
Esses movimentos mais atentos às vivências cotidianas na
constituição de professores transitam pelos princípios que estão
orientados para as discussões e os estudos acerca da transição
paradigmática, que aponta para a necessidade de novos modelos de
práticas pedagógicas, assim como evidencia Cunha (2005) quando
trata dessas elaborações acerca do assunto.
O novo paradigma aponta para o que se identificaria com a
idéia de indissociabilidade entre ensino e pesquisa (CUNHA, 2005).
Segundo a autora, essa nova proposta levaria a atividades
pedagógicas que enfocam o conhecimento a partir da localização
histórica de sua produção e o percebem como provisório e relativo.
A proposta pode contribuir para os processos de análise, valorizando
o pensamento divergente como condição para criatividade,
valorizando a curiosidade, o questionamento e a incerteza. O
aguçamento de dispositivos de memória
3
, por exemplo, está na via
do desassossego relativo ao que nos tornamos, neste caso, como
nos tornamos professores. Uma mirada no “antes”, vasculhando
nossos guardados, pode fazer emergir modelos pedagógicos que
contemplem outros conteúdos, importantes para a instauração de
uma temporalidade que traga em si elementos formadores. O que
abre a possibilidade para pensar que o professor não se torna
professor somente nos cursos formadores. É preciso considerar que
essa formação se constrói permeada por muitos outros saberes,
como arquétipos
4
adormecidos, por exemplo, que podem ter
implicações nos rumos do trajeto profissional do docente.
3
Faz-se necessária aqui uma breve revisão conceitual para entendimento da
perspectiva que orienta a reflexão neste texto. Bobbio (1997) trata do “tempo da
memória” e reforça a idéia de que “(...) somos aquilo que pensamos, amamos,
realizamos, (...) somos aquilo que lembramos”. Já Isquierdo (2004), considera
que um acontecimento ou conhecimento só é modulado pela emoção e, partindo
desse princípio, nos diz que (...) nada somos além daquilo que recordamos (apud
BRANDÃO, 2008, p. 12).
4
Imagens psíquicas do inconsciente coletivo, que, segundo o estudioso C.G. Jung,
referem-se ao patrimônio comum a toda a humanidade. Uma espécie de
representação ancorada no a priori do desenvolvimento humano. Ele não se propaga,
de forma alguma, apenas pela tradição, pela linguagem e pela migração, mas
pode renascer espontaneamente em qualquer lugar e tempo. É como dizer que em
cada psique, há prontidões, potencialmente vivas. Formas que, embora
inconscientes, não são, por isso, menos ativas e, geralmente, moldam de antemão
e instintivamente o pensar e o sentir humano (Glossário - Imaginário e Simbólico,
2009).
Práticas inovadoras na aula universitária 175
O ponto de análise deste texto, então, é o da reflexão sobre
caminhos e desassossegos presentes no tornar-se professor, numa
perspectiva mobilizadora de conteúdos que, por questões culturais,
parecem estar sendo esquecidos nas práticas pedagógicas e nas
relações de ensino e aprendizagem de uma maneira geral.
2
Essa articulação que passa a ser pensada, e que transita pela
recuperação ou retomada da nossa subjetividade, configura-se como
um processo gerador de inquietações. Nesse sentido, a memória
apresenta-se como “lugar” possível de operar com a nossa própria
produção, podendo instaurar-se uma leitura desde o campo simbólico,
intimamente relacionado à nossa existência, às nossas ações
cotidianas e, por consequência, poderá atingir aproximações com o
nosso exercício de aprendizes de professores, se mobilizações forem
propostas nesse sentido.
Gaston Bachelard (1978) nos orienta no sentido de propor
uma reflexão sobre um movimento de ensinar e aprender que
reivindica um “novo espírito pedagógico”, no qual o imaginário seja
o elemento fundador. A partir dessa percepção fica fortalecida a
idéia de que as aprendizagens geralmente envolvem associações
simbólicas. Sendo assim, é possível a consideração de que o que se
dá é uma “ruptura com o conhecimento usual” (BACHELARD, 1978).
O que se evidencia é que os caminhos da formação docente
podem começar a ser traçados mesmo antes de empreendermos
nossa formação formal. Isso significa dizer que as experiências
advindas dos trajetos vividos são “fundantes” das relações futuras
(PERES, 1996). Nossos movimentos, demarcados por escolhas, por
rupturas e por continuidades decorrem de construções que são
sempre temporárias. Sendo assim, os trajetos vividos surgem
contextualizados, tanto cultural quanto subjetivamente, orientando
nossas ações do passado e do presente e acionando nossas ações
futuras.
2
Aqui é abordada uma outra/nova forma de ensinar e aprender, diferente das
convencionais, justamente pelo fato de buscar incluir nos processos conteúdos
simbólicos passíveis de serem presentificados ou ressignificados a partir do exercício
de uma espécie de educação de sensibilidades. O trabalho nessa perspectiva me
mobilizou na dissertação de Mestrado e permanece me mobilizando no Curso de
Doutorado. Essa mobilização é potencializada, especialmente, no Grupo de estudos
e pesquisa sobre imaginário, educação e memória – GEPIEM, liderado pela Profª.
Dra. Lúcia Maria Vaz Peres. Nossos encontros e nossas pesquisas têm sido
importantes para pensar nossas práticas, exercitando outros/novos olhares sobre
os processos de formação de professores.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)174