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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
KETLLE DUARTE PAES
RELAÇÕES DE PODER NO SUBCAMPO ARTESANAL DE
FLORIANÓPOLIS E A TENSÃO ENTRE A DIMENSÃO CULTURAL E
ECONÔMICA
FLORIANÓPOLIS, 2009.
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KETLLE DUARTE PAES
RELAÇÕES DE PODER NO SUBCAMPO ARTESANAL DE
FLORIANÓPOLIS E A TENSÃO ENTRE A DIMENSÃO CULTURAL E
ECONÔMICA
Projeto de Dissertação de Mestrado
apresentado à Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), à Coordenação de Pós-
Graduação em Administração (CPGA) e ao
Observatório da Realidade Organizacional.
Professora orientadora: Rosimeri Carvalho da
Silva, Drª.
FLORIANÓPOLIS, 2009.
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Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
P126 Paes, Ketlle Duarte
Relações de poder no subcampo artesanal de Florianópolis
e a tensão entre a dimensão cultural e econômica
[dissertação] / Ketlle Duarte Paes ; orientadora, Rosimeri
de Fátima Carvalho da Silva. - Florianópolis, SC, 2009.
145 f.: il., tabs., grafs., mapas
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro Sócio Econômico. Programa de Pós-graduação
em Administração.
Inclui bibliografia
1. Administração. 2. Artesanato - Florianópolis (SC).
3. Cultura. 4. Economia. 5. poder. I. Silva, Rosimeri de
Fátima Carvalho da. II. Universidade Federal de Santa
Catarina. Programa de Pós-Graduação em Administração.
III. Título.
CDU 65
4
KETLLE DUARTE PAES
RELAÇÕES DE PODER NO SUBCAMPO ARTESANAL DE FLORIANÓPOLIS E A
TENSÃO ENTRE A DIMENSÃO CULTURAL E A ECONÔMICA.
Essa Dissertação de Mestrado foi julgada adequada para a obtenção do Grau de Mestre em
Administração na área de concentração em Organizações, Sociedade e Desenvolvimento e
aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da
Universidade Federal de Santa Catarina em 29 de maio de 2009.
___________________________________________
Prof. Rolf Hermann Erdmann, Dr.
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Administração CPGA/UFSC.
Apresenta à Comissão Examinadora composta pelos professores:
__________________________________________________
Prof
a
. Rosimeri Carvalho da Silva, Dr
a.
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/CPGA
__________________________________________________
Prof
a
. Ione Ribeiro Valle, Dr
a
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/PPGE
__________________________________________________
Prof
a
. Cécile Helene Jeanne Raud, Dr
a
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/PPGSP
__________________________________________________
Prof
a
. Eloise Helena Livramento Dellagnelo, Dr
a.
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/CPGA
5
Dedico este trabalho a Alex, Viviane e Rafaella
6
AGRADECIMENTOS
Foram muitas as pessoas que contribuíram para a realização desse trabalho.
Agradeço a todos por isso. À minha família: meu esposo e filha pelo apoio incondicional para
a concretização desse curso. À minha mãe e irmãos que sempre acreditaram em mim. À
professora Rosimeri pela orientação, amizade, confiança e incentivo. À professora Eloise
pelas longas conversas instigantes sobre a pesquisa. À professora Cécile por me acolher no
Nusmer, pelas conversas e pelo incentivo à pesquisa. À professora Ione por todos os
conselhos, discussões e contribuições a esta pesquisa. À Márcia, colega do Nusmer, pelas
conversas de apoio e contribuições para esse estudo. À Samara e Rafael Oliveira pelo auxílio
e incentivo para o meu ingresso no mestrado. À todos os colegas do Observatório e do
Nusmer pelo apoio, incentivo e amizade. Ao professor Rolf pelo apoio e carinho durante o
curso. Aos artesãos que me receberam de braços abertos e foram fundamentais para a
realização desse trabalho, agradeço em especial ao senhor Wilson e a Dona Eliane pelas
preciosas informações e pela paciência durante o trabalho de campo. Agradeço também, ao
CPGA e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
concessão da bolsa de estudo durante o curso.
7
“Convicções são inimigos da verdade mais perigosos que as
mentiras”.
Nietzsche (1844 - 1900).
“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela
velha opinião formada sobre tudo”
Raul Seixas (1945 – 1989)
8
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo analisar as relações de poder no subcampo artesanal de
Florianópolis e a tensão entre as dimensões cultural e a econômica. Para isso, apoiou-se no
referencial teórico dos campos sociais de Pierre Bourdieu tendo como categorias analíticas os
conceitos de campo, habitus e capital. Para caracterização do artesanato utilizou-se os estudos
de Nestor Garcia Canclini (1983, 2000) sobre culturas populares. Para cumprir o propósito do
estudo, foi discutido o processo de construção do subcampo artesanal de Florianópolis desde a
década de 70 até os dias atuais. Também foram identificados os agentes que compõem esse
campo de estudo e a composição de seus capitais. A seguir foram analisados os interesses e
motivações desses agentes em função de suas ações para com o artesanato. A pesquisa, de
abordagem predominantemente qualitativa, teve os dados coletados por meio de entrevistas
semi-estruturadas com os gestores públicos e os artesãos, além de participação nas feiras de
artesanato. Os resultados apontaram para um subcampo no qual disputas pelo poder de
definição das regas do jogo entre os próprios agentes do poder público pela classificação do
artesanato como: negócio, cultura ou geração de renda, bem como apontaram lutas pela
definição dos espaços de comercialização. Os capitais que comandam essas disputas são
principalmente o político, o cultural e o simbólico. Entre os artesãos percebeu-se a disputa
pela definição do que é artesanato legítimo que passa pela posse de um capital de saber-fazer
reivindicado por aqueles que estão mais tempo na atividade e fazem do artesanato um
modo de vida. Esse capital se aproxima do capital cultural bourdieusiano. A disputa se
contra as manualidades dos chamados artífices artesãos mais novos na atividade para
quem a principal preocupação está na qualidade de acabamento das peças e para quem o
artesanato é mais uma opção de renda.
Palavras-chave: Poder; Artesanato; Cultura; Economia.
9
ABSTRACT
The present research objective is analyzing the relations of power in the handicraft sub-field
in Florianópolis and the tension between its cultural and economic dimensions. Therefore, its
basis is the theoretical framework of the social fields from Pierre Bourdieu, using the concepts
of field, habitus and capital as analytical categories. Furthermore, for the handicraft
characterization, it makes use of the studies on popular cultures by Nestor Garcia Canclini
(1983, 2000). To fulfill the purpose of the research, the process of construction of the
handicraft sub field in Florianópolis, since the 70's until the present days, was discussed. Also,
the agents that compose this field of study and the composition of their capitals were
identified. Afterward, those agents' interests and motivations were analyzed according to their
actions upon the handicraft. The research, with a predominantly qualitative approach, had its
data collected through semi-structured interviews with public administrators, and artisans, as
well as participation in the handicrafts fairs and exhibitions. The results show a sub-field
where there are struggles between the public power agents, aiming for the power to define the
rules of the game by the classification of the handicraft as business, culture or income
generation. The research also verify fights for the definition of the areas of trade. The capitals
which command those struggles are mainly the political, the cultural and the symbolic ones.
The research noticed that there is a dispute among the artisans to define what is a legitimate
artisan this debate involves the possession of a how-to capital by the ones that have been
working for long time with handicraft, making a living of it. This how-to capital approximates
itself to the bourdieusian cultural capital. The dispute is established against the handicraft
skills of the so called artífices beginner artisans that are focused on the quality of finishing
of their works, and for whom the handicraft is an alternative source of income.
Keywords: Power; Handicraft; Culture; Economy.
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LISTA DE SIGLAS
DRS - Desenvolvimento Regional Sustentável
FCC - Fundação Catarinense de Cultura
FFC - Fundação Franklin Cascaes
IGEOF - Instituto de Geração de Oportunidades de Florianópolis
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional
MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MINC - Ministério da Cultura
PAB - Programa do Artesanato Brasileiro
PROCARTE - Programa do Artesanato Catarinense
SBT - Sistema Brasileiro de Televisão
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas
SETUR - Secretaria Municipal de Turismo
SST - Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação
UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................13
1.2 POR QUE ESTUDAR O ARTESANATO? ......................................................................19
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................24
2.1 MODERNIDADE, CULTURAS POPULARES, ARTESANATO...................................24
2.1.1 Modernidade no Brasil: O Inconcluso.............................................................................27
2.1.2 Entre Canclini e Bourdieu: Um Olhar Sobre Cultura Popular ........................................29
2.1.3 Perspectivas Históricas do Artesanato.............................................................................34
2.1.4 Os Estudos Sobre Artesanato no Brasil: O Estado da Arte .............................................37
2.2 A TEORIA DOS CAMPOS SOCIAIS DE PIERRE BOURDIEU: O DESVELAMENTO
DOS MECANISMOS PROFUNDOS DE PODER .................................................................40
2.2.1 O Conceito de Habitus em Bourdieu...............................................................................41
2.2.2 Espaço Social: A Idéia da Diferença ...............................................................................47
2.2.3 O Conceito de Campo: Espaço de Relações Sociais .......................................................49
2.2.4 O Que Está em Disputa no Campo: Capital ....................................................................52
2.2.5 Legitimação do Arbitrário: Poder Simbólico ..................................................................55
2.3 CAMPO ECONÔMICO E CAMPO DA ARTE: UMA OPOSIÇÃO ENTRE O
INTERESSE ECONÔMICO E O INTERESSE SIMBÓLICO PELO “DESINTERESSE”
ECONÔMICO..........................................................................................................................56
2.3.1 Campo Econômico: Negócios são Negócios...................................................................56
2.3.2 O Campo da Arte: Arte pela Arte....................................................................................60
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .....................................................................68
3.1 REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS................................................................................68
3.2 OPERACIONALIZANDO A DISCUSSÃO .....................................................................71
3.3 PERGUNTAS DE PESQUISA ..........................................................................................76
4 ELEMENTOS HISTÓRICOS DA CONSTITUIÇÃO DO SUBCAMPO ARTESANAL
DE FLORIANÓPOLIS..........................................................................................................78
4.1 O ARTESANATO EM FLORIANÓPOLIS: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
DE UM HABITUS EM TRANSFORMAÇÃO ........................................................................90
4.2 LUTAS INTERNAS AO SUBCAMPO: SER ARTESÃO, SER ARTÍFICE... ................97
4.3 ARTESANATO E ARTE: UMA RELAÇÃO DE (O)POSIÇÃO,
(DES)CLASSIFICAÇÃO E DISTINÇÃO.............................................................................104
12
5 DISPUTAS NO SUBCAMPO DO ARTESANATO: O QUE ESTÁ EM JOGO? .....108
6 CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES ...............................................130
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................136
APÊNDICE A - Instrumento de coleta de dados (roteiro de entrevista Artesãos).................141
APÊNDICE B - Instrumento de coleta de dados (roteiro de entrevista Órgãos Públicos).....142
APÊNDICE C - Instrumento de coleta de dados (pesquisa do perfil dos artesãos) ...............143
APÊNDICE D – Lista dos órgãos que fazem parte do Conselho Consultivo do Corredor
Cultural de Florianópolis........................................................................................................145
13
1 INTRODUÇÃO
Os produtos artesanais são também, séculos, manifestações culturais e
econômicas (...). Ao analisarmos este aspecto devemos encontrar um caminho entre
(...) a tentação folclorista de enxergar apenas o aspecto étnico, considerando o
artesanato unicamente como uma sobrevivência crepuscular de culturas em extinção;
ou, (...) isolar a explicação econômica e estudá-lo como qualquer outro objeto regido
pela lógica mercantil
(CANCLINI, 1983, p .71).
A presente pesquisa emerge a partir de estudos realizados pelo grupo de pesquisa
Observatório da Realidade Organizacional
1
a respeito das mudanças que vêm ocorrendo no
contexto das organizações culturais. Este estudo pretende complementar os demais realizados
nesta área, visando uma melhor compreensão e conhecimento do ambiente de investigação.
Assim, o interesse pelo objeto proposto nasceu do contato que tive com
o artesanato em
2004 quando participei, como bolsista de extensão, de um projeto na Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC) cujo objetivo era a criação de uma associação de artesãos. Por
meio desse projeto conheci um grupo de artesãos cujos interesses me chamaram atenção.
Fazia parte de suas aspirações à conquista de um espaço próprio para sediar a associação a ser
criada. A idéia deles era que a Prefeitura de Florianópolis pudesse disponibilizar um casarão
antigo na cidade para esse fim. Além disso, esse grupo buscava também organizar, com o
apoio da UDESC, uma grande feira de artesanato na cidade, na qual, todos os artesãos de
Florianópolis e entorno, sem distinção alguma, pudessem expor e comercializar suas criações.
Isso em virtude das feiras existentes na cidade, segundo aqueles artesãos, já não
disporem de espaços para ingresso de novos expositores. Além disso, essas feiras possuem
coordenadores que insistem no caráter fragmentário (pequenas feiras espalhadas no entorno
do centro de Florianópolis) não compartilhando do anseio de muitos artesãos cujo sonho é a
realização de uma única e grande feira de artesanato no centro da cidade. Assim, diante da
1
O Observatório da Realidade Organizacional é um grupo de pesquisa interinstitucional que desenvolve sua
atividade no campo dos Estudos Organizacionais. Compõe o Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e está ligado ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco (PROPAD/UFPE), à Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV) e ao Curso de Pós-Graduação
em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (CPGA/UFSC). Como grupo de pesquisa seu
principal objetivo é fortalecer o conhecimento sobre as organizações por meio do desenvolvimento de
investigações de caráter científico que adotem perspectivas teóricas inovadoras e cuja aplicabilidade contribua
para o desenvolvimento local e o interesse comum (www.observatorio.dca.ufpe.br. Acesso em: Julho, 2008).
1
O Nusmer foi formalizado em março de 2006 e congrega pesquisadores que desenvolvem pesquisas na área da
Sociologia Econômica, em particular na área da Sociologia dos Mercados. Um dos objetivos deste Núcleo é o de
contribuir para divulgar a Nova Sociologia Econômica no Brasil, uma área em franca expansão nos Estados
Unidos e na Europa (
www.nusmer.ufsc.br. Acesso em: Julho, 2008).
14
importância que assume as feiras para os artesãos e por se constituir no local de reunião dos
mesmos, além de ser o locus de exposição, comercialização e divulgação do artesanato da
cidade, a presente pesquisa concentrou sua análise de campo a partir das feiras de artesanato
de Florianópolis. Isso porque a feira configura-se no espaço de concentração dos artesãos e
fora delas torna-se difícil ter acesso aos mesmos e, consequentemente, as informações
necessárias a realização do estudo.
Outro fato que me chamou a atenção, quando participei de uma reunião para discutir
sobre formas de comercialização com o pessoal do curso de design da UDESC, foi a
discussão entre os artesãos sobre a submissão total ao mercado (fabricar peças que o mercado
estava pedindo mesmo que isso significasse produzir um artesanato em série) e a defesa de se
manter certa “liberdade” para criação das peças. Essa última situação me instigou,
principalmente, em razão de eu ser estudante de administração, numa escola extremamente
pragmática em que a abordagem gerencialista, por vezes, configura-se como a única e melhor
forma de organizar. Pude observar que meus colegas de projeto, e por um tempo até eu
mesma, estávamos convencidos de que a sobrevivência dos artesãos era mais importante e
que, portanto, estes deveriam se apropriar das ferramentas de gestão com vistas a alcançar
seus objetivos de comercialização das peças produzidas. Negligenciei, à época, a dimensão
cultural da produção artesanal a qual pretendo dar visibilidade nessa pesquisa. Segundo
Canclini (1983), essa dimensão merece atenção, pois os objetos artesanais criam significados
diferentes para quem o produz e para quem o consome, e, não se reduz, portanto, a uma
dimensão puramente econômica.
Diante do exposto alguns questionamentos emergem sobre esse objeto de pesquisa e
foram possibilitados em razão do meu ingresso no mestrado e por conta disso da minha
aproximação com um referencial teórico crítico como o de Pierre Bourdieu. Além disso,
contribuiu muito para o meu amadurecimento acadêmico o contato que tive com os trabalhos
do grupo de pesquisa Observatório da Realidade Organizacional e com os trabalhos dos
pesquisadores do Nusmer
2
. Esses grupos me possibilitaram questionar os pressupostos das
teorias gerencialistas como a única e melhor forma de organizar, bem como a inserção da
lógica mercantil e a colonização da racionalidade a ela subjacente em organizações nascidas
fora do mercado como é o caso do artesanato. Essa ampliação de visão, proporcionada por
2
O Nusmer foi formalizado em março de 2006 e congrega pesquisadores que desenvolvem pesquisas na área da
Sociologia Econômica, em particular na área da Sociologia dos Mercados. Um dos objetivos deste Núcleo é o de
contribuir para divulgar a Nova Sociologia Econômica no Brasil, uma área em franca expansão nos Estados
Unidos e na Europa (www.nusmer.ufsc.br. Acesso em: Julho, 2008).
15
esse contato com pesquisas críticas no campo cultural, permitiram-me fazer alguns
questionamentos sobre meu objeto de pesquisa.
Inspirada na teoria dos campos sociais de Pierre Bourdieu farei uso da noção de
campo, lançando luz ao cenário do subcampo
3
artesanal de Florianópolis com o intuito de
apreender o seu habitus, analisando os interesses e as motivações dos agentes que compõem
esse espaço social. Para Bourdieu (2005a) as lutas no campo são motivadas pela busca de
certo tipo de capital que produz seus efeitos no campo contra o qual se produz e se
(re)produz. Lançarei mão, desse modo, da noção de capital como trunfos fundamentais que
constituem a lei de formação do campo (BOURDIEU, 2005a). Assim, a opção pela teoria dos
campos sociais de Pierre Bourdieu para analisar um fenômeno social como o artesanato não
se dá no vazio, uma vez que, segundo, Misoczsky (2003) o predomínio das abordagens
sistêmicas em Estudos Organizacionais dificulta a compreensão de processos socialmente
construídos e dos processos de mudança em virtude do caráter evolucionista que imprimem
aos objetos de análise.
Ademais, a escolha da abordagem bourdieusiana de campo em detrimento da Teoria
Institucional
4
, deve-se ao fato desta última, segundo Misoczsky (2003) empobrecer a
formulação inicial de campo, transformando o poder, de categoria central, em categoria
periférica que se deduz estar presente por trás das relações de dominação. A autora cita
Colignon (1997) para quem, no âmbito da Teoria Institucional, o conceito de campo perde o
sentido de conflito, sendo definido em termos funcionais caracterizado pela homogeneidade e
interdependência tornando o poder uma propriedade sistêmica à maneira de Parsons.
Além disso, Vieira e Carvalho (2007) salientam que a literatura sobre poder em
Estudos Organizacionais tem sido realizada à margem da ciência política, o que não ocorre
sem conseqüência, uma vez que tem gerado uma aplicação acrítica do conceito de poder.
Outra justificativa para a utilização do arcabouço teórico Bourdieusiano, dá-se em virtude de
sua Teoria dos Campos Sociais permitir o desvelamento das lógicas de dominação e de
(re)produção enraizadas no mundo social com vistas a possibilitar uma compreensão dos
3
O espaço social em que se encontra o artesanato será tratado nesse trabalho como um subcampo do campo
cultural de Florianópolis uma vez que o artesanato se vincula a Fundação Franklin Cascaes (FFC) responsável,
no município, pela gestão da cultura. A FFC possui sob sua responsabilidade além do artesanato outras
manifestações culturais como a dança, a música, o teatro, o folclore, etc. Além disso, a análise em nível de
subcampo não traz nenhum prejuízo ao trabalho, uma vez que, conforme Wacquant e Bourdieu (2005) as
propriedades de análise válidas para o campo valem também para o subcampo.
4
Dimaggio e Powell apud Misoczsky (2003) apresentam o “novo” institucionalismo como vinculado à escola
estruturalista, com foco na estabilidade, em resultados, na dominação e continuidade do ambiente. Para os
autores o campo organizacional representa um agregado de organizações com fornecedores chaves,
consumidores e produtores de recursos, agências reguladoras e outras organizações que produzem serviços ou
produtos similares.
16
conflitos pela aplicação do pensamento relacional que permite superar a visão de mundo
substancialista.
Assim, conforme Bourdieu (2005b) ao submergir na particularidade de uma realidade
empírica, historicamente situada e datada, para construí-la como caso particular do possível,
pode-se apanhar o invariante, a estrutura, na variante observada. Isto habilita o pesquisador,
conforme salienta o autor, a apreender estruturas e mecanismos que escapam tanto ao olhar
nativo quanto ao olhar estrangeiro espontâneos. O exercício da submersão, contudo, propicia
ao pesquisador apreender as diferenças reais que separam tanto as estruturas quanto as
disposições e cujo princípio é preciso procurar nas particularidades de histórias coletivas
diferentes. Isso não quer dizer, conforme o autor, que o pesquisador, mesmo o mais atento
está imune a deixar escapar os mecanismos de poder que orquestram a dinâmica das
estruturas dos campos, nesse caso a vigilância epistemológica se faz fundamental para
minimizar a espontaneidade. Isso porque, conforme Weber, os fenômenos históricos são
singulares e nosso entendimento sobre eles é sempre parcial.
Diante do exposto acima, alguns questionamentos me inspiram a querer pesquisar e
compreender a dinâmica de um objeto tão complexo, e, ao mesmo tempo tão negligenciado
pelos pesquisadores, como o artesanato. Questões como as que seguem me impulsionam na
busca por compreender as relações de poder que se estabelecem entre os agentes do
subcampo: Por que a busca de apoio se deu junto a UDESC e não junto a Fundação Franklin
Cascaes (FFC) que é o órgão que oficialmente coordena o artesanato? Porque as feiras se
encontram fragmentadas, ou seja, espalhadas pela cidade e não se faz uma grande feira, como
sonham os artesãos? Porque em Florianópolis o artesanato se encontra sob a responsabilidade
de várias instituições? Porque o artesanato de Florianópolis possui uma produção tão
diversificada sendo difícil encontrar nas feiras produtos com identidade local?
Essas questões me provocam na busca pela compreensão de porque os acontecimentos
nesse campo de estudo se apresentam dessa forma e não de outra. Assim, seguindo os
ensinamentos de Pierre Bourdieu antes de dar respostas pretendo trazer para discussão durante
essa pesquisa alguns elementos do subcampo artesanal de Florianópolis, que parecem
naturalizados, e, portanto, não questionados, não vistos e, por isso, legitimados.
Desse modo, partindo do pressuposto que o subcampo artesanal de Florianópolis
configura-se em um campo de força, no qual, agentes dotados de interesses diferentes se
enfrentam em busca de manter/melhorar suas posições de poder busco com esta pesquisa
compreender Como se configuram as relações de poder no subcampo do
artesanato em Florianópolis?
17
Para refletir sobre esta questão central do trabalho faz-se necessário visitar alguns
autores que me ajudaram a pensar o objeto e suas relações históricas com o mundo social.
Assim, falar de artesanato parece suscitar a idéia de uma oposição entre o tradicional e o
moderno. Essa antinomia, porém, foi contestada por alguns autores como Canclini (1983,
2001), Vives (1983) e Porto Alegre (1994). Vives (1983) argumenta que a relação do
artesanato com a tradição faz com que muitas vezes os artesãos sejam vistos como parte de
uma sociedade tradicional em oposição à sociedade moderna. Assim, o pressuposto da
tradição que enseja a “autenticidade” e “pureza” do artesanato, e, por isso seu atraso, pode
levar a uma busca pelo original em detrimento do significado das relações sociais e culturais
que formam um universo mais amplo. Indo ao encontro de Bourdieu (1996), Vives (1983)
salienta que os artesãos em seu ofício materializam e (re)produzem formas particulares de
concepção de mundo mais ricas em seus significados simbólicos do que sua maior ou menor
autenticidade.
Nesse sentido, para Porto Alegre (1994) é bastante comum pensar-se as artes
populares, incluído o artesanato, como resíduos de um passado cristalizado e stico de
expressões de um universo imóvel destinado a desaparecer diante das mudanças sociais
contemporâneas. Contudo, elas não se extinguem. Para a autora, novas formas de criação e
antigos segredos do oficio se confundem e se misturam reelaborando a cada momento a
expressão artística, numa tensão permanente entre continuidade e mudança que é própria da
natureza dinâmica das culturas. Canclini (1983) corrobora essa discussão ao dizer que não se
pode explicar a permanência do artesanato concebendo-o como um sobrevivente das
tradições, mas sim como desempenhando funções na (re)produção social e na divisão do
trabalho necessárias para a expansão do capitalismo.
Com o advento da modernidade
5
a história da arte, da literatura e do conhecimento
científico se impuseram como repertórios que deveríamos dominar para sermos considerados
cultos no mundo moderno (CANCLINI, 1983). Por outro lado, a antropologia e o folclore,
assim como os populismos políticos, ao reivindicar o saber e as práticas tradicionais
constituíram o universo do popular. Para o autor a oposição entre os tradicionalistas e os
5
Ser moderno, segundo Berman (2007) é encontrar-se em um ambiente que promove aventura, poder, alegria,
crescimento, transformação de si próprio e das coisas que estão ao redor. Porém, paradoxalmente este estado do
ser ameaça destruir tudo que temos tudo o que sabemos e tudo o que somos. Não obstante, a experiência
ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e
ideologia ensejando uma unidade. Contudo, é uma unidade de desunidade, pois ela nos despeja um turbilhão de
permanente desintegração e mudança, luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte
de um universo que, como disse Max, “tudo que é sólido desmancha no ar”.
18
modernizadores se reflete na divulgação da cultura a semelhança dos ideais de cada grupo. Os
tradicionalistas imaginaram culturas nacionais e populares protegidas da industrialização e da
massificação urbana. Os modernizadores conceberam uma arte pela arte - o que Bourdieu
(1996) denomina como o habitus do campo da arte - um saber pelo saber, sem fronteiras
territoriais e confiaram à inovação suas fantasias de progresso. As diferenças entre essas
esferas, segundo Canclini (2000), serviram para organizar os bens e as instituições: as feiras
foram destinadas aos populares e os museus e as bienais para a classe dominante.
Warnier (2003) corrobora o que foi dito acima, quando fala que a modernização não
levou, como muitos pensaram, progressivamente as culturas do mundo inteiro a convergir
numa única direção - na direção da cultura européia ou norte-americana, notadamente. Isto
posto, o autor salienta que a humanidade continua a produzir e a (re)produzir clivagens
sociais, distinção cultural, modos de vida e de consumo muito diversos. Diante disso, salienta-
se que essa produção da diferença cultural é reflexo das estratégias de (re)produção social
ensaiadas pelos agentes que buscam manter/ transformar as estruturas sociais ao seu favor,
mantendo assim seus privilégios legitimados pela lógica da distinção (BOURDIEU, 2005a,
2005b).
Nesse contexto, a teoria social do poder de Pierre Bourdieu pode me ajudar a
compreender as relações de força no campo, bem como a identificar os interesses e as
motivações dos agentes tendo em vista a manutenção de uma posição dominante. Acredito
que a partir dos questionamentos feitos acima sobre o objeto pode-se propor outras questões
para auxiliar na apreensão da lógica de funcionamento do campo, bem como no conhecimento
dos capitais dominantes e do habitus (BOURDIEU, 2001). Isto porque, sendo o campo um
construto empírico formado por uma composição de agentes com posições e predisposições
diferenciadas entre si, seus limites se tornam visíveis por meio da apreensão da lógica (lei
geral) de seu funcionamento o que requer a elucidação dos elementos propostos pelas
questões abaixo.
Assim, partindo do problema de pesquisa levantado e dos questionamentos feitos
sobre o objeto, pretendo num primeiro momento, verificar e compreender a configuração do
subcampo artesanal de Florianópolis. Para isso, faz-se necessário conhecer os aspectos
históricos desse espaço, bem como, os agentes envolvidos na sua construção. Assim, para
conhecer essa história questiona-se como se caracteriza, numa perspectiva histórica, a
formação do subcampo do artesanato em Florianópolis?
A primeira questão auxilia na contextualização histórica, no tempo e no espaço, do
objeto de pesquisa e ajuda também no conhecimento dos agentes que fazem parte do
19
subcampo. Contudo, dentro do campo lutas pelo poder para classificar, nomear, ou seja,
para ditar as regras do jogo. Essas lutas ocorrem porque se busca a apropriação de um capital
específico/legítimo que produz seus efeitos no campo no qual se produz e (re)produz,
portanto, pergunto: quais capitais são fundamentais para o subcampo artesanal de
Florianópolis?
Outra questão importante, para compreender a dinâmica deste campo, é saber quais
agentes, no interior desse espaço têm mais recursos (capitais) e com isso mais chances de
impor sua visão de mundo. Para tanto, indago: quais são os agentes mais potentes do
subcampo artesanal de Florianópolis?
A partir da questão anterior, pode-se propor uma nova questão que se refere ao habitus
do subcampo. Este possui uma relação dialética com a posição do agente no campo de modo
que suas estratégias e ações podem ser compreendidas se comparadas às suas posições no
campo. Assim, as disposições constitutivas do habitus funcionam e valem no próprio
campo do qual são o produto. Diante disso, cabe a seguinte pergunta: qual o habitus do
subcampo artesanal de Florianópolis?
Com esse mapeamento do campo traçado, tendo por base uma perspectiva histórica e a
coleta de informações diretamente com alguns agentes do subcampo, tenho subsídio para
fazer uma análise das relações de poder que se estabelecem no campo, bem como analisar a
tensão entre o econômico e o cultural vivenciada pelo artesanato.
1.2 POR QUE ESTUDAR O ARTESANATO?
Este estudo insere-se na agenda de pesquisa do Observatório da Realidade
Organizacional que investiga, muito tempo, o campo da cultura com vistas a compreender
as transformações pelas quais esse ambiente de investigação vem passando
nos últimos anos.
Essas transformações p
odem estar relacionadas à influência de agentes até então estranhos a
este universo como salientam Goulart, Menezes e Gonçalves (2003). Isso trás conseqüências
como, por exemplo, a crescente mercantilização da cultura (MADEIRO E CARVALHO,
2003). O grupo de estudos citado realizou pesquisas tendo como objeto de análise o teatro,
os museus, os grupos folclóricos, etc., e chegou a algumas conclusões a respeito da influência
da lógica mercantil nessas manifestações. Nesse sentido, o estudo do artesanato, sob uma
20
perspectiva de poder, visa complementar esses estudos e torna-se importante na medida em
que auxilia a identificar os motivos e os interesses dos agentes desse espaço e suas ações para
o setor. A identificação desses interesses pode trazer elementos para se compreender a
configuração desse campo e desnaturalizar algumas concepções tomadas como verdades,
como por exemplo, a subalternidade do artesanato frente algumas manifestações culturais
consideradas superiores como a arte, por exemplo.
Assim, estudar o artesanato, no âmbito dos Estudos Organizacionais, sob uma
perspectiva de poder visa à disseminação de um referencial teórico crítico bourdieusiano -
para analisar os fenômenos sociais na área da administração. Autores como Clegg e
Dunkerley (apud Vieira e Carvalho, 2007) concordam com a crítica de Bourdieu de que não
mais espaços para tendências naturalistas e a-históricas como as que interpretam as
organizações como naturais. Para os autores, torna-se crucial compreender as organizações
como espaços de dominação e (re)produção do status quo vigente na qual a análise das
relações de poder possibilita desvelar os mecanismos de funcionamento da sociedade onde
eles se deixam ver menos (BOURDIEU, 2005a).
A teoria de Pierre Bourdieu não é dominante em Estudos Organizacionais, porém
alguns estudiosos da área estão se apropriando dos trabalhos deste sociólogo para dar conta de
fenômenos socialmente construídos. A contribuição das formulações de Bourdieu para os
Estudos Organizacionais, segundo Misoczsky (2003) implica mudança de foco e de
compreensão do próprio objeto de estudo. Para citar algumas destas implicações: foco em
relações; reconhecer que os agentes são ativos e atuantes e não fenômenos da estrutura; ver a
ação a partir de seu caráter intencional e não mais como reativa e adaptativa; conceber a
organização como uma construção social; analisar a estrutura do campo como resultado das
relações de força e disputa de interesse entre agentes competindo por tipos de capital;
reconhecer a possibilidade de que ocorra alteração nos tipos de capital que estruturam o
campo; compreender o processo de produção social e reprodução como sendo permanente;
Misoczsky (2003) salienta ainda que quanto aos aspectos metodológicos, adotar as
formulações de Bourdieu requer trabalhar com a interação de subjetivismo (habitus) e
objetivismo (campo) de forma construcionista. Não obstante, para a autora, utilizar as
formulações de Bourdieu exige romper com uma tradição em estudos organizacionais, bem
como romper com a tradição estruturalista. Isto implica deixar de lado a análise de estruturas
sem sujeitos que evoluem pressionados por forças também sem sujeitos. Ao invés disso,
analisam-se as posições dos agentes em campos construídos por disputas entre detentores de
21
poder. Essa abordagem permite compreender a dinâmica dos campos como espaços de força e
de lutas na busca pela dominação do espaço social e pela manutenção dos privilégios.
Nesse sentido, inspiro-me nas pesquisas de Bourdieu (2005a), na tentativa de me
apropriar de um construto teórico de grande envergadura para analisar um objeto empírico
considerado banal, e, por isso menor o artesanato. Essa posição vai contra a tendência, em
ciências sociais, de se consagrar um objeto em si mesmo em virtude de sua importância social
ou política. Deste modo, a construção do objeto e do método de pensá-lo encontra sua
validade na capacidade de “constituir objetos socialmente insignificantes em objetos
científicos” (BOURDIEU, p. 20, 2005a).
Além disso, esse estudo visa contribuir para a compreensão da tensão entre a dimensão
cultural e econômica vivenciada pelo artesanato. Essa tensão faz do artesanato um objeto
complexo situado num “entre lugar” (BHABHA, 2001) entre o campo cultural/artístico e o
campo econômico numa fronteira indefinida entre a arte e a não arte. A (o)posição entre arte e
artesanato merece destaque pois revela uma relação de dominação historicamente engendrada
nas relações sociais que oculta uma gica de distinção, classificação e (des)classificação na
qual o artesanato acaba sendo relegado a condição subalterna, sendo considerado o par
inferior da cultura erudita entendida como a cultura legítima, e, por isso, dominante.
Bourdieu (2006) salienta que o que faz a reputação de um bem simbólico não é uma
ou outra instituição, um ou outro agente, uma ou outra revista, mas o campo de produção
como conjunto de relações objetivas entre os agentes e o espaço de lutas pelo monopólio do
poder de consagração, que engendram o valor das obras e a crença neste valor. Nesse sentido,
conforme o autor a oposição entre o que é comercial e o “não comercial” é o princípio gerador
da maior parte dos julgamentos que estabelecem a fronteira do que é arte e do que não é, e,
portanto, impõe as condições de dominação, na qual aqueles que possuem posições
dominantes ditam as regras do jogo e sua visão de mundo com a cumplicidade daqueles que
sofrem a dominação por não reconhecerem a arbitrariedade dessas relações.
As contribuições práticas desse estudo caminham no sentido de dar visibilidade ao
artesanato, locus de empregabilidade e de produção cultural importante numa capital turística,
porém pouco estudado em administração. De acordo com Vergara (2006) os estudos sobre as
organizações de produção artesanal vem sendo negligenciados em Estudos Organizacionais
em detrimento aos estudos de processos industriais e suas conseqüências. A proposta dessa
autora é estudar as organizações artesanais aproximando-as dos modelos analíticos de
Guerreiro Ramos. Outra contribuição pretendida refere-se ao fato de apresentar aos agentes do
subcampo do artesanato de Florianópolis um olhar/compreensão sobre os motivos pelo qual o
22
artesanato, enquanto fenômeno cultural sob responsabilidade das instituições públicas que se
dedicam ao cuidado da cultura não recebe a atenção que se espera para uma atividade que é,
ao mesmo tempo, geradora de renda e de significados simbólicos para quem a pratica.
Além disso, muitos estudos antropológicos foram feitos sobre o artesanato, porém sem
levar em conta as dimensões do poder. Neste trabalho, pretendo contribuir para o
entendimento das relações de força que moldam sua configuração. Com isso, busco contribuir
para um mapeamento do campo e dar destaque aos agentes dominados e não reconhecidos
produtores de uma cultura legítima, porém considerados importantes como legitimadores do
status quo.
Assim, mediante a problemática apresentada, tendo em vista a apropriação de um
referencial teórico crítico e que proporcione uma reflexão aprofundada da realidade social,
distribui os tópicos, nesse trabalho da seguinte forma:
Na introdução, apresento o problema de investigação, as perguntas de pesquisa, bem
como a justificativa para a realização deste estudo.
No segundo capítulo, abordo o referencial teórico utilizado para o presente trabalho.
Esse tópico foi dividido em algumas partes: Modernidade, Culturas Populares, Artesanato;
Modernidade no Brasil: O Inconcluso, Entre Canclini e Bourdieu: Um Olhar Sobre Cultura
Popular; Perspectivas Históricas do Artesanato; Os Estudos Sobre Artesanato no Brasil: O
Estado da Arte, e, por fim, A Teoria dos Campos Sociais de Pierre Bourdieu e suas categorias
analíticas: Habitus, Campo e Capital, respectivamente. Na primeira, procuro contextualizar o
“lugar” do artesanato dentro da sociedade moderna com o intuito de buscar um entendimento,
mesmo que parcial, de como os estudiosos do tema tratam as manifestações da cultura
popular. Para tanto me inspiro nas reflexões de Canclini (1983, 2000) sobre as culturas
populares. A segunda parte é um complemento da primeira e nela abordo rapidamente sobre
modernidade no Brasil. Na terceira pretendo aproximar os dois autores principais dessa
pesquisa e assumo a idéia deles, sobre cultura popular, como norteadora desse trabalho. Na
quarta parte, destaco aspectos históricos do artesanato que permitem cercar o problema de
pesquisa, procuro esclarecer as transformações pelas quais passou as atividades manuais
desde a antiguidade até os dias de hoje.
Na quinta parte, abordo o modo pelos quais os estudos sobre o tema foram realizados
no Brasil por autores como Porto Alegre, Catherine Fleury, José Pereira e Vicente Salles. E,
por último, discorro acerca da Teoria dos Campos Sociais de Pierre Bourdieu cujos
pressupostos teóricos serão a lente pela qual pretendo olhar e compreender as relações de
poder e as disputas que se estabelecem no campo. Essa teoria congrega uma série de
23
propriedades interdependentes, como por exemplo, o campo, o habitus e os capitais. Além
disso, com o intuito de melhor compreender como se processa no trabalho de Bourdieu sua
categoria teórica – o campo – dedico um item a história da autonomização do campo da arte.
Em As Regras da Arte, Bourdieu desenvolve uma sociologia genética
contextualizando para cada momento histórico particular as categorias classificatórias do
mundo social tidas antes como universais. Bourdieu (1996) reintroduz, desse modo, a
dimensão histórica destas categorias de forma que não sejam pensadas como naturais. Outra
questão suscitada por esse estudo diz respeito ao pensamento relacional, ou seja, a obra, o
artista, o crítico só existem dentro de uma rede de relações visíveis e invisíveis que definem a
posição de cada um em relação à dos outros. Além disso, tendo como inspiração o modo de
pensamento relacional de Bourdieu posição e (o)posição descrevo também, na última
parte do referencial teórico, como esse autor caracteriza o campo econômico que se opõe ao
artístico, não sendo, contudo, independentes entre si. A idéia deste item, além da referida
reflexão sobre a noção de campo, se justifica também pela tentativa de pensar o artesanato em
suas dimensões econômica e cultural trazida por Canclini (1983, 2000) a qual pretendo
analisar nesse trabalho.
No terceiro capítulo, apresento os procedimentos metodológicos que foram utilizados
nesta pesquisa, bem como, apresento a descrição de como a pesquisa foi operacionalizada
contendo as perguntas que foram confrontadas no trabalho de campo. Além disso, neste item
discorro também sobre as formas de coleta e análise de dados. Por fim, no quarto e quinto
capítulos realizo a análise dos dados que entre descrição e explicação lanço elementos para
algumas conclusões possíveis sobre o campo analisado.
