas vem exatamente da área
externa. Muitos criticaram a política de acúmulo de reservas cambiais ao
longo dos últimos anos, especialmente devido ao seu custo. Eu estava entre
aqueles que achavam que a formação de reservas era determinante, que o
problema não era a reserva em si, e que o custo decorria de uma distorção
na política monetária. Na verdade, o diferencial das taxas de juros domésticas,
relativamente às taxas internacionais, era que estava muito elevado, e, de
fato, isso representava um ônus de carregamento dessas reservas. Mas,
realmente, quando você enfrenta uma crise com um nível de reservas como o
Brasil tem (e outros países têm até mais), isso representa um processo de
amortecimento daquele impacto mais significativo. Se compararmos, ainda,
com as crises do petróleo nos anos 70, nós temos também a questão
energética, que é mais estrutural, e o Brasil também melhorou a sua
autossuficiência na questão energética.
Portanto, esses fatores, aliados ao fato de você ter ainda empresas estatais
de relevância, especialmente a PETROBRAS, que pode estimular toda uma
cadeia produtiva, tem representado um fator amortecedor desse processo.
Então, isso dá ao País um mínimo de estabilidade, de manutenção de relativa
normalidade, que permite atuar no campo das políticas anticíclicas, que podem
ser, inclusive, intensificadas. Aí está a grande oportunidade para a economia
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
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brasileira. Realmente, você tem um espaço significativo, ainda, de atuação,
tanto no âmbito das políticas macroeconômicas, especialmente na redução
das taxas de juros e ampliação das melhores condições de crédito, como,
também, no âmbito da política fiscal, e, especialmente, na política cambial.
Finalizando, eu colocaria dois riscos inerentes a esse processo, ou
seja, o que pode dificultar ao Brasil o sair rapidamente dessa crise. Eu
concordo com a Professora Maria da Conceição Tavares em que
realmente não vamos ter uma recessão esse ano. Meu prognóstico pessoal
é de um crescimento zero esse ano. Mas, já em 2010, o Brasil teria todas
as condições de retomar o crescimento, se não no ritmo com que vinha
crescendo, antes da crise, mas alguma coisa entre 3% a 4%, o que, dada
a dimensão da crise internacional, a maior das últimas décadas, como foi
muito bem colocado aqui, seria uma posição até de relativo sucesso. Mas
eu vejo dois riscos de curto prazo associados a esse processo. O primeiro
está na dificuldade do Estado brasileiro em acelerar o seu gasto.
Claramente, nós temos uma série de restrições institucionais e burocráticas,
envolvendo desde o licenciamento ambiental, até a própria execução dos
processos, que tem dificultado essa tarefa de agir contraciclicamente,
ampliando o gasto público especialmente voltado para a infraestrutura.
Então, isso é algo que precisa ser repensado imediatamente porque vai
ser um ganho fundamental para o Brasil.
O segundo risco é que, como há um retorno de fluxos de capitais, e
tendo em vista que o diferencial da taxa de juros doméstica, relativamente à
média internacional, ainda é muito elevado, isso tende a levar a um processo
de valorização cambial, como já vem ocorrendo. Quer dizer, o bônus que o
Brasil teve de ganho de competitividade, decorrente do câmbio, que é da
ordem de 15%, se considerarmos ao câmbio real, comparativamente à média
das principais moedas dos países com os quais transacionamos, tem a
possibilidade de se perder, o que é um fator de risco para o Brasil. Fala-se
muito sobre o efeito de exportação. De fato, especialmente as exportações
de maior valor agregado tendem a ser afetadas negativamente por uma
valorização do câmbio, mas eu diria que, sendo o câmbio um preço
fundamental da economia, uma valorização exagerada do câmbio tende a
prejudicar a produção interna, os investimentos, a inovação, a tecnologia.
Especialmente em uma época de crise, isso se transforma em algo que poderá
dificultar a saída da crise. Portanto, o Banco Central tem que usar todos os
instrumentos possíveis para evitar um processo de valorização, porque isso
DEBATES
23
seria, a essa altura do campeonato, um péssimo elemento para viabilizar a
saída mais rápida da crise. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Eu passo a palavra ao Professor Luís Carlos Delorme Prado, por favor.
Luís Carlos Delorme Prado, UFRJ:
Muito obrigado. Inicialmente, eu gostaria de agradecer ao Embaixador
Moscardo e ao Embaixador Cardim pelo convite. Para mim é um prazer
estar aqui. Eu cumprimento a todos da mesa, em nome da Professora Maria
da Conceição Tavares, que representa a todos nós aqui.
A minha contribuição no debate foi a tentativa de fazer uma comparação
entre a crise de 1930 e o momento atual. Na verdade, com o meu viés de
historiador econômico, eu me concentrei na discussão dos anos 30, até porque
a crise de 1930 tem algumas características interessantes e remete também
ao momento atual. Primeiro, a interpretação da crise foi um locus do debate
de todas as correntes econômicas ao longo do século XX, em especial, o
grande confronto de ideias. Por um lado, o velho conceito, ou a velha utopia
do mercado autorregulado, que caracterizava o pensamento liberal; por outro
lado, a necessidade de se estabelecerem políticas públicas que viabilizassem,
ou que construíssem, uma estratégia de crescimento sustentado, e, de alguma
maneira, a ação do Estado seria fundamental dentro desse contexto.
A crise dos anos 30 tem que ser entendida não a partir do crash de
1929, ao qual ela é muitas vezes associada. Na verdade, há uma cadeia de
eventos que é muito interessante. O crash acontece com alguma frequência
na história dos mercados financeiros, mas essa sequência dos anos 30 que,
de certa maneira, se vê também em outras situações onde ocorrem grandes
depressões, é particular. Em 1929, tem o crash da bolsa, mas isso não é
depressão, ainda. A depressão surge em 1930, e em 1931 há um pânico
bancário que vai marcar o fim do padrão ouro. Em 1932 e 1933, essa crise,
que começara com o crash, se transforma em uma crise política com mudanças
de governo nos Estados Unidos, a ascensão de Hitler na Alemanha, com
mudanças importantes nas relações econômicas internacionais. A saída da
crise de 1929, ou a saída da Depressão dos anos 30, demorou um período
longo. Embora o ano de 1933 tenha sido o fundo da crise, foi preciso uma
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
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guerra mundial, e, finalmente, as negociações do fim da II Guerra Mundial
para se estabelecer o novo sistema monetário internacional, que, com todos
os seus problemas, garantiu o crescimento da economia mundial ao longo
dos famosos “30 anos dourados” do capitalismo.
Um ponto sobre o qual vale a pena chamar a atenção é que, ao longo de
todo esse debate do pós-Guerra, a questão de como se evitar o retorno à
Depressão, ou o risco de um retorno à Depressão, esteve sempre presente.
No entanto, com o surgimento do liberalismo radical, a partir da década de
70, em especial nos anos 1990, a arrogância dessa visão assegurava que o
problema de crise, de depressão, estava afastado.
Eu não posso terminar a minha exposição sem citar uma declaração de
Robert Lucas, quando, na sua conferência como presidente da American
Economic Association, em 2003, disse:
“A macroeconomia surgiu como um campo do conhecimento distinto
da década de 40, como parte da resposta intelectual à Grande
Depressão. O termo, então, referia-se a um conjunto de conhecimentos
e” expertise” em que se esperava que se pudesse impedir o
reaparecimento desse desastre econômico. Minha tese, nesta
conferência, é que a macroeconomia, no seu sentido original, foi bem
resolvida, foi bem sucedida. O problema central da prevenção da
Depressão foi resolvido, sob todos os aspectos práticos, e tem sido, de
fato, solucionado por muitas décadas.”
Ou seja, para Robert Lucas, acabou o problema da Depressão. Mais
adiante, muito mais recentemente, o atual Presidente do Federal Reserve,
Ben Bernanke, em 2004, em uma apresentação, chamou o momento que se
vivia no mundo atual de “a grande moderação”. Ele é um especialista na
Grande Depressão. Ele disse:
“A grande moderação, o substancial declínio da volatilidade
macroeconômica nos últimos 20 anos tem um desenvolvimento
surpreendente. Se as causas dominantes da grande moderação seriam
uma mudança estrutural, melhoria da política monetária, ou simplesmente
boa sorte, é uma questão importante sobre a qual ainda não há consenso,
Hoje, sustentei que a melhoria na aplicação de políticas monetárias,
resultou não apenas na redução da volatilidade da inflação, que não é
DEBATES
25
particularmente controversa, mas também na redução da volatilidade do
produto. Ou seja, o problema não é mais de depressão, vivemos em uma
grande moderação”.
Em 2007, nós temos um crash dos subprimes, até então, um crash
localizado. Mas, em 2008, nós temos um pânico. Em setembro de 2008,
depois da quebra do Lehman Brothers. No dia 08 de outubro, a taxa de
juros no mercado interbancário americano, num dia só, chegou a 7%. Ou
seja, parou. Então, nós tivemos uma situação muito parecida com a dos anos
30, com o pânico bancário. A partir de então, entrou-se em uma fase de
redução mais profunda ainda do nível de atividade econômica. É claro que
era diferente dos anos 30. Não há mais controvérsia de que, nessa hora, o
papel do Estado é fundamental. Ou seja, mesmo aqueles que defendiam que
a intervenção do Estado deveria ser marginal recorreram, novamente, aos
velhos livros keynesianos para dizer que agora é a hora de o Estado entrar, e,
de alguma maneira, contribuir para a solução dos problemas. Nesse ponto,
há uma diferença profunda em relação à crise anterior.
Há um ponto para o qual eu chamo a atenção. Em 1999, foi derrogada
uma lei de 1933, da época da Grande Depressão, que é o Glass Steagall
Act, que separava os bancos de investimentos de bancos comerciais. Essa
confusão entre as funções contribuiu muito para o aprofundamento, ou para
criar as condições da crise financeira nos Estados Unidos. Em parte, a perda
dos mecanismos regulatórios era um subproduto da visão de que nós não
tínhamos mais um problema da Grande Depressão.
É muito curioso que o Krugman, inclusive, sentindo a oportunidade de
marketing, foi o primeiro a lançar um livro intitulado “O Retorno da Economia
da Depressão”. É muito interessante, porque é um tema que parecia escondido,
enterrado dentro das gavetas. Apenas pessoas como eu, que gostam de
história econômica, que trabalham com o passado, é que pareciam interessadas
nesse tema. De repente, o velho debate surge novamente em pauta.
Eu queria chamar a atenção de que o fato de que há um consenso de que
a saída passa por mais regulação é condição necessária para se encaminhar
uma saída, mas não é o suficiente. Ficou claro para mim, na experiência dos
anos 30, que, independentemente das dificuldades de se mudar as formas de
pensamento consolidadas, houve uma grande dificuldade de se conseguir um
mínimo de coordenação nacional para se fazerem políticas que contribuíssem
para a redução de problemas que afetavam o conjunto da economia mundial.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
26
Portanto, o que se agora coloca é que, se, por um lado, se reconhece que
não há saída sem mais regulação do sistema financeiro, como se regular o
sistema financeiro internacional? Qual deve ser a natureza dessa regulação, a
extensão dessa regulação? O grau de intervenção nessa regulação não é, de
maneira nenhuma, consensual. A questão que se coloca para reflexão é: se
nós precisaríamos agora, como no passado, de que a crise se aprofunde
muito, até que os diversos países que participam dessas negociações estejam
dispostos a fazer necessárias para que se chegue a um acordo em torno de
uma nova regulação internacional.
Por um lado, agora nós não estamos em uma depressão; a situação atual
no mundo é mais próxima de uma recessão, com diferenças entre os diversos
países. Mas se os instrumentos hoje existentes não forem suficientes para
poder se enfrentar o problema na sua dimensão internacional, é possível que
diferentes países venham a sofrer de maneira distinta com referência ao
problema, e a solução de saída definitiva pode ser muito dificultada. Por isso,
mais uma vez, eu afirmo que a solução passa pela negociação internacional,
porque a regulação de um capitalismo global não é nacional; é necessariamente
global. De certa maneira, Bretton Woods foi isso, uma negociação que
implicava em um acordo em torno das regras do jogo. Indago, agora, se já
não era importante ter algum tipo de controle de movimento de capital, mesmo
que isoladamente, no caso brasileiro, para se evitar esse desequilíbrio em
termos de taxa de câmbio. Por outro lado, é claro que não há uma saída
regulatória isolada, brasileira. Portanto, mais uma vez, a questão é saber quais
são os espaços possíveis de negociação. Vamos negociar o quê? Regular o
quê? E em que extensão? É isso que eu tinha a falar. Obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Obrigado. Com a palavra o Professor Marcos Fernandes Gonçalves da
Silva.
— Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, FGV/SP:
Bom dia a todos. Primeiramente, eu gostaria de agradecer o convite
feito pela Fundação Alexandre de Gusmão e pelo Instituto de Pesquisas em
Relações Internacionais. Ciente do fato de que os colegas aqui presentes
apresentariam textos relacionados com aspectos econômicos, no sentido mais
DEBATES
27
estrito do termo, relacionados com aspectos de economia e política
internacional, discutindo a própria gênese da crise, a semelhança da crise
com crises anteriores, eu decidi, mediante o convite que foi feito a mim, abordar
um dos aspectos que eu considero dos mais relevantes no que diz respeito à
crise atual.
Eu tenho que ser breve, porque tenho apenas cinco minutos, aqui, para
falar a vocês sobre o meu trabalho. O título do meu trabalho é: “Auto-interesse
sem limites: a crise de 2008 como uma crise moral”. Isso para mim é muito
importante, porque, como economista profissional, e como economista
pesquisador e professor, inclusive, eu acredito que há um aspecto dessa crise
que está sendo subestimado. O objeto do meu artigo é mostrar, em primeiro
lugar, que, na verdade, existe uma dimensão moral por detrás da crise que
estamos vivendo, e cuja gênese, no meu entender, é 1990. Na verdade, a
crise de 2008 começou com o início da desregulamentação do capitalismo,
da construção de um consenso, tanto no nível da academia, como no nível
das políticas públicas e das políticas econômicas, segundo o qual o mercado
se autorregula; segundo o qual o autointeresse sem limites é virtuoso, e não
vicioso, do ponto de vista do funcionamento do sistema econômico, tanto no
que concerne à eficiência alocativa de recursos, como no que concerne à
justiça distributiva, seja dentro dos ou entre os Estados-Nação.
O segundo aspecto abordado em meu trabalho, tendo em vista o objetivo
principal, é mostrar, de uma forma ou de outra, que a teoria econômica
tradicional tem virtudes, do ponto de vista analítico, frente à teoria econômica
contemporânea, particularmente aquilo que se poderia chamar de teoria
macroeconômica neoclássica ou “novo clássica”. Eu citaria Lucas, no seu
trabalho relacionado, principalmente, com a Teoria Keynesiana, e diria que a
presunção de Lucas e a presunção dos economistas novo- clássicos se
limitava, na Academia, nos anos 80, a um exercício parnasiano e acadêmico,
na construção de um modelo que se contrapunha, ou se propunha contrapor,
ao modelo keynesiano e derivados, onde as hipóteses são tão realistas como
a quadratura da terra. Em primeiro lugar, os agentes são perfeitamente
racionais; em segundo lugar, a informação é perfeita; em terceiro lugar, os
mercados se autorregulam. Na minha estratégica metodológica, portanto,
nada mais útil do que recorrer a Adam Smith, não só como fundador da
ciência econômica moderna, mas como aquele que nos lembra que a economia
está fundamentada na filosofia moral. Se Adam Smith escreve “Teoria dos
Sentimentos Morais” antes de “A Riqueza das Nações”, eu acho que há
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
28
alguma razão por detrás dessa cronologia histórica. A razão não é à toa.
Esses economistas que advogam a teoria neoclássica do bem-estar, sem
nenhuma crítica, tais quais os físicos que não encontram trabalho na Academia,
ou que não vão ter sucesso na Academia, nos países onde a universidade é
mais desenvolvida e, portanto, migram para a área de economia para tentar
ter mais sucesso profissional. na teoria do bem-estar, se é que podemos dizer
assim, na visão de Adam Smith, nós não temos nada que diga, nada que
afirme que a tal da “mão invisível” funcione perfeitamente. Aliás, se não me
engano, a metáfora da “mão invisível” foi usada por Adam Smith apenas uma
ou duas vezes, na sua obra “Riqueza das Nações”. Os economistas da aludida
teoria neoclássica do bem-estar e os macroeconomistas da teoria
macroeconômica insistem em usar essa metáfora atribuindo a Adam Smith a
autoria de um conceito segundo o qual o autointeresse desregulado, o egoísmo
sem limites, a busca dos fins privados, sem nenhuma restrição moral, legal ou
institucional são virtuosos.
Os fatos mostram que isso não ocorre. A crise está custando para a
sociedade, para os Estados-Nação, cifras que vão beirar trilhões de dólares,
e, portanto, os custos sociais são extremamente elevados. Durante muitos
anos, a economia internacional criou um sistema de redistribuição de renda
na direção dos rentistas domésticos e rentistas internacionais. Nós criamos
um capitalismo financista, onde houve uma grande concentração de riqueza
financeira na mão de poucas famílias, tanto no nível nacional como no nível
internacional, e a conta está sendo paga por todas as sociedades a um alto
valor. Se isso não representa um problema moral, eu não sei o que é um
problema moral, definitivamente.
