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ANTONIO GRAMSCI
feliz que o mestre, pois seus semelhantes estão, com ela, na classe;
não vive, porém, com eles senão clandestinamente, já que, como
se sabe, durante os exercícios escolares o mestre, com maior ou
menor êxito, condena cada aluno ao isolamento
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.
O primeiro problema pedagógico é, pois, o seguinte: como
fazer dessemelhantes viverem juntos?
Sabe-se como a educação o vem resolvendo há tempos, e ainda
o resolve. O educador, seja porque a situação lhe é desagradável,
seja porque a julgue difícil, seja, sobretudo, porque tem a
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O eminente autor deste livro foi sempre dos mais acerados críticos desse estranho
isolamento da criança. Veja-se, a esse respeito, o capítulo “A vida social e o trabalho em
grupos” que escreveu para a obra coletiva: Debesse, M. (Org.). Psicologia da criança: do
nascimento à adolescência. Trad. Luiz e J. B. Damasceno Penna. Atualidades pedagógi-
cas, v. 108, pp. 254-270, 1972. Extraímos da primeira seção desse capítulo (intitulada
precisamente de “O isolamento pedagógico”) as seguintes passagens:
“A maior parte dos educadores considera ainda, como condição indispensável da ação
educativa, isto é, da ação que lhes cabe, o isolamento do discípulo, tanto na família quanto
na escola. A despeito das aparências, toda educação é, ainda, preceptorado [...] Não é,
certamente, interdito à criança, na família, brincar com irmãos e irmãs, aos intervalos da
ação educativa; fora dessa ação, nos brinquedos não vigiados pelos pais, durante os
recreios, no decorrer dos quais os professores se mantêm afastados e não exercem senão
vigilância muito discreta. Mas, assim que a criança reentra na situação educativa, e
sobretudo na situação escolar no interior da classe, essas relações sociais são imediata-
mente interrompidas e o aluno se encontra só, em face do professor, isolado dos colegas
por todo um sistema disciplinar e por uma disposição material que lhe impedem [...] sob
forma de auxílio, ou de pedido de auxílio, que chegam a impedir até, na medida do
possível, de aperceber-se da presença de colegas como tais. Aluno que dá uma lição, que
responde a uma pergunta, não o faz para que os colegas se beneficiem dessa atividade (o
que pareceria, entretanto, bem legítimo). Recita e responde ao mestre, para o mestre,
exatamente, enquanto o faz, como se estivesse sozinho na classe, ignorante dos colegas,
e deles ignorado. É como que extraído da comunidade, da vida social, para ser reintroduzido
na situação pedagógica, e essa extração é contínua, pois que se exerce quanto à recitação
das lições, às interrogações, aos exercícios escritos, e pois que é mantida, como acaba-
mos de dizer, pela disciplina e pela autoridade do mestre”.
Vêm de longe, aliás, essas ideais de Cousinet. Já em 1908, escrevera, para a Revue
philosophique, um artigo sobre “ La solidarité enfantine”; em 1920, ocorrera-lhe a ideia do
método de trabalho livre em grupos (que acabou chamado de método de Cousinet); anos
depois, descrevera esse método em opúsculo famoso: Cousinet, R. Une méthode de
travail libre par groupes. Paris: Les Éditions du Cerf, 1943. Compusera o artigo: Cousinet,
R. Les premières manifestations de la vie sociale chez les enfants. Journal de psychologie,
1950. Redigira o pequeno e primoroso livro: Cousinet, R. La vie sociale des enfants:
essai de sociologie enfantine. 2.ed. Paris: Les Éditions du Scarabée, 1959. (A la découverte
de l’enfant). Notemos que, para este último livro, o diretor da coleção, professor Maurice
Debesse, escreveu prefácio deveras esclarecedor. (Nota dos tradutores).
COUSINET EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:1172