24
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 MODERNIDADE, CULTURAS POPULARES, ARTESANATO
O homem possui razão e mão (Tomas de Aquino).
Os modos de vida produzidos pela modernidade, segundo Giddens (1991) suplantaram
a ordem social tradicional de maneira sem precedentes na história da humanidade. As
mudanças que ocorreram nos últimos quatro séculos foram tão dramáticas e abrangentes que
as interpretações dos fenômenos tiveram um caráter evolucionista, fato que limita a
compreensão do seu aspecto descontinuista. Nesse sentido, as teorias evolucionárias
representam “grandes narrativas” na qual a história pode ser contada em forma de enredos que
impõem uma imagem ordenada sobre os acontecimentos humanos. Deste modo, a
desconstrução dos enredos permite elucidar a análise dos debates a cerca da modernidade.
A idéia de modernidade, conforme Giddens (1991) suscita uma oposição com a de
tradição. Contudo, muitas combinações do moderno e do tradicional podem ser encontradas
nos cenários sociais concretos. Nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos
valorizados porque perpetuam a experiência de gerações. As culturas tradicionais, segundo o
autor, constituem uma maneira de se lidar com o tempo e o espaço de modo a inserir qualquer
experiência particular dentro da continuidade do passado, presente e futuro estruturados por
práticas sociais recorrentes. Contudo, que se lembrar que a tradição não é inteiramente
estática, uma vez que precisa se reinventar a cada nova geração conforme a herança cultural
dos precedentes para que seja legitimada.
No embate entre tradição e modernidade a questão tempo e espaço assume outro
sentido nesta última. Assim, para Giddens (1991) o dinamismo da modernidade deriva da
separação do tempo e espaço e de sua recombinação em novas formas tempo-espacial da vida
social. Além disso, a dinâmica assumida a cada momento pelo tempo e espaço promove o
desencaixe, ordenação e reodernação das relações sociais à luz das contínuas entradas de
conhecimento afetando, deste modo, as ações dos indivíduos. Nesse sentido, Bauman (2001)
corrobora Giddens quando diz que a modernidade começa quando o espaço e o tempo são
25
separados da prática da vida e entre si, e assim podem ser teorizados como categorias distintas
e mutuamente independentes da ação. Nesse sentido, Berman (2007, p. 44) retoma Daniel
Bell para dizer que “o movimento moderno subverte a unidade da cultura, estilhaça a
cosmologia racional que subjaz à burguesa visão de um mundo ordenado segundo
harmoniosas relações espaço-tempo”.
Na era moderna, segundo Carvalho (1992a) surge um interesse por certas
manifestações de cultura que se apresentam como antigas e populares. Assim, no seio de
sociedades modernas que se representam como homogêneas, percebe-se fragmentos de um
estrato anterior que permanecem sem ser dissolvidos neste processo de Estados Nacionais que
caracterizou a modernidade. Esta autora identifica nas manifestações culturais de tradição
uma recusa ao processo de homogeneização e racionalização das normas sociais. O contraste
entre costumes populares e os costumes institucionalizados pelo estrato superior da sociedade
gerou classificações significativas para esta oposição: superstições, antiguidades vulgares,
crenças populares para designar aspectos do popular. Tais tentativas de explicações lançaram
a base para a cunhagem do termo Folclore feita por William John Thoms em 1846.
A idéia do folclore, desde o início se assenta num tripé conceitual constituído por três
idéias fundamentais: povo, nação e tradição. O primeiro diz respeito a folk (povo) -
comunidades ou camadas populares que transmitem o saber arcaico. a idéia de nação,
correlata a de identidade, mas também associada à de povo foi símbolo de unidade e
integração na mão de intelectuais que dirigiram suas atenções para o popular sob a
perspectiva da nação como forma de sedimentar seus ideais de auto-representação. E a noção
de tradição suscita uma correlação com cultura, costumes, passado, presente e transmissão de
herança cultural (CARVALHO, 1992a).
O folclore, segundo Carvalho (1992b), representa os saberes tradicionais do povo
vistos, no seio da sociedade moderna, como fragmentos de cultura pertencente ao povo e que
podiam ser resgatados pela nação e racionalizados como contendo a essência de uma
realidade diferenciadora. Deste modo, conforme o autor, em diferentes países e para diversos
autores este tripé constituiu o marco dentro do qual a noção de saber popular, folclore ou
cultura popular, foi pensado. A partir da análise desse tripé conceitual é possível perceber
uma preocupação demasiada pela delimitação do objeto de estudo e por sua classificação em
consonância com a lógica de dominação e (re)produção do status quo vigente.
Percebe-se assim como é amplo o leque de denominações para as manifestações da
cultura popular, seja o folclore, seja a arte popular, ou o artesanato, para citar algumas.
Segundo Salles (1983) uma confusão entre os folcloristas que apesar de reconhecerem
26
significados diferentes entre cultura popular e artesanato, tendem a considerá-los como
conjuntos de objetivações materiais pertencente ao folclore. De outro modo para Ferretti
(2002), não consenso entre os estudiosos do tema, enquanto alguns consideram cultura
popular como sendo equivalente ao Folclore, outros discordam desta idéia, diferenciando o
folclore de cultura popular e equiparando esta a cultura de massa.
Nesse sentido, Carvalho (1992a), salienta que a noção de cultura popular, cultura de
massas adquire uma constelação de conceitos correlatos que, na obra dos autores, voltam a ser
convertidos em tipos de cultura. Desse modo, segundo a autora, para estudiosos como, por
exemplo, Schwab (1946) no Peru, Carneiro (1957) no Brasil e Canclini (1987) no México o
folclore e a cultura popular são uma e a mesma coisa. Outros, como por exemplo, Aretz
(1972) na Venezuela e Cortazar (1959) na Argentina expõem que cultura de massa e cultura
popular são uma e mesma coisa em oposição ao folclore. Contudo, essa mesma autora salienta
que estas discussões começam a perder força, a partir da década de 60, em virtude das
mudanças ocorridas nas ciências sociais, que acabaram por diluir as preocupações em
classificar ou criar tipologias para definir e diferenciar o que é povo e o que seria a cultura
popular.
Corroborando o que foi dito, Arantes (2007) salienta que o conceito de cultura popular
não encontra consenso entre os estudiosos do tema. O autor fala ainda que o preconceito
sofrido pela palavra cultura popular, por parte de alguns setores da sociedade, deve-se ao fato
desse conceito ter servido a interesses políticos populistas, por um lado, e, por outro lado
devido à falta de definição concreta do termo, que assume diversos significados, e, por isso
mesmo não assume nenhum. Para o autor, as atitudes contraditórias em relação à cultura
popular resultam da visão, exacerbada principalmente a partir da modernidade, que consiste
em separar o trabalho intelectual do manual. Embora, essa separação tenha ocorrido num
momento histórico preciso, tudo se passa como se essa separação fosse natural, por isso,
quase nunca questionada.
Muitos autores, segundo Arantes (2007) pensam a cultura popular como folclore. Isso
porque a pensam como um conjunto de objetos, práticas e concepções tradicionais. Contudo,
o autor salienta que pensar a cultura popular em termos de tradição é reafirmar a idéia de um
passado que ficou para trás, e, como conseqüência tem-se a não compreensão das
modificações sofridas por esses objetos ao longo do tempo. Outro aspecto levantado pelo
autor refere-se mercantilização da cultura popular. Como conseqüência disso ocorrem, em
nome da estética e da didática, releituras dos eventos artísticos populares onde se ocultam,
muitas vezes, seus aspectos de pobreza e seu caráter tosco. Os motivos invisíveis dessas
27
reconstituições empobrecidas justificam-se em querer agradar os gostos” mais requintados
das elites. Para Bourdieu (2007), o gosto, em matéria de cultura legítima, não tem nada de
dom natural, a observação científica mostra que as necessidades culturais são o produto da
educação formal e da origem social dos agentes.
Contudo, para Arantes (2007) a despeito de toda polêmica que envolve o termo,
cultura popular significa todo fazer: teatro, música, poesia ou qualquer outra modalidade de
arte. Trata-se, segundo o autor, de se construir um espelho no qual transparece na concretude
dos artefatos populares, o que é mais abstrato num grupo humano, ou seja, a sua organização
que é condição de sua participação na produção e reprodução da sociedade.
Outro autor muito citado quando o assunto é cultura popular é Gramsci. Para esse
autor (apud Ortiz, 1980) a cultura popular pode assumir dois significados. O primeiro refere-
se a folclore. Para Gramsci (apud Ortiz, 1980), folclore é acima de tudo uma concepção de
mundo particular das classes subalternas, em oposição à filosofia, modo de saber próprio das
classes hegemônicas. O segundo significado assumido pela cultura popular em Gramsci diz
respeito o de popularidade, no sentido de difusão cultural. O autor estudou, no contexto
Italiano, a questão da penetração dos produtos simbólicos (melodrama, jornais, livros,
literatura de folhetim) junto às classes subalternas. A partir desta perspectiva, a cultura
popular se apresenta como “cultura nacional popular” como processo de construção da
hegemonia no seio da sociedade.
2.1.1 Modernidade no Brasil: O Inconcluso
O tema da modernidade, segundo Martins (2008) liga-se profundamente com o do
progresso fazendo dele um tema predominantemente das sociedades européias. Na América
Latina, e, portanto, no Brasil a modernidade é vista em oposição ao tradicional. Essa
interpretação faz com que acontecimentos que supostamente não fariam mais parte do mundo
moderno, como por exemplo, a cultura popular, as tradições dos migrados do campo para a
cidade, sejam relegados ao passado e ao residual. O estudo da modernidade em países como o
Brasil, salienta o autor, pede o reconhecimento de sua inconclusividade. As misérias, o
desemprego, os valores e as mentalidades produzidas pelo desenvolvimento dependente são
partes integrantes da modernidade, embora não o sejam sob o ponto de vista teórico.
28
Para Martins (2008) a modernidade constitui uma realidade social e cultural produzida
pela consciência da transitoriedade do novo e de sua contradição. Assim, o homem como
autor e protagonista de sua própria história se encontra contraditoriamente com sua
coisificação e seu estranhamento ao ver-se pela mediação de um outro que é ele mesmo,
embora não pareça. No entanto, essa modernidade não é feita pela homogeneização da
diversidade do homem como sugere a concepção da globalização. É constituída, outrossim,
pelos ritmos desiguais do desenvolvimento econômico e social, pelo acelerado avanço
tecnológico, pela crescente miséria globalizada. Nesse sentido, corrobora Santos (2002) para
quem o mito do mercado global capaz de homogeneizar o planeta não faz mais do que
aprofundar as diferenças locais, uma vez que o acesso aos bens e ao conhecimento se de
maneira desigual.
A modernidade salienta Martins (2008) anuncia o possível, mas não o realiza, sendo
uma espécie de mistificação das possibilidades de transformação social que o capitalismo
criou, mas não é capaz de realizar. A modernidade se constitui na racionalidade do capital
em lugares onde esse se propõe abertamente o que não é o caso da América Latina na qual
essa disseminação se de forma inacabada e incerta. Para Martins (2008) a modernidade se
instaura quando o conflito se torna cotidiano, e, sobretudo, cultural na disputa entre valores
sociais, da necessidade de optar entre o novo e o tradicional para legitimar a ordem vigente.
No caso do Brasil, a crítica constitutiva da modernidade vem do “hibridismo” cultural,
do inacabado, do recurso ao tradicionalismo que questiona a realidade social moderna e das
categorias que a imediatizam, a opressão, os absurdos da racionalidade moderna, do
modismo, do inconcluso. Isso pode ser observado na literatura brasileira mais do que nas
ciências sociais, a exemplo de Macunaíma de Mário de Andrade, o herói sem nenhum caráter,
o indefinido, o híbrido (MARTINS, 2008). O autor cita também Guimarães Rosa e a
travessia: o inconcluso do atravessar sem chegar, que no permanentemente incompleto está
presente no nosso modo de ser. Para o autor a modernidade nos chega pelo seu contrário
como expressão do ver e não do ser. Por isso ela é epidérmica e desconfortável como um
fardo nas costas do escravo negro, ele mesmo negação do capital, embora agente humano e
desumanizado do lucro naquele momento histórico” (MARTINS, 2008, p. 24).
Assim, para Martins (2008) a compreensão crítica da modernidade no contexto
brasileiro, na arte, na literatura, nas ciências sociais, se dá pelo confronto entre o novo
racional e secularizado e o seu oposto, a tradição com obras do passado que são também
sobras, que são o irrelevante e que são invisíveis aos mecanismos de dominação. Nossa
história conta que Portugal, no Brasil, regulamentou as relações sociais, sobretudo aquelas
29
necessárias a assegurar os privilégios da elite branca e as diferenças sociais em que se
fundamentam. Aqui o tradicionalismo foi referência de uma consciência nacional em
detrimento ao social. Ainda que o nacionalismo tenha declinado em alguns momentos em
virtude da globalização, a expressão mais viva do tradicionalismo, a cultura popular, não teve
dificuldades para se ajustar a aparência requerida pela modernidade sobremaneira à
modernidade cultural. O grande passo no sentido a modernização no Brasil foi a revolução de
1930 com sua centralização política e concepção econômica desenvolvimentista que buscou
se legitimar na cultura popular e nas tradições que se tornaram em função disso as raízes
culturais no nosso nacionalismo (MARTINS, 2008).
2.1.2 Entre Canclini e Bourdieu: Um Olhar Sobre Cultura Popular
Algumas considerações sobre cultura popular nos são apresentada por Canclini (1983)
e reforçada por Bourdieu (2005c). Assumimos a partir desse momento as idéias desses autores
sobre cultura popular e artesanato, como guia nessa pesquisa.
A redefinição do que é hoje cultura popular, na visão de Canclini (1983) requer uma
investigação que seja capaz de abranger tanto a produção quanto a circulação e o consumo
dos produtos artesanais. Torna-se importante, então, indagar os motivos na manutenção dos
incentivos à produção artesanal. Nesse sentido, faz-se necessário abandonar a visão que reduz
o artesanato a uma coleção de bens e a cultura popular a um conjunto de tradições cuja
expressão seja encontrada numa autonomia ilusória. Para o autor, a abordagem mais
promissora sobre cultura é aquela que a entende como um instrumento voltado para a
compreensão, (re)produção e transformação do sistema social. Assim, através desta
perspectiva as culturas das classes populares passam a ser vistas como resultado de uma
apropriação desigual do capital cultural e de sua interação conflituosa com os setores
dominantes, no mesmo sentido de Bourdieu.
Assim, para Canclini (2000) na história da modernidade o popular é aquele que não
têm patrimônio, nem é reconhecido ou conservado. Nessa história os artesãos não chegam a
ser artistas, a individualizar-se, nem a participar do mercado de bens simbólicos legítimos. O
público que fica de fora das universidades e dos museus é incapaz de ler e olhar a alta cultura
porque desconhece a história dos saberes e estilos, e, por isso mesmo não possuem os códigos
30
para se apropriar da cultura dita erudita. Concordando com Bourdieu, no consumo, os setores
populares estariam no final do processo, como destinatários e espectadores, cúmplices e
vítimas na (re)produção do ciclo do capital e da ideologia dos dominadores.
Para Bourdieu (2005c, p. 132) no domínio da cultura, por vezes, se realiza uma
oposição entre uma “cultura popular” e uma “cultura erudita”, reforçada por políticas de
ascensão cultural dirigidas a prover aos dominados o acesso a bens das culturas dominantes,
ou pelo menos “uma versão degradada dessa cultura”. Contudo, lembra o autor, que o
discurso sobre o popular é motivo de lutas dentro do campo intelectual, que reclama para si o
poder de enunciação e, portanto de classificação das categorias que tornam inteligível o
mundo social. Bourdieu (2005c) salienta ainda que os discursos sobre o mundo social se
concentram em juízos de valor bom/mau e não em apontar o que são objetivamente. Nesse
sentido, para o autor, torna-se difícil o exercício da crítica, uma vez que qualquer enunciado
científico está propenso a ser percebido ou como uma ratificação ou como uma denúncia de
tal situação.
Deste modo, para Bourdieu (2005c, p. 133,) “atuar como se bastasse recusar o
discurso desta dicotomia entre cultura popular e cultura erudita, existente na realidade, para
fazê-la desaparecer é crer na magia. É uma forma ingênua de utopismo ou moralismo”. De
modo que, salienta o autor, o que deve ser questionado são as condições que fazem com que
esta hierarquia exista tanto objetivamente quanto subjetivamente. O autor argumenta que essa
dicotomia se estabeleceu mediante um processo histórico instituindo-se no espaço social na
forma de hierarquias inscritas na objetividade dos mecanismos sociais, bem como na
subjetividade dos esquemas de classificação, preferências e gostos dos agentes
6
. É essa
correspondência entre as estruturas sociais e as estruturas mentais que se estabelece esse
caráter dóxico e evidente, portanto, naturalizado e não questionado das distinções culturais.
Para Canclini (2000) a bibliografia sobre cultura costuma supor que existe um
interesse intrínseco dos setores dominantes em promover a modernidade e um destino fatídico
dos populares que os arraiga às tradições. Assim, para Canclini (2000) corroborando
Bourdieu, os modernizadores extraem dessa oposição a moral de que seu interesse pelos
avanços, pelas promessas da história, justifica sua posição hegemônica, enquanto o atraso das
classes populares as condena a subalternidade. Nesse sentido, para o autor, o tradicionalismo
é hoje uma tendência em amplas camadas hegemônicas e pode combinar-se com o moderno,
6
O estudo histórico de Levine (1988) sobre a sacralização das belas artes nos Estados Unidos, revela que o
processo que levou a distinção entre cultura popular e cultura erudita foi engendrado pela instituição da estética
moderna como valor predominante (BOURDIEU, 2005c).
31
quase sem conflitos, quando a exaltação das tradições se limita à cultura enquanto a
modernização se especializa nos setores social e econômico.
Canclini (2000) nos fala que para refutar as oposições clássicas a partir das quais são
definidas as culturas populares não basta prestar atenção em sua situação atual. É necessário,
portanto, recorrer ao histórico de constituição desse campo, no sentido de Bourdieu (2005a).
Para Canclini (2000) três correntes são protagonistas dessa teatralização: o folclore, as
indústrias culturais e o populismo político. Aqui a noção de povo torna-se importante. Este
último começa a existir como referente do debate moderno no fim do século XVIII, pela
formação na Europa de Estados Nacionais. Entretanto, os iluministas acreditavam que esse
povo ao qual se deve recorrer para legitimar um governo secular e democrático é também o
portador daquilo que a razão quer abolir - a superstição, a ignorância, e a turbulência. O povo
interessa como legitimador da hegemonia burguesa, mas incomoda como lugar do inculto e
do grotesco (CANCLINI, 2000).
Diante desses sentimentos contraditórios alguns escritores e filósofos fundaram no
século XIX a primeira sociedade do Folclore. Este nome passou a designar e a disciplinar as
questões referidas aos saberes e expressões subalternas. Contudo, um primeiro obstáculo para
o conhecimento folclórico procede do recorte do objeto de estudo, no qual este é visto como
uma propriedade de grupos indígenas ou camponeses isolados e auto-suficientes, cujas
técnicas simples e a pouca diferenciação social os preservariam de ameaças modernas. Com
isso, interessam mais os bens culturais objetos, lendas, músicas que os agentes que os
geram e consomem (CANCLINI, 2000).
Nesse sentido, um segundo obstáculo para o conhecimento folclórico, conforme
Canclini (2000) se deu em virtude de que grande parte dos estudos folclóricos nascerem, de
um lado, pela necessidade da construção de uma identidade nacional, assumindo, por isso
conotações populistas, e de outro lado, em virtude das inclinações românticas de resgatar os
sentimentos populares frente ao “desencantamento” do mundo moderno. Diante desses
condicionamentos não é cil que os estudos sobre o popular produzam conhecimento
científico. Como exemplo disso, o autor salienta os estudos de Renato Ortiz, no Brasil, no
qual se constata que o desenvolvimento dos estudos folclóricos deve muito a objetivos tão
pouco científicos como os de fixar o terreno da nacionalidade em que se fundem o negro, o
branco e o índio; dar aos intelectuais que se dedicam a cultura popular um recurso simbólico
através do qual possam expressar a situação periférica de seu país.
Canclini (1983) em seus estudos sobre artesanato e festas populares no capitalismo,
verificou algumas causas que contribuíram para a expansão e a manutenção dessas culturas
32
populares. Atualmente, essa condição, segundo o autor se deve pelo menos a quatro tipos de
causa: a impossibilidade de incorporar toda a população à produção industrial urbana; à
necessidade do mercado de incluir os bens simbólicos tradicionais nos circuitos massivos de
comunicação, aos interesses dos sistemas políticos em levar em conta o folclore a fim de
fortalecer sua hegemonia e sua legitimidade e deve-se também a continuidade na (re)produção
cultural dos setores populares.
No estudo acima citado, o autor, também verificou que o desemprego é um dos
motivos pelos quais está aumentando o trabalho artesanal, tanto no campo, como nas cidades,
deslocando para esse tipo de produções jovens procedentes de setores sócios econômicos que
nunca trabalharam nesse ramo. A incorporação dos bens folclóricos a circuitos comerciais
mostra que a expansão do mercado necessita ocupar-se também de setores que resistem ao
consumo uniforme ou encontram dificuldades para participar dele. Com isso, diversifica-se a
produção e são utilizados os traçados tradicionais, o artesanato e a sica folclórica, que
continuam atraindo os indígenas, camponeses, as massas de migrantes e novos grupos, como
intelectuais, estudantes e artistas. Através das diversas motivações de cada setor – afirmar sua
identidade, marcar uma definição política nacional popular ou a distinção de um gosto
refinado com enraizamento tradicional essa ampliação de mercado contribui para expandir
os bens folclóricos a serviço da (re)produção e manutenção dos privilégios dos dominantes.
Assim, para Canclini (2000) por discutíveis que pareçam certos usos comerciais de
bens folclóricos, é inegável que grande parte do crescimento e da difusão das culturas
tradicionais se deve a promoção das indústrias fonográficas, aos festivais de dança, as feiras
de artesanato e a sua divulgação pelos meios massivos. A comunicação radiofônica e
televisiva ampliou em escala nacional e internacional a repercussão local. Além disso,
constatou-se que houve, nos últimos anos, uma expansão do folclore porque os Estados
incrementaram nas últimas décadas o apoio a produção (créditos a artesãos, subsídios,
concurso), sua conservação, comércio e difusão. Segundo Canclini (2000) há, por certo, por
trás disso, diversos objetivos: criar empregos, fomentar a exportação de bens tradicionais,
atrair o turismo, aproveitar o prestigio histórico e popular do folclore para solidificar a
hegemonia e a unidade nacional sob a forma de um patrimônio que parece transcender as
divisões entre as classes e etnias.
Contudo, conforme Canclini (2000) todos esses usos da cultura tradicional seriam
impossíveis sem um fenômeno básico: a continuidade da produção de artesãos, músicos,
bailarinos e poetas populares, interessados em manter sua herança e em renová-las. A
preservação dessas formas de vida, de organização e pensamento se explica por razões
33
culturais, mas também, pelos interesses econômicos dos produtores que tentam sobreviver e
aumentar sua renda. O autor fala do caráter contraditório que os estímulos do mercado e de
órgãos governamentais dão ao folclore. Cita inclusive os conflitos freqüentes entre os
interesses dos produtores ou usuários dos bens populares e dos comerciantes, empresários,
meios massivos e Estado. No entanto, lembra que não se pode dizer que a tendência da
modernização é simplesmente provocar o desaparecimento das culturas tradicionais.
Nesse sentido, Canclini (2000) salienta que o problema não se reduz a conservar e
resgatar tradições supostamente inalteradas. Trata-se, antes, de perguntar como estão se
transformando e como interagem com as forças da modernidade. Diante disso, o autor
argumenta que as culturas camponesas e tradicionais já não representam a parte majoritária da
cultura popular. Nas últimas décadas, houve acelerada migração do campo para a cidade no
contexto latino-americano. Outro fator levantado se refere ao fato que mesmo nas zonas
rurais, o folclore não tem hoje o caráter fechado, estável e arcaico, pois se desenvolve em
meio as relações versáteis que as tradições tecem com a vida urbana, com as migrações e o
turismo, a secularização e as opções simbólicas oferecidas tanto pelos novos movimentos
religiosos ou pela reformulação dos antigos.
Assim, o popular não se concentra nos objetos. O estudo atual da antropologia e da
sociologia sobre a cultura situa os produtos populares em suas condições econômicas de
produção e de consumo. Com isso, em vez de uma coleção de objetos ou de costumes
objetivado, a tradição é pensada como um mecanismo de seleção, e mesmo de invenção, no
sentido de Eric Hobsbawm, projetado em direção ao passado para legitimar o presente. Deste
modo, a evolução das festas tradicionais, da produção e venda de artesanato revela que essas
não são mais tarefas exclusivas dos grupos étnicos, nem sequer de setores camponeses mais
amplos. Além disso, intervêm também em sua organização os ministérios de cultura e
comércio, as fundações privadas, as empresas de bebidas, as rádios e a televisão, no sentido
de um campo de relações conforme Bourdieu (1996). Os fenômenos culturais são o produto
multideterminado de agentes populares e hegemônicos, rurais e urbanos, locais, nacionais e
transnacionais. Por extensão, é possível pensar que o popular é constituído por processos
híbridos e complexos, usando como signos de identificação os elementos procedentes de
diversas classes e nações.
34
2.1.3 Perspectivas Históricas do Artesanato
Segundo Martins (1973) o regime de trabalho que reúne as diferentes técnicas manuais
de produção a partir do século XV ganhou nome
7
, embora a história registre a presença de
objetos feitos à mão em todas as épocas. De fato as atividades manuais são muito antigas.
Prova disso, segundo o autor, tem-se os objetos encontrados pelo arqueólogo Pertti (1967) na
África Ocidental onde o homo habilis fazia instrumentos quase dois milhões de anos.
Não obstante, sabe-se que pelo menos meio milhão de anos o homem de Pequim conhecia
o uso do fogo e fabricava instrumentos de quartzo e arenito.
O homem pré-histórico, conforme Martins (1973) imitava a natureza, tendo como
referência os motivos zoomorfos, evoluindo para os temas vegetais. As formas geométricas e
figuras abstratas apareceram muito tempo depois. No oriente, já se tecia lã na Idade do Bronze
e se conhecia o processo dos cruzamentos, que serviu de base para a tecelagem moderna. A
invenção da roda de fiar data do culo XVI e teve grande repercussão econômica. Um ponto
interessante que o autor destaca é que o novo aparelho ensejou o uso dos pés, que agora se
associava às mãos ao esforço produtivo.
Além disso, Martins (1973) salienta que o torno de oleiro, foi utilizado pelos egípcios
quatro mil anos. Não obstante, o autor relata que nas ruínas de Pompéia, encontraram-se
vasos de barro, que eram utilizados como depósitos de vinhos e que para a construção do
templo do Rei Salomão foram contratados centenas de mestres-artesãos que sabiam trabalhar
muito bem a pedra bruta, o bronze e a madeira. O autor ainda cita que desde os tempos mais
remotos os governantes se preocuparam em institucionalizar o trabalho manual, visando o seu
amparo e desenvolvimento. Como exemplo disso, cita que César Augusto (século I a.C.),
através da lei Julia revigorou a corpora romana em centros profissionais que duraram até as
invasões bárbaras.
Durante os séculos X, XI e XII, segundo Martins (1973), o processo manual de
fabricação prosperou na Europa, em torno dos castelos. Os mestres-artesãos trocavam seus
produtos pelos do campo e, desse modo, o sistema familiar de produção manual prosperou.
As antigas corporações renasceram e marcaram época por sua importância comercial,
7
A origem da palavra artesanato, data do século XV. Os italianos criaram a palavra artigiano que significa artesão. O termo
desdobrou-se no século XIX para artigianato para indicar o regime de trabalho do artesão. O neologismo chegou à França sob
a forma artisan, século XVI e artisanat, século XIX. Do francês a palavra assume as formas de artizam e artizanat em
romeno; artesano e artisania/artesanato em espanhol; e artesão e artesanato em português. No Brasil não registro da
palavra nos dicionários mais antigos. Ela aparece somente em meados do século XX. A palavra assume em alemão a forma
handweck e em inglês handwork, handcraft e handcrasftsmam (Martins, 1973).
35
econômica, política e social. Nesse sentido, conforme Rugiu (1998) não foram simples
associações de produtores de bens, mas ligas profissionais caracterizados por direitos e
deveres particulares, por privilégios e por vínculos reconhecidos e garantidos pelo poder
público. O prestígio destas corporações era tal que cabia a mesma o monopólio do ensino e a
qualificação dos aprendizes até o grau de mestre.
Pereira (1979) argumenta que a grande expansão da atividade artesanal ocorreu entre
os séculos XII e XV. Nesse período, conforme Salles (1983), surgiu a instituição do
artesanato, regulamentada pelas corporações de ofícios conhecidas desde a antiguidade, na
Índia, em Roma e depois, no oriente muçulmano. O artesão, na idade média, organizou-se
também segundo os antigos modelos de corporações de ofícios (Romanos), embora estas
nunca chegassem a garantir dignidade social do trabalho manual. A ascensão das atividades
artesanais no período acima citado deveu-se, segundo Pereira (1979) às dificuldades dos
feudos e dos mosteiros em suprir as necessidades crescentes da burguesia por artigos de luxo.
Tal fato acabou ocasionando um contínuo deslocamento dos consumidores para as feiras e
mercados fora de seus domínios.
Outro indicativo da crescente importância do artesanato, conforme Martins (1973)
pode ser verificada pelos regulamentos confeccionados ao longo dos séculos por países
europeus a fim de regulamentar o ofício. Assim, em 1258 elabora-se na França o Livro dos
ofícios de Paris que passou a disciplinar o trabalho de seus obreiros exigindo deles
aprimoramento técnico e artístico. Outro exemplo vem de Portugal que elaborou o Regimento
de todos os ofícios mecânicos, com o intuito de estimular o comércio com os Flandres. Já no
Brasil, nos primeiros tempos de sua colonização, a necessidade de objetos úteis estimulou a
instalação de oficinas artesanais nas quais os artesãos tiveram a oportunidade de aprimorar
suas habilidades. Contudo, as atividades artesanais foram proibidas no território Brasileiro por
Dom José I com objetivo de liberar mão de obra para a mineração. As proibições se
mantiveram durante o reinado de D. Maria “a louca” e foram derrubadas após a ascensão
ao trono do príncipe D. João que anulou os alvarás proibitivos em 1808.
Os altos e baixos da produção artesanal no Brasil não param por aí. Conforme resgata
Martins (1973), em nome dos preceitos liberais D. Pedro I, na Constituição brasileira de 1824,
aboliu as corporações de ofício. Na mesma linha, a Carta da República de 1891 bem como a
de 1934 omitiram-se sobre o artesanato. Porém, a Constituição da República de 1937
amparou-o em seu artigo 136: “o trabalho manual tem direito à proteção e solicitude especiais
do Estado”. As demais cartas constitucionais (1947, 1966, 1988) não mencionam a questão do
36
artesanato, sendo as únicas referências a este tema a proibição da diferenciação entre o
trabalho manual e o trabalho técnico (utilização de máquinas).
Na sua dimensão simbólica, segundo Salles (1983), o artesanato resulta, basicamente,
da convergência de vertentes culturais européias, indígenas e negro-africanas. Contudo,
adverte para o cuidado em não se particularizar as contribuições dos indígenas e dos negros e
simplificar os conteúdos da nossa cultura material, seguindo o rumo das vertentes européias.
Assim, ao submeter o índio e o negro, na tentativa de organizar uma sociedade dependente o
europeu impôs seu modelo de cultura. Mas, ao se impor não pôde o modelo manter-se íntegro
e sofreu, no curso do tempo, mudanças qualitativas consideráveis.
Esta é uma observação, segundo Salles (1983), preliminar para se compreender a
formação cultural de um país, como o Brasil, cuja experiência colonial plantou raízes nos
legados dos povos nativos, primeiros ocupantes da terra e dos povos negros, forçados a
transmigrar na condição de escravos – todos eles submetidos, afinal, a um mesmo processo de
homogeneização cultural sob o domínio europeu. A situação do índio equiparou-se á do
negro. O índio foi deculturado nas missões e despersonalizado enquanto índio para se
transformar como negro, na força de trabalho indispensável à construção da nova sociedade.
Para D’Avila (1983) a lenta conscientização da importância e significado da produção
artesanal por parte dos órgãos oficiais encontra explicação na própria formação de nossa
nacionalidade. A colonização do Brasil foi impulsionada pela extração de minérios preciosos
e madeira, pela agricultura, pesca e caça. Os indígenas foram recrutados como mão de obra,
mas não se adaptaram as condições impostas e rebelaram-se. Deste modo, a aculturação do
território nacional surgia com a cultura indígena massacrada e a importação dos africanos
como mão de obra escrava para lavouras monocultoras e extração mineral.
Por sua peculiaridade histórica, para Salles (1983) o artesanato brasileiro exige mais
do que compreensão pelo produto artesanal, compreende também o fazer, que é sinônimo de
trabalho. Não o trabalho em migalhas das fábricas, disciplinado por leis específicas, nas
relações do indivíduo com a máquina, mas o que brota em suas mãos como um direito para
lhe assegurar a sobrevivência e/ou para satisfação de suas necessidades peculiares. Deste
modo, os caminhos deste artesanato não procedem exclusivamente da vertente européia, ou
desta e daquela etnia o européia, mas dos caminhos cruzados da cultura. Porém, como os
modelos de língua e das instituições, esse artesanato submeteu-se aos interesses e muitas
vezes, as concepções estéticas do colonizador, no seu esforço de implantação de uma colônia
agrária, interessada principalmente na produção das especiarias apreciadas no mercado
europeu.
37
Salles (1983) salienta que não há notícia da instalação no Brasil do regime corporativo
português concomitantemente com a instalação dos primeiros núcleos coloniais. Porém,
argumenta que os colonizadores sentiram a necessidade de recrutar mão-de-obra e
especializá-la em determinados ofícios. Esse papel pedagógico foi exercido principalmente
pelos missionários cujas escolas, espalhadas por todo o Brasil, não tinha apenas uma intenção
de formação missionária, mas também a formação em artes e ofícios. No entanto, as
exigências materiais dos colonizadores logo provaram ser bem diferente, no seu conjunto, das
exigências materiais básicas dos nativos e negros cujo interesse era obter liberdade.
Apesar de o sistema colonial não favorecer a organização de corporações, Salles
(1983) aponta que sempre houve, em toda a parte, oficiais e mestres de artes mecânicas que
gozavam de prestígio e de regalias. Designavam-se artistas e dentro de cada categoria, como
no modelo europeu, havia possibilidade de ascensão, passando de aprendiz a oficial e de
oficial a mestre, este grau mais elevado na hierarquia artesanal. Nas cidades coloniais
encontravam-se artesãos livres, mas a grande maioria de aprendizes e oficiais era escrava:
propriedade de um mestre europeu ou de senhores necessitados de especialistas para suas
fazendas e engenhos, que os entregavam, criança ainda, ao mestre artesão a fim de formá-lo
oficial.
O autor em epigrafe descreve ainda que, após a independência, surgiram no Brasil
muitos colégios de artífices, destinados principalmente a amparar a infância desvalida, mas
que reproduziam no aprendizado dos ofícios o antigo modelo das escolas religiosas. Por essa
época, em virtude dos esforços para restaurar as corporações de ofício juntamente com o
questionamento da situação do proletariado frente ao capitalismo em expansão, surgiram os
Liceus de Artes e Ofícios. Seu surgimento se deu primeiro no Rio de Janeiro fundado em
1856, e estava associado à idéia de educação popular, com aulas noturnas para operários,
crianças e adultos.
2.1.4 Os Estudos Sobre Artesanato no Brasil: O Estado da Arte
O antropólogo Saul Martins (1973) realizou seus estudos sobre artesanato no Brasil
nas décadas de 50, 60 e 70 e apontava para a escassez de discussões sobre o tema e
basicamente as publicações, na época, ficavam restritas as descrições das oficinas domésticas
38
com registros sobre técnicas de produção manual. O autor salienta também que a teorização
sobre o tema é ainda menor, o que denota uma falha. Assim, sem fontes de estudos a não ser o
próprio campo, o autor seguiu fazendo formulações primárias e reformulações quando a
autocrítica assim o advertia.
O estudo do artesanato, no Brasil, segundo Fleury (2002), tem sido realizado através
do folclore, da sociologia e da antropologia. A esfera governamental também tem se ocupado
do seu estudo, sobretudo, por meio das instituições ligadas à cultura e ao trabalho. Os estudos
desenvolvidos pelo Estado têm mostrado preocupações de ordem socioeconômica e cultural, e
estão sendo inseridos atualmente, em uma política voltada para o turismo e comércio exterior.
Salles (1983) salienta que o estudo sistemático do artesanato não tem longa tradição no Brasil.
O autor destaca o trabalho de Mário de Andrade e sua iniciativa na execução de medidas
práticas em favor do artesanato quando diretor do Departamento de Cultura da prefeitura de
São Paulo. Destaca também a influência de Luiz da Câmara Cascudo que fundou em Natal
(1941) a Sociedade Brasileira do Folclore que entre suas propostas incluía a criação do museu
do povo e a proteção do artesanato.
Salles (1983) relata ainda, que por parte da esfera governamental, as intervenções mais
específicas no campo do artesanato se fizeram sentir, por meio do Ministério da Educação e
Cultura - final da década de cinqüenta, com desenvolvimento de uma campanha em defesa do
folclore brasileiro e do artesanato. Contudo, esclarece o autor que é a partir de 1975 que o
Ministério do Trabalho assumiu a postura de coordenar todas as atividades dispersas ligadas
ao artesanato, com isso deu-se início a um projeto para desenvolver o artesanato nacional; este
visava basicamente à formação e o aperfeiçoamento do artesão.
Nesse contexto, dá-se a instituição, pelo decreto 80.098 em 08 de agosto de 1977 do
Ministério do Trabalho, do Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato (PNDA).
O PNDA, segundo Salles (1983), objetivava coordenar, estimular e desenvolver as atividades
artesanais no país. Especificamente visava a melhoria do padrão de vida dos artesãos, a
ampliação de oportunidades e a conservação de valores culturais através do trabalho. Para
tanto, a estratégia se concentrou na implementação, expansão e aperfeiçoamento das
estruturas de produção e comercialização do artesanato. A política desenvolvimentista
executada pelo PNDA foi ao encontro da Constituição de 1937, que encarou o artesanato
como uma das formas de atividade econômica protegidas pelo Estado.
Para a proposição do PNDA, segundo Pereira (1979) foram analisadas várias questões
como a inexistência de um organismo coordenador e disciplinador da atividade artesanal; a
carência de diretrizes adequadas e de projetos de assistência técnica e econômica; o
39
desconhecimento ou a inexistência de instrumentos legais regulamentadores das implicações
trabalhistas, previdenciárias, fiscais e tributárias. Além disso, também foi alvo de preocupação
a ausência de políticas em termos de mercadologia, como base do processo de produção,
comercialização e aspectos concernentes; o aviltamento da mão-de-obra artesanal pela
presença de intermediários interessados na desvalorização do produto; a falta de critérios de
pesquisa adequados e uniformes para reconhecimento do artesanato em todos os seus aspectos
e a falta de uniformidade do atendimento à demanda, resultando na marginalização econômica
do setor.
Ainda segundo Pereira (1979) o PNDA serviu de base para a estruturação de planos
estaduais. Tornava-se importante, portanto, definir o artesanato e caracterizar
profissionalmente o artesão. Ficou decidido, então, que artesanato é uma atividade
predominantemente manual de produção de um bem que requeira criatividade e/ou
habilidade, sendo o resultado da montagem individual de componentes mesmo anteriormente
trabalhados, e que resulta em um novo produto. Ficou também estipulado que artesão é aquele
indivíduo que faz artesanato nas condições supracitadas.