Mas a questão central aqui, já que o meu tempo é curto, foi mostrar, no
trabalho, que tanto no nível da Academia como no nível da prática das políticas
econômicas, e na imprensa, construiu-se um consenso em torno da ideia dos
mercados autorregulados. A Academia prestou um serviço perverso à política
econômica, porque a sanção intelectual, com modelos elegantes, com uma
tentativa de formalização parnasiana, linda na forma, mas absolutamente inútil
na prática, deu sustentação à imprensa, aos órgãos de formação, aos
formuladores de política econômica e aos economistas de bancos, para criarem
uma ideologia que justificasse, com base em trabalhos acadêmicos que partiam
de hipóteses que são a antítese daquelas com as quais devemos trabalhar
quando lidamos com problemas de finanças internacionais e de finanças,
racionalizando, em grande parte, políticas que foram adotadas e estratégias
DEBATES
29
que foram implementadas, tanto do ponto de vista da liberalização financeira,
como do ponto de vista da criação de bancos de investimentos que,
teoricamente, venderiam produtos extremamente securitizados. Enfim, houve
toda uma construção, de fato, de um consenso.
Paul Krugman alertou para a crise há três anos. Nos anos 1990, e início
dos anos 2000, se algum economista falasse em regulação, se algum
economista ousasse falar que as hipóteses comportamentais da teoria
tradicional eram implausíveis — e eu estou falando de economistas mais
tradicionais da área de economia experimental, de teoria dos jogos, de
economistas da área de psicologia econômica, ou, até mesmo, de
neuroeconomia — , se esses economistas ousassem falar isso, eles sofreriam
perseguição ideológica e acadêmica. Houve uma verdadeira inquisição na
Academia econômica. Nesse sentido, nos Estados Unidos e na Inglaterra, as
escolas de economia prestaram um serviço muito importante na construção
desse consenso.
Eu sou muito pouco conspirativo ou conspiratório; eu sou extremamente
racionalista, empírico e factual. Eu não quero dizer aqui que, na minha
explicação, há alguma insinuação no sentido de uma teoria conspiratória. As
pessoas são movidas por seus interesses, por seus autoenganos; os
economistas são intelectuais públicos e se esquecem disso. Nós somos
movidos, em grande parte, pelo nosso autointeresse, mesmo enquanto
economistas profissionais, e também por ingenuidade e por autoengano. É
exatamente por isso que nós temos que tomar cuidado com a nossa profissão.
A parte final do meu trabalho vai exatamente no sentido de alertar os
economistas, ou a nós mesmos, para o fato de que nós temos essa função
de intelectuais públicos; nós formulamos políticas econômicas; nós
produzimos transferências de renda e de riqueza quando implementamos
políticas econômicas; nós podemos desindustrializar nações quando
implementamos as políticas econômicas; nós não podemos esquecer que a
política internacional ainda, infelizmente, é feita com base no interesse nacional
dos Estados-Nação; nós não podemos fazer de conta, como os manuais
de economia internacional, de que existe livre mobilidade de capital e de
trabalho, e de que não existem Estados-Nação movidos por autointeresse.
Enfim, nós temos que rever as hipóteses básicas dos nossos modelos e
considerar que os agentes não são perfeitamente racionais, e não adianta
impor a eles a virtude de serem perfeitamente racionais. Talvez seja melhor
que eles nunca sejam perfeitamente racionais. Eu já vi um economista de
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
30
grande monta, um economista brasileiro, que já foi Presidente do Banco
Central, um dos maiores economistas brasileiros, afirmar: “A realidade está
errada.” Quando nós afirmamos que a realidade está errada, há alguma
coisa de errado com as nossas hipóteses, com os nossos modelos e com a
suposta elegância dos mesmos. Eles podem servir, inclusive, para um monte
de coisas, como o desenvolvimento do raciocínio lógico, do raciocínio
lógico-matemático, mas podem servir para outras coisas muito mais
perigosas, que é a justificativa ideológica de políticas que hoje mostram um
custo social extremamente relevante e que vão afetar a vida de milhões de
pessoas em torno do planeta. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Com a palavra o Professor Ernani Torres, para a sua intervenção, por
favor.
— Ernani Torres, BNDES:
Obrigado, Embaixador Cardim. Em meu nome e em nome do BNDES,
eu queria agradecer o convite para participar desta mesa, hoje. Tendo em
vista o espaço de tempo, eu vou direto abordar o texto que eu estou
apresentando.
O primeiro ponto que devemos ressaltar é o fato de que essa crise
está entrando em seu terceiro ano. Alguns datam a crise de abril de
2007, quando a segunda empresa hipotecária faliu nos Estados Unidos;
outros datam de agosto de 2007, quando o BNP Paribas suspendeu o
resgate das cotas dos fundos que eles tinham. Independentemente da
sua origem; o fato é que a crise começa. Tem uma frase importante do
Ben Bernanke, Presidente do FED, dizendo que a crise era alguma coisa
muito localizada em uma parte específica do mercado imobiliário
americano, que ninguém precisava se preocupar com o que estava
acontecendo. Na verdade, desde então vários já disseram — “o pior já
passou”.
Eu me lembro de que no início de 2008 eu estava conversando com um
amigo que trabalha no mercado, e eu perguntei se tinha havido muitos prejuízos
nos bancos. Ele disse: “Está tudo bem! Meu único medo é acordar de manhã
e encontrar um corpo na porta da minha casa.” O primeiro corpo foi o Bear
DEBATES
31
Stearns, que foi à falência, e o segundo corpo foi o Lehman Brothers, e
vários outros mais recentes.
Nós poderíamos perguntar: “O pior já passou?” Olhando a crise como
um todo, eu diria que, se a gente olhar os chineses e indianos, a gente pode
dizer que já passou. Eles estão fazendo uma política extremamente agressiva.
Os chineses tiveram muito sucesso no seu plano, e farão tantos choques
fiscais quantos forem necessários para manter a economia em nível de 8, e
assim por diante. Nas Américas, e estou me referindo do norte ao sul, acho
que podemos, talvez, dizer que o pior já passou. É provável que não tenhamos
o sucesso dos asiáticos; vai ser devagarzinho, mas talvez a gente possa dizer
isso. Temos, quem sabe, uma saída mais moderada. Mas quando a gente
olha onde a crise está acontecendo nesse momento, a situação é um pouco
dramática. É o caso da Europa e do Japão. Só para dar alguns dados a
vocês: no primeiro trimestre de 2009, a produção industrial no Japão teve
35% de queda; a da Alemanha teve 20% de queda; a da Rússia teve 14,3%
de queda. Eu não saberia comparar os outros dois, mas a economia japonesa
é uma coisa que eu estudei durante muito tempo, e níveis desse tamanho só
têm correspondência nos meses imediatos à ocupação americana, depois da
II Guerra. Eu estou querendo chamar a atenção para o fato de que não há
dúvida nenhuma de que nós estamos atravessando a pior crise em 50 anos.
Podemos falar de países e podemos falar de setores. No setor siderúrgico,
por exemplo, a queda da produção de aço no mundo é de 50%. O que eles
vão fazer com a capacidade ociosa, o que eles vão fazer com os estoques é
uma questão que está em curso, e provavelmente não acabe até o final do
ano.
Estamos falando do lado real da economia. E o lado financeiro? Eu me
arriscaria a dizer que essa crise marca uma ruptura profunda no padrão
financeiro, que começa a operar no início dos anos 80 e que se desenvolveu
de uma maneira exuberante ao longo dos últimos 20 ou 30 anos. Só para dar
alguns dados para vocês: se a gente olhar o crédito doméstico americano em
1932, ele era da ordem de 123% do PIB; em 2008, ele era da ordem 221%
do PIB. Portanto, o crédito doméstico americano, em relação ao produto,
aumentou 100 pontos percentuais. Quando a gente decompõe, o crédito das
instituições financeiras, que é aquilo que a Professora Conceição chama de
shadow banking” , passa de 23% para 123%. Ou seja, a despeito de todo
o consumismo americano, o que houve entre as famílias e as empresas foi
simplesmente uma mudança na composição; o que houve foi um brutal
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
32
processo de securitização financeira, centrado nos bancos americanos. É o
desabamento disso que nós estamos vendo.
Essa expansão, do nosso ponto de vista, foi baseada em três movimentos
importantes. A primeira coisa é a desregulamentação do mercado. Tudo aquilo
que foi falado aqui, do Glass Steagall Act, etc., significa que a separação
entre curto e longo prazo desapareceu; a separação entre bancos e seguradoras
desapareceu; a separação entre corretoras de mercados de capitais e bancos
desapareceu. Segundo, há alguma coisa que talvez a gente pudesse chamar
“desbancarização”. Ou seja, os bancos deixaram de bancar operações por
20 ou 30 anos, hipotecas, e passaram a ser estruturadores de operação. O
ponto central é que os bancos deixam, cada vez mais, de ter importância, e
os mercados de capitais passam a ter relevância. Terceiro, é o que talvez a
gente pudesse chamar de “desnacionalização”. Ou seja, da mesma maneira
que os mercados foram desregulamentados, os países também foram; as
barreiras nacionais, a comunicação entre os mercados domésticos e o mercado
internacional, desapareceram, até como programas de governo e programas
de instituições multilaterais.
Agora, houve também — isso é muito importante — uma mudança na
maneira como os negócios financeiros eram feitos. Os bancos terceirizaram
ativos. Então, eu pego a hipoteca, como é o caso do subprime, origino essa
hipoteca, transformo-a através de derivativos, e, depois, vendo para os
investidores. Isso é a chamada terceirização de ativos. Os bancos são
simplesmente intermediários; eles bancam enquanto a operação está em
processo. Daí em diante, eles achavam que tinham vendido tudo. Um outro
ponto é a terceirização de risco. Os bancos não faziam mais análise de risco;
quem fazia análise de risco eram as seguradoras, ou as agências de crédito,
as agências de rating. Então, tinha três agências de crédito grandes; essas
agências tinham um parâmetro, e bastava que eu montasse estruturas que
fossem aceitáveis, que eu tinha um mercado de capitais que absorvia isso
praticamente de forma automática. Os bancos deixaram de captar recursos,
e esse é um dos problemas sérios da crise. O volume de depósito dos bancos
caiu substancialmente; os bancos passaram a tomar recursos no interbancário,
e passaram a tomar recursos de fundos de investimento, basicamente, os
money market funds.
Do nosso ponto de vista, esse sistema veio abaixo. O que a gente assistiu,
em setembro, com a falência do Lehman Brothers, como já foi falado aqui,
foi um pânico; o mercado parou. Isso é um fenômeno muito raro no sistema
DEBATES
33
capitalista, como o Prado colocou. Mas o que foi esse pânico? Esse pânico
foi um momento em que dessa massa de riqueza que foi criada nos últimos 30
anos, não só uma parte sumiu no ar, 50 trilhões, mas, simplesmente, ninguém
mais sabia o que valia. Não havia mais mecanismos de dar preços à riqueza
privada. Na medida em que eu não tenho mecanismos de dar preços à riqueza
privada, porque eu não sei se a contraparte vai falir, a fuga para a riqueza
pública foi imediata. Por quê? Porque a riqueza pública é a única que o
mercado sabe qual é o preço; é a única cujo preço o mercado conhece.
Desde então, várias medidas foram tomadas. Eu acho que a atitude dos
Bancos Centrais foi o aumento da liquidez. O Banco Central americano
simplesmente dobrou o seu ativo entre setembro e janeiro deste ano. Houve
uma intervenção maciça, e esse aumento da liquidez certamente foi um dos
principais responsáveis por o pânico não ter se aprofundado. Entretanto, em
outubro, a visão dos bancos privados era a de que a roda da fortuna e do
crédito responderia imediatamente. Começou a responder agora em março,
lá e aqui. Nós estamos vendo, e a recuperação das bolsas brasileiras, a
recuperação dos mercados de commodities, a recuperação dos mercados
de ações, tudo isso está ligado a essa nova sensação de que o pior já passou.
A gente está vendo os mercados de ativos andarem de lado; a gente está
vendo os mercados de commodities terem alguma recuperação. Porém, o
mercado de imóveis americano, que é onde essa crise atual começou, continua
caindo 20% ao ano.
Para terminar, eu queria deixar algumas perguntas no ar. Talvez seja cedo
a gente achar que a crise já terminou. Ela certamente vai continuar, e vai
continuar por muito tempo. Do meu ponto de vista, há uma agenda enorme a
ser trabalhada nos próximos anos, de quais são as novas bases de expansão
do mercado financeiro internacional. As bases de seguradoras de crédito que
estavam aí foram moídas. A AIG faliu, o Estado americano e vários Estados
europeus tiveram que nacionalizar a maior parte do seu sistema bancário. A
questão é: qual é a nova regulação? Até recentemente, a posição dos bancos
era: “Deixa com a gente, que a gente faz.” Basiléia II era isso; era reduzir o
capital dos bancos; avaliação mercado a mercado, market-to-market. Ou
seja, vale o que está no mercado.
Outro dia, eu estava participando de um seminário, e alguém me disse,
em tom de piada: “A crise de 32 só aconteceu porque o MacMillan Report
mostrou que os ingleses eram grandes devedores”. É claro que a ideia do
market-to-market acelera o processo inteiro e ajuda a gerar pânico. Tudo o
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
34
que vinha está parado no ar e, provavelmente, vai ser demolido. O que vai
ficar no lugar? Essa é uma bela pergunta. Eu acho que dentro do governo
americano, dentro do governo europeu, há várias perguntas, mas a verdade
é que o Estado veio para ficar. Esse é o meu ponto. A ideia de que o Estado
está de passagem, de que está resolvendo um problema de externalidade, e
depois tudo voltará ao normal, eu acho que é uma hipótese muito difícil, e
talvez otimista, do interesse de alguns.
Qual vai ser o papel dos bancos? Certamente nesse novo sistema os bancos
se tornarão mais importantes. O mercado de capitais provavelmente vai ter um
papel menor. Agora, não sejamos otimistas com o que vem pela frente. Em
vários seminários de que tenho participado é muito comum as pessoas usarem
a palavra “desalavancagem”, ou seja, a relação entre o capital próprio das
instituições financeiras e ativos terá que subir. Eu chamo a atenção para o que
aconteceu no Japão, a partir de 1989. Eu acho que o Japão, é uma das
experiências mais próximas do que aconteceu. Não foi uma crise global, porque
a crise do Japão não era uma crise global. Essa crise agora é global, porque ela
atinge o coração do sistema financeiro, os bancos americanos. Mas
“alavancagem” significa duas coisas: que os Bancos reduzirão os seus empréstimos
relativamente ao capital e que as famílias das empresas pagarão liquidamente
seus empréstimos. Do meu ponto de vista, essa combinação dá baixo
crescimento, muito baixo crescimento. Se a gente olhar a economia japonesa,
o processo de estagnação já dura 20 anos. Eu acho que nós estamos vivendo
o final de um ciclo, à semelhança do que aconteceu entre a década de 50 e o
início dos anos 70. Provavelmente, vamos passar alguns anos, a exemplo dos
anos 70, em que vai haver uma enorme volatilidade, batendo para lá e para cá.
A experiência do Lehman Brothers mostra claramente que o governo americano
estava “autista”, porque ele achava que o mercado segurava. Só que deu um
pânico generalizado. Ou seja, a capacidade de os policy makers entenderem
o que está acontecendo e o que pode ser feito também é limitada. Do meu
ponto de vista, isso leva à ideia de que, provavelmente, nós vamos passar um
período de alguns anos ainda de volatilidade, e alguma coisa nova será gerada.
Talvez seja cedo para a gente dizer o que vai acontecer. Obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Terminadas as exposições dos autores de textos, nós entraremos com o
debate. Os senhores viram que há muitas questões que foram levantadas.
DEBATES
35
Inicialmente, eu vou passar a palavra ao Dr. Luís Eduardo Melin. Fiquem
totalmente à vontade para formular questões, responder indagações ou outras
proposições. Com a palavra o Dr. Melin, por favor.
— Luiz Eduardo Melin de Carvalho e Silva, Ministério da Fazenda:
Muito obrigado, Embaixador. Bom dia, a todos. Além do agradecimento
pelo convite, eu queria dar uma nota pessoal. Eu tenho um relacionamento
antigo e uma ligação afetiva com o IPRI, desde o tempo em que era dirigido
pelo Embaixador Samuel, que promoveu uma série histórica de mesas
redondas como esta, muito interessantes, atraindo debates bastante
construtivos para dentro do âmbito de discussão do Itamaraty. Isso me faz
lembrar que, recentemente, conversando com um economista argentino, ele
se dizia preocupado justamente porque, em momentos de crise, a tendência
da maioria dos colegas, não só economistas, mas analistas em geral, era a
uma introversão, a olhar para o momento imediato, para o curto prazo, olhar
exclusivamente para o que se passa no âmbito das suas fronteiras, para tentar
identificar o risco mais próximo, o perigo mais iminente. Ele tinha medo de
que se perdesse algo que, segundo ele, a Argentina teve no passado, e que o
Brasil continua demonstrando muito pujantemente, que é a capacidade de
pensar o mundo e de se pensar no mundo, uma tentativa constante, ainda que
nem sempre original, de fazer uma reflexão sobre isso. Nesse sentido, eu
tenho a certeza de que iniciativas dessa natureza são fundamentais.
