Download PDF
ads:
FREIRE
PAULO
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:331
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Alceu Amoroso Lima | Almeida Júnior | Anísio Teixeira
Aparecida Joly Gouveia | Armanda Álvaro Alberto | Azeredo Coutinho
Bertha Lutz | Cecília Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro
Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan Fernandes
Frota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos
Helena Antipoff | Humberto Mauro | José Mário Pires Azanha
Julio de Mesquita Filho | Lourenço Filho | Manoel Bomfim
Manuel da Nóbrega | Nísia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo Freire
Roquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dória | Valnir Chagas
Alfred Binet | Andrés Bello
Anton Makarenko | Antonio Gramsci
Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Célestin Freinet
Domingo Sarmiento | Édouard Claparède | Émile Durkheim
Frederic Skinner | Friedrich Fröbel | Friedrich Hegel
Georg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich
Jan Amos Comênio | Jean Piaget | Jean-Jacques Rousseau
Jean-Ovide Decroly | Johann Herbart
Johann Pestalozzi | John Dewey | José Martí | Lev Vygotsky
Maria Montessori | Ortega y Gasset
Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud
Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:332
ads:
FREIRE
PAULO
Celso de Rui Beisiegel
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:333
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Beisiegel, Celso de Rui.
Paulo Freire / Celso de Rui Beisiegel. – Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
128 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-511-1
1. Freire, Paulo, 1921-1997. 2. Educação – Brasil – História. I. Título.
CDU 37(81)
ISBN 978-85-7019-511-1
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de
melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal
e não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos
contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são
necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:334
SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Nota editorial, 11
Introdução, 13
Antecedentes, 17
A educação de adultos analfabetos no Brasil
antes de Paulo Freire, 19
As bases teóricas do método Paulo Freire
de alfabetização de adultos, 29
Educação e atualidade brasileira, 29
Educação e ideologia do desenvolvimento, 30
Educação e conscientização, 32
Educação e democracia, 34
Os caminhos de criação do método
Paulo Freire de alfabetização de adultos, 39
Conscientização e alfabetização, 39
O método de alfabetização:
a proposta de uma educação “conscientizadora”, 41
A introdução ao estudo do conceito de cultura, 42
Aula de cultura. Projeção:, 44
Os trabalhos de alfabetização e “conscientização”, 48
As “palavras geradoras”, 48
As “situações existenciais típicas”, 50
Um exemplo de aplicação do método de alfabetização, 50
Primeira hora de alfabetização:, 51
Em Angicos foi utilizado o projetor de slides, 51
A “conscientização”, 55
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:335
6
ANTONIO GRAMSCI
Chile: novos caminhos, 75
Educação como prática da liberdade, 77
Pedagogia do oprimido, 78
Antigas questões, novas perspectivas
(item transcrito de Beisiegel, 2008, pp. 330-347), 79
Europa: Conselho Mundial das igrejas, 97
O papel educativo das igrejas na América Latina, 98
Cartas a Guiné-Bissau, 106
Retorno ao Brasil, 111
Ensino, congressos, viagens e publicações, 111
Política e educação popular, 114
Escola pública e educação popular, 119
Bibliografia, 123
Obras de Paulo Freire, 123
Obras de Paulo Freire em coautoria, 124
Outras referências bibliográficas, 125
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:336
7
COLEÇÃO EDUCADORES
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:337
8
ANTONIO GRAMSCI
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:338
9
COLEÇÃO EDUCADORES
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:339
10
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3310
11
COLEÇÃO EDUCADORES
NOTA EDITORIAL
Este exemplar da Coleção Educadores foi originalmente pre-
parado como uma coletânea de leituras de Paulo Freire e atendia ao
padrão proposto pela editora. Na organização inicial, selecionou-se
para a coletânea um conjunto de textos abrangendo todas as princi-
pais etapas das andanças de Paulo Freire pelo mundo, desde as ori-
gens, no Recife, até o Chile, os Estados Unidos, a Europa, a África
e, novamente, o Brasil. As leituras selecionadas possibilitavam acom-
panhar a rica trajetória das posições de Paulo Freire, a partir de sua
densa interação intelectual com filósofos, sociólogos, educadores,
políticos e pensadores, especialmente no campo do catolicismo pro-
gressista, até sua crescente aproximação dos intelectuais de esquerda
e dos quadros teóricos do marxismo. Obviamente não seria possí-
vel esgotar num exíguo conjunto de escritos toda a riqueza do pen-
samento do educador.
Entre os estudos publicados ainda no Brasil, antes do autoexílio
no Chile, foram inicialmente selecionadas algumas passagens do
trabalho intitulado Educação e atualidade
brasileira, apresentado como
tese de concurso à Escola de Belas Artes de Pernambuco, em 1959,
e o artigo “Conscientização e Alfabetização – uma nova visão do
processo” publicado em Estudos universitários – Revista de cultura da
Universidade do Recife, em junho de 1963. Para o período correspon-
dente à permanência do educador no Chile, foi selecionado o se-
gundo capítulo de Pedagogia do oprimido, considerado pelos estudio-
sos como o seu livro mais importante. Entre os escritos produzi-
dos durante sua permanência como consultor especial do Conse-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3311
12
ANTONIO GRAMSCI
lho Mundial das Igrejas, em Genebra, foram escolhidos o estudo
intitulado O papel educativo das igrejas na América Latina, de 1971, e
duas cartas publicadas no livro Cartas a Guiné-Bissau, de 1976. Na
extensa relação de livros editados por Paulo Freire após o regres-
so ao Brasil, optou-se por uma sucinta exposição das orientações
e dos principais conteúdos de algumas de suas publicações nesse
período. Foi dada especial atenção aos conteúdos de Pedagogia da
esperança e ao livro Educação na cidade, por registrar reflexões de
Paulo Freire sobre sua gestão na rede de escolas públicas da Pre-
feitura de São Paulo.
Com a organização da coletânea, procurava-se levar, especial-
mente aos companheiros do magistério, alguns exemplos da pro-
dução intelectual de um pensador que merecia ser lido, na íntegra,
por todos os trabalhadores. Esperava-se que a leitura de partes de
um livro estimulasse a leitura de toda a obra.
Não foi possível editar a coletânea originalmente preparada,
porque os recursos disponíveis para o programa não possibilita-
vam o atendimento às exigências financeiras dos portadores dos
direitos autorais das obras então selecionadas. Respeitando a posi-
ção dos herdeiros, embora não concordasse com ela, a Comissão
Executiva procurou outra forma possível de garantir a presença
de Paulo Freire entre os grandes educadores abrangidos no pro-
grama. Pelo que representa como pensador e militante da educa-
ção, Paulo Freire não podia faltar nesta coleção.
Daí a diferença de padrão deste exemplar diante dos demais: os
textos antes selecionados foram substituídos por comentários sobre
os respectivos conteúdos e por análises sobre sua posição na notável
trajetória intelectual de Paulo Freire. Na mesma direção do que se
pretendia obter com a coletânea, acredita-se que este volume tam-
bém poderá estimular a leitura dos escritos de Paulo Freire.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3312
13
COLEÇÃO EDUCADORES
INTRODUÇÃO
Paulo Reglus Neves Freire, filho de Joaquim Temístocles Freire
e Edeltrudes Neves Freire, nasceu no Recife, no Estado de Per-
nambuco, em 19 de setembro de 1921. Em 1944, ainda estudante,
casou-se com Elza Maria Costa de Oliveira. Tiveram cinco filhos:
Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e
Lutgardes. Professora e diretora de escola primária, Elza partici-
pou ativamente no desenvolvimento das primeiras experiências de
Paulo Freire na educação. Após o falecimento de Elza, em 1986,
casou-se, em março de 1988, com Ana Maria Araújo. Faleceu em
São Paulo, em 2 de maio de 1997.
Frequentou a escola primária em Jaboatão e concluiu os estu-
dos secundários no Colégio Oswaldo Cruz, no Recife. Diplomou-
se na tradicional Escola de Direito do Recife em 1946, mas desis-
tiu logo em seguida da prática da advocacia. Após uma primeira
experiência profissional como professor de português no próprio
Colégio Oswaldo Cruz, foi designado, em 1947, para a diretoria
do setor de Educação e Cultura do Sesi de Pernambuco. Em 1954
assumiu a superintendência da instituição, aí permanecendo até 1957.
Lecionou filosofia da educação na Escola de Serviço Social
do Recife. Em 1959, concorreu ao provimento da cadeira de his-
tória e filosofia da educação da antiga Escola de Belas Artes de
Pernambuco. Não foi indicado, mas o título de doutor obtido
pela participação no concurso possibilitou-lhe, em 1960, a no-
meação para o cargo de professor efetivo de filosofia e história da
educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Univer-
sidade do Recife.
Celso de Rui Beisiegel
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3313
14
ANTONIO GRAMSCI
Sua ativa presença na vida educacional, cultural e política da ci-
dade e, depois, do estado e do país, levou-o a ocupar diversas ou-
tras posições. Em maio de 1960, participou do início do Movimen-
to de Cultura Popular (MCP) do Recife, um importante movimen-
to cultural criado pelo prefeito Miguel Arraes e organizado sob a
orientação e a liderança de Germano Coelho. Paulo Freire assumiu
a direção da Divisão de Pesquisas da entidade. Em fevereiro de
1962, assumiu a direção do recém-criado Serviço de Extensão Cul-
tural (SEC) da Universidade do Recife. Em meados de 1963, foi
designado pelo ministro Paulo de Tarso para a presidência da re-
cém-criada Comissão Nacional de Cultura Popular e, em março do
ano seguinte, assumiu a coordenação do Programa Nacional de Al-
fabetização, então promovido pelo Ministério da Educação com a
utilização do método Paulo Freire de alfabetização de adultos.
1
Esses primeiros tempos de atuação do educador foram marca-
dos por seus trabalhos na educação de adultos analfabetos. Não
obstante o amplo elenco de atividades que viera desenvolvendo,
Paulo Freire só começou a tornar-se conhecido no Brasil no início
de 1963, quando o seu método de alfabetização de adultos foi di-
vulgado em ampla campanha publicitária promovida pela Secreta-
ria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte. O governo
do estado empregara o método de Paulo Freire no movimento de
educação de adultos analfabetos, então iniciado na experiência-pilo-
to realizada em Angicos, cidade natal do governador Aluízio Alves.
Num primeiro momento, divulgou-se que o governo do estado
realizava uma campanha de educação com um novo método, que
alfabetizava jovens e adultos em quarenta horas. Depois, percebeu-
se que o método era muito mais do que isso. Assistia-se aos ensaios
iniciais de uma prática educativa que levaria seu autor a atuar e a
fazer-se conhecido em muitas partes do mundo.
1
Cf. Fávero, M. L. A. e Britto, J. M. (orgs.). Dicionário de educadores no Brasil. Ed.
UFRJ/MEC/Inep, 1999, p. 440.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3314
15
COLEÇÃO EDUCADORES
No curto intervalo entre as primeiras experiências de criação do
método de alfabetização, realizadas ainda no Movimento de Cultu-
ra Popular (MCP) do Recife, em 1962, e setembro de 1964, quando
procurou asilo na embaixada da Bolívia para, em seguida, deixar o
Brasil por um longo período, Paulo Freire tornou-se uma figura
conhecida e bastante controvertida. Pelas características e pela quali-
dade de suas propostas, surgiu como o personagem mais conheci-
do no processo de envolvimento da educação de adultos analfabe-
tos nas tensões políticas e ideológicas que agitaram essa etapa de
nossa história. Com essa atuação conquistou uma grande legião de
admiradores e, ao mesmo tempo, um amplo leque de adversários e
inimigos. Alcançado pela repressão subsequente ao movimento civil
e militar de março de 1964, acompanhou a leva de refugiados polí-
ticos então abrigada no Chile, onde permaneceu até abril de 1969.
Lá, trabalhou no Instituto de Pesquisa e Treinamento em Reforma
Agrária (Icira) e também no Escritório Especial para a Educação de
Adultos. Lecionou na Universidade Católica de Santiago e atuou
como consultor do escritório regional da Unesco, em Santiago. Após
transferir-se para os Estados Unidos, lecionou em Harvard, até fe-
vereiro de 1970. Deslocou-se em seguida para Genebra, onde atuou
como consultor do Departamento de Educação do Conselho Mun-
dial das Igrejas. Retornou ao Brasil em junho de 1980. Aqui, lecio-
nou na PUC-SP e na Unicamp. Assumiu a Secretaria de Educação
do Município de São Paulo em janeiro de 1989, aí permanecendo
até maio de 1991. Foi professor visitante da USP, no segundo se-
mestre de 1991. Até 1997, deu sequência a suas intensas atividades
na produção de livros, ensaios, artigos, conferências, entrevistas e
diálogos com outros intelectuais.
Celso de Rui Beisiegel é mestre e doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo
(USP). Foi chefe do departamento de filosofia da educação e ciências da educação,
diretor da Faculdade de Educação e pró-reitor da graduação na USP. Atua em temas
como educação popular, educação de adultos, estado e educação, política e educação,
política educacional e mudança.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3315
16
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3316
17
COLEÇÃO EDUCADORES
ANTECEDENTES
As páginas seguintes, dedicadas ao exame dos trabalhos reali-
zados pelo poder público, no Brasil, no campo da educação da
massa de adolescentes e adultos analfabetos, a partir de meados
da década de 1940, permitem identificar uma primeira grande
contribuição de Paulo Freire para a educação popular. Já em seus
primeiros trabalhos, no Segundo Congresso Nacional de Alfabe-
tização, em 1958, e logo em seguida, na tese de cátedra apresenta-
da em 1959 à Escola de Belas Artes de Pernambuco, distancian-
do-se das orientações até então prevalecentes, o educador focali-
zava o analfabetismo como uma expressão da situação global da
existência do homem analfabeto. “O adulto analfabeto, suas con-
dições de vida e suas experiências existenciais deveriam determi-
nar as orientações e as características dessa prática educativa.”
Certamente, Paulo Freire não foi o único responsável por esta
mudança radical na focalização das questões do analfabetismo e
do atraso educacional de grandes massas da população adulta.
Essa reversão de perspectivas estava já virtualmente inscrita nas
mudanças da sociedade brasileira no pós-guerra – na aceleração
das transformações de infraestrutura, na expansão urbana, na cres-
cente migração do rural para as cidades, na industrialização, na
falência dos mecanismos tradicionais da dominação política, na
radicalização das lutas políticas e ideológicas. No campo da edu-
cação, as expressões das mudanças de perspectivas surgem mais
consolidadas, sobretudo em manifestações de intelectuais vincula-
dos ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). As novas
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3317
18
ANTONIO GRAMSCI
orientações das políticas públicas na educação popular estão clara-
mente delineadas desde 1958, nos documentos oficiais a propósi-
to da Campanha de Erradicação do Analfabetismo. A partir de
1960, este mergulho da educação de jovens e adultos analfabetos
nas condições de vida das populações iletradas caminha rapida-
mente para o campo das estruturas de dominação. O Movimento
de Cultura Popular (MCP) do Recife, a partir de maio de 1960, a
Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, em Natal,
a partir de 1960, o Movimento de Educação de Base (MEB) da
Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, os Centros Popula-
res de Cultura (CPCs) da União Nacional dos Estudantes e outros
movimentos de menor amplitude são testemunhos da notável
criatividade desse período. Essas iniciativas voltavam-se, progres-
sivamente, para as potencialidades políticas dos trabalhos de edu-
cação com jovens e adultos analfabetos ou pouco escolarizados.
Nesta rápida enumeração das expressões mais significativas na
mudança radical de orientações das práticas educacionais das po-
pulações iletradas, não poderiam faltar os trabalhos da Campanha
Nacional de Alfabetização de Cuba, de 1961. A criação do méto-
do de alfabetização de Paulo Freire, entre 1962 e 1963, foi prece-
dida por todos esses movimentos. São anteriores ao método Pau-
lo Freire a cartilha Venceremos, de 1961, em Cuba, e o Livro de leitura
para adultos, do MCP, editado em 1962 (Góes, 1995).
As orientações fundamentais das propostas pedagógicas con-
substanciadas no método de Paulo Freire, porém, estavam for-
malmente delineadas desde os últimos anos da década de 1950,
na comunicação da equipe de Pernambuco ao Segundo Con-
gresso Nacional de Alfabetização de Adultos e na tese de con-
curso apresentada à Escola de Belas Artes de Pernambuco, em
1959. Nestes estudos, anteriores à criação do método de alfabe-
tização, Paulo Freire já definira claramente os caminhos de suas
futuras investigações.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3318
19
COLEÇÃO EDUCADORES
Entre 1962 e março de 1964, o método Paulo Freire foi ado-
tado por quase todos os movimentos envolvidos na prática da
educação popular no país. Por suas características de aparente sim-
plicidade, pela clara realização nas práticas cotidianas de tudo aqui-
lo que defendia na teoria, e, sobretudo, pela defesa da necessidade
da conscientização, o método surgia como resposta à procura de um
instrumento adequado de atuação para os diferentes agrupamen-
tos envolvidos na busca de construção de uma sociedade mais
justa no país.
A educação de adultos analfabetos no Brasil
antes de Paulo Freire
As ideias sobre a necessidade de levar o ensino primário aos
habitantes surgem muito cedo no Brasil. Logo após a Indepen-
dência, encontram-se expressões dessas ideias nas propostas dos
constituintes de 1823, na Constituição outorgada pelo Imperador,
em 1824, e na Lei do Ensino, de 1827. Depois, as afirmações
sobre a necessidade de estender a educação elementar às crianças
foram regularmente retomadas ao longo do Segundo Império.
Entretanto, a grande maioria da população permanecia iletrada. A
construção de um sistema de instrução popular somente começa-
ria a ser empreendida pelos poderes públicos no fim do século
XIX, após a proclamação do regime republicano. Mesmo assim,
os resultados obtidos permaneceram pouco expressivos e muito
desiguais nas diversas regiões. Exemplificando perfeitamente essa
realidade, são bem conhecidos os resultados do censo nacional de
1940, que encontrou mais de cinquenta por cento de analfabetos
na população de 15 ou mais anos de idade.
Não havia uma política definida de educação escolar para as
grandes massas de adolescentes e adultos analfabetos. As poucas
iniciativas conhecidas eram limitadas, esparsas e fragmentárias. Há
informações sobre o funcionamento de classes de ensino de adul-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3319
20
ANTONIO GRAMSCI
tos, em diversas províncias, nas últimas décadas do Segundo Im-
pério. Pouco depois, já na Primeira República, encontram-se algu-
mas iniciativas de extensão do ensino elementar aos adultos iletrados.
Entre elas, as mais expressivas foram as escolas regimentais criadas
pelo Exército Nacional para a educação de recrutas analfabetos.
Convém ressaltar, porém, que eram empreendimentos de peque-
no alcance quantitativo. No campo da educação popular, até
meados da década de 1940, cuidou-se, sobretudo, da instrução
primária das crianças. As afirmações da necessidade de estender o
ensino primário a todos os brasileiros focalizavam quase exclusi-
vamente a população infantil em idade escolar. “Salvo em alguns
momentos excepcionais – os primeiros anos da década de 1870 e
os anos que sucedem à conclusão da Primeira Guerra Mundial,
como exemplos – a questão do atraso educacional dos adultos
aparece entre as preocupações de educadores e homens públicos,
sobretudo enquanto referência para a discussão das necessidades
da educação infantil” (Beisiegel, 2004, p. 78).
Os primeiros indícios de possibilidade de elaboração de uma
política pública abrangente de educação de jovens e adultos iletrados
aparecem somente nos últimos anos do Estado Novo.