Assim, conforme salienta Pereira (1979), uma vez decididas, estas questões passaram
a ser o embasamento do novo decreto com vistas a permitir a identificação do produto
artesanal como atividade econômica peculiar, bem como o registro nacional do artesão; a
caracterização profissional do artesão e seu decorrente enquadramento trabalhista e
previdenciário; a fixação de linhas específicas de crédito e de outros incentivos adequados as
características da atividade artesanal; a edição, pelo ministério do trabalho, de normas
complementares, regulamentando a forma de identificação dos produtos artesanais e a
atividade do artesão criando o sistema de apoio operacional as normas estabelecidas, bem
como os demais órgãos componentes do PNDA e a adoção de medidas adequadas, e em sua
área de competência para o cumprimento dos objetivos do programa.
Com base em consulta ao site do MDIC
8
, verificou-se que após a instituição do
PNDA, realizou-se, na década de 80 o I Simpósio de Artesanato, que defendeu a necessidade
de preservação dos aspectos culturais do artesanato. Além disso, fez parte também de seus
apelos a criação de cooperativas artesanais, programas de qualificação do artesão, melhoria
das condições de comercialização do artesanato e elaboração de um calendário de eventos do
setor. Estas idéias culminam em 1995 (decreto 1.508) com a instituição do Programa de
Artesanato Brasileiro (PAB) que passou a vincular-se ao Ministério da Indústria, do Comércio
8
Ministério do desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em: www.desenvolvimento.gov.br/
Acesso em: Julho, 2008.
40
e do Turismo, que em sua competência foi sucedido pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior. Outro fator que merece ser citado é a parceria do SEBRAE
junto a esse Ministério que desde 1997
9
passou a contar com recursos do governo federal para
desenvolver projetos voltados para o artesanato nos 27 Estados da federação.
O olhar para as ações do MDIC, bem como do SEBRAE permite inferir a
predominância de uma visão de negócio destes órgãos sobre o artesanato. Isso impacta
diretamente no teor das políticas públicas do Estado para o setor. Os dados fornecidos pelo
SEBRAE
10
e pelo MDIC revelam que o artesanato brasileiro responde por 2,8% do PIB (cerca
de R$ 28 bilhões, dados de 2001) e emprega cerca de 8,5 milhões de pessoas diretamente.
Não obstante, quando os números do artesanato são combinados com os do turismo, os
valores chegam a quase R$ 40 bilhões e 14,5 milhões de pessoas empregadas diretamente. O
SEBRAE (2008) estima que enquanto são necessários cerca de R$ 150.000,00 para criar uma
nova vaga na indústria automobilística, são necessários apenas R$ R$ 50,00 para garantir
matéria-prima e ocupação a um artesão.
2.2 A TEORIA DOS CAMPOS SOCIAIS DE PIERRE BOURDIEU: O DESVELAMENTO
DOS MECANISMOS PROFUNDOS DE PODER
O nosso amor-próprio tem menos paciência para suportar a condenação de
nossos gostos que a de nossas opiniões (La Rochefoucauld).
Para compreender a teoria de Campo em Bourdieu, faz-se necessário percorrer o
conceito de habitus, que segundo Wacquant (2005), constitui uma via de mão dupla com a
noção de campo não podendo dissociá-los quando se pretende entendê-los. Além disso, não
podemos deixar de expor outros conceitos caros ao tecido teórico de Bourdieu, a noção de
capital, poder simbólico, espaço social e campo. Abordaremos também o campo
artístico/cultural e o campo econômico, importantes categorias para este estudo.
9
O SEBRAE para comemorar os 10 anos de atuação, desenvolvendo projetos para o artesanato brasileiro,
publicou uma revista intitulada - Artesanato: um negócio genuinamente brasileiro, volume 1, nº 1, março de
2008.
10
SEBRAE. Artesanato brasileiro. Disponível em: www.sebraepr.com.br. Acesso em: maio, 2008.
41
2.2.1 O Conceito de Habitus em Bourdieu
Para Bourdieu (2005a) tratar a teoria como um modus operandi que orienta e organiza
a prática científica significa romper com a complacência um tanto feiticista que os teóricos
imprimem a ela. Diferente da teoria teórica
11
a teoria científica manifesta-se como um
esquema de percepção e ação revelado somente no trabalho empírico em que se realiza. Em
virtude disso, adotar verdadeiramente o partido da ciência implica dedicar mais tempo e
esforço a pôr em ação os conhecimentos teóricos auferidos investindo-os em pesquisas novas,
buscando prolongar criticamente suas premissas, mesmo correndo os riscos próprios de
esforços dessa envergadura (LAHIRE, 2002). Para esse autor o verdadeiro trabalho científico
consiste em prolongar as idéias esboçadas em obras científicas buscando sempre ultrapassar o
que já foi dito.
Para Thiry-Cherques (2006), Bourdieu retoma o ensinamento de Durkheim de que os
fatos sociais devem ser construídos para que se tornem objeto de estudo. Isto para que antes
de proceder à coleta e análise dos dados, efetue-se a preparação de um quadro de referências,
de modo a formular questões adequadas a tornar as respostas inteligíveis. Na construção do
objeto, segundo esse autor, faz-se necessário separar as categorias que pré-constroem o
mundo social e se fazem esquecer por sua evidência, o que significa levar a campo conceitos e
noções que pressupõem uma referência à teoria.
Deste modo, para Bourdieu (2005a) parece indispensável fazer uma genealogia de
conceitos já que não são frutos de uma partenogênese teórica. Nesse sentido, segundo o autor,
a noção de habitus exprime principalmente a recusa a toda uma série de formulações
engendradas nas ciências sociais, tais como a da filosofia cartesiana da consciência
12
e ao
mesmo tempo da alternativa entre o mecanismo e o finalismo
13
. Retomando a noção
aristotélica de hexis
14
convertido pela escolástica
15
em habitus, Bourdieu (2005a) almejava
11
“O paradigma (...) da teoria teórica é a obra de Parsons (...) conceitual obtido pela compilação puramente
teórica (quer dizer alheia a toda aplicação) de algumas das grandes obras (Durkheim, Pareto, Weber, etc.),
reduzidas à sua dimensão teórica ou, melhor, professoral (...). Nascidas do ensino, estas compilações ecléticas e
classificatórias são boas para o ensino – mas para isso somente.” (Bourdieu, 2005: 24).
12
Bourdieu rejeita as dualidades entre corpo e espírito, compreensão e sensibilidade, sujeito e objeto, o em si e
por si, da ontologia cartesiana (
WACQUANT, 2005).
13
Mecanismo: a ação constitui o efeito mecânico da coerção das causas externas; finalismo: a ação é fruto de um
cálculo consciente das chances e dos ganhos livres de qualquer constrangimento.
(BOURDIEU, 2001: 169).
14
Para Bourdieu (apud Valle, 2008) hexis diz respeito a uma maneira durável de se portar, de andar, de sentir, e
de pensar. Trata-se de uma mitologia política incorporada que se torna disposição e designa os mecanismos pelos
quais a identidade social é inscrita no corpo, na linguagem e nas maneiras de ser.
15
Bourdieu (2005b: 200) recorre a Austin para dar conta do significado essencial da palavra escolástica, qual
seja: a utilização específica da linguagem que, ao invés de apreender o sentido de uma palavra que seja
42
contrapor-se ao estruturalismo e sua filosofia da ação que reduz o agente ao papel de suporte
da estrutura.
Assim, segundo Wacquant (2007), Pierre Bourdieu recupera e retrabalha a noção de
habitus para forjar uma teoria disposicional da ação capaz de reintroduzir na antropologia
estruturalista a capacidade inventiva dos agentes. As raízes do habitus, segundo esse autor,
encontram-se na noção aristotélica de hexis, elaborada na sua doutrina sobre a virtude, a qual
a moral orienta nossa conduta. No século treze, Conforme Wacquant (2007) o termo foi
traduzido para Latim como habitus por Tomás de Aquino, o qual adquiriu o sentido de
disposição durável suspensa a meio caminho entre potência e ação propositada. Foi utilizado
moderadamente por sociólogos da geração clássica como Émile Durkheim, Marcel Mauss,
Marx Weber e Thorstein Veblen. Não obstante, a noção ressurgiu na fenomenologia, de forma
mais proeminente nos escritos de Edmund Husserl, que designava por habitus a conduta
mental entre experiências passadas e ações vindouras. Além de Husserl, também utilizaram
essa noção Alfred Schutz e Maurice Merlau-Ponty. (WACQUANT, 2007).
Contudo, argumenta Wacquant (2007) é no trabalho de Pierre Bourdieu, que
encontramos a mais completa renovação sociológica do conceito. O habitus, conforme
Wacquant (2007, p. 6) delineado para transcender a oposição entre objetivismo e
subjetivismo, é uma noção mediadora que ajuda a romper com a dualidade entre indivíduo e
sociedade ao captar “a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade”. Do
mesmo modo, segundo o autor, a noção de habitus explica a maneira como a sociedade se
torna depositada nos indivíduos sob a forma de disposições para pensar, sentir e agir de
modos determinados, que então as guiam nas suas respostas criativas aos constrangimentos e
pressões da estrutura social.
Bourdieu (2001) propõe que a prática não é uma reação mecânica das pressões
estruturais nem o resultado da perseguição intencional de objetivos pelos indivíduos. Trata-se
antes do “produto de uma relação dialética entre a situação e o habitus, entendido como um
sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências
passadas, funcionam em cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações
que torna possível cumprir tarefas infinitamente diferenciadas, graças à transferência
analógica de esquemas” adquiridos numa prática anterior (Wacquant, 2007, p.2).
imediatamente compatível com a situação, recenseia e examina todos os sentidos possíveis dessa palavra, fora de
qualquer referência à situação. Trata-se, além disso, de um ponto de vista muito específico sobre o mundo social,
sobre a linguagem ou sobre qualquer objeto do pensamento, da qual a escola faz parte.
43
Bourdieu (2001) pretendia com a noção de habitus evidenciar as capacidades criadoras
e inventivas dos agentes. No entanto, o autor chama atenção para o fato de que este poder
gerador não se traduz em um princípio universal ou numa natureza humana. O habitus é um
conhecimento adquirido, uma disposição incorporada, quase postural. O agente social,
segundo Bourdieu (2000, p. 262), na medida em que é dotado de um habitus, “é um
individual coletivo ou um coletivo individualizado”, devido à incorporação. O habitus é,
conforme o autor, “subjetividade socializada”, cujas categorias de percepção e apreciação
(sistemas de preferências) são produtos da história do campo. Para o autor, se existe uma
propriedade universal é a de que os agentes não são universais, pois suas preferências e gostos
são o produto de seus movimentos no espaço social.
que se lembrar, entretanto, conforme Bourdieu (2000, p. 263) que o habitus nada
tem de princípio mecânico de ação ou reação sendo, pois, uma “espontaneidade condicionada
e limitada”. O habitus é um princípio prático que permite que “a ação não seja simplesmente
uma reação imediata a uma realidade bruta, mas uma réplica inteligente” às pressões
estruturais, ligado a uma história cheia de um futuro provável. Essa noção, conforme
Bourdieu (2000), rastro da trajetória passada que os agentes opõem às forças do campo, faz
com que suas estratégias
16
não possam ser reduzidas diretamente nem da posição nem na
situação imediata do campo ao qual fazem parte.
O habitus argumenta Bourdieu (2000), é o produto de uma acumulação coletiva e
individual da história do campo e pode ser compreendido adequadamente por uma análise
genética do campo social do qual é o produto. O habitus, segundo Bourdieu (2000, p. 265) “é
um princípio de ação muito econômico, que assegura uma enorme economia de cálculo e
também de tempo e recursos”. Não obstante, a relação do habitus com o campo , na qual o
habitus se determina determinando o que o determina, é um cálculo sem calculador, uma
ação intencional sem intenção” (BOURDIEU, 2000, p. 266).
Porém, a eficácia do habitus, conforme Bourdieu (2000) se observa mais claramente
em todas as situações nas quais ele não é o produto das condições de sua atualização. Isto
ocorre quando os agentes, por exemplo, formados numa economia pré-capitalista são
confrontados às exigências de um universo capitalista. Tal fato também se verifica, segundo
Bourdieu (2000) quando as disposições de um agente em ascensão ou em declínio na estrutura
16
“A linguagem da estratégia, que somos forçados a empregar para designar as seqüências de ações
objetivamente orientadas para uma finalidade e observáveis em todos os campos, não deve nos enganar: as
estratégias mais eficazes, sobretudo em campos dominados por valores de desinteresse, sendo o produto de
disposições modeladas pela necessidade imanente do campo, são aquelas tendentes a se ajustar espontaneamente
a essa necessidade, sem qualquer intenção de cálculo.” (Bourdieu, 2001: 169)
44
social estão em dissonância com a posição que ele ocupa. Desse modo, “tais efeitos de
histerese
17
, de atraso de adaptação (...) encontram sua explicação no caráter relativamente
durável, o que não quer dizer imutável, do habitus” (BOURDIEU, 2000, p. 267).
Assim, argumenta Bourdieu (2000) o encontro das disposições ajustadas às regras do
jogo social produz antecipações razoáveis e não racionais. Essas disposições para agir,
segundo Bourdieu (2000, p. 267) “asseguram um domínio prático das situações de incerteza e
institui uma relação para com o futuro que não é a do projeto”, porém de uma “antecipação
prática que se apresenta como a única coisa a fazer” que toma o porvir como quase presente e
não como um futuro contingente.
Para Bourdieu (2001), o habitus é um senso prático que permite agir de maneira
adequada sem precisar de regras de conduta. Maneiras de ser resultantes de uma modificação
durável do corpo engendrada pela educação. O habitus, segundo Bourdieu (2001, p. 175),
enquanto produto da incorporação de um nomos (lei), do princípio de visão e de divisão
constitutivo de uma ordem social, engendra práticas imediatamente ajustadas a essa ordem,
“transformando-se continuamente numa relação de mão dupla estruturada e estruturante com
o campo”.
Essa relação dialética entre as estruturas objetivas e as estruturas incorporadas, num
mundo onde tudo parece evidente supõe o acordo entre as disposições do agente e as
expectativas inerentes ao mundo no qual estão inseridos. Conforme Bourdieu (2001, p. 179),
essa coincidência perfeita dos esquemas práticos e das estruturas objetivas somente se torna
possível pelo fato dos esquemas aplicados ao mundo serem o produto da experiência ordinária
e familiar. Logo, sendo “o habitus o produto de uma história, os instrumentos de construção
do social investidos por ele no conhecimento prático do mundo e na ação são socialmente
construídos” (BOURDIEU, 2001, p. 180).
Nesse sentido, é na relação entre habitus e o campo, entre o jogo e o sentido do jogo,
que se engendram os interesses jamais afirmados como tais. Essa relação entre as
predisposições e a estrutura social, torna-se possível, conforme Bourdieu (2001, p. 185), na
medida em que o corpo está no mundo social e o mundo social está no corpo, ou seja, as
próprias estruturas do mundo estão presentes nas estruturas que os agentes empregam para
compreendê-lo. Essa relação dóxica com o mundo natal, argumenta Bourdieu (2001), é uma
relação de pertencimento na qual o corpo possuído pela história se apropria de maneira
imediata das coisas habitadas pela mesma história (BOURDIEU, 2001, p. 185).
17
“... intervalo temporal entre a incidência de uma força social e o desenvolvimento dos seus efeitos através da
mediação retardadora da incorporação.” (Wacquant, 2006:17).
45
Do mesmo modo, conforme Bourdieu (2001) é somente quando a herança se apropria
do herdeiro que este pode se apropriar da herança. Para Bourdieu (2001, p. 185) essa
apropriação do herdeiro pela herança, condição de apropriação da herança pelo herdeiro, se
realiza sob o efeito conjugado dos condicionamentos inscritos na condição de herdeiro, e da
ação pedagógica dos predecessores, proprietários apropriados.
Thiry-Cherques (2006, p. 33) condensa o conceito de habitus na seguinte passagem:
As disposições não são nem mecânicas, nem determinísticas. São plásticas,
flexíveis. Podem ser fortes ou fracas. Refletem o exercício da faculdade de ser
condicionável como capacidade natural de adquirir capacidades não-naturais,
arbitrárias (Bourdieu, 2001, p. 189). São adquiridas pela interiorização das estruturas
sociais. Portadoras da história individual e coletiva, são de tal forma internalizadas
que chegamos a ignorar que existem. São as rotinas corporais e mentais
inconscientes, que nos permitem agir sem pensar. O produto de uma aprendizagem,
de um processo do qual já não tem mais consciência e que se expressa por uma
atitude “natural” de nos conduzirmos em um determinado meio.
Além disso, Thiry-Cherques (2006) salienta que o habitus, promove a mediação entre
a estrutura e a ação, designa o sistema de disposições, que funciona como princípio gerador e
organizador de práticas e de representações. O habitus gera uma lógica, uma racionalidade
prática, irredutível à razão teórica. É adquirido mediante a interação social e, ao mesmo
tempo, é o classificador e o organizador desta interação. Não obstante, para Bourdieu (2004a)
essa noção constitui a nossa maneira de perceber, julgar e valorizar o mundo, e, conforma,
portanto, nossa forma de agir, corporal e materialmente. O habitus engendra e é engendrado
pela gica do campo social, de modo que somos os vetores de uma estrutura estruturada que
se transforma em uma estrutura estruturante. O habitus é infraconsciente no sentido de uma
segunda natureza, parcialmente autônoma, que histórica e presa ao meio. Isto quer dizer
que ele nos permite agir em um meio dado sem cálculo ou controle consciente, não supondo a
visada dos fins. É princípio de um conhecimento sem consciência, de uma intencionalidade
sem intenção (Bourdieu, 2004).
O habitus contém em si o conhecimento e o reconhecimento das regras do jogo em um
campo determinado, funcionando como esquema de ação e de percepção presente no corpo e
na mente da coletividade inscrita em um campo. No entanto, não é destino, preserva uma
margem de liberdade ao agente conferida pelas regras dominantes no campo em que se insere.
Ele contém as potencialidades objetivas, associadas à trajetória da existência social dos
indivíduos, que tendem a se atualizar. Todo agente para subsistir socialmente, deve participar
de um jogo que lhe impõe sacrifícios. Neste jogo, alguns se crêem livres outros determinados.
46
Mas, para Bourdieu, não somos nem uma coisa nem outra. Somos o produto de estruturas
profundas. Temos, inscritos em nós, os princípios geradores e organizadores das nossas
práticas e representações, das nossas ações e pensamentos (THIRY-CHERQUES, 2006).
Ao recuperarmos em Bourdieu a nese do conceito de habitus, recorremos a
Wacquant para justificar esse caminho com vistas a minimizar as possibilidades de mal-
entendidos sobre o referido conceito. Assim, para Wacquant (2007), proceder à gênese da
noção de habitus recriada por Bourdieu para dar conta da ruptura econômica e da desconexão
social trazida pela guerra argelina de libertação nacional permite-nos clarificar quatro
incompreensões recorrentes sobre o conceito. Primeiro, o habitus nunca é a réplica de uma
única estrutura social, na medida em que é um conjunto dinâmico de disposições sobrepostas
em camadas dos diversos ambientes sucessivamente encontrados na vida de uma pessoa.
Em segundo lugar, o habitus não é necessariamente coerente e unificado, mas revela
graus variados de integração e tensão dependendo da compatibilidade e do caráter das
situações sociais que o produziram ao longo do tempo. Terceiro, o conceito permite a análise
de crises e as mudanças na estrutura social. Isso em virtude do habitus não estar
necessariamente de acordo com o mundo social em que evolui. Bourdieu adverte-nos para não
universalizar-mos inconscientemente o poder gerador do habitus, que é apenas
completamente válido no caso em que as condições de produção do habitus são idênticas ou
homólogas das suas condições de funcionamento (WACQUANT, 2007).
Por último, o habitus não é um mecanismo auto-suficiente para a geração da ação:
opera como uma mola que necessita de um gatilho externo e não pode, portanto, ser
considerado isoladamente dos mundos sociais particulares, ou campos, no interior dos quais
evolui. Assim, uma análise completa da prática requer uma tripla elucidação: da gênese e das
estruturas sociais, do habitus e do campo, além das dinâmicas da sua confrontação dialética
(WACQUANT, 2007).
A importância de se entender a noção de habitus formulada por Bourdieu diz respeito,
em primeiro lugar, a relação de mão dupla deste com o campo. Da teoria dos campos sociais
do autor, depreende-se que o campo precede o habitus, porém o habitus numa relação
dialética determina o que o determina, sendo assim, para se analisar o subcampo do artesanato
da grande Florianópolis nos parece fundamental refletir o habitus enquanto categoria de
pensamento do autor como um elemento fundamental para o entendimento do campo de
estudo. Ora, o habitus é dado pela posição do agente no campo, essa posição imprime uma
maneira de ver e de classificar o mundo e a maneira pela qual os agentes se relacionam entre
si, bem como fazem suas escolhas dentro de uma hierarquia delimitada pelos possíveis que
47
sua posição lhe permite. De outro modo, é o habitus que dá ao agente o sentido do jogo social
em determinado campo e faz com que os agentes percebam os interesses e alvos a serem
perseguidos.
Assim, acreditamos que a análise do habitus é fundamental para a compreensão das
estratégias de reprodução que dão ao campo artesanal de Florianópolis sua configuração atual.
2.2.2 Espaço Social: A Idéia da Diferença
Embutida na noção de espaço social está a idéia de diferença, traço distintivo -
propriedade relacional que só existe em relação a outras propriedades. O espaço social
congrega um conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas as outras,
definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e por relações de
proximidade. Esse espaço é constituído pelos agentes nele distribuídos em função de sua
posição na estrutura de acordo com os dois princípios de diferenciação: o capital econômico e
o capital cultural (BOURDEIU, 2005b).
Contudo, torna-se importante compreender que a noção de espaço social em Bourdieu
(2005a) pretende realizar uma série de rupturas. Rupturas com a teoria marxista, com as
teorias substancialistas, com o economicismo que leva a reduzir o campo social, espaço
multidimensional, unicamente ao campo econômico e ruptura com o objetivismo que leva a
ignorar as lutas simbólicas (representação do mundo) nos diferentes campos.
O espaço social, segundo Bourdieu (2005b) organiza-se em conformidade a três
dimensões fundamentais. Na primeira, os agentes se distribuem de acordo com o volume
global do capital possuído, incluídos aí todos os tipos. Na segunda dimensão, se distribuem de
acordo com a estrutura desse capital, ou seja, de acordo com o peso relativo do capital
econômico e do capital cultural no conjunto de seu patrimônio. Na terceira dimensão, de
acordo com a evolução, no tempo, do volume e da estrutura de seu capital.
O mundo social representado na forma de espaço com múltiplas dimensões é
construído com base em princípios de diferenciação constituídos pelo conjunto de
propriedades
18
que conferem força ou poder neste universo. Os agentes o definidos, neste
espaço, pelas posições que nele ocupam. De maneira geral, o espaço de posições sociais se
18
São propriedades que atuam como princípios de construção do espaço social, são as diferentes espécies de
poder ou de capital que ocorrem nos diferentes campos (BOUDIEU, 2005ª, p. 134)
48
retraduz em um espaço de tomadas de posições pela intermediação do habitus. Assim, cada
classe de posição corresponde a uma classe de gostos gerados pelos condicionamentos sociais
associados a um conjunto de bens e de propriedades vinculadas entre si por uma afinidade de
estilo. Nesse sentido, o habitus desempenha um papel importante no espaço social, que é
um princípio gerador e unificador que reescreve as características relacionais de uma posição
em um estilo de vida unívoco em um conjunto também unívoco de escolhas de pessoas, de
bens, de práticas. (BOURDIEU, 2005b)
Segundo Bourdieu (2005b), construir o espaço social, uma realidade invisível que
organiza as práticas e as representações dos agentes, significa possibilitar a construção de
classes teóricas tão homogêneas quanto possível. Isso em virtude de propriedades
determinantes que permitem agrupar os agentes que mais se pareçam entre si e que sejam tão
diferentes quanto possível dos integrantes de outras classes, vizinhas ou distantes. O autor
salienta ainda, que as pessoas inscritas em um setor restrito do espaço social serão mais
próximas em virtude de suas propriedades, suas disposições e seus gostos. Contudo, Bourdieu
chama atenção que essa proximidade das pessoas no espaço social não faz delas uma classe,
no sentido de Marx, ou seja, um grupo mobilizado por objetivos comuns e particularmente
contra outra classe.
No entanto, conforme Bourdieu (2005a), a diferença, em termos de espaço social,
existe e persiste. Diante dessa questão, o sociólogo problematiza com a pergunta: É
necessário, portanto, afirmar a existência de classe? Sua resposta é “não”. O autor argumenta
que as classes sociais não existem no real, o que existe é um espaço social de diferenças, no
qual as classes existem de um modo virtual, como algo que se trata de fazer. Ocorre que essa
construção não se dá no vazio social, mas por meio da posição ocupada nesse espaço com
base na estrutura de distribuição dos diferentes tipos de capital que comandam as
representações desse espaço nas lutas para conservá-lo ou transformá-lo.
As lutas de transformação ou conservação da estrutura do campo permitem fundar
uma análise da distribuição das propriedades ativas do espaço social. O espaço social, desta
forma, constitui-se em um campo de forças, tanto quanto um campo de lutas no interior do
qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição no
campo, contribuindo assim para a transformação ou conservação de sua estrutura
(BOURDIEU, 2005a).
49
2.2.3 O Conceito de Campo: Espaço de Relações Sociais
Além da condição histórica, a noção de campo suscita um nomos que lhe é próprio, ou
seja, sua lei fundamental. Desse modo, para Bourdieu (2001) o arbitrário situa-se no princípio
de todos os campos, cada um deles possui sua lei de constituição. Irredutível e imputável a
qualquer outra, ela é válida no seu próprio campo de origem, como exemplo pode ser
citado, o caso do campo artístico de final do século XIX cujo nomos “arte pela arte” se opõe
ao que se passa no campo econômico cuja lei obedece a tautologia “negócios são negócios”.
Bourdieu (2005a) nos fala que a teoria dos campos que progressivamente foi sendo
elaborada, nada deve ao pensamento econômico. Entretanto, reconhece o autor, que ao
reinterpretar, numa perspectiva relacional, a análise que Weber aplicava à religião com alguns
conceitos retirados da economia, se viu cercado de propriedades gerais que a teoria
econômica tinha assinalado sem delas possuir o adequado fundamento teórico. Sendo assim,
Bourdieu (2005a) argumenta que em vez de ser a transferência que está na origem da
construção do objeto, é a construção do objeto que exige a transferência e a fundamenta.
Desse modo, tratando-se de analisar os usos sociais da língua, a ruptura com a noção
vaga da situação obriga a que se pensem as relações de intercambio lingüístico como outros
tantos mercados que se especificam segundo a estrutura das relações entre os capitais culturais
dos grupos. Isso leva a supor que a teoria econômica, no lugar de ser modelo fundador, deve
antes ser pensada como um caso particular da teoria dos campos que se constrói aos poucos.
Tal proposição permite compreender as contribuições e os limites de transferências como as
que Weber realiza, e obriga a repensar os pressupostos da teoria econômica à luz
principalmente dos conhecimentos conquistados a partir da análise dos campos de produção
cultural
19
(BOURDIEU, 2005a).
A teoria dos campos, desenvolvida por Bourdieu (2005a) autoriza descrever e definir a
forma específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos mais gerais: capital,
investimento, ganho, evitando assim o reducionismo econômico que nada mais conhece a não
ser o interesse material e a maximização do lucro monetário. Assim, para o autor,
compreender a gênese social de um campo e apreender a crença que o sustenta, o sentido do
19
A análise (...) de um universo econômico como o do campo dos produtores de habitação, reconhece um certo
número de características já observadas em campos como o da alta costura ou mesmo o da pintura e da literatura:
sobretudo o papel dos investimentos destinados a produzir a crença no valor de um produto simultaneamente
econômico e simbólico, ou o fato de, neste domínio como em outros, as estratégias das operações dependerem da
sua posição no campo da produção (...)” ( Bourdieu, 2005: 69).
50
jogo que nele se joga, é explicar os atos dos produtores e as obras por eles produzidas e não
reduzi-los ou destruí-los.
Não obstante, o princípio de visão e divisão e o modo de conhecimento seja ele
religioso, filosófico, jurídico artístico, entre outros, só podem ser conhecidos e compreendidos
em relação a legalidade específica do campo do qual fazem parte. Dito de outra forma, as
estruturas de pensamento do filósofo, do escritor ou do artista, bem como os limites de seus
pensáveis e impensáveis, são sempre dependentes das estruturas de seu campo, logo da
história das posições constitutivas desse campo e das disposições nele valorizadas
(BOURDIEU, 2001).
Para Bourdieu (2001) cada campo é a institucionalização de um ponto de vista nas
coisas e no habitus. O habitus específico imposto aos novos agentes como um direito de
entrada é um modo de pensamento particular, princípio de uma construção própria da
realidade, fundado numa crença pré-reflexiva no valor indiscutível das ferramentas de
construção e dos objetos assim construídos. Assim, para o autor, o novo agente deve trazer
para o jogo um habitus suficientemente próximo, e acima de tudo maleável de forma a poder
ser convertido em habitus ajustado, ou seja, congruente e dócil aberto às possibilidades de
uma reestruturação.
Segundo Bourdieu (2001) essa é a razão pela qual as operações de cooptação prestam
atenção aos indícios quase imperceptíveis, como os sinais corporais, postura, maneiras e
disposições. Um exemplo disso pode ser retirado do livro deste autor “A Distinção”: as
disposições estéticas, tacitamente exigidas pelo campo artístico e inculcadas por sua estrutura
e funcionamento tendem a apreender as obras de arte como elas aspiram sê-lo, obras de arte.
Assim, a lógica do que, às vezes, é designado como a “leitura” da obra de arte, oferece um
fundamento objetivo desta oposição, qual seja a obra de arte adquire sentido e tem
interesse para quem é dotado do código segundo o qual ela é codificada.
Além disso, Bourdieu (2007) salienta que o expectador desprovido do código próprio
de um campo, como o da arte, sente-se submerso diante do que lhe parece ser um caos de sons
e de ritmos, de cores e de linhas. Para o autor, o agente assim desprovido das disposições
adequadas, limita-se ao que é designado por Panofsky como “propriedades sensíveis”,
identificando uma pele como aveludada ou uma renda como vaporosa ou ainda, uma melodia
como austera ou alegre. Assim como o campo artístico, cada campo possui sua doxa
20
20
Trata-se de um conceito husserliano que Bourdieu sociologizou para basear a “atitude natural da vida diária”
na coincidência das estruturas sociais e mentais por meio das quais o mundo magicamente aparece como auto-
evidente e sua composição é posta além do alcance do debate e da elaboração (WACQUANT, 2002).
51
específica, conjunto de pressupostos inseparavelmente cognitivos e avaliativos cuja aceitação
está ligada a própria pertinência.
A disposição constituinte de um campo é, segundo Bourdieu (2001), uma adesão tácita
ao nomos - a lei válida num campo específico. Essa lei engendra uma forma particular de
crença, a illusio
21
que supõe a suspensão dos objetivos da existência ordinária, em favor de
novos interesses, suscitados e produzidos pelo próprio jogo. A illusio como pronta adesão à
necessidade de um campo tem chances tanto maiores de emergir a consciência quando ela se
encontra a salvo da discussão. Ela constitui a condição indiscutida da discussão, ela faz parte
da ação, da rotina, das coisas que se faz porque sempre foram feitas assim.
Deste modo, para Bourdieu (2005b) o campo é tanto um “campo de forças”, uma
estrutura que constrange os agentes nele envolvidos, quanto um “campo de lutas”, em que os
agentes atuam conforme suas posições relativas no campo de forças, buscando conservar ou
transformar a sua estrutura. Nesse sentido, Thiry-Cherques (2006), em seu artigo salienta que
os campos não são estruturas fixas, mas produtos da história das suas posições constitutivas e
das disposições que elas valorizam. O que determina a existência de um campo e demarca os
seus limites são os interesses específicos, os investimentos econômicos e psicológicos que ele
solicita dos agentes dotados de um habitus e das propriedades nele inseridas.
Os campos são “espaços estruturados de posições” em um determinado momento e
podem ser analisados independentemente das características dos seus ocupantes. São
microcosmos sociais, com valores (capitais), objetos e interesses específicos. O conceito de
campo é fruto do “estruturalismo genético” de Bourdieu. Um estruturalismo que se detém na
análise das estruturas objetivas dos diferentes campos, mas que as estuda como produto da
incorporação das estruturas preexistentes. O campo estrutura o habitus e o habitus constitui o
campo, ou seja, o habitus é a incorporação da estrutura social, enquanto o campo é a
exteriorização ou objetivação do habitus (THIRY-CHERQUES, 2006).
No interior de cada campo dá-se uma dinâmica de concorrência e dominação, derivada
das estratégias de conservação ou subversão das estruturas sociais. Nestes espaços sociais a
distribuição de capital é desigual, o que implica que os campos vivam em permanente
conflito, com os indivíduos e grupos dominantes procurando defender seus privilégios. As
estratégias mais comuns são as centradas na conservação das formas de capital; no
investimento com vistas à sua reprodução; na sucessão, com vistas à manutenção das heranças
21
A illusio é estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar que o jogo merece ser jogado, é dar importância para
um jogo social e admitir, portanto que os alvos engendrados merecem ser perseguidos; é reconhecer o jogo e os
alvos (BOURDIEU, 2005b).
52
e ao ingresso nas camadas dominantes; na educação, com os mesmos propósitos; na
acumulação, econômica, mas, também, social, cultural, e, principalmente, simbólica (THIRY-
CHERQUES, 2006).
Um campo, segundo Bourdieu (1983, p. 9) se define através da identificação dos
objetos em disputa e dos interesses específicos que são irredutíveis aos objetos de disputa e
aos interesses de outros campos. O autor fornece um exemplo disso ao citar que “não se
poderia motivar um filósofo com questões próprias dos geógrafos”. A admissão no campo
suscita a posse de diferentes formas de capital na quantidade e qualidade do que conta na
disputa interna e que constitui o propósito do jogo específico e as disposições e aprendizados,
que conformam o habitus do campo. O campo é caracterizado pelas relações de força
resultantes das lutas internas e pelas estratégias em uso, sejam elas defensivas ou subversivas.
A estrutura de um campo é um estado da relação de força entre os agentes dotados de
certa quantidade e qualidade de capital acumulado no curso de sua trajetória no campo. Esta
estrutura que está na origem das estratégias destinadas a transformá-la, está sempre em jogo.
As lutas no campo objetivam o monopólio da violência legítima, propriedade que possibilita a
imposição de uma visão de mundo. Assim, aqueles que, num estado determinado das relações
de força, monopolizam o capital específico
22
, fundamento do poder de um campo, tendem à
estratégias de conservação. Contudo, aqueles que possuem menos capital, que frequentemente
são os recém chegados no campo tendem às estratégias de subversão, quase sempre
inconscientemente (BOURDIEU, 1983).
2.2.4 O Que Está em Disputa no Campo: Capital
O conceito de capital em Bourdieu (apud Thiry-Cherques, 2006), deriva da noção
econômica, na qual o capital se acumula por operações de investimento, se transmite por
herança e se reproduz de acordo com a habilidade do seu detentor em investir e assume várias
modalidades. Para efeito desta pesquisa abordaremos os capitais: econômico, cultural, social,
escolar, político e simbólico. O capital econômico, para Bourdieu (1983) compreende a
riqueza material, (dinheiro, patrimônio, ações etc.). De outro modo, o capital cultural,
22
Para Bourdieu (1983:90) falar de capital específico é dizer que o capital vale em relação a certo campo,
portanto dentro dos limites deste campo, e que ele só é conversível em outra espécie de capital sob certas
condições.
53
compreende o conhecimento, as habilidades, as informações correspondentes ao conjunto de
qualificações intelectuais produzidas e transmitidas pela família, e pelas instituições escolares.
Esse capital para o autor assume três formas: estado incorporado, estado objetivado e estado
institucionalizado.
No estado incorporado, sob a forma de disposições duráveis no organismo o capital
cultural pressupõe um trabalho de inculcação e de assimilação, custa tempo que deve ser
investido pessoalmente pelo investidor. Este tipo de capital cultural é uma propriedade que se
fez corpo e tornou-se parte integrante do agente um habitus. No estado objetivado, esse
capital cultural se apresenta como a posse de bens culturais. Esses bens são transmissíveis em
sua materialidade, ou seja, como bens jurídicos, e, não necessariamente é transmitido junto os
códigos que são a condição de sua apropriação específica dada pelo capital cultural em seu
estado incorporado. Assim, os bens culturais podem ser objetos de apropriação material, que
pressupõe capital econômico, e de apropriação simbólico, que pressupõe capital cultural
(BOURDIEU, 1998).
Por fim, no estado institucionalizado, sancionado pelas instituições, tem-se como
exemplo os títulos acadêmicos. Esta última forma assumida pelo capital cultural confere ao
seu portador um valor convencional e juridicamente garantido no que diz respeito à cultura,
imprimindo certa autonomia em relação ao seu portador, e até mesmo em relação ao capital
cultural que ele possui em um dado momento histórico.
Outra modalidade de capital é o social, correspondente ao conjunto de acessos sociais,
que compreende o relacionamento e a rede de contatos. Assim, o volume do capital social que
um agente possui depende da extensão da rede de relações que ele pode de fato mobilizar e do
volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um
daqueles a quem está ligado. Isto porque, mesmo sendo relativamente irredutível ao capital
econômico e cultural possuído por um agente ou grupo de agentes, o capital social não é
jamais completamente independente deles pelo fato de que as trocas que institui seu
reconhecimento supõem um mínimo de homogeneidade entre os agentes (BOURDIEU,
1998).
o capital escolar refere-se à relação entre a distribuição dos diversos capitais e a
reprodução das desigualdades sociais, pois se trata de um capital institucionalizado em que os
alunos estão mais ou menos familiarizados, segundo sua classe social. Este capital contribui
com a legitimação e reprodução da posição no espaço social (VALLE, 2008).
O capital político, conforme Bourdieu (2005a) tem o poder de pôr em jogo as
categorias que tornam o mundo social possível por meio da luta política pelo poder de
54
conservar ou transformar o mundo social através da conservação ou transformação das
categorias de percepção desse mundo. O autor salienta ainda que “a política é o lugar por
excelência da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinais capazes de produzir coisas
sociais, e, sobretudo, grupos” (BOURDIEU, 2001a, P. 159). Para Bourdieu (2005a, p. 142)
“uma das estratégias mais universais dos profissionais do poder simbólico (...) consiste em
pôr o senso comum do seu próprio lado apropriando-se das palavras que estão investidas de
valor por todo o grupo, porque são depositárias da crença dele”.
Por último, nem por isso o menos importante, tem-se o capital simbólico: conjunto de
rituais de reconhecimento social, de prestígio, de honra entre outros. Para Bourdieu (2005b) o
capital simbólico se constitui pela alquimia simbólica, na qual os agentes que cumprem os
atos de eufemismo, de transfiguração e de conformação produzindo um capital de
reconhecimento que lhe permite ter efeitos simbólicos. Conforme salienta o autor:
[...] O capital simbólico é uma propriedade qualquer [...] que, percebida pelos
agentes sociais dotados das categorias de percepção e de avaliação que lhes
permitem percebê-la, conhecê-la e reconhecê-la, torna-se simbolicamente eficiente,
como uma verdadeira força mágica: uma propriedade que, por responder às
“expectativas coletivas”, socialmente constituídas, em relação às crenças, exerce
uma espécie de ação à distância, sem contato físico. Damos uma ordem e ela é
obedecida: é um ato quase mágico. Mas é apenas em aparência uma exceção à lei de
conservação da energia social. Para que o ato simbólico tenha, sem gasto visível de
energia, essa espécie de eficácia mágica, é preciso que um trabalho anterior,
frequentemente invisível e, em todo caos, esquecido, recalcado, tenha produzido,
naqueles submetidos ao ato de imposição, de injunção, as disposições necessárias
para que eles tenham a sensação de ter de obedecer sem sequer se colocar a questão
da obediência. (BOURDIEU, 2005b, p. 170).
Ao introduzir a noção de capital simbólico, Bourdieu (2005b) possibilita o
questionamento da visão ingênua, pois todas as ações aparentemente desinteressadas
esconderão intenções de maximizar alguma forma de lucro simbólico. Assim, com essa noção
do conceito de capital simbólico é possível desvelar formas de dominação, invisíveis, porém
impostas aos agentes dominados ao mesmo tempo em que é aceita pelo reconhecimento ou
obediência, obtendo assim a cumplicidade daqueles. Nesse sentido, o capital simbólico é a
forma mais instigante de capital uma vez que é somente na forma de capital simbólico que as
outras formas de capital, e, sobretudo o capital econômico, poderão exercer poder de modo
duradouro.