Tendo em vista que não me parece que teria muito cabimento eu expandir
em cima das considerações que já foram feitas, exceto quando nós
ingressemos já em uma troca, aqui, de perguntas e respostas, em termos de
debate, eu gostaria só de acrescentar uma pequena contribuição, num ponto
que me parece muito relevante. É justamente o redesenho de um quadro
internacional a partir do agravamento da crise financeira, que hoje é o nosso
tema, o redesenho do ponto de vista de um chamamento a países, a
“economias emergentes dinâmicas”, para que se engajem mais diretamente
na discussão das prioridades internacionais, sobretudo de uma maneira muito
visível, a partir do agravamento principal, em setembro, com a quebra do
Lehman Brothers, em que, muito às pressas, se buscou e se logrou converter
um fórum que já existia havia mais de 10 anos, que é o fórum do G-20
financeiro. O G-20 financeiro, que é esse que está hoje em todas as manchetes
dos jornais, já estava em funcionamento, havia muito tempo, como um fórum
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
36
de discussão de Bancos Centrais e Ministérios de Fazenda. Foi uma iniciativa
grandemente patrocinada pelo Governo do Canadá, lá atrás, e durante algum
tempo eu fui, inclusive, o representante da Fazenda nesse fórum. Nós fomos
pegos com bastante surpresa pela velocidade com que se decidiu, nas esferas
superiores, transformar esse fórum em um fórum em nível presidencial,
portanto, dando uma dimensão inteiramente distinta e uma visibilidade distinta,
trazendo um nível de decisão que antes seria impensável para aquele espaço
de discussões.
Eu acho que este chamamento à cena, que é feito efetivamente por quem
competia fazer, que eram os países que já estavam no centro da cena
internacional e das discussões institucionais, os países do G-7 mais a Rússia,
tem um caráter que deve ser analisado por nós. É muito fácil dizermos,
simplesmente, como se fosse um fato absolutamente estabelecido e imutável,
que hoje se constata o crescimento e a óbvia mudança de patamar na
importância internacional do Brasil, sobretudo nos debates que devem ser
levados em nível global sobre toda a série de temas de coordenação
econômica e de regulação financeira. Mas é importante chamar a atenção
para o fato de que isso não foi um processo orgânico apenas. Tem uma
dimensão orgânica da estruturação da economia brasileira, da solidez do seu
padrão de crescimento, da importância crescente do Brasil na região sul-
americana crescente. Esse é o lado orgânico. Mas nós não podemos cometer
a ingenuidade de imaginar que todo destaque que o Brasil tem tido e toda a
possibilidade de participação na discussão internacional, nos fóruns
econômicos e nos espaços de discussão financeira, se deve exclusivamente à
sua agora reconhecida e inatacável importância. Temos que colocar isso dentro
de um contexto de uma decisão política de um grupo de países centrais que
decidem, de maneira estratégica, e a nosso ver acertada, que é necessário
ampliar o espaço de discussão para além dos países de economia capitalista
mais madura e avançada, expandir a discussão tanto sobre a regulação quanto
sobre as necessidades de coordenação internacional, para um conjunto maior
das chamadas “economias emergentes dinâmicas”, que não se circunscrevem
aos BRIC, mas, obviamente, atingem um conjunto desses 20 países que
compõem o G-20.
Eu chamo a atenção sobre esse ponto e sobre a natureza desse
chamamento à cena internacional porque, obviamente, quem convida pode
convencer-se de que tem a prerrogativa de desconvidar. Eu acho muito
importante que nós tratemos das questões do G-20 e da nossa participação
DEBATES
37
nesse fórum econômico-financeiro tão importante, com uma visão muito clara
da inserção que nós pretendemos ter, nas próximas décadas, no debate
econômico internacional. Ou seja, o Brasil precisa deixar muito claro, e
estamos procurando fazê-lo, que julga absolutamente pertinente e irreversível
que os espaços de decisão e de discussão internacionais sejam ampliados.
Patentemente, os consensos que se formaram entre os economistas do sistema
financeiro e os economistas dos governos dos países do G-7, com relação
ao fato de que o mundo estava muito bem governado e que todos os sistemas
estavam muito bem equacionados e que, portanto, não havia que se pensar
em nenhuma espécie de ampliação de espaço de discussão, estão
comprovadamente superados, e, se não tivermos a clareza meridiana, da
parte dos países que hoje integram o G-7, de que esta iniciativa não pode ser
uma iniciativa de momento, não pode ser uma iniciativa de comunicação social
ou de mídia internacional, mas que essa iniciativa tem que ser levada a peito,
no sentido de convencer-se de que, a menos que se conjuguem e se ouçam
as postulações, as ponderações, e que se incorpore a experiência de um
conjunto mais ampliado de países. Por exemplo, uns seis meses antes da
transformação do G-20 em fórum presidencial, nós tínhamos um debate nesse
fórum em que se narravam as experiências de países como o Brasil. Eu mesmo
fiz um relato extenso sobre as políticas de ajuste fiscal que haviam sido
preconizadas durante a década de 90, mostrando o que nós aprendemos
com ela, tanto o seu lado positivo, no sentido de trazer como prioridade um
grau de regramento, parâmetros que têm que ser discutidos por cada
sociedade, no sentido contrário do que sempre foi a nossa história pregressa
no Brasil, de um ajustamento minuto a minuto, mês a mês, ano a ano dos
parâmetros fiscais, sem que houvesse necessariamente referência a um
conjunto de parâmetros previamente pactuados com a sociedade e que
tivessem margens de manobras pré-definidas. Nós aprendemos que isso é
muito bom, que ajuda, que dá horizonte para planejar, para investir. Porém,
nós aprendemos a dura lição de que, se quisermos colocar as necessidades
de uma economia em crescimento, uma economia emergente, uma economia
que quer e precisa investir e crescer, dentro de moldes muito estreitos e
previamente determinados em países de economia já madura, isso pode
representar um entrave absolutamente desnecessário ao crescimento, um
amortecimento, ou mesmo um abortamento, do vetor de investimento público,
tão necessário em economias como essa. Portanto, estávamos ali dando um
retorno — e não foi só o Brasil a fazê-lo — da importância de como se
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
38
comportou tudo aquilo que se vinha preconizando, a partir dos países do G-
7, a partir das normas do OCDE, da visão do Consenso de Washington.
Estávamos mostrando o efetivo resultado daquilo na prática e nas histórias
dos nossos países nos últimos 10 anos.
Esse tipo de diálogo, esse tipo de incorporação de experiência, e, mais
do que isso, a necessidade de incorporar, como atores regionais, as suas
próprias regiões, a esse conjunto ampliado de países é absolutamente
imprescindível. Nós temos feito muito esforço para convencer a todos os
países envolvidos nesse exercício, nessa iniciativa, de que, na medida em que
ocorra o que todos esperamos que ocorra, que é uma estabilização das
variáveis financeiras, na medida em que se possa responder à pergunta do
Professor Ernani com propriedade, e dizer que “o pior já passou”, no momento
em que todos estejamos de acordo, em torno da mesa, de que o pior já
passou, é importante que isso não implique um esvaziamento progressivo
desse fórum, de que haja um esvaziamento progressivo, não necessariamente
de um ou outro fórum, mas da visão de que é necessário que se amplie a
discussão internacional sobre assuntos econômicos, sobre assuntos de
coordenação, sobre supervisão e regulação financeira, sobre a operação dos
organismos multilaterais, das instituições financeiras internacionais, como o
Banco Mundial, o FMI, como os Bancos de Desenvolvimento Regionais,
como as Conferências Econômicas Regionais, como a ASEAN e todas as
similares. A discussão dos objetivos, a discussão dos rumos, a discussão dos
conceitos a serem empregados, as prioridades a serem adotadas em todos
esses campos, realmente, não podem prescindir, dado o grau de interligação
e de complexidade do mundo em que nós estamos, da economia global de
hoje, não podem prescindir de um conjunto ampliado de interlocutores, de
maneira muito ativa, de um debate muito transparente. É óbvio que ninguém
abre mão de prerrogativas na cena internacional, espontaneamente. O
autointeresse está sempre presente, mas nós temos que mostrar que é do
interesse desses países que assim seja feito, no médio e no longo prazo.
Em momento nenhum podemos esquecer que, do ponto de vista deste
debate, é fundamental que os países que possam ser parte de um debate
sobre coordenação e regulação internacional, tenham a representatividade
regional necessária, sem que se esqueça nunca da importância dos fóruns, do
debate, da discussão da articulação dessas “economias emergentes
dinâmicas”, com as economias do seu entorno, com as economias que são
suas principais parcerias produtivas e comerciais em nível regional. Se esse
DEBATES
39
desenho não for mantido, e se os países centrais não se convencerem da
necessidade de manter essa filosofia que agora adotam, nós teremos perdido
mais uma oportunidade importante de correção de rumos, e o preço a pagar
será muito elevado. O Brasil prestará a sua voz muito fortemente para que
isso não ocorra. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Com a palavra o Embaixador Jório Dauster, para a sua intervenção.
— Embaixador Jório Dauster, Ministério das Relações Exteriores:
Obrigado, Cardim, por me chamar outra vez para esses debates tão
interessantes. Eu vou retomar uma nota do início da palestra da Professora
Maria da Conceição Tavares, e, quem sabe, fazer uma reflexão que é mais
de economia política, na trilha do mestre maior Celso Furtado.
Eu creio que estamos certos de que, hoje, os Estados Unidos vivem
um pesadelo econômico, que eu acho que não acabou. Eu acho que ainda
há riscos grandes, acho que o desemprego, infelizmente, passará dos 10%;
há muita coisa ruim acontecendo na economia americana e na economia do
mundo. Eu acho que há uma falsa euforia com os movimentos que nós só
estamos vendo hoje. Mas, de qualquer forma, aqueles que pertencem à
minha geração, ou que leem história, talvez saibam que havia uma coisa
chamada the American dream. Nos anos 60, havia aquela visão de uma
belíssima casa, no meio de um gramado, com uma bicicleta abandonada
ali, e tranquilamente, um carro na porta. Pelo menos, para aqueles de pele
branca. Aquilo correspondia a uma visão de que os Estados Unidos
caminhavam para uma democracia econômica que seria um complemento
da democracia política, que já estaria ali. O que se vê hoje é que esse
American dream virou esse pesadelo americano. Espera-se que eles saiam
desse pesadelo, porque se eles não saírem, o mundo também não sai. Agora,
a pergunta é a busca da causa profunda da crise. Alguns dos palestrantes
aqui já mencionaram alguns aspectos, mas eu acho que está faltando algo
no debate atual. Existe uma preocupação infinita em explicar os mecanismos
de como os subprimes, de como a alavancagem ocorreu, que são
interessantíssimos, evidentemente, como autópsia. Mas nós precisamos de
uma visão histórica maior.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
40
Eu acho que tudo começou, de fato, como já foi dito aqui, com a
financeirização do mundo, e nós sabemos bem que ela foi fruto das duas
crises do petróleo, em 1973 e 1979. Criou-se uma montanha de recursos
financeiros que não podiam ser usados para aqueles que haviam se beneficiado
da maior transferência de renda a que o mundo tinha assistido, e, obviamente,
os bancos, com o predomínio dos bancos americanos, trataram de reciclar
os petrodólares e tudo aquilo que havia, aquela massa imensa de recursos, e,
com isso, a economia real passou para o banco de trás . Aqueles que tiveram
posições nacionalistas, e um pouco de esquerda, como eu próprio e outros
aqui na mesa, devem se lembrar de que a gente lutava contra as multinacionais
até àquela época. Na verdade, os bancos já estavam interligados e
globalizados desde o começo. Eu fui negociador da dívida brasileira ao sair
da moratória, e já descobri que era um novelo absolutamente encrencado e
fechado, e que não havia como separar um banco de todas as demais centenas
de bancos que eram credoras do Brasil.
Mas esse processo coincidiu, nos Estados Unidos, com o predomínio
político dos republicanos. É bom lembrar que, nos últimos 40 anos, a partir
de 1969, o Partido Republicano assumiu o poder dos Estados Unidos, e,
nesses últimos 40 anos, só houve 12 anos em que o Partido Democrata
esteve no poder: foram os quatro anos do Carter, que não encontrou nem o
caminho do banheiro da Casa Branca, e oito anos do Clinton, que, na
verdade, teve que caminhar para o centro, para estar muito próximo das
políticas dos republicanos. Portanto, existe uma fortíssima influência daqueles
valores que só pertencem ao Partido Republicano, e que ficam até mais claros
quando são contrapostos aos do Partido Democrata. O que aconteceu?
Obviamente, quando Reagan, nos Estados Unidos, e Thatcher, na Inglaterra,
fazem aquela comunhão extraordinária, foi o fim dos sindicatos. Alguns
dinossauros estão caindo agora, como é o caso das montadoras, porque
ainda estavam carregando aqueles sindicatos antigos nas costas. Foi o começo
do desmonte do Welfare State nos Estados Unidos. Foi, portanto, a ideologia
do neoliberalismo, a ideologia do individualismo que passou a dominar a
política americana. É evidente que quem conduziu esse processo de forma
extraordinária foi uma oligarquia financeira, e eu chamaria isso um “mandarinato
financeiro”, que nos Estados Unidos é extraordinariamente inteligente e
complexo. As oligarquias, inclusive na América Latina, são essencialmente
hereditárias, e, por isso, têm uma capacidade de serem derrubadas com mais
facilidade. Nos Estados Unidos, elas são hereditárias, porque Bush II não
DEBATES
41
teria chegado à Casa Branca se não tivesse havido um Bush I que, aliás, saiu
da Costa Leste para fazer política no Texas porque entendia que ali havia
grandes interesses econômicos de petróleo, que ele representava. Mas sabe-
se que o Bush II foi aceito em Yale para fazer um curso de História, e ninguém
sabe que história foi que ele estudou naquela época, porque o pai tinha
estudado na Universidade de Yale. Ou seja, existe uma oligarquia nos Estados
Unidos, pesadamente hereditária. Mas eles inventaram uma outra, que é muito
melhor e que dá sustentação maior, que é meritocrática. É aquele esquema
das portas giratórias pelas quais todas as pessoas de maior capacitação têm
que fazer um trânsito entre a universidade, Wall Street, ou um emprego
financeiro qualquer ou em uma grande empresa, e governo. Isso, com uma
rapidez extraordinária que permite que essas pessoas que têm uma
capacitação, ou uma inteligência claramente demonstrada pelos seus resultados
acadêmicos, mesmo que seja modesta a origem, sejam cooptadas pelo sistema
e tenham uma experiência enorme, imensa, que é importantíssima, de governo,
de universidade, e, portanto, todos eles, aos seus 40 ou 50 anos, já têm uns
cinco ou dez milhões na caixinha, o que é muito bom e permite, inclusive, uma
independência de pensamento, etc. Mas é um sistema absolutamente fenomenal
que gerou esse “mandarinato”. Falou-se aqui muito da questão moral, mas,
na realidade, não houve nenhuma conspiração. Esse é um movimento tão
difuso quanto a nuvem da ideologia. Simplesmente, aquelas ideias, aqueles
conceitos serviam àquele 1% da população que começou a se apropriar dos
ganhos de forma extraordinária, e os mecanismos foram a desregulamentação,
e todos esses já foram mencionados aqui.
Eu fui examinar o famoso Índice de GINI, que não é nada de
extraordinário, mas é o único que se presta a comparações internacionais,
porque é o mais usado. Os Estados Unidos é o país desenvolvido mais injusto
em termos de distribuição de renda. E sempre foi assim, porque, inclusive,
era um país escravocrata, como o nosso. O Índice de GINI para os Estados
Unidos, em 1929, era de 45. Em 1947, no final da Guerra, já tinha baixado
para 37.6. Ou seja, havia uma tendência para o American dream ser uma
realidade no País. Mas hoje ele é de 46.3. Ou seja, houve um repique, e,
hoje, segundo o Índice de GINI, os Estados Unidos tem uma condição de
distribuição de renda inferior àquela que tinha há praticamente um século, na
época da famosa recessão. Isso é muito interessante, porque eu acho que,
muito em breve, segundo o Índice de GINI, o Brasil vai ser um país mais
justo que os Estados Unidos. Em 1990, o nosso Índice de GINI era 60; em
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
42
2007, já estávamos em 53, e, com a velocidade com que essas curvas vão
andando, daqui a pouco nós estamos lá. Eu próprio, quando fui ler os números,
fiquei chocado de ver que, em breve, nós poderemos dizer que, talvez em 8
e ou 10 anos, teremos uma distribuição de renda mais justa do que a dos
Estados Unidos.
Agora, é importante ressaltar que esse tipo de apropriação que foi feita
pelo “mandarinato”, de uma forma extraordinária, com esses bonds bilionários,
etc. não pode ser feito internamente. Não dá para enganar todo mundo. O
poder aquisitivo da classe média vinha caindo, as condições de vida se
tornavam mais difíceis, e o grande engodo foi exatamente poder acalmar
essa população através de um estímulo ao superconsumo. Então, foi o uso
do “dinheiro de plástico”, do cartão de crédito, inclusive a manutenção de
juros muito baixos durante muito tempo para estimular uma sensação de que
as pessoas pelo menos podiam estar perdendo em termos de renda relativa,
que é uma coisa mais difícil de sentir, porque um grande iate pode estar
ancorado em Monte Carlo; afinal de contas, as casas mais bonitas estão
atrás de muros altos. Mas a sensação de que as pessoas estavam consumindo
era uma coisa boa.