Desde o Ato Adicional de 1834, o ensino primário fora dei-
xado a cargo das administrações provinciais. A Constituição repu-
blicana de 1891 havia preservado esta descentralização. A Revolu-
ção de 1930, no entanto, aprofundara as tendências centralizadoras
observadas já na década anterior. O impulso centralizador do go-
verno revolucionário passou a alcançar todos os campos de ativi-
dades do poder público e estendeu-se até mesmo aos setores tra-
dicionalmente reservados às administrações estaduais. Agora, en-
tre outras questões, também a educação popular seria definida
como um problema nacional. Esta nova compreensão das atribui-
ções do governo da União determinava mudanças em profundi-
dade na estrutura jurídica e no aparelhamento do estado. Os ór-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3320
21
COLEÇÃO EDUCADORES
gãos existentes foram ampliados e reorganizados. Criaram-se nu-
merosos outros órgãos técnicos e administrativos. Na área da edu-
cação escolar, entre outras mudanças, destacam-se, já em 1930, a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública; no ano se-
guinte, a reorganização do ensino secundário e uma reforma, for-
temente centralizadora, do ensino superior; nesse mesmo ano, a
instituição de um convênio de estatísticas educacionais; em 1934,
no âmbito da nova Constituição, a aprovação de um plano nacio-
nal de educação; em 1938, a criação do Instituto Nacional de Es-
tudos Pedagógicos (Inep) no Ministério da Educação e Saúde.
Alguns anos depois, já em 1942, instituiu-se o Fundo Nacional de
Ensino Primário (Fnep). Nesse mesmo ano, o Ministério da Edu-
cação e Saúde iniciava o processo de instituição das denominadas
leis orgânicas do ensino. Em agosto de 1945, o Decreto nº 19.513
regulamentou a concessão de auxílios do Fundo Nacional de En-
sino Primário às unidades federadas.
Esse decreto aparece como um marco fundamental no proces-
so de instituição de uma política pública de educação de jovens e
adultos analfabetos ou pouco escolarizados. Em seu artigo 4º, des-
tinava à educação primária de adolescentes e adultos analfabetos
25% de cada auxílio federal por conta do Fundo Nacional de Ensi-
no Primário, “observados os termos de um plano geral de ensino
supletivo, aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde” (Beisiegel,
2004, p. 87). Instituía-se, assim, a figura legal de um plano geral do
ensino supletivo e identificavam-se as verbas necessárias à sua reali-
zação. Estas providências encontrariam sua continuidade natural um
pouco depois, em janeiro de 1947, na criação do Serviço de Educa-
ção de Adultos (SEA), no Departamento Nacional de Educação,
com a finalidade de orientar e coordenar os trabalhos dos planos
anuais de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos.
Logo em seguida, foram iniciados os trabalhos do empreendimen-
to que recebeu a denominação de Campanha de Educação de Adultos.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3321
22
ANTONIO GRAMSCI
Concebida, orientada e coordenada pelo professor Manoel
Bergström Lourenço Filho, principal responsável pela criação do
SEA e seu primeiro diretor, a Campanha de Educação de Adultos
tinha objetivos bastante ambiciosos. A longo prazo, propunha-se
estender o ensino primário a todos os adolescentes e adultos que
não o haviam frequentado na idade própria. É certo que a grande
massa de analfabetos e a relativa escassez de recursos humanos,
administrativos e, sobretudo, financeiros disponíveis impossibilita-
vam a criação do número de classes necessárias para atender a
todos, a curto ou a médio prazo. Por isso mesmo, desde o início
do movimento, buscava-se atender ao maior número possível de
analfabetos, de acordo com os recursos mobilizáveis para essa
finalidade. Para este primeiro ano de funcionamento, a Campanha
programou a instalação de 10.000 classes noturnas de ensino de
adultos. Nos anos seguintes, esse total de classes seria ampliado
para 14.110, em 1948; 15.204, em 1949; e 16.500, em 1950. Espe-
rava-se que, somada à progressiva expansão do atendimento no
ensino primário infantil, a continuidade desses esforços viesse a
resultar na completa eliminação do analfabetismo no país.
Apesar de seu início após a queda da ditadura Vargas, a Cam-
panha de Educação de Adultos manteve para as questões da educação
elementar a mesma política de atuação centralizadora que prevale-
cera durante o Estado Novo. A União determinava os objetivos e
as orientações, estabelecia as diretrizes, definia os critérios mais
gerais das atividades e remetia a execução das tarefas para os es-
tados e territórios. Essa política centralizadora prevalecia também
no que respeita aos conteúdos previstos para o ensino supletivo de
adolescentes e adultos.
Os conteúdos respondiam às orientações então defendidas por
Lourenço Filho para os trabalhos. O principal imperativo da Cam-
panha seria estender às massas iletradas o domínio das técnicas ele-
mentares da cultura: a leitura, a escrita e os rudimentos do cálculo,
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3322
23
COLEÇÃO EDUCADORES
além de noções básicas de higiene, saúde e conhecimentos gerais –
isto é, a educação de base, então entendida pelo educador como
correspondente aos conteúdos do ensino primário fundamental
comum. Em artigo de 1945, Lourenço Filho alertava também para
a necessidade de respeitar as características do adulto analfabeto,
especialmente “o desuso da capacidade de aprender” e “a falta de
treino para aprender”. As cartilhas deveriam adaptar-se ao vocabu-
lário e aos interesses do adulto, envolvendo assuntos de significado
direto na sua vida. Mesmo quando ainda não soubessem ler e escre-
ver, os adultos poderiam receber ensinamentos orais, sobre os mais
diversos temas de geografia, história, ciências, higiene e problemas
da vida social. Nessas lições orais, que deveriam ter preferencial-
mente a forma de diálogo, e não a de monólogo do professor, seria
possível descobrir os interesses e as aspirações naturais dos alunos.
O material didático elaborado para a orientação das ativida-
des didáticas da Campanha de Educação de Adultos mereceu
particular atenção do professor Lourenço Filho. Sob sua orienta-
ção, uma equipe do SEA elaborou a cartilha Ler – Primeiro guia de
leituras, distribuída em seguida a todos os professores e alunos dos
cursos de ensino supletivo. Após os cuidados com os primeiros
passos da alfabetização, essa cartilha apresentava uma série de dis-
sertações sobre saúde, trabalho, família e nação, com uma mensa-
gem simples sobre benefícios da instrução, regras de preservação
da saúde, virtudes do trabalho honesto e sentido da solidariedade
na família, na comunidade e na Pátria. As publicações então edita-
das pelo SEA caminhavam na mesma direção. Saber Segundo guia
de leituras, Caderno de aritmética, Malária, Tuberculose, Maria pernilonga,
Tirar leite com ciência, Uma das melhores frutas do mundo, Lindaura vai
fazer manteiga, O grão de ouro, Terra cansada, além de outras, procura-
vam proporcionar aos adolescentes e adultos iletrados o domínio
da leitura e da escrita mediante o estudo de noções elementares de
conhecimentos gerais no campo da saúde, da higiene, da vida do-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3323
24
ANTONIO GRAMSCI
méstica e da produção rústica. Ressalvado o claro esforço de ade-
quação das lições aos conteúdos da vida adulta, o material didáti-
co elaborado para a Campanha buscava proporcionar aos adoles-
centes e adultos analfabetos os conhecimentos trabalhados com a
população infantil no ensino primário fundamental comum.
Esta aproximação do ensino de adultos com o ensino infantil foi
reforçada pela própria estrutura das atividades. Aplicando ao ensino
supletivo de adultos o esquema elaborado pelo Ministério para a con-
cessão dos auxílios do Fundo Nacional de Ensino Primário, o Serviço
de Educação de Adultos passou a celebrar, com as unidades federadas,
os convênios denominados “acordos especiais”, que estabeleciam as
respectivas atribuições na realização dos trabalhos programados para
a Campanha: cabiam ao Ministério o planejamento geral, a orientação
técnica, o controle dos serviços, o fornecimento de material didático
e a prestação de auxílio financeiro; aos estados caberiam a instalação
dos cursos programados para seus territórios, o recrutamento de pes-
soal e a administração dos serviços. Para atender aos encargos então
assumidos, os estados e territórios envolveram nas atividades os res-
pectivos quadros docentes do ensino infantil. Assim, ministrados em
sua grande maioria por professores do ensino primário orientados
por materiais didáticos em grande parte extraídos do currículo desse
nível do ensino, os cursos do ensino supletivo de adolescentes e adul-
tos rapidamente passavam a reproduzir os conteúdos e as práticas já
consagradas no ensino primário infantil. Não obstante as reiteradas
manifestações de Lourenço Filho sobre a necessidade de atender às
particularidades e às exigências específicas do adulto pouco escolarizado,
na grande maioria das classes, professores do ensino infantil reprodu-
ziam, à noite, com seus alunos jovens e adultos, os trabalhos que rea-
lizavam no período diurno com os seus alunos do ensino primário
fundamental comum.
A Campanha de Educação de Adultos obteve resultados considerá-
veis em curto período de tempo. Os acordos especiais, que deter-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3324
25
COLEÇÃO EDUCADORES
minavam aos estados e territórios a criação, nos respectivos sistemas
de ensino, de um serviço ou comissão de educação de adultos, de-
ram início à articulação de um esquema duradouro de atuação em
todo o território nacional. Certamente, nem todas as administrações
regionais puderam corresponder às expectativas da administração
central. Os primeiros anos de existência da Campanha foram mar-
cados por constantes gestões do Ministério, junto aos estados e ter-
ritórios, tendo em vista a obtenção de maior rendimento dos servi-
ços do ensino supletivo. Como exemplo, relatórios do Serviço de
Educação de Adultos de 1949 anotavam que nem todas as unidades
federadas cumpriam adequadamente os compromissos assumidos.
As deficiências dificultavam especialmente a instituição de um siste-
ma eficaz de orientação e fiscalização das atividades. Não chegaram
a impedir, porém, a mobilização dos recursos materiais e humanos
das administrações locais para a implantação e o funcionamento da
rede de escolas do ensino supletivo.
A estrutura administrativa então constituída garantiu a continuida-
de dos trabalhos. Pressionadas pela União, as unidades federadas gra-
dualmente adotaram medidas capazes de mobilizar recursos regionais
com vistas à criação e ao funcionamento do ensino supletivo. De
modo geral, logo após a instituição da Campanha, as unidades federadas
limitaram-se a atender às exigências de constituição de um serviço ou
comissão responsável pelas atividades. Todavia, as pressões da admi-
nistração central e a própria dimensão das atribuições reservadas aos
estados e territórios induziram a adoção de medidas adicionais, os
serviços foram progressivamente ampliados, a legislação específica
adquiriu maior complexidade. A rede de escolas do ensino supletivo
foi gradualmente entrosada nos sistemas regionais de ensino, assegu-
rando, com isso, a sua persistência mesmo após o esvaziamento da
ação estimuladora da União (Beisiegel, 2004, p. 127).
Nos momentos iniciais de sua instituição, a Campanha de Edu-
cação de Adultos foi apoiada em forte movimento de mobilização
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3325
26
ANTONIO GRAMSCI
da sociedade. Era apresentada como esforço nacional com vistas
à redenção das massas marginalizadas pela ignorância. Entendida
por sua coordenação como obra de interesse para a própria defe-
sa nacional, a educação da população analfabeta era divulgada
como obrigação de todos os brasileiros. Depois, ao longo da dé-
cada de 1950, no âmbito da progressiva institucionalização das
atividades, o caráter de campanha foi progressivamente substituí-
do pelas práticas regulares da administração pública do ensino. A
atenção e os recursos da administração federal deslocaram-se para
outros movimentos. Entre eles, convém mencionar especialmente
a Campanha Nacional de Educação Rural (Cner), instituída em
1952 e reorganizada em 1956, e a Campanha Nacional de Erradi-
cação do Analfabetismo (Cnea), instituída em 1958.
Nesse fim de década, critica-se o que até então fora realizado na
educação de adultos. Focalizando o analfabetismo sob novas perspec-
tivas, o plano piloto da Cnea afirmava não ser mais possível empreen-
der movimentos com objetivos iguais aos propostos pelos sistemas
de ensino do século XIX, para simplesmente dotar a população bra-
sileira da mera capacidade de ler. O analfabetismo, como fenômeno
social, teria causas sociais e econômicas que deveriam ser conhecidas,
controladas e dominadas. Impunha-se ensaiar métodos e processos
de elevação do nível cultural da população e, assim, também de
erradicação do analfabetismo, tendo em vista não simplesmente o
ensino em si e desligado dos problemas sociais a que se relaciona, mas
também e principalmente o trabalho e a melhoria do nível de vida,
responsáveis que seriam pelo aumento de produtividade e de con-
sumo, fatores primordiais do enriquecimento nacional (Bittencourt,
1959). Percebe-se já nessas críticas a crescente influência do nacionalismo
desenvolvimentista elaborado e propagado, desde 1956, por intelec-
tuais vinculados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).
Essas perspectivas também já estariam presentes em trabalho
relatado por Paulo Freire no Seminário Regional Preparatório ao
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3326
27
COLEÇÃO EDUCADORES
II Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado no Rio
de Janeiro, em 1958 (Paiva, 1973). O documento intitulado “A
educação dos adultos e as populações marginais: o problema dos
mocambos” discutia o analfabetismo sob a ótica de suas causas
sociais e condicionava sua eliminação ao desenvolvimento da soci-
edade. Mas, o desenvolvimento exigia a emersão e a participação
consciente do povo. À educação cabia atentar para a realidade
existencial do povo. Impunha-se trabalhar com o povo e não para
o povo, envolvê-lo em trabalhos de grupo, em debates e estudos
que favorecessem a formação da consciência e o preparo para o
autogoverno. A comunicação já antecipava numerosos outros te-
mas que integrariam o estudo intitulado Educação e atualidade brasi-
leira (Freire, 1959), apresentado no ano seguinte, por Paulo Freire,
como tese de concurso na Escola de Belas Artes de Pernambuco.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3327
28
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3328
29
COLEÇÃO EDUCADORES
AS BASES TEÓRICAS DO MÉTODO PAULO FREIRE
DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS
Educação e atualidade brasileira
Encontram-se, nessa tese de concurso, as melhores referências
sobre as primeiras orientações de Paulo Freire em seus estudos
sobre as relações entre o homem, a educação e a sociedade.
O homem que aparece nessas investigações está constituído
segundo perspectivas de um patrimônio comum do pensamento
cristão. É um ser de relações, aberto para o mundo. “Dialogando
eternamente” com os outros homens, com sua circunstância e com
o Criador, distingue o ontem do hoje e do amanhã, o aqui do ali,
mantém relações com o mundo natural, que não é criação sua, mas
ao qual confere uma significação que varia ao longo da história, e
o mundo da cultura,
que é criação sua.
A posição do homem diante destes dois aspectos de sua moldura
não é simplesmente passiva. No jogo de suas relações com esses
mundos (o da natureza e o da cultura) ele se deixa marcar, enquanto
marca igualmente. Ao se estudar o comportamento do homem, a
sua capacidade de aprender, a licitude do processo de sua educação,
não é possível o esquecimento de suas relações com a sua ambiência.
Disto ressalta a sua inserção participante nos dois mundos, sem a
sua redução a nenhum deles. (Freire, pp. 8-9).
Não haveria como admitir-se uma existência do homem des-
comprometido com sua circunstância. Entre os numerosos temas
do pensamento cristão renovador envolvidos nas reflexões de Pau-
lo Freire, nas considerações sobre as relações entre educação e
humanização, o tema do comprometimento do homem com a sua
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3329
30
ANTONIO GRAMSCI
realidade prevalece sobre os demais. Aberto para o mundo, criador
de cultura no âmbito das relações que mantém com os outros ho-
mens, com o mundo e com o Criador, é enquanto interfere que o
homem realizaria plenamente sua humanidade. Mas as possibilida-
des de interferência do homem se definiam e encontravam limita-
ções no interior de uma realidade histórica e social determinada. E
somente a formação e o desenvolvimento de uma consciência ca-
paz de apreender criticamente as características dessa realidade par-
ticular possibilitariam o exercício de sua atuação criadora. A forma-
ção e o desenvolvimento dessa consciência, por sua vez, dependiam
do mergulho do homem na sua própria realidade, impunham o
comprometimento com sua circunstância. Assim, a humanização
do homem, isto é, a plena realização do homem enquanto criador
de cultura e determinador de suas condições de existência passava,
necessariamente, pela clarificação da consciência do homem – coisa
que somente poderia ocorrer no âmbito do crescente comprometi-
mento do homem com a sua realidade. E situavam-se exatamente aí
as funções do processo educativo.
Sob essa perspectiva, neste pri-
meiro ensaio de sistematização de suas reflexões, Paulo Freire já
compreendia a educação fundamentalmente como processo de
conscientização
(Beisiegel, 1982, pp. 29-30).
Educação e ideologia do desenvolvimento
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) foi criado
em 14 de julho de 1955, nos termos do Decreto nº 57.608, assina-
do por Café Filho, que assumira a Presidência após o suicídio do
presidente Getúlio Vargas. Durante a presidência de Juscelino
Kubitschek, a ideologia nacional desenvolvimentista foi hegemônica
na produção intelectual da instituição (Toledo, 1977).
O Autor largamente utilizado por Paulo Freire na elaboração
destes primeiros escritos, Guerreiro Ramos encontrava os fatores
da emergência da consciência crítica nas transformações de
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3330
31
COLEÇÃO EDUCADORES
infraestrutura que estariam encaminhando o país para a superação
do caráter reflexo de sua economia. Sob o impacto da industrializa-
ção, da urbanização acelerada e das alterações na estrutura do con-
sumo popular, a consciência ingênua,
isto é, a consciência da existência
bruta, articulada diretamente com as coisas, transcorrendo no nível
das coisas e por isso mesmo destituída de subjetividade e de pers-
pectiva de história, vinha cedendo lugar a novos esquemas de avali-
ação e compreensão dos fatos, a uma consciência crítica,
caracterizada
pelo desprender-se ativo das coisas, pela aquisição de liberdade di-
ante delas, pela historicidade. Este processo de modificação das cons-
ciências afetaria o indivíduo, os grupos e a coletividade nacional. A
personalidade histórica de um povo se constituiria quando graças a
estímulos concretos fosse levado à percepção dos fatores que o
determinam, o que equivaleria à aquisição da consciência crítica. Esta
consciência crítica surgiria quando um ser humano ou um grupo
social, refletindo sobre tais determinantes, pudesse conduzir-se di-
ante deles como sujeito (Beisiegel, 2008, p. 50). Também para Álvaro
Vieira Pinto, as mudanças materiais então observadas alteravam a
quantidade e a qualidade da presença das massas na vida do país.
Quietas, ignorantes e apáticas no passado, as massas populares faziam-
se agora atuantes, ingressavam na vida política, exigiam o desenvolvi-
mento. As manifestações sociais denominadas reivindicações populares
por direitos, salários e condições de vida em geral, apresentavam-se fe-
nomenalmente sob a forma de pressões sobre os dirigentes; mas, na
verdade, exprimiam a exigência de desenvolvimento nacional. A acelera-
ção do progresso, longe se ser intenção deliberada de grupos governa-
mentais dirigentes, ou plano interessado das classes econômicas domi-
nantes, era expressão desse reclamo das massas. São estas que impõem
a exigência de desenvolver-se o país. (Pinto, 1959, p. 37)
(...)
Quando o processo de desenvolvimento nacional, em todos os seto-
res, estava dando a indivíduos existentes no seio das massas a oportu-
nidade de superação, ocorreria a súbita tomada de consciência de sua situação
e, através dela, da realidade brasileira em geral. (Pinto, 1959, p. 19)
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3331
32
ANTONIO GRAMSCI
Apreendido pelo “filósofo autêntico”, o conteúdo dessas cons-
ciências representativas da realidade daria os fundamentos para a
elaboração do melhor projeto possível de futuro. Este projeto de
futuro, ou esta ideologia do desenvolvimento nacional,
procederia assim da consciência das massas, para em seguida retroagir
sobre as consciências, iluminando-as, unificando-as e acelerando a evo-
lução do pensamento em direção à construção desse futuro (Pinto,
1959, pp. 49-51).
Estava assim definida, claramente, a orientação a ser determinada
para a educação das massas.
Educação e conscientização
Em estreito diálogo com as posições desses autores, em Educa-
ção e atualidade brasileira, Paulo Freire também expõe demoradamente
suas reflexões sobre as modalidades de consciência e sobre as carac-
terísticas de uma educação comprometida com o processo de
conscientização.