55
2.2.5 Legitimação do Arbitrário: Poder Simbólico
Como dizia Marx, lembrado por Bourdieu (2005a, p. 07), dificilmente a importação
das idéias se faz sem prejuízos. Isto porque ela segrega as produções culturais das referências
teóricas em relação às quais as idéias se definiram, consciente ou inconscientemente. Por isso,
essas situações reclamam que se torne visível o horizonte de referência o qual, nessas
situações, podem permanecer oculto. Assim, num estado do campo em que se o poder por
toda a parte, torna-se importante lembrar que é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa
ver menos. Aqui o autor adverte para se cuidar em não dissolvê-lo, fazendo dele uma espécie
de “círculo cujo centro está em toda a parte e em parte alguma”. Esse poder ignorado,
portanto reconhecido, poder simbólico, poder invisível o qual pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que lhe estão sujeitos.
Desse modo, conforme Bourdieu (2005a, p.10) os sistemas simbólicos como
instrumentos de conhecimento e de comunicação exercem um poder estruturante porque são
estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a
estabelecer a integração social. Com isso, expõe o autor, que:
As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente
apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como
interesses universais, comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante
contribui para a integração real da classe dominante (...) para a integração fictícia
da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das
classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio (...) das
distinções (hierarquias) e para a legitimação dessa distinção.
Para Bourdieu (2005a) é enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de
comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem sua dominação e
imposição da violência simbólica contribuindo, deste modo, conforme Weber, para a
domesticação dos dominados. Essa domesticação é tornada possível pelo poder simbólico,
esse poder capaz de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar
ou de transformar a visão de mundo, bem como a ação sobre o mundo.
O poder simbólico, segundo Bourdieu (2005a, p. 14), é um poder subordinado, uma
forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder.
Esse poder quase mágico permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força
econômica ou física. É um poder invisível, o qual pode ser exercido com a cumplicidade
56
daqueles que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Contudo, para o autor, a destruição
deste poder de imposição simbólico supõe a tomada de consciência do arbitrário sendo isto
possível na medida em que o discurso heterodoxo destrói as falsas evidências da doxa, e lhe
neutraliza o poder de desmobilização tornando atual o poder de mobilização e subversão o
poder potencial das classes dominadas.
2.3 CAMPO ECONÔMICO E CAMPO DA ARTE: UMA OPOSIÇÃO ENTRE O
INTERESSE ECONÔMICO E O INTERESSE SIMBÓLICO PELO “DESINTERESSE”
ECONÔMICO
A problemática desta pesquisa situa-se em procurar entender as relações de poder que
medeiam as ações dos agentes no campo artesanal de Florianópolis. Assim, por entendermos
que existe uma tensão entre a dimensão econômica e a cultural no referido campo
mobilizamos em Bourdieu a noção de campo econômico e campo da arte (cultural) com vistas
a enriquecer a análise dos dados posteriormente.
2.3.1 Campo Econômico: Negócios são Negócios
Um conjunto de pesquisas desenvolvidas por Bourdieu (2000), na cada de 80, na
França sobre a produção a comercialização de casas próprias possuía a finalidade de colocar a
prova, no quadro de uma confrontação empírica, os pressupostos teóricos da ortodoxia
econômica. Assim, a descrição rigorosa da relação entre compradores vendedores, nem
sempre foi vista como uma visão equivocada da filosofia individualista da microeconomia do
agente. Essa filosofia individualista engendrava a idéia, a exemplo da teoria das escolhas
individuais, como se estas fossem operadas por agentes intercambiáveis e livres de qualquer
pressão externa e suscetíveis de serem interpretados dentro da gica puramente aditiva e
mecânica da agregação.
Para Bourdieu (2000) a principal contribuição da pesquisa realizada consiste em
mostrar que aquilo que a ortodoxia econômica mostra como puro dado, a oferta, a demanda, o
mercado, é o produto de uma construção social. É um tipo de artefato histórico, do qual
57
somente a história pode dar conta. Deste modo, o mercado das casas próprias como
provavelmente todos os mercados, é o produto de uma dupla construção social, para qual o
Estado contribui de maneira decisiva com a construção da demanda – através da produção das
disposições individuais - e da oferta – através das políticas e regulamentações que contribuem
para definir as condições de acesso ao mercado e a posição na estrutura do campo.
Para o autor, no que tange ao agente das ações econômicas, torna-se evidente que ele
não tem nada de pura consciência sem passado e que a decisão econômica, não é a de um
agente isolado, mas a de um coletivo, grupo ou família funcionando à maneira de um campo.
Além disso, as estratégias econômicas são profundamente enraizadas no passado, sob a forma
de disposições, através da história incorporada dos agentes e integradas num sistema
complexo de estratégias de reprodução plenas da história de tudo que visam perpetuar.
Assim, para Bourdieu (2000) nada autoriza a fazer abstrações da gênese das
disposições econômicas do agente, de suas preferências, de seus gostos e necessidades. Isto
porque, conforme o autor, não se pode tomar como puro dado a gênese do campo econômico
e a história do processo de autonomização que conduziu à constituição desse campo que
obedece a leis próprias. Isto se deve ao fato de que foi muito progressivamente que a esfera
das trocas de mercado se separou dos outros âmbitos da existência e que afirmou seu nomos
específico – negócios são negócios.
Bourdieu (2000) ainda salienta que a história, na qual as disposições capitalistas se
inventam - instituindo o campo no qual elas se efetuam - arremessando os agentes dotados de
disposições pré-capitalistas num mundo capitalista não têm nada de natural e de universal,
mas são produtos de toda uma história coletiva, que deve ser sempre reproduzida nas histórias
individuais. De outra forma, para o autor, querer conhecer e reconhecer apenas a lógica do
cinismo racional é privar-se de compreender as condutas antieconômicas portadoras do
interesse pelo desinteresse material próprias do campo da arte.
O campo econômico, segundo Bourdieu (2000) se diferencia dos outros campos
porque as sanções são especialmente brutais e a busca do lucro material pode ser
publicamente perseguida. Porém, o autor chama atenção para o fato de que a emergência de
tal universo não implica a extensão a todas as esferas da existência social que, excluída a
lógica da troca de dádiva, tende a reduzir qualquer coisa ao estado de mercadoria comprável e
a destruir todos os valores. Isto porque, para o autor, dimensões inteiras da existência humana
– família, arte, literatura, ciência e grande parte da burocracia Estatal – permanecem estranhas
à busca da maximização dos lucros. Não obstante, no próprio campo econômico, a lógica de
58
mercado não consegue suplantar completamente os fatores não econômicos na produção e no
consumo, pois como bem lembra Durkheim – os contratos possuem cláusulas não contratuais.
Assim, o interesse econômico, conforme Bourdieu (2000) é uma forma específica de
illusio sentido do jogo quando o campo é apreendido por agentes dotados das disposições
adequadas. As disposições econômicas mais fundamentais – necessidades, preferências e
gostos não são exógenas, mas endógenas e dependentes de uma história do cosmo
econômico onde elas são exigidas e recompensadas. Nesse sentido, para romper com o
paradigma dominante, que insiste na combinação de duas abstrações a teoria do equilíbrio
geral entre a demanda e a oferta e a teoria do agente racional é preciso tentar construir a
gênese da racionalidade econômica como o encontro entre disposições socialmente
constituídas e as estruturas deste campo.
A estrutura do campo, conforme Bourdieu (2000) é definida pelos agentes dotados de
propriedades específicas conforme o volume e a espécie de capital que possuem. Os agentes
controlam uma parte do campo (fatia de mercado) tanto maior quanto seu capital for mais
importante. No que se refere aos agentes que fazem parte do mercado consumidor, seu
comportamento se reduziria inteiramente ao efeito do campo, se eles não tivessem certa
interação com o campo. Sendo assim, o peso associado a um agente depende de todos os
outros pontos e das relações entre todos os pontos compreendidos como uma constelação
relacional à maneira de um jogo de xadrez.
No campo econômico, a força ligada a um agente depende dos diferentes recursos,
atual ou potencial que possui, sob suas diferentes formas: capital financeiro, capital
tecnológico, jurídico, capital cultural, capital tecnológico, capital organizacional, etc. Assim, a
estrutura da distribuição do capital e a estrutura da distribuição dos custos determinam as
relações de força entre os agentes e, portanto, a estrutura do campo econômico. É por meio do
peso que detêm na estrutura que os agentes dominantes exercem sua pressão sobre os
dominados e suas estratégias. Deste modo, é sua posição na estrutura do campo que
proporciona aos agentes definirem as regularidades, regras e limites do jogo. Contudo, as
decisões dos agentes são somente escolhas entre possíveis definidos pela estrutura do campo
(BOURDIEU, 2000).
A estrutura do campo e a distribuição desigual dos recursos, segundo Bourdieu (2000),
contribuem para perpetuar a reprodução do campo impondo barreiras à entrada que os novos
devem enfrentar para se estabelecer. O campo econômico também é um campo de lutas
destinadas a conservar ou transformar o campo de forças – campo de ação socialmente
construído onde se afrontam agentes dotados de recursos diferentes. Assim, longe de estarem
59
diante de um universo sem pressões, os agentes estão diante de um espaço de possibilidade
que depende muito da posição que ocupam no campo, sendo uma parte da liberdade deixada
para o jogo (BOURDIEU, 2000).
No campo econômico, segundo Bourdieu (1996) essa liberdade limitada é
provavelmente maior do que em outros campos. Isto porque, para além da teoria econômica,
as estratégias são explicitadas sobre formas de teorias leigas – management – produzidas com
vistas a assistir os agentes nas suas decisões e ensinadas nas escolas de negócios. Este tipo de
cinismo instituído oposto à negação material que se impõe no seio do universo simbólico,
como o campo da arte, por exemplo, faz com que os limites estejam marcados entre a
representação leiga e a descrição científica. Assim, num campo onde os preços são armas e
alvos as estratégias têm uma transparência que elas nunca alcançam em universos onde as
sanções são na maioria simbólicas. Prova disto tem-se na tradição do dom e contra-dom onde
as etiquetas do preço são cuidadosamente retiradas dos presentes, pois o preço em dinheiro
tem uma objetividade brutal que não abre espaço para apreciação simbólica.
O campo econômico, conforme atesta Bourdieu (1996) se organiza de maneira
relativamente invariante em torno da oposição principal entre os agentes chamados de first
movers e os challengers. O agente dominante tem a prerrogativa em termos de mudança de
preço, lançamento de novos produtos, etc. Ele é capaz de impor a representação mais
favorável para seus interesses e constitue ponto de referência obrigatório para seus
concorrentes. Ademais, as ameaças que pesam constantemente sobre eles os obrigam a ficar
sempre vigilantes. Contra essas ameaças os dominantes podem lançar mão de duas
estratégias: melhorar sua posição global ou defender suas posições adquiridas no campo. Já os
agentes que ocupam uma posição secundária no campo podem atacar o agente dominante ou
evitar o conflito.
Assim, para Bourdieu (2000) as mudanças no interior do campo são ligadas a
mudanças nas relações com o exterior do campo. Entretanto, de todas as trocas com o exterior
do campo, as mais importantes são as que se realizam com o Estado. Esta, muitas vezes, visa
a obtenção do poder sobre o poder do Estado, a fim de, obter as vantagens asseguradas pelas
diferentes intervenções do Estado regulamentos, tarifas especiais, linhas de crédito,
patentes. Sendo assim, com o intuito de modificar as regras a seu favor para valorizar algumas
de suas propriedades que podem funcionar como capital no campo, os agentes dominados
podem utilizar seu capital social (rede de relacionamento) para exercer pressão sobre o Estado
e obter uma modificação do jogo a seu favor.
60
Com efeito, conforme salienta Bourdieu (2000) o Estado não é somente o responsável
por manter a ordem e a confiança e regular os mercados. O Estado contribui frequentemente
de maneira decisiva para a construção da demanda e da oferta. Além disso, têm-se como
outros fatores externos capazes de exercer influência na configuração do campo a
transformação das fontes de abastecimento e as mudanças demográficas ou de estilos de vida.
Contudo, estes fatores externos exercem seu efeito sobre as relações de força no seio do
campo, na medida em que eles asseguram uma vantagem aos desafiantes.
2.3.2 O Campo da Arte: Arte pela Arte
Somos operários de luxo. Ora, ninguém é bastante rico para nos pagar. Quando se
quer ganhar dinheiro com a pena, é preciso fazer jornalismo, folhetim ou teatro. A
Bovary custou-me [...] trezentos francos, que eu paguei, e jamais receberei um
centavo deles. Atualmente, chego a poder pagar meu papel, mas não as diligências,
as viagens e os livros que meu trabalho me exige; e, no fundo, acho isso bom (ou
finjo achá-lo bom), pois não vejo a relação que há entre uma moeda de cinco francos
e uma idéia. É preciso amar a Arte pela própria Arte; de outro modo, a menor
profissão é preferível (Gustave Flaubert).
Em seu livro As Regras da Arte, Bourdieu (1996, p.11), recupera uma questão muitas
vezes colocada outrora por autores anônimos, qual seja: “deixaremos que as ciências sociais
reduzam a experiência literária, a mais alta que o homem possa fazer (...) à pesquisa de
opinião sobre nossos lazeres, quando se trata do sentido da vida?Conforme o autor, muitos
escritores, leitores, filósofos, de menor ou maior envergadura, entendem atribuir limites à
ciência, bem como proibir à sociologia todo contato profanador com a obra de arte. Toda essa
defesa contra o conhecimento racional tem origem no temor de que a ciência, colocando o
amor pela arte sob seu escalpelo, seja capaz de fazer compreender, mas inapta para fazer
sentir.
Contra essa visão fetichizada da arte e de seus criadores, Bourdieu (1996) lança a
seguinte questão: É legítimo valer-se da experiência do inefável para fazer do amor à obra de
arte apreendida em sua singularidade inexprimível a única forma de conhecimento que
convém a obra de arte? Para o autor, quanto à ameaça que a ciência faria pesar sobre a
liberdade e a singularidade da experiência literária, basta observar que a capacidade da ciência
de explicar e de compreender a arte, e de conferir-lhe a possibilidade de uma liberdade real
61
em relação às suas determinações, é oferecida àqueles que desejarem e puderem apropriar-se
delas.
Assim, para Bourdieu (1996) compreender a gênese social do campo da arte, da crença
que sustenta o jogo de linguagem que se joga, dos interesses e das apostas materiais ou
simbólicas que se engendram não significa querer reduzi-lo ou destruí-lo, mas sim olhar as
coisas de frente e vê-las como são. O autor analisa o campo a arte por meio da obra: A
Educação Sentimental de Gustave Flaubert. Para o autor, somente uma análise como essa
pode levar a uma compreensão verdadeira do campo. Deste modo, reconstruir o ponto de vista
de Flaubert ponto do espaço social a partir do qual se formou sua visão do mundo é dar
possibilidade real de situar-se nas origens de um mundo cujo funcionamento nos é tão
familiar que as regularidades e as regras às quais obedecem nos escapam.
Para Bourdieu (1996) não se pode compreender a experiência que os escritores e os
artistas puderam ter das novas formas de dominação às quais se viram sujeitos a partir da
segunda metade do século XIX, se não se tem idéia do que representou a emergência de
industriais e de negociantes com fortunas colossais. A exaltação do dinheiro e do lucro vai ao
encontro das estratégias de Napoleão III, na França, para assegurar a fidelidade de uma
burocracia de Estado. Napoleão III os gratifica com emolumentos faustosos, presentes
suntuosos e festas para as quais convida editores, escritores e pintores mundanos mais
ortodoxos e conformistas.
Nesse contexto, Bourdieu (1996) lembra que a relação entre produtor cultural e os
dominantes não é a mesma de séculos antes. Trata-se da dependência direta em relação aos
mecenas, constituindo-se em uma verdadeira subordinação estrutural, que se impõe aos
diferentes autores segundo sua posição no campo. Essa subordinação se institui através de
duas mediações principais, quais sejam, de um lado o mercado, cujas sanções são oriundas do
número de vendas; e do outro lado as ligações duradouras, baseadas em afinidades de estilo
de vida que unem os escritores a certas frações da alta sociedade, e contribuem para orientar
as generosidades do mecenato de Estado.
Assim, na ausência de verdadeiras instâncias de consagração (como a academia, as
galerias de arte, etc.), as instâncias políticas (Estado) exercem um domínio direto sobre o
campo, principalmente por intermédio dos lucros materiais e simbólicos que estão em
condições de distribuir. Nesse universo específico, também a imprensa e os críticos exercem
grande influência. Estes últimos por meio de suas ações instauram-se como medida de todas
as coisas de arte e literatura, autorizando-se assim, a rebaixar tudo que os ultrapasse e a
62
condenar todos os trabalhos capazes de colocar em discussão as disposições éticas que
orientam seus julgamentos (BOURDIEU, 1996).
Contudo, a revolução simbólica pela qual o artista se liberta da demanda burguesa
recusando a reconhecer qualquer outro mestre que não a sua arte, tem por efeito fazer
desaparecer o mercado, Ora, uma vez que triunfam sobre os burgueses na luta pelo domínio
da função artística os anulam como clientes. Aqui Bourdieu (1996, p. 101) recupera Flaubert:
quando não nos dirigimos à multidão, é justo que a multidão não nos pague. É
economia política. Ora, sustento que uma obra de arte [...] é inapreciável, não tem
valor comercial, não poder ser paga. Conclusão: se o artista não tem rendas, deve
morrer de fome! Acha-se que o escritor, porque não recebe mais pensões dos
grandes, é muito mais livre mais nobre. Toda a sua nobreza social agora consiste em
ser o igual de um vendeiro [...].
Essa tensão entre arte burguesa
23
e arte pura manifesta-se à medida que a autonomia
da produção cultural aumenta. Com isso aumenta também o intervalo de tempo que é
necessário para que as obras cheguem a se impor ao público. Essa defasagem temporal entre a
oferta e a procura tende a tornar-se uma característica estrutural do campo de produção
restrita
24
: assim nesse universo econômico propriamente antieconômico que se instaura no
pólo economicamente dominado, mas simbolicamente dominante do campo, os produtores
podem ter como clientes, pelo menos em curto prazo, apenas seus concorrentes. Os
representantes da arte pura precisam aceitar o fato de poderem contar apenas com uma
remuneração adiada, à diferença dos artistas burgueses que estão certos de uma clientela
imediata. Trata-se de um mundo econômico às avessas onde o artista pode triunfar no
terreno simbólico perdendo no terreno econômico e vice-versa (BOURDIEU, 1996).
Assim, Bourdieu (1996) salienta que os efeitos dos capitais associados aos agentes,
tanto no estado objetivado como a renda quanto no estado incorporado como o habitus,
dependem do estado do campo de produção cultural. Isso condena a tendência a fazer da
origem social um princípio explicativo independente e trans-histórico. Assim, combater a
tendência de explicar o social por meio de categorias mecânicas, como por exemplo, a origem
social, é sem dúvida crucial uma vez que essa forma de pensamento simplista está na base dos
estudos genealógicos e estatísticos. Deste modo, os herdeiros de fortunas, detêm uma
vantagem decisiva quando se trata de arte pura. Ora, o capital econômico herdado, que liberta
23
No sentido de Bourdieu (1996) arte para o mercado de massas.
24
Ver Bourdieu (1996:144).
63
das sujeições da demanda imediata e da ausência de mercado, é um dos fatores mais
importantes do êxito diferencial dos empreendimentos de vanguarda.
Para Bourdieu (1996) os progressos do campo literário na direção da autonomia
assinalam-se pelo fato de que, no fim do século XIX, a hierarquia entre os gêneros segundo os
critérios de julgamento dos pares é quase o inverso da hierarquia segundo o sucesso
comercial. Do ponto de vista econômico a hierarquia é a seguinte: no topo o teatro que
assegura lucros importantes e imediatos. Na parte inferior se encontra a poesia que
proporciona lucros extremamente pequenos (com raríssimas exceções). Na posição
intermediária se encontra o romance. Entretanto, do ponto de vista simbólico a ordem se
inverte, com a poesia ocupando o topo por ser consagrada como arte por excelência, já o
romance ocupa o centro e o teatro a periferia.
Por conseguinte, com o desenvolvimento do campo da arte, a oposição em termos de
gênero cede lugar à antinomia de pólos: arte pura e arte burguesa. Nesse contexto, Bourdieu
(1996) reconstitui a história do campo da arte até os dias de hoje no qual esse universo
configura-se como relativamente autônomo (ou relativamente dependente do campo
econômico e do político) fundado na lógica específica dos bens simbólicos, onde o valor
mercantil e o valor simbólico permanecem relativamente independentes. Num pólo tem-se a
economia anti-econômica da arte pura baseada no reconhecimento indispensável nos valores
de desinteresse e na negação do lucro material (a curto prazo). No outro pólo, a lógica
econômica das indústrias literárias e artísticas, que fazendo do comércio dos bens culturais
um comércio como outro qualquer se contentam em ajustar-se à demanda preexistente da
clientela.
Outra questão a ser observada em relação ao campo da arte, conforme Bourdieu
(1996) refere-se ao fato de que enquanto a recepção dos produtos ditos comerciais não
depende em demasia do grau de escolarização, as obras de arte “puras” são acessíveis apenas
aos agentes dotados da disposição e da competência necessárias de sua apreciação. Assim, a
escola ocupa um lugar homólogo ao da igreja, que segundo Weber (apud Bourdieu,
1996:169), deve “fundar e delimitar sistematicamente a nova doutrina vitoriosa e defender a
antiga contra os ataques proféticos, estabelecer o que tem e o que não tem valor de sagrado, e
faze-lo penetrar na dos leigos”. Isto, através da delimitação entre o que merece ser
transmitido e reconhecido e o que não merece, tal postura reproduz continuamente a distinção
entre as obras consagradas e as ilegítimas.
Nesse sentido, como lembra Bourdieu (1996), a instituição escolar que reivindica o
monopólio da consagração das obras do passado, pelo título escolar, dos consumidores
64
apropriados, concede apenas post mortem a consagração através da canonização das obras
como clássicas pela inscrição dos programas. Com isso, é total a oposição entre os best-sellers
sem futuro e os clássicos que devem ao sistema de ensino sua longa duração. De outro modo,
no pólo da arte comercial o sucesso é por si só uma garantia de valor. O que faz nesse
mercado um best-seller é seu número de vendas. O fracasso é uma condenação inapelável:
quem não tem público não tem talento. Já no pólo oposto, o sucesso imediato é condenado
como se reduzisse uma obra sem preço a simples troca mercantil.
Essa visão, conforme Bourdieu (1996), que faz do sacrifício neste mundo a condição
de salvação no outro encontra seu princípio na lógica específica da alquimia simbólica que à
maneira de um dom, que converte em pura generosidade ao ocultar o contra-dom por vir,
dissimula o lucro prometido aos investimentos mais desinteressados. Assim, tem-se que o
capital econômico pode assegurar os lucros específicos oferecidos pelo campo quando
convertido em capital simbólico. No entanto, salienta Bourdieu (1996), os artistas
consagrados que dominam o campo tendem a impor-se também aos poucos no mercado. Estes
se tornam cada vez mais legíveis e aceitáveis à medida que se banalizam através de um
processo, às vezes, longo de familiarização. As estratégias dos recém chegados dirigidas
contra os dominantes visam atingir os consumidores de seus produtos distintivos. Assim,
impor no mercado um novo produto e um novo sistema de gostos é fazer deslizar para o
passado o conjunto de produtores, dos produtos e dos sistemas de gostos hierarquizados. Isto
se deve, pelo fato de que as diferentes posições do espaço hierarquizado do campo
correspondem a gostos socialmente hierarquizados, ou seja, toda transformação da estrutura
do campo acarreta uma translação da estrutura dos gostos.
Outro ponto abordado por Bourdieu (1996) refere-se à homologia estrutural e
funcional
25
que existe entre o espaço dos autores e o espaço dos consumidores. Segundo o
autor, a diferença entre arte pura e arte burguesa, que funciona como um princípio de divisão
que permite classificar os autores, as obras, os estilos, os temas, manifesta-se tanto nas
características sociais do público (idade, profissão, residência, etc.) quanto nas características
dos autores (idade, origem social, residência, estilo, etc.) e das obras. Além disso, a
correspondência entre a estrutura social dos espaços de produção e as estruturas mentais que
autores e consumidores aplicam ao produto está no princípio da coincidência que se
25
Homologia estrutural e funcional refere-se a organização das práticas e os bens, que estão associados às
diferentes classes, segundo estruturas de oposição que são perfeitamente homólogas entre si por terem origem
semelhante em espaços diferentes (BOURDIEU, 2007).
65
estabelece entre as diferentes categorias de obras oferecidas e as expectativas das diferentes
categorias de público.
Para Bourdieu (1996) essa coincidência, que parece miraculosa, pode aparecer como o
produto de um ajustamento mecânico da oferta à procura. Contudo, a sinceridade
(coincidência) é possível apenas no caso de um acordo perfeito, imediato entre as expectativas
inscritas na posição ocupada e as disposições do ocupante. Não se pode compreender como
esse acordo se estabelece sem levar em conta o fato de que as estruturas objetivas do campo
de produção estão no princípio das categorias de percepção e de apreciação que as estruturam
nas diferentes posições oferecidas pelo campo e de seus produtos. Assim, por exemplo, um
crítico apenas pode ter influência sobre seus leitores na medida em que estes lhe concedem
esse poder porque estão estruturalmente de acordo com ele em sua visão do mundo social, em
seus gostos e em todo o seu habitus (BOURDIEU, 1996).
Ademais, segundo Bourdieu (1996), a coincidência acima referida, implica a aceitação
de um conjunto de pressupostos e de postulados, que sendo a condição indiscutida das
discussões, são mantidos a salvo da discussão. Nesse sentido, a produção da crença é uma
propriedade do campo cuja competição pelo que se aposta dissimula o conluio a propósito
dos princípios do jogo. O efeito oculto desse conluio invisível – a produção e a reprodução da
illusio adesão coletiva ao jogo é a um tempo causa e efeito da existência do jogo. A
illusio faz com que não se questione quem criou o “criador” das obras e o poder mágico de
transubstanciação de que é dotado. Contudo, basta levantar a questão proibida para perceber
que o artista que faz a obra é ele próprio feito, no seio do campo de produção, por todo o
conjunto daqueles que contribuem para descobri-lo e consagrá-lo enquanto artista conhecido e
reconhecido (BOURDIEU, 1996).
Nesse sentido, Bourdieu (1996) salienta que a produção artística, principalmente na
forma pura, representa um dos limites das formas possíveis da atividade produtiva. A
transformação material, física ou química se encontra reduzida se comparada com a
transformação simbólica operada pela imposição de uma assinatura de griffe. Desse modo, ao
contrário dos objetos com baixo apelo simbólico, a obra de arte, como os bens ou serviços
religiosos, recebe valor apenas de uma crença coletiva, coletivamente produzida e
reproduzida. Assim, é na relação entre os habitus e os campos aos quais estão mais ou menos
ajustados que se engendra o que é o fundamento de todas as escalas de utilidade e desta forma
a adesão ao jogo, a illusio, reconhecimento do jogo, crença no valor do jogo que fundam todas
as atribuições de sentido e de valor particulares.
66
O campo da arte tem algumas propriedades gerais que precisam ser observadas. Para
Bourdieu (1996), essas propriedades pressupõem três operações fundamentais. Primeiro, a
análise da posição do campo literário no seio do campo de poder e sua evolução no decorrer
do tempo. Segundo, que se realizar a análise da estrutura interna do campo, universo que
obedece à leis próprias de funcionamento e de transformação. Por fim, a análise da gênese do
habitus dos ocupantes dessas posições, trajetória social que permite sua atualização. Assim, a
construção do campo é a condição lógica prévia para a construção da trajetória social como
série das posições ocupadas sucessivamente nesse campo.
Nesse contexto, conforme Bourdieu (1996) o campo de poder é o espaço das relações
de força entre agentes que tem em comum o capital necessário para ocupar posições
dominantes no campo. O campo é o lugar de lutas entre os detentores de poderes diferentes
que têm por aposta a transformação ou a conservação do valor relativo das diferentes espécies
de capital. As lutas internas, especialmente as que se opõem entre os defensores da arte pura e
os defensores da arte burguesa, visam impor os limites do campo mais favoráveis aos seus
interesses. Essas lutas pelo monopólio da definição do modo de (re)produção cultural legítimo
contribuem para reproduzir continuamente a crença no jogo, o interesse pelo jogo e pelas
apostas, a illusio, no sentido de investimento no jogo que tira os agentes da indiferença e os
inclina a distinguir no campo o que é importante.
Assim, segundo Bourdieu (1996) a participação interessada no jogo instaura-se na
relação conjuntural entre um habitus e um campo, duas instituições históricas que têm em
comum o fato de serem habitadas pela mesma lei fundamental e não tem nada, portanto, de
uma natureza humana que se coloca comumente sob a noção de interesse. Deste modo, a
forma particular de illusio do campo econômico, não passa de um caso particular de interesse
do jogo. Ela é o produto da emergência do campo econômico que se institui em lei
fundamental a busca da maximização do lucro monetário. Embora, seja uma instituição
histórica como a illusio artística, a illusio econômica como interesse pelo jogo econômico
apresenta-se com todas as aparências de universalidade lógica.
Cada campo, conforme Bourdieu (1996) oferece aos agentes uma forma legítima de
realização de seus desejos, baseada em uma forma particular de illusio. Com isso, o produtor
do valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção enquanto universo de
crença que produz o valor da obra de arte como fetiche ao produzir a crença do poder criador
do artista. Desta forma, a ciência das obras deve levar em conta não apenas os produtores
diretos da obra em sua materialidade, mas também o conjunto de agentes e das instituições
que participam da produção do valor da obra através da produção da crença no valor da arte
67
em geral, tais como os críticos, historiadores, editores, colecionadores, museus, mecenas,
academia, etc.
Além disso, a ciência das obras deve levar em conta também o conjunto das instâncias
políticas e administrativas competentes em matéria de arte que podem agir sobre o mercado
da arte, seja por veredictos de consagração acompanhados ou não de vantagens econômicas,
seja por medidas regulamentares. Isso sem esquecer os membros das instituições que
concorrem para a produção dos produtores e para a produção dos consumidores aptos a
reconhecer a obra de arte a começar pelo professores e pais, responsáveis pela insinuação
inicial das disposições artísticas. Com isso, tem-se que o campo é uma rede de relações
objetivas entre posições. Cada posição é objetivamente definida por sua relação objetiva com
outras posições e pelo sistema de propriedades pertinentes. Todas as posições dependem da
estrutura da distribuição das espécies de capital cuja posse comanda a obtenção dos lucros
específicos postos em jogo no campo (BOURDIEU, 1996).
68
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A ciência suscita um mundo, não mais por um impulso mágico, imanente à
realidade. Mas antes por impulso racional ao espírito. Após ter formado, nos
primeiros esforços do espírito científico uma razão à imagem do mundo, a atividade
espiritual da ciência moderna dedica-se a construir um mundo à imagem da razão. A
atividade científica realiza, em toda a força do termo, conjuntos racionais (Gaston
Bachelard -1968).
No momento em que reconhecermos a unidade subjacente as estratégias sociais e as
compreendermos como uma totalidade dinâmica, poderemos discernir o quão
artificiais podem ser as oposições entre teoria e prática, métodos qualitativos e
quantitativos, registros estatísticos e observações etnográficas, e entre a
compreensão das estruturas e a construção dos indivíduos. Essas alternativas não
têm outra função senão proporcionar uma justificativa para as abstrações ressonantes
e vazias do teoricismo e para as observações falsamente rigorosas do positivismo,
ou, como as divisões entre economistas, antropólogos, historiadores e sociólogos,
para legitimar os limites da competência: vale dizer que funcionam a maneira de
uma censura social, responsável por nos impossibilitar de entender uma verdade que
reside precisamente nas relações entre domínios da prática, nessas condições,
arbitrariamente separados (BOURDIEU e DE SAINT MARTIN, apud
WACQUANT, 2005, p. 59).
3.1 REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS
A construção metodológica desta pesquisa inspira-se nas idéias de Bourdieu para
quem, conforme Valle (2008), as virtudes emancipatórias da razão científica se
concretizam quando aliam pensamento e ação, articulando, dessa forma, teoria e prática. O
trabalho científico de Bourdieu, ao se interessar pelas relações cotidianas, procurou desvelar
os mecanismos de poder e dominação, bem como de reprodução social dos privilégios onde
eles menos se deixam ver. Torna-se importante, então, segundo Bourdieu (apud Valle, 2008)
colocar permanentemente em xeque a posição ocupada no campo intelectual, pois
compreender o mundo social é primeiramente compreender o campo no qual e contra o qual o
agente/pesquisador se produz. Nesse sentido, o autor, salienta ainda que “para mudar o
mundo, é preciso mudar as maneiras de fazer o mundo, isto é a visão de mundo e as operações
práticas pelas quais os grupos são produzidos e reproduzidos” (BOURDIEU apud VALLE,
2008, p. 5).
Assim, para Bourdieu (2004b) a questão de saber fazer ciência não é somente uma
indagação sobre o rigor formal das teorias e métodos disponíveis, mas um questionamento
69
dos métodos e teorias em sua própria utilização para determinar o que fazem os objetos e os
objetos que fazem. Deste modo, Bourdieu (2004b) cita Bachelard, para dizer que a idéia de
que o fato científico é conquistado, construído, constatado, diz respeito a recusar tanto o
empirismo que reduz o ato científico a uma constatação, quanto ao racionalismo que lhe opõe
as condições prévias da construção. Nesse sentido, as opções mais empíricas são inseparáveis
das opções mais teóricas de construção do objeto, pois é em função de uma problemática
oriunda de pressupostos teóricos que os dados de pesquisa podem ser verificados
(BOURDIEU, 2005a). Diante disso, a questão da vigilância epistemológica
26
, torna-se
importante, particularmente, no caso das ciências humanas e sociais, na qual, conforme
Bourdieu (2004b), a fronteira que separa a opinião comum do discurso científico é mais
imprecisa que em outras.
Para essa pesquisa considero importante para refletir e construir o objeto a
compreensão da noção de objetivação participante
27
de Pierre Bourdieu (2005a). Para o autor,
a objetivação participante consiste num exercício extremante difícil, que se trata de
promover uma ruptura com as adesões mais profundas e mais inconscientes que constituem,
muitas vezes, o interesse próprio pelo objeto estudado por aquele que o estuda. Esta prática,
argumenta Bourdieu (2005a), apesar de ser um exercício difícil é, porém, necessária, uma vez
que a superação das interpretações substancialistas é possível por meio da construção do
espaço de relações objetivas que permite apreender uma realidade oculta, que se mostra
enquanto fato banal das interações em que se dissimula a si própria. O autor salienta ainda que
a objetivação participante se realiza quando se tem a objetivação do interesse sobre o
objeto de investigação, ou seja, trata-se de pôr em suspenso esse interesse e as representações
que ele induz.
Nesse sentido, segundo Valle (2008) torna-se fundamental submeter as condições
epistemológicas e sociais, que possibilitam uma visão reflexiva sobre a experiência subjetiva
do mundo social, a uma objetivação crítica. Assim, argumenta a autora, a objetividade
científica implica fundamentalmente a vigilância epistemológica, o que requer do pesquisador
maior controle das evidências imediatas e das prenoções além de mais rigor na construção do
objeto de estudo.
26
Por em suspenso as categorias que pré-constroem o mundo social questionando as bases de sua origem,
contextualizando-as historicamente (BOURDIEU, 2004b).
27
O autor chama atenção para não confundir com a observação participante – análise de uma falsa participação
num grupo estranho (BOURDIEU, 2005a).
70
Deste modo, a vigilância epistemológica, segundo Bourdieu (2005a), auxilia a
perceber que toda operação, por mais rotineira que seja deve ser pensada em função do tema,
das hipóteses e do problema de pesquisa estabelecido.
Assim, para Valle (2008, p. 10) Bourdieu defende a necessidade de cientificidade da
pesquisa sociológica, e, incluo aqui a pesquisa em Estudos Organizacionais, como condição
para romper com a experiência imediata que tende a aprisionar os pesquisadores no presente e
nas impressões primeiras ensejando uma “sociologia espontânea”
28
. Para Bourdieu o
pesquisador necessita lançar luz sobre as noções do senso comum que dissimula a verdadeira
lógica das relações sociais. Contudo, Bourdieu (apud VALLE, 2008) argumenta que o
sociólogo (pesquisador) não é profeta e sua tarefa não é um dom e nem uma missão, mas sem
dúvida implica um retorno e um dever à sociedade. Assim, torna-se importante não esquecer
que “o simples fato de mostrar [os mecanismos de dominação] pode funcionar como uma
maneira de mostrar com o dedo, de pôr no índex, de acusar, como uma maneira de fazer ver e
fazer valer” (BOURDIEU apud VALLE, 2008, p. 17).
Essa pesquisa, ademais, parte da idéia cara a Bourdieu de que a construção do objeto
não se de uma única vez, como marco teórico inicial ou um plano arquitetado a priori, mas
sim constitui um trabalho de grande fôlego que se realiza pouco a pouco por retoques
sucessivos, correções e paciência. Nesse sentido, a noção de campo contribui para refletir esse
fazer científico, uma vez que, comanda a construção do objeto operando uma espécie de
inventário a ser levado em consideração no ato de investigação (BOURDIEU, 2005a). Isso
significa dizer, nas palavras de Bourdieu (2005a, p. 27), que trabalhar com a noção de campo
“funciona como um sinal que lembra o que que fazer, a saber, verificar que o objeto em
questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas
propriedades. Por meio dela, torna-se presente o primeiro preceito do método, que impõe que
se lute por todos os meios contra a inclinação primária para pensar o mundo social de maneira
(...) substancialista”.
As reflexões acima sobre o modus operandi
29
bourdieusiano demonstram uma visão
de pesquisa distinta daquela relativa à corrente dominante em Administração, que trabalha
28
Considerada por Bourdieu como pré-científica, as pesquisas espontâneas mostram-se vulneráveis a ilusão da
evidencia imediata e a tentação à universalização de uma experiência singular, deixando-se se contaminar pelas
pré-noções e pelas “solicitações” dos grupos dominantes (VALLE, 2008).
29
“O habitus científico é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi científico que funciona em
estado prático segundo normas da ciência sem estas normas na sua origem: é esta espécie de sentido do jogo
cientifico que faz com que se fala o que é preciso fazer no momento próprio, sem ter havido necessidade de
tematizar o que havia que fazer, e menos ainda a regra que permite gerar a conduta adequada. O sociólogo que
procura transmitir um habitus científico parece-se mais com um treinador desportivo de alto nível do que com
um professor da Sorbonne” (BOURDIEU, p. 23, 2005a).
71
com noções positivistas, leis gerais ou postulados sobre a realidade e se crêem neutras durante
o processo de investigação. Contudo, o modo de fazer pesquisa à maneira do construcionismo
estruturalista bourdieusiano privilegia o modo de pensamento relacional e rejeita as
prenoções, bem como as evidências imediatas e espontâneas da realidade social. Nesse
sentido, pretendo neste trabalho construir um conhecimento científico que permita fazer uma
leitura da realidade social, que reconstruída sob esta ótica, apresente-se como uma análise
compreensiva. Minha escolha metodológica inspira-se em Bourdieu, portanto, busco
construir, conquistar e problematizar o objeto de pesquisa a partir de seu contexto/campo.
3.2 OPERACIONALIZANDO A DISCUSSÃO
Os dados coletados no trabalho, com objetivo de conhecer a história do subcampo
30
artesanal de Florianópolis, foram concentrados num levantamento documental e bibliográfico
sobre o tema, realizado mediante a obtenção de dados secundários, através da pesquisa em
livros, documentos institucionais, revistas e notícias de sites dos órgãos que cuidam da
cultura. A pesquisa de campo teve início mesmo antes da qualificação do projeto de pesquisa
por meio da observação direta nas feiras e eventos de artesanato no período de fevereiro a
dezembro de 2008. Nesse período, participei de alguns eventos ligados ao artesanato, como
por exemplo, feiras nacionais e internacionais de produtos artesanais, encontros acadêmicos
na UFSC e na UDESC que reservavam um espaço para a exposição de artesanato, reuniões
institucionais promovidas pelos órgãos públicos com envolvimento no artesanato, eventos
culturais promovidos pelas fundações de cultura em Florianópolis cujo foco era o artesanato
e, por fim, realizei visitações assíduas a algumas feiras de artesanato.