Em um segundo momento, houve um engodo ainda maior, que era dar a
todo mundo a ilusão do que é ter uma casa própria. Foi toda essa brincadeira
dos subprimes; foi entregar uma casa a pessoas que não tinham nenhuma
comprovação de renda, a imigrantes sem papéis, por exemplo. Enfim, era
uma loucura absolutamente infinita, mas que tinha um propósito político,
porque, com isso, se as pessoas estão pelo menos cainhando para imaginar
que vão ter a sua casa própria, isso significa que a vida não está tão ruim
assim. Então, o sujeito pode sofrer alguma dificuldade, vai obrigar a mulher a
trabalhar, a ter três empregos, mas há uma expectativa de que alguma coisa
está acontecendo. Tudo isso, e mais os gastos militares extraordinários, não
são infinitos, e a economia americana começava a se ressentir pelo aumento
do déficit; todas aquelas indicações de uma doença profunda de um país
que estava vivendo muito acima das suas posses. Era a necessidade de entrada
diária de dois ou três bilhões de dólares. Uma economia que precisa absorver
do mundo de dois a três bilhões de dólares por dia! Esse era o grau de
absoluto descolamento da realidade, e que apresentava a economia americana
antes de a bolha estourar.
Como é que isso foi possível? Foi possível porque aconteceu esse
fenômeno extraordinário, que seria a nova versão da fábula de La Fontaine
DEBATES
43
“da cigarra e da formiga”. A cigarra americana estava bailando, mas havia
uma formiga, que era o chinês, que bancou essa brincadeira porque para ele
interessava que o formigueiro estivesse funcionando a 100/h. Tanto é que ele
bancou com dois trilhões de reserva, que vão ser desfeitos na inflação que
vem por aí. Como toda grande dívida, ela será desfeita em termos de inflação,
e, portanto, todo mundo andou rindo por ai, foi uma beleza, e nós fomos os
grandes felizardos. O Brasil saiu do buraco, que eu conheci durante a minha
vida inteira, que era a crise externa, o problema do déficit de conta corrente,
e nós só conseguimos pegar um “jacaré” de cinco anos, escapamos do buraco,
conseguimos colocar 200 bilhões na caixinha, e hoje sobrevivemos a essa
crise e vamos nos sair muito bem.
Mas a realidade é que a eleição de Obama já é fruto de uma mudança. A
sociedade americana, a meu juízo, já não estaria mais passível de ser tapeada
por aquele 1% da população que estava tendo essa riqueza extraordinária. A
plataforma de Obama foi a retomada desses valores do American dream.
Era mais wellfare na área de educação e de saúde. Ou seja, é muito importante
que comece essa virada, e essa virada vai ter que incluir uma mudança de
hábitos de consumo que tornavam tudo aquilo insustentável. Depois, talvez,
tenha que fazer com que os Estados Unidos gaste menos para ter esse poderio
militar que tem hoje. Mas a pergunta é:
“Como fica o mundo? Como fica a China?” Aquelas economias, em
volta da China e do Japão, não vão retomar. Nós sabemos que a economia
japonesa está ligada ao processo de exportação para os Estados Unidos e
um pouco para a Europa. Mas a gente sabe que a Europa está capenga e vai
ter uma crise muitíssimo mais profunda do que a americana. Então, ao sair da
crise, daqui a dois ou três anos, a inflação que vai tornar o dólar um confeti,
que vai acabar com essa grande dívida que foi feita e que vai ser aumentada
para sair nessa injeção de trilhões de dólares até os próximos meses. Então,
aonde vai ficar o mundo? Aonde vai ficar a China?
O mundo estava anabolizado por esse processo, e é por isso que essa
crise não é aquela questão do atleta que se machucou, mas que, daqui a três
meses, pode voltar e fazer o mesmo resultado nos 100 metros. Ele nunca
mais vai fazer, porque, se tiver exame de anabolizante, ele nunca mais vai
fazer aquele registro. Então, o mundo encurtou, o mundo encolheu! Se vocês
olharem a Bolsa, verão que isso é alguma coisa da ordem de 40%. Ou seja,
havia 30% a 40% que correspondiam a essa “espuma” causada por um sistema
que estava entrando em sua última virada do parafuso. Portanto, esse mundo
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
44
que vem pela frente será muito diferente daquele que a gente assistiu
ultimamente. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
O Professor Antônio Carlos Peixoto, por favor.
Antônio Carlos Peixoto, UERJ:
Os meus agradecimentos habituais ao Cardim e ao Jeronimo
Moscardo. Saindo de um terreno que já foi sobejamente explorado aqui,
sobre todos os mecanismos da economia e do sistema financeiro, e dentro
de uma retórica quase poética que o Embaixador Jório Dauster aqui nos
traçou e que nos faz remontar ao sonho americano, eu gostaria de chamar
a atenção para alguns aspectos que correm de modo lateral a essa crise,
que já se imbricaram com ela, e, a meu ver, tenderão a se imbricar de
forma crescente.
Dentro do magnífico quadro histórico com que o Luís Carlos Prado nos
brindou, na questão da recessão e na comparação com a crise atual, sem
dúvida alguma o período entre guerras na Europa, e, logo depois, nos Estados
Unidos, durante os anos 30, foi marcado por um volume de tensionamento
social em um momento de ascensão do movimento sindical em uma série de
países, que nós não estamos vendo nessa crise. Portanto, esse é um primeiro
aspecto que eu tenho a impressão de que deveria ser mais explorado. As
tensões sociais, que tinham começado como resultado da I Guerra Mundial,
antecedem o desencadeamento da crise, naquela sexta-feira trágica de outubro
de 1929, e continuam se avolumando durante os anos 30. Correlatamente a
isso, ainda nos quadros da Grande Depressão dos anos 20 e dos anos 30,
nós vemos uma aproximação cada vez mais veloz do mundo na direção da
guerra. Inclusive, a guerra foi a salvação para uma série de economias
chamadas “maduras”, que eram as economias dos países denominados
“centrais”.
Qual a diferença que nós temos desse ponto de vista em relação ao
quadro atual? Em primeiro lugar, o volume do tensionamento social é
relativamente baixo, mesmo nos países de maior tradição de combatividade
sindical, mesmo nos países de maior tradição daquilo que se chama de “luta
de classe”, que são os países europeus. As tensões são baixas. As razões
DEBATES
45
para isso são várias. Falou-se aqui no desmonte do movimento sindical; falou-
se aqui que, principalmente durante os anos 80, na Grã Bretanha, com
Thatcher, e nos Estados Unidos, com Reagan, o movimento sindical foi sendo
gradualmente erodido até chegar, no final dos anos 90, a um arremedo daquilo
que ele tinha sido.
Mas crises e tensionamento social não precisam passar necessariamente
pelo elemento institucional dos sindicatos. Existe alguma coisa mal estudada
por aí, alguma coisa que ainda está mal explicada. Mesmo com o quadro de
diminuição de influência dos sindicatos, mesmo em um quadro em que diminui
a adesão aos sindicatos por parte das diversas categorias dos trabalhadores,
o tensionamento social poderia ter tido uma característica mais espontânea,
de menos chamamento por parte das lideranças sindicais. Acho que há alguma
coisa aí que ainda precisa ser vista.
Em segundo lugar, algo que me parece importante notar é que, se, durante
os anos 30, principalmente depois da tomada do poder na Alemanha pelo
Nazismo, no começo de 1933, os tambores da guerra foram rufando
crescentemente, eu creio que se equivocaram aqueles que dizem que esta
crise se dá no meio de um quadro internacional pacífico. O problema é outro;
é que a guerra não está no centro, ela foi para a periferia. A guerra se deslocou
para a periferia em diversas frentes: algumas que já tradicionalmente existiam,
como é o caso de Israel, e agora com os problemas dos territórios palestinos,
Faixa de Gaza e Cisjordânia, o Iraque, o Irã, a Ásia do Sul, que é um binômio,
aquilo não se separa, do ponto de vista diplomático estratégico, que é o caso
do Afeganistão e do Paquistão, e para embelezar ainda mais esse quadro, já
bastante açucarado, só faltava o que começou acontecer agora, nesta semana,
que é a crise coreana. Então, o quadro internacional é de uma tensão
estratégica gigantesca. Só que a crise está se dando na periferia, e em uma
periferia que está geograficamente situada do Oriente Médio para o Extremo
Oriente, passando por um outro ponto de grande tensão, que é a Ásia do
Sul. Então, do Oriente Médio para a Ásia é que está o epicentro da crise.
Evidentemente, nós não vamos encontrar um elemento de tensão
estratégica nas relações interatlânticas dentro da Europa. Eu não estou
sugerindo nada que vá nesta direção, mas o quadro econômico-social daquilo
que Maria da Conceição Tavares chamou da “periferia da Europa do Leste”,
do meu ponto de vista é particularmente inquietante, mas ainda não entrou
em uma área de proximidade da tensão estratégica, apesar de que, no ano
passado, ocorreram problemas entre a Rússia e a Geórgia, e não foram poucos.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
46
Então, temos uma situação na qual, como um todo, o Ocidente, o núcleo
do capitalismo mundial, aquilo que se chamou, em linguagem da CEPAL, “o
centro”, está enfraquecido. Nós sabemos que a Europa está quebrada. Os
dados do que está ocorrendo nas principais economias européias já foram
sobejamente colocados aqui. Em vários trimestres sucessivos tem havido
aumento da queda da produção industrial. Na Alemanha, na Grã-Bretanha,
na França, na Itália e na Espanha, o nível de desemprego é alarmante. A
Europa está quebrada, com um processo recessivo muito mais profundo do
que nos Estados Unidos. Eu acho, também, que isto é outra linha de reflexão
e de investigação que poderia ser seguida em seminários subsequentes, para
avaliarmos quais são os pontos comuns e onde estão as principais diferenças
entre o contexto da crise norte-americana e o contexto da crise européia.
Neste momento, os Estados Unidos, pelas razões mais diversas, algumas
absolutamente alucinadas, estão lançando o seu poder estratégico em um
desdobramento de várias frentes de tensão, em um processo no qual a Europa
Ocidental que é, em última análise, o núcleo secundário da OTAN, não tem
condições de acompanhar, porque a crise ali é muito mais dura, é muito mais
pesada. O aumento dos gastos de defesa, que é algo que está sendo
permanentemente pedido pelos Estados Unidos, não está sendo realizado na
Europa. As implicações disso são sérias, são graves. Será que os Estados
Unidos, em grande medida, sozinho, vai poder dar conta deste desdobramento
de focos de tensão estratégica? Qual é o quadro de equilíbrio estratégico do
mundo, na medida em que isto não seja possível? Como ficam as coisas
dentro do quadro recessivo que acomete, primariamente, os próprios Estados
Unidos, a Europa Ocidental e o Japão?
Eu estou aqui tentando lançar, basicamente, algumas ideias para reflexão.
Um último ponto seria: e o Brasil nisso? Como fica aqui a nossa terra? Eu
não vejo que grandes mudanças deverão ocorrer no quadro da ação externa
brasileira. Se existe uma denominação possível para os parâmetros
diplomáticos que estão sendo seguidos nos últimos anos, eu daria a esses
parâmetros a denominação de “inserção autônoma”. É isso que, do meu
ponto de vista, a diplomacia brasileira vem tentando desenvolver nos últimos
tempos; é a busca de uma inserção autônoma. A meu ver, isso tem que ter
continuidade, e parece-me que em três vertentes principais. A primeira delas
é que nós temos que manter e reforçar a nossa ação nos foros relativamente
informais que foram criados nos últimos anos: o G-20, que em larga medida
é criação brasileira; agora, mais recentemente, no G-8 + 5, o antigo G-7,
DEBATES
47
que foi se elastecendo, na medida em que ocorreu uma desconcentração
de poder neste terreno em escala universal; e entre os BRIC. Acho que
essa é uma linha da diplomacia brasileira que, em um processo de crise
como o que nós estamos vivendo, parece-me central. A segunda vertente é
manter o esforço já desenvolvido nos últimos anos pelo processo de
integração na América do Sul. E a terceira vertente, levando-se em conta
que diplomacia e ação externa não são única e exclusivamente ações de
coordenação, o reforço da presença internacional do Brasil em diferentes
áreas territoriais e em diferentes setores da vida internacional, seguindo,
também, uma tendência que já se delineou. Portanto, essa busca da inserção
autônoma, que, do meu ponto de vista, caracterizou os últimos tempos da
ação externa brasileira, é algo que deverá ter continuidade, inclusive porque
isto é política de Estado, mesmo que tenha começado em um governo,
particularmente, no primeiro Governo Lula. Mas transforma-se em política
de Estado, e, certamente, caso haja bom senso ¯ mas a verdade é que nem
sempre o Brasil é um país onde o bom senso impera ¯ , qualquer que seja
o resultado das coisas em 2010, esta política deveria ter continuidade. Muito
obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Aproveitando as questões levantadas pelo Dr. Peixoto, eu preferia passar
a palavra ao Embaixador Ouro Preto, e depois, ao Embaixador Bahadian.
Com a palavra o Embaixador Ouro Preto.
— Embaixador Affonso Celso Ouro Preto, MRE:
Eu queria agradecer aos meus colegas e amigos, o Jeronimo Moscardo
e ao Carlos Cardim pelo convite e por terem organizado este Seminário. Eu
não tenho a pretensão de apresentar qualquer análise, ou estudo econômico.
Eu gostaria de dar uma olhada, essencialmente política, sobre a grande crise
com que nos defrontamos e com os seus desdobramentos. Trata-se,
evidentemente, de um exercício difícil, porque a política não é uma ciência
exata, e tentar analisar o que vai acontecer após a crise constitui,
necessariamente, um exercício de futurologia que, além de ser muito impreciso,
possui um elemento de ser uma atitude subjetiva. Mas vamos apresentar essa
tentativa.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
48
Em primeiro lugar, como já foi dito, a crise adquiriu uma dimensão tão
grande, uma intensidade tão forte que, muito provavelmente, é a mais grave
crise desde 1929. A crise adquiriu uma dimensão tão grande que o mundo
que nós conhecemos não voltará a ser exatamente o mesmo. Essa é uma
característica das crises: elas mudam o mundo, porque a posição relativa dos
principais atores se modifica.
Em segundo lugar, eu diria que os principais atores continuarão a existir;
não teremos rupturas, revoluções, nesse sentido de assistir ao desaparecimento
de um ou dois desses principais atores. Evidentemente, todo mundo está
farto de saber que os últimos anos foram marcados pela hegemonia americana,
mais precisamente, pelo repique da hegemonia americana, como disse a
Professora Maria da Conceição Tavares. Essa hegemonia vinha suavemente
descendo, desde os anos 70; teve um repique com a última administração
republicana nos Estados Unidos, que se expressou, do ponto de vista político,
pelas várias intervenções, inclusive, militares, que se seguiram aos atentados
de 2001: a intervenção militar no Iraque, no Afeganistão, ameaças cada vez
mais fortes ao Irã, ameaças, no momento, à Coréia do Norte, criação do
mundo onde existiria o “eixo do mal”, a ser combatido. É uma visão de
“cruzada” que inspira, evidentemente, o espírito neoconservador americano.
Essas tentativas fracassaram e foram fracassando nos últimos anos; esse
fracasso se acelera, evidentemente, com a grande crise. Por exemplo, a ideia
de instalar no Oriente Médio Estados cuja vida política seguiria um modelo
de democracia americana, como se tentou fazer no Iraque, não deu certo —
nem poderia dar, é claro — , e esse sonho dos meios neoconservadores
americanos quebrou.
A campanha eleitoral americana, um pano de fundo da grande crise, no
que diz respeito à política exterior, representou uma discussão sobre a
hegemonia americana. O Presidente Obama apresentou uma visão
fundamentalmente diferente. Não era mais a ideia de uma hegemonia imperial,
mas era a de um poder para usar uma leadership compartilhada. Os Estados
Unidos não agiriam à revelia das Nações Unidas, como foi o caso do Iraque:
agiriam tentando obter o apoio dos seus aliados. Os primeiros gestos foram
nesse sentido, mas vamos ver o que acontece. Há uma ampla literatura sobre
esse relativo “enfraquecimento” dos Estados Unidos que vem sendo comentado
constantemente em publicações especializadas, como o Financial Times e a
Revista The Economist, que é uma revista muito conservadora, mas não
foram apresentadas soluções, ainda. Na última reunião do G-20, surgiu a
DEBATES
49
ideia de que os Estados Unidos teriam que compartilhar uma parte de seu
poder econômico-financeiro com outro gigante, que é a China. Não vou dar
cifras aqui, mas todo mundo sabe do crescimento da China. Por sinal, poucos
anos atrás, a China era mencionada como sendo o “gigante de pés de argila”,
o país frágil, o país sem qualquer futuro. Hoje, a China se apresenta como o
grande gigante. A China teve uma diminuição sensível da sua expansão
econômica, da expansão do seu PIB; terá uma diminuição ainda este ano,
que talvez chegue a algo entre 6 a 8%. Se compararmos essa cifra com as da
OCDE, essa diminuição da expansão chinesa é visível. Não há dúvida, então,
de que a China está destinada, necessariamente, a desempenhar um papel de
primeiro plano. Até recentemente, a China era vista pelos Estados Unidos
como uma potência regional. Aliás, era encarada com significativa
desconfiança, e hoje se tornou uma potência global. No entanto, a China não
substituirá os Estados Unidos em um prazo de tempo previsível. Apesar do
seu poder enorme, do seu poder que cresce com uma rapidez que todos
conhecemos, não possui, ainda, de longe, a massa crítica que representa a
economia, o poder militar, e, portanto, político dos Estados Unidos. A China
expande os seus interesses na Ásia Central, na África, no Oriente Médio,
mas ainda não está presente no mundo inteiro. Sobretudo, a China e os Estados
Unidos não estão em confrontação um com o outro; a China e os Estados
Unidos precisam um do outro. A expansão chinesa é financiada pelo mercado
americano, e o consumo dos Estados Unidos é financiado por esse fluxo de
dólares, aquisição de bonds da China, que chegam hoje a dois trilhões de
dólares, ou seja, mais que o Produto Nacional Bruto. Portanto, um precisa
do outro.