Seriam duas as posições que o brasileiro vinha assumindo diante
da existência. Uma primeira, a da consciência intransitiva, seria caracte-
rizada pela forma quase vegetativa de vida, voltada para os desa-
fios da sobrevivência biológica, destituída de historicidade, de ho-
mens “demitidos da vida”, ou “inadmitidos à vida”, em situação
de “um quase incompromisso entre o homem e a sua existência”.
É uma consciência que não percebe nem pode perceber, claramente,
pelo menos, o que há nas ações humanas de resposta a desafios e a
questões que a vida apresenta ao homem. Ou melhor, a consciência
intransitiva implica numa incapacidade de captação de grande núme-
ro de questões que lhe são suscitadas. (Beisiegel, 2008, p. 81)
Esta seria a consciência predominante nas áreas mais rústicas,
distantes das regiões mais urbanizadas e desenvolvidas. Uma se-
gunda posição, a da consciência transitiva, predominante nas regiões
economicamente mais desenvolvidas, estaria acima dos interesses
meramente vegetativos, o homem teria horizontes mais largos, en-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3332
33
COLEÇÃO EDUCADORES
xergaria mais longe, suas preocupações seriam marcadas por alto
teor de espiritualidade e historicidade. Mas, num primeiro estágio,
esta consciência transitiva seria predominantemente ingênua. Esta
consciência transitiva ingênua seria caracterizada, entre outros traços,
por simplicidade na interpretação dos problemas”; “idealização
do passado”;
transferência acrítica da responsabilidade e da auto-
ridade; “subestimação do homem comum;
“inclinação ao
‘gregarismo’ característico da massificação”; “impermeabilidade à
investigação”; “gosto acentuado pelas explicações fabulosas”; “fra-
gilidade da argumentação”; forte teor de emocionalidade; “des-
confiança de tudo o que é novo”; “gosto não propriamente do
debate, mas da polêmica”; “explicações mágicas”; “tendência ao
conformismo”. (Freire, 1959, p. 30/31). Num segundo estágio,
esta consciência transitiva seria predominantemente crítica.
A transitividade crítica, pelo contrário, se caracteriza pela profundidade na
interpretação dos problemas. Esta modalidade da consciência transitiva
teria como características a “substituição de explicações mágicas por
princípios causais”; o teste dos achados e a permanente disposição a
suas revisões; a disposição ao abandono de preconceitos na análise
dos problemas; o esforço por evitar deformações; a recusa à transfe-
rência da responsabilidade; a “recusa a posições quietistas”; a “segu-
rança na argumentação”; “o gosto pelo debate”; uma “maior dose
de racionalidade”; a aceitação de arguições; a “apreensão e receptividade
a tudo o que é novo”. Seria também marcada pela aceitação da
massificação como um fato, e ao mesmo tempo pelo esforço dirigi-
do à humanização do homem. (Freire, 1959, pp. 30-31).
Mas, é importante observar que, para Paulo Freire, esta consci-
ência crítica não resultaria diretamente das transformações de
infraestrutura. Por si mesmas, as novas condições da vida social não
seriam capazes de promover a transformação das consciências in-
gênuas em consciências críticas. Aqui, o educador explicitava suas
discordâncias especialmente diante das análises de Guerreiro Ramos.
A população brasileira, afirmava, nessa época ainda revelava a per-
sistência de disposições mentais geradas na organização social au-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3333
34
ANTONIO GRAMSCI
toritária do passado. A política de clientela, o mandonismo exacer-
bado dos poderosos, a prática do assistencialismo, a ausência do
diálogo, a passividade do homem comum que não participava ati-
vamente na organização da vida coletiva, estas inúmeras expressões
persistentes da atmosfera cultural das etapas anteriores davam for-
ma à “inexperiência democrática” da população brasileira. Era ver-
dade que, sob o impacto da industrialização e do crescimento urba-
no, os indivíduos começavam a movimentar-se, e tendiam a emer-
gir, como sujeitos, na vida nacional. Essa participação, entretanto,
era incipiente e ainda se desenvolvia sob as coordenadas de uma
sociedade formada no autoritarismo e esbarrava naquela inexperiência
democrática. Por isso mesmo, não era o caso de esperar que a emer-
gência da consciência crítica decorresse direta e mecanicamente da
transformação econômica e social. Na atmosfera autoritária e
antidialogal a incipiente emersão das massas populares com maior
probabilidade produziria a massificação ou, até mesmo a fanatização
das consciências. Nestas condições, “a consciência transitivo-crítica somen-
te poderia resultar de trabalho formador, apoiado em condições históricas propíci-
as. (Freire, 1959, p. 32). Entre o movimento imprimido pelas trans-
formações de infraestrutura no pensamento das massas e a plena
realização da consciência crítica haveria, pois, um hiato, e nesse espa-
ço se definiam as atribuições específicas da educação popular.
Educação e democracia
Ao longo dessas reflexões, a formação da consciência crítica
aparece sempre solidamente vinculada à construção da personali-
dade democrática. Por isso mesmo, em Educação e atualidade brasilei-
ra, Paulo Freire inclui autores como Karl Mannheim (1957, 1961 e
1963) e Zevedei Barbu (1962) entre seus principais interlocutores.
A importância então atribuída à democratização na vida social e,
por extensão, a exigência de formação de personalidades compa-
tíveis com a organização democrática da sociedade transpareciam
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3334
35
COLEÇÃO EDUCADORES
em todas as análises. O diálogo entre os homens era entendido como
componente essencial nessa educação comprometida com a cons-
trução de personalidades democráticas.
As experiências vividas no trabalho assistencial no Sesi e a cor-
respondente recusa ao “assistencialismo” transparecem claramen-
te nas análises do educador:
A nossa experiência, por isso que era democrática, tinha de se fundar
no diálogo, uma das matrizes em que nasce a própria democracia.
Diálogo da instituição com o operário, seu cliente, através de clubes
recreativos e educacionais. Dialogação que representava uma cada vez
maior participação do operário na vida da instituição a que se ligava e
com que sobretudo aprenderia a ver a coisa pública através de outras
perspectivas (Freire, 1959, p. 14).
Expressões muito fortes e significativas empregadas anos de-
pois, na apresentação do método de alfabetização de adultos, estão
presentes já nestas análises sobre o diálogo como componente in-
trínseco e como instrumento de promoção da democracia.
Teríamos então de nos servir de toda a força democratizadora do
diálogo, com que evitássemos e superássemos o perigo do alonga-
mento da assistência prestada ao operário pela instituição, em
assistencialismo. Assistencialismo que deforma o homem. Que ‘do-
mestica’ o homem (Freire, 1959, p. 14).
O assistencialismo, pela violência de seu antidiálogo, que im-
punha ao homem mutismo e passividade, não ofereceria condi-
ções para o desenvolvimento de sua consciência que, nas demo-
cracias, há de ser cada vez mais crítica. Impunha-se promover a
introjeção da autoridade e dar nascimento à autoridade interna, à
razão ou à consciência transitivo-crítica, indispensável à democra-
cia. Era necessário avançar, passar da assistencialização para a
dialogação, da autoridade externa para a autoridade interna per-
meável, crítica e, assim, democrática (Freire, 1959, pp. 80-81).
Reiteradas ao longo de todo esse primeiro ensaio de siste-
matização de suas ideias, essas reflexões fundamentavam as críti-
cas de Paulo Freire à educação escolar então praticada no país.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3335
36
ANTONIO GRAMSCI
Em todos os níveis e ramos do ensino, no primário, médio e
superior, e também nas instituições extraescolares relacionadas à
formação dos habitantes, a educação estava fora das necessidades
dos novos tempos.
Não será, porém, com essa escola desvinculada da vida, centrada na
palavra, em que é altamente rica, mas na palavra ‘milagrosamente’
esvaziada da realidade que deveria representar, pobre de atividades
em que o educando ganhe experiência do fazer, que daremos ao
brasileiro ou desenvolveremos nele a criticidade de sua consciência,
indispensável à nossa democratização (Freire, 1959, p. 102).
Era imperioso e urgente substituir esta educação tradicional
por uma outra educação orientada para a criação de disposições
mentais críticas e permeáveis, favoráveis à participação, à delibera-
ção coletiva, à ingerência, ao autogoverno e, por essa via, favorá-
veis à democratização da vida social e à instituição de formas de-
mocráticas de governo. Esses temas permeiam toda a análise: Paulo
Freire insiste em defender a necessidade de um ensino realizado
através do diálogo, em atividades de grupo, com o incentivo à
participação e ao exercício da reflexão crítica.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3336
37
COLEÇÃO EDUCADORES
OS CAMINHOS DE CRIAÇÃO DO MÉTODO
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3337
38
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3338
39
COLEÇÃO EDUCADORES
PAULO FREIRE DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS
Conscientização e alfabetização
Cerca de três anos após a apresentação dessa tese de concurso,
Paulo Freire realizou as primeiras experiências com o seu método
de alfabetização de adultos. No método de alfabetização, em todas
as atividades no dia a dia da prática educativa, o educador procura-
va realizar tudo aquilo que defendera para uma educação condizen-
te com as exigências da atualidade brasileira: uma educação com-
prometida com o desenvolvimento, a formação da consciência crí-
tica e a construção de personalidades democráticas. A criação do
método coroava uma longa pesquisa de procedimentos que vinha
ensaiando na Divisão de Educação do Sesi de Pernambuco, no qual
ingressara em 1947, e mais recentemente, no Movimento de Cultura
Popular (MCP) do Recife, que ajudara a criar, em maio de 1960.
Os primeiros anos da década de 1960 foram marcados por
intensa atividade em todas as instâncias da vida social no país. No
campo da cultura e da educação popular, a notável criatividade que
caracterizou esse período exprimiu-se, entre outros acontecimentos
significativos, na criação de empreendimentos como o Movimento
de Educação de Base (MEB) da CNBB, os Centros Populares de
Cultura (CPCs) da UNE, a Campanha “De pé no chão também se
aprende a ler” e o Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife.
O MCP foi criado a partir de solicitação de Miguel Arraes,
por um grupo de intelectuais que incluía, entre muitos outros,
Germano Coelho, Norma Coelho, Abelardo da Hora, Aluísio
Falcão, Anita Paes Barreto, Silvio Loreto, Geraldo Vieira, Paulo
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3339
40
ANTONIO GRAMSCI
Rosas e Paulo Freire. Em depoimento publicado em 1986, Paulo
Rosas relata que, eleito em 1959,
Arraes assumiu a Prefeitura do Recife com a firme intenção de realizar
um governo de tendência popular – não populista –, aberto a todas as
forças atuantes na comunidade, organizada ou não. E encontrou res-
posta, de início de um grupo de intelectuais, artistas e professores,
desejosos de participação ativa no processo de mudança que então se
iniciava, sem pretensões eleitorais e, quando possível, sem se envolver
na máquina administrativa convencional. (Rosas, 1986, p. 21)
Em outro depoimento, Aluisio Falcão relata que, logo após
sua eleição para a Prefeitura do Recife, Miguel Arraes chamou-o
e disse que durante a campanha defendera certas posições e que havia
sido eleito no âmbito de um compromisso de fazer alguma coisa
para melhorar as condições da vida do povo. A Prefeitura não tinha
recursos, pouco podia fazer. Aliás, o povo sabia disso. Mas, alguma
coisa sempre podia ser feita. Então Arraes expôs a sua ideia: a popu-
lação pobre do Recife estava completamente desprovida de escolas.
Por isso pensava em aproveitar os espaços disponíveis em igrejas,
templos, clubes, sedes de associações populares e outros locais para
a instalação de salas de aula. As carteiras seriam fabricadas e conserta-
das nas oficinas da própria Prefeitura. O dinheiro necessário talvez
pudesse ser arrecadado mediante coleta entre os comerciantes, os
industriais, a população em geral. (...) No dia seguinte à posse de
Arraes na Prefeitura, o movimento já estava começando. Entrei em
contato com Germano Coelho e com Paulo Freire. Germano mobi-
lizou o meio intelectual. Foi convocada uma reunião aberta a todos
os interessados e aí se constituiu o MCP. (Beisiegel, 2008, p. 255)
Em sua estrutura inicial, o MCP tinha três departamentos. Um
deles, o Departamento de Formação e Cultura, contava com dez
divisões. Paulo Freire assumiu a direção da Divisão de Pesquisa.
Conforme ele mesmo relata, no projeto de educação de adultos
que ele coordenava no MCP, pressionadas pelas necessidades dos
trabalhos na alfabetização de adultos, Josina de Godoy e Norma
Coelho começaram a elaborar o Livro de leituras para adultos – ou,
como era mais conhecida, a cartilha do MCP. Ora, Paulo Freire,
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3340
41
COLEÇÃO EDUCADORES
nessa época, criticava o uso de cartilhas, que incluía entre os com-
ponentes de uma educação domesticadora. Sem envolver-se nos
trabalhos relacionados à produção da cartilha, passou a coordenar
um outro projeto de educação de adultos, nos círculos de cultura e
centros de cultura. A criação do método tem origens mais próximas
nos trabalhos então realizados nos círculos de cultura:
quando eu começo, no próprio MCP, a desenvolver os círculos de
cultura, a coisa funcionava de maneira excepcional, então um dia eu
disse a mim mesmo que era possível juntar aos resultados que estava
obtendo, sem nenhuma preocupação de leitura, poderia juntar a esse
trabalho também a preocupação com a leitura da palavra... Aí eu
começo a arquitetar, começo a refletir sobre todo o meu passado,
sobre toda a experiência no Sesi, e começo a primeira experiência no
Poço da Panela... (Freire, 1963, p. 19)
Iniciados no MCP, os trabalhos de elaboração do método
foram continuados no recém-criado Serviço de Extensão Cultu-
ral (SEC) da Universidade do Recife. Em seguida, a convite do
governo do estado do Rio Grande do Norte, Paulo Freire coor-
denou a aplicação de seu método na cidade de Angicos. A eficien-
te propaganda da experiência iniciou a construção da imagem do
educador em âmbito nacional.
Um artigo publicado na Revista de Cultura da Universidade do Recife
(Freire, 1963), em abril de 1963, demonstra como as ideias expostas
em Educação e atualidade brasileira encontraram plena expressão no
trabalho educativo com os adultos das classes populares.
O método de alfabetização:
a proposta de uma educação “conscientizadora”
Divulgado, pela primeira vez, sob a forma de uma proposta já
consolidada, no artigo “Conscientização e alfabetização: uma nova
visão do processo”, o método realmente correspondia às preocupa-
ções explicitadas pelo educador nos escritos anteriores. A intenção de
assegurar a coerência entre os procedimentos então recomendados e
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3341
42
ANTONIO GRAMSCI
as perspectivas teóricas que informavam sua compreensão do ho-
mem, da educação e da sociedade era bem evidente e estava perfeita-
mente documentada nas características do próprio método.
Como outras importantes criações, o Método Paulo Freire de
Alfabetização também apresentava notável simplicidade. O educa-
dor entendia que mesmo as palavras geralmente empregadas para
designar os vários elementos da prática educativa, tais como “esco-
la”, “classe”, “professor”, “aluno” etc., estavam impregnadas de sig-
nificações inaceitáveis, conotavam as orientações “domesticadoras”
da educação brasileira tradicional. Por isso mesmo, já a nomenclatu-
ra que adotava no método de alfabetização exprimia a intenção de
alterar radicalmente as práticas então usuais na educação do adulto
analfabeto. As “classes” eram substituídas pelos “círculos de cultura”, os
“alunos” pelos “participantes dos grupos de discussões”, os “professores” ce-
diam lugar aos “coordenadores de debates”. De igual modo, a “aula” era
substituída pelo “debate” ou pelo “diálogo” entre educador e educandos
e o “programa” por “situações existenciais” capazes de desafiar os agru-
pamentos e de levá-los a assumir posições de reflexão e crítica dian-
te das condições dessa mesma existência.
A introdução ao estudo do conceito de cultura
Os trabalhos eram iniciados a partir de discussões em torno
do conceito de cultura. Este singular esforço de iniciação de gru-
pos de analfabetos nos estudos da antropologia encontrava justifi-
cativas claras, simples e aceitáveis:
Precisávamos, ainda, de algo com que ajudássemos o analfabeto a
iniciar aquela modificação de suas atitudes básicas diante da realida-
de. Com que ele desse começo à reformulação de seu saber prepon-
derantemente mágico. Precisávamos também que esse algo fosse
uma fonte de motivação para o analfabeto querer ele mesmo montar
o seu sistema de sinalizações. Motivação que viesse se somar à sua
apetência educativa, em relação direta com a transitivação de sua cons-
ciência. Era preciso, por outro lado, superar um certo fatalismo, so-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3342
43
COLEÇÃO EDUCADORES
bretudo dos homens menos transitivados dos campos, que respon-
sabilizam Deus ou o destino, ou ainda a sina, pelos erros de uma
estrutura arcaica e desumana. Pareceu-nos então que o caminho seria
levarmos ao analfabeto, por meio de reduções, o conceito antropoló-
gico de cultura. (Freire, 1963, p. 14)
Os procedimentos elaborados para a introdução dos adultos anal-
fabetos aos estudos da cultura eram também notavelmente simples. A
equipe do Serviço de Extensão Cultural (SEC) ou as equipes respon-
sáveis pelo desenvolvimento de cada uma das experiências prepara-
vam uma série de “fichas de cultura”. Cada uma dessas fichas – eram
originalmente em número de onze – reproduzia uma cena determi-
nada (em desenho, pintura, fotografia etc.). Numa experiência realiza-
da em Brasília, a introdução ao estudo da cultura apoiava-se no exa-
me e na discussão dos conteúdos de dez fichas. A primeira tinha como
tema “O homem diante da natureza e da cultura”. Reproduzia a figu-
ra de um casal, de costas para o espectador, contemplando uma pai-
sagem com casas, coisas construídas pelo homem, pássaros, animais,
árvores etc. A segunda reproduzia a figura de um índio atirando uma
flecha num pássaro que voa. A terceira ficha apresentava a figura de um
caçador armado de espingarda. A quarta reproduzia a figura de um
gato caçando um rato. A quinta, a figura de uma mulher debaixo de
uma tenda de palha, fazendo louças de barro. A ficha número seis
apresentava um prato, uma moringa e uma panela de barro, produzi-
dos por uma mulher. Na ficha número sete viam-se dois cantadores
tocando viola, com um rádio ao lado. A oitava reproduzia a figura de
um vaqueiro do Nordeste. A nona apresentava a figura de um gaúcho
de bombachas. A ficha número dez, finalmente, mostrava um grupo
de adultos dialogando num “círculo de cultura”.
Os modos de utilização desse material podem ser bem exem-
plificados com as seguintes anotações do “diário” de um dos
“coordenadores de debates” da experiência realizada no municí-
pio de Angicos (Lira, 1996, pp. 86-105. As anotações seguintes
foram transcritas de Beisiegel, 2008, pp. 192-209):
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3343
44
ANTONIO GRAMSCI
Aula de cultura. Projeção:
(A primeira ficha utilizada em Angicos reproduzia a figura
da cabeça de um homem nordestino, com setas que partem
dela para seis coisas distintas – uma casa, uma árvore, um
cacimbão, um monte que tem a forma do monte Cabugi, uma
andorinha e um porco.)
O objetivo desta primeira ficha é a autoconsciência, cons-
ciência de... No momento em que é iniciada a projeção ces-
sam totalmente os ruídos... Riram, de modo geral, do homem;
disseram que ele estava de óculos, de tão magro que o acha-
ram.
Pergunta:
— O que vemos aí? ou — O que está diante de nós?
Resposta:
— Um pé de pau.
— Um poico.
— Um poiquinho.
— Uma bacurinha.
— Uma estauta (o homem)
— Um passo (pássaro)
etc.
Obs.: Evidentemente não devemos corrigi-los, mas quan-
do falarmos, diremos lentamente pá ssa ro, es tá tu a, corrigin-
do indiretamente, pois eles não estão errados, estão tão certos
quanto nós.
Pergunta:
— O que significam estas linhas? (as setas)
Resposta:
(As respostas mais comuns foram — Lápis e — Palito.
No entanto, alguns responderam — O juízo do homem; — A
ciença do homem; — O homem tem necessidade disto.)