A participação em eventos e feiras de artesanato me ajudou no conhecimento das
questões e disputas que atravessam o campo e possibilitou também o acesso aos agentes:
artesãos e instituições ligadas ao artesanato. A inserção prévia no campo de pesquisa auxiliou,
sobremaneira, na elaboração do roteiro de entrevistas, facilitado pelo conhecimento das
problemáticas que afligem o campo.
30
Nessa pesquisa, a partir desse momento, será utilizado, para se referir ao subcampo do artesanato, os termos:
subcampo, campo ou setor com o propósito de não cansar o texto com demasiadas repetições da palavra em
destaque.
72
Assim, a inserção no campo empírico se deu por meio das feiras de artesanato. As
feiras se constituíram em ponto central da pesquisa de campo e, por isso, se configuram no
locus de análise desse trabalho em virtude de sua importância como espaço de exposição e
divulgação do artesanato presente em Florianópolis. Além disso, as feiras são espaços de
concentração de artesãos, condição que facilitou o processo de coleta das informações
necessárias para a realização da presente pesquisa. Outro ponto que denota a importância das
feiras diz respeito ao fato destas representam espaços de disputas entre os agentes do campo
que buscam dominá-lo a seu favor.
Para essa pesquisa entrevistei 37 agentes (entrevistas semi-estruturadas), sendo 27
artesãos espalhados por cinco feiras na cidade: Catedral, Miramar, Lagoa, Praça XV e Praça
Fernando Machado; e 10 técnicos do setor distribuídos em 8 instituições ligadas ao
artesanato: IGEOF, FFC, SEBRAE, BB, FCC, SST, UFSC, UDESC. Para tanto elaborei dois
roteiros de entrevistas - um para os artesãos e outro para os técnicos das instituições públicas
(ver apêndice A e B). É importante ressaltar a relevância da coleta dos dados primários nessa
pesquisa em virtude do pouco material disponível sobre o artesanato, fato que evidencia seu
caráter subalterno perante a história “oficial” do campo cultural. Além disso, elaborei um
questionário (ver anexo) com 13 questões que foram aplicados a todos os artesãos das feiras
pesquisadas. A aplicação desse questionário visou buscar subsídios para a análise dos dados
coletados por meio das entrevistas semi-estruturadas. Outro fator que motivou a realização
desse questionário deveu-se ao fato de que as instituições públicas entrevistadas não
possuírem um cadastro dos artesãos a quem atendem não sabendo, portanto, seu perfil sócio-
econômico dados que acredito serem importantes para esta pesquisa. Esse questionário foi
entregue pessoalmente a cada artesão das feiras, com a ajuda de um bolsista de iniciação
científica. Explicamos os objetivos de aplicação do questionário e os recolhemos no mesmo
dia. No total foram respondidos 197 questionários (ver apêndice C) e poucos artesãos se
recusaram a respondê-lo, cerca de três agentes por feira pesquisada.
Os limites do campo a ser pesquisado foram dados pelos agentes, na medida em que os
entrevistados indicaram outros agentes com influência no artesanato. Essa técnica é chamada
“bola de neve” por Marconi e Lakatos (1990). Entretanto, alguns cuidados foram tomados
com relação à quantidade de agentes, apontados por meio desta técnica - isto para não tornar a
pesquisa impossível de ser concluída no tempo estipulado para o estudo. Em função disso,
selecionei uma amostra não probabilística, entre os agentes indicados, a fim de concluir a
pesquisa no tempo limite. Por fim, finalizei as entrevistas quando as histórias se repetiram e
não acrescentaram mais informações relevantes ao estudo.
73
A análise dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo categorial com
cunho interpretativo embasada na fundamentação teórica proposta. As entrevistas foram
transcritas na íntegra e analisadas a partir das categorias analíticas definidas na
fundamentação teórica. Elas me permitiram construir o contexto histórico do subcampo do
artesanato em Florianópolis, bem como perceber as disputas que são travadas entre os agentes
do campo com vistas a sua dominação. Assim sendo, esse estudo é predominantemente
qualitativo constituindo-se em um estudo de caso do subcampo artesanal de Florianópolis,
podendo-se classificá-lo como descritivo-interpretativista.
Assim, conhecer a história do artesanato, nesse estudo, visa contextualizar o objeto no
tempo e no espaço em Florianópolis a fim de obter subsídios que expliquem sua dinâmica.
Com isso, estou ciente dos riscos que corro com as narrativas episódicas dos artesãos e dos
porta-vozes das instituições pesquisadas e suas percepções particulares dos eventos históricos.
Não aqui a intenção de narrar uma história linear do artesanato em Florianópolis, mesmo
porque, conforme Yvette Delsaut (2005) manter-se fiel a uma cronologia conduz, sem que se
queira, a imaginar que os fenômenos sociais acontecem de forma harmônica e sincrônica.
É importante destacar também que nessa pesquisa o artesanato é analisado como
subcampo da cultura. Isso porque se vincula ao campo cultural de Florianópolis sob a
responsabilidade da Fundação Franklin Cascaes. Essa entidade comporta, além do artesanato,
outras atividades culturais como a dança, o teatro, a música, a literatura, o cinema, entre
outras. Bourdieu (2005) esclarece que as propriedades do campo são válidas para o subcampo,
não havendo, portanto, nenhum prejuízo na análise dos dados em nível de subcampo. Assumir
essa posição torna mais coerente e inteligível a compreensão da dinâmica desse objeto, que
mantém relações de dependência tanto com o campo cultural quanto com o campo
econômico. Essa postura fornece os subsídios para se analisar essa tensão por meio da análise
das relações de força que atuam nesse campo de estudo.
Assim, para conhecer o objeto de pesquisa realizei um levantamento bibliográfico
sobre artesanato e cultura popular e cheguei a Nestor Garcia Canclini em quem busquei apoio
para compreender/situar meu objeto: o artesanato. Por opção epistemológica não realizo uma
definição fechada do termo artesanato, conceito historicamente carregado de significados
ideológicos e descontextualizado. Aqui sigo a Bourdieu para quem que se construir o
objeto de pesquisa se distanciando das prenoções que constroem e classificam o mundo
social. Nesse trabalho o artesanato foi entendido como cultura popular engendrada nas
relações sociais sendo considerada o produto da apropriação desigual de capital cultural nas
74
lutas sociais pela dominação e imposição de uma visão de mundo (CANCLINI, 1983, 2000;
BOURDIEU, 1996, 2005a, 2005c).
Diante disso, pretendi analisar o habitus do subcampo artesanal de Florianópolis,
através da história de vida dos artesãos e da história coletiva do campo em estudo. Para esse
trabalho considero o subcampo do artesanato como um espaço de luta e disputa por capitais
capazes de ditar as regas do jogo. A análise dessas disputas ocorre em dois planos: o primeiro
diz respeito às lutas entre os próprios artesãos pela definição e classificação do que é ser
artesão legítimo e do que é artesanato. O segundo plano refere-se à disputa entre os órgãos
ligados ao artesanato que envolve a posse de determinados capitais capazes de influenciar a
configuração da estrutura do espaço em estudo (essa análise foi realizada no item 4.2). A
disputa entre as instituições ligadas ao artesanato se pelo poder de definição do que é
artesanato e pela definição dos espaços de comercialização.
Ainda em relação a constituição do habitus do subcampo, posiciono-me da seguinte
forma: com o andamento da pesquisa fui percebendo que o objeto de análise se apresenta num
campo no qual sua lei fundamental não está bem definida. Ela encontra-se, todavia, em
constante questionamento por parte dos agentes envolvidos que buscam a posse de capitais
capazes de classificar as categorias válidas para esse campo. Dentre elas está a definição do
que é artesanato e de quem é artesão legítimo, bem como está a disputa pelos espaços de
comercialização. Depreende-se de Bourdieu (1996) que a estrutura do campo é constituída por
uma rede de relações objetivas entre posições dadas pela distribuição de espécies de capital
que funcionam como trunfos na luta pela dominação do campo. Das posições ocupadas
originam-se o habitus, que numa relação dialética com o campo funcionam como estruturas
estruturadas e estruturantes.
Assim, na tentativa de identificar o habitus do subcampo, percebi que há indicações do
mesmo, mas não como defini-lo uma vez que se encontra em questionamento não
possuindo contornos definidos. Isso é reflexo dos conflitos entre os próprios agentes do
campo que não conseguem definir o que é artesanato, o que é ser artesão e por isso tem
dificuldades de definir também o que é válido ou não para o subcampo.
Diante disso, chego a algumas considerações a cerca de um habitus indefinido entre
ser artesão legítimo: hippieou “nativo” ou artífice
31
. Desse modo, prendo-me muito mais
em compreender as motivações dos artesãos por meio da história do campo do que por meio
31
Esses termos serão contextualizados e explicados no decorrer da análise.
75
do seu habitus. Com relação aos capitais valorizados pelos artesãos e pelos motivos já
expostos em relação ao habitus, procedo de maneira semelhante àquele.
76
3.3 PERGUNTAS DE PESQUISA
Deste modo, para que eu pudesse me apropriar do conceito de campo em Bourdieu
com a devida vigilância epistemológica, fez-se necessário a ciência de que as propriedades
atuantes num campo específico podem ser conhecidas mediante a investigação no próprio
campo no qual se atualizam. Para tanto, lanço algumas perguntas de pesquisa que motivaram
a problemática de estudo que pretendi compreender.
1) Como se caracteriza, numa perspectiva histórica, a formação do subcampo do
artesanato em Florianópolis?
Para responder esta questão busquei recuperar a história do subcampo, por meio de
documentos institucionais, jornais e revistas e sites, bem como por meio de entrevistas semi-
estruturadas com os agentes/artesãos e agentes/porta-vozes dos órgãos que cuidam da cultura
em Florianópolis.
2) Quais capitais são fundamentais para o subcampo artesanal de Florianópolis?
Capitais são trunfos que motivam as lutas pela apropriação do poder de
classificar/(des)classificar, nomear, ou seja, de ditar as regras do jogo e impor uma visão de
mundo legitimada e que só produz seus efeitos no campo no qual se produz e (re)produz. Para
responder esta pergunta busquei entrevistar, por uma amostra não probabilística, alguns
artesãos selecionados aleatoriamente entre as diversas feiras que ocorrem na cidade. Busquei
também entrevistar os técnicos das instituições públicas que tivessem algum envolvimento
com o artesanato. Isto se torna importante, a medida, que para Bourdieu o Estado é o detentor
da violência física e simbólica legitimas, e, possui, portanto o poder de classificar e tornar
legítimas suas classificações. Este fato constitui motivo de luta entre os agentes do campo que
buscam, por isso, obter poder sobre o poder do Estado para fazer correr a seu favor as regras
do jogo.
3) Quais são os agentes mais potentes do subcampo artesanal de Florianópolis?
Esta questão torna-se importante, para tentar compreender a dinâmica deste subcampo,
e saber quais agentes, no interior do mesmo têm mais recursos (capitais) e por isso mais
chances de investimento no campo. Isto porque a distribuição desigual do capital determina a
estrutura do campo, que é definida pela relação de força entre os agentes e as instituições
dotadas de capitais desiguais. Para tentar verificar isto, entrevistei (entrevista semi-
estruturada) os agentes do campo. Assim, para identificar a posição destes agentes (já que a
77
posição é dada pelo volume e estrutura dos capitais possuídos) procurei identificar seus
capitais predominantes, aqueles que o subcampo mostrou como lidos na luta pelo
monopólio sobre o artesanato em Florianópolis.
4) Qual o habitus do subcampo artesanal de Florianópolis?
O habitus possui uma relação dialética com a posição no campo, ou seja, as ações dos
agentes podem ser compreendidas se comparadas às suas posições no campo. Deste modo,
as disposições constitutivas do habitus funcionam e valem no próprio campo, numa
situação dinâmica na qual as forças se manifestam apenas na relação com certas disposições
(posturas e gestos). Assim, nesta pesquisa as disposições do habitus foram
"operacionalizadas" por meio das histórias individuais e coletivas dos agentes do campo. As
propriedades do habitus dos agentes foram reveladas a partir do trabalho de construção objeto
desta pesquisa e serviram como base para as reflexões a cerca desse habitus apreendido a
partir das entrevistas (narrativas) sobre as histórias contadas pelos agentes do subcampo em
estudo.
Estas perguntas de pesquisa me auxiliaram a traçar um mapa do campo, verificar quais
interesses
32
e capitais são perseguidos, quais são os agentes que participam do jogo, quais
disputas são travadas no campo, bem como proporcionou uma visualização de como o Estado,
em Florianópolis, trata as questões do artesanato.
32
Para Bourdieu (2001) Os interesses sociais são sempre específicos a cada campo e não se reduzem ao interesse
de tipo econômico.
78
4 ELEMENTOS HISTÓRICOS DA CONSTITUIÇÃO DO SUBCAMPO ARTESANAL
DE FLORIANÓPOLIS
O artesanato ilhéu apresenta uma diversificação de peças, reflexo da forma como se
constituiu o campo. Ele é feito por diversas mãos de artesãos, não da cidade de
Florianópolis, mas também de outros estados e países. Entre eles, alguns são filhos de
artesãos, herdando o ofício; alguns são autodidatas e outros são motivados por cursos de
capacitação na busca por ocupação e renda. O artesanato é a principal fonte de renda para
quase metade dos artesãos entrevistados e a feira é, para todos, o principal meio de
comercialização de seus produtos.
O artesanato em Florianópolis se encontra espalhado por diversas feiras no centro da
cidade e nas praias, principalmente. As feiras aqui pesquisadas, conforme salientado no
capítulo do método, foram: Feira da Catedral, Feira Arte Floripa (Praça XV), Feira da Praça
Fernando Machado, Feira Miramar e Feira da Lagoa. A Feira da Catedral foi criada em 1987,
conta, hoje, com cerca de 80 expositores e localiza-se em frente à Catedral Metropolitana de
Florianópolis. A Feira Arte Floripa foi criada em 2006, inicialmente localizada na cabeceira
da Ponte Hercílio Luz e transferida um ano mais tarde para a Praça XV, conta com cerca de
60 expositores atualmente. A Feira da Praça Fernando Machado foi criada em 2000 conta com
a participação de cerca de 40 artesãos e localiza-se próximo a Praça XV de novembro no
centro de Florianópolis. A Feira Miramar foi criada em 2006, localiza-se próximo ao Casarão
da Alfândega e do Mercado Público de Florianópolis, conta atualmente com cerca de 100
expositores. Finalmente, a Feira da Lagoa da Conceição, criada em 2000, localiza-se na Praça
da Lagoa no chamado centrinho da Lagoa, conta, atualmente com cerca de 130 artesãos.
Vale destacar que todas as feiras pesquisadas apresentam artesãos que realizam
exposição em duas ou mais feiras. Além disso, com relação ao uso do espaço físico das feiras
percebi que a disposição das barracas acompanha a disposição dos espaços do local de
comercialização onde a feira se encontra. Desse modo, o layout da feira se adéqua ao espaço a
ela destinado. Quanto às barracas observei certa semelhança tanto no formato quanto no
tamanho, em geral elas medem 2m
2
. Em relação à cor das barracas elas não seguem um
padrão específico, ficando a cargo de cada feira sua escolha. Os órgãos pesquisados, exceto a
FFC, aceitam que os artesãos busquem patrocínio para a compra das barracas.
79
Além disso, o tipo de artesanato encontrado nas feiras pesquisadas é semelhante. O
que muda é a predominância de alguns produtos em detrimento de outros conforme a feira
pesquisada. Por exemplo, na feira da Lagoa e na feira da Praça Fernando Machado encontrei
com mais facilidade produtos identificados no campo como de cultura hippie”. Ainda na
feira da Lagoa e no Casarão da Alfândega encontrei mais facilmente do que em outras feiras,
o artesanato nativo de tradição (renda de bilro, cerâmica, etc.). Na feira da Catedral, da
Miramar e da Arte Floripa é mais comum encontrar o artesanato citado no campo como de
manualidades (panos de pratos decorados, pinturas em gesso, bijuterias, etc.).
Abaixo apresento dois mapas com a representação espacial das feiras pesquisadas e
logo em seguida apresento algumas fotos, dessas feiras, mostrando a organização das barracas
nos espaços a elas destinados.
80
Figura 1: Mapas das Principais Feiras de Artesanato de Florianópolis
Figura 2: Foto da Feira Arte Floripa (Praça XV)
81
Figura 3: Foto da Feira da Catedral
Figura 4: Foto da Feira da Praça Fernando Machado
82
Figura 5: Foto da Feira Miramar
Figura 6: Foto da Feira da Lagoa da Conceição
83
Abaixo seguem algumas tabelas com os resultados de um levantamento quantitativo
realizado com os artesãos das feiras pesquisadas, bem como algumas reflexões sobre o
resultado desse material.
Naturalidade Total
AL 0,52%
AM 1,55%
Argentina 2,59%
BA 2,59%
Bolívia 1,04%
Chile 0,52%
DF 0,52%
ES 0,52%
Florianópolis - SC
20,21%
MA 0,52%
MG 1,55%
PA 1,04%
PB 0,52%
Peru 1,04%
PR 4,66%
RJ 3,11%
RS 18,65%
SC 26,42%
SE 1,04%
SP 9,84%
Uruguai 1,55%
Total geral 100,00%
Tabela 1 – Tabela Sobre a Naturalidade dos Artesãos
Diante dos dados acima é possível fazer algumas considerações: os artesãos que
comercializam seus produtos nas feiras pesquisadas são na sua maioria (cerca de 55% dos
entrevistados) oriundos de outros estados (Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, etc) e países
(Uruguai, Argentina, Chile, Peru, etc). Essa peculiaridade do artesanato de Florianópolis
produz conseqüências no tipo de artesanato encontrado nas feiras da cidade cuja principal
reclamação dos órgãos do Estado e dos turistas é a falta de uma identidade local nas peças
feitas e comercializadas. Assim, encontram-se em Florianópolis artesanatos típicos de outras
84
regiões como o trabalho em couro, em vidro, em madeira, materiais que não tem a ver
especificamente com a cultura de Florianópolis. Essa situação também se reflete nas
dificuldades de organização deste espaço, uma vez que os artesãos apresentam histórias e
motivações diferentes e relações de pertencimento diferentes. O artesanato típico tradicional
de Florianópolis, segundo um servidor da FFC, é a renda de bilro, o feitio de canoas e redes
de pesca, o trançado e a cerâmica. Contudo, conforme argumenta a coordenadora de
artesanato da FCC esse artesanato tradicional encontra muitas dificuldades para se manter
vivo devido ao alto custo de confecção das peças e por isso torna-se pouco atrativo para um
mercado de feiras de rua como é o caso de Florianópolis no qual o público procura produtos
com preços baixos. Em virtude disso, a sobrevivência de rendeiras, por exemplo, torna-se
cada vez mais difícil, fato que pressiona os filhos e parentes desses artesãos a procurarem
outras ocupações na busca pelo sustento.
Sexo Total
Feminino 142 74,35%
Masculino 49 25,65%
Total geral 191 100%
Tabela 2 – Tabela Sobre o Gênero dos Artesãos
Artesanato x Renda Total
Complemento 105 54,69%
Hobby 7 3,65%
Sobrevive 80 41,67%
Total geral 192 100%
Tabela 3 – Tabela Artesanato x Renda
Dos entrevistados 74,35% são mulheres e 33,50% não possuem residência própria.
Quanto a questão econômica quase 55% complementam renda com a comercialização do
artesanato, cerca de 42% sobrevivem do artesanato e 3,65% tem no artesanato um hobby.
O percentual de mulheres artesãs pode ser relacionada com a questão da complementação de
renda, sendo que algumas das artesãs entrevistadas se dizem chefe de família enquanto outras
complementam a renda do esposo que trabalha em outra atividade.
85
Escolaridade Total
Fundamental Incompleto 36 18,56%
Fundamental Completo 19 9,79%
Médio Incompleto 7 3,61%
Médio Completo 77 39,69%
Superior Incompleto 21 10,82%
Superior Completo 32 16,49%
Pós-Graduação 1 0,52%
Mestrado 1 0,52%
Total geral 194 100%
Tabela 4 – Tabela Escolaridade
Quanto à escolaridade, 9,79% possuem o ensino fundamental somente, cerca de 40% o
ensino médio e quase 17% tem o ensino superior. O gradativo aumento da escolaridade entre
os artesãos também foi um ponto abordado durante as entrevistas. Os artesãos argumentaram
que isso vem se verificando nos últimos anos com a inserção no artesanato de um novo perfil
de artesão: aquele que por não encontrar espaço em outros setores acabam se dedicando ao
artesanato.
Como aprendeu Total
Amigos 10 5,26%
Curso 72 37,89%
Familiares 17 8,95%
Sozinho 91 47,89%
Total geral 190 100%
Tabela 5 – Tabela Aprendizagem do Ofício
No que diz respeito à aprendizagem do ofício 37,89% aprendeu o que sabe fazer em
cursos de capacitação, cerca de 48% aprendeu sozinho e quase 14% aprendeu com familiares
e amigos. Os artesãos entrevistados salientaram que nos últimos anos cresceu o número de
aposentados que passou a se ocupar do artesanato e participar das feiras influenciadas por
cursos de capacitação, fato que ajuda a explicar o percentual de artesãos que apreenderam o
que sabem em cursos.
Durante a pesquisa tive a oportunidade de entrevistar muitos artesãos em suas
residências e ateliês e pude constatar que a maioria reside longe do centro da cidade e dos
locais de feiras e suas casas são simples e pequenas. Isso remete a idéia de que viver de
artesanato não é tarefa fácil conforme mostra os estudos de Canclini (1983, 2000) e Pereira
86
(1979) que verificaram que muitos artesãos dedicaram uma vida inteira ao oficio das artes
manuais e nem por isso sua condição de moradia e de vida melhoraram ao longo do tempo.
Durante a pesquisa pude perceber como os momentos de crises políticas
caracterizados por trocas de governo estavam associados a ameaças de perda do espaço de
comercialização dos produtos artesanais. Essas situações exigiram dos artesãos mobilização e
união para lutar pela permanência no espaço conquistado. É importante destacar que o
artesanato de Florianópolis se encontra bastante fragmentado e espalhado em feiras
relativamente pequenas no entorno da cidade (praias) e no centro. Esse fato contribuiu para
que surgissem clivagens entre os expositores das feiras, provocando conflitos no que diz
respeito aos horários e locais das feiras.
No campo empírico me chamou a atenção o fato dos artesãos não citarem as
associações em seus relatos. Quando indagados sobre as mesmas as respostas convergiram
para a falta de tempo de participar das associações e para a falta de credibilidade das mesmas,
embora a maioria dos entrevistados em algum momento tenha se filiado a alguma associação.
Em virtude disso e da limitação de tempo optei por não pesquisar as associações de
artesanato.
Nós não recebemos informações de ninguém a respeito do artesanato. De maneira
nenhuma, por um boato ou outro, por alguns camaradas. Nós nem temos uma
associação de artesãos que seja ativa, não temos. Eu sou filiado a uma associação
da Casa da Alfândega cujo presidente mora perto da minha casa e me avisa quando
tem a reunião. O problema é que nós também como artesãos não participamos.
interesse, mas queremos que a assembléia venha até nós. Eu sei porque eu não vou,
não vou porque preciso trabalhar. Tenho que trabalhar depois do horário da feira
para produzir, no meu caso especificamente e acho que de muitos aqui...Eu vendo 4
dias na semana e 3 eu tenho para fabricar, minha mulher também fabrica, não tenho
tempo sobrando pra nada. Acho que a maioria é assim. Então não funciona direito
se a nossa participação e o cara que participa como o presidente acaba enjoado
porque ele sempre vai e perde de trabalhar (entrevistado nº 09 [artesão]).
Durante o processo de mapeamento do campo, os artesãos indicaram algumas
instituições que desenvolvem ações em relação ao artesanato. Além da indicação dos artesãos
realizei também uma pesquisa complementar via internet na busca pelas instituições que
coordenam o artesanato em Florianópolis e cheguei a oito: Instituto de Geração de
oportunidades de Florianópolis (IGEOF), Fundação Franklin Cascaes (FFC), Serviço
Brasileiro de Apoio as Micros e Pequenas Empresas (SEBRAE), Banco do Brasil (BB),
Fundação Catarinense de Cultura (FCC), Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho
e Habitação (SST), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC).
87
O Instituto de Geração de oportunidades de Florianópolis (IGEOF) foi criado em 2003
pela prefeita Angela Amin, vincula-se, portanto a prefeitura, com objetivo de promover
oportunidades de renda na capital de Santa Catarina por meio de ações voltadas para projetos
sociais auto-sustentáveis
33
. Em seu quadro de servidores conta com a presença da Sra. Ana
Mercedes (técnica entrevistada), professora de formação. Possui dez anos de experiência na
área de artesanato com passagem pela Fundação Franklin Cascaes, na qual acompanhou a
criação da feira da Lagoa. Em 2004 com a mudança de governo no município de
Florianópolis, a Sra. Ana Mercedes foi cedida ao IGEOF e em 2006 criou uma feira de
artesanato chamada Feira Miramar que se localiza no Largo da Alfândega, próximo ao
Mercado Público de Florianópolis.
A FFC foi criada em 1987, pelo prefeito Edson Andrino, a partir da divisão operada na
Secretária de Esporte, Cultura e Turismo. A entidade surgiu da necessidade de uma ação
cultural forte, mais independente da tutela do Estado e dos setores turísticos. Faz parte do
quadro de funcionários efetivos dessa instituição, 27 anos, o Sr. Décio Bertolucci (técnico
entrevistado), sendo o responsável juntamente com o Sr. Paulo Lavor (técnico entrevistado)
pelos assuntos ligados ao artesanato. Outro técnico entrevistado desta instituição foi o Sr Roni
Silveira, bacharel em Direito, coordenador da Feira da Lagoa 5 anos. Na estrutura da
fundação o artesanato está vinculado à coordenadoria de assuntos comunitários juntamente
com o folclore. Estes se encontram separados das demais manifestações culturais como a
música, a dança, a literatura, o teatro e o cinema os quais estão vinculados à coordenadoria de
artes. As feiras pesquisadas que estão sob a responsabilidade da FFC são: Feira da Praça
Fernando Machado, Feira da Beiramar e Feira da Lagoa da Conceição.
O SEBRAE foi criado em 1990 pelo Poder Executivo federal com o apoio da
iniciativa privada
34
. Trata-se de uma instituição técnica de fomento e difusão de programas e
projetos que visam à promoção e ao fortalecimento das micro e pequenas empresas. O
objetivo de acordo com essa instituição é trabalhar de forma estratégica e inovadora para fazer
com que o universo dos pequenos negócios no Brasil tenha as melhores condições possíveis
para uma evolução sustentável, contribuindo para o desenvolvimento do país. O SEBRAE
aparece no cenário do artesanato com o desenvolvimento de projetos, no Estado de Santa
Catarina, voltados para essa atividade. Em Florianópolis a instituição dirige um projeto
33
Instituto de Geração de oportunidades de Florianópolis. Histórico. Disponível em:
www.pmf.sc.gov.br/igeof/historico. Acesso em: janeiro, 2009.
34
SEBRAE. Histórico. Disponível em: www.sebrae-sc.com.br/histórico. Acesso em: janeiro, 2009.
88
denominado Arte Catarina
35
, que faz parte do Programa SEBRAE de Artesanato. Esse
programa tem como objetivo desenvolver o setor e despertar no artesão uma visão
empreendedora sem perder de vista a valorização do artesanato enquanto expressão individual
e criativa de sua cultura e da cultura da comunidade onde ele vive. A técnica entrevistada
desta instituição foi Simone Cabral, coordenadora estadual de artesanato lotada nessa função
há 2 anos.
Em Florianópolis o Banco do Brasil, por meio do projeto Desenvolvimento Regional
Sustentável (DRS)
36
, desenvolve ações de apoio ao artesanato com objetivo de auxiliar na
estruturação dessa atividade na busca por sua legalidade. Essa entidade juntamente com a
UDESC apóia a feira de artesanato Arte Floripa que se realiza no centro da cidade de
Florianópolis aos sábados, dentro da Praça XV, desde janeiro de 2007. Essa feira de
artesanato nasceu da iniciativa de alguns artesãos com o apoio da Universidade do Estado de
Santa Catarina por meio de um projeto de extensão universitária. Primeiramente foi fundada
uma associação de artesãos em 2004 e num segundo momento, a partir de 2006 deu-se início
a negociações com a prefeitura de Florianópolis pela busca de um local para exposição e
comercialização desse artesanato. O coordenador do projeto DRS em Santa Catarina, Sr
Antônio Carlos Soares, entrevistado durante o processo de pesquisa, atua na área há mais de 8
anos.
A Fundação Catarinense de Cultura
criada em 1979 pelo governo do Estado de Santa
Catarina tem sob sua responsabilidade entre outros espaços a Casa da Alfândega
37
- espaço de
exposição e comercialização do artesanato de todo o Estado de Santa Catarina. Entre as
atribuições da FCC estão: executar a política de apoio à cultura; formular, coordenar e
executar programas de incentivo às manifestações artístico-culturais; estimular a pesquisa da
arte e da cultura, apoiar instituições culturais públicas e privadas, incentivar a produção e a
divulgação de eventos culturais e integrar a comunidade às atividades culturais. Faz parte do
quadro de funcionários da fundação a Sra. Lucília Polli (técnica entrevistada). Ela atua na área
35
SEBRAE. Arte Catarina. Disponível em: http://artecatarina.sebrae-sc.com.br. Acesso em: janeiro, 2009.
36
O desenvolvimento Regional Sustentável é uma estratégia negocial do Banco do Brasil, que busca impulsionar
o desenvolvimento sustentável das regiões onde o BB está presente. O DRS conta com a parceria da iniciativa
privada, das universidades e de organizações da sociedade civil para apoio de atividades produtivas
economicamente viáveis, socialmente justas e ambientalmente corretas respeitando a diversidade cultural
(www.bb.com.br).
37
A Casa da Alfândega é o mais importante exemplar da arquitetura neoclássica do Sul do Brasil, possuindo
planta retangular com três corpos e dois armazéns laterais com telhados independentes e rematados por
platibanda. Como característica apresenta o madeiramento suportado por coluna dórica de caráter monumental.
Atualmente está estalado no edifício a galeria de artesanato da Fundação Catarinense de Cultura e o espaço
destinado as artes plásticas. A galeria de artesanato, aberta ao público a aos artesãos, tem a finalidade de expor,
comercializar e valorizar o artesanato de qualidade produzido em Santa Catarina (
http://www.fcc.sc.gov.br
consultado em dez/2008).
89
da cultura há mais de 30 anos, tendo iniciado suas atividades nesse campo como professora da
escolinha de arte, assumindo logo em seguida a coordenação da Casa da Alfândega e do
artesanato lá exposto.
A Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação (SST) substituiu a
extinta Secretaria da Família e tem como missão: planejar e normatizar políticas públicas de
direitos sociais e do mundo do trabalho na perspectiva do desenvolvimento econômico e
social sustentável do Estado de Santa Catarina cujo foco prioritário é o cidadão catarinense e
suas famílias
38
. Essa instituição é o órgão oficial no plano estadual a coordenar o artesanato
por meio do Programa de Artesanato Catarinense (PROCARTE) criado em 1993 pelo decreto
3.990. O programa é parceiro do MDIC por meio do Programa de Artesanato Brasileiro
(PAB) que elabora as diretrizes do setor artesanal em nível nacional. O técnico entrevistado
desta instituição foi o Sr Luiz Carlos Teixeira que atua como coordenador do PROCARTE há
17 anos.
A Universidade Federal de Santa Catarina foi criada em 1960, sendo oficialmente
instalada em 12 de março de 1962. A universidade abriga em seu campus uma feira de
artesanato desde a década de 70. Atualmente essa feira realiza-se em frente ao prédio da
reitoria e está sob a responsabilidade da Sala Verde
39
. Foi entrevistado, para essa pesquisa, o
Sr Gelci Coelho (mais conhecido como Peninha), museólogo e professor da UFSC, discípulo
de Franklin Cascaes
40
.
A UDESC foi criada em 1965 e abrange todo o Estado de Santa Catarina, estando
presente em diversos municípios catarinenses com a sua estrutura multi-campi e atuação
vocacionada para o perfil sócio-econômico e cultural das regiões onde a universidade se
insere, visando sempre o fortalecimento das vocações regionais
41
. A UDESC desde 2004, por
meio de projetos de extensão, desenvolve ações a favor do artesanato em Florianópolis. Foi
responsável pela criação de uma feira de artesanato na cidade em 2006, inicialmente
localizada na cabeceira da ponte Hercílio Luz, e posteriormente em 2007 transferida para a
38
Consultado em 09/12/2008: http://www.sst.sc.gov.br/
39
A Sala Verde da UFSC é uma iniciativa interinstitucional proposta pelo programa Salas Verdes do Ministério
do meio ambiente. Tem como objetivo a realização de ações educacionais e intervenção socioambiental com
área de abrangência na grande Florianópolis. Na UFSC a iniciativa é desenvolvida através da Coordenadoria de
Gestão Ambiental, Gerencia Regional de Educação e conta com a parcerias das ONGs Klimata, associação Caeté
e Grupo Pau Campeche todas integrantes da rede Semente Sul (http://www.salaverde.ufsc.br/index.php
pesquisado em 02/01/2009).
40
Nascido em 1908, em Itaguaçu, município de Florianópolis, Franklin Joaquim Cascaes, manifestou desde cedo
interesse pelas histórias e eventos que diziam respeito ao processo de ocupação e colonização da ilha de Santa
Catarina. Transformou, através de suas habilidosas mãos de artista, esse universo cultural num conjunto de
desenhos, manuscritos e esculturas, criando ao longo de sua vida um acervo documental sobre a cultura popular
do litoral catarinense. Faleceu em 1983 (
http://www.pmf.sc.gov.br/franklincascaes, pesquisado em 02/01/2009).
41
Consultado em 09/12/2008: www.udesc.br.
90
Praça XV, local em que permanece até hoje. Essa feira chama-se Arte Floripa. Nessa
instituição estabeleci contato com a diretora de extensão Sra. Clerilei Aparecida Bier, que
durante o período de 2003 a 2005 coordenou projetos ligados ao artesanato.
Apresento abaixo um quadro resumo das instituições e feiras pesquisadas neste
trabalho.
Instituição Projeto Feira(s) que coordenam,
projetos ou espaços
Coordenador
FFC
Projeto Feirarte: é constituído por expositores
vinculados diretamente à produção e
comercialização do artesanato local distribuídos em
4 feiras na cidade.
Feira da Praça Fernando;
Feira da Catedral;
Feira da Beiramar;
Feira da Lagoa.
Paulo Lavor e
Décio
Bertolucci
IGEOF
Projeto Feira Miramar: iniciado 2006 com o objetivo
de gerar renda para o artesão de Florianópolis.
Feira Miramar: Largo da
Alfândega.
Ana Mercedes
Rutz
FCC
A Casa do Artesão: galeria de artesanato, aberta ao
público e ao artesão, tem a finalidade de expor,
comercializar e valorizar o artesanato de qualidade
produzido em Santa Catarina.
Casa da Alfândega
Lucília Polli
SEBRAE/
SC
Apóia algumas iniciativas em relação ao artesanato
com a promoção de eventos e a formação de
parcerias na busca de pontos de venda.
Arte Catarina Simone
Amorim
UDESC
Apoiou a Fundação da associação de artesãos
Magiarte e a consolidação de um espaço para
exposição.
Feira Arte Floripa. Local
Praça XV
Clerilei Bier
Banco do
Brasil
Desenvolve ações em prol do artesanato por meio do
projeto DRS
Apóia a Feira Arte
Floripa da Praça XV
Antônio
Soares
UFSC
Apóia iniciativas ligadas a cultura popular, incluindo
o artesanato local, destinando espaços ao artesanato
nos eventos acadêmicos que promove. Além disso,
abriga em seu campus uma feira de artesanato
Feira da Reitoria Clarice da
Costa
Trindade -
Sala Verde
SST
Responsável pelo Programa de Artesanato
Catarinense na realização de cursos de capacitação
para os artesãos de Santa Catarina
PROCARTE
Luiz Carlos
Teixeira
Quadro 1 – Órgãos Ligados ao Artesanato e Feiras que Coordenam
4.1 O Artesanato em Florianópolis: Uma Tentativa de Compreensão de um Habitus em
Transformação
Durante a pesquisa pude constatar que o artesanato em Florianópolis tem na feira o seu
principal meio de comercialização e difusão. Porém, a feira é um fenômeno relativamente
recente. Os relatos produzidos no campo pesquisado indicam a década de 70 como época do
surgimento das feiras de artesanato com a chegada na cidade de argentinos, chilenos,
uruguaios, gaúchos e paulistas que ocuparam a Praça XV para comercializar as peças que
91
produziam. É interessante observar que o início da atividade das feiras de artesanato não está
ligada aos agentes locais, nem aos artesãos nem aos agentes públicos. Antes, a chegada de
agentes de outros estados e países é que permitiu a emergência das feiras.
A Praça XV de Novembro, ao longo do processo de colonização da cidade se tornou
locus em torno do qual, nasceu o povoado de Desterro que cresceu, tornou-se vila e depois
cidade. Esse espaço central transformou-se do antigo Largo do Palácio, durante o período
colonial, à atual praça XV de Novembro. É um ponto turístico de destaque com sua centenária
figueira que faz parte da história da cidade
42
. Assim, a Praça XV foi e continua sendo um
ponto de apoio do artesanato.
As pressões econômicas e culturais, bem como o desenvolvimento do turismo na
cidade impuseram transformações no significado e no tipo de artesanato que se encontra hoje
nas ruas, além de mudanças no perfil do próprio artesão como será visto mais adiante. Além
disso, ocorreu em Florianópolis em 1986 um momento político histórico importante que se
refletiu no artesanato: a primeira eleição direta para prefeito. Nessa ocasião foi eleito o
candidato Edson Andrino (PMDB) que apoiou a criação de uma feira de artesanato em frente
à Catedral Metropolitana de Florianópolis para atender a reivindicação de alguns artesãos que
não participavam do espaço da Praça XV, mas que queriam um espaço para comercializar sua
produção.
Nesse mesmo período (década de 80) o crescimento descontrolado de artesãos dentro
da praça XV começou a chamar a atenção do poder público que, à época, cogitou a
possibilidade de acabar com a feira. O motivo alegado para isso era a desordem provocada
pelos artesãos que se multiplicavam rapidamente pela Praça, dando a ela um aspecto grosseiro
e sujo. No entanto, segundo os artesãos entrevistados, nem o prefeito Edson Andrino (1986-
1988), nem seu sucessor Esperidião Amin (1989-1990) e nem Sérgio José Grando (1993-
1996) levaram adiante a idéia de retirada dos artesãos em virtude de esbarrarem na resistência
dos mesmos. Porém, com a eleição de Ângela Amin (1997-2000 e 2001-2004), deu-se o
processo de retirada dos artesãos da Praça XV. A prefeita, por meio da Fundação Franklin
Cascaes, encaminhou a superintendente da entidade para fazer a intermediação da saída dos
artesãos da praça XV, mas a referida agente se deparou com a resistência dos artesãos:
Até oito anos atrás tinha alguns artesãos que trabalhavam dentro da Praça XV desde
a década de 70 e teve aqui uma tal de professora Lélia da universidade
[superintendente da FFC] que foi chamada pela prefeitura para organizar toda
42
Consultado em 09/12/2008: http://www.ihgsc.org.br/destaque1.htm
92
aquela bagunça. Então ela chegou na feira e era um espaço que se ganhava muito
dinheiro, um espaço de muita droga, e prostituição, tinha muita gente boa, mas
tinha muita gente ruim, mas ela chegou e foi falar com o grupo para tentar
organizar a feira [em outro lugar] e cadastrar todo mundo, separar por tipo de
trabalho, fazer uma organização interna do negócio, mas ela foi num grupo em que
as pessoas eram muito radicais onde você tinha uma posição você morria por ela.