O Ministro do Exterior da Inglaterra afirmou, recentemente, que a relação
entre os dois países, China e Estados Unidos, era a relação de um addict
com um drug dealer. Não se vislumbra, a curto prazo, uma diferença nessa
relação, a não ser essa diminuição progressiva do poder americano, que
deixará de ser hegemônico, mas continuará, provavelmente, a ser o de um
primus inter pares, que poderá exercer poder mediante a negociação com
os principais países, mediante alianças ou entendimentos alternativos, mas
que não exercerá um poder imperial.
Quais são os outros principais atores? A Europa representa, em termos
econômicos, uma massa crítica praticamente igual à dos Estados Unidos. A
União Européia carece de qualquer vontade política para exercer um papel
na escala mundial. Além de estar profundamente atingida pela presente crise,
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
50
mais do que os Estados Unidos, aparentemente a Europa se limita, hoje, a
interesses paroquiais, interesses da sua aprovação à sua Constituição, de
subvenções agrícolas, de entrada de estrangeiros dentro de suas fronteiras; e
não vai muito além disso. O Japão, apesar da sua dimensão econômica muito
grande, e pela taxa de câmbio, seria a segunda potência econômica do mundo,
mas pela taxa de poder de compra efetivo, não. Nesse caso, a segunda
potência econômica seria a China. Então, o Japão, apesar desse gigantismo
econômico, é um anão político. O Japão, praticamente desde a II Guerra
Mundial, não desempenha qualquer papel político, nem sequer na Ásia. Estou
exagerando um pouco, mas não estou longe da verdade. Em suma, teremos
um universo um pouco parecido com aquele que existiu no mundo antes de
1914, e que acabou muito mal. Mas, enfim, possivelmente escaparemos
daquele drama, e teremos um mundo melhor. Mas esse mundo também está
marcado por potências que sobem. A Índia, por exemplo, sobe rapidamente,
mas tem uma economia e uma sociedade muito mais frágil do que a da China,
e há outras potências regionais, como o Brasil e a África do Sul.
Discutir as consequências políticas da crise sobre o Brasil deveria ser
objeto de um seminário separado. Não creio que haja tempo suficiente para
se discutir isso hoje. Só posso dizer aqui que o poder do Brasil está crescendo,
e só poderá crescer. Agora, como é que esse poder vai se exercer no futuro
próximo é difícil dizer.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Agora, com a palavra o Embaixador Adhemar Bahadian.
— Embaixador Adhemar Bahadian, MRE:
Muito obrigado. Em primeiro lugar, eu queria agradecer esse convite
para participar dessa missa de sétimo dia, porque, na realidade, nós estamos
rezando por um defunto que aparentemente está morto. Só que nós não
estamos muito convencidos da sua morte. Seguramente, estamos falando do
neoliberalismo, que eu espero que efetivamente esteja morto. Agora, tenho
dúvida de que estejam mortos os seus arautos, sobretudo os seus mais
arrogantes arautos. Na sua exposição, o Professor Marcos Fernandes referiu-
se a um possível Presidente do Banco Central brasileiro, e que falou que a
realidade estava errada. Esse Simão Bacamarte eu vi, ao vivo, na Argentina,
DEBATES
51
no início dos anos 2000, quando a Argentina entrava na sua pior crise político-
econômica e institucional, tendo sido ela a primeira da turma na graduação
do neoliberalismo. Eu ouvi um Simão Bacamarte do FMI dizer que o fracasso
da economia argentina derivava de a Argentina não ter aprofundado a sua
política neoliberal, e não o contrário. De maneira que, essa questão de, às
vezes, a realidade estar contra a gente, nós já vivemos muito.
Neste momento, eu não estou preocupado em continuar a examinar ou
dissecar esse cadáver. Eu acho que nós temos que partir para uma análise
prospectiva do que devemos fazer daqui para a frente, sobretudo nós que
temos um interesse na política interna e externa brasileira. A Professora
Conceição Tavares, de quem eu nunca fui aluno regular, o que é certamente
uma falha na minha biografia pessoal, mas de quem assisti a alguns seminários,
com grande prazer e grande benefício, no Instituto Rio Branco, por volta dos
anos 60, referiu-se a que o Brasil, nesse período que estamos analisando,
teve uma política externa acomodatícia. Eu gostaria de qualificar um pouco
mais essa adjetivação, um pouco à luz, até, de minha própria experiência
pessoal. Eu acho que o Brasil não foi acomodatício porque fosse isso uma
intenção política, ou fosse isso uma falta de política. Eu acho que o Brasil foi
forçado a acomodar-se, em grande parte, por força do endividamento externo
brasileiro e por força de os fundamentos da economia brasileira serem sempre
vulneráveis nas grandes negociações internacionais. Fossem elas multilaterais
ou bilaterais, a palavra final era do Ministro da Fazenda brasileiro, e nem
sempre do Ministro das Relações exteriores.
— Maria da Conceição Tavares, UFRJ:
Isso não é uma verdade. No Governo Geisel, a política externa foi de
uma autonomia verdadeira. Em 1990, quando nós resolvemos a dívida externa,
não tinha dívida externa. Quem fez essa dívida externa foi o Fernando Henrique.
Logo, ele fez uma inserção soberana por conta própria. Assim não dá! Se
começarmos a confundir economia com política, não vai dar certo.
— Embaixador Jório Dauster, MRE:
Eu apenas quero lhe dar um exemplo vivido pessoalmente. Eu tenho que
dar exemplos claros. Quando nós estávamos na Organização Mundial do
Comércio, no ano de 2000, negociando uma grande negociação...
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
52
— Maria da Conceição Tavares, UFRJ:
Mas, em 2000, já tínhamos quebrado de novo. A acomodação foi em
90, não foi em 2000. Durante o período do neoliberalismo, nós não tivemos
nenhum propósito de autonomia. Agora temos. Pode até dar errado, pode
ser que a gente não consiga manter as propostas com a crise, mas espero
que consigamos, porque, como diz o outro, espero que seja um ativo adquirido.
Mas durante a década de 90, a política foi acomodatícia. Foi quando enrolaram
o Jório e puseram o Malan, que eu diria que não é propriamente a mesma
coisa numa negociação da dívida externa.
— Embaixador Jório Dauster, MRE:
Eu não vejo onde está muito a nossa discordância, porque foi exatamente
nessa época que nós tivemos as grandes negociações, do Governo Fernando
Henrique para cá, e que houve um constrangimento muito grande à posição
de negociação brasileira, por força da dívida externa. Eu vivi isso, e vários
colegas meus também viveram essa situação. Mas, enfim, isso não é a essência
do que eu quero dizer. O que eu quero dizer, na realidade, é que o que nós
temos que procurar fazer daqui para o futuro é analisar qual a posição que
nós podemos defender daqui para a frente nas organizações internacionais.
Eu não estou convencido, absolutamente, de que essa crise vá,
necessariamente, modificar o pensamento dos grandes países nas negociações
internacionais. Eu li, recentemente, num jornal, que até um país como os
Estados Unidos, que está com tantas perspectivas de apresentar uma linha
política mais construtiva, ao retomar as negociações na OMC, faz uma
proposta que é absolutamente conservadora e que torna muito mais difícil
que nós possamos sair desse impasse. Então, eu não estou convencido,
absolutamente, de que essa crise vá promover uma maior consequência
positiva para países como o Brasil. Isso me preocupa muito, porque eu acho
que nós não podemos mais voltar a essas mesas de negociação, seja
unilateralmente, seja regionalmente, sem que a gente faça um dever de casa e
uma reflexão importante, entre nós — não só no Brasil, mas também entre
os países latino-americanos que nos interessam mais de perto — , para que
saibamos muito claramente o que é que nós desejamos fazer e como podemos
nos defender. Por exemplo, eu vejo com grande preocupação que na
sociedade brasileira existe hoje uma crítica, às vezes não tão velada, às atitudes
DEBATES
53
que são tomadas pelo governo brasileiro ao procurar acomodar reivindicações
de países limítrofes ao nosso, em questões de natureza econômica. Cito o
caso do Paraguai, recentemente, o caso da Bolívia e do Equador. Essa situação
em que, muitas vezes, o Brasil vem sendo apresentado como um aprendiz
imperialista, é muito grave, sobretudo, para quem deseja manter com os nossos
países fronteiriços e nessa região, a nossa política de solidariedade, uma
política de união econômica. De maneira que nós temos que fazer,
necessariamente, uma reflexão, e abandonar, ou não, certos mecanismos pelos
quais fomos profunda e negativamente influenciados durante um longo período
dessas negociações, ou seja, dos anos 70 para cá. Aliás, eu acho que até
antes disso, com a configuração de uma estrutura internacional econômica
guiada e dirigida por órgãos como o FMI e a própria Organização Mundial
de Comércio. Se dermos uma olhada nos instrumentos que foram criados na
OMC, até mesmo fora do quadro estritamente comercial, — e eu estou me
referindo aqui aos Acordos de TRIPS e o Acordo de TRIMS — , nós
poderemos ver que muitas das capacidades de flexibilidade da economia
nacional se viram constrangidas pela aceitação dessas novas regras. Será
possível mudá-las? Eu tenho sérias dúvidas sobre isso.
A questão é: a partir desse semestre, porque as negociações estão
continuando, e nos farão, necessariamente, grandes demandas, como nós
poderemos participar, seja no
G-20, seja no Mercosul, seja na OMC, com uma postura que não seja
mais aquela que é simplesmente de “acomodação”? Que tipo de política nós
queremos fazer? Essa é a minha dúvida. Essa é a minha proposta, também.
Constatado esse óbito, nós não deveríamos apenas considerar que os nossos
riscos estão mortos e enterrados. Pelo contrário, a partir de agora me preocupa
muito o que eu estou vendo no cenário internacional. Sem nenhuma ideia de
conspiração, obviamente, me preocupa muito a situação que se está
delineando no cenário internacional, embora, internamente, como já foi dito
aqui, o Brasil esteja em uma situação confortável. Só que eu não sei até que
ponto esse conforto poderá ser mantido. É inegável que o Brasil tem que ter
agora uma postura protagônica. Isso não é apenas um desejo, mas é quase
uma necessidade de que o Brasil tome essa postura protagônica. Agora, só
poderemos ter essa postura, se tivermos a capacidade de discutir essas
questões entre nós. Sou grato à Professora Maria da Conceição Tavares por
ter me lembrado de que, talvez, o meu diagnóstico esteja errado. Eu acho
ótimo que nós possamos discutir dessa forma franca e ampla para que
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
54
possamos chegar a um denominador comum. Aliás, acho muito mais fácil
chegar a um denominador comum aqui do que chegar a um denominador
comum no G-8 + 5, onde não acredito, absolutamente, que se chegará a
qualquer coisa, seja na Sardenha ou em qualquer outro lugar da Itália. Muito
obrigado. Era isso.
— Maria da Conceição Tavares, UFRJ:
Eu queria fazer alguns comentários finais, aqui, sobre as intervenções.
Tenho que começar com o Bahadian, a quem peço desculpas. Em geral, eu
estou mais moderada, com a velhice, mas acontece que a adrenalina vai
subindo, e quando chega nessa questão da década de 90, eu acabo
explodindo, definitivamente.
— Embaixador Jório Dauster, MRE:
Professora, a senhora sempre foi jovem, nunca deixou de ser jovem, e
eu fico muito honrado de ter estimulado a volta à sua juventude.
— Maria da Conceição Tavares, UFRJ:
Obrigada. O Melin também fez uma referência em relação ao que eu
disse. É engraçado que parece que o que eu disse, pelo menos no que se
refere à questão externa, não foi entendido. Então, vou tentar ser mais clara.
Não é que nós não sejamos originais no pensamento. Acho extremamente
original. Aliás, nós somos originais, pelo menos desde o velho Barão. A questão
são as conjunturas das políticas internacionais e a brecha que o Brasil acha,
ou não, quando há uma ruptura de poder. Realmente, no mundo capitalista
globalizado, com os personagens de nova emergência, como a China, como
a Europa, que pode até estar decadente, mas ainda tem peso político, atribuir
ao Brasil um peso objetivo, relativo, nas relações internacionais, é um
equívoco. O Brasil não tem efetivamente peso, e, por isso, tem que apresentar
uma estratégia coerente, que pode ser ora acomodatícia, ora agressiva,
dependendo da conjuntura. Eu não sei por que a palavra “acomodatícia”
incomoda tanta gente. É claro que pudemos fazer uma política externa
agressiva, mais autonomista, no Governo Lula, por conta da situação
internacional muito atrapalhada. Está claro? Ele diferenciou, se vendo livre
DEBATES
55
do capital financeiro internacional, pagando a dívida. Vocês se lembram do
escândalo que foi quando o Lula resolveu pagar o FMI? Argumentavam por
que o Lula estava pagando o FMI em vez de fazer obras sociais e outras
maluquices do tipo. Então, a clareza da estratégia, no caso brasileiro, requer
também malícia. Esse é que é o problema. Então, quando o nosso colega
disse “não sei se o Brasil é um país sério”, ele deve ser um país sério, mas, de
preferência, que não aparente ser muito sério. Esse negócio de aparentar ser
muito sério dá mal resultado. Primeiro, porque significa que ou você não é
serio, ou é um hipócrita. Foi quando eu fiz referência aos Estados Unidos. Eu
não coloco dúvidas de que o candidato é sério, mas o país não é serio, é um
país hipócrita, é um país imperialista que não abriu mão, absolutamente, de
ser imperialista. Pelo contrário, ele não abriu mão em nada. Então, por que
teria um comportamento diferente na OMC, ou teria um comportamento
diferente, provavelmente, na OCDE, por mais que o Presidente queira reatar
com Cuba e tranqüilizar o assunto? Vamos ver. Agora, isso não implica que
nós não tomemos iniciativas. Mas as iniciativas não estão tão ligadas à nossa
situação econômica, nem mesmo à situação internacional. Esta crise é muito
mais pesada do que foi a crise de 70. É claro que a crise de 70 abriu uma
brecha, e o Geisel fez, com ditadura e tudo. Agora, uma das características
quando se abre uma brecha e quando a autonomia é para valer, é o grau de
antiamericanismo do governo. O Geisel fez uma política antiamericana. Apesar
de fazer uma política para o multinacional, para o capital estrangeiro, ele fez
uma política antiamericana. É por isso que não convém misturar. É isso o que
eu digo. Uma coisa é a globalização do capital; outra coisa é o poder
hegemônico dos Estados Unidos. Para eles, um apoia o outro; e para nós,
não. Você pode estar em graus crescentes de integração econômica
subordinada, e no político, perceber a brecha, e na verdade, tomar certa
autonomia em relação à crise. Foi o que o Brasil fez no período do Geisel.
Não é que eu seja uma “viúva” do Geisel. Aliás, foi nesse período que eu fui
presa. Não é por aí, mas é reconhecer os fatos. Em 90, nós tínhamos resolvido.
É claro que em 80 não dava para fazer grandes coisas, exceto declaratórias.
Eu cansei de fazer declarações, só que isso não tinha nada a ver com o
Itamaraty. A verdade é essa. Apesar de termos um Embaixador ativíssimo
em Washington, que, pelo que eu saiba, foi o único Embaixador que, estando
lá, agrediu o próprio governo americano, e não aconteceu nada. Ele fez isso
por conta própria, mas isso não modificou a situação internacional do Brasil.
Então, em 80, não tinha muito remédio, exceto espernear. Isso é uma
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
56
possibilidade. Quando não se tem poder nenhum, você pode espernear. Agora,
quando aumenta o seu poder, você pode ser conciliatório. Eu não sei se o
poder brasileiro vai aumentar ou não, no conjunto das nações. É difícil saber.