Obs.: fazemos então o grupo perceber e revelar o que signi-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3344
45
COLEÇÃO EDUCADORES
ficam aquelas setas e depois explicamos que elas são as relações
do homem com aquelas coisas; e podemos até dar, e demos, a
partir de cada uma das respostas inteligentes aparecidas e aprovei-
tadas, uma noção de como o homem as conseguiu. Evolução
humana. O menino que nasce, aprende a falar; na medida em que
ele vai crescendo seu mundo cresce também – a sala, sua casa.
Depois, na escola, amplia seu mundo e descobre que há uma série
de coisas que ele não fez, mas já encontrou feitas, e que foram
feitas pelos homens que vieram antes dele, sendo ele capaz de usar
estas coisas e inclusive modificá-las. Explicado isto, pergunta-se:
— Alguém quer dar um exemplo?
Pergunta (fundamental):
— O que é neste quadro que aí está projetado, que terá sido
feito pelo homem?
Resposta:
— O passo etc..
E outros um tanto brincalhões, metafalam:
— Esse homem que está aí.
Obs.: depois das respostas explicamos que deste mundo o
que não foi feito pelo homem é exatamente o que chamamos
de ‘mundo da natureza’ e o restante ‘mundo da cultura’, que
tem as criações que o homem fez.
Pergunta:
— O que é então neste quadro que está projetado, que é ob-
jeto de cultura e objeto de natureza?
Resposta:
— O monte pode ser objeto de cultura, pois o homem pode
fazer um monte. Outros pormenorizam tanto, que vão além
do que é visto na projeção:
— A água do cacimbão, os tijolos etc.
O reconhecimento da distinção entre os dados da natureza
e os produtos da cultura prosseguia, na mesma reunião e na
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3345
46
ANTONIO GRAMSCI
seguinte, mediante o exame das fichas. Alguns outros exemplos,
extraídos do mesmo “diário”, complementam perfeitamente
esta ilustração dos modos de funcionamento do método:
Projeção da ficha que apresenta o índio caçando com arco
e flecha. Identificação dos objetos da cultura e da natureza; o
arco – prolongamento do braço pelos instrumentos de caça...
Pergunta:
— O que é ente da natureza e o que é objeto de cultura nesta
ficha que está aí projetada?
Resposta:
(Chamaram o índio de índia – ficha malfeita. Quanto à tanga
do índio disseram: — Quando o homem junta as penas é cultura)
Pergunta:
— E antes, era objeto de quê? Resposta:
— Antes o homem não havia tocado, era objeto da natureza.
Alguns chamaram o arco de bodoque, de coroa ou cocar.
Neste momento, os participantes dos diversos círculos de cul-
tura diferenciam sem nenhuma dificuldade o que é objeto de
cultura ou da natureza.(...)
Projeção de ficha que apresenta um homem amassando
barro numa olaria.
Pergunta:
— O que é objeto de cultura e de natureza nesta ficha? O que
é que o homem está fazendo?
Resposta:
— O homem está trabalhando o barro.
Capacidade criadora humana – o homem modificando a
natureza, fazendo cultura. Que eles percebam que cultura não
é só o que o homem faz, mas o que ele pensa fazer. Tanto é
cultura o arco e a flecha, como um quadro que o artista pinta,
música, raciocínio etc. São criações do espírito humano, mani-
festações culturais. Alguns coordenadores aproveitaram para
mostrar que o livro do doutor (o livro que o doutor faz) tem
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3346
47
COLEÇÃO EDUCADORES
o mesmo valor de cultura que a cadeira que o carpinteiro faz.
Vibraram.
Obs.: no Recife, em uma das aulas, o professor Paulo Freire,
nesta ocasião, projetou uma ficha de um homem trabalhando
uma pedra (um escultor). Perguntando se poderia sair daquele
trabalho algum objeto de cultura, as respostas foram altamen-
te inteligentes, mas todas vinculadas à experiência existencial.
Nenhum respondeu que dali poderia sair uma estátua.
Mas:
— Dali ele pode tirar um objeto de cultura. Ele pode que-
brar aquela pedra todinha, faz pó, depois faz cimento, mistura
com não sei o que lá e faz piso, e ainda pinta como este aqui (e
aponta o chão), e aí então ele faz objeto de cultura. Era uma
turma de operários.
Esperava-se que o exame e a discussão dos conteúdos das
“fichas de cultura” levassem os integrantes do grupo à mudança
das atitudes anteriores de apatia e conformismo. O homem deve-
ria começar a entender-se como “o fazedor deste mundo da cul-
tura”. Pelo debate daquilo que estavam vendo nas diversas fichas,
poderiam descobrir que o analfabeto, “como o letrado, ambos
têm um ímpeto de criação e recriação” e perceber que
tanto é cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmãos
do povo, como cultura também é a obra de um grande escultor (...)
Que cultura são as formas de comportar-se. Que cultura é toda
criação humana.
Esta fase dos trabalhos seria concluída mediante o encaminha-
mento da atenção dos analfabetos para o exame da importância
da leitura e da escrita na apropriação dos produtos da cultura. A
conclusão dos debates, assim o entendia Paulo Freire, devia girar
“em torno da dimensão da cultura enquanto aquisição sistemática
da experiência humana”. E o domínio das técnicas da comuni-
cação escrita constituía o melhor instrumento de aquisição da ex-
periência acumulada.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3347
48
ANTONIO GRAMSCI
Após esta introdução ao estudo da cultura eram iniciados os
trabalhos da alfabetização. Se os conjuntos de “fichas de cultura”
elaborados para as diversas experiências realizadas no Brasil eram
semelhantes, apresentando poucas variações, já as atividades da
etapa seguinte exigiam programação adequada a cada uma das
regiões selecionadas para a prática da educação dos adultos.
Os trabalhos de alfabetização e “conscientização”
A preparação de uma experiência era iniciada mediante o estu-
do dos modos de vida na localidade então escolhida para o desen-
volvimento dos trabalhos. Uma pesquisa necessariamente pouco
sofisticada, de fácil realização, empreendida por meio de entrevistas
com os adultos matriculados nos cursos e com outros habitantes,
fornecia informações sobre os usos e costumes locais na produção,
no comércio, na alimentação, na saúde, na religião, na política... En-
fim, nas diversas dimensões do comportamento individual e da vida
coletiva. Registradas tendo em vista a fiel transcrição das palavras aí
utilizadas e, também, a apreensão de seus significados peculiares,
quando fosse o caso, as informações então arroladas forneciam o
material necessário ao conhecimento do que o educador designava
como o “universo vocabular mínimo” dos moradores – isto é, a
extensa relação de palavras obtidas durante as entrevistas informais
com os habitantes era entendida como representativa do que seria a
linguagem de uso corrente na localidade.
As “palavras geradoras”
Levantado o “universo vocabular”, procedia-se à seleção das
“palavras geradoras”. Entre as palavras arroladas nas entrevistas,
escolhiam-se algumas que atendessem ao duplo critério da riqueza
fonêmica e da pluralidade de engajamento na realidade local, regional e nacio-
nal. No mesmo número da Revista de Cultura da Universidade do Recife
que publicou o artigo dedicado à exposição das características do
método, outro membro do SEC, o professor Jarbas Maciel, ex-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3348
49
COLEÇÃO EDUCADORES
plicava os critérios de seleção das “palavras geradoras” sob a pers-
pectiva da “semiologia”:
Hoje nós vemos que esses dois critérios (riqueza fonêmica e plura-
lidade de engajamento) estão contidos no critério semiótico – a me-
lhor palavra geradora é aquela que reúne em si a maior ‘porcentagem’
possível dos critérios sintático (possibilidade ou riqueza fonêmica,
grau de dificuldade fonêmica complexa, de manipulabilidade dos
conjuntos de sinais, as sílabas etc.), semântico (maior ou menor inten-
sidade do vínculo entre a palavra e o ser que designa, maior ou
menor adequação entre palavra e ser designado etc.) e pragmático
(maior ou menor teor de conscientização que a palavra traz em po-
tencial, ou conjunto de reações socioculturais que a palavra gera na
pessoa ou grupo que a utiliza). (Maciel, 1963, p. 25)
Os mecanismos da linguagem escrita eram estudados por meio
do progressivo desdobramento das “palavras geradoras” em síla-
bas e, quando fosse necessário, em vogais que, reunidas depois, pe-
los próprios educandos, em novas associações, possibilitavam a for-
mação de novas palavras. Assim, o conjunto das “palavras gerado-
ras” deveria conter todas as possibilidades silábicas da língua, para
permitir o estudo das diferentes situações que pudessem vir a ocor-
rer durante a leitura e a escrita. Dependendo das particulares pala-
vras escolhidas em cada uma das experiências, seu número podia
variar (foram dezessete na experiência realizada em Tiriri, colônia
agrícola da Sudene, no estado de Pernambuco; quinze em Cajueiro
Seco, uma comunidade próxima aos Montes Guararapes, no Reci-
fe; dezessete no município de Angicos, no estado do Rio Grande
do Norte; dezesseis em Vila Helena Maria, no município paulista de
Osasco; dezessete numa experiência realizada em Brasília etc.). As
“palavras geradoras” seriam ordenadas de modo a distribuírem as
“dificuldades” da língua numa sequência de dificuldades crescentes.
As “situações existenciais típicas”
Depois de escolhidas as “palavras geradoras”, a equipe exa-
minava as possibilidades de criação de “situações existenciais típi-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3349
50
ANTONIO GRAMSCI
cas” para o grupo que ia se alfabetizar. Se uma das “palavras gera-
doras” escolhida fosse, por exemplo, a palavra enxada, a represen-
tação gráfica (desenho, pintura ou fotografia) de um lavrador ca-
pinando a terra poderia perfeitamente evocar, para os moradores
de uma comunidade agrária, as situações comuns nos trabalhos da
lavoura. Em outro exemplo, se fosse tijolo a palavra escolhida, a
figura de um trabalhador assentando tijolos poderia evocar as situa-
ções comuns de vida numa localidade habitada por operários da
construção civil. Estas e outras situações funcionariam como “de-
safios” ao grupo de educandos.
Seriam situações-problema, codificadas, guardando em si elementos
que serão descodificados pelos grupos, com a colaboração do coor-
denador. O debate em torno delas irá levando os grupos a se
conscientizarem para que concomitantemente se alfabetizem.
Paulo Freire insistia em afirmar que essas situações locais abriam
perspectivas para o debate de problemas regionais e nacionais.
Em seguida, seriam elaboradas as “fichas-roteiro”, de apoio
e orientação aos coordenadores durante a condução dos deba-
tes. Este roteiro era entendido como um conjunto de sugestões
para o coordenador – e não como uma prescrição rígida de
assuntos a serem obedientemente examinados nas reuniões nos
“círculos de cultura”. Eram preparadas também as “fichas de
alfabetização”, utilizadas na decomposição das “palavras ge-
radoras” em sílabas e vogais.
Um exemplo de aplicação do método de alfabetização
O mencionado “diário” da experiência realizada em Angicos
contém bons exemplos dos modos de utilização das “palavras
geradoras”, das “fichas de alfabetização”, das “situações existen-
ciais típicas” e das “fichas-roteiro” (Lyra, 1996, pp. 86-105; Beisie-
gel, 2008, pp. 192-208).
Foram as seguintes as “palavras geradoras” selecionadas para
essa experiência: belota, sapato, voto, povo, salina, feira, milho, goleiro, cozi-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3350
51
COLEÇÃO EDUCADORES
nha, tigela, jarra, fogão, chibanca, xique-xique, expresso, bilro e almofada. A
primeira “palavra geradora” apresentada aos círculos de cultura
belota – era uma corruptela local da palavra borlota e designava um
enfeite usado em redes e nos rebenques de couro, muito comuns
na região. As anotações do “diário” descrevem a primeira ficha
então projetada aos analfabetos:
Primeira hora de alfabetização:
Ficha motivadora – Belota. A palavra belota foi escolhida para
primeira ficha, dentro de uma situação sociológica local. – Um
homem de Angicos vestido tipicamente, montado em um
burro, numa cena de seca, com uma chibata na mão, na qual
aparece em primeiro plano uma belota de cor bem viva. Na
parte superior esquerda (da ficha) aparece a palavra belota 84.
Em Angicos foi utilizado o projetor de slides
O estudo das técnicas da leitura e da escrita era precedido por
ampla discussão em torno das “experiências existenciais” evocadas
pela figura projetada juntamente com a primeira “palavra gerado-
ra”. Mas, em benefício do equilíbrio desta exposição, é convenien-
te inverter os termos do processo e começar pelo exame do apren-
dizado das técnicas da comunicação escrita, antes da análise da
parte relativa às discussões. Era a seguinte a sequência dos slides
apresentados ao grupo de analfabetos:
1. A “palavra geradora” – neste caso a palavra belota – era
apresentada ao lado da cena destinada a evocar as “situações
existenciais típicas” na localidade.
2. A “palavra geradora” era apresentada no slide seguinte, já
sem a figura projetada no caso anterior. Nesta ficha surgia
somente a palavra belota.
3. A “palavra geradora” era apresentada de modo a possibili-
tar a identificação de sua composição silábica: be lo ta.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3351
52
ANTONIO GRAMSCI
4. Em seguida era apresentada a “família” silábica do “b”: ba,
be, bi, bo, bu.
5. No slide seguinte surgia a “família” silábica do “l”:
la, le, li, lo, lu.
6. Outro slide apresentava a “família” silábica do “t”: ta, te, ti, to, tu.
7. Em seguida era apresentada a denominada ficha da descoberta:
uma ficha em que se juntavam as “famílias” do
“b”, do “l” e do “t”:
ba, be, bi, bo, bu;
la, le, li, lo, lu;
ta, te, ti, to, tu.
8. Finalmente, em outro slide, eram apresentadas as vogais:
“a”, “e”, “i”, “o”, “u”.
O “método” era analítico-sintético. Partia-se, inicialmente, para a
decomposição da situação e da palavra visualizadas na ficha:
Projetada a situação com a primeira palavra geradora – representação
gráfica de expressão verbal da percepção do objeto –, inicia-se o debate
em torno de suas implicações. Somente quando o grupo esgotou com
o coordenador a análise da situação dada, se volta o educador para a
visualização da palavra geradora. Visualizada a palavra relacionada com o
objeto também representado na ficha, parte o educando, noutro slide,
para a leitura da palavra já sem o objeto representado. Logo após, noutro
slide, a palavra surge separadamente em fonemas que o analfabeto iden-
tifica como pedaços. Reconhecidos os pedaços, na etapa da análise, pas-
sa-se para a visualização das famílias fonêmicas que compõem a palavra
em estudo. Em seguida, apresentam-se num slide as famílias reunidas.
Daí parte-se para a última análise, a que leva às vogais.
O “diário” da experiência de Angicos exemplifica os modos
de realização desta etapa dos trabalhos:
Depois de feita a associação (da figura) à realidade brasi-
leira (...) projetamos uma ficha que contém somente a palavra
belota. Be lo ta.
Pronunciamos a palavra be lo ta e toda a classe repete.
Pergunta:
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3352
53
COLEÇÃO EDUCADORES
— Quantas vezes abrimos a boca para dizer a palavra belota?
Pergunta:
— Qual o primeiro pedaço da palavra belota: be.
Pergunta:
— Qual o segundo pedaço da palavra be lo ta: lo.
Pergunta:
— Qual o terceiro pedaço da palavra be lo ta: ta.
Obs.: Insistir um pouco nesta parte, dizendo que cada pe-
daço daquele faz parte de uma família de letras, que se chama
sílaba. Depois projetamos a família do ‘b’: ba, be, bi...
Pergunta:
— Qual desses pedaços usamos para formar a palavra belota?
insistir na apresentação da família e leitura coletiva. Depois
apresentamos a família do ‘l’: la, le,li..
Pergunta:
— Qual destes pedaços usamos para formar a palavra belota?
Insistir na apresentação da família, fazendo também leitura.
Depois projetamos a ficha da família do ‘t’: ta, te, ti..
Pergunta:
— Qual desses pedaços usamos para formar a palavra belota?
Depois de retidas estas explicações, projetamos uma fi-
cha que contém todas estas famílias de letras; no entanto,
alguns coordenadores, neste momento, convidaram partici-
pantes para escrever no quadro-negro a palavra belota, que
foi escrita por alguns. Ao ser mostrada esta ficha (a ficha da
descoberta), pedimos a eles que encontrem aí neste quadro a
palavra belota. Depois fazemos a leitura individual e coletiva
das diversas famílias, para que a partir daí eles mesmos co-
mecem a compreender o mecanismo da formação das pala-
vras. E mostrando que cada sílaba faz parte de uma família
de letras, que vamos acrescentando lenta e gradativamente
outras famílias, formando assim novas palavras geradoras,
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3353
54
ANTONIO GRAMSCI
com o que faremos o aprendizado da leitura e da escrita...
Depois de feitos os exercícios de leitura das sílabas, fazemos
uma leitura coletiva no sentido da vertical: ba, la, ta, e espera-
mos que eles notem e compreendam que a primeira letra
sempre muda, mas que a parte final permanece sempre a
mesma – e podemos até perguntar se aquela letra de cima é
igual à de baixo etc. Depois de repetidas essas explicações
projetamos uma ficha que contém somente o ‘a’, ‘e’, ‘i’, ‘o’,
‘u’, que eles identificam com muita facilidade, e dizemos que
aquelas são as vogais, o resto é consoante.
Os próprios analfabetos iniciavam o processo de síntese, logo
após a projeção da ficha da descoberta:
No momento em que é projetada a ficha que contém to-
das as famílias de letras (as famílias das sílabas contidas na
palavra belota), eles, além de encontrar a palavra belota, for-
mam outras, como lata, bala, tatu etc. Em sua maior parte,
principalmente dissílabos. Encerrada a projeção, pedimos aos
participantes para que abram os seus cadernos, pois vamos
começar a escrever. A maior parte não sabia como usar o lápis
e principalmente o caderno. Escreviam fora do trilho (como
chamavam as linhas), mas todos escreveram em seus cadernos
a palavra mágica –be –lo –ta, apesar de quase não caber numa
página, tão grandes eram as letras.
No artigo mencionado, Paulo Freire expunha os resultados
em geral obtidos com estes procedimentos:
Realmente, diante desta ficha o analfabeto descobre o mecanismo de
formação vocabular numa língua silábica, que se faz por meio de
combinações fonêmicas. Apropriando-se criticamente deste meca-
nismo, parte para a montagem rápida do subsistema de sinalizações.
Começa então a criar palavras com as combinações à sua disposição
que a decomposição de um vocábulo trissilábico lhe oferece no pri-
meiro debate que fez para alfabetizar-se. Já lê e escreve neste dia. E no
seguinte, traz de casa como tarefa tantos vocábulos quantos tenha
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3354
55
COLEÇÃO EDUCADORES
podido criar com combinações dos fonemas já conhecidos. Não
importa que traga vocábulos que não sejam termos. O que importa,
no dia em que põe o pé neste domínio novo é a descoberta das
combinações fonêmicas.
Observando anonimamente a experiência que se realizava em
Brasília, Lauro de Oliveira Lima formulou com rara felicidade
uma explicação para a rapidez da alfabetização obtida com a apli-
cação do método.
A rapidez incontestável do processo baseia-se na própria técnica: em
vez da aprendizagem enervante de milhares de palavras, fornece-se
ao alfabetizando uma “chave de leitura” que começa a funcionar em
todos os casos semelhantes, podendo-se dizer que, compreendido
o processo e aplicado nas primeiras situações, está o analfabeto, tec-
nicamente, alfabetizado, consistindo a atividade, daí por diante, na
ampliação do número de chaves para enfrentar as situações mais
diversas...
Um teste aplicado na fase final dos trabalhos, em Angicos,
apontou a “média global” de aproveitamento em cerca de 70%
dos educandos avaliados.
A “conscientização”
Desde o início dos trabalhos a “conscientização” e a alfabeti-
zação caminhavam juntas. Eram bem evidentes as “situações exis-
tenciais típicas” que a equipe de educadores pretendia mobilizar,
com a figura do sertanejo cavalgando o burro numa cena marcada
pela seca. A pesquisa dos modos de vida na localidade já havia
indicado que 80% da população economicamente ativa ocupava-
se da agropecuária, sendo o algodão o principal produto, acom-
panhado em seguida pela pecuária caprina, ovina e bovina.