Então, ela chegou se colocando como professora da universidade sendo enviada
pela prefeitura, e era um órgão que a gente simplesmente tinha a maior rixa.... Mas
a maneira que ela colocou era inviável, quer dizer se ela usasse o método da
antropologia que é você chegar no grupo, entrar no grupo e depois você tentar
mudar ela teria conseguido. Você tentar de cima pra baixo, não daria certo nunca, aí
o pessoal correu com ela (entrevistado nº 19 [artesão]).
Diante da recusa dos artesãos de saírem da praça XV a prefeita Ângela Amin decidiu
fechar a Praça com tapumes impedindo o seu acesso aos artesãos, além de enfrentar com a
polícia montada os mais resistentes a esse processo de mudança das regras do jogo. Como
alternativa de espaço para exposição, a prefeita concedeu aos artesãos um canto ao lado do
terminal de ônibus de Florianópolis. Segundo os entrevistados que viveram esse momento
foram tempos difíceis, pois o lugar a eles destinado não era adequado para comercialização
em virtude da baixa circulação de pessoas e das condições climáticas (ventos fortes). Os
artesãos permaneceram 2 anos ao lado do terminal de ônibus, sendo realocados depois, em
virtude de pressões do grupo sobre a prefeitura, para a Praça Fernando Machado onde
permanecem até hoje.
Desde a década de 80, segundo os entrevistados, o número de artesãos foi crescendo
gradativamente na cidade e com isso surgiram algumas divisões entre os mesmos. Em 1994 a
Fundação Franklin Cascaes assumiu definitivamente o controle das feiras de artesanato em
Florianópolis expandindo-as, inclusive, para outros pontos na cidade. No início de suas
atividades, em 1987, o foco de atuação da entidade no que diz respeito ao artesanato centrava-
se no trabalho dos artesãos nativos
43
de Florianópolis que tinham por ofício o artesanato
chamado de tradição: a renda de bilro, a cestaria, a cerâmica, o feitio de canoas e redes de
pesca. Ainda em 1994 a fundação expande o espaço de comercialização do artesanato para o
trapiche da Beiramar. Os artesãos com raras exceções eram os mesmos nas duas feiras
Catedral e Beiramar. No ano de 2000 a FFC iniciou a exposição de alguns trabalhos de
artesãos locais no Centro Cultural Bento Silvério mais conhecido como Casarão da Lagoa. A
idéia era atender aos pedidos de turistas que se dirigiam à casa em busca de lembranças de
Florianópolis. Segundo os idealizadores do projeto, a iniciativa foi bem sucedida: em pouco
43
Esse termo designa os indivíduos nascidos e criados em Florianópolis.
93
tempo, foi necessário ampliar o espaço de exposição. Como o espaço da casa era pequeno,
optaram por utilizar o espaço da Praça da Lagoa.
Com a criação dessa feira, a FFC passou a ter sob sua responsabilidade quatro feiras
de artesanato na cidade. As feiras que estão sob a tutela da Fundação Franklin Cascaes têm
que seguir suas regras para o ingresso nos espaços de comercialização. Assim, em qualquer
uma das feiras de artesanato sob a responsabilidade da fundação os critérios do processo
seletivo são semelhantes, por exemplo: exigem o trabalho em três fases - começo, meio e fim,
além de qualidade nas peças e que essas sejam feitas a mão de fato. Entretanto, os artesãos
remanescentes da Praça XV, realocados para a Praça Fernando Machado, têm uma atuação
mais autônoma, não seguindo as regras impostas pela Franklin Cascaes. A Franklin não
designou nenhum coordenador para essa feira, embora ela conste, no plano formal, como
subordinada a FFC. O fato dos artesãos da Praça Fernando Machado não se submeterem as
regras impostas pela Fundação possibilita que tenham acesso a patrocínios para aquisição das
barracas. Já os artesãos, das outras feiras, os quais reconhecem como legítima a tutela da
Franklin ficam impossibilitados de buscarem patrocínio, pois faz parte das regras da Fundação
essa proibição.
Até recentemente (ano 2000) a FFC foi soberana em decidir quem entrava e quem saía
das feiras de artesanato de Florianópolis. Após essa data surgiram outras feiras na cidade
tuteladas por outras instituições (UDESC, IGEOF). Para ingressar nas feiras coordenadas pela
FFC formava-se uma comissão de 05 pessoas: três artesãos e dois servidores da fundação. A
peça de artesanato era verificada em três fases de produção: começo, meio e fim. A comissão
de avaliação costumava fazer uma visita surpresa ao ateliê do artesão para verificar se o
produto era realmente feito a mão. No processo de seleção também era avaliada, por essa
comissão, a qualidade da peça e o acabamento. Além disso, não se aceitavam produtos que
eram comercializados nas feiras em que o artesão desejava participar. Os artesãos interessados
em entrar na feira precisavam comprar a própria barraca - custo médio de R$ 800,00. Os
artesãos relataram que esse modo de seleção foi realizado de 1994 a 2004. A partir desse ano
ocorreu uma desarticulação da comissão de avaliação e o processo de seleção para as feiras
não segue mais regras pré-estabelecidas, ficando a cargo da subjetividade dos servidores da
FFC responsáveis pelo artesanato a decisão de participação do artesão na feira.
Retomando a história política de Florianópolis, quando em 2004 Dario Berger assumiu
o comando da cidade, sendo reeleito em 2008, os incentivos a cultura de modo geral e ao
artesanato de modo particular foram quase que completamente retirados. É unânime entre os
entrevistados a percepção da falta de interesse dessa gestão pelas questões culturais. Os
94
entrevistados afirmaram que com maior ou menor intensidade os prefeitos anteriores
apoiavam a cultura de alguma forma. Durante as entrevistas com os artesãos e outros órgãos
ligados ao artesanato, a atuação recente da Fundação Franklin Cascaes recebeu severas
críticas e foi considerada inoperante para assuntos ligados à cultura popular. Um dos fatores
apontados para essa falta de preocupação com o artesanato, segundo os artesãos, refere-se ao
fato de que os responsáveis por coordenar essa atividade serem indicados pelo prefeito para
ocuparem o cargo, muitas vezes, são indivíduos oriundos de áreas de atuação que passam
longe do artesanato.
As pessoas que coordenam o artesanato da Franklin são de cargo político se muda
prefeito muda tudo. Porque antes quando eu entrei na feira tinha que passar por
uma comissão de avaliação e eu tive que fazer uma peça na hora e depois foram me
visitar no meu ateliê em casa, mas agora eu não sei como fazem, as pessoas entram
na feira sem passar por avaliação, então não se tem mais a separação do que é
artesanal do que não é (entrevistado nº 09 [artesão]).
Como se percebe na passagem acima o artesanato vem recebendo cada vez menos
atenção por parte da FFC. A indicação política de indivíduos para assumir a coordenação do
artesanato parece contribuir para o agravamento dessa situação a ponto de exacerbar ainda
mais os questionamentos presentes no campo da definição do que é artesanato ou não.
Assim, nesse item pude observar que a Praça XV configurou-se em um espaço
relevante para o desenvolvimento do artesanato em Florianópolis abrigando artesãos de
diversas origens. Outros acontecimentos provocaram alterações na atividade: a eleição direta
de prefeitos, o desenvolvimento do turismo e a criação da FFC que passou a atuar no
artesanato local disponibilizando espaços de comercialização e lançando as regras para o
artesanato local. Além disso, ficou evidente a relação entre as eleições de 2004 e o declínio da
atuação da FFC culminando com o desmantelamento da comissão de avaliação dos produtos
artesanais para ingresso nas feiras.
A precária atuação da Fundação Franklin Cascaes nos últimos anos, conforme relata
os artesãos, se fez acompanhar pela entrada de novos agentes no campo sem ligação direta
com a gestão pública da cultura, como por exemplo, a Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) e o Instituto de Geração de Oportunidades de Florianópolis (IGEOF),
entre outras. Esse fato contribuiu para o surgimento de novas feiras de artesanato em
Florianópolis. A UDESC no ano de 2004 foi procurada por alguns artesãos que buscavam um
espaço permanente para exposição e comercialização do seu artesanato. Para atender a
95
solicitação desses agentes a universidade desenvolveu um projeto de extensão com o
propósito de criar uma grande feira de artesanato.
O projeto teve continuidade nos anos seguintes culminando com a realização de uma
feira na cabeceira da ponte Hercílio Luz em 2006 que durou cerca de um ano. Com esse apoio
da UDESC surgiu, assim na cidade, mais uma feira de artesanato (Arte Floripa). Essa
experiência, entretanto, não foi bem sucedida em virtude da dificuldade do público freqüentar
esse local, o qual era relativamente afastado do centro da cidade. Outro fator apontado como
causa do insucesso da feira refere-se às condições climáticas desfavoráveis (fortes ventos
existentes no local). Com isso a feira foi realocada para a Praça XV em 2007 com o apoio do
Banco do Brasil e do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). O SBT era o mantenedor da
Praça e cedeu o lugar para que os artesãos comercializassem seus produtos ali. No entanto,
essa concessão da Praça XV para comercialização de artesanato não ocorreu sem críticas por
parte dos artesãos das outras feiras. Esses julgaram essa concessão injusta pelo fato de a Praça
ter abrigado há anos uma feira histórica que foi retirada do local com a ajuda da polícia.
Segundo os entrevistados da Arte Floripa, a cessão do espaço da Praça XV pela
prefeitura foi conseguida após os artesãos aceitarem realizar a feira somente aos sábados para
não conflitar com os horários das demais feiras já existentes na cidade.
Dentre essas feiras pode-se citar a Feira Miramar cujos horários de funcionamento
estavam definidos e foram levados em consideração para a liberação do horário dede
funcionamento da Feira Arte Floripa. A Feira Miramar criada em 2006 com o apoio do
IGEOF com o intuito de fazer do espaço do Largo da Alfândega mais uma opção de
exposição para os artesãos da cidade e para a geração de trabalho e renda no final de ano. A
feira ganhou força devido à expressiva circulação de pessoas no local e o período de
exposição se estendeu para o ano todo.
Além das feiras citadas a cidade conta também com a feira de Santo Antônio de
Lisboa cujo nome é Feira das Alfaias, criada em 2000 a partir das iniciativas dos artesãos
locais (Florianópolis) com o apoio da associação de moradores do bairro. Inicialmente a feira
era realizada predominantemente pelos moradores do bairro, mas com o passar dos anos
artesãos de outras localidades da grande Florianópolis e até de outros estados passaram a
freqüentar a feira e hoje os artesãos locais são minoria. Dentre as feiras, mais citadas pelos
artesãos entrevistados, a feira das Alfaias é a única que não se vincula a um órgão público,
ficando sua coordenação inteiramente nas mãos de artesãos e da associação de moradores do
distrito de Santo Antônio de Lisboa. A feira das Alfaias foi considerada uma das melhores
da cidade em virtude de se localizar num local muito apreciado pelos turistas de alto poder
96
aquisitivo. Porém, atualmente, a feira se encontra enfraquecida contando com poucos
expositores devido a migração de alguns artesãos para outras feiras no centro da cidade.
Em conversa com os artesãos do local pude verificar que a baixa ocupação dos
espaços se deve à falta de paciência de alguns artesãos, os quais querem buscar retorno
imediato (vendas rápidas com a atividade). A particularidade de Santo Antônio figura em ser
um local muito procurado por turistas, principalmente na temporada de verão, devido ao alto
padrão de seus restaurantes. Fora dessa época o distrito fica pouco movimentado, não atraindo
a permanência de artesãos que, em sua maioria, expõe em outras feiras na cidade. Outro
fator citado pelos entrevistados como uma possível explicação do abandono do lugar pelos
artesãos refere-se à ampliação dos espaços de exposição de artesanato no centro da cidade.
Essa ampliação se deu em virtude da entrada de outros agentes públicos no campo,
proporcionando mais opções de comércio de artesanato fora da temporada de verão.
Aqui, vale destacar que o surgimento de novas feiras de artesanato deu-se
predominantemente a partir do ano 2000 o qual foi acompanhado pela inserção no campo de
diversas instituições que tradicionalmente atuam em outras áreas que não a cultural. Esse
processo se fez acompanhar por conflitos pela ocupação de espaços na cidade para abrigar as
feiras recém criadas, assim como, pela definição das regras do jogo para o artesanato de
Florianópolis.
A análise destas informações permitiu constatar que a partir da feira da Praça XV
(década de 70) originou-se a feira da Praça Fernando Machado cuja finalidade foi abrigar os
artesãos transferidos daquela. Em 1987 se deu a criação da feira da Catedral com o apoio da
prefeitura de Florianópolis com vistas a atender a reivindicação de alguns artesãos que
buscavam um espaço para comercializar suas peças. Em 1994 essa feira passou ao controle
definitivo da FFC que a expandiu para o trapiche da Beiramar. Em 2000 a FFC criou a feira
da Lagoa, coordenando agora quatro feiras de artesanato. A feira da Lagoa foi criada em
função da demanda dos turistas que visitam a Lagoa da Conceição e buscam por lembranças
de Florianópolis. Nesse mesmo ano, por iniciativa dos artesãos locais, com o apoio da
associação de moradores, nasceu a Feira das Alfaias em Santo Antônio de Lisboa. Em 2003 a
UDESC passou a apoiar um grupo de artesãos da grande Florianópolis que buscavam outros
espaços para comercializar seus produtos e em 2006 inaugurou uma feira na cabeceira da
ponte Hercílio luz que depois de um ano foi realocada na Praça XV. Ainda no ano de 2006 foi
inaugurada mais uma feira na cidade - Feira Miramar - localizada no Largo da Alfândega e
apoiada pelo IGEOF.
97
Diante desse resgate para situar cronologicamente o aparecimento das feiras pude
perceber várias tensões presentes no subcampo, dependendo da instituição, a concepção de
artesanato, oscila entre cultura, geração de renda e negócio
44
. Inicialmente com a emergência
da Praça XV como palco da primeira feira da cidade sem vinculação a órgãos públicos, tinha-
se um artesanato voltado para sobrevivência dos artesãos ali instalados e como vetor cultural.
Com a inserção dos órgãos públicos no subcampo, inicialmente a FFC com a coordenação do
artesanato e ampliação das feiras, seguido pela FCC com a criação do espaço da Casa da
Alfândega mantém-se o artesanato como manifestação cultural principalmente. Contudo, a
inserção, nesse espaço, a partir de 2000, de instituições como o SEBRAE e o BB imprime ao
artesanato uma visão estratégica de negócio, fortemente ligada ao mercado. a atuação de
órgãos como o IGEOF e a SST focam o artesanato como elemento de geração de renda. Por
fim a atuação das universidades UDESC e UFSC afinam com o propósito das FFC e FCC,
vendo o artesanato como expressão cultural.
Na próxima sessão analiso o habitus do subcampo e o conflito entre os artesãos mais
antigos e os mais novos na busca por dominar o campo.
4.2 LUTAS INTERNAS AO SUBCAMPO: SER ARTESÃO, SER ARTÍFICE...
Diante desse breve histórico verifico que as primeiras exposições de artesanato
aconteceram dentro da praça XV e assim permaneceu até a eleição dos primeiros prefeitos
45
da capital. O ambiente da Praça XV, percebido como sujo e promíscuo pelos novos
governantes passou a ser alvo de interesse pelo fim da feira naquele espaço. O artesão, como
acontece até hoje, em menor grau, era chamado hippie
46
. A imagem do artesão como hippie se
fez acompanhar do significado pejorativo que essa palavra historicamente ganhou, no caso do
44
Nessa pesquisa, geração de renda refere-se às necessidades de sobrevivência do artesão na qual as instituições
que atuam com esse foco no artesanato se preocupam com a ocupação e geração de renda. Já a visão de negócio
diz respeito a estratégias de mercado e ferramentas de gestão para melhorar o posicionamento do produto
artesanal perante o mercado consumidor.
45
Até 1985 os prefeitos de Florianópolis assumiam o cargo por indicação do governador do estado. Após essa
data começaram a ocorrer eleições diretas na cidade.
46
Os "
hippies
" eram parte do que se convencionou chamar movimento de contracultura nos anos 60 nos EUA,
embora o movimento tenha tido muita força em países como o Brasil somente na década de 70. Adotavam um
modo de vida comunitário ou estilo de vida nômade em comunhão com a natureza, negavam o nacionalismo e as
guerras. Eles enxergavam o patriarcalismo, o miltarismo, o poder governamental, as corporações industriais, a
massificação, o capitalismo, o autoritarismo e os valores sociais tradicionais como parte de uma "instituição"
única, e que não tinha legitimidade (http://pt.wikipedia.org/wiki/
Hippie
, pesquisado em 01/12/2008).
98
Brasil, durante a ditadura militar para designar aqueles que se manifestavam contra o sistema
e tinham um estilo de vida mais nômade. É importante salientar que a associação do termo
hippie com o artesão camufla uma relação de dominação. Isso porque o hippie, indivíduo
claramente contra o status quo vigente, representa uma ameaça para aqueles que ocupam
posições dominantes no espaço social. Estes para legitimar sua dominação lançam mão do
capital político, por exemplo, para legitimar e fazer existir, por meio da mediatização do
poder simbólico, termos com conotação pejorativa como característica natural de um grupo
inferior.
Aqui em Florianópolis eu acho que ainda tem um pouco de preconceito, mas
mudando porque a gente está começando a ver a procura pelo artesanato. Mas, a
gente ainda que não é aquilo tudo, porque aqui ainda tem aquela idéia de que
artesão é aquela pessoa suja [hippie], é aquele drogado da Praça XV fazendo
araminho. Eu já cheguei a marcar uma audiência com o governo e quando eu
cheguei à porta eu ouvi eles lá de dentro falarem: manda esses drogados lá da praça
XV embora....E, era eu que estava ali muito limpinha formada numa universidade.
Então não passa pela cabeça deles que uma pessoa normal possa ser artesão
(entrevistado nº 05 [artesão]).
Diante disso da fala acima, considero importante compreender a história do artesanato
e refletir sobre a conotação pejorativa do termo hippie ligado ao artesão. Essa percepção sobre
o artesão foi registrada por Pereira (1979) para o qual o processo de industrialização no
Brasil lançou para o passado o artesanato conotado com a idéia simplista de um manualismo
empírico. Em virtude disso, historicamente como aponta o autor, o artesanato ficou relegado
ao plano das atividades marginais, constituindo tema do folclore ou campo para o
diletantismo assistencial das chamadas classes menos favorecidas e não raro estigmatizado
como trabalho de presidiários ou atividade de hippies.
A busca pela distinção exacerbada pela autonomização do campo da arte, assim como
pelo processo de industrialização e pelo desenvolvimento das ciências produziram
historicamente a separação entre arte e artesanato (RUGIU, 1998). Essa dicotomia permanece
até os dias atuais e serve de base para a separação entre os bens classificados como eruditos e
os chamados populares, sendo esses últimos carregados de uma conotação de inferioridade
(BOURDIEU, 1996; CANCLINI, 1983). Esse fato, no caso brasileiro, foi notado também por
Pereira (1979) quando salienta que a predominância da mão de obra servil na atividade
artesanal abalou consideravelmente o prestígio do trabalho manual, o que se reflete até os dias
atuais.
99
Assim, a história narrada pelos artesãos durante as entrevistas permite refletir sobre o
significado do que é ser artesão numa sociedade industrializada na qual as relações sociais são
mediadas por discursos que buscam reproduzir privilégios. Esses discursos têm como base o
capital político transfigurado em simbólico com poder de fazer as coisas existirem pelo
simples fato de serem enunciadas por autoridade oficiais ou agentes outorgados a falar por um
grupo e que agem, por isso, em nome de interesses particulares (BOURDIEU, 2001).
Eu vivia num lugar em contato com a nossa cidade, onde pessoas importantes
passavam por lá, pessoas que trabalhavam que viajavam, ali [Praça XV] era um
ponto de referência do artesão. Eles chamavam nós de hippies porque os
americanos quando viram que os beatnik estavam fazendo movimento social no
mundo contra a guerra, eles criaram um modismo, e criaram o hippie que deu
dinheiro, como ahoje, a moda, as roupas. Nós nunca tivemos hippie no Brasil
porque hippie aqui é filhinho de papai, que se fantasia. s artesãos não somos
fantasiados de hippies, nós somos do jeito que nós somos, se temos o cabelo
comprido, barba, isso daí foi uma forma de liberdade, foram os meios de
comunicação que criaram esse rótulo do hippie (entrevistado nº 22 [artesão]).
O habitus [em transformação] desse subcampo é revelado pelos relatos das histórias de
vida dos artesãos. Durante o processo de pesquisa ficou evidente uma diferença de
motivações e interesses entre os artesãos que viveram a história da Praça XV (a maioria com
mais de 20 anos de atuação no artesanato) e outros que não passaram por esse espaço
classificador. Entre os artesãos mais novos a pressão econômica parece ser uma forte
motivação para a entrada no artesanato. Porém, entrar no campo não é tão simples.
Oficialmente tem-se a instituição das regras do jogo por órgãos oficiais que tem o poder de
disponibilizar os espaços para exposição do artesanato. Existe também, todavia, uma regra
tácita entre os artesãos que participam desse jogo, qual seja, a valorização da criação original
das peças de artesanato pelos mais antigos no campo contra os chamados artífices (indivíduos
que copiam suas peças das revistas de design/artesanato). Esses últimos não são considerados
legítimos artesãos pelos mais antigos na atividade. Um exemplo disso pode ser evidenciado
nas falas dos artesãos que desprezam a cópia e o uso de técnicas aprendidas pela televisão e
em revistas de artesanato.
Existem pessoas que eu não considero artesãos. São pessoas que aprendem a
técnica por revista ou por televisão e ficam aguardando as próximas edições para
aprender mais alguma coisa. Pode ser que algum dia possam se tornar artesãos,
mas, por enquanto, elas vivem da cópia de alguma coisa (entrevistado 01
[artesão]).
100
Hoje eu não faço mais a feira da Catedral porque ela se tornou uma feira de
aposentado, não são artesãos, são artífices. São pessoas que se aposentaram e fazem
aquele artesanato que você passa na banca de jornal, compra a revista e faz em
casa. São artífices as pessoas que aprendem, tem habilidade, mas não criatividade.
O artesão, ele tem habilidade manual e criatividade, e ele não faz do artesanato
como meio de sustento, ele vive de artesanato, ele respira artesanato, é a sua vida.
O artesão cria, ele tem toda essa bagagem que eu tenho, mas as pessoas que são
artífices não, não que eu seja contra quem é artífice, mas são pessoas que fazem
souvenires (entrevistado nº 22 [artesão]).
Além disso, na organização interna de algumas feiras as regras são postas pelos
artesãos mais antigos no espaço. Nos relatos alguns artesãos afirmaram a existência de regras
informais de precedência, entre os artesãos das feiras, no que diz respeito à escolha dos
espaços mais favoráveis à venda e à passagem do público. Um exemplo disso é a Feira da
Catedral na qual os artesãos mais antigos ocupam os espaços mais próximos da passagem do
público os extremos. Entre os artesãos, para que reconheçam outro membro do grupo como
legítimo artesão, percebi a disputa por um capital, que se aproxima do capital cultural
bourdieusiano, especificamente associado ao saber-fazer
47
. Destacar isso se torna importante
na medida em que cabe aos órgãos municipais ou estaduais definir os espaços para exposição,
porém dependendo do órgão que coordena o espaço, a decisão de quem entra na feira fica nas
mãos dos próprios artesãos. Então, quando os artesãos detêm o poder de decisão eles impõem
suas regras, tanto sobre o que consideram artesanato, quanto que produtos podem fazer parte
da feira.
As pessoas devem ter certo cuidado em classificar o artesanato porque hoje eu
quase saí no braço com uma senhora porque a amiga comprou uma revista e
conseguiu fazer umas bonecas de revista e queria um espaço na feira. Daí eu
chamei as pessoas da feira que poderiam decidir a história e avaliar o trabalho da
criatura. Ficou decidido que ela não poderia entrar na feira com bonecas porque
tinha uma moça que fazia isso. Daí quando você nega elas ameaçam de ir à
Prefeitura, aí eu digo, vai lá sim, você só vai perder tempo, porque lá tu não
resolves nada, porque sobre entrada na feira é aqui que a gente resolve se vai entrar
ou não (entrevistado nº 19 [artesão]).
Essa distinção que classifica entre ser ou não ser artesão fica mais evidente entre os
artesãos que estão na atividade mais tempo. Eles reivindicam uma habilidade de saber
47
Conforme se mostrou no subcampo o saber fazer diz respeito a posse de habilidades manuais de longa
tradição que depende da criatividade individual dos artesãos em transformar qualquer material em uma peça
artesanal, constituindo-se esse fazer em um modo de vida.
101
fazer que está sendo substituída por aquilo que alguns chamam de manualidades
48
. Essa
mudança gera conflito entre os artesãos que buscam no Estado sua mediação na intenção de
definir o que é artesão e o que é artesanato. Esse conflito é reflexo da indefinição da estrutura
do subcampo no qual as regras do jogo estão sendo constantemente questionadas
(BOURDIEU, 2001). Em contrapartida o capital reivindicado pelos entrantes (novos
artesãos) tem a ver com a criatividade na produção das peças, e, principalmente, com a
qualidade no acabamento. Aqui considero importante questionar o que os artesãos consideram
que é qualidade. Na pesquisa, fica evidente que os artesãos mais novos trazem uma
preocupação com qualidade no acabamento (peças sem rebarbas e sem marcas de dedos) um
elemento que a história mostrou não fazer parte das preocupações originais dos artesãos
tradicionais
49
. Enquanto a qualidade entre os artesãos mais novos constitui-se em quesito
fundamental para aceitação no mercado, o mais importante para os artesãos mais antigos é o
saber fazer. Desse modo, para alguns artesãos, as marcas dos dedos nas peças que fazem, as
quais são abominadas por outros artesãos, tornam-se a impressão de sua identidade
enriquecendo ainda mais o significado simbólico que envolve suas peças. Entretanto, os
artesãos, entre novos e antigos, estão percebendo as mudanças no campo e, entre adaptação e
resistência
50
, buscam uma forma de permanecerem no jogo. Algumas dessas mudanças
referem-se à forma como o produto do artesanato é percebido pelo consumidor. Segundo os
entrevistados, elas estão acontecendo nos últimos 15 anos impondo novos significados ao
produto artesanal.
De uns anos pra o artesanato cresceu muito por causa dessa coisa da referência,
da beleza. O artesanato saiu daquela coisa do utilitário e foi para o decorativo e
nisso teve muita interferência no meio desse artesanato. Ele está sendo
transformado gradativamente e é uma coisa que está sendo muito brutal.
(entrevistado nº 27 [FCC]).
Essa transformação do significado do artesanato relaciona-se com a questão decorativa
e do turismo, além das pressões econômicas em virtude do crescimento do desemprego. As
mudanças com relação ao artesanato acompanham as transformações no que diz respeito à
atividade turística. Hoje, segundo os entrevistados, a atividade artesanal não é mais o
48
Para os artesãos mais antigos na atividade manualidades é a feitura de peças com caráter artesanal, mas que
são cópias de revistas “faça fácil”. São aplicações de elementos decorativos em peças industrializadas, exemplo:
panos de pratos,pintura em gesso.
49
Artesão tradicional aqui se refere aquele indivíduo citado nos estudos de Pereira (1979) e Canclini (1983) que
faz do artesanato um modo de vida.
50
Aqui entendida como uma ação no sentido de defender uma determinada posição.
102
sazonal como em outras décadas. Uma das explicações para isso pode ser buscada nas falas
dos artesãos, bem como nas falas dos servidores da Secretaria de Turismo (Setur) e da
Franklin Cascaes. Para a secretária em exercício da Setur, o Trade de Turismo (investimento
no turismo de negócio com o objetivo de ter a presença de turistas o ano inteiro na cidade e
não somente na temporada de verão) beneficia o artesanato, a rede hoteleira e os restaurantes
que agora passam a lucrar até mesmo fora de temporada.
Com relação ao turismo, alguns artesãos salientaram que uma procura por produtos
que contenham a identidade do local visitado. Segundo os entrevistados, os turistas esperam
encontrar lembranças que contenham os pontos turísticos da cidade a exemplo da ponte
Hercílio Luz, dos pescadores, das rendeiras, etc. Em Florianópolis muitas vezes isso é um
problema uma vez que o artesanato aqui está permeado por modismos de revistas “faça fácil”,
o qual juntamente com a pressão econômica por produzir algo mais rentável, faz com que os
artesãos acabem abrindo mão de fazer “lembranças” da cidade. Além disso, há que se lembrar
também da questão dos artesãos vindos de outros estados que trazem consigo o artesanato do
seu local de origem imprimindo aos produtos encontrados nas feiras locais características que
não lembram a cidade de Florianópolis.
Vale destacar que em Florianópolis, o turismo é importante agregador de renda para os
artesãos que auferem melhora em seus rendimentos com a venda de suas peças a turistas.
Entretanto, uma parcela de artesãos que sobrevivem do público local não dependendo,
portanto, unicamente do turismo. O perfil dos artesãos que mais se beneficiam do turismo são
aqueles que produzem peças singulares que apresentam, de alguma forma, identidade local,
como por exemplo, trabalhos com conchas do mar, escamas de peixe ou areia de praia.
Também são apreciadas pelos turistas peças identificadas como hippie” e as peças do
artesanato nativo: renda de bilro, crivo e cerâmica. os artesãos que se dedicam a confecção
de peças decorativas mais ligadas à moda das revistas de design e artesanato (feitura de panos
de pratos decorados, de bonecas de panos, de peças de gesso pintadas) têm como público alvo
os moradores da cidade. Muitos artesãos entrevistados afirmaram tirar seu sustento das vendas
para o público local, inclusive, salientando que durante a temporada de verão suas vendas
diminuíam em virtude de seu público sair da cidade.
Com relação à mudança no perfil do artesão em Florianópolis observei como
característica principal, segundo os entrevistados, a inserção nesse espaço de um novo artesão,
aquele que está em busca de ocupação seja para complementação de renda, seja pela busca de
sobrevivência negadas em outros espaços. ainda aqueles que se aposentam e querem se
ocupar de algo que consideram prazeroso ao mesmo tempo em que conseguem uma
103
complementação na renda. Esse contingente de pessoas que está ingressando nas feiras de
artesanato entra em conflito com os artesãos mais antigos chamados hippies que fazem do
artesanato uma opção de vida. Existe também um terceiro grupo nesse campo que acaba
ficando, muitas vezes, despercebido nesse conflito, qual seja, o artesão nativo da Ilha, que
possui uma habilidade de saber-fazer de tradição tida pelos órgãos oficiais como o legítimo
artesão.
O último grupo não é questionado pelos chamados artesãos hippies, nesse sentido,
posso inferir que o que aproxima esses dois grupos é a especificidade do saber-fazer. O
artesanato feito pelos artesãos nativos possui uma característica muito peculiar: são peças de
um artesanato, que em sua origem é utilitário, criado e passado de geração em geração para
auxiliar como ferramenta na busca da subsistência. É um saber-fazer enraizado em seu
cotidiano. Esse artesanato, com o tempo, passou a ser visto como peça de decoração,
assumindo assim outro significado no discurso da reprodução social com a proliferação das
feiras e locais para exposição como a casa da Alfândega, por exemplo. Isso se deveu aos
incentivos do poder público que, segundo um técnico da Fundação Franklin Cascaes, não
queria deixar morrer esse saber-fazer que as gerações seguintes não queriam continuar na
atividade artesanal. Esses artesãos, no entanto, raramente participam das feiras e segundo o
entrevistado nº15 isso se deve a uma questão cultural:
A gente fica triste porque não consegue fazer com que as pessoas da região
participem da feira. As rendeiras, por exemplo, aqui eu tenho uma rendeira na
feira, num universo de milhares, porque nossa cultura local aqui tem o hábito de
fazer, mas não sabe expor, passar para outras pessoas porque tem vergonha de falar
em público, então acaba que eles querem produzir, mas não querem vender. A
gente tem algumas reclamações da comunidade aqui por causa disso, porque acham
que a gente não cede lugar para os locais, mas não é isso, é eles que não querem vir,
porque tem muita gente que não quer se submeter a estar todos os domingos aqui.
(entrevistado nº 15 [FFC])
O conflito entre grupos de artesãos também pode ser observado no caso da Feira da
Lagoa na qual alguns artesãos vinculados a FFC não reconhecem a ocupação, por outros
artesãos chamados por eles de hippies, de um espaço ocioso da Praça da Lagoa. Sobre isto
vale destacar a atuação da própria FFC que converge com a visão daqueles artesãos uma vez
que só recentemente reconheceu a ocupação daquele espaço legalizando-o.
104
4.3 ARTESANATO E ARTE: UMA RELAÇÃO DE (O)POSIÇÃO,
(DES)CLASSIFICAÇÃO E DISTINÇÃO
Ao separar artesão e artista privamos um de todo o motivo espiritual e de toda
alegria imaginativa e o outro de toda a verdadeira perfeição técnica (Oscar Wilde).
Nos processos de movimentar o material, a arte se confunde quase inteiramente com
o artesanato. (...) Artista que não seja ao mesmo tempo artesão, quero dizer, artista
que não conheça perfeitamente os processos, as exigências, os segredos do material
que vai mover, não é que não possa ser artista (psicologicamente pode), mas não
pode fazer obras de arte dignas desse nome. Artista que não seja bom artesão, não é
que não possa ser artista: simplesmente, ele não é artista bom. E desde que se
tornando verdadeiramente artista, é porque concomitantemente está se tornando
artesão (ANDRADE, 1978, P.11).
A experiência confusa entre a suposta fronteira objetivada no campo da cultura e no
campo econômico faz existir uma separação objetiva entre arte e artesanato. Essa questão foi
me posta pelos agentes do campo durante um evento do qual participei como visitante. Nesse
evento organizado e realizado pela Fundação Franklin Cascaes, chamado Encontro das
Nações, estavam presentes tanto os que se autodenominavam artistas como os que se
consideram artesãos. Numa oportunidade de conversa com um artista plástico pude notar uma
diferença na postura desse agente que o distinguia notoriamente dos demais artesãos com os
quais eu havia conversado. Durante minha conversa com ele os ensinamentos de Pierre
Bourdieu foram emergindo e foi inevitável reconhecer alguns dos elementos caros a Bourdieu
na observação de um habitus distinto.
Esse artista plástico se distinguia dos que se identificavam como artesãos, primeiro por
sua postura corporal que demonstrava descontração e segurança perante uma entrevista
acadêmica. Segundo, pude perceber uma notória diferença perante os demais no que diz
respeito ao capital cultural, o domínio do português e a desenvoltura na narrativa, a maneira
como articulava as palavras e a escolha das palavras de maneira muito “natural” seu léxico
passava tranqüilamente como o de um homem culto e acadêmico. Afora a questão das
disposições, distintas e distintivas entre um artista plástico e um artesão, pude observar a
tensão que se estabelece entre um produto oriundo de um trabalho artístico e o produto
oriundo de um trabalho artesanal. Essa tensão tem um cunho histórico que justifica sua
reprodução nos dias atuais, pois ao se estudar a história da arte, dos ofícios e do próprio
homem, arte e artesanato se confundiam até idade recente da nossa história. Foi somente a
partir do século XVI que houve a separação, classificação e distinção desses saberes, fato que
105
levou a arte ao mercado dos bens simbólicos e o artesanato às feiras populares (CANCLINI,
1983; PORTO ALEGRE, 1994). Conforme Porto Alegre (1994) na antiga sociedade medieval
européia artistas e artesãos se confundiam em uma mesma categoria, imersos na organização
coletiva das corporações de oficio e relativamente anônimos enquanto autores e criadores. O
processo de ascensão social do artista a partir do renascimento foi acompanhado pela
progressiva divisão social do trabalho que se completou na Europa no século XIX e repercutiu
mais tarde nos países colonizados, como o Brasil. Formou-se aqui, segundo a autora, uma
categoria brida, que tem em um de seus extremos o artista e no outro o operário e entre
esses extremos permanece um segmento sem rosto e sem nome, que em nosso país sequer faz
parte dos cadastros profissionais e das estatísticas oficiais: o artesão.
Algumas falas dos agentes do campo nos dão uma idéia da tênue fronteira que
pretende classificar e distinguir arte e artesanato:
O artesão e o artista plástico tem coisas em comum: a primeira coisa é a criatividade
e o uso das técnicas talvez sejam diferentes, talvez semelhantes, que o artista
plástico se julga acima do artesão e menospreza o artesanato. Talvez a grande
diferença entre arte e artesanato seja o preço, por exemplo, eu faço várias caixas de
madeira, eu não tenho nenhuma caixa igual a outra se eu pintasse telas eu não teria
uma tela igual a outra, mas eu tenho a técnica igual, mas como é uma coisa de
pequeno valor: uma caixa custa R$30,00 e um quadro custa R$1.000,00, então a
leitura é diferente. Muitas pessoas chegam à minha mesa quando eu estou
trabalhando e falam: nossa isso é uma obra de arte e quem diz isso é porque
realmente tá enxergando uma obra de arte ali. Mas tem muita gente que passa batido
e tem gente que pede desconto e o pedir desconto é qualquer coisa porque ninguém
vai numa galeria de arte e começa a pedir desconto (entrevistado nº 01 [artesão]).
Eu participei de um trabalho com o governo federal chamado Primeiro Encontro do
Artista o Plástico com o Artesão. Nesse encontro eu e um artista plástico fizemos
um trabalho juntos, e depois fizemos individualmente um trabalho à parte pra ver o
resultado e a conclusão disso foi que todo artesão é artista, e todo artista é artesão
(entrevistado nº 22 [artesão]).
Aconteceu uma coisa muito engraçada, quando eu estive na Paraíba comprei uma
boneca de barro da artesã Nenê Cavalcante eu dei de presente para o meu filho que
disse: ah mãe esse Chico Cezar aqui eu não quero não. Daí passou uma semana eu
estava vendo uma revista dessas de decoração, a revista Vogue que é uma das
melhores revistas do Brasil e mostrei para ele e perguntei se ele ia continuar
rejeitando a boneca...Claro que quando ele viu a boneca numa revista daquelas ele
quis a boneca e digo mais eu recentemente estive na França e fiquei pasma porque
andando pela rua de repente eu me deparo com os bonecos de barro da Nenê
Cavalcante...na França...em Paris...então esse artesanato tem valor agregado, foi
evoluindo em qualidade e hoje é vendido nacional e internacionalmente
(entrevistada nº 17 [SST]).
A fronteira, nem sempre bem definida, entre arte e artesanato, entre participar ou não
do mercado de bens simbólicos, classifica e ordena os bens conforme os espaços no qual são
106
encontrados e conforme a crença neles depositadas. Bourdieu (2006) salienta que o que faz a
reputação de um bem simbólico não é uma ou outra instituição, um ou outro agente, uma ou
outra revista, mas o campo de produção como conjunto de relações objetivas entre os agentes
e o espaço de lutas pelo monopólio do poder de consagração, que engendram o valor das
obras e a crença neste valor. Nesse sentido, conforme o autor a oposição entre o que é
comercial e o “não comercial” é o princípio gerador da maior parte dos julgamentos que
estabelecem a fronteira do que é arte e do que não é. Assim, para Bourdieu (1996), o nomos
do campo da arte - arte pela arte - significa uma denegação do interesse comercial e, portanto
econômico no curto prazo, um adiamento em prol do lucro simbólico muito mais duradouro e
garantido da transmutação do lucro econômico.