Nós estamos meio pela média, mas não somos a China ou a Índia, em matéria
de crescimento, nem podemos ser, porque eles começaram outro dia, e nós
só começamos em 30. Nós não temos nenhuma revolução industrial para
fazer. Nós já fizemos a nossa revolução industrial. O que a gente tem que
fazer agora é outra política, ter outro tipo de Estado, outro tipo de
comportamento. Então, é muito difícil prever o que vai acontecer, e essa
discussão é importante. Muito provavelmente, quando se é menos poderoso,
tem que ser o rato que ruge. Você pode agredir. Se você for megalômano,
que era o caso do Geisel, você também pode. Não vejo os próximos governos
sendo uma coisa nem outra. Nem o Governo Lula. Ninguém aqui é
megalômano, no Brasil, recentemente. Estamos mais prudentes. Isso pode
ser uma manifestação de maturidade e de força. Essa eu quero que continue.
Eu sou a favor de que continue a maturidade e o crescimento relativo da
nossa posição no mundo, e por isso mesmo, uma atitude que pode ser de
prudência, de conciliação ou de agressão, dependendo da conjuntura. A gente
pode se retirar de um foro quando estão torrando muito a nossa paciência,
não pode? Mas os foros são muito diferentes. Você está dando muita
importância à OMC, mas eu não estou dando mais nenhuma importância à
OMC. Para mim, a OMC está morta, estar lá ou não dá no mesmo. Nós
estamos lá por um ritual, mas aquilo já acabou; acabou com a globalização
financeira, e dali não sai mais nada; ninguém vai ficar mais liberal coisa nenhuma;
o protecionismo vai aumentar, e ponto final, quer a OMC queira ou não.
Logo, não preciso ser declaratório, eu não preciso estar na OMC e dizer que
vou tomar cuidados protecionistas. Eu simplesmente tenho que tomar os
cuidados, mas não preciso declarar. Essa é a questão, e é isso que torna a
discussão tão difícil. Eu vi o esforço que o companheiro de São Paulo fez
para tentar resgatar que as neoclássicas antigas não diziam as besteiras que
os neoclássicos modernos dizem. Mas eu não estou a fim de entrar nessa
discussão de escola. Eu sou muito realista, como vocês devem ter notado.
Em matéria de economia internacional, eu sou muito realista. Eu proclamei a
retomada da economia americana, lá em Washington. Eles não davam bola,
porque eram scholars de relações internacionais que não entendiam porcaria
nenhuma de moeda. Agora, também não precisa levar a moeda tão a sério,
quando se está tratando de relações internacionais, mormente quando você
DEBATES
57
não tem a menor ideia sobre para onde vai a tal da moeda internacional. Não
tenho a mais mínima ideia do que vai acontecer com o dólar. Não há um
economista que possa dizer o que vai acontecer com o dólar. Existe algum?
Não. Exceto que ele não tem um substituto fácil. Até aí morreu Neves.
Portanto, a política internacional concreta está difícil; a política comercial
está difícil. Nós fomos muito bem na conciliação de interesses da América do
Sul e sem pretensões subimperialistas. No entanto, eles nos acusam de
subimperialistas; aqueles mesmo que nós estamos tentando ajudar, para não
falar dos outros. Agora, isso está difícil, porque uma das possibilidades de
ajudar era, efetivamente, do ponto de vista financeiro. Só que isso aqui não é
um bolso sem fundo. Ultimamente, a quantidade de candidatos a receber
recursos brasileiros é significativa. Não sei se vocês se lembram, mas antes,
era a Venezuela que ia pagar. Não pagou nada, e está em uma crise furiosa;
então, vai pagar nada, por definição. Agora, toca a nós. Nós não somos
subimperialistas, não queremos ser subimperialistas; queremos ajudar, sim,
mas também não estamos querendo dar os nosso recursos de graça, a risco
total. Ou não é assim? Agora, os negociadores brasileiros vão aos países da
América do Sul e dizem que não querem dar nada de graça, que seria mais
um subsídio. Não é assim. Foi bem até agora, mas agora é capaz de não ir
tão bem, justamente porque essa crise pode não favorecer as nossas relações
na América do Sul. Em compensação, parece que favoreceu as nossas relações
com a China, desde que eles não queiram, como piratas comerciais que são,
nos empurrar a sucata deles. Até agora não conseguiram. Não sei se alguém
está tomando medidas, mas talvez os nossos empresários estejam. No entanto,
tem gente no Itamaraty que não entende nada e acha que a China é a nossa
salvação. Tem todo o tipo de gente no Itamaraty. Eu estou falando dos que
não são da nossa banda. Obviamente, se fossem da nossa banda, iriam
entender melhor. A gente não sabe qual é a banda do Itamaraty que vai ganhar
no próximo governo. Se for o meu candidato, eu sei; mas não sei se for o
outro. Respeito muito o Serra como desenvolvimentista, mas uma coisa é
desenvolvimentista, e outra coisa é outra coisa. Aí é que está o problema.
Todas essas características fazem com que não esteja mais tão simples
como era antes. Antes, você dizia “nacional desenvolvimentista”, e todo mundo
sabia a cartilha. Agora, não dá. Ninguém sabe direito o que quer dizer
“nacional”, e é importante que todos aprendam, cada vez mais, porque está
difícil. E “desenvolvimentista”, então, dá para qualquer lugar. Ademais, tem
os estabilizadores de várias correntes. Vocês hão de convir, de que a vida
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
58
não está fácil, nem para o economista, nem para o politólogo, nem,
seguramente, para o Embaixador.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Bom, a palavra está aberta aos participantes da mesa, que devem fazer
intervenções breves, perguntas, indagações, ou qualquer comentário. Com a
palavra o Professor Luís Carlos.
— Luís Carlos Delorme Prado, UFRJ:
Eu fiquei atento ao debate, e queria resgatar alguns aspectos da
construção da ordem internacional do pós-Guerra, porque, a meu ver, a crise
atual começou mesmo quando acabamos algum tipo de consenso que havia
em torno de Bretton Woods. Com todos os problemas, na década de 70,
havia um mínimo de autonomia de política doméstica, como já foi aqui
longamente colocado, e que acabou se esvaindo. A questão da digitalização
dos arquivos. É uma coisa fantástica! Agora, da sua casa, você consegue
pegar todas as informações relevantes. Eu estava, há pouco tempo, olhando
os arquivos dos registros da reunião de Bretton Woods, e tem algumas
declarações maravilhosas! O Morgenthal, em um dos eventos, naquela época,
disse que era necessário expulsar os emprestadores usurários do templo das
finanças internacionais. Naquela época, ele era Secretário de Estado. Ou
seja, em uma crise, naquela confusão da política beg-thy-neighbor, algum
tipo de acordo tinha que ser feito. Afinal de contas, em 1944, alguém que
tivesse 50 anos, tinha vivido, desde os 20 anos, em guerra ou grande
depressão. O ponto que eu tentei colocar em meu argumento, até trazendo
um pouco da experiência que o próprio Embaixador colocou, da percepção
das relações internacionais, é que pode ser que a crise não seja grave o
suficiente para haver concessões de todos os atores econômicos
internacionais, e para se chegar a um tipo de novo acordo. Esse não seria o
pior cenário. O pior cenário, a meu ver, seria uma situação em que, nas
relações econômicas internacionais, a gente começasse a patinar. Ou seja,
fica um impasse na OMC; o G-8 + 5 não caminha para lugar nenhum, e cada
um tenta ter um caminho de salve-se na sua própria região. Nós vamos
tentar montar a nossa estratégia. A ideia da criação da América do Sul como
continente, e a radicalização da integração da região, de alguma maneira
DEBATES
59
pode ser uma forma de reduzir a nossa vulnerabilidade. Mas, certamente,
essa não é uma solução, porque, como está claro, também temos problemas
com os nossos vizinhos.
Agora, eu coloco um ponto de indagação: será que precisaremos que a
crise se aprofunde? A crise pode se aprofundar com a piora na situação
econômica de algumas regiões, ou pela mera estagnação, que foi o que
ocorreu pós-33. A economia internacional começou a se recuperar, mas nada
aconteceu, e piorou de novo em 1937. A economia internacional só melhorou,
mesmo, só se teve alguma perspectiva de reduzir o desemprego, com a
Guerra. Parece-me que essa não é uma questão meramente acadêmica; é
questão muito concreta. Será que, pela frente, nós só teremos um cenário de
crescente instabilidade até que a situação fique tão difícil que finalmente algum
tipo de acordo vai sair, e nós vamos ter alguma perspectiva? Ou poderemos
ser mais otimistas? Dados esses dois cenários polares, como deverá ser a
estratégia de negociação brasileira na área de relações internacionais, ou
domesticamente? Que tipo de estratégia econômica nós temos que colocar?
Será uma estratégia defensiva, no sentido de voltar a impor, de alguma maneira,
restrições a movimento de capital, aumentar algum grau de protecionismo,
ou alguma coisa do gênero? Ou será que, ao contrário, podemos confiar em
que há espaços de negociação, e que, de alguma maneira, dá para se sair do
cenário internacional com algum caminho negociador?
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Com a palavra o Professor João Paulo de Almeida Magalhães.
— João Paulo de Almeida Magalhães, CRE/RJ:
Bom, as discussões estão extremamente interessantes, mas eu acho
que faltou uma coisa. O que é que temos que fazer para acabar com a
crise, o mais rapidamente possível? Eu vou fazer uma proposta aqui, que,
como eu disse, é meio radical. A crise não vai acabar enquanto os Estados
Unidos não resolver o problema dele, e o problema fundamental dos
Estados Unidos, para quem está acompanhando a situação, é o problema
do setor financeiro, bancário, dos Estados Unidos. O governo americano
já colocou muito dinheiro, e agora faz o cálculo do que se pode fazer
para recuperar os bancos. Há três dias, o Stiglitz, Prêmio Nobel de
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
60
Economia, dizia que se trata de uma “economia de zumbis” porque uma
série de bancos americanos continua com problemas seriíssimos; esses
ganhos recentes foram uma manipulação contábil, etc. Então, eu tenho a
impressão de que chegou a hora de se propor uma coisa mais radical. A
Suécia teve um problema desse tipo, algum tempo atrás, e o governo
sueco simplesmente entrou no sistema bancário, controlou todo o sistema.
Com isso, criou uma tranquilidade para aqueles que tinham dinheiro
empregado no sistema, e pôde agir como se tem que agir. Então, o que se
deveria fazer nos Estados Unidos é ignorar a oligarquia, o “mandarinato”;
eu diria, até, a “máfia” de Wall Street, e simplesmente o governo americano
criaria uma “ação ouro”. O governo investe 1% do capital do banco, e
com essa ação ouro tem direito de decidir como ele quiser. Como acionista
majoritário, o governo americano receberia os poderes para agir na crise
e acabaria com o empossamento do crédito, que já está acontecendo, e
faria o crédito simplesmente orientado para aquelas aplicações que ele
acha necessário. Essa seria a forma sueca, que se deveria considerar
imediatamente.
A pergunta que vem logo após é a seguinte: o que fazer depois que
isso der certo? Há duas alternativas. Uma primeira é o governo fazer
como se fez na Suécia, ou seja, devolver todos os bancos à iniciativa
privada. No caso específico, teria que fazer uma regulamentação porque
esta praticamente desapareceu, inclusive, na própria estrutura dos
bancos. Essa seria uma solução. Agora, quando propus tal solução,
num determinado momento, eu tive uma objeção muito interessante feita
pelo Embaixador Marcos Azambuja. Ele me disse que a regulamentação
não vai adiantar nada, ou vai adiantar durante muito pouco tempo,
porque, na verdade, os reguladores são funcionários públicos,
burocratas. Podem até ser funcionários de alto nível, mas tudo o que
existe de melhor em matéria de analise econômica, de proposta
econômica, está do lado de lá, ganhando muito bem. Se, por acaso,
houver um regulador muito bom aqui, ele será convocado para o lado
de lá, certamente. Então, essa parte de regulamentação não vai dar
muito certo. Então, vamos para o radicalismo, que é manter o sistema
financeiro nas mãos do governo.
Há argumentos a esse favor. O sistema financeiro dos bancos tem uma
situação muito especial. Em primeiro lugar, eles não trabalham com o dinheiro
deles, e sim, com o dinheiro dos outros. Isso quer dizer que a chamada
DEBATES
61
“alavancagem”, conservadoramente, é, no mínimo, de 1/10. Aliás, um dos papers
apresentados aqui fala de 1/60. Então, esse seria um primeiro motivo. O segundo
motivo é a tendência das crises do sistema financeiro privado a serem crises
sistêmicas, que vão começando, abrangendo todo o setor financeiro, e, depois,
entrando na economia real. Então, com essas justificativas, nós temos a
possibilidade de defender essa tese.
Eu diria ainda uma outra coisa. Reparem a situação da China. Os
Estados Unidos e a Europa devem ter uma perda de 4% do PIB; o
Japão vai ter uma perda de 6% do PIB. No caso da China, se dizia que
o crescimento seria de 6%, e agora já se começa a dizer que vai ser de
7%, e eu não duvido que chegue a 8%. A China não teve uma crise
vinda do sistema financeiro porque o sistema financeiro chinês é todo
governamental. Diante disso, da mesma maneira que a China está
seguindo os bons exemplos do capitalismo, ao admitir a iniciativa privada,
poderíamos aceitar o bom exemplo da China, que é, simplesmente,
estatizar o sistema bancário. Além disso, no controle de crise, nós
tivemos as contribuições de Keynes. O Professor Luís Carlos lembrou
aqui o Robert Lucas, que foi Prêmio Nobel de Economia em 1995. Em
1993, ele dizia, com essa visão keynesiana, que tinha acabado a
depressão. Então, reparem que tem alguma coisa extremamente estranha.
Se nós tivéssemos todo o sistema bancário nas mãos do Governo,
possivelmente as fórmulas keynesianas funcionariam, e possivelmente,
nesse caso, aquilo que Robert Lucas disse e errou, que as depressões
haviam caído, no passado, a partir desse momento, elas poderiam
realmente ser resolvidas. (confuso esse último pensamento)
Então, as políticas keynesianas teriam aquele objetivo que se pensava
que deveriam ter.
Eu não estou pregando o socialismo. Aliás, eu devo confessar que, mesmo
quando eu era jovem, eu não era socialista; então, tenho um pedigree bastante
bom nesse sentido. O que interessa é o setor real, e o setor real continuaria
nas mãos da iniciativa privada, como está acontecendo na China. Inclusive,
eu acho que, ao se garantir que o sistema financeiro não vai provocar crises
sucessivas — porque a maioria das crises que estão por aí é de caráter
financeiro — , então, a iniciativa privada, no sentido do setor real, estaria
consolidada, não teria mais problemas, e nós teríamos um capitalismo sem
nenhum temor futuro de uma crise pior que essa que possa vir a comprometer
o sistema. Muito obrigado.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
62
—Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Professor Marcos Fernandes, por favor.
— Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, FGV/SP:
Eu gostaria de fazer alguns comentários, em função do que o Embaixador
Dauster falou, e em função, também, do que o Professor Antônio Carlos
colocou. Eu acredito que essa crise foi a melhor coisa que aconteceu na
minha vida, como economista. Eu tenho 45 anos, e vi o Brasil crescer, com
planejamento, com estratégia, quando eu era garotinho. Agora, talvez eu esteja
vendo um País que volta a pensar em um projeto nacional. Eu espero estar
certo, e estou muito feliz, a despeito de todo o custo que essa crise tem para
as pessoas e para a sociedade, e a despeito de que temos que arcar com
esses custos para termos benefícios maiores no futuro.
A desigualdade no Brasil tem diminuído sistematicamente. Os
indicadores do IBGE e do próprio IBRI, da Fundação Getúlio Vargas,
caminham nessa direção, e mostram que a desigualdade tem melhorado,
tem diminuído. Nós temos mudanças no Brasil que temos que levar em
conta. O Brasil fez um seguro para a crise, e não sabia. O mercado de
trabalho mudou no Brasil. A gente passou por uma transição demográfica,
há uns 20 anos; a inflexão demográfica também ocorreu mais ou menos
duas décadas atrás; e o número de jovens entrando no mercado de trabalho
é cada vez maior. Isso é uma boa notícia. Pela primeira vez na história
econômica do País, conversando com economistas da área de economia
do trabalho, que não é a minha especialidade, a gente observou que, nos
últimos três anos houve um aumento do salário real. Obviamente, foi maior
em alguns segmentos do que o crescimento dos próprios segmentos. A
desigualdade se reduz, e nós temos uma ascensão de consumo da “classe
c”. Pela primeira vez, também, na história econômica do País, nós temos
um crescimento da classe média e do mercado interno. É claro que esse
ano é um ano terrível, mas, pensando a médio prazo, nós temos um seguro,
e de uma forma ou de outra, o Brasil mudou, às vezes, intencionalmente, e
às vezes, não intencionalmente.
Com relação à questão do dólar e à China, isso não preocupa a China,
porque ela está se entupindo de commodities não perecíveis. A China está
aproveitando exatamente a deflação no preço das commodities para usar
DEBATES
63
aqueles dólares e comprar um estoque enorme de commodities. Então, essa
é uma estratégia que a China está adotando e que é extremamente adequada.
Eu não sei ao certo se Main Street está com tanta raiva assim de Wall
Street. Não sei se o americano comum já se deu conta do assalto ao bolso
dele. Mas acho que mais ou menos a curto e médio prazo, isso vai aparecer.