O artesanato em couro era bastante difundido e praticado em
toda a região. Por outro lado, a cidade instalara-se no agreste, qua-
se boca do sertão, era cortada por rodovia e estrada de ferro, seus
moradores certamente não ignoravam, nas próprias vivências, as
dificuldades do trabalhador sertanejo e os efeitos da seca sobre as
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3355
56
ANTONIO GRAMSCI
populações do Nordeste. Os efeitos da seca, aliás, não eram des-
conhecidos no município:
A cidade tem trezentas ligações elétricas. Dois hotéis e duas pensões.
Um cinema. Uma quadra de esportes, uma igreja, um mercado mu-
nicipal, dois açudes municipais e um campo de pouso de terra bati-
da. Tem linha telefônica a Açu. Entre dez e dezenove de março, é
celebrada a Festa de São José, padroeiro da cidade. Outra tradição
local é o ‘terço da cruz’: nos primeiros meses do ano as mulheres
reúnem-se em torno do Cristo, à frente da Igreja, implorando chuva.
Era legítimo acreditar – e a equipe acreditava – que a projeção
desta “situação existencial” atuasse como tema gerador de debates e
de reflexões sobre as expressões locais de problemas mais amplos
da realidade brasileira no Nordeste do país.
O “diário” da experiência de Angicos anota alguns dos itens
que a “ficha-roteiro” sugeria para os debates em torno da cena
projetada junto à primeira “palavra geradora”:
Efeitos da seca.
Pau de arara.
Êxodo rural.
Exploração do homem pelo homem.
Importância da fixação do homem ao solo.
Etc.
Os registros a propósito dos debates sugeridos para algumas
outras fichas eram mais completos e esclarecedores. A segunda
“palavra geradora” selecionada para a experiência, a palavra sapa-
to, projetada ao lado da figura de “um sapateiro colocando sola-
do num sapato, na sua oficina de trabalho”, deveria, quando a
dinâmica das discussões possibilitasse, conduzir à reflexão e ao
debate sobre os seguintes temas:
30/01/1963.
Ficha motivadora: sapato.
Alfabetização e politização.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3356
57
COLEÇÃO EDUCADORES
Projeção: um sapateiro colocando solado em um sapato,
em sua oficina de trabalho.
Temas:
Couro, produção, matéria-prima.
Trabalho – força que une os homens e não a diferenciação
dos homens pela força do trabalho. Sindicalismo.
Angicos é um dos maiores produtores de couro da re-
gião, mas poucos em Angicos usam sapatos.
Importância da arte (do sapateiro). A salteira insignificante
que ele coloca no sapato, mas que dá uma elegância tremenda à
mulher. Eles, os sapateiros, pobres e humildes (unidos) podem
influir nos destinos da nação e em soluções para sua classe.
Reconhecimento do sapato como objeto de cultura e de-
bate sobre sua importância.
O “diário” registra algumas frases ditas pelos participantes
durante os debates em torno dessa “palavra geradora”:
“Eu sou capaz de dar mais valor ao trabalho do sapateiro
do que ao trabalho do doutor (que faz livros). Se o doutor
passar descalço, com o livro debaixo do braço, por cima de
uma moita de espinhos, saberá porque...”
“O governador é uma figura muito importante, mas se
deixar de usar o sapato, perde a importância.”
“Seu moço, si eu aprende mesmu, li dô uma gorjeta, proque
aí eu posso sabê das coisa.”
A terceira ficha de alfabetização apresentava as palavras voto e povo ao
lado da figura de nordestino votando. O “diário” registra as seguintes
anotações a propósito dos temas sugeridos para os debates:
Voto-povo.
Alfabetização e politização.
Projeção: um nordestino votando. Obedecemos a partir
desta ficha mais ou menos a rotina das anteriores.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3357
58
ANTONIO GRAMSCI
Não é dar aula sobre povo, democracia etc.; mas, arrancar
deles o que eles pensam de povo, de democracia, de participa-
ção no processo político. Dialogar sem nenhuma preocupa-
ção ainda de fixar a palavra povo.
Diferença entre povo e massa.
Importância do voto para a emancipação política.
Mostrar que um maior número de (votos) eleitores no Nor-
deste pesará na balança política nacional. Deus criou o homem
– tudo era harmonia, igualdade. No entanto o homem na sua
‘ganância’ fez a desarmonia, a desigualdade, pobres e ricos. Em
Angicos todos são iguais? Bairros? etc. Assim também são as
cidades, os estados, os países (pobres e ricos). O povo é quem
deve, precisa voltar àquela harmonia. Todos têm direitos mí-
nimos. Como fazer?
Aprendendo a ler – para votar consciente.
O voto é a arma do povo. A venda do voto tira o seu
valor. Nossos avós lutaram por este direito. Será que nós o
estamos honrando?
A “palavra geradora” salina, projetada junto à figura de uma
salina de Macau, no litoral do Rio Grande do Norte, deveria con-
duzir ao debate dos seguintes temas:
05/02/1963.
Ficha motivadora: salina.
Alfabetização e politização.
Projeção: uma salina de Macau.
Temas:
Importância do sal na economia do Rio Grande do Norte.
Relação da economia salineira com a economia local. Couro
e algodão.
União – sindicato dos salineiros.
Noções elementares de exportação e importação.
Obs.: tal como no método criado por Decroly, de uma
ideia central, o algodão, parte o coordenador para as outras
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3358
59
COLEÇÃO EDUCADORES
matérias, associando-a às plantações, à terra, às culturas, aos
transportes, à riqueza; enfim, à importância de sua participação
neste processo – conscientemente.
Pergunta:
— Por que compramos sal?
Macau, onde existe o sal – cidade vizinha – a natureza nos
deu o sal – e custa tão caro. Por quê?
Nós brasileiros sabemos explorar o sal. Por que então dei-
xarmos que outros o explorem?
Pergunta:
— Se você fosse autoridade o que é que fazia?
Resposta:
— Tomava as providências e dava um jeitinho.
Pergunta:
— E por que as autoridades não tomam nenhuma providên-
cia?
Resposta:
— Certamente tão recebendo alguma graninha.
Pergunta:
— Mas se as autoridades foram eleitas com o voto do patrão
e os operários votaram em quem o patrão mandou (ou então
venderam o voto.)
Resposta:
— Isto é uma esculhambação.
Obs.: ressaltar a importância do voto. Somente trinta por
cento da população vota. Daí os atuais dirigentes serem real-
mente legítimos representantes dos trinta por cento que os
elegeram. Precisamos nós, os setenta por cento, também nos
fazermos representar.
Obs.: o projetor de slide atrai para a aula alunos sem
nenhum interesse de aprender a ler, simplesmente motivados
pelo cinema. Será de fundamental importância olharmos este
aspecto.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3359
60
ANTONIO GRAMSCI
As “palavras geradoras” feira e milho, projetadas junto à cena
de uma típica feira nordestina, deveriam conduzir à discussão dos
seguintes temas:
07/02/1963.
Ficha motivadora: feira e milho.
Alfabetização e politização.
Projeção: uma feira típica do interior.
Apresentação de sílabas complexas.
Temas:
Problemas do custo de vida. Preços. Inflação. Quando não
se tem dinheiro devemos ficar com fome. Armazenamento.
Eram os seguintes os temas sugeridos para os debates em tor-
no da “palavra geradora” goleiro:
13/02/1963.
Ficha motivadora: goleiro. Alfabetização e politização. Pro-
jeção: um jogo de futebol.
Temas:
Sentido de equipe. União. Organização de classes. Analo-
gia do futebol com as classes dominantes. Político, social, eco-
nômico. O gol é de todo o time – e não individual. Na luta
pela vida, o gol é o que eles produzem – é do grupo. O dono
da bola é o dono da terra.
Colocamos a palavra incompleta no quadro-negro e pe-
dimos que eles a formem: – ...leiro; go...ro; etc.
Frases relativas ao debate:
— A luta é do povo.
— O povo luta para arranjar o pão.
A “palavra geradora” cozinha era apresentada junto à figura de
uma mulher trabalhando na preparação da comida e deveria con-
duzir ao debate dos seguintes temas:
15/02/1963.
Ficha motivadora: cozinha. Alfabetização e politização. Pro-
jeção: uma cena nordestina – uma mulher trabalhando numa
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3360
61
COLEÇÃO EDUCADORES
cozinha, aparecendo também as palavras jarra (rr), fogão (ão),
tigela (ge), junto aos objetos respectivos. Temas:
Gêneros alimentícios – o que comemos. Problemas do
custo de vida. Aumento dos preços. Impossibilidade da aqui-
sição de gêneros de primeira necessidade. Quem planta feijão
tem feijão em casa?
Temos direito ao que plantamos.
Se vê formiga no verão? Por quê? Armazenamento. Deve
o governo armazenar – para vender aos pobres, no período
de seca pelo preço de inverno. Silagem.
A “palavra geradora” chibanca, apresentada junto à cena de um
nordestino trabalhando com uma chibanca (picareta), deveria su-
gerir a discussão dos seguintes temas:
21/02/1963.
Ficha motivadora: chibanca.
Alfabetização e politização.
Projeção: um nordestino trabalhando com uma chibanca
(picareta).
Temas:
Trabalho – seu valor – capital.
Análise das diversas profissões.
Lida a Constituição – na parte relacionada ao trabalho.
As anotações do “diário” a propósito dos temas sugeridos para
o debate em torno da “palavra geradora” xique-xique eram poucas:
28/02/1963.
Ficha motivadora: xique-xique. Politização e alfabetização.
Projeção: um sertanejo assando e comendo xique-xique,
numa cena de seca.
Temas:
Problemas das secas, água, alimentação.
Fixação do homem à terra. Silagem e irrigação.
Eram poucas também as anotações a propósito das discussões
em torno da “palavra geradora” expresso:
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3361
62
ANTONIO GRAMSCI
04/03/1963.
Ficha motivadora: expresso.
Alfabetização e politização.
Projeção: um ônibus numa estrada nordestina.
Temas:
Dissecação do ônibus. Transporte de cultura, gente e gê-
neros.
Importância do transporte para as comunicações huma-
nas. Ênfase no X.
Frases dos participantes:
Pedro Neves: “Cum Deus e cum governo ninguém pode”.
(Dona Hermínia.)
Dilma: “O povo de Angicos se libertou”.
Walkíria: “O transporte é muito importante porque leva e
traz sabedoria”.
Eram relativamente poucas também as anotações a propósito
das discussões sugeridas em torno das “palavras geradoras” bilro e
almofada:
06/03/1963.
Reunião dos coordenadores.
(... )
Planejamento dos debates: ficha bilro-almofada. Projeção:
uma velhinha fazendo renda, usando bilro e almofada.
Temas:
Cultura.
Renda.
Valor do trabalho manual. Regionalismo – arte do povo.
Educação, direito de todos. Comparação com outros trabalhos.
Evolução X máquina.
Já na etapa final das atividades, os participantes dos “círculos
de cultura” de Angicos debateram uma “visão geral” da “reforma
agrária”, do “voto”, do “nacionalismo” e de “higiene”.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3362
63
COLEÇÃO EDUCADORES
No artigo “Conscientização e alfabetização: uma visão prática
do sistema Paulo Freire”, Aurenice Cardoso, da equipe do Serviço
de Extensão Cultural (SEC) da Universidade do Recife, explicava
os modos de utilização dessas fichas na parte relativa à “conscien-
tização” (Cardoso, 1963, p.71):
Uma vez desafiados com a ficha projetada, os analfabetos descrevem
o que veem e geralmente empregam palavras soltas ao se iniciarem.
Cabe ao coordenador levá-las a fundamentar suas opiniões em bases
mais críticas, quando lançam os ‘por que’, ‘para que’, ‘onde’, ‘como’...
A ficha engloba aspectos diversos da realidade; partimos, para
a conversação, da realidade local, associando-a à regional e nacio-
nal, debatendo aspectos sociais, econômicos, políticos, sanitários
etc., a que as fichas ofereçam oportunidades. Esse debate deve
dinamizar todo o grupo, levando todos a se expressarem mais
racionalmente. Para isso, o coordenador reformula as respostas
dadas em uma nova pergunta e a devolve ao grupo. Numa ficha
que representa uma seção eleitoral surge possivelmente a discussão
sobre governo, democracia, participação do povo, responsabili-
dade do eleitor, título, voto do analfabeto, voto de cabresto, po-
der do voto etc..
As anotações do “diário” da experiência de Angicos infor-
mam que era exatamente essa a atuação dos “coordenadores de
debates”. Após a projeção de cada uma das fichas, os coordena-
dores perguntavam aos adultos “o que é que nós vemos na figu-
ra?”, convidando-os a descrever oralmente a cena visualizada. Per-
guntas breves, “por que?”, “como?”, “para que?”, “o que é que
nós estamos vendo?”, ou “o que é que vocês pensam disso?”,
entre outras a propósito das respostas ensaiadas por um ou outro
entre os analfabetos, possibilitavam ao coordenador estimular a
participação, promover o crescente envolvimento dos membros
do grupo nos debates e, pouco a pouco, eliminar a inibição, natu-
ral nos primeiros momentos da atividade. Certamente nem todos
os temas incluídos nas “fichas-roteiro” puderam ser examinados
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3363
64
ANTONIO GRAMSCI
na experiência de Angicos. É preciso não esquecer que os “círcu-
los de cultura” reuniam nordestinos analfabetos em sua grande
maioria acentuadamente rústicos e que esta condição sociocultural
da clientela, aliada à curta duração dos trabalhos (cerca de qua-
renta horas), impossibilitava uma reflexão mais aprofundada so-
bre os temas então examinados. Mas, era um começo. Os mem-
bros da equipe tinham clara consciência disso e entendiam que
era um bom começo. Na verdade, durante o desenvolvimento
dos trabalhos, notavam-se expressivos indícios de que os partici-
pantes realmente extraíam, da discussão e da reflexão sobre as
próprias vivências, atitudes de afirmação de sua condição e de
recusa das estruturas sociais responsáveis pelas dificuldades da
vida popular. Há, nas anotações do “diário”, além do que já foi
visto, numerosos outros exemplos de expressões desta incipiente
afirmação de atitudes de autorrespeito e de recusa. Os testes de
avaliação aplicados pela equipe revelaram 87% de aproveitamento
na parte relativa à “politização”.
A esta altura da exposição já se encontra perfeitamente docu-
mentada a estreita correspondência que havia entre as concepções
teóricas de Paulo Freire e os procedimentos que então recomen-
dava para a condução do processo de educação de adultos.
Em seu método, o educador inegavelmente conseguira elimi-
nar aquele caráter de “superposição” do ensino à realidade vivida
pelos educandos. O embasamento dos trabalhos na pesquisa dos
modos de vida e do “universo vocabular” das localidades, os cri-
térios de seleção das “palavras geradoras” e a orientação do de-
senvolvimento das atividades, sempre apoiadas naquilo que os
participantes podiam afirmar a propósito “do que estavam ven-
do” na figura projetada, garantiam o relacionamento entre tudo o
que ocorria no interior dos “círculos de cultura” e as vivências dos
educandos. O método eliminava a rígida separação antes observa-
da na educação de adultos entre a educação escolar e a vida real.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3364
65
COLEÇÃO EDUCADORES
Enraizando todas as atividades nas peculiares características
das localidades, o método por isso mesmo apresentava uma solu-
ção original e consistente para a reivindicada descentralização da
escola brasileira. E esta descentralização, embora radical, não era
incompatível com possíveis exigências de planejamento global do
processo educativo ou com a fixação de diretrizes gerais para o
ensino. Os procedimentos então recomendados eram flexíveis a
ponto de possibilitar uma ação centralizada, naqueles aspectos da
tarefa educativa que aconselhassem a centralização, e concomi-
tantemente descentralizada, de modo a compatibilizar o dia a dia
da prática escolar, em todos os seus pormenores, com as caracte-
rísticas particulares de cada uma das localidades. Esta orientação
descentralizadora e, ao mesmo tempo, centralizadora no que res-
peita ao planejamento e à fixação de diretrizes gerais para as ativi-
dades já vinha sendo praticada pela equipe do Serviço de Exten-
são Cultural da Universidade do Recife, quando Paulo Freire orien-
tava e supervisionava as experiências realizadas em Pernambuco,
na Paraíba e no Rio Grande do Norte.
A anterior insistência do educador em afirmar a necessidade
do desenvolvimento da educação pelo diálogo e para o diálogo encon-
trava pleno atendimento no método. Desde o início, nos trabalhos
dedicados à introdução ao estudo do conceito de cultura, e, de-
pois, nas atividades de alfabetização e “conscientização”, pratica-
va-se o diálogo do educador com os educandos, dos educandos
entre si e de todos, educador e educandos, com as “circunstâncias”
naturais e culturais do meio. Certamente era possível entender que
a educação realizada mediante o exercício do diálogo, fundada na
prática permanente do diálogo, seria a educação mais favorável à
formação e ao desenvolvimento de atitudes de aceitação do outro e de
tolerância diante dos eventuais desacordos.
O método de igual modo respondia às reivindicações de uma
educação propícia ao desenvolvimento de atitudes de aceitação
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3365
66
ANTONIO GRAMSCI
das mudanças. Na verdade, era bem mais do que isso, era a pro-
posta de uma educação voltada para a formação de agentes da
mudança social. Envolvendo os membros dos “círculos de cul-
tura” no exame e na discussão de aspectos das vivências indivi-
duais e coletivas, em que se exprimiam as determinações locais,
regionais e nacionais dos problemas e das dificuldades da vida
popular, os procedimentos então adotados na alfabetização já
estavam conduzindo ao exercício da participação. Em outras pala-
vras, ao examinarem e discutirem as causas das expressões locais
do subdesenvolvimento, os adultos estavam ensaiando os pri-
meiros movimentos de sua integração no processo de desenvol-
vimento. As discussões sobre as consequências do voto não tinham
outro significado. A reordenação da sociedade pelo voto consciente do povo
era o corolário esperado de uma ação educativa orientada para a
autovalorização e a “conscientização” do votante.
Aquela demorada e intensa procura de uma educação “mergu-
lhada” na realidade brasileira realmente havia encontrado respostas no
método. Mais ainda, os procedimentos elaborados para a educação
do analfabeto também respondiam à procura de uma educação compro-
metida com a democratização fundamental da sociedade: valorizavam as
virtualidades educativas dos agrupamentos; favoreciam a formação
de disposições de abertura ao diálogo; proporcionavam, pelo exercí-
cio, o desenvolvimento da propensão à tolerância; estimulavam a for-
mação de sentimentos de autorrespeito, de responsabilidade individu-
al e de aceitação das mudanças. Seguramente uma educação com tais
características podia ser entendida como um caminho para o
autogoverno e para a participação dos homens na construção da vida
coletiva. E não eram estas as características que Paulo Freire atribuía à
“personalidade democrática”? O processo de “conscientização”, tal como fora
definido nos escritos já examinados, também encontrava encaminha-
mento nos trabalhos então desenvolvidos. Os estudos sobre as condi-
ções de vida evocadas pelos temas geradores, os debates em torno da
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3366
67
COLEÇÃO EDUCADORES
dimensão cultural da existência, a percepção das distinções entre o
mundo da natureza e o mundo da cultura, entre outras atividades,
inegavelmente podiam conduzir os analfabetos a um maior domínio
de suas possibilidades de reflexão e a um início de apropriação dos
fatores e dos condicionamentos de sua consciência.
O respeito pelo educando, sempre definido como agente ativo
– como sujeito – do processo de sua educação, exprimia-se, no
método, entre outras formas, no permanente esforço de aceitação
dos traços culturais dos analfabetos. O que sabiam, suas crenças,
os modos de vida e mesmo a própria ignorância das coisas estra-
nhas ao âmbito de suas experiências eram entendidos como pro-
dutos “legítimos” da subcultura local. O “diário” de Angicos con-
tém bons exemplos da presença desta preocupação entre os coor-
denadores. Nas discussões em torno da “ficha de cultura” encabe-
çada pela figura do gaúcho de “bombachas” encontram-se as se-
guintes observações:
Troca de cultura:
Pedro Neves, em sua classe, perguntou se conheciam aque-
las roupas, ao que responderam:
— Não.
