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ANTONIO GRAMSCI
transformadora dos “oprimidos”, Paulo Freire propunha o que
designava como a ação orientada para a “síntese cultural”:
A liderança cai em muitos erros e equívocos ao não considerar um fato
tão real, como o é a visão do mundo, que o povo tenha ou esteja
tendo. Visão do mundo em que vão encontrar-se, implícita ou expli-
citamente, seus desejos, dúvidas, esperanças, sua forma de visualizar a
liderança, sua percepção de si mesmo e do opressor, suas crenças religi-
osas quase sempre sincréticas, seu fatalismo, sua reação rebelde. E isto,
como já assinalamos, não pode ser encarado em forma separada, por-
que, em interação, se encontram formando sua totalidade. (...)
Esta, pelo fato de ser síntese, não implica, na teoria dialógica da ação,
que os objetivos da ação revolucionária devam permanecer atados às
aspirações contidas na visão do mundo do povo. (...) Concretize-
mos
se em um momento histórico determinado, a aspiração básica
do povo não ultrapassa a reivindicação salarial, a liderança revolucio-
nária, em nosso parecer, pode cometer dois erros. Restringir sua ação
ao estímulo exclusivo desta reivindicação ou sobrepor-se a esta aspi-
ração, propondo algo que vá mais além dela. Algo que, todavia, não
chega a ser para o povo um ‘destacado em si’. No primeiro, a lideran-
ça revolucionária incorreria no que denominamos adaptação ou
docilidade à aspiração popular. No segundo caso, ao não respeitar as
aspirações do povo, cairia na invasão cultural.
A solução está na síntese. Por um lado, incorporar-se ao povo na
aspiração reivindicativa. Por outro lado, problematizar o significado
da própria reivindicação.
Ao fazê-lo, estará problematizando a situação histórica, real, con-
creta, que, como totalidade, tem uma de suas dimensões na reivin-
dicação salarial.
Desse modo, ficará claro que a reivindicação salarial só não encerra a
solução definitiva. Que esta se encontra, como afirmou o bispo Split,
no documento dos Bispos do Terceiro Mundo, que já citamos, em
que ‘se os trabalhadores não conseguirem tornar-se proprietários de
seu próprio trabalho, todas as reformas estruturais serão ineficientes’.
O fundamental, insiste o bispo Split, ‘é que eles devem chegar a ser
proprietários e não vendedores de seu trabalho’, já que ‘toda com-
pra-venda do trabalho é uma espécie de escravidão’.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3392