Com relação à questão levantada pelo Professor Antônio, talvez não
haja tanta tensão social, porque houve uma mudança no mercado
internacional. Também porque nós temos a entrada da China e da Índia,
ofertando uma mão-de-obra altamente qualificada, farta, no mercado de
trabalho. Então, o mercado de trabalho, para os europeus, para os
americanos e para nós também, mas principalmente para eles, é um mercado
cada vez mais competitivo. Eu acredito que isso mantém o enfraquecimento
dos sindicatos. Eu acho que é difícil pensar numa volta ao passado nesse
sentido.
Eu queria só fazer uma última colocação. Não querendo interferir no
debate entre o Embaixador Adhemar Bahadian e a Professora Maria da
Conceição Tavares, mesmo porque isso não seria prudente, eu queria só
dizer que eu acho que houve um desentendimento aqui porque os dois
estão falando de situações diferentes. O que a Professora Conceição estava
dizendo, no meu entender, é que, nos anos 90, com o primeiro Governo do
Fernando Henrique, nós adotamos uma política que eu não diria que tenha
sido uma política passiva, de adequação ao cenário internacional, mas sim
uma política de entrega ao sistema. O Fernando Henrique Cardoso herdou
uma dívida externa equacionada, herdou uma dívida pública equacionada
e, no segundo mandato, entregou para si mesmo, e depois para o Lula,
pior ainda, uma dívida interna não financiável; uma dívida externa que, com
relação à capacidade exportadora do País, indicava inadimplência potencial
do País; a carga tributária pulou de 20% para 36%, e a dívida pública
também. O Plano Real foi bem sucedido, mas por causa dos juros e por
causa do populismo cambial, ele substituiu o imposto inflacionário por dívida
pública e por carga tributária. Em minha opinião, o Professor Fernando
Henrique foi um grande presidente. O Plano Real foi bem sucedido, mas
poucos cientistas sociais têm a oportunidade de, na prática, realizar aquilo
que apregoavam nos livros acadêmicos. O Professor Fernando Henrique
Cardoso, ao contrário do Presidente do Banco Central, que eu citei
anteriormente sem falar o nome, conseguiu, na prática, aplicar só a teoria.
Ele deixou o País dependente.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
64
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Com a palavra o Professor Antônio Carlos Peixoto.
Antônio Carlos Peixoto, UERJ:
Eu queria fazer duas observações muito rápidas. A primeira é que a relação
do Brasil com os seus vizinhos sul-americanos é uma relação difícil,
extremamente difícil. Em primeiro lugar, por razões extremamente pragmáticas.
Na Europa, o processo de integração se dá em um quadro de simetria relativa.
Do ponto de vista da Alemanha, não existia simetria estratégica, por razões
óbvias. A guerra tinha acabado havia pouco, existia uma serie de limitações,
mas do ponto de vista econômico, a Alemanha era um pouco mais forte do
que a França e a Grã-Bretanha. Então, nós podemos falar de simetria relativa,
em que as coisas caminham pela negociação. No caso do NAFTA, há uma
assimetria absoluta. Aqui, nós só temos um quadro de assimetria, mas enquanto
esta permite aos Estados Unidos impor as regras do jogo no que se refere ao
Canadá e ao México, menos no capítulo da imigração, porque existe aquele
cenário um pouco dantesco de a Califórnia voltar a ser mexicana por um
predomínio demográfico brutal da população mexicana e de outros latino-
americanos.
O grau de assimetria que existe entre o Brasil e seus vizinhos não permite
uma imposição, e nem eu acho, pessoalmente, que essa imposição fosse
desejável. Para mim, esse é um ponto pacífico. Eu não queria uma situação
desse tipo. Conceição, eu não falei em país sério, essa foi uma frase do De
Gaulle. Eu falei em país sensato, o que é diferente de sério. Se houver essa
insensatez e essa assimetria, eu iria ser o primeiro a pular e dizer: “Opa! Não
é assim que se tratam as coisas!” Então, é uma relação difícil, sim. Não há um
grau de assimetria que permita a qualquer diplomata pragmático dizer: “Aqui
nós temos condições de impor tal coisa ou qual outra coisa”. Não existe isso.
Mas há uma outra questão que tem que ser considerada. As tensões
internas são conhecidas. Quem conhece um pouco a história da América do
Sul, sabe quais foram essas tensões, sabe que elas até hoje se refletem nas
relações entre os países. Por exemplo, o caso do Chile, de um lado, e do
Peru e Bolívia, de outro. Eu diria que é o caso mais gritante. Mas, apesar
disso, a América do Sul hispânica é um conjunto. Ela é um conjunto em que
se fala a mesma língua e que teve uma mesma matriz cultural, que foi a Espanha.
DEBATES
65
De certo ponto de vista, ela é um conjunto de “irmãos” e chega um primo de
fora, que é mais forte. Então, a relação é difícil, é tensa. Ninguém tenha
dúvida disso. Nós vamos encontrar problemas desse tipo. Eu tive a
oportunidade, em uma conferência realizada no final do ano passado, de
comentar que, se nós olharmos toda a tradição do pensamento político e
social hispano-americano na América do Sul, não há uma só referência ao
Brasil. A Bolívia nunca disse uma palavra sobre o Brasil; os outros nunca
disseram uma palavra sobre o Brasil. O Brasil é um ente que era melhor
deixar de lado. Então, este era o tipo de relação. É claro que isso muda, por
contingências da vida, da situação internacional, de uma porção de coisas.
Agora, existe um peso do passado nisso; sem dúvida alguma existe. Essa não
é uma relação fácil, não vai ser fácil, mas eu espero que nós possamos chegar
lá.
Eu quero fazer uma breve referência. Eu nunca disse (nem supus, mesmo
porque se eu supusesse tal absurdo, eu pediria licença para me retirar, e não
ficar mais aqui) que uma ação brasileira no G-8 + 5 pode levar a alguma
coisa que seja, mas tem que estar lá. O momento é de crise; o momento é de
discutir uma série de coisas e propor redefinições. Se elas forem aceitas,
ainda que minimamente, ótimo! O Engels, autor que não está em moda, já
dizia: “Quando, em política se consegue 50% daquilo que se pretende, já é
muito.” Se essas propostas não forem de modo nenhum aceitas, fica ali o
registro; as ideias estão ali.
Um último ponto que eu queria ressaltar é que acho que esta crise terá a
capacidade de afetar profundamente a estrutura do sistema internacional, tal
qual nós vemos hoje. Num futuro previsível, a estrutura multipolar do sistema
será a mesma que foi até antes de 1914? Creio que não. Dessa vez, o “centro
do centro”, ou seja, os Estados Unidos, está tendo que correr para apagar
incêndios na periferia. A capacidade de apagar incêndio é ilimitada? Eu não
acredito que seja. Ela é relativamente limitada, e uma proliferação de incêndios
na periferia pode não incendiar, mas, no mínimo, chamusca e chamusca
seriamente o centro.
As hierarquias de poder no sistema internacional estão se deslocando
com muita rapidez. Esse é o outro elemento próprio do equilíbrio internacional,
ou seja, um sistema de hierarquias mais ou menos fixo. Elas se deslocam,
mas se deslocam lentamente. Neste caso, elas estão se deslocando com grande
rapidez. Além disso, não é uma questão de equilíbrio autorregulado de
mercado; é uma questão de equilíbrio autorregulado de controle das crises.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
66
É o chamado “equilíbrio homeostático”. Não são necessariamente crises
econômicas, mas são crises do ponto de vista político, estratégico, de
interesses, etc. Este sistema, tal qual se configurava, provou que ele não tinha
capacidade nenhuma, que o sistema de resolução de crises e de controle de
crises era, não só ineficiente, mas, mais grave do que isso, era inexistente.
Então, um novo sistema vai ter que sair daí. Talvez seja o caso de nós
começarmos a especular, ou, usando uma expressão um pouco mais
pejorativa, fazer elucubrações sobre as novas configurações possíveis de um
sistema internacional, dentro de algum tempo. Era só isso.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Por favor, Professor Antônio Corrêa de Lacerda.
Antônio Corrêa de Lacerda, PUC/SP:
Eu gostaria de apresentar uma contribuição a essa questão, que me parece
das mais relevantes, e que foi, de certa forma, sugerida aqui, que é o problema
da inserção internacional brasileira pós-crise. Essa estratégia certamente
passará por um desafio ampliado, considerando as novas condições. Como
já foi também aqui lembrado, a tendência é muito forte para que o
protecionismo seja exacerbado por parte de muitos países que estarão
defendendo as suas economias nacionais em uma situação de gravidade da
crise.
Nós temos um desafio muito significativo, porque, embora a relevância
desses órgãos multilaterais ainda seja expressiva, especialmente do ponto de
vista político, ocorre que essa globalização produtiva, que nós assistimos
também nos últimos anos, ganhou dimensão, de forma que grande parte do
comércio que se dá hoje entre os países está na mão das grandes corporações,
especialmente nas relações intrafirmas. Isso confere um grau de complexidade
enorme à nossa economia. Na minha primeira exposição eu citei o baixo grau
de abertura, levando em conta o aspecto comercial relativamente ao PIB.
Mas se nós analisarmos a estrutura brasileira, vemos que ela é fortemente
internacionalizada. Isso porque, como todos sabem, a industrialização
brasileira se deu com o trinômio capital nacional, público ou estatal, e capital
privado, junto com o capital estrangeiro. E isso determinou um grau de
internacionalização significativo, que foi, como todos sabem, alavancado a
DEBATES
67
partir dos anos 90, até aproveitando a forte expansão que houve nos fluxos
de investimento. Isso se deu de tal forma que o Brasil, de apenas receptor de
investimentos, especialmente nos últimos dez anos, se tornou um grande
investidor também no exterior, principalmente se levarmos em conta o padrão
de países em desenvolvimento.
Portanto, interessa ao Brasil a globalização das nossas empresas? É
evidente que sim, mas depende da qualidade dessa internacionalização.
Existem motivações de expansão e de localização dessas empresas em nível
global, até superando, às vezes, barreiras protecionistas dos outros países.
Mas, nos momentos em que há uma perda de competitividade das nossas
empresas, há uma saída na busca de melhores condições de produção e de
competitividade. Portanto, seria um tipo de internacionalização que claramente
não interessa ao Brasil, já que se substituem plantas locais por plantas no
exterior.
Esse quadro complexo, em que se considera o papel das grandes
corporações, sejam elas internacionais ou as brasileiras que se
internacionalizaram, exige uma coordenação muito forte, não apenas do ponto
de vista das estratégias do Itamaraty, mas também das do Banco Central, do
Ministério da Fazenda e do MDIC, porque muitas das decisões que você vai
tomar vão afetar diretamente a nossa posição nesses vários foros, e também
nesses aspectos que estão associados à internacionalização produtiva.
Nós falávamos aqui da questão cambial. Só para exemplificar isso para
vocês: nos últimos dois anos, nós tivemos uma mudança de competitividade
relativa da ordem de 30%, se considerarmos a variação positiva ou negativa
que tivemos da taxa de câmbio, comparativamente a outras taxas de câmbio.
Ou seja, se no âmbito de foros internacionais nós estivermos discutindo, por
exemplo, tarifa de proteção efetiva, que no Brasil está por volta de 10 a
11%, verificamos que, na verdade, só a variação cambial foi três vezes o
nível de proteção efetiva das alíquotas de importação. É só para dar uma
ideia da dimensão que isso tem. Então, a questão da coordenação das políticas
macroeconômicas exerce um papel extremamente relevante.
Do ponto de vista das negociações internacionais, existem vários aspectos,
mas eu vou citar um que tem a ver com essa nova mudança de postura, que
são os acordos de proteção de investimentos. No Brasil, nós sempre
pensamos em uma questão defensiva da proteção dos investidores externos
do País, e, muitas vezes, até renegamos alguns acordos por conta de restrições
constitucionais. Mas o grande desafio que se apresenta é: como você vai
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
68
proteger o capital brasileiro, e não apenas o capital privado, mas também o
estatal, já que você tem empresas estatais se internacionalizando e muitas
empresas privadas se internacionalizando com capital do próprio BNDES?
Então, a questão é como é que você vai garantir os acordos de proteção em
nível internacional. Essa coordenação me parece fundamental para você
estabelecer os parâmetros de negociação daqui para frente. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Obrigado. Com a palavra o Embaixador Jório Dauster.
— Embaixador Jório Dauster, MRE:
Muito obrigado. Eu ia até sugerir que você não me passasse a palavra
porque já estamos muito adiantados na hora. Eu devo dizer que há dez anos
eu pedi a aposentadoria do Itamaraty, e, por isso, me sinto hoje mais à vontade
discutindo taxa de juros e o COPOM, do que política externa. Eu não tenho
refletido suficientemente. Mas como houve aqui uma discussão bastante
grande, eu queria trazer algumas impressões pessoais. O problema essencial
de uma política externa brasileira vem lá detrás, do fato de que nós fomos
aquela colônia portuguesa, vivendo em um continente de colônias espanholas,
e isso gerou aquele afastamento. Durante séculos e séculos, nós ficamos de
costas para os vizinhos. Depois, obviamente, com a afirmação da hegemonia
americana, a coisa piorou, porque nós estávamos no quintal do hegemônico.
A partir de então, qualquer tentativa de expansão de poder brasileiro é sempre
feita em detrimento do hegemônico. Então, haverá sempre um elemento de
tensão fundamental no crescimento do Brasil. Visto de Washington, nunca
será um processo bem-vindo.
Além disso, nós não tínhamos, aqui nesse pedaço do mundo, nada que
fosse estrategicamente fundamental, até à descoberta do Pré-Sal. Isso já
gerou a recriação da 4ª Frota. É evidente que, com o Pré-Sal, na medida em
que se exaurem as reservas de gás e de petróleo no mundo, o Brasil passa a
representar alguma coisa totalmente diferente do que foi aquela “fazendona”
que vendia café, cacau e açúcar. Essa foi uma coisa que eu ainda assisti na
minha vida profissional. Portanto, eu creio que, se a gente olhar para atrás, é
visível que, em geral, nós tínhamos posições caudatárias com relação aos
Estados Unidos. Nós estávamos inteiramente isolados. O Brasil não tinha um
DEBATES
69
poderio próprio, e, inclusive, sustentando fortes tendências antidemocráticas.
Até muito recentemente, nós tínhamos projetos de guerra nuclear com a
Argentina. Essa é uma coisa extraordinária! Na verdade, as duas forças
armadas se valiam dessas hipóteses de guerra para reforçar suas posições
dentro das respectivas sociedades.
Então, o que há de absolutamente extraordinário é que, malgrado todos
esses elementos históricos, malgrado toda essa nossa debilidade econômica,
e dos nossos vizinhos, pelo menos nós demos a grande volta e passamos a
entender que o nosso espaço diplomático, político, essencial, é a América do
Sul. Não é a América Latina, que era outra coisa falsa. O próprio NAFTA se
encarregou de mostrar que o México fez uma opção de confirmar a sua
condição de dependente americano. Portanto, eu creio que, se a gente olhar
com isenção, sem se preocupar talvez com detalhes de políticas que fomos
tendo ao longo desse tempo, e algumas delas pavorosas, vemos que o grande
processo já está em curso. Hoje, nós estamos inseridos na América do Sul;
estamos buscando fórmulas institucionais, a começar pelo Mercosul. Quando
eu era Embaixador em Bruxelas, e os europeus queriam ver o Mercosul
como cópia de alguma coisa que eles não conseguiam fazer direito, mas eles
sempre achavam que eram melhores do que nós, eu sempre dizia: “Isso aqui
é como mudança de pobre. Em mudança de pobre não dá para encomendar
caminhão. Você pede a um primo que tem um carro para passar lá na sua
casa, amarra umas cadeiras em cima do carro, e em qualquer curva tem que
parar porque a criança vomitou, a cadeira começa a cair e por aí vai.” Isso é
o Mercosul. É o que é possível para esses países! A gente não tem que ficar
com expectativas de que vai ser maravilhoso. Então, nós vamos fazer esses
remendos. Mas o fato é que existe uma primeira estrutura onde não havia
nada, onde havia silêncio, onde havia conflito. Estamos estendendo isso para
os outros. Agora, o que é, de fato, muito mais complicado para nós é que, na
medida em que o tamanho da economia brasileira, em relação às demais é
tão desequilibrada, será inevitável que nós tenhamos, daqui para a frente,
Brazilians go home! Eles vão começar aqui, porque é aqui que a presença é
maior. O Itamaraty, a sociedade brasileira e os empresários têm que aprender
que o que aconteceu na Bolívia vai acontecer várias vezes. Nós temos que
estar preparados para isso, e não ter reações exageradas. Alguns pedem que
praticamente a gente declare guerra quando haja algumas dessas ações.
Obviamente, nós temos que ter a maturidade desse País que é imenso e que
nunca quis ser imperialista. Em 40 anos como diplomata, eu nunca tive uma
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
70
conversa, nem de corredor, em que alguém pensasse em termos imperialistas.
Nós não temos esse cacoete. Mas a verdade é que, ao criar uma relação
qualquer, que basicamente veio na área energética com o Paraguai, em Itaipu,
gera-se um foco de problemas também para a frente. Então, isso será o caso
das relações com a PDVSA, com a Venezuela, em refinarias e projetos de
pipelines. Mas isso não pode nos paralisar.