Então ele explicou que aquelas ‘calças’ eram chamadas
‘bombachas’, o chapéu ‘sombrero’ (?) etc., dizendo:
— Antes vocês (...) não conheciam isto.
Ao mesmo tempo perguntou se o homem comia cardeiro,
ao que responderam:
— Não, come a flor.
— Ah, esta eu não sabia, estão vendo, houve agora entre nós
uma troca de cultura. Os participantes vibraram com isto. Pedro
Neves:
— Eu fiquei sabendo de umas coisas e vocês de outras.
A intenção de respeitar o educando transparecia mesmo nos
pormenores do relacionamento diário. Já na fase final das ativi-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3367
68
ANTONIO GRAMSCI
dades, durante a aplicação de um “teste de alfabetização e
politização”, os coordenadores procuravam eliminar de sua con-
duta quaisquer conotações de uma relação do tipo “quem sabe
ensina a quem não sabe”:
— Vocês escrevam o que vocês acham que está certo para
vocês, que depois verificarei o que está certo para mim.
Seguramente tais formulações, tanto a primeira, sobre a “tro-
ca de cultura”, quanto esta, poderão parecer uma grossa tolice
para muitos educadores. Mas, por mais estranhos que possam
parecer e por mais singelos que fossem os modos de sua manifes-
tação, estes cuidados eram inteiramente compatíveis com as orien-
tações das pesquisas de Paulo Freire. O educador afirmara muitas
vezes a necessidade de eliminar o autoritarismo na educação, e este
autoritarismo, em sua expressão mais sutil e consolidada, surgia
exatamente nas relações dos homens que sabem, porque têm a
verdade, com aqueles que precisam ser esclarecidos, porque nada
sabem. Esta equação da relação pedagógica não era aceitável. Os
homens, mesmo os mais “intransitivados”, assim o entendia Paulo
Freire, de alguma forma realizavam em si mesmos a ontológica
abertura para os outros, para o mundo e para o Criador. Certamen-
te podiam ser ajudados no processo de formação de novas atitudes
e de alargamento das esferas de apreensão de sua consciência. E era
esta a tarefa do educador. O trabalho voltado para a clarificação da
consciência dos homens e para a alteração de suas disposições inte-
riores não poderia, porém, de nenhum modo e em nenhuma de
suas dimensões, confundir-se com a “domesticação” dos homens.
Na verdade o homem a quem esta educação “conscientizadora”
era dirigida já estava domesticado, submetido pelas estruturas da
dominação tradicional, e a alteração de hábitos e atitudes mentais forja-
dos no âmbito dessas estruturas dependia fundamentalmente de um
trabalho voltado para a promoção de uma nova visão de si mesmo,
para o progressivo desenvolvimento do autorrespeito, da autonomia
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3368
69
COLEÇÃO EDUCADORES
de julgamento que possibilita a opção, do sentimento de responsa-
bilidade pessoal, do sentimento da autoridade interna; e na prática
educativa tudo isto passava por uma nova concepção das relações
entre educadores e educandos.
Era necessário substituir a relação de autoridade na educação
por outra, bem diversa, em que educador e educandos, trabalhan-
do os conteúdos das experiências da vida real, pudessem aprender
juntos. Aí se explicam os cuidados dos coordenadores. Era neces-
sário explicitar, sob todas as formas e em todas as ocasiões opor-
tunas, que os agrupamentos de educandos eram constituídos por
pessoas dotadas dos conhecimentos peculiares a uma determina-
da cultura. Não eram ignorantes em um sentido absoluto, mesmo
quando desconhecessem os produtos de outros contextos cultu-
rais. Era preciso explicitar também que essas culturas haviam sido
construídas na convivência dos homens no curso da história e que
os modos de vida nelas compreendidos podiam ser modificados
pela atuação consciente dos homens.
Ao exprimirem o respeito ao educando, aos seus conhecimentos
e mesmo ao seu desconhecimento, os educadores já estariam atuando
positivamente na formação de atitudes de autovalorização entre os
adultos analfabetos. Mas é preciso observar que este respeito ao edu-
cando apenas se completava nos cuidados do coordenador, porque
começara a concretizar-se bem antes, nos procedimentos propostos
para a educação dos analfabetos e, de modo mais amplo, na própria
concepção do ato de conhecimento implícita nas propostas pedagó-
gicas de Paulo Freire. É conveniente insistir que a concepção cristã de
homem que inspirava as análises e as atividades de Paulo Freire se
exprimia, entre outras características, nesta procura de procedimentos
que, em todas as circunstâncias, favorecessem a formação do senti-
mento de autorrespeito e o desenvolvimento da autonomia entre os
educandos. Já em Educação e atualidade brasileira, o educador insistia em
condenar a prática da doação nas relações entre educadores e educandos.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3369
70
ANTONIO GRAMSCI
Tal posição fora consolidada durante sua longa permanência no Sesi
– uma entidade de assistência social – e, por isso mesmo, originalmen-
te exprimia a recusa às orientações assistencializadoras, em geral pratica-
das nesse tipo de instituição, porque a assistencialização reduzia o ho-
mem à condição de objeto da ação alheia e roubava-lhe qualquer
possibilidade de participação na ordenação do próprio destino.
O assistencialismo é uma forma de ação que rouba ao homem con-
dições à consecução de uma das necessidades fundamentais da alma
humana – a responsabilidade (...). No assistencialismo não há res-
ponsabilidade. Não há decisão. Só há gestos que revelam passividade
e domesticação do homem” (sobre o assistencialismo, ver Freire,
1959, pp. 14 e seguintes).
Essa mesma orientação caracterizava o ensino brasileiro, igual-
mente marcado pela doação de conhecimentos do educador para
os educandos. Ora, tanto na entidade assistencial como na escola,
essa relação somente reforçava a passividade forjada no âmbito
de uma sociedade autoritária. Ao contrário destas práticas “domes-
ticadoras”, a atividade do educador, tanto na assistência social como
na educação escolar, precisava ajustar-se às exigências do “clima
cultural” novo de uma sociedade que agora transitava para for-
mas democráticas de vida. Era necessário e urgente criar condi-
ções favoráveis ao progressivo envolvimento dos homens no pro-
cesso de sua emancipação. Somente assim, convocados a partici-
parem ativamente, inclusive em sua própria educação, poderiam
eles desenvolver sentimentos de responsabilidade social e superar os ris-
cos de graves perturbações inerentes ao “ímpeto de participação
popular” na vida pública da nação.
Essas preocupações reapareciam no texto sobre a escola pri-
mária para o Brasil, de 1960 (publicado em 1961) e no artigo
dedicado à apresentação do método, em 1963. No primeiro, Pau-
lo Freire insistia em advertir que “uma escola que faz doações, que
impõe, que dita, era uma escola inadequada” ao “clima cultural”
de uma sociedade que se desalienava e buscava sua promoção de
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3370
71
COLEÇÃO EDUCADORES
“objeto a sujeito”. Para atender aos anseios da nova sociedade
brasileira em formação, essa escola precisava transformar-se numa
escola de trabalho, de diálogo, de participação, de comunicação.
“Livresca e superposta à sua realidade local, regional e nacional, ela
perde aquele caráter que Mannheim refere de ‘agente das mudan-
ças sociais’ e se transforma numa fábrica de desiludidos e frustra-
dos...”. No artigo de 1963, Paulo Freire reiterava a recusa à doa-
ção e entendia que no método então apresentado conseguira subs-
tituí-la por orientações mais compatíveis com a autopromoção
dos educandos e com as exigências do desenvolvimento e da de-
mocratização da sociedade. E ao propor as linhas mestras de suas
ideias sobre a educação do analfabeto, não se limitava a recomen-
dar a adoção de procedimentos voltados para o estímulo à for-
mação de sentimentos de autorrespeito e ao desenvolvimento da
autonomia entre os educandos. Como em outros aspectos de seu
trabalho, também aqui, no que respeita a estes traços da personali-
dade, entendia que a formação de tais disposições interiores de-
pendia fundamentalmente da prática do autorrespeito e do exercí-
cio da autonomia no fluir do processo educativo. Por isso mesmo,
a participação dos educandos nos trabalhos de sua educação era
realmente ampla no método. Tudo começava já pela programa-
ção das atividades a partir de informações extraídas da realidade
local. Tanto as “palavras geradoras” como as “situações existenci-
ais típicas” resultavam de uma pesquisa dos modos de vida na
localidade e do levantamento das palavras aí utilizadas. Tais proce-
dimentos inegavelmente implicavam o envolvimento dos
educandos em sua educação: afinal, tudo o que ocorria nos “círcu-
los de cultura” girava em torno de suas experiências de vida. De-
pois, a progressão das atividades, mediante a discussão daquilo
que os participantes “estavam vendo” na figura projetada ou do
que “pensavam a respeito daquilo que estavam vendo” ou, ainda,
de “por que pensavam assim”, completava aquele envolvimento,
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3371
72
ANTONIO GRAMSCI
pois a educação dos analfabetos transcorria durante debates em
que eles mesmos refletiam sobre dados de suas próprias vivências. A busca de
procedimentos voltados para a promoção do autorrespeito e da
autonomia encontrava sua exemplificação maior quando eram es-
timulados a dispensar o coordenador, para assumirem, eles mes-
mos, a condução de parte dos trabalhos. Também aqui as anota-
ções registradas no “diário” da experiência de Angicos ajudam a
documentar a insistente preocupação com o envolvimento dos
educandos na condução das atividades:
Noção de masculino e feminino.
Eles mesmos resolvem suas dificuldades, seus problemas: para
formar o plural, os alunos de Walkíria descobriram que era só
puxar pelo ‘s’, chiando como carioca. A partir deste momento, em
todos os círculos de cultura de Angicos, para formar o plural de
uma palavra era só virar carioca, puxando pelo ‘S’. As dificuldades
continuam sendo resolvidas por eles mesmos: letra ‘r’.
Ao chegarmos para os debates – eu e Talvani – dois alunos
estavam no quadro-negro e um dizia:
— Olhe para a minha boca: caro. A língua tremeu?
— Tremeu.
— Então caro só tem um ‘r’, pois quando a língua não treme
a palavra tem dois ‘r”’.
Como sempre, eles continuavam resolvendo suas dificulda-
des. Para formar o diminutivo:
— E só agradar as palavras.
Este foi o modo como Dona Francisca, participante da classe
da Walkíria, bolou. Ex.: pato, patinho.
Na classe de Walkíria, os participantes achavam que quando a
palavra só tinha um ‘r’, eram palavras raspadas, e quando tinham
dois, eram palavras suaves.
Estas anotações são muito significativas. Indicam que os co-
ordenadores tentavam realizar corretamente, nos pormenores da
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3372
73
COLEÇÃO EDUCADORES
atividade diária, as concepções mais abstratas que inspiraram a
elaboração do método. E de acordo com essas concepções, inega-
velmente importava mais a reformulação da imagem que os adultos
analfabetos tinham de si mesmos e de suas possibilidades de partici-
pação, contavam mais os efeitos dos trabalhos na tradicional pas-
sividade desses homens do que a perfeita tradução verbal das dife-
renças entre as palavras com um só “r” ou com o “r” dobrado.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3373
74
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3374
75
COLEÇÃO EDUCADORES
CHILE: NOVOS CAMINHOS
Entre a apresentação da tese de concurso, em 1959, e a edição
do artigo “Conscientização e alfabetização: uma nova visão do
processo”, em 1963, o país viveu rápida aceleração das disputas
políticas e ideológicas, com agudas repercussões em todos os cam-
pos das atividades sociais.
Em 1959, as ideias de Paulo Freire sobre a educação em geral
eram inovadoras. Em 1963, eram, ainda, inovadoras, mas seriam
traduzidas na prática, em parte das experiências realizadas, sob
outras exigências teóricas, de grupos que interpretavam a realidade
sob quadros de referência teóricos diferentes e, em alguns casos,
mais radicais do que os esposados pelo educador.
Nesse curto período, processos que vinham decantando, já há
algum tempo, de repente passam a somar-se para produzir algo
como uma aceleração da história. Os movimentos subjacentes à
presença de figuras expressivas na política populista e nas corren-
tes de esquerda em posições eletivas importantes, como Leonel
Brizola, no Rio Grande do Sul, Miguel Arraes, no Recife, Djalma
Maranhão, em Natal, e a eleição, em 1960, de Jânio Quadros e
João Goulart, respectivamente para a Presidência e a Vice-Presi-
dência da República, envolviam sérias possibilidades de agrava-
mento de tensões nas disputas políticas. A renúncia do presidente
Jânio Quadros, cerca de sete meses após a posse, e as dificuldades
que acompanharam sua substituição pelo vice-presidente, a reação
liderada pelo governador do Rio Grande do Sul contra os vetos à
posse de Jango Goulart, a adoção do regime parlamentarista e a
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3375
76
ANTONIO GRAMSCI
luta do presidente e seus partidários pela plena restauração dos
poderes do presidencialismo marcam o crescente aprofundamento
da crise política.
Os anos finais da “república populista” testemunharam inten-
sas agitações sociais nas cidades, com multiplicação de movimen-
tos reivindicatórios e paralisações na produção e nos serviços pú-
blicos. A confrontação alcançava as áreas rurais, a partir da organi-
zação de camponeses nos sindicatos rurais e nas Ligas Campone-
sas de Francisco Julião. Após a revolução cubana e a filiação de
Cuba ao bloco socialista, a intensificação da Guerra Fria contri-
buía para o agravamento das lutas políticas e ideológicas no país.
Interna e sobretudo externamente o Nordeste do país era visua-
lizado como uma potencial segunda Cuba.
As práticas da educação popular eram diretamente afetadas pela
intensa mobilização do movimento estudantil e seu engajamento na
luta pelas denominadas reformas de base: reformas agrária, admi-
nistrativa, bancária, fiscal, universitária etc. Caminhavam estreitamente
associadas a radicalização do movimento estudantil e a crescente
politização de setores da igreja católica, em especial na juventude
universitária (JUC). Traves mestras das campanhas de educação po-
pular, jovens universitários católicos, marxistas e de outros segmen-
tos das esquerdas integrados nas organizações estudantis levavam
para a prática da educação de jovens e adultos analfabetos as pers-
pectivas mais radicais de seus movimentos.
Em 31 de março de 1964 eclodiu o movimento civil e militar que
logo em seguida resultaria na deposição do governo legalmente cons-
tituído. Sob o ponto de vista dos vencedores, finalmente chegara o
momento de pôr ordem na casa, e, no setor que ora interessa exami-
nar, uma das primeiras providências consistiu em eliminar tudo o
que o governo anterior viera fazendo no campo da educação de adul-
tos. (Beisiegel, 2008, pp. 315 e seguintes)
Duramente alcançado pela repressão instituída pelo novo re-
gime, Paulo Freire, após prisão de cerca de setenta dias e uma série
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3376
77
COLEÇÃO EDUCADORES
de outras perseguições no Recife, e diante da ameaça de outra
prisão preventiva, refugiou-se na embaixada da Bolívia, em se-
tembro de 1964.
Paulo Freire, já pelas suas ideias, mas sobretudo por seus esforços
em leva-las à prática e, mais ainda, por tê-las praticado no âmbito de
uma ação política radical mais ampla, foi repelido e punido por estes
defensores da ‘ordem’, pelos setores que nos termos então utiliza-
dos acabaram sendo designados como a ‘direita’ brasileira. E a verda-
de é que suas ideias e sua atividade há já algum tempo somente
vinham encontrando aceitação e campo de aplicação entre as denomi-
nadas ‘forças da esquerda’. Foi nestas condições que o educador saiu
do Brasil para iniciar uma nova etapa de vida: como um homem de
‘esquerda’, afastado do país pelos defensores da ‘ordem’ democráti-
ca. (Beisiegel. 2008, p. 324)
A permanência de Paulo Freire no Chile, entre 1965 e 1979, foi
marcada por muito trabalho e grande dedicação ao estudo e à refle-
xão sobre aquelas perguntas que colocava ao processo educativo
desde o início de suas atividades. Destacam-se entre os estudos pu-
blicados nesse período, os livros Educação como prática da liberdade, de
1965, e Pedagogia do oprimido, concluído em 1968.
Educação como prática da liberdade
O livro Educação como prática da liberdade foi concluído no Chile
em 1965 (Freire, 1967). Como relata Weffort, em notável apresenta-
ção intitulada “Educação e Política” (Weffort, 1967), esse livro foi
escrito nos intervalos das prisões e concluído no exílio. Elaborado a
partir de análises em boa parte já apresentadas nos estudos publica-
dos no Brasil, o livro desdobra-se em quatro capítulos: 1. A socieda-
de brasileira em transição; 2. Sociedade fechada e inexperiência de-
mocrática; 3. Educação versus massificação; e 4. Educação e
conscientização. Inclui também um Apêndice, dedicado à apresenta-
ção das situações existenciais preparadas para a apreensão do concei-
to de cultura, acompanhadas de comentários sobre a prática do
método de alfabetização.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3377
78
ANTONIO GRAMSCI
O livro pode ser visto como uma avaliação crítica das experi-
ências até então realizadas no Brasil, com especial realce para os
temas da educação no âmbito do diálogo entre os participantes,
como um exercício de reflexão crítica sobre as condições da exis-
tência popular, como formação da personalidade democrática e
como exercício da democracia. Chama atenção pela forte presen-
ça do tema das relações entre a educação e a liberdade ou, como
o próprio título já explicita com rara felicidade, da Educação como
prática da liberdade. Merece atenção também tudo aquilo que fora
importante nos estudos redigidos no Brasil e que, agora, de certa
forma foi sendo deixado para trás. Neste sentido, vale ressaltar a
perda de espaço dos isebianos e da ideologia do nacionalismo
desenvolvimentista. Mergulhado, agora, em nova e diferente reali-
dade, o autor seleciona os conteúdos de seus trabalhos anteriores.
Nos anos seguintes, sem deixar de lado os temas fundamentais de
sua pedagogia, Paulo Freire progressivamente desloca as análises
para os desafios colocados pela nova conjuntura. Abandona, pro-
gressivamente, as análises sobre as experiências vividas no Brasil e
avança as reflexões para as dimensões mais abstratas de suas
propostas. Os primeiros anos desta permanência no Chile foram
marcados por muito trabalho, por reflexões sobre as experiências
vividas na educação popular e pelo lento amadurecimento de novas
perspectivas de análise.
Pedagogia do oprimido
O livro Pedagogia do oprimido (Freire, 1975)
foi concluído em
Santiago do Chile, no outono de 1968 e publicado em 1970. Con-
siderado, conforme apreciação dos especialistas, como a principal
obra do educador, o livro aprofunda reflexões longamente
amadurecidas sobre a libertação dos homens da situação de opres-
são, bem como às expressões desse processo nas concepções da
educação e no diálogo entre os homens.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3378
79
COLEÇÃO EDUCADORES
O livro começa com uma “apresentação” de Ernani Maria Fiori.
Após breve introdução, nas “primeiras palavras” apresenta quatro
capítulos. O primeiro é dedicado à análise da “contradição opres-
sor-oprimido”. Examina a situação concreta de opressão sob a
perspectiva dos opressores e dos oprimidos. Conclui afirmando
que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os ho-
mens se libertam em comunhão”. O segundo capítulo, em geral
mais lembrado pelos leitores, é dedicado ao estudo das concep-
ções bancária e problematizadora da educação. Conclui as análises ob-
servando que “ninguém educa ninguém – ninguém se educa a si
mesmo – os homens se educam entre si, mediatizados pelo mun-
do.” O homem é visto como “um ser inconcluso, consciente de
sua inconclusão e seu permanente movimento em busca do Ser
Mais”. O terceiro capítulo discute a relação entre a dialogicidade (a
essência da educação como prática da liberdade) e o diálogo. Examina os
temas geradores e o conteúdo programático da educação, traba-
lha a metodologia dos temas geradores e suas possibilidades
conscientizadoras. Finalmente, o quarto capítulo é dedicado ao es-
tudo da antidialogicidade e da dialogicidade como matrizes de
teorias antagônicas da ação cultural: uma primeira, que serve à
opressão e a segunda, comprometida com a libertação.
