
tendo os líderes de escolher entre o modelo
russo e o chinês (Che Guevara, nos últimos
anos de sua vida, já havia aderido ao maoísmo).
Para Cuba, a adesão às orientações soviéticas
significou o recebimento imediato e maciço de
recursos e divisas tão escassos na ilha.
Nas palavras de Heriberto, os anos 1980
gradualmente insuflaram “aires de renovación”
nas artes cubanas. É possível que as mudanças
tenham tido motivações econômicas, em parte.
Os problemas já haviam começado ao final dos
anos 1970, quando a crise econômica mundial
atingiu Cuba e a insatisfação com o regime
castrista produziu uma série de protestos.
Milhares de dissidentes invadiram as sedes das
embaixadas em Havana, sobretudo a do Peru,
para pedir asilo. Heriberto lembra então o
famoso “êxodo de Mariel”, uma janela entre
os meses de abril e setembro de 1980 em que
o Governo cubano permitiu o abandono em
massa de aproximadamente 125.000 pessoas, que
embarcaram no Porto de Mariel para ir à Florida.
Ao falar de Mariel, Heriberto menciona o
nome de Reinaldo Arenas, autor de Antes que
anochezca, a emocionante e poética autobiografia
que inspirou o igualmente brilhante filme,
homônimo, do artista plástico Julian Schnabel.
Arenas, aliás, figura no meu Aire de Luz, com o
libertino e refrescante El cometa Halley (1986),
continuação paródica do clássico La casa de
Bernarda Alba, de Garcia Lorca. Fiquei alegremente
surpreso com a inclusão desse conto no Aire de
Luz, coletânea declaradamente representativa do
conto cubano contemporâneo e publicada em
Havana pelo Instituto Cubano del Libro.
Temas tabu e mudanças políticas
– dos anos 1990 em diante
Essa inclusão, no entanto, não vai de encontro
à análise de Heriberto acerca da problemática
da liberdade de expressão em Cuba a partir
dos anos 1990. Para Heriberto, hoje o escritor
pode, sim, descrever com liberdade razoável as
realidades do país: os problemas econômicos,
a libertinagem sexual (inclusive a onipresente
prostituição), as falhas gritantes no sistema de
transporte público, os mercados subterrâneos, os
diferentes modos de corrupção cotidiana. O que
não se pode fazer é analisar, profundamente, as
causas desses fenômenos. Tabu absoluto é tratar
os dirigentes políticos de maneira crítica, ou até
mesmo humorística (sátiras, charges). Permeia,
no mundo cultural cubano, o que Heriberto
qualifica de “autocensura”, ou seja, por medo
das conseqüências, as pessoas são, em geral,
cautelosas com o que dizem e, sobretudo, com o
que publicam.
Estamos chegando ao final de nossa entrevista.
Um policial passeia com seu pastor alemão, mas
não nos dá bola. Pergunto a Heriberto se ele se
preocupa que estejamos sentados em um parque
no centro de Havana conversando abertamente
sobre temas politicamente sensíveis, eu com o
caderninho marrom na mão. Gostaria que eu
publicasse a matéria sem revelar seu verdadeiro
nome? Ele diz que em outra época, sim. Hoje, não
é necessário. Está contente com os atuais “aires
de renovación”. Para ele,
“Hay muchos temas en Cuba que hay
que ponerselos sobre la mesa. Raul [Castro]
ha hablado de errores, de cosas que tienen
que cambiar. Pero lo más importante para
Cuba es su soberania, despues arreglar la
economia, los asuntos sociales. En Cuba, la
gente quiere debate, quiere discutir, necesita
tomar conciencia. La Asamblea Nacional es
un simulacro. El país tiene que cambiar, es
una exigencia de los tiempos.”
Em última análise, Heriberto está longe de
ser um típico “miamero”. De fato, se o fosse,
teria fugido há muito tempo, junto com os
mais de 50% (de acordo com seus próprios
cálculos) dos colegas com quem se formou na
faculdade de engenharia. Heriberto considera-
se um “iconoclasta”: como o britanicamente
cético Wormold, nosso homem em Havana
desconfia de toda fonte de autoridade,
inclusive a norte-americana. De certa forma,
não difere da maioria dos cubanos que ele
mesmo descreve – para Heriberto, o cubano,
em geral, não se preocupa com o futuro, está
intimamente ligado ao cotidiano. A visão de
mundo do cubano contemporâneo, segundo
Heriberto, resume-se no popular mote,
oferecido normalmente como resposta à
pergunta de como andam as coisas: estou bem,
obrigado, estou “luchando el presente”.