Portanto, eu creio que o Brasil fez um progresso extraordinário. O Brasil
encontrou o seu espaço, e vem construindo esse espaço com as deficiências
possíveis. Para o resto do mundo, nós não temos ainda a capacidade de
ditar, de imaginar que possamos forçar a aceitação de uma posição nossa.
Mas temos, sim, alguma coisa que eu acho que é muito importante, que é
uma expressão que vem da Europa. É a “geometria variável”. Então, o Brasil
tem essa capacidade de fazer BRICs, no outro dia faz o G-8; e essa
possibilidade, que nenhum outro país da América Latina tem, e que muito
poucos países do mundo têm, essa liberdade que o Brasil tem de jogar em
vários campos, em vários tabuleiros. Queiram ou não, a gente vem fazendo
isso também. Isso nunca foi estabelecido como uma estratégia de larguíssimo
prazo, mas isso foi acontecendo espontaneamente. É uma manifestação da
inteligência brasileira, do Itamaraty, e, certamente, da maior importância. Ao
nos articularmos, nós conseguimos, talvez, não ditar condições, mas impedir
que nos ditassem essas condições, como faziam no passado. Um exemplo
claro é a Rodada Uruguai e a Rodada de Doha. Na Rodada Uruguai, a rigor,
nós acabamos tendo que assinar embaixo. E a capacidade de mexer nos
TRIPS e nos TRIMS foi zero. Hoje em dia, isso não acontece. O G-20, que
é uma iniciativa brasileira, mostrou que nós conseguimos frear o que iam
fazer, porque chegaram a fazer. Os Estados Unidos e a União Européia se
reuniram, fizeram um pedaço de papel, e era Doha. Eles não tinham desistido,
e não vão desistir nunca, com crise ou sem crise. Poder é poder. O que nós
temos que fazer é jogar defensivamente e, pouco a pouco, vamos poder já
trazer propostas; temos condições intelectuais para fazer isso, e temos que
fazer isso sem nenhum receio.
Mas o fundamental é saber, por exemplo, que BRICs são esses. Hoje, a
União Soviética é uma Arábia Saudita gelada, vive de gás e de petróleo e
está numa posição extraordinariamente precária; tinha 500 bilhões de dólares
de reserva, mas tinha 450 bilhões de dívidas das suas empresas. Então, tinha
menos reservas que o Brasil. A Índia é um planeta próprio; é diferente; é um
satélite da Terra, e vive porque é enorme. Na verdade, é Brasil e China,
DEBATES
71
representando países que ainda têm déficit de poder, que têm uma estrutura
econômica diferente da dos industrializados. Mas nós temos uma contribuição
a dar. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Professor Ernani, por favor.
— Ernani Torres, BNDES:
Eu vou fazer um comentário superbreve, porque senão, o estômago de
todo mundo vai começar a roncar, e eu não quero ser o culpado disso. Eu
quero chamar a atenção para dois pontos. Primeiro, eu acho que nesse
espaço de volatilidade que vem pela frente não tem espaço multilateral de
negociação. Eu acho que o G-20 foi um grande show de mídia, mas creio
que os resultados, até agora, são precários, e são todos de natureza bilateral.
Eu penso que nos Estados Unidos há alguns que estão realmente
preocupados com aonde vai o sistema financeiro. Algumas semanas atrás,
o Lawrence Summers declarou que a sociedade americana não pode
conviver com um sistema financeiro que gera crises a cada três anos. Por
outro lado, acredito que ainda não houve espaço para uma desestatização
ou coisa desse tipo no Governo Obama; que o Governo Obama está
querendo passar uma agenda de saúde, e não quer ficar prisioneiro do
Congresso. O fundamental é que do ponto de vista financeiro, os americanos
têm uma percepção mais global no papel financeiro deles. A decisão deles
de fazerem um swap com o governo brasileiro é extremamente importante
e sinalizador. Agora, vemos isso quando olhamos para a Europa. Vemos os
europeus com falta de alguma coisa próxima de um Estado nacional. O
próprio Banco Central europeu não consegue responder ao que está
acontecendo. Ele não consegue nem fazer swap com a sua periferia; mesmo
internamente ele não pode comprar dívida pública dos outros países. Quer
dizer, há uma imobilização, um problema sério, e essa tensão do
antigermanismo dentro da Europa é crescente. Isso está fazendo com que,
na Europa, diferentemente dos Estados Unidos, o protecionismo financeiro
esteja cada vez maior. Vários países europeus já orientaram os seus bancos
a reduzir suas operações para o Leste Europeu em um contexto que estamos
atravessando e vamos atravessar.
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
72
Eu também queria chamar a atenção para dois pontos, do ponto de vista
de uma agenda. Um deles é a questão da exportação. A despeito de que a
exportação tenha um coeficiente baixo no Brasil, os estudos que nós estamos
fazendo indicam que mais de 50% da desaceleração industrial se deve à
exportação. Quando colocamos os coeficientes indiretos, a exportação é
muito mais importante do que qualquer um imagina. Portanto, garantir espaço
no mercado para a exportação de produtos industrializados brasileiros é
fundamental, é uma estratégia de saída.
A segunda questão é a do protecionismo financeiro. Eu penso que a
Europa e os Estados Unidos estão, e estarão cada vez mais, envolvidos com
o seu próprio umbigo. Os governos terão uma ingerência cada vez maior nos
sistemas financeiros locais, e a pressão, do ponto de vista de dinheiro local
para vantagens às populações locais, vai ser cada vez maior. A capacidade
de o Brasil responder a isso está acontecendo. Os bancos públicos brasileiros
têm feito um trabalho importante. Todo o crescimento do crédito, no Brasil,
nos últimos seis meses, vem dos bancos públicos, e isso vai continuar.
Entretanto, tem que ficar claro que a nossa capacidade de resposta está
ligada a um sistema global. Se a gente passar por alguma outra situação
parecida com setembro, não tem escapatória; você está preso a esse sistema.
Desse ponto de vista, uma segunda agenda à agenda comercial seria bilateral,
em particular com os Estados Unidos, para manter os canais e sermos tratados
de uma maneira privilegiada, do ponto de vista financeiro. Muito obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Embaixador Bahadian.
— Embaixador Adhemar Bahadian, MRE:
Muito brevemente. É uma pena que o Professor Peixoto já tenha se
retirado, mas eu só queria dizer que eu não fiz nenhuma crítica à sugestão de
que o G-8 não é relevante. Eu apenas disse que, da maneira como estão
sendo convidados os países, neste momento, para participar da próxima
reunião, é muito difícil. Eu tenho muito pouca convicção de que saia alguma
coisa realmente concreta com relação à crise. E mais, eu acho que deve ser
pensado se o Brasil deve participar de uma reunião desse tipo, em que está
mais como figurante do que propriamente como um participante. Era essa a
DEBATES
73
ponderação que eu queria fazer ao Professor Peixoto, sem, de nenhuma forma,
colocar em dúvida que, se necessário fosse, era importante que o Brasil
estivesse em um G-8 efetivo. Com isso, eu estou de acordo. Acontece que o
G-8 que está sendo colocado, ou o G-8 + 5, é muito mais um episódio
midiático, e eu não sei se nos interessa estar presente nesse momento e
corroborar certas conclusões que, certamente, dali sairão. Obrigado.
— Embaixador Carlos Henrique Cardim:
Com a palavra o Professor Melin.
— Luiz Eduardo Melin de Carvalho e Silva, Ministério da Fazenda:
Obrigado. Na verdade, eu estava com a intenção firme de só continuar
ouvindo até ao fim porque estava aprendendo bastante. Mas tendo em vista
algumas coisas que foram ditas aqui, eu queria só dar um depoimento no
sentido de reforçá-las, especialmente, sobre o que disseram o Embaixador
Jório Dauster e o Professor Lacerda. Eu queria reforçar o que ambos disseram
com um depoimento da experiência recente de governo. É fato que, no meio
da crise, os Estados Unidos escolheu fazer um swap com poucos países,
disponibilizando uma linha de liquidez internacional de uma maneira muito
importante: distinguindo as suas parcerias mais centrais, entre as quais está o
Brasil. Um fato ainda mais importante talvez seja o de que o Brasil se dispôs,
e se estruturou, para fazer o mesmo na nossa região. Nós estamos para
assinar, muito brevemente, um primeiro swap em moeda local com a Argentina,
de maneira a fazer um reforço de liquidez internacional, de modo a sinalizar a
proximidade entre os países e a confiança na gestão macroeconômica que
existe. Essa operação será estendida para outros países do Continente. Essa
é uma determinação que veio direto do Presidente Lula, contra todas as
objeções que se lhe pode levantar. Ficou muito claro que é bastante urgente
que isso seja feito, no sentido de o Brasil não apenas expressar a parceria e
a proximidade com os países vizinhos, de uma maneira retórica, mas
concretamente “botar o seu dinheiro onde está a sua boca, a sua palavra”,
como se diz no provérbio inglês. Então, isso é algo que será feito. Além
disso, já foi feito o sistema de pagamentos em moeda local com a Argentina;
já está em andamento com o Uruguai; e já temos a expressão de interesse de
mais três países do Continente. Nós nos propusemos fazer a implantação
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
74
desse sistema sempre bilateralmente, mas os senhores não precisam ir muito
longe para ver a importância que isso tem. Apesar de ser incipiente, o número
de operações com a Argentina é pequeno, mas fortemente crescente, e
estamos introduzindo pequenas e médias empresas que não participavam do
comércio entre os dois países. Agora essas pequenas e médias empresas
participam, por conta da facilidade de planejar as suas contas na moeda
local, da facilidade de não pagar intermediação financeira no fechamento de
contrato de câmbio. Isso, de lambuja, está nos dando, pela primeira vez na
história, a possibilidade de nós termos a determinação de uma taxa de câmbio
efetiva, real/peso, não em triangular peso/dólar e real/dólar para fazer pela
regra de três.
Estamos tendo um mercado de oferta e demanda de reais contra pesos.
Isso é muito importante, além da facilitação de comércio, e vários outros
países já estão vindo. São iniciativas concretas.
Além disso, eu peço que aqueles que manifestaram aqui a sua convicção
a respeito da importância das relações econômicas e financeiras do Brasil
com os países vizinhos estejam atentos nos próximos meses, porque vai ser
necessário o apoio da sociedade civil para a iniciativa de criação de mais um
organismo de crédito regional. Eu digo mais um porque já existe o BID, mas
nós sabemos que tem suas lacunas; já existe a CAF, que nós sabemos que é
um organismo mais voltado para um grupo específico de países. No marco
da construção da UNASUL, há uma iniciativa, que está avançando de maneira
importante, da criação de um Banco do Sul, que começará com a
característica de banco de desenvolvimento regional, financiando, sobretudo,
projetos de infraestrutura, obviamente dentro do tamanho da sua capacidade
de balanço e da capacidade dos Países Membros de poderem efetivar esses
projetos. Mas isso será importante, porque, no momento de desaparecimento
do crédito, desaparecimento da liquidez internacional, dará a possibilidade
de, pelo menos em alguns projetos prioritários na área de integração produtiva
e na área de infraestrutura, que esses projetos não sejam abandonados e que
possam ser tocados adiante, com uma gestão profissional, com critérios, da
maneira que não poderia deixar de ser. Quando o Brasil está na mesa, a
coisa tem que ser assim.
Para encerrar, retomando o mote que o Professor Lacerda deu, nós
temos hoje, crescentemente, uma posição que não tínhamos antes. Isso
aparece no dia-a-dia das nossas tratativas internacionais e das ações de
governo. Nós temos a posição de um Brasil credor; temos a posição de
DEBATES
75
Brasil investidor internacional, direto e indireto; temos a posição do Brasil
doador, do Brasil contribuidor para projetos de cooperação, projetos
humanitários, projetos de toda a natureza; e temos a posição do Brasil
garantidor, o Brasil que está preocupado, na medida em que está sendo
necessário emitir garantias, avais, seguros de crédito. Então, é um Brasil que
tem que estar, por todas essas características, necessariamente presente nos
foros, nas discussões, ainda que não tenhamos peso suficiente para fazer
prevalecer as nossas posições de imediato, mas, de fato, precisamos estar
presentes, porque os nossos interesses assim o determinam. Nós precisamos,
inclusive, buscar as alianças. O Embaixador Dauster dizia, em relação aos
BRIC, com muita propriedade, que na última vez havia uma vontade muito
grande dos países do G-7 de que todos os membros do G-20 financeiro
concordassem com que fosse votado um aporte de capital para o FMI, de
modo que o FMI operasse. É uma colocação de recursos para o FMI usar
da maneira que julgar adequado. Então, na verdade, é um voto de confiança
no modo como o FMI opera. Os governos do Brasil, da China, da Índia e da
Rússia se juntaram nessa ocasião e disseram: “Isso tem que ser qualificado.
Nós queremos que o FMI tenha a condição de operar em uma determinada
direção”. Apesar de o Dominique Strauss-Kahn, o atual Diretor-Gerente do
FMI, ser um homem de outras tintas, de outras luzes, a verdade é que, olhando
o que FMI fez da crise para cá, na Hungria, em Honduras, no Djibuti e em
outros locais onde foi chamado a intervir, nós vamos ver que o receituário
não mudou nada. É claro que a nova linha de liquidez, cuja criação o Brasil
apoiou, essa, sim, vem sem essas condicionalidades tradicionais. Esse é um
exemplo pequeno, localizado, pontual, de um foro que não é nosso, no sentido
de que há jogadores grandes na mesa, mas, estando ali, nós conseguimos
fazer alianças pontuais, alianças usando a geometria variável, de que falava o
Embaixador, e, pelo menos, deixamos bastante patente que não contarão
com o endosso brasileiro para posições ou para fórmulas que não sejam
verdadeiramente uma mudança em relação ao modo como os assuntos
financeiros e econômicos internacionais são conduzidos. Sobretudo, o Brasil
tem feito, o tempo todo, menção e questão de vincular o papel dos países
emergentes e a destinação das ações coordenadas em direção a esses países.
Muitas vezes, nós sentimos a falta dessa posição na mesa. O Brasil tem sempre
levantado essa bandeira. Agora mesmo, na próxima semana, eu estarei
participando de uma discussão no G-20 financeiro sobre o financiamento ao
comércio exterior, em que o ponto brasileiro será o de mostrar que não adianta
SEMINÁRIO SOBRE A CRISE FINANCEIRA
76
os economistas dos países do G-7 dizerem que a diminuição do financiamento
ao comércio não é tão importante, que o que está acontecendo no comércio
internacional é fruto da diminuição da demanda, quando nós sabemos que,
para os nossos parceiros comerciais, para os nossos vizinhos da América do
Sul, o desaparecimento do crédito internacional para o comércio é um fato e
que nós precisamos agir em cima disso. Então, que eles não contem com o
endosso brasileiro, exceto se estiverem dispostos a realmente dar um passo
adiante na adaptação das políticas tradicionais ao momento atual e dar um
passo adiante na inclusão dos interesses de um ampliado de países. Eu queria
ficar por aqui. Obrigado.
— Embaixador Jeronimo Moscardo:
Chegamos ao término dessa sessão, e é a hora dos agradecimentos. Eu
queria agradecer à Maria da Conceição Tavares e a todos os professores e
intelectuais que participaram desse encontro. Eu queria agradecer, também,
a todos os estudantes e professores, aos profissionais aqui presentes,
especialmente às delegações. Inclusive, o Estado do Ceará veio com uma
nutrida delegação, com cerca de 20 integrantes. Eles vieram de Fortaleza
para prestigiar esse nosso encontro. Eu queria, também, agradecer ao
Presidente Lula, que mudou essa equação do Brasil. Nós nunca prestigiamos
o pensamento, nunca prestigiamos o vetor do saber. O João Paulo de Almeida
Magalhães sabe dos esforços extraordinários que foram necessários para
que o Grupo de Itatiaia se reunisse, e, depois, aquele esforço enorme no
ISEP. Hoje em dia, nós temos um metalúrgico na Presidência, que dá todo o
apoio a que nos reunamos aqui para pensar. Isso é algo extraordinário que
nós devemos agradecer. O Itamaraty agradece o apoio extraordinário que
tem recebido do Presidente Lula, e que não recebeu de Fernando Henrique.
Nós passamos todo o Governo do Fernando Henrique na maior penúria, e
agora, temos um metalúrgico que nos prestigia, que prestigia a Fundação,
inclusive temos recursos hoje, na FUNAG, para fazer encontros. Nós já
queremos convidá-los para o próximo encontro. Teremos um todos os meses.
O próximo encontro vai ser sobre “Integração Sul-Americana”, e sempre
assim, reunindo o que há de melhor no pensamento brasileiro para discutir
com a comunidade. Não se faz política externa sem conteúdo acadêmico, e
não se legitima a política externa sem a participação da cidadania. Em nome
do Ministro Celso Amorim, eu queria agradecer a todos vocês. Esta é a casa
DEBATES
77
do Juca Paranhos. O Juca Paranhos era um grande gourmet. Aliás, dizem
até que não era um gourmet, que era um glutão. Eu acho que chegou a hora
de a gente almoçar. Vamos almoçar, como fez o Juca Paranhos. Só que,
antes, vamos tirar uma fotografia. Portanto, estão todos convidados para
desfrutar da hospedagem de Juca Paranhos. Muito obrigado.
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