Antigas questões, novas perspectivas
(item transcrito de Beisiegel, 2008, pp. 330-347).
Os trabalhos de Paulo Freire, quer seja o método de alfabeti-
zação,
quer sejam as reflexões que persistentemente veio desenvol-
vendo sobre o método e sobre o processo educativo em geral,
foram reconhecidos como coisa séria, importante e inovadora por
intelectuais de formação e interesses diversos: cientistas sociais,
pedagogos,
filósofos – e não raramente cada um deles procurou
examinar a natureza e as implicações
da atividade do educador
sob os próprios pontos de vista. Esta prática, já bem evidente no
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3379
80
ANTONIO GRAMSCI
mencionado trabalho de Francisco Weffort, continuou ocorrendo
depois, em muitos outros estudos.
Mesmo em muitas das entre-
vistas que concedeu a propósito de suas experiências e das orienta-
ções de suas atividades, as perguntas se apresentavam como inter-
pretações sob perspectivas diversas daquelas perspectivas que
enformavam as interpretações do entrevistado.
Mais do que uma
sequência de perguntas e respostas, algumas dessas entrevistas cons-
tituíam-se em verdadeiros
confrontos entre diferentes visões do
homem e do mundo. Um bom exemplo disso pode ser encontra-
do na entrevista concedida a uma equipe da revista Cuadernos de
Educación e a alguns integrantes da Universidade Católica de San-
tiago do Chile, em 1972. A entrevista era iniciada com as seguintes
observações dos entrevistadores:
Estivemos reunidos antes de você chegar. Falávamos sobre o mito
Paulo Freire. Hoje em dia, Paulo Freire serve para muitas coisas e
para muita gente. Eu, pessoalmente, utilizo uma metodologia de
interpretação marxista e há, nas suas obras, alguns parágrafos que me
servem. Portanto, só me refiro a eles, o que significa não interpretar
a obra em sua totalidade.
A partir daí, surgiram alguma perguntas mais fundamentais. A pri-
meira delas foi como entender o problema da contradição opressor-
oprimido sem situá-lo dentro do contexto da luta de classes? Por-
que, nas suas obras, pelo menos, ela não está claramente situada. Em
suas obras, o pensamento apresenta-se como a-histórico, quer dizer,
sem uma categoria histórica como pano de fundo. Víamos tentativas
de delinear-se uma perspectiva definida que não fica, entretanto, cla-
ramente explicitada.
Isto parece contraditório diante da realidade concreta que é a vida de
Paulo Freire. Não seria por causa de um livro como este (Pedagogia do
oprimido) que Paulo Freire teria sido perseguido no Brasil, nem teria
tido problemas no Chile, nem em nenhuma outra parte.
Isto quer dizer que havia outra coisa: uma prática concreta, com a
qual se estava apresentando uma realidade que, pelo menos, não
estava suficientemente explicitada no livro.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3380
81
COLEÇÃO EDUCADORES
Estas críticas são mais ou menos clássicas c conhecidas por você.
(Torres, 1979, pp. 41-42)
Realmente não era esta a primeira vez que o educador atendia
a críticas de tal natureza. Na própria introdução ao livro mencio-
nado nesta entrevista, isto é, nas “Primeiras palavras” de Pedagogia
do oprimido, Paulo Freire de certo modo já se defendera por anteci-
pação também de críticas como estas, ao observar que o ensaio
provavelmente provocaria “reações sectárias” entre alguns de seus
possíveis leitores. Entre estes, muitos talvez não ultrapassassem as
primeiras páginas, por entenderem sua posição “frente ao proble-
ma da liberação dos homens” como mais uma posição “de cará-
ter idealista, quando não um verbalismo reacionário”, um verbalismo
de “quem se perde falando de vocação ontológica, amor, diálogo,
esperança, humildade ou simpatia”.
Mas, por outro lado, não é fora de propósito sugerir que estas
e outras críticas ou análises, provenientes de muitas fontes e desen-
volvidas sob as mais diversas perspectivas
teóricas, tenham dado
forma a algo como um esforço coletivo e multidisciplinar de es-
clarecimentos das características e das implicações
de suas propos-
tas. Defensor tenaz e até mesmo um pouco obstinado de seus
pontos de vista, mas, também, homem estudioso, lúcido, intrinse-
camente honesto e aberto ao diálogo, em muitas ocasiões Paulo
Freire não teve como não se render às conclusões de análises alheias
sobre a natureza de sua própria atividade.
Algumas alterações de perspectiva podem ser observadas ao
longo de seus escritos já mesmo a partir de Pedagogia do oprimido.
Embora
o livro, como já se viu, não atendesse às exigências de al-
guns estudiosos de orientação marxista, nem por isso deixava de
revelar-se como um intenso esforço de reflexão sobre aquilo que
mais provocara discussões em torno de sua obra, tanto entre os
analistas da “esquerda” quanto entre os críticos da “direita”, isto é,
um esforço de reflexão sobre as implicações políticas e mesmo re-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3381
82
ANTONIO GRAMSCI
volucionárias da pedagogia
que vinha investigando e praticando. Res-
surgiam ainda uma vez neste livro os temas centrais dos escritos
anteriores: a reflexão sobre as características da consciência, a crítica
à educação domesticadora, a discussão sobre a natureza do homem
e o processo de sua humanização, o exame das linhas mestras de
uma pedagogia libertadora, o papel do diálogo como fundamento
da educação enquanto prática da liberdade. Os temas eram basica-
mente os mesmos – mas as circunstâncias em que eram examinados
haviam sido bastante modificadas. Agora, esses temas eram discuti-
dos tendo em conta as vicissitudes do movimento de educação
popular nos anos anteriores e, por outro lado, tal exame se realizava
no âmbito daquele diálogo
com numerosos outros intelectuais de
“esquerda”, igualmente envolvidos nos sucessos da época.
Um testemunho em favor dessas afirmações surge nos agra-
decimentos de Paulo Freire às críticas que solicitou e recebeu, entre
outros, de Almino Affonso, Paulo de Tarso Santos, Ernani Maria
Fiori, Plínio de Arruda Sampaio, José Luís Fiori, Wilson Cantoni
etc. Logo na introdução do livro, nas “Primeiras palavras”, ao
afirmar
que a conscientização, tal como a entendia, nunca seria
responsável pela adesão do povo a “fanatismos destrutivos” que,
pelo contrário, ao possibilitar a inserção dos homens como sujei-
tos no processo histórico, a conscientização
evitava fanatismos e
inscrevia os homens na busca de sua afirmação, o educador con-
cordava com análises desenvolvidas por Francisco Weffort na in-
trodução ao livro anterior, quando advertia que “se a tomada de
consciência abre caminho à expressão das insatisfações sociais, é
porque estas são componentes reais de uma situação de opres-
são”. Em Pedagogia do oprimido o educador aceitava integralmente
aquela condição de revolucionário que tantas vezes lhe fora atri-
buída: assumia sem hesitações a condição de cristão revolucioná-
rio,
embora a entendesse como uma consequência das reações
desencadeadas contra o seu comprometimento com o processo
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3382
83
COLEÇÃO EDUCADORES
de emancipação dos “oprimidos”. Em quaisquer circunstâncias, o
trabalho comprometido com a libertação e a afirmação do ho-
mem
seria sempre legítimo – suas implicações revolucionárias de-
corriam das inevitáveis resistências dos beneficiários de uma estru-
tura de opressão que insistia em manter-se como tal. A opressão e
a interação entre “opressores” e “oprimidos” eram as persona-
gens centrais desse livro e determinavam o reexame daqueles mes-
mos temas que vinham sendo trabalhados desde os tempos de sua
atividade no Sesi de Pernambuco.
As análises anteriores a propósito das modalidades “intran-
sitiva” e “transitiva” (“ingênua” e “crítica”) da consciência eram
substituídas pelo estudo
das características da consciência de “opres-
sores” e “oprimidos”. As críticas que viera formulando à educa-
ção escolar eram retomadas, agora sob a perspectiva da interação
entre dominantes e dominados. De igual modo, a “ação antidialógica
e o seu oposto, a “ação dialógica”, também eram reexaminadas
enquanto matrizes de teorias de ação cultural antagônicas: a pri-
meira que serve à opressão; a segunda, à libertação. Até mesmo as
afirmações anteriores sobre a “conscientização” surgiam agora ao
menos
parcialmente modificadas. Em Pedagogia do oprimido o autor
poucas vezes se referia à “conscientização”. É bem
verdade que o
processo de “conscientização” sem dúvida alguma estava presente
nas análises: estavam aí o diálogo, o respeito ao outro, a recusa às
imposições e aos “comunicados”, a discussão sobre os temas ge-
radores, a busca do aprofundamento da capacidade de reflexão, o
exercício da participação, a busca de ser sujeito... Mas as reflexões
sobre estes antigos objetos de suas preocupações agora se desen-
volviam considerando também as evidências obtidas mediante a
análise sob um outro enquadramento teórico.
Tudo parece sugerir que Paulo Freire redigiu o livro Pedagogia do
oprimido numa fase de inquietações intelectuais, de muito estudo e de
intensa procura de novas e talvez mais abrangentes explicações para
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3383
84
ANTONIO GRAMSCI
os desafios que encontrara na prática educativa. A partir deste livro
tornava-se evidente sua aproximação dos quadros
de referência do
pensamento
marxista. São numerosas as indicações neste sentido.
Em primeiro lugar, é notável a mudança na bibliografia utiliza-
da. Enquanto os escritos anteriores se apoiavam preponderante-
mente
em autores não diretamenle filiados ao pensamento marxista,
como Barbu, Mannheim, Ortega y Gasset, Jarpers, Huxpey, Marcel,
os isebianos e outros também já mencionados
agora, neste livro,
entre os autores citados encontravam-se, além de Hegel, Marx, Engels,
Lenin, Fromm, Sartre, Marcuse, Fanon, Memmi, Lukács, Debray,
Freyer, Kossic, Goldman e Althusser. Além disso, havia ainda repe-
tidas menções a escritos e pronunciamentos de Mao Tsé-tung, Fidel
Castro, Ernesto Guevara, Camilo Torres... A mudança era flagrante,
o educador passara a movimentar-se
num universo teórico bem
diferente. Agora, sob esses novos pontos de vista, a educação (ou a
“conscientização”) dificilmente poderia continuar a ser entendida
como o instrumento privilegiado de transformação dos modos de
coexistência. Acima dela, condicionando-a e determinando os limi-
tes de sua possibilidade de interferência na organização do social
estava a própria organização social que a envolvia. E tanto esta or-
ganização do social quanto a ordem social que a organização pressu-
punha eram agora visualizadas como sinônimos da manutenção da
situação de opressão dos “senhores” sobre “servos” ou dos “opres-
sores” sobre os “oprimidos”. Este conflito entre os interesses anta-
gônicos das classes sociais “opressoras” e “oprimidas” impregnava
a vida social em sua totalidade. Nessas sociedades assentadas na opres-
são e no conflito nem mesmo o conhecimento poderia ser neutro.
Socialmente condicionado, o conhecimento constituía-se em ideo-
logia. E tambem não haveria neutralidade no processo educativo.
Daí as duas modalidades típicas de educação apresentadas neste
livro: a concepção bancária da educação, comprometida com a ma-
nutenção da ordem social e instrumento da opressão; e a concepção
problematizadora
da educação, comprometida com a superação
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3384
85
COLEÇÃO EDUCADORES
da contradição opressores-oprimidos. Reapareciam, uma vez mais,
nessas modalidades de concepção educativa, aqueles mesmos temas
já trabalhados nos escritos anteriores.
Na primeira modalidade, a da educação bancária, reencontra-
vam-se muitas das críticas antes dirigidas à educação escolar no
Brasil:
O educador é sempre o que educa: o educando, o que é educado. O
educador é quem sabe; os educandos os que não sabem.
O educador é quem pensa, o sujeito do processo; os educandos são
os objetos pensados.
O educador é quem fala; os educandos os que escutam docilmente.
O educador é quem disciplina; os educandos os disciplinados.
O educador é quem opta e prescreve sua opção; os educandos os que
seguem a prescrição.
O educador é quem atua, os educandos são aqueles que têm a ilusão
de que atuam, na atuação do educador.
O educador é quem escolhe o conteúdo programático, os educandos,
aos quais jamais se escuta, se acomodam a ele.
O educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade
funcional, a qual opõe antagonicamente à liberdade dos educandos.
São estes que devem adaptar-se às determinações daquele. Finalmen-
te, o educador é o sujeito do processo, os educandos, meros objetos.
Se o educador é quem sabe, e se os educandos são aqueles ignorantes,
lhe cabe, então, ao primeiro, dar, entregar, levar, transmitir seu saber
aos segundos. Saber que deixa de ser um saber de experiência realizada
para ser o saber da experiência narrada ou transmitida. Não é de estra-
nhar, assim, que nesta visão bancária da educação os homens sejam
vistos como seres da adaptação. Quanto mais exercitam os educandos
no arquivo dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvol-
verão em si a consciência crítica da qual resultaria sua inserção no mun-
do, como transformadores dele. Como sujeitos do mesmo. Quanto
mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente tende-
rão a adaptar-se ao mundo, em lugar de transformar, tanto mais ten-
dem a adaptar-se à realidade parcializada nos depósitos recebidos. Na
medida em que esta visão bancária anula o poder criador dos educandos
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3385
86
ANTONIO GRAMSCI
ou o minimiza, estimulando assim sua ingenuidade e não sua
criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores. (...)
Na verdade, o que pretendem os opressores é transformar a menta-
lidade dos oprimidos e não a situação que os oprime. A fim de obter
uma melhor adaptação à situação que, por sua vez, permita uma
melhor forma de dominação.(...)
O problema radica-se em que pensar autenticamente é perigoso. O
estranho humanismo desta concepção bancária se reduz à tentativa
de fazer dos homens o seu contrário – um autômato, que é a negação
de sua vocação ontológica de ser mais.
A “educação problematizadora”,
a outra modalidade típica en-
tão constituída, igualmente retomava antigas propostas, desenvolvi-
das nos escritos anteriores e incorporadas ao método de alfabetiza-
ção de adultos. Esta educação, praticada pelo “educador humanista,
revolucionário”, “identificando-se desde logo com a atuação dos
educandos”, deveria orientar-se no sentido da libertação de ambos.
Fundava-se na crença no homem e no seu poder criador. Seria de-
senvolvida mediante o diálogo. A contradição entre educador e edu-
cando devia ser superada pela substituição de um e outro por educa-
dor-educando e educando-educador. O educador já não seria aquele que
somente educa, “mas aquele que enquanto educa é educado através
do diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa”.
Assim, ambos se transformariam em “sujeitos do processo em que
crescem juntos e no qual os argumentos da autoridade já não preva-
lecem”. Agora, “já ninguém educa ninguém, assim como tampouco
ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam em comunhão,
mediatizados pelo mundo”.
Em tal processo educativo não haveria a rígida separação das
atividades em dois momentos distintos: um primeiro, no qual o
educador estuda em sua biblioteca ou trabalha em seu laboratório,
e um segundo, quando este educador narra aos educandos os co-
nhecimentos que havia adquirido. Era imprescindível que os
educandos perdessem esta condição de “dóceis receptores de de-
pósitos” e se transformassem em investigadores críticos em diálo-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3386
87
COLEÇÃO EDUCADORES
go com o educador que, por sua vez, também seria um “investi-
gador crítico”. Esta educação deveria proporcionar as condições
para que o educando pudesse passar do nível da doxa para o nível
do logos, buscaria promover a “emersão da consciência do educan-
do e sua inserção crítica na realidade”.
Quanto mais se problematizam os educandos como seres no mun-
do e com o mundo, mais se sentirão desafiados. Tanto mais desafi-
ados quanto mais se vejam obrigados a responder ao desafio. Desa-
fiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Não
obstante, precisamente
porque captam o desafio como um proble-
ma em suas conexões com outros, em um plano de totalidade e não
como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se
crescentemente crítica e, por isso, cada vez mais desalienante. (...)
novas compreensões de novos desafios, que vão surgindo no pro-
cesso de resposta, se vão reconhecendo
mais e mais como compro-
misso. É asim que se dá o reconhecimento que compromete.
A “educação problematizadora” não propunha reflexões so-
bre “homens-abstrações” ou sobre o mundo sem homens, mas
sobre os homens em suas relações com o mundo. “Relações que a
consciência e o mundo se dão simultaneamente”. O que antes exis-
tia como objetividade e que não era percebido em suas implica-
ções mais profundas (nem sequer era percebido) se destaca e assu-
me o caráter de problema e, portanto, de desafio. O ‘percebido
destacado’ é objeto de admiração e, como tal, de ação e de conhe-
cimento. A realidade surgiria aos agentes desta educação “não como
algo estático, mas como realidade em processo de transformação.
Os homens, ao pensarem-se simultaneamente com o mundo (sem
dicotomizarem-se dele), de qualquer maneira que atuem, o fazem
em função deste modo de perceber o mundo”. Buscam-se as ver-
dadeiras razões de “como estão sendo os homens no mundo e se
defende a todo custo o diálogo como relação indispensável para
o ato cognoscente desvelador da realidade”.
Esta educação deveria partir do caráter histórico e da historici-
dade dos homens, seres que “estão sendo”, “ser inacabados”, situa-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3387
88
ANTONIO GRAMSCI
dos em e com uma realidade que, sendo igualmente histórica, é
tão inacabada quanto eles. Assim “se localizaria a raiz da própria
educação, como manifestação exclusivamente humana”, “na incon-
clusão dos homens e na consciência que dela têm”. Por isso mesmo,
a educação seria permanente, pela razão da “inconclusão dos ho-
mens e do vir a ser da realidade”. Tal educação, em vez de acen-
tuar a permanência, reforçaria a mudança. O ponto de partida
assenta no homem mesmo, em seu “aqui e agora”, porque estes
constituem a “situação em que se encontra”. E esta situação seria então
compreendida pelos homens...
Não como algo fatal e intransponível, mas como uma situação desafi-
adora, que só os limita... A prática problematizadora propõe aos ho-
mens sua situação como problema. Apresenta-lhes sua situação como
incidência de seu ato cognoscente, pelo qual se possibilita a superação
da percepção mágica ou ingênua que dela tenham. A percepção mágica
ou ingênua da realidade, da qual resultava postura fatalista, cede lugar
a uma percepção capaz de perceber-se. E dado que é capaz de perceber-
se enquanto percebe a realidade, que lhe parecia em si inexorável, é
capaz de objetivá-la. Dessa maneira, aprofundando a tomada de cons-
ciência da situação, os homens se ‘apropriam’ dela como realidade
histórica e, como tal, capaz de ser transformada por eles.
O fatalismo seria assim substituído por um ímpeto de transfor-
mação e de busca. Por isso mesmo, os obstáculos opostos contra a
participação dos homens, enquanto sujeitos, neste movimento de
busca, constituiriam sempre uma violência. E em qualquer situação em
que alguns homens proíbam os outros de serem sujeitos de sua busca instaura-se,
inevitavelmente, uma situação de violência. Este movimento de transfor-
mação e de busca se justificava enquanto realização da vocação “his-
tórica” e “ontológica” do homem de “ser mais”, de “humanizar-
se”, uma consequência de sua própria inconclusão. Essa busca de
“ser mais” não poderia realizar-se no isolamento, no individualismo,
“mas na comunhão, na solidariedade dos que existem e daí que seja
impossível nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos”,
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3388
89
COLEÇÃO EDUCADORES
A busca do ‘ser mais’ pelo individualismo conduz ao egoísta
ter mais, uma forma de ser menos. Não é que não seja fundamen-
tal – repetimos – ter para ser. Precisamente porque o é, não pode
o ter de alguns converter-se em obstaculização ao ter dos demais,
robustecendo assim o poder dos primeiros, com o qual massa-
cram os segundos, dada sua escassez de poder. (...) Para a educa-
ção problematizadora, enquanto trabalho humanista e libertador,
a importância assenta em que os homens submetidos à domina-
ção lutem por emancipação.
É por isso que essa educação, na qual educadores e educandos
se fazem sujeitos de seu processo, superando o intelectualismo alie-
nante, superando o autoritarismo do educador bancário, supera
também a falsa consciência do mundo.