No artesanato que é uma atividade cujo produto apresenta valor de utilidade e,
portanto, valor de troca direta no mercado essa proximidade com o econômico, muitas vezes,
sem mediação simbólica, somado a toda uma história de subalternidade constituíram o
artesanato com valor menor. Associado a isso, acrescenta-se o fato de o artesão pressionado
pela busca da sobrevivência necessitar vender imediatamente seu produto, enquanto o artista
pode esperar pela exposição de arte e obter lucros simbólicos que mais tarde serão
transformados em lucros econômicos. Assim, a história do fazer manual e a história do campo
artístico nos permitem refletir sobre a construção, nada natural, do artesanato como o par
inferior da arte, bem como a oposição e distinção entre o erudito e o popular. Arte e artesanato
surgem como um par complementar; arte se afirma como raridade se contrapondo ao vulgar e
comum do fazer artesanal. Para Bourdieu (2006) a sinceridade e o desconhecimento, portanto,
reconhecimento dessa distinção é possível em virtude do acordo imediato, entre as
expectativas inscritas na posição ocupada e as disposições do ocupante. O autor continua:
Pares antitéticos de agentes podem funcionar como esquemas classificatórios que
só existem e são significativos em suas relações mútuas. Como se vê melhor do que
alhures, no caso da pintura de vanguarda, somente o domínio prático dessas
referências, espécie de sentido de orientação social, permite movimentação em um
espaço hierarquizado em que os deslocamentos contêm sempre a ameaça de uma
desclassificação, em que lugares, galerias, teatros, editoras fazendo toda a diferença
porque, através deles, um público, entre o campo da produção e o campo do
consumo, qualifique o produto consumido, contribuindo para transformá-lo em
raridade ou vulgaridade (BOURDIEU, 2006, P. 56).
Como vimos acima o artesanato e a arte surgem como pares opostos; a
desclassificação do artesanato classifica e dá sentido a arte como superior. A seguir analiso as
107
disputas entre os agentes públicos que possuem envolvimento com o artesanato em
Florianópolis.
108
5 DISPUTAS NO SUBCAMPO DO ARTESANATO: O QUE ESTÁ EM JOGO?
O artesanato em Florianópolis se apresenta como um espaço de disputas entre os
órgãos ligados ao artesanato dotados de capitais com o poder de ditar as regras do jogo. A
disputa travada entre esses agentes exerce influência direta sobre o subcampo do artesanato.
Durante a pesquisa observei que essa disputa gira em torno da definição do que é artesanato e
da luta pela definição dos espaços de comercialização. Entre os órgãos que ocupam posições
no campo estão a Fundação Franklin Cascaes (FFC) e o Instituto de Geração de
Oportunidades de Florianópolis (IGEOF) ambos vinculados à prefeitura. Instituições como o
Banco do Brasil, o SEBRAE, a UDESC e a UFSC, também fazem parte desse universo, assim
como a Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação (SST) e a Fundação
Catarinense de Cultura (FCC), vinculadas ao governo do Estado. Na esfera municipal a
responsabilidade sobre o artesanato cabe oficialmente a FFC. Já no Estado essa
responsabilidade fica a cargo da SST que possui vínculos com o Programa de Artesanato
Brasileiro (PAB). Ainda no plano estadual a FCC liga-se ao artesanato por meio do espaço da
Casa da Alfândega.
Esse espaço é coordenado, mais de 20 anos, por uma servidora da FCC e abriga o
artesanato do Estado servindo também como ponto de venda. Além disso, a Casa permite que
o artesão possa produzir ao vivo suas peças. A razão dessa iniciativa, segundo a coordenadora
é sensibilizar o público para as particularidades e a beleza da produção artesanal. Ainda
segundo a coordenadora a pressão econômica pela sobrevivência dos artesãos impulsiona o
aparecimento de novas peças artesanais chamada por ela de manualidades. Isso é justificado
pelo fato das peças mais elaboradas e de cunho tradicional serem consideradas caras pelos
turistas tornando-se reféns das peças de menor valor. Essa situação contribui para a
decadência de diversos ofícios tradicionais como a feitura do crivo e da renda, por exemplo.
Nesse contexto, vale destacar a atuação da Fundação Catarinense de Cultura na área de
artesanato. Essa entidade possui uma visão sobre o artesanato voltada principalmente para a
cultura. Nisso se assemelha a Fundação Franklin Cascaes e se diferencia de outros órgãos do
município de Florianópolis como o IGEOF, a SST, o BB e o SEBRAE que atuam no
artesanato e o vêem como geração de renda e como negócio respectivamente. A visão que a
FCC tem sobre o artesanato influencia as diretrizes dos projetos que desenvolve em benefício
do mesmo.
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A fundação não o artesão como produtor, mas como um semeador da nossa
cultura. O artesanato ele se manifesta, ela te uma época, te dicas de período
como a cerâmica utilitária com a qual se fazia panela de barros para o dia-a-dia.
Então, a Fundação tem que acompanhar esse processo porque hoje ninguém vai
comer numa gamela (entrevistado nº 27 [FCC]).
É interessante notar que esse tipo de visão contrasta com a visão de órgãos como, por
exemplo, o IGEOF, para o qual o artesanato, de difícil definição, oscila entre geração de
renda, turismo e cultura:
Em termos de Prefeitura nós temos a Fundação Franklin Cascaes que em princípio
seria o setor afim na questão do artesanato e de uns dois anos pra a nível interno
de prefeitura [Igeof] a gente vem discutindo essa questão do artesanato se é
cultura se é turismo ou se é geração de renda. E a gente vem com uma proposta de
estar encaminhando essa questão do artesanato enquanto geração de renda,
enquanto capacitação e treinamento dirigido para o artesanato em nível de Igeof.
Não assumir sozinho a questão do artesanato, mas dividindo responsabilidades
(entrevistado nº 25 [IGEOF]).
Diante do exposto, percebe-se que a definição do que é artesanato é motivo de disputa
entre os agentes envolvidos no setor. Assim, os órgãos pesquisados, representados por
servidores que coordenam feiras de artesanato na cidade, mobilizam seus capitais em busca de
dominar o campo em disputa. Nesse jogo, a Fundação Catarinense de Cultura ocupa um
espaço no subcampo do artesanato em Florianópolis e tem essa posição assegurada pela
composição de seus capitais que são principalmente o capital cultural e o capital político.
Seu capital cultural, engendrado no campo da cultura, lhe permitiu acumular conhecimentos
como agente cultural. Seu capital político é outorgado pelo Estado em razão de se tratar de
um órgão público com direitos de ditar as regras válidas para o campo da cultura em Santa
Catarina. Além disso, o empossamento de seus presidentes se dá por meio da indicação
político-partidária. Esse fato veio à tona durante as entrevistas nas quais os agentes
salientaram que as mudanças de governo sempre representaram um problema para a cultura,
repercutindo também no artesanato em função das descontinuidades das ações em prol do
mesmo.
Quando eles criaram a casa do artista popular na Alfândega começou-se a buscar o
artesanato do interior do Estado para apresentar aqui, chegou a ser uma coisa de
etnia e isso era muito legal porque ao mesmo tempo que mostrava o artesanato,
mostrava também uma animação cultural de danças e apresentações folclóricas, e
ela criou corpo, mas isso é uma coisa de dedicação, de entusiasmo e algumas
pessoas que estavam ali tinham isso, mas depois muda governo, o desastre sempre
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foi a mudança de governo porque mudava as pessoas e acabavam com tudo
(entrevistado nº 18 [UFSC]).
Na luta para ditar as regras do subcampo do artesanato em Florianópolis a FCC
disputa com outras instituições a exemplo da Secretaria de Estado da Assistência Social,
Trabalho e Habitação (SST) os capitais válidos para o artesanato.
Essa última é o órgão oficial no plano estadual a coordenar o artesanato catarinense
conforme estabelecido pelo Programa de Artesanato Brasileiro (PAB). Para tanto o governo
do Estado assinou em 1993 o Programa Catarinense de Artesanato (PROCARTE) regido pelo
decreto número 3.990. O objetivo desse projeto nas palavras do coordenador foi:
Valorizar e oportunizar ao artesão e ao seu trabalho na geração de renda, a
qualificação profissional, através da intermediação da comercialização desse
produto, seja a nível nacional, estadual ou internacional a título de exportação.
Trabalhar o designer que está ligado ao artesanato dentro da fabricação, enfim é
abrir o leque, é abrir o caminho para o artesão produzir e fazer a comercialização e
a geração de emprego e renda (entrevistado nº 16 [SST]).
Entretanto, a atuação dessa secretaria segundo o próprio coordenador nunca atingiu os
objetivos pretendidos devido à inexistência de infra-estrutura na própria secretaria e de um
orçamento para atender o setor.
O artesanato tem um orçamento físico, mas na prática financeira não. Mas agora a
secretária está propondo acrescentar no plano de orçamento da secretaria 200.000
reais para o artesanato para ser gasto com reuniões, com visitas as associações, com
a divulgação do programa e com folders (entrevistado nº 16 [SST]).
Observa-se a falta de planejamento para o artesanato uma vez que a SST não tem uma
idéia clara do destino que vai dar aos recursos que serão disponibilizados pelo estado. Nas
entrevistas com os artesãos outras urgências aparecem como a necessidade de cursos de
capacitação, o auxílio financeiro para participação de feiras de artesanato em outros estados
para divulgar o artesanato catarinense. No processo de pesquisa, em contato com um artesão
que participou dos encontros para a criação do Programa Catarinense de Artesanato
(PROCARTE), constatei que o programa foi imposto pelo governo do Estado como forma de
cumprir uma determinação do governo Federal para poder receber recursos financeiros para
aplicar no projeto. Ainda segundo esse artesão, o PROCARTE nunca teve uma atuação
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efetiva para o que foi criado permanecendo por muitos anos existindo no papel, mas não na
prática.
O Programa Catarinense de Artesanato não foi trabalhado como o PAB pedia. Aqui
o governo criou um programa se baseando em outros programas de fora e sem a
nossa identidade. Nós temos a nossa identidade com nossos tipos de materiais para
trabalhar, então nós temos que ter um programa de artesanato dentro da nossa
realidade (entrevistado nº 22 [artesão]).
A SST, mesmo tendo uma atuação insatisfatória para o artesanato, é o órgão na esfera
estadual a coordená-lo. Essa instituição disputa com os outros órgãos citados o direito de
definir as regras para o setor. Durante as observações e entrevistas pude observar a força do
capital político deste órgão. Assim como a FCC e a FFC a SST é um órgão do Estado
autorizado a ditar regras do jogo para o artesanato. Essa autorização é outorgada diretamente
da esfera federal por meio do Programa Brasileiro do Artesanato (PAB) sediado junto ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Assim, observei que
uma disputa por capital político que influencia diretamente o artesanato. Isso em virtude
de que os autorizados a falar em nome dos agentes do artesanato acumularem o poder de ditar
as regras do jogo o que inclui dizer e classificar o que é artesanato, quem é artesão, quais
espaços na cidade podem abrigar feiras de artesanato, quais casas tombadas na cidade podem
guardar o patrimônio material, etc.
A posse de capital político, segundo Bourdieu (2005a) propicia a seu detentor o poder
social de constituir grupos, constituindo o senso comum e o consenso por meio da ação do
poder simbólico. Durante a pesquisa ficou evidente que o capital fundamental disputado pelos
porta-vozes do Estado na busca em acumular trunfos que lhes garantam poder de decisão é o
capital político, que nesse espaço de disputa pode funcionar como capital simbólico.
Esse capital também compõe o patrimônio do SEBRAE como trunfo pela luta para
ocupar uma posição dominante nesse espaço. Essa instituição, por meio de um movimento do
SEBRAE nacional em 1995, segundo um entrevistado, passou a ter seu próprio programa de
artesanato. O primeiro passo dado pelo SEBRAE foi a criação de uma metodologia de ação
sobre o artesanato. Essa metodologia envolve várias etapas e conta com o apoio do Programa
de Artesanato Brasileiro (PAB). Para o SEBRAE, em Florianópolis, o artesanato funciona
como segunda renda fato que propicia o aparecimento das manualidades em detrimento aos
ofícios (renda, crivo, cestaria) como no caso do Nordeste onde são encontrados mais
facilmente em forma de cooperativas.
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O Nordeste é bem forte nessa coisa do ofício, enquanto o nosso artesanato tem
muita manualidades e se apresenta como segunda renda, porque entre, acordar de
manhã arrumar a casa, atender o filho e o marido, no final do dia é que elas vão ter
aquele momento de lazer, e elas ficam tricotando e crochetando (entrevistado
26 [SEBRAE]).
Nesse ponto, vale destacar, a observação de uma relação de dominação. O SEBRAE
argumenta que o artesanato no Estado configura-se como uma segunda renda, porém, nas
entrevistas com os artesãos ficou demonstrado que quase 43% dos entrevistados têm no
artesanato sua única fonte de renda. A reflexão sobre esse dado torna-se importante na análise
das disputas para impor as regras do jogo, uma vez que, a visão que os órgãos têm sobre o
artesanato influencia nos planos que traçam ou deixam de traçar para o setor.
O Arte Catarina é um projeto que acesso ao mercado. Tem vários mecanismos
que a gente ajusta e articula com os parceiros para o artesão ter essa oportunidade
de acesso aos pontos de venda. Temos também um projeto chamado Mulheres do
frei na comunidade Frei Damião. Elas são crocheteiras, tricoteiras e a partir disso
criaram um produto diferenciado. Hoje, elas estão no mercado com embalagem,
com folder, com logomarca e bem estruturadas, considerando que elas vivem numa
favela onde o índice de criminalidade e de violência é muito grande nós
conseguimos fazer um produto diferenciado. Então o SEBRAE vem para resgatar
esses artesãos que querem realmente ser empreendedores... Mas se perguntarem,
porque que o SEBRAE está com o artesanato se ele é informal e não micro
empresa? A gente está justamente por isso para poder fazer com que ele vire uma
micro empresa. Nós trabalhamos muito forte essa questão da estruturação do
negócio, da gestão do negócio, mesmo porque a gente o artesanato como
negócio e não como ocupação. Então, aquela pessoa que quer trabalhar como
negócio ela busca o SEBRAE, mas se ela quer trabalhar como ocupação ou lazer
ela pode buscar outras entidades que possam dar esse suporte (entrevistado 26
[SEBRAE]).
Assim, analisando as entrevistas, percebi que a meta do SEBRAE é organizar os
artesãos para que saiam da informalidade e se tornem micro empresas. O artesanato funciona
como um projeto social tutelado pelo Estado, a exemplo do projeto na comunidade frei
Damião, e não como uma iniciativa dos moradores. A visão do SEBRAE sobre o artesanato é
uma visão de negócio. O modo como o SEBRAE o artesanato é duramente criticado no
subcampo tanto pelos artesãos como pelos demais órgãos envolvidos na questão do artesanato
com exceção feita ao Banco do Brasil que é a favor da metodologia adotada pelo SEBRAE e
converge com este visualizando o artesanato também como negócio. O BB, no entanto, tem
consciência que o SEBRAE gosta de ocupar uma posição de liderança em todos os segmentos
em que atua e isso cria conflitos com a visão dos demais envolvidos.
113
O SEBRAE tem certa tendência de querer ser capitão e os artesãos não gostam
disso. Para mim não tem problema porque a metodologia do SEBRAE é muito boa.
A única coisa que nós temos que cuidar é com a questão da sustentabilidade com
início, meio e fim e não o curto prazo. Se for preciso recursos financeiros nós
podemos encaminhar projetos pela Fundação Branco do Brasil, mas a nossa função
maior com o Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS) não é ser agente
financeiro aplicando dinheiro a fundo perdido. Nossa função maior é de articulador
e estruturador da atividade produtiva (entrevistado nº 24 [BB]).
Outros órgãos também criticam a atuação do SEBRAE, principalmente os órgãos
ligados à cultura, pelo fato da instituição não demonstrar grandes preocupações com a questão
cultural, a qual, para os últimos, está imbricada no artesanato.
O SEBRAE tem uma visão voltada totalmente para o empresarial e não pra questão
social. Eu acho temerária, ela vai de encontro a tudo aquilo que não pode ser para o
artesanato, de acabar com o artesanato, de fazer com que o artesão seja
empreendedor e que tenha visão lucrativa e não de bem estar e de vida (entrevistado
nº 15 [FFC]).
Eu respeito muito o SEBRAE enquanto instituição, eu não aceito a parte de
como eles trabalham o design em cima do artesanato. Em cima desse artesanato
nada pode ser feito. Mas o SEBRAE é um órgão administrado por pessoas e
pessoas m ego, e, ego, ego faz uma guerra...Então artesanato popular é uma coisa
que não se pode mexer (entrevistado nº 27 [FCC]).
Diante do exposto pude perceber que uma disputa para definir o que é artesanato:
cultura, geração de renda ou negócio. Alguns agentes o vêem como cultura, outros como
geração de renda e outros como negócio. Os artesãos são poucos ou nada ouvidos por aqueles
que detêm o poder de decidir sobre o artesanato. Nesse contexto, o SEBRAE apresenta como
capitais de luta, principalmente, o capital econômico e o capital empresarial. Porém sua
vinculação com o PAB o investe também de capital político, trunfo importante na busca por
uma posição superior no subcampo do artesanato em Florianópolis.
Assim, entidades como o SEBRAE e o Banco do Brasil, fortes em capital econômico,
disputam propriedades no campo para transformar seus capitais em capital simbólico com
vistas a obter legitimidade. Se o Banco do Brasil não carrega uma imagem demasiadamente
negativa perante os artesãos e demais órgãos, o mesmo não se pode dizer do SEBRAE. Os
artesãos, mesmo sendo subalternos no campo da cultura, são um elemento importante na
busca por legitimação num espaço que os tem como os principais agentes para reconhecer
quais instituições são legítimas a ditar as regras do jogo. Aqui cabe uma menção a Canclini
(2000) quando fala do povo e da classe política: se o povo incomoda como lugar do inculto e
do grotesco, por outro lado interessa como legitimador da hegemonia dos dominantes. Os
114
artesãos (povo) vêem o SEBRAE como fomentador de empresas não lhe conferindo, portanto,
legitimidade nas questões que envolvem o artesanato.
O SEBRAE aqui na nossa cidade interferiu no artesanato várias vezes para
complicar o artesão. Eles olham o artesão como uma pessoa desempregada que
precisa trabalhar e ter uma profissão para ganhar dinheiro e não é por aí. Não é
preciso a pessoa se capitalizar com o artesanato, na verdade o artesanato é uma
filosofia de vida (entrevistado nº 22 [artesão])
No SEBRAE artesão pequeno que não tem nenhuma pretensão de ser uma indústria
não é atendido. Por exemplo, se eles vão na tua casa para avaliar teu trabalho eles já
perguntam quantas peças tu consegue fazer e em quanto tempo. Eu não quero saber.
Eu posso até conseguir produzir, mas eu não tenho funcionário e estrutura e nem
quero ter (entrevistado nº 19 [artesão]).
Outro dado interessante com relação ao SEBRAE consiste na sua atuação que tanto no
âmbito nacional quanto no interior do Estado de Santa Catarina apresenta bons resultados em
termos dos projetos que coordena para o artesanato. Como exemplo, a instituição cita o
projeto Tranças da Terra, no meio oeste catarinense, que ganhou alguns prêmios nacionais
de artesanato. Contudo, sua atuação em Florianópolis é permeada por conflitos e por uma
imagem negativa de que seus projetos aqui não funcionam. Alguns motivos são levantados
para esse fato e tanto os artesãos quanto o próprio SEBRAE têm uma opinião sobre isso. Para
os artesãos, o maior problema que enfrentam com o órgão diz respeito ao fato do SEBRAE
focar os projetos com intenção de visualizar uma empresa futuramente, e, portanto influenciar
demasiadamente no modo de produção artesanal aplicando fortemente os princípios da gestão
de negócio. Em seus depoimentos os artesãos se mostraram contrários a essa tendência. Outra
questão levantada pelos artesãos diz respeito à postura elitista do órgão que seleciona para
seu projeto Arte Catarina peças de alto padrão de qualidade, na visão do SEBRAE, e com
mercado garantido não democratizando o acesso aos pontos de venda.
O SEBRAE é um elefante branco. Lá você vai ter que pagar para se profissionalizar
na sua área, depois que você pagou e o marketing de venda perceber que seu
produto é bom ele vai investir em você com a diferença que ele é quem vai fazer a
história ele vai vender, ele vai exportar e no final você se torna um empregado do
SEBRAE (entrevistado nº 03 [artesão]).
O SEBRAE criou o programa Arte Catarina, mas ele pegou os artesãos que já
são mestres. Aqueles que já m um artesanato bom com qualidade e bem aceito
pelo mercado com produtos que comportam um alto preço (entrevistado 16
[SST]).
115
Para o SEBRAE o motivo dessa falta de sintonia entre o órgão e os artesãos é uma
questão cultural, uma vez que, segundo esse órgão, a colonização de Florianópolis deu origem
a gerações de pescadores cujas esposas faziam artesanato como uma atividade doméstica
cotidiana. Isso difere, por exemplo, segundo o SEBRAE, do contexto nordestino onde os
homens, responsáveis pelo sustento da casa, fazem do artesanato uma fonte de renda:
O SEBRAE fora da grande Florianópolis tem umas parcerias boas, aqui ele não
funciona. E realmente aqui a gente não consegue trabalhar. É impressionante... A
gente está buscando agora ajustar os parceiros para que a gente possa ter entrada
aqui também, mas tem problema político também, mas o cultural é mais forte... É
cultural (entrevistado nº 26 [SEBRAE]).
O Banco do Brasil e o SEBRAE acreditam que os artesãos não estão preparados para
suas metodologias de trabalho em virtude de se encontrarem desorganizados e por não
cultivarem os princípios do associativismo.
O SEBRAE é extremamente importante no processo porque onde ele bota a mão
funciona. O único problema é que o artesão não está organizado ainda. Ele não es
pronto para receber a metodologia do SEBRAE. Então, primeiro nós temos que
trabalhar com os artesãos os princípios do associativismo e depois do
cooperativismo. Nesse ponto a metodologia do DRS do Banco do Brasil tem uma
visão de cadeia de valor. Nós não trabalhamos só a produção entra também a
questão da comercialização, a questão do marketing do produto, a questão do
atravessador que vem ali e é o que leva o dinheiro dele, então, tem todo esse
processo (entrevistado nº 24 [BB]).
A atuação do SEBRAE e do BB têm como foco o artesanato como negócio e suas
ações são pensadas nesse sentido. Para tanto, no caso do SEBRAE percebe-se uma
preocupação com a moda e a pressão imposta pela “destruição criativa” na reprodução do
capital por meio de novidades constantes em artigos de consumo e como estratégia de
distinção. Com isso essa instituição associa aos produtos artesanais - acessórios para roupas,
bolsas, bijuterias, etc. - grandes nomes da moda ou design tendo em vista agregar valor ao
produto artesanal:
O SEBRAE para fazer os projetos sempre busca bons profissionais especializados e
eles custam caro e não tem como trabalhar de outra forma. Então, em nível nacional
a gente tem o artesanato na moda que está entrando forte com a Isabela Capeto,
com Ronaldo Fraga do São Paulo Fashion Week. São profissionais caros, mas são
profissionais bons. Eles se preocupam com a forma de como contar a história,
porque o que vende talvez não seja o produto e sim o conceito. Você começa a
trabalhar com seu cliente com outra consciência: ele vai comprar sabendo que
estará ajudando uma comunidade. Então o artesanato é um bom negócio porque
116
você atinge pessoas que estão ligadas ao consumo consciente, ao comércio justo
(entrevistado nº 26 [SEBRAE]).
Outro aspecto que vale ressaltar refere-se aos projetos coordenados por alguns órgãos
ligados ao artesanato cujos projetos apresentam características semelhantes. Esses projetos
são elaborados internamente e depois divulgados para que os demais órgãos do Estado
possam participar de sua operacionalização. No entanto, os idealizadores dos projetos não
abrem mão da autoria do mesmo, disputando com outros órgãos a melhor proposta para o
artesanato como se verá no quadro abaixo. Assim, na prática o que se são boicotes (não
participar das reuniões convocadas por outros órgãos para discutir detalhes dos projetos, etc)
aos projetos praticados pelos demais órgãos. Isso se acentua em virtude do artesanato em
Florianópolis não possuir um órgão central que determine políticas para o setor, encontrando-
se sob a tutela de diversos órgãos e instituições, cada qual estabelecendo a sua maneira as
regras para as feiras que coordenam. Abaixo segue um quadro dos projetos idealizados (ainda
não foram colocados em prática) pela UDESC, SEBRAE, IGEOF, e SST que apresentam
propostas semelhantes:
AGENTES
SEBRAE
SST
(PROCARTE)
IGEOF
UDESC
PROJETOS
PARA O
ARTESANATO
Centro de Referência
do Artesanato
Brasileiro
Criação de um
Conselho de Artesanato
e a reformulação do
decreto nº 3.990 de
1993 que dispõe sobre o
programa de Artesanato
Catarinense
Artesanato
Desatando os Nós e
Ocupando Seus
Espaços
Corredor Cultural de
Florianópolis
OBJETIVO
DO
PROJETO
Espaço para
capacitação do artesão
e busca de espaços
para comercialização
do artesanato
Criar um espaço
deliberativo para
discutir uma política
para o setor
Criar um
departamento dentro
da prefeitura de
Florianópolis para
coordenar o
artesanato da cidade
Revitalização do centro
histórico de
Florianópolis com foco
na questão do
artesanato e criação de
políticas públicas para o
setor e criação de uma
legislação específica
para o artesanato
Quadro 2 – Órgãos Ligados ao Artesanato e Projetos em Discussão
Esse quadro comparativo possibilita ter uma idéia das disputas que ocorrem no
subcampo entre os agentes supracitados em busca de aumentar seu capital político com
intenção de manter ou transformar sua posição nesse espaço. Ao verificar que esses agentes
possuem ações semelhantes para o mesmo objeto e que atuam de forma isolada não abrindo
117
mão de um protagonismo percebi que a disputa se pelo poder de nomeação das regras
válidas para o artesanato na cidade de Florianópolis. A posse desse capital dominante confere
a seu detentor poder simbólico que é o mais eficaz dentre de todas as formas de poder
conforme Bourdieu (2001a). Ainda segundo o autor isso acontece devido a esse poder não ser
reconhecido como arbitrário.
O programa de artesanato do governo Federal vem para o Estadual e não para a
Franklin que é do município. Na realidade acontece que o nosso governo nas
últimas mudanças de lei esqueceu a palavra artesanato, então ela não existe em
nenhuma secretaria. Mas quando é de interesse de algum órgão para obter retorno
financeiro todo mundo é do artesanato. Daí a gente encontra artesanato em tudo
que lugar... SEBRAE, Fundação Catarinense de Cultura, UDESC, Cascaes. Assim
do jeito que está não tem como a gente cobrar nada de ninguém (entrevistado 05
[artesão]).
Pelo depoimento acima observei que a falta de uma política pública para o setor
oportuniza a entrada de agentes, não ligados a gestão pública da cultura, que passam a
desenvolver projetos ligados ao artesanato e com isso ganham algum benefício material ou
simbólico. Essa configuração específica do artesanato em Florianópolis provoca disputas e
tensão, uma vez que não há um responsável por responder pelo artesanato, mas vários. Assim,
o artesanato passa a ser de todos e de ninguém, servindo para legitimar o poder de alguns ao
mesmo tempo em que não responsabiliza ninguém por ações desastrosas para o setor ou
simplesmente pela inexistência delas.
Nesse contexto, um outra instituição que também marca presença no subcampo do
artesanato é a Universidade Federal de Santa Catarina que desde a década de 70 abriga em seu
campus uma feira de artesanato. Os primeiros artesãos a ocuparem o espaço da universidade
eram chamados hippies. Segundo depoimentos esses artesãos possuíam excelente
relacionamento com professores e alunos inclusive com afinidades no que diz respeito a
protestos políticos pela liberdade. A feira de artesanato perdura até os dias de hoje no espaço
da universidade, porém houve mudanças no perfil dos artesãos expositores bem como nos
produtos comercializados. Essa mudança acompanhou o que ocorreu em todo o país, o Estado
e o município de Florianópolis.
Nós ficávamos ali no refeitório da UFSC, ali perto do diretório dos estudantes e era
uma época legal porque o diretório era bem esquerda, e tinha umas brigas, então
havia uma identidade do universitário com o produtor artesanal nos anos 70, 80 e
90. Mas final dos anos 90 pra a coisa acabou, porque daí virou um comércio e
depois que instalaram aquele prédio do Centro de Eventos que passou a tomar
conta do sistema de segurança da universidade ficou mais complicado pra nós,
118
porque eles passaram a impor regras de funcionamento e a permitir comércio de
outras coisas (entrevistado nº 22 [artesão]).
Eu trabalhei muitos anos informalmente na rótula da biblioteca da UFSC, depois a
feira se mudou para frente da reitoria e ganhou mais credibilidade. Eu acho que a
UFSC como Universidade deveria abrir esse espaço para todos os artesãos e
poderia divulgar mais a feira na publicidade da Universidade (entrevistado 03
[artesão]).
No subcampo do artesanato a UFSC, dentre as instituições com envolvimento no
artesanato, me parece a menos influente. Nas reuniões em que participei sobre as questões do
artesanato
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a UFSC sempre esteve ausente, talvez porque nunca foi convidada. Os demais
órgãos apesar de realizarem iniciativas isoladas e de nutrirem divergências de opiniões sobre
as necessidades do artesanato em Florianópolis, em alguns momentos, se fizeram presentes
nas reuniões citadas. Indagados sobre esta questão, os organizadores das reuniões disseram
não saber que a UFSC possuía vínculos com o artesanato, mas já ouviram falar da presença de
artesãos nos eventos acadêmicos realizados na universidade.
Hoje, nas dependências da universidade, ocorre uma feira de artesanato semanal que é
coordenada pela Sala Verde e conta com a presença de 20 artesãos. Essa feira é realizada num
espaço aberto próximo à reitoria. Há, inclusive, segundo os artesãos dessa feira, um conflito
com a reitoria por conta dessa última não ver a feira com bons olhos em virtude desta
“enfeiar” aquele espaço. Outra divergência se com a Sala Verde que privilegia os
produtores de hortaliças orgânicas em detrimento dos artesanais. Segundo um entrevistado,
esta preferência é explicada pelo fato de que esse núcleo possui projetos ligados a produtos
agrícolas orgânicos. Contudo, esse processo não ocorre sem a resistência dos artesãos que
buscam legitimidade para permanecer no local. Uma das iniciativas dos artesãos foi buscar,
por meio de um projeto de extensão vinculado ao centro de economia da UFSC,
reconhecimento para permanecer no local. Esse centro coordena projetos ligados à economia
solidária e dentre eles congrega a feira de artesanato da UFSC.
Além disso, na UFSC se localiza também uma antiga feira de artesanato, chamado
hippie, na rótula da Biblioteca Universitária. Essa feira ocorre décadas nesse mesmo local
onde se encontram muitos estrangeiros como peruanos e chilenos que vivem do artesanato ali
comercializado. Nessa pesquisa observei certo conflito entre essas duas feiras sendo que a
feira apoiada pelo projeto de extensão se diz a feira oficial na UFSC enquanto à outra deram o
nome de feira informal. Para a Sala Verde, que coordena a feira da reitoria (considerada por
51
Participei de 3 reuniões durante o ano de 2008: dia 03/09/2008 na UDESC para discutir o regimento interno do
Conselho Consultivo do Corredor Cultural; dia 21/10/2008 na SST para discutir sobre uma legislação para o
setor; dia 05/11/2008 na UDESC para continuar a discussão sobre o regimento interno do Conselho Consultivo.
119
eles legalizada), a exposição de artesanato que ocorre espontaneamente na rótula da biblioteca
não possui um responsável e continua acontecendo porque sempre foi assim.
A universidade tem forte presença entre os artesãos em virtude também dos eventos
acadêmicos que promove e que contam sempre com exposições de artesanato em stands
decorados para esse fim. Esses eventos são de cunho científico como, por exemplo, a Sepex
52
,
as feiras científicas, os fóruns nacionais e internacionais como o X Fórum Nacional de
Museus que ocorreu em 2008 e contou com a presença de exposição de artesanato
predominantemente local. Esse é inclusive outro locus de disputa, segundo alguns artesãos,
que gostariam de expor nesses eventos. Cabe a UFSC, por meio dos servidores do Museu
Universitário, selecionar os artesãos e as peças que podem participar do evento. Nesse caso a
preferência é pelo artesanato de referência local - a renda de bilro, a cerâmica e o crivo -
entretanto vêem-se também exposições de tapeçaria e de peças decorativas que fogem um
pouco do tradicional. Esse poder de classificar o que é artesanato constitui uma prerrogativa
daqueles que tem sob sua tutela um espaço para o artesanato. Esse poder simbólico de
nomeação é motivo de disputa no subcampo do artesanato. No caso da UFSC a seleção é
realizada pelos funcionários do Museu Universitário que possuem uma lista com o nome de
alguns artesãos de Florianópolis. Além disso, divulgam as vagas via e-mail para as
associações de artesãos e para as fundações de cultura da cidade.
Com relação à UFSC, torna-se difícil falar dos interesses dessa instituição em relação
ao artesanato como objeto de disputa com os demais órgãos. Durante a pesquisa pude
perceber que a atuação da UFSC no artesanato se de forma mais isolada, concentrando-se
nos limites do campus universitário, principalmente. A UFSC extrapola sua ação para o
subcampo do artesanato por conta dos eventos que promove com a presença do artesanato ou
quando é convidada a participar de eventos culturais por meio de palestrantes que designa
para falar sobre cultura. Assim, como capitais infiro que a UFSC apresenta o capital
científico por ser uma instituição desse campo (campo científico) reconhecida nacionalmente
pelas pesquisas científicas que realiza, e, capital político por vincular-se ao governo federal
como uma instituição com o dever de prestar serviços à sociedade.
Como a UFSC, a UDESC também possui vínculos com o artesanato local. Essa
história, no entanto, é relativamente recente. Ela começou em 2004 quando um grupo de
artesãos procurou a universidade para fundar uma associação com objetivo de buscar um
espaço permanente para exposição de artesanato. Fazia parte dos anseios desse grupo que o
52
Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFSC (www.sepex.ufsc.br).
120
espaço a ser disponibilizado pudesse contar com um mínimo de infra-estrutura, como por
exemplo, banheiros, proteção das barracas contra ventos e a chuva, entre outros. A UDESC
acompanhou a fundação dessa associação por meio de recursos materiais e bolsistas oriundos
de um projeto de extensão que durou cerca de quatro anos. O projeto teve como principal
realização a criação da feira do Parque da Luz localizada na cabeceira da ponte Hercílio Luz
que durou um ano. A criação dessa feira contou com o apoio do Banco do Brasil por meio do
DRS. A decisão da escolha do lugar coube à UDESC e foi aceita pela maioria dos artesãos.
Depois de muitos conflitos internos na associação e de conflitos externos entre feiras e
em virtude do público não chegar ao Parque da Luz, a UDESC juntamente com o Banco do
Brasil e o SBT conseguiu transferir a feira para a Praça XV onde permanece até hoje.
Atualmente, a feira não se vincula mais à UDESC, porém conta com o apoio da universidade
para se manter naquele espaço, considerado inadequado pelos artesãos das outras feiras.
Alguns artesãos, inclusive, questionam a legalidade daquela ocupação. A universidade
continua tendo uma atuação na área do artesanato em Florianópolis e recentemente criou o
chamado Corredor Cultural de Florianópolis
53
. O objetivo é discutir questões ligadas à
cultura, e, principalmente ao artesanato, para tanto convocou a participar das reuniões os
demais agentes do campo com o intuito de unir as iniciativas e focar o artesanato como
beneficiário dessas ações.
A proposta do Corredor Cultural é criar um Conselho Consultivo que tenha poder de
decisão em relação às questões que envolvem o artesanato e que possa ser ativo e
independentemente de partido político e de mudanças na prefeitura ocasionadas pelas
eleições. Com esse Conselho, o objetivo do projeto é revitalizar o centro histórico de
Florianópolis (da cabeceira da ponte Hercílio Luz desceria pela rua Conselheiro Mafra
chegando a Praça XV). Nesse percurso seriam realizadas feiras de artesanato com a
apresentação de manifestações culturais picas como boi de mamão, danças, música, teatro
etc. Como pesquisadora participei de três reuniões desse grupo e o grande problema a ser
superado nas reuniões foi o baixo quórum dos convocados que impediu por duas vezes a
votação do estatuto do conselho consultivo.
Como capitais em disputa infiro que a UDESC, a exemplo da UFSC, conta
principalmente com o capital científico e o capital político.
53
A Prefeitura de Florianópolis, a UDESC e entidades sociais assinaram, convênio para a implementação do
Corredor Cultural de Florianópolis. O objetivo do projeto é revitalizar o centro histórico da cidade formando um
circuito cultural com atividades lúdicas e artístico-cultural com exposição de artesanato local
(
www.pmf.sc.gov.br/noticias/comunicação/ pesquisado em 01/12/2008).
121
Esse projeto da UDESC suscitou diversos conflitos entre os órgãos que atuam no
artesanato da cidade. Conforme um entrevistado do IGEOF, que faz parte do Conselho
Consultivo, esse projeto apresenta falhas por ser uma iniciativa imposta de cima para baixo,
não contando com a presença dos artesãos para a discussão de problemas e necessidades que
dizem respeitos a eles. Contudo, para a UDESC os artesãos estão representados pela
Federação dos Artesãos de Santa Catarina (FAPASC) que faz parte do conselho consultivo.
Para o IGEOF a percepção da UDESC sobre o artesanato, focada principalmente na dimensão
cultural, não condiz com a realidade do setor que necessita de investimentos na qualificação
do artesão de feira e pontos de comercialização que assegure condições de sobrevivência a
esses agentes.
O objetivo do Corredor Cultural me parece é fazer uma feira grande. É montar ao
longo do centro histórico espaços de feiras com apresentações de teatro e folclore.
Mas isso não vai funcionar, porque a UDESC quer tudo bonito, todas as barracas
padronizadas. Eu também gostaria que fosse tudo bonitinho que é complicado, a
vida do artesão está difícil, duas semanas sem vender por causa da chuva, se
chovesse mais um sábado tinha gente que não ia nem ter o que comer... Eu não ia
mais participar das reuniões, mas quando eu soube que iam mexer com artesanato
eu decidi ir porque achei que eles iam mexer no meu espaço, na minha feira
(entrevistado nº 25 [IGEOF]).
Perante as disputas travadas no campo a UDESC conta com o apoio do Banco do
Brasil. O banco auxiliou a UDESC a levar adiante a implantação de uma feira de artesanato
junto ao Parque da Luz que posteriormente foi transferida para a Praça XV. A partir daí o
interesse do Banco do Brasil pelo artesanato de feira cresceu, em parte, isso se deveu a
projetos internos ligados a política nacional do banco chamada de Desenvolvimento Regional
Sustentável (DRS). O DRS tem como objetivo auxiliar atividades produtivas informais
proporcionando, em longo prazo, desenvolvimento social e econômico sustentável. Para tanto
a semelhança do SEBRAE o banco desenvolveu uma metodologia de trabalho cuja diferença
com aquela instituição está segundo um entrevistado do BB na visão sustentável de longo
prazo. Aqui percebi também uma afinação com o discurso do SEBRAE para o artesanato
visto pelo banco como negócio.
O projeto da feira de artesanato está dentro do DRS. É uma estratégia negocial do
banco. É uma coisa que foge da rotina tradicional de projeto que visa querer
resultado imediato. O trabalho com DRS é a médio e longo prazo e com bastante
sustentabilidade. No elo dessa cadeia está o meio empresarial que é o gerador de
riqueza, de emprego e o meio formador que é a universidade. É de base negocial
porque o banco com isso está desenvolvendo uma carteira de clientes novos que
vão ganhar dinheiro, vão ter novas oportunidades que se tornaram clientes em
potencial (entrevistado nº 24 [BB]).
122
Como capitais em disputa o Banco do Brasil apresenta o capital econômico e o
capital político se aproximando em patrimônio ao SEBRAE. O objetivo do banco
diferentemente dos demais órgãos que atuam no subcampo não é coordenar o artesanato, mas
sim apoiar ações que envolvam o artesanato como possibilidade futura de formar uma vasta
carteira de clientes artesãos.
Na disputa com os órgãos citados ocupam também posição no subcampo o Instituto
de Geração de oportunidades de Florianópolis (IGEOF) e a Fundação Franklin Cascaes
(FFC). O IGEOF, conforme já citado, foi criado em 2003 com o objetivo de promover
oportunidades sustentáveis de renda em Florianópolis. Desde 2006 esse instituto coordena
uma feira de artesanato no centro da cidade chamada Miramar. De acordo com a idealizadora
do projeto a idéia inicial era oportunizar aos artesãos locais mais um espaço de
comercialização de artesanato na cidade durante o natal. Para a escolha do local mais
adequado para a montagem da feira o IGEOF contou com a ajuda da Secretaria de Turismo
(SETUR) que indicou o Largo da Alfândega para abrigar a feira. Esse local fica sob a
responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que o
disponibilizou para a realização da feira. O IPHAN, segundo alguns artesãos, é bastante
criterioso na liberalização de locais tombados pelo patrimônio histórico. Diante disso, vale
destacar a influência política da coordenadora da feira, juntamente com o auxílio da SETUR,
como determinante na conquista do espaço já citado.
Como capital de luta o IGEOF apresenta o capital político. Esse órgão dispõe desse
capital para implementar ações voltadas para o artesanato, tais como a programação de um
Seminário, a ser realizado em 2009, intitulado: Artesanato Desatando Nós e Conquistando
Seus Espaços com o objetivo de reunir os artesãos da grande Florianópolis e discutir as
necessidades e os possíveis rumos do artesanato local. Outro projeto pretendido pelo IGEOF
diz respeito à criação de uma estrutura, uma espécie de departamento, vinculada à prefeitura
que pudesse tutelar o artesanato em conjunto com a FFC ou a FCC. Caberia a esse
departamento cuidar de assuntos ligados à geração de renda e capacitação dos artesãos,
contando, para isso, com um orçamento anual para realizar suas atividades. No que tange à
dimensão cultural do artesanato essa ficaria sob responsabilidade das fundações já citadas.
Cabe salientar aqui, uma questão que permeia todo o campo de estudo e que se
encontra em constante questionamento, qual seja, a definição do que seja artesanato. Essa
questão se torna motivo permanente de disputas entre os agentes do subcampo. Ter o poder de
definir o que é artesanato em Florianópolis significa dominar o campo e decidir quem
123
participa do jogo ou não. Para o IGEOF, por exemplo, o artesanato é focado, principalmente
como gerador de renda. Em virtude disso, as ações desse órgão caminham no sentido de
buscar locais para comercialização e ampliação do número de expositores na feira que
coordena. Pelo fato de focar o artesanato como elemento gerador de renda o IGEOF questiona
a atuação da FFC que relega o artesanato a último plano porque direciona suas atenções para
outras manifestações culturais como o teatro, a música, a dança e a literatura.
Nós não podemos tratar o artesanato só como cultural, só como turismo ou só como
gerador de renda. Nós temos que trazer pro Igeof como gerador de renda, mas s
temos que integrar toda essa parte. É que hoje os artesãos chegam para gente
reclamando muito da Fundação Cascaes. Isso mexe com ele porque ele não está
mendigando ele quer um espaço pra ele trabalhar. Como a feira não é o prioritário
para Fundação ela dá mais atenção ao Encontro das Nações, ao festival de dança, ao
festival de teatro que são os eventos maiores da Fundação. Mas se o artesanato vier
pro IGEOF ou SETUR a gente tem condições de equilibrar essa área toda
(entrevistado nº 25 [IGEOF]).
Conforme pude observar uma disputa entre os órgãos ligados ao artesanato pela
definição do que é válido para o artesanato que tensiona entre geração de renda e cultura e
isso se reflete na legitimação, por cada órgão, do que é artesanato ou não. Assim, a disputa se
entre órgãos que têm como principal trunfo: o capital cultural (FFC e FCC), o capital
político (IGEOF e SST), o capital econômico (SEBRAE e BB) ou o capital científico
(UFSC e UDESC).
Conforme já salientado, ocupa lugar nesse campo a Fundação Franklin Cascaes, órgão
oficial do município de Florianópolis responsável pelas questões que envolvem o artesanato.
Para os artesãos, a FFC não se compromete com o artesanato. Segundo eles, isso se deve, em
parte, pela a inexistência de políticas públicas para o setor. Outro fator citado como
responsável pela fraca atuação da fundação diz respeito às constantes trocas dos responsáveis
pela organização das feiras de rua em virtude das mudanças de governo na prefeitura. Nessas
mudanças ocorre também a troca do responsável pela coordenação das feiras dentro da FFC e
essa função fica sempre em mãos de agentes indicados politicamente quase sempre sem
nenhuma experiência no campo cultural.
Hoje a Fundação está com pessoas que não tão nem pra feira. Na Fundação são
cargos políticos então muda com a troca de governo. A Fundação se subdivide em
departamentos, tinha um de feiras, mas com essa nova gestão eles colocaram o
artesanato no departamento de eventos comunitários, então são as mesmas pessoas
que cuidam de dança, teatro, boi de mamão, d a gente sentiu uma queda, na
verdade quem está lá não liga para o artesanato (entrevistado nº 10 [artesão]).
124
Na Franklin as pessoas responsável pelo artesanato são burocratas que estão ali por
cabide de emprego e não entendem nada de artesanato. Eu acho que quem
representa a nossa classe tem que ser uma pessoa que tenha pelo menos
convivência conosco, que conheça nosso linguajar que entenda de material, de
pintura, de prata, de tecelagem, etc (entrevistado nº 03 [artesão]).
Antes de dar prosseguimento às falas dos porta-vozes da FFC penso ser importante
narrar sucintamente como ocorreu meu primeiro contato com essa entidade. Esse contato me
permitiu vislumbrar a posição que o artesanato ocupa no seio da fundação, por isso acredito
ser importante seu relato. Para a primeira visita à fundação resolvi não usar o telefone para
marcar uma conversa e fui pessoalmente e sem avisar para conhecer o ambiente. Fui bem
recebida pela secretária da entidade e solicitei um horário com o coordenador geral da
fundação que no momento estava atendendo uma pessoa. Aguardei cerca de 30 minutos e o
coordenador geral me recebeu e perguntou qual era o assunto que me trazia ali. Quando eu
disse que se tratava do artesanato de Florianópolis ele logo me dispensou dizendo que eu
deveria conversar com o pessoal de assuntos comunitários. Confesso que fiquei sem reação,
porque não esperava por isso, mas acatei de imediato o que foi dito e me dirigi à sala
recomendada
54
.
No departamento de assuntos comunitários fui atendida, ao mesmo tempo, por dois
servidores que se anunciaram responsáveis pelo artesanato. Um deles é funcionário de carreira
da prefeitura e o outro ocupa um cargo de confiança indicado pelo próprio prefeito. Os
discursos dos dois agentes eram divergentes entre si e no começo fiquei um pouco confusa
porque não sabia para quem fazer os questionamentos e a quem dirigir minha atenção. Porém,
dentro de poucos minutos o funcionário de carreira aquietou-se e a conversa restante
transcorreu com o agente que ocupava cargo de confiança. Desse primeiro contato percebi
que a FFC aborda o artesanato de maneira paternalista, embora sua atuação seja alvo de
críticas conforme os depoimentos dos artesãos ao longo da pesquisa. Além disso, para esse
agente de carreira, porta-voz da FFC assim autorizado pelo cargo que ocupa, o artesanato
“verdadeiro” é a renda de bilro, a cestaria, a cerâmica, a feitura de canoas e redes de pesca,
artesanato esse que precisa ser preservado:
A coisa importante é o artesanato tradicional, o artesanato típico de uma cidade
como é a renda, o crivo, a cestaria, a louça de barro. É essa parte toda que a gente
batalha para não cair. Eu acho que se a gente não partir para uma agrupação dessas
54
Três semanas mais tarde me dirigi a FFC e marquei com a secretária um horário com o superintendente da
fundação cargo máximo da instituição porém, quando indagada sobre o assunto da conversa falei que se
tratava de uma pesquisa acadêmica sobre CULTURA e intencionalmente não mencionei o artesanato, fui
atendida pelo superintendente sem mais questionamentos numa conversa que durou cerca de 50 minutos.
125
feiras todas não dá, porque como está, é uma confusão de feiras com diversos
órgãos coordenando, do jeito que está não se tem uma avaliação igual para todos e
um regulamento igual para todos (entrevistado nº 13 [FFC]).
Nesta fala percebi que a ausência de uma legislação específica para a atividade, bem
como a falta de um estatuto que defina um espaço tanto legal como um espaço político de
definição do setor impede a própria organização dos agentes envolvidos com o artesanato.
No entanto, esse entrevistado não sabe explicar porque essas manifestações
consideradas legítimas pela FFC se encontram marginalizadas, numa situação de
subalternidade semelhante a das chamadas “manualidades” repudiadas pela FFC:
Eu não sei porque a coisa não vai pra frente, não sei se as pessoas estão no lugar
errado. Eu acho que a cultura é muito amor, muita garra, muita luta, muitas vezes
até por pouco dinheiro. Eu adoro Florianópolis eu não posso ver essas coisas que
tem pela rua, cheia de coisas, cheia de barracas e brechós vendendo aquelas
coisas, aquele negócio horrível, ali aquilo dos índios que já não é mais índio,
fazendo as necessidades fisiológicas na Igreja São Francisco, os índios comendo
hambúrguer então isso não é cultura (entrevistado nº 13 [FFC]).
Para esse entrevistado da FFC falta de verba e criatividade para desenvolver ações
em relação ao artesanato. Para ele, isso se reflete também na questão educacional uma vez
que, na visão da fundação, que se formar novas platéias a partir da inclusão nos circuitos
da cultura local teatro, cinema, música, literatura aqueles que não têm acesso a esses bens
simbólicos por falta de segurança financeira.
Com relação ao ingresso nas feiras sob responsabilidade da FFC observei a existência
de regras para a ocupação dos espaços de comercialização. No entanto, para que haja
processos de seleção é necessário antes ter vagas disponíveis na feira e quando isso acontece
os principais requisitos para o ingresso na feira são: apresentação de um produto artesanal,
feito à mão, esse ponto causa muita polêmica porque não há consenso do que seja um produto
artesanal, inclusive durante uma entrevista que realizei com o coordenador das feiras ele
questionou sobre isso dizendo que essa era sua grande dúvida:
A grande pergunta que eu faço é o que é artesanato na concepção de fazer, porque
eu não sei, eu tenho dúvidas, por exemplo, serigrafia é artesanato? Não sei, hoje,
quase tudo se usa alguma máquina, tem sempre alguma parte do processo que não é
totalmente manual. Não sei, não sei, nunca cheguei à definição nenhuma e eu
participei de palestras sobre isso e não cheguei a nada. Porque com toda evolução
da humanidade, da história você pode ter um trabalho que é praticamente manual,
mas você vai usar uma máquina. Então é muito difícil você dizer o que é e o que
não é artesanato, porque você reprovar um artesão aqui hoje que quer entrar na
feira, isso hoje é um problema pra mim (entrevistado nº 15 [FFC]).
126
Ainda sobre essa questão pude observar dúvida semelhante no discurso da Secretaria
do Desenvolvimento Social e Trabalho (SST) que demonstrou preocupação quanto a falta de
consenso do que seja artesanato:
se tentou em algumas discussões avançar na questão do artesanato, mas não se
conseguiu avançar, há aí talvez um viés ideológico ou um viés conceitual que
definiria o que seja artesanato. uma controvérsia teórica sobre o que seria isso.
Eu acredito que essa seria uma das dificuldades, porém acho que pode ser superada
sim. Uma vez a Anita Pires [presidente da FCC], que é minha amiga particular,
disse que queria fazer da casa da Alfândega uma vitrine do artesanato catarinense,
eu confesso que fiquei preocupada, porque eu acho que estamos começando de
cima para baixo, porque não adianta fazer uma vitrine para expor o artesanato se
nós não temos uma base que defina a política do setor (entrevistado nº 17 [SST]).
Afora essa questão da definição do que seja artesanato, os demais requisitos para
entrada na feira, ao contrário do discurso pregado pela FFC sobre o artesanato de tradição, o
que conta é a qualidade e acabamento das peças e não se as peças são de raiz, tradição e
identidade local:
Para o ingresso na feira a gente nomeou uma comissão para avaliar os trabalhos e
inicialmente o que era avaliado era a qualidade e bom acabamento do produto, a
gente não se preocupou muito, nesse primeiro momento, com os critérios de
artesanato de referência local, eu acho um erro, mas eu não fazia parte da feira na
época. Então a feira teve mais haver com a qualidade do trabalho para que não
ficasse como a gente via por nas outras feiras. A gente queria um diferencial,
então a gente queria produtos de qualidade independente do artesão ter poder
aquisitivo ou não. Era questionável também, até hoje a gente questiona sobre esses
critérios, mas depois que eu assumi a gente mudou algumas regras do jogo
justamente para privilegiar a cultura local, privilegiar também a questão social
(entrevistado nº 15 [FFC]).
A questão da falta de políticas públicas para o artesanato também foi levantada pelo
coordenador da feira da Lagoa que se queixou das dificuldades de buscar incentivo para o
artesanato.
Aqui não se tem um planejamento pro artesanato, por isso que eu digo que falta
uma política cultural para essa área de artesanato, porque todo mundo quer saber da
dança, a dança tem mais incentivo porque a gente faz um encontro da dança, o do
folclore a gente acabou de fazer, da música a gente sempre faz alguma coisa, a
gente tem a orquestra e para o teatro tem o teatro da Ubro, mas o artesanato acabou
saindo meio do controle com todo mundo querendo um pouquinho do artesanato
(entrevistado nº 13 [FFC]).
127
Durante a pesquisa, fiz entrevistas com diversos servidores da FFC um dos assuntos
destacados foi a questão orçamentária e a não convocação dos coordenadores de feiras de
artesanato para participar das reuniões administrativas da FFC.
Eu fui barrado várias vezes na Fundação porque meu assunto era a feira. Quando
ia se discutir orçamento, prioridades de ação a feira nunca entrava, a feira não
participava, o artesanato não participa. Claro a gente tem consciência de que de um
orçamento tão pequeno dificilmente algo vai chegar ao artesanato, mas pelo menos
deixa a gente elaborar projetos para captar recursos e sejam parceiros nisso, que
promovam eventos, divulguem a feira na mídia, que formem parcerias para isso,
para que o artesão possa sair de baixo e possa sobreviver dignamente
(entrevistado nº 15 [FFC]).
A FFC e seu discurso afinado sobre o artesanato como tradição se mostrou preocupada
com a proliferação de peças sem identidade local e acredita que isso se deve à questão da
sobrevivência do artesão. Para FFC, uma das saídas para a garantia de sobrevivência do
artesanato local seria o cooperativismo:
Essa coisa da sobrevivência é um problema também, porque é demorado para
rendeira fazer uma toalha, mas eu acho que a cooperativa seria uma saída pra
ensinar essas pessoas a vender seus produtos. Cooperativa é uma coisa forte, uma
coisa séria com uma estrutura legal para eles vender e mandar seu material até pra
fora. Eu sempre falo do Rio Grande do Norte que tem uma cooperativa que trabalha
a pele do peixe, então da pele do peixe os artesãos fazem trabalhos belíssimos como
bolsas, sapatos e estão até exportando pra fora. Mas uma cooperativa não se faz
assim de uma hora pra outra a gente tem que juntar o pessoal todo, dizer como é,
porque esse pessoal do artesanato é um pessoal difícil também de tu lidar tem gente
que não entende as coisas e como se conduz uma cooperativa e de não deixar
morrer a coisa (entrevistado nº 13 [FFC]).
Nas entrevistas realizadas com os servidores da FFC, o discurso que destoa em
demasia no que diz respeito ao artesanato é o do agente que ocupa um cargo na fundação por
indicação política. Para ele, o artesanato é uma produção marginal de uma profissão
secundária e nunca será reconhecida como profissão superior porque seu modo de produção é
individual e tudo que é individual é inferior, embora superior na criação.
A função ocupada por esse agente na FFC, bem como a visão que tem sobre o
artesanato reflete-se diretamente nas ações ou inação em relação ao artesanato. Para ele as
feiras de artesanato não precisavam existir porque falta responsabilidades entre os artesãos
que muitas vezes são vetores de sonegação fiscal por não exigirem nota fiscal durante as
compras de matéria prima. Além disso, em sua opinião, acabar com as feiras de rua não
significa acabar com o artesão. Segundo ele os artesãos continuariam a fazer artesanato em
128
casa e descobririam outras maneiras de escoar sua produção. Sobre suas atribuições como
responsável pelo artesanato e o poder a ele outorgado para decidir sobre as feiras, ele afirma:
Aqui na Franklin eu não sou responsável pelo artesanato, eu sou responsável
pelas políticas da fundação para as feiras. Então eu sou responsável pela
implementação de políticas com a minha visão das coisas, por isso eu estou aqui. A
minha maneira de ver as coisas é a minha maneira de ver as coisas; a maneira do
superintendente ver as coisas com os meus olhos é a maneira dele ver as coisas com
os meus olhos sobre o artesanato. Eu tenho uma maneira de ver as coisas e estou
convencido de que isto está certo, eu exponho ao meu superintendente que vai dar o
aval ou não, esse é o papel de um superior, e eu obedeço. Mas que quando ele
me bota como responsável é porque ele gosta da minha maneira de ver as coisas e a
minha maneira de ver as coisas (entrevistado nº 14 [FFC]).
Nesta pesquisa pude observar que os capitais apresentados pela FFC na luta pela
imposição das regras do jogo válidas para o subcampo do artesanato o principalmente o
capital cultural e o capital político com potencial de transformação para capital simbólico
legitimado pelos artesãos.
Da análise pude conhecer os agentes públicos que disputam posição no subcampo
artesanal de Florianópolis bem como a composição de seus capitais de luta. Para melhor
compreensão do que foi apresentado nesse item segue um quadro resumo dos agentes, seus
capitais e suas visões sobre o artesanato. Logo depois do quadro apresento um diagrama da
posição ocupada pelos agentes do campo em estudo.
AGENTES
ARTESÃOS FCC FFC BB SEBRAE
SST
IGEOF
UFSC UDESC
CAPITAIS
Tradição
Saber-fazer
Cultural
Político
Cultural
Político
Econômico
Político
Empresarial
Econômico
Político
Político
Político
Científico
Político
Científico
Político
VISÃO
SOBRE
ARTESANA
TO
Sobrevivência
Cultura
Modo de vida
Cultura
Cultura
Negócio
Negócio
Geração de
renda
Geração
de renda
Cultura
Cultura
Quadro 3 – Agentes e Capitais
129
Figura 13 - Distribuição dos Capitais dos Agentes do Subcampo Artesanal
VOLUME TOTAL
DE CAPITAL
+
C. Cult. +
C. Econ. -
C. Econ. +
C. Cult. -
VOLUME TOTAL DE
CAPITAL
-
FFC e
FCC
UDESC
BB e
SEBRAE
SST e
IGEOF
ARTESÃOS
U
FSC
130
6 CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES
Nessa pesquisa pretendi compreender a dinâmica que envolve o subcampo do
artesanato por meio da análise das relações de força travadas entre os agentes desse espaço na
busca por uma posição dominante. Essa análise permitiu fazer algumas reflexões sobre a
tensão entre a dimensão cultural e econômica presente no campo, bem como sobre as disputas
pela definição de artesanato e dos espaços de comercialização. Para tanto, procurei dar voz
aos agentes dominados artesãos - lembrados apenas como legitimadores do poder político
das instituições que reivindicam para si o direito de ditar as regras para o artesanato.
Com relação ao artesão, me parece, valem os argumentos de Martins (2008, p. 09)
sobre a vida do homem simples que é “atravessada por mecanismos de dominação e de
alienação que distorcem sua compreensão da história e do próprio destino”. Nos momentos e
situações do protagonismo oculto e mutilado dos simples, dos que foram postos à margem da
história é que a sociedade propõe ao pesquisador suas indagações mais complexas, seus
problemas mais ricos, sua diversidade teoricamente mais desafiadora. São os simples que nos
libertam dos simplismos, que nos pedem a explicação científica mais consistente, a melhor e
mais profunda compreensão da totalidade concreta que reveste de sentido o visível e o
invisível. É na vida cotidiana que a história se desvenda ou se oculta (MARTINS, 2008).
Ao buscar o testemunho dos próprios artesãos, pretendi dar voz a esse agente
dominado cuja história passa à margem dos circuitos literários dominantes. Um exemplo
disso é a escassez de livros e materiais impressos que discorram sobre o artesanato enquanto
produto das relações sociais. É possível encontrar alguma literatura que fale de artesanato,
porém concentram-se apenas nas questões de classificação e tipologia dos produtos conforme
o material empregado. Em pesquisa nas Bibliotecas Universitárias de Florianópolis, na
Biblioteca Municipal e na Casa da Memória encontrei registros de diversas personalidades e
fatos da colonização da cidade, mas não material impresso que conte a história do
artesanato e das feiras de rua em Florianópolis.
Assim, com vistas a alcançar os objetivos da pesquisa realizei extensas entrevistas
com os agentes do campo que a escassez de documentos não me permitiu realizar uma
pesquisa documental. Do levantamento do campo empírico constatei que os principais agentes
do campo são os artesãos das feiras e algumas instituições ligadas à cultura em Florianópolis.
As disputas entre os agentes do campo dizem respeito à definição do que é artesanato e dos
131
espaços de comercialização, além da tensão entre a dimensão cultural e econômica vivenciada
pelo artesanato. Essa tensão observada no campo tornou-se foco central de análise nesse
trabalho pela relevância que ganhou durante o processo de pesquisa, constituindo-se em
motivo de disputa no campo.
Com relação à formação do subcampo do artesanato em Florianópolis e a gênese do
seu habitus (em transformação) foi possível identificar como fator determinante dessa história
o fenômeno das feiras de artesanato.
Durante a pesquisa constatei que a entrada de novos agentes no campo e a expansão
dos espaços de feiras promoveram uma intensificação das disputas pela posse de capitais com
o poder de ditar as regras do jogo entre os órgãos ligados ao artesanato. Esse momento
histórico é marcado também pela entrada de novos artesãos no artesanato impulsionados pela
busca de renda e estimulados pelas revistas de decoração e pelos cursos de capacitação em
artes aplicadas oferecidos pelo Estado. A entrada desses novos artesãos provocou divisões no
campo se refletindo nas feiras. Isso criou clivagens classificando os artesãos conforme o lugar
que o artesanato ocupa em suas vidas.
Diante das observações realizadas constatei que os artesãos se identificam enquanto
grupos distintos que congregam interesses também distintos. Os artesãos mais antigos no
campo classificam os mais novos como artífices em virtude das peças que produzem serem
cópias das revistas de design. Os primeiros reivindicam como legítima a posse de um saber-
fazer que se aproxima do capital cultural definido por Bourdieu. Esses artesãos fazem do
artesanato um modo de vida. os artesãos mais novos (chamados artífices) valorizam a
qualidade no acabamento das peças como sendo crucial na produção artesanal. Com base em
seus depoimentos percebi uma incorporação dos discursos mercadológicos sobre a qualidade
e também constatei que a principal motivação para o ingresso no artesanato é a busca por
complementação de renda. Além dos grupos citados observei a existência de um terceiro
elemento - o artesão nativo. Ele aparece nos discursos dos órgãos públicos ligados ao
artesanato como o artesão legítimo, porém sua situação social/subalterna não difere dos
demais artesãos do campo, portanto é questionável o discurso dos órgãos públicos sobre esse
tipo de artesanato. Esse último não sofre a rivalidade dos outros dois grupos citados. Para esse
artesão nativo o artesanato está imbricado no seu cotidiano fazendo parte da sua vida e de
suas necessidades cotidianas.
Contudo, com as mudanças (já citadas no capítulo 4 desse trabalho) trazidas pelo
desenvolvimento turístico da cidade, pela resignificação do artesanato como decorativo, o
nativo passa do artesanato utilitário para o artesanato decorativo/comercial. Apesar disso, esse
132
artesão não é encontrado facilmente nas feiras e segundo os entrevistados da FFC isso se deve
a alguns fatores de ordem econômica e cultural. Com relação ao econômico suas peças têm
alto custo de produção, demandam muito tempo para serem produzidas e por isso atingem alto
preço, o que dificulta a comercialização em feiras de rua cujo público principal não costuma
comprar produtos de alto preço. O fator de ordem cultural diz respeito timidez para falar em
público.
Nesse trabalho também pude constatar uma relação entre artesanato e turismo.
Conforme relatos dos artesãos, nem todos dependem do turismo para sobreviver. Boa parte
dos artesãos das feiras de rua tem no público local seu meio de subsistência, chegando,
inclusive a adotar o “caderninho de fiado” para atender aos clientes mais fiéis. A partir dos
relatos percebe-se que há uma clivagem entre aqueles que vivem predominantemente do
turismo e aqueles que vivem do público local. Os artesãos chamados hippies e os nativos
dependem muito mais do turista para sobreviver do que aquele chamado artífice. Esse último
possui um produto de cunho decorativo e de utilidades práticas (panos de pratos bordados,
recipientes de vidro decorados, protetores de eletrodomésticos, sandálias decoradas, porta
retratos, tapetes de crochê para banheiros) que apresenta boa aceitação dos moradores locais
que são seus principais clientes.
Os diferentes históricos de constituição das feiras de artesanato fazem com que os
grupos mencionados não se reconheçam como único e não se identifiquem. Nesse sentido,
não se mobilizam enquanto grupo para reivindicar atenção por parte do poder público.
Nesse trabalho, também foi possível identificar uma disputa entre os órgãos ligados ao
artesanato pelo poder de classificar, no subcampo do artesanato, o que é válido ou não. O
motivo de disputa entre os órgãos é pelo poder de classificar o que é artesanato e de definir os
espaços de comercialização. A luta pelos espaços de comercialização e pela definição do que
é artesanato foi acirrada com o advento da expansão das feiras que foi acompanhado pela
entrada no campo de instituições que não possuem ligação com a gestão pública da cultura.
Entretanto, em virtude dos capitais que possuem acumulados em outro campo, estas
instituições conseguiram se inserir no subcampo do artesanato e desenvolver ações
mobilizando seus trunfos para isso. Instituições fortes em capital econômico como o
SEBRAE e o BB entram no campo e desenvolvem ações em prol do artesanato conforme a
percepção que tem deste: negócio, e, portanto se dirigem ao artesanato na perspectiva de
estruturar a atividade, visando em longo prazo a constituição de uma empresa. Órgãos como o
IGEOF e a SST, fortes em capital político, consideram o artesanato principalmente como
gerador de renda, e, portanto suas ações vão nessa direção: a SST se preocupa muito mais
133
com a questão da capacitação dos artesãos, oferecendo cursos profissionalizantes e o IGEOF
se concentra na ampliação do número de artesãos participantes nas feiras. as universidades,
UFSC e UDESC vêem o artesanato como cultura, nisso convergem com a FFC e a FCC,
órgãos do campo responsáveis pela gestão da cultura no município e no Estado
respectivamente. Os capitais daquelas instituições são principalmente o científico, e no caso
da UDESC, percebe-se também como um trunfo importante de luta o capital político nas
articulações que promove em favor do artesanato como, por exemplo, a realização de uma
feira para a qual conseguiu um espaço na cidade para abrigá-la e a proposição do projeto
Corredor Cultural de Florianópolis.
Das posições e disposições dos agentes verifica-se que no campo não consenso de
como o artesanato deve ser tratado: cultura, negócio ou geração de renda. Durante o trabalho
pude perceber que relevantes diferenças sobre o entendimento, para os órgãos ligados ao
artesanato, do que seja geração de renda e negócios. A visão de negócio contempla a busca
pelo lucro e a sustentabilidade financeira da atividade como fatores principais para o
investimento no setor (visão do SEBRAE e do BB). No que tange a geração de renda, percebi
como mais importante a preocupação com a resolução de problemas sociais emergentes tais
como a falta de sustento de algumas famílias em virtude da escassez de empregos em outros
setores. Nesse caso o artesanato se torna uma alternativa de renda, sem muita preocupação
com lucros (visão da SST e do IGEOF).
Contudo, as diferentes visões no que tange o artesanato se reflete diretamente nas
divisões presentes nas feiras nas quais os artesãos se identificam com os órgãos,
reconhecendo a legitimidade daquele que lhes dão apoio. Nas entrevistas pude observar um
questionamento tanto por parte dos artesãos, quanto dos órgãos públicos do que é artesanato
ou não. Entre os artesãos as disputas ficam por conta de um artesanato reivindicado como um
saber-fazer (hippies e nativos) ou como um artesanato fruto de habilidades manuais
(artífices), cujo principal elemento a ser considerado é a qualidade no acabamento (discurso
do mercado). Esse questionamento/indefinição pode ser reflexo da posição subalterna que o
artesanato ocupa, historicamente, no campo da cultura e por (o)posição no campo econômico,
o que impacta, infiro, na falta de uma política pública para o setor.
Assim, essa tensão entre a dimensão cultural e a econômica faz do artesanato um
objeto tão complexo e desafiador na busca por uma compreensão das suas relações com o
mundo social. Relação essa que o classifica e o subordina como algo inferior/vulgar pelos
dominantes, aqueles que têm o poder de fazer existir pelo simples fato de anunciar porque
possuem capital simbólico. Essa mesma cultura tida como inferior serve como legitimadora
134
do poder dos dominantes, assim, o artesanato interessa por cumprir funções na reprodução de
privilégios e como par inferior da cultura erudita que distingue naturalmente os quem tem o
gosto legítimo em termos de cultura, e, por isso superioridade e direito de ditar a visão de
mundo que lhe seja mais favorável.
Diante disso, algumas limitações e possibilidades na pesquisa se impuseram. Assim,
pode-se
dizer que esta é uma das muitas interpretações possíveis sobre os acontecimentos do
campo. Um fator de limitação diz respeito à recente aproximação dessa autora com um referencial
teórico complexo como o de Bourdieu, num campo de estudos no qual esse pensamento o é
dominante. Diante disso e da pressão do prazo para a conclusão do trabalho pude achar alguns
caminhos o ortodoxos e nisso contei com a ajuda de uma disciplina que cursei no Programa de
Pós Graduação da Educação da UFSC que me serviu de guia na postura metodológica que adotei
para essa pesquisa.
Outro fator de limitação diz respeito às informações obtidas dos agentes do campo por
estarem circunscritas à perspectiva dos entrevistados, e, por isso sujeitas a subjetividade de
cada um. Além disso, a escassez de material impresso se impôs como uma limitação, pois não
foi possível fazer a triangulação dos dados para minimizar possíveis distorções. Outrossim,
por ser tratar de entrevistas é evidente que podem ter ocorrido constrangimentos e, até
mesmo, possíveis omissões de muitas informações durante o processo de entrevistas. Desse
modo, as análises e interpretações consideram os dados aqui apresentados, aqueles obtidos.
Como possibilidade de estudos futuros sugiro uma análise mais aprofundada do campo
de produção cultural de Florianópolis para tentar captar como são formados os discursos que
classificam as culturas populares e as investem de uma representação naturalizada o que
dificulta o questionamento da lógica de dominação a elas subjacentes. Sugiro também uma
análise do campo político de Florianópolis para verificar as disputas travadas e as
ligações/relações estabelecidas para tentar identificar quais capitais (social, político,
econômico, etc.) têm mais poder de comandar as ações em favor de algum projeto específico
liderado por alguma instituição ligada ao artesanato. Outro elemento que merece uma
investigação mais detalhada refere-se às associações de artesãos: saber seu número, seus
interesses, motivações e as relações que estabelecem com o campo podem trazer algumas
contribuições para o estudo.
Seria interessante analisar também no campo político como ocorrem os processos de
liberalização dos espaços para a realização das feiras de artesanato, visto que isso se mostrou
obscuro durante o processo de pesquisa uma vez que vários comentários evidenciaram a falta
de transparência dessas negociações. Parece não ter havido uma regra única para a
135
liberalização dos espaços, fato que gerou desconfiança no campo entre os agentes. Outro
aspecto que merece ser aprofundado diz respeito a relação entre arte e artesanato que serve à
lógica de distinção promovendo a classificação, (des)classificação e diferenciação entre arte e
artesanato relegando a este último uma posição subalterna como par inferior da arte, fato que
engendra uma relação histórica de dominação que merece uma análise mais aprofundada.
Por fim, pode-se fazer também uma análise da cultura, turismo e desenvolvimento e
as relações de dominação que perpassam estes campos de estudo. Isto porque, apesar do tema
cultura e desenvolvimento estar em voga atualmente, esse binômio, durante o processo de
pesquisa, pareceu nas entrevistas apenas uma vez. Seria interessante tentar compreender o
porquê disso.
136
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141
APÊNDICE A - Instrumento de coleta de dados (roteiro de entrevista Artesãos)
1) Como você começou a fazer o que faz? Sempre foi assim? Antes era mais fácil ou mais
difícil?
2) Seus avós/ seus pais são/eram artesãos? Tem mais algum parente que é artesão? Quem?
3) O que você deseja alcançar com o artesanato?
4) Você vive do artesanato? Tem outra pessoa na família que ajuda no sustento da casa?
5) Você abriria mão de sua autonomia criativa em nome de um aumento nas vendas?
6) Como você chegou a este lugar, no qual expõe seus produtos? O que fazia antes?
7) Como é que se conseguem os espaços nesse lugar (feira)?
8) Você expõe em outros lugares?
9) As vendas se mantêm constantes durante o ano? No inverno e verão é diferente?
10) O que você faz nos períodos de baixa? Tem outro emprego?
11) Porque você continua com essa atividade (satisfação, falta de opção)?
12) Quem compra nesta feira? É diferente das outras?
13) Como é a sua relação com o público?
14) Quais as dificuldades e vantagens de participar das feiras?
15) A feira recebe apoio? De quem?
16) A feira tem problemas que poderiam melhorar? Fragmentação?
17) Qual feira, em sua opinião, é a melhor em Florianópolis? Por quê?
18) Como você compra o material, de quem compra, compra em conjunto com outros artesãos?
19) Sua feira mantém contatos e trocas de informações com outras?
20) Você sabe quem é o coordenador da feira, você o conhece?
21) O que precisa para ser coordenador de feira em sua opinião? Precisa ser artesão?
22) Quais problemas, hoje, você acredita que limita o desenvolvimento do artesanato?
23) Quais artesãos você acha que são referência de sucesso? Por quê?
24) O que você acha que é fundamental um artesão possuir para se destacar?
25) Você estudou? Que curso fez?
26) Como você fica sabendo dos eventos relacionados ao artesanato? Você participa desses
eventos?
27) As tvs, rádios e jornais locais dão cobertura às atividades do artesanato local?
28) O turismo é importante para o artesanato? A secretaria do turismo / Santur apóiam ao
artesanato?
29) Que tipo de produtos você acha que devem participar das feiras? Você faz alguma restrição?
30) Para o sr(a) o que é artesanato?
31) O sr(a) é membro de alguma associação? Há quanto tempo? Recebe algum apoio? De quem?
32) Quais espaços na cidade (que atualmente ele não está) você acha que o artesanato poderia
estar?
33) Você acha que o artesanato recebe o mesmo tratamento que o teatro e o folclore?
142
APÊNDICE B - Instrumento de coleta de dados (roteiro de entrevista Órgãos Públicos)
1) Porque esta instituição apóia o artesanato?
2) Como essa instituição tem apoiado o artesanato em Florianópolis?
3) Existem leis específicas sobre artesanato? Quais?
4) Existe um planejamento com relação ao artesanato, alguma linha de trabalho específica?
5) Porque a feira foi organizada? (quais as preocupações - preservação cultural, geração de renda,
etc)?
6) Que resultados alcançou? Obteve sucesso? Por quê? O que faltou?
7) Teve apoio (Político, econômico)? De quem?
8) Esse órgão recebe recursos para aplicação em projetos culturais? Quanto desses recursos é
destinado ao artesanato?
9) Como acontece a seleção para o ingresso nas feiras, quais requisitos são exigidos e com qual
periodicidade isso acontece?
10) um trabalho de conscientização junto aos meios de comunicação locais para que dêem
cobertura às feiras e ao artesanato de maneira geral?
11) Já existe algum pedido para o reconhecimento do artesanato como bem público?
12) O ministério do trabalho tem alguma atuação sobre o artesanato? algum centro de
formação do artesão?
13) Como essa instituição vê o artesanato, porque ele é importante para vocês?
14) Quanto as feiras de artesanato, quais os problemas que elas apresentam? Fragmentação?
15) O sr(a) acha que o fato de Florianópolis ser uma cidade turística contribui para o artesanato?
16) Existe alguma parceria, projetos comuns entre a secretaria do turismo e da cultura para o
artesanato?
17) Você acha que a Prefeitura de Florianópolis apóia a feira, poderia apoiar mais?
18) Qual feira se destaca em Florianópolis? Por quê?
19) Alguma feira serviu de modelo para esse projeto?
20) As feiras mantêm contato umas com as outras (trocas de informações, técnicas)?
21) Como, de modo geral, a Instituição vê o artesão? Qual o seu perfil?
22) Quais artesãos você acha que se destacam? Por quê?
23) O que sr(a) acha que um artesão precisa para conseguir atuar como tal?
24) O que a instituição pensa a respeito da atuação do Estado nessas questões? O que falta?
25) Há um intercâmbio entre os órgãos que coordenam feiras em Florianópolis?
26) Como se dá a comunicação dos eventos que envolvem o artesanato? Há subsídios para os
artesãos exporem seus trabalhos?
27) Quais as pessoas ou Instituições se destacam nas questões sobre artesanato? Por quê?
143
APÊNDICE C - Instrumento de coleta de dados (pesquisa do perfil dos artesãos)
Gênero: ( ) Masculino ( ) Feminino
Natural de: ____________________________________________________.
Tempo de Residência na Grande Florianópolis:
( ) menos de 1 ano ( ) de 1 a 3 anos ( ) de 3 a 5 anos ( ) de 5 a 10 anos ( ) mais de 10
anos
Reside em: ( ) Casa própria ( ) Aluguel ( ) Com parentes ou amigos
Grau de instrução: ( ) nunca estudou ( ) 1º grau incomp. ( ) 1º grau completo ( ) 2º grau
incomp. ( ) 2º grau completo ( ) superior incomp. ( ) superior completo ( ) mestrado ( )
doutorado
Estado Civil: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Outros
Faixa etária: ( ) menos de 20 anos ( ) de 21 a 30 anos ( ) de 31 a 40 anos ( ) de 41 a 50 anos
( ) de 51 a 60 anos ( ) mais de 61 anos
Você faz artesanato há: ( ) menos de 1 ano ( ) de 1 a 2 anos ( ) de 2 a 5 anos ( ) de 6 a 10
anos
( ) mais de 10 anos
Faz parte de alguma feira, quais?
_____________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____
Como você transporta seus trabalhos:
( ) carro próprio ( ) ônibus ( ) carro de amigos ( ) outro, qual ?
____________________________
Como aprendeu o que faz?
__________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____
144
Alguém mais na sua família faz artesanato,
quem?_______________________________________
Você ensinaria o que sabe fazer a outra pessoa? ( ) sim ( ) não
Artesanato para você é: ( ) Lazer ( ) complementação de renda ( ) única fonte de renda
Você trabalha: ( ) Sozinho ( ) Com familiares ( ) com núcleo de produção
Você realiza suas vendas em: ( ) Loja ( ) Feiras ( ) Bazares ( ) Particulares ( ) Outros
Você faz parte de uma entidade de artesanato (associação, cooperativa, sindicato)?
( ) Não ( ) Sim,
Quais?________________________________________________________
Se você tivesse outra oportunidade de emprego deixaria o artesanato? ( ) sim ( ) não
Renda média mensal com o artesanato (em salários mínimos)
( ) menos de 01 salário ( ) 01 a 03 salários ( ) acima de três salários mínimos
Principais dificuldades na atividade artesanal:
( ) Aquisição de matéria prima ( ) Falta de capacitação ( ) Financiamentos
( ) Falta de informação ( ) Falta local autorizado p/ venda ( ) Outros
(especifique):
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_______________
145
APÊNDICE D – Lista dos órgãos que fazem parte do Conselho Consultivo do Corredor
Cultural de Florianópolis.
Associação Floripamanhã
BB – Banco do Brasil
FAPASC – Federação das Associações de Artesãos de Santa Catarina
FCC – Fundação Catarinense de Cultura
FFC – Fundação Franklin Cascaes
FLORAM – Fundação Municipal do Meio Ambiente
IGEOF – Instituto de Geração de oportunidades de Florianópolis
IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis
PMF – Prefeitura Municipal de Florianópolis
SEBRAE – Serviço de Apoio as Micro e Pequenas Empresas
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SETUR – Secretaria Municipal de Turismo
SUSP – Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
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