O mundo, agora, já não é algo sobre o que se fala com falsas
palavras, mas o mediador dos sujeitos da educação, a incidência da
ação transformadora dos homens, da qual resulte sua humanização.
Esta é a razão pela qual a concepção problematizadora da edu-
cação não pode servir ao opressor.
Assim, a “vocação humanizadora” dos homens, “negada na in-
justiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores”, mas
afirmada na ânsia de liberdade, de justiça, na luta dos oprimidos pela
recuperação de sua humanidade ultrajada
encontrava nesta “educação
problematizadora”
um importante instrumento de sua realização. Mas
tal processo se desenvolveria no âmbito da “tarefa humanista históri-
ca” fundamental dos “oprimidos”, que consistia em “libertar-se a si
mesmos e aos opressores” da situação de opressão.
Ao expor as suas ideias sobre esta “educacão problematiza-
dora”, Paulo Freire continuava a defender a importância funda-
mental da “conscientização” e insistia em afirmar que o diálogo era o
caminho para alcançá-la.
O que pode e deve variar, em razão das condições históricas, em
razão do nível de percepção da realidade que tenham os oprimidos,
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3389
90
ANTONIO GRAMSCI
é o conteúdo do diálogo. Substituí-lo por um antidiálogo, por slogans,
pela verticalidade, por comunicados, é pretender a libertação dos
oprimidos com instrumentos da ‘domesticação’. Pretender a liberta-
ção deles sem sua reflexão no ato desta libertação é transformá-los
em objetos que se devem salvar de um incêndio. É fazê-los cair no
engano populista e transformá-los em massa manobrável.
Nos momentos em que assumem sua libertação, os oprimidos ne-
cessitam reconhecer-se como homens, em sua vocação ontológica e
histórica de ser mais. A ação e a reflexão se impõem quando não se
pretende cair no erro de dicotomizar o conteúdo e a forma histórica
de ser homem.
A “conscientização” estava aí, mas era examinada sob o pon-
to de vista da luta transformadora dos “oprimidos”. O autor já
não delimitava campos distintos para a atividade propriamente
educativa (a “conscientização”) e a posterior atuação política dos
educandos (quando, já “conscientizados”, poderiam então optar
pela prática política que entendessem como a mais conveniente).
Em muitos aspectos, essa “conscientização” tendia já a aproxi-
mar-se da própria “prática de classe”. Aplicavam-se, agora, à prá-
tica “libertadora”, isto é, aos domínios da política, as mesmas con-
siderações aplicáveis à prática educacional:
Ninguém educa ninguém – ninguém se educa a si mesmo. Os ho-
mens se educam entre si. Mediatizados pelo mundo.
Ninguém liberta ninguém – ninguém se liberta sozinho – os ho-
mens se libertam em comunhão.
Nestas propostas, quando os homens se libertam e se educam
em comunhão, mediatizados pelo mundo, desde o início e em todas
as suas etapas o processo educativo e a prática política caminhavam
juntos, faziam-se
indissociáveis. Os novos quadros de referência já
não comportavam a anterior separação. Examinadas no âmbito da
“situação de opressão” e da interação entre “opressores” e “opri-
midos” identificavam-se, agora, no mesmo processo, a “educação
libertadora” e a “política libertadora”. Aquele processo de aquisição
e aprofundamento
da capacidade de reflexão crítica sobre os con-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3390
91
COLEÇÃO EDUCADORES
dicionamentos da existência individual e coletiva, aquela aquisição da
consciência de poder vir a ser sujeito de seu acontecer individual e
coletivo ou, em outras palavras, a conscientização
que antes era exa-
minada enquanto a conscientização
do adulto analfabeto, apresenta-
va-se agora ao analista como a “conscientização”
do “homem oprimido” e,
nesta qualidade, fazia-se parte – uma parte imprescindível, é verda-
de – de um processo bem mais amplo de “práxis dos
homens oprimi-
dos”. Sob este novo enquadramento teórico, esta “conscientização”
e
esta “práxis” realmente podiam ser entendidas até certo ponto como
uma tentativa de compromisso
com algumas definições marxistas
da “consciência de classe” e da “prática de classe”.
Ao longo do livro Pedagogia do oprimido encontram-se numero-
sas evidências desta procura de aproximação.
A manipulação na teoria da ação antidialógica, como a con-
quista a que serve, tem que anestesiar as massas com o objetivo de
que estas não pensem.
Se as massas associam à sua emersão, ou à sua presença no
processo histórico, um pensar crítico sobre este ou sobre sua rea-
lidade, sua ameaça se concretiza na revolução.
Este pensamento, chame-se corretamente de “consciência re-
volucionária” ou de “consciência
de classe”, é indispensável para a
revolução.
Nas análises a propósito das relações entre as “lideranças” e o
povo, ou, por extensão, das relações entre os educadores e os
educandos, conjugavam-se, nas afirmações de Paulo Freire, as ideias,
nunca abandonadas, da imperiosa necessidade do respeito ao outro e do
respeito à cultura
do povo e toda a temática teórica envolvida nas polê-
micas entre os marxistas sobre os papéis das denominadas “vanguar-
das” revolucionárias.
Recusando qualquer validade às diversas formas
de imposição de conhecimentos (e havia imposição na “conquista”,
na “manipulação” e na “invasão cultural”), mas, ao mesmo tempo,
reconhecendo a importância da atuação de uma teoria revolucioná-
ria e das vanguardas portadoras desse conhecimento na política
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3391
92
ANTONIO GRAMSCI
transformadora dos “oprimidos”, Paulo Freire propunha o que
designava como a ação orientada para a “síntese cultural”:
A liderança cai em muitos erros e equívocos ao não considerar um fato
tão real, como o é a visão do mundo, que o povo tenha ou esteja
tendo. Visão do mundo em que vão encontrar-se, implícita ou expli-
citamente, seus desejos, dúvidas, esperanças, sua forma de visualizar a
liderança, sua percepção de si mesmo e do opressor, suas crenças religi-
osas quase sempre sincréticas, seu fatalismo, sua reação rebelde. E isto,
como já assinalamos, não pode ser encarado em forma separada, por-
que, em interação, se encontram formando sua totalidade. (...)
Esta, pelo fato de ser síntese, não implica, na teoria dialógica da ação,
que os objetivos da ação revolucionária devam permanecer atados às
aspirações contidas na visão do mundo do povo. (...) Concretize-
mos
se em um momento histórico determinado, a aspiração básica
do povo não ultrapassa a reivindicação salarial, a liderança revolucio-
nária, em nosso parecer, pode cometer dois erros. Restringir sua ação
ao estímulo exclusivo desta reivindicação ou sobrepor-se a esta aspi-
ração, propondo algo que vá mais além dela. Algo que, todavia, não
chega a ser para o povo um ‘destacado em si’. No primeiro, a lideran-
ça revolucionária incorreria no que denominamos adaptação ou
docilidade à aspiração popular. No segundo caso, ao não respeitar as
aspirações do povo, cairia na invasão cultural.
A solução está na síntese. Por um lado, incorporar-se ao povo na
aspiração reivindicativa. Por outro lado, problematizar o significado
da própria reivindicação.
Ao fazê-lo, estará problematizando a situação histórica, real, con-
creta, que, como totalidade, tem uma de suas dimensões na reivin-
dicação salarial.
Desse modo, ficará claro que a reivindicação salarial só não encerra a
solução definitiva. Que esta se encontra, como afirmou o bispo Split,
no documento dos Bispos do Terceiro Mundo, que já citamos, em
que ‘se os trabalhadores não conseguirem tornar-se proprietários de
seu próprio trabalho, todas as reformas estruturais serão ineficientes’.
O fundamental, insiste o bispo Split, ‘é que eles devem chegar a ser
proprietários e não vendedores de seu trabalho’, já que ‘toda com-
pra-venda do trabalho é uma espécie de escravidão’.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3392
93
COLEÇÃO EDUCADORES
Ter consciência crítica de que é preciso ser ‘o proprietário do trabalho’
e ‘que este constitui uma parte da pessoa humana’ e que ‘a pessoa
humana não pode ser vendida nem vender-se’ é dar um passo que
vai além das soluções paliativas e enganosas. Equivale a inscrever-se
em uma ação de verdadeira transformação da realidade a fim de,
humanizando-a, humanizar os homens.
Entre os primeiros escritos e este livro, as posições de Paulo
Freire mudaram, realmente, em muitos pontos. Sua relativa aproxi-
mação dos quadros de referência do pensamento marxista era ine-
gável. Mas tal aproximação era cautelosa, em nenhum momento
chegava
a colocá-lo em contradição com as anteriores afirmações a
propósito do homem e do processo de humanização. Permane-
ciam inalteradas as linhas básicas de sua concepção do homem, sem-
pre entendido
como um ser inacabado, limitado, aberto para o
mundo, capaz de transcendência, marcado pela vocação de ser mais,
de humanizar-se... Sua atividade enquanto intelectual e educador per-
manecia comprometida com o ideal de aperfeiçoamento do ho-
mem e da sociedade criada pelo homens. Entendia, como antes, que
essa busca de ser mais encontrava obstáculos na própria condição
do homem e, também, nos modos de organização da sociedade
constituída pelos homens no curso da história. Como nos primeiros
tempos, persistia em investigar a natureza destas barreiras social-
mente erguidas contra as possibilidades daquela humanização. A
educação, agora, como antes, era entendida, investigada e praticada
como processo de “instrumentalização” dos homens para a busca
desse aperfeiçoamento individual e social.
Assim, o que mudou, e muito ao longo de sua atividade, foi mesmo a com-
preensão dos modos de organização do social. Foi aqui, no que respeita à
organização da sociedade e, por extensão, às articulações do social
com a educação e com os destinos dos homens, foi exatamenle nos
temas aí abrangidos que o educador passou a apoiar-se, mais larga-
mente, na bibliografia de orientação marxista. E como no caso an-
terior, quando foram examinadas as relações entre seus primeiros
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3393
94
ANTONIO GRAMSCI
escritos e os trabalhos de Mannheim, de Barbu e dos isebianos, tam-
bém aqui é conveniente considerar com algum cuidado a natureza
da relação de suas análises com os autores nos quais se apoiou.
Já foi afirmado, por alguns observadores, que Paulo Freire,
em Pedagogia do oprimido, teria adotado diante do marxismo aquele
mesmo comportamento, por ele tão criticado, do “educando ban-
cário”. Isto é, teria absorvido ingênua e acriticamente os
ensinamentos (os “depósitos”) que encontrou entre os autores
marxistas. Tais observações são pouco razoáveis. As mudanças de
posição ora examinadas ocorreram sobretudo no âmbito de um
demorado processo de amadurecimento das reflexões sobre as
próprias experiências. O educador foi conduzido a incorporar es-
sas interpretações à sua compreensão da sociedade a partir da re-
flexão sobre as vicissitudes de sua própria prática. Se, ainda no
Brasil, compreendia a sociedade sob as perspectivas de interpreta-
ção que encontrara principalmente entre os isebianos – concor-
dando com a tese da oposição entre o Brasil “novo” e um país
“velho”, representados o primeiro pelo povo em processo de
“emersão” e pelas “elites dirigentes autênticas” e o segundo pelas
elites “reacionárias”, vinculadas à situação de dependência – agora,
as experiências vividas no Brasil e no Chile o convenciam de que
os antagonismos sociais eram de natureza diversa, e, com os mar-
xistas, passava a enxergar os fundamentos da organização da soci-
edade na oposição entre as classes – no seu caso particular na
oposição entre os “opressores” e os “oprimidos”.
De igual modo, se em Educação e atualidade brasileira e em Escola
primária para o Brasil ainda depositava
esperanças na atuação re-
formadora das “elites diretoras autênticas”, agora, concordando tam-
bém aqui com as orientações mais gerais das interpretações dialéticas,
acreditava que somente os oprimidos
e suas lideranças eram os por-
tadores
das possibilidades de superação da “contradição opressor-
oprimido”. Paulo Freire continuava comprometido com o ideal de
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3394
95
COLEÇÃO EDUCADORES
aperfeiçoamento do homem e da sociedade criada pelo homens;
mas, sob essas novas perspectivas de compreensão do social, enten-
dia, agora, que este aperfeiçoamento seria o produto da atuação
libertadora dos “oprimidos”.
É evidente que tais mudanças de po-
sição o obrigavam a reformular as ideias anteriores a respeito da
“conscientização”, das relações entre a educação e a prática política
e das características da consciência de “opressores” e “oprimidos”.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3395
96
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3396
97
COLEÇÃO EDUCADORES
EUROPA: CONSELHO MUNDIAL DAS IGREJAS
Conforme relata Gadotti (Biobibliografia de Paulo Freire,
1996), a filosofia educacional de Paulo Freire em Pedagogia do opri-
mido foi bem recebida e apoiada pelos educadores de esquerda,
mas provocou forte oposição da direita do PDC chileno, que o
acusava de “escrever um livro ‘violentíssimo’ contra a Democracia
Cristã”. Este teria sido um dos motivos para que o educador dei-
xasse o Chile no ano seguinte (ver também Freire, 1992, p. 52).
De abril de 1969 a fevereiro de 1970, o educador permaneceu
nos Estados Unidos, como professor convidado da Universidade
de Harvard. Em seguida, vinculou-se ao Departamento de Educa-
ção do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra. O movimento
do educador para posições mais radicais e sua aproximação dos
quadros de referência do pensamento marxista acentuam-se nesses
primeiros anos da década de 1970 e encontram plena expressão em
ensaios sobre o papel das Igrejas na América Latina (Freire, 1971) e
nas análises divulgadas nas Cartas a Guiné-Bissau (Freire, 1977)
Ao deslocar-se para os Estados Unidos e logo em seguida
para a Europa, Paulo Freire passou a conviver mais diretamente
com as tensões que agitavam os centros do mundo capitalista. A
Guerra Fria permanecia como um pano de fundo potencializador
dos antagonismos, contribuindo para acentuar os eventuais con-
teúdos conflitivos de agitações populares e dos movimentos de
emancipação de regiões e parcelas de populações historicamente
discriminadas ou submetidas à dominação colonial. Nos Estados
Unidos, reações contrárias à Guerra do Vietnã e protestos coleti-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3397
98
ANTONIO GRAMSCI
vos contra discriminações, sobretudo contra a intolerância racial,
somavam seus efeitos no sentido da abertura da sociedade para
posições intelectuais progressistas ou mesmo de vanguarda. A
Europa, por sua vez, vivia as consequências internas das lutas de
libertação das antigas colônias. O movimento estudantil de 68 na
França provocara repercussões em muitos países do mundo oci-
dental. Aprofundava-se a crítica intelectual às brutais desigualda-
des produzidas pela ordem capitalista e às inaceitáveis práticas de-
nunciadas no socialismo real. Amplos contingentes do catolicismo
são progressivamente envolvidos nas disputas ideológicas.
Conforme assinalou Löwy (Löwy, 1991, p. 25), a Teologia da
Libertação era a expressão e também a legitimação de “um vasto
movimento social que surgiu no início dos anos 1960”, que envolvia
setores significativos da igreja (padres, ordens religiosas, bispos)
movimentos religiosos laicos (Ação Católica, Juventude Universitá-
ria Cristã, jovens trabalhadores cristãos), intervenções pastorais de
base popular (pastoral operária, pastoral camponesa, pastoral urba-
na), e as comunidades eclesiais de base. (...) A Teologia da Libertação,
enquanto um conjunto de escritos produzidos desde 1970 por figu-
ras como Gustavo Gutierrez (Peru), Rubem Alves, Hugo Assmann,
Carlos Mesters, Leonardo e Clodovis Boff (Brasil), Jon Sobrino,
Ignácio Ellacuria (El Salvador), Segundo Galilea, Ronando Muñoz
(Chile), Pablo Richard (Chile, Costa Rica), José Miguel Bonino, Juan
Carlos Scannone (Argentina, México), Juan-Luis Segundo (Uruguai)
seria o produto espiritual desse movimento social. “Legitiman-
do-o e fornecendo-lhe uma doutrina religiosa coerente, (...) contri-
buiu enormemente para sua extensão e para seu reforçamento”
(Löwy, 1991, p. 27).
O papel educativo das igrejas na América Latina
É significativo que Paulo Freire tenha incluído no livro Ação
cultural para a liberdade (Freire, 1976)
o prefácio que preparou, em
1972, para a edição argentina do livro A Black Theology of Liberation,
de James Cone. Relata que recebeu o livro em Genebra, em 1970.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3398
99
COLEÇÃO EDUCADORES
Escreveu em seguida ao autor, sugerindo sua imediata publicação
na América Latina, porque a “black theology” identificava-se com a
“teologia da libertação”, que então “florescia” no continente. Afir-
mava que o profetismo de ambas não significava somente
um falar em nome dos que se encontram proibidos de fazê-lo, mas,
sobretudo, em lutar lado a lado com eles para que, transformando
revolucionariamente a sociedade que os reduz ao silêncio, possam
dizer, efetivamente, sua palavra. (Freire, 1976, p. 128)
Paulo Freire chama atenção para o caráter eminentemente po-
lítico dessas teologias; mas nega que a importância capital atribuída
à política fosse uma distorção de sua pureza teológica. Assim como
já explicitara a impossibilidade da existência de uma pedagogia
neutra, também negava a possibilidade de uma teologia neutra.
Sob esse aspecto, a “teologia branca” seria tão política quanto aque-
las. Simulando neutralidade, preocupada em atuar no sentido da
conciliação dos inconciliáveis, negaria insistentemente a existência
das classes sociais e de suas lutas e, em suas incursões pelo social,
não iria além dos reformismos modernizantes, que seriam uma
forma camuflada de preservar as estruturas de dominação. Avan-
çando além do que já havia observado em Pedagogia do oprimido,
afirma, agora, que “a reconciliação entre opressores e oprimidos,
enquanto classes sociais, pressupõe a libertação destes, que tem de
ser forjada por eles mesmos, através de sua práxis revolucionária”.
(Freire, 1976, p. 130)
Neste mesmo período, Paulo Freire preparou um importante
estudo sobre as relações entre as igrejas, a educação e as mudanças
sociais na sociedade de classes. Escrito em 1971, o trabalho intitulado
Education, Liberation and the Church, foi publicado originalmente em
1973 por Study Encounter Genebra e incluído, posteriormente,
no livro Ação cultural para a libertade, sob o título “O papel educativo
das igrejas na América Latina”.
Nesse estudo sobre o papel educativo das igrejas, o tema da
neutralidade impossível na sociedade fundada na densa interação en-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:3399
100
ANTONIO GRAMSCI
tre opressores e oprimidos perpassa todas as análises. Começa o
artigo afirmando que não cabe discutir as Igrejas e a educação, nem o
papel educativo das Igrejas, a não ser historicamente. Tanto as Igrejas
quanto a educação inexistem como entidades abstratas. As Igrejas
seriam constituídas por mulheres e homens condicionados por uma
realidade concreta. Tanto as suas instituições quanto a atuação dos
indivíduos nos quais elas adquirem substância estariam inevitavelmente
inseridos na realidade econômica, política, social e cultural. A educa-
ção e a atuação educativa das Igrejas seriam incompreensíveis fora
do condicionamento da realidade em que estão mergulhadas. Daí a
impossibilidade da neutralidade, nas Igrejas e na educação.
Sob este quadro mais amplo de referência, adquirem consistên-
cia os tipos de religiosos analisados em seguida: os “ingênuos”, abran-
gendo os religiosos “inocentes”, aqueles que acreditam em ações
“paliativas” dedicadas à melhoria das condições de vida das classes
oprimidas, e os “espertos”, que percebem muito bem que tais ações
somente contribuem para a preservação do “status quo”. A atuação
prática de ambos os tipos de religiosos, inocentes ou astutos, seria
basicamente igual em suas consequências. A diferença entre esses
tipos estaria na possibilidade de transformação dos inocentes, que
poderiam caminhar em direção ao compromisso com a libertação
das classes oprimidas. As análises avançam na exploração das carac-
terísticas e do potencial profético dos religiosos comprometidos.
Inclui-se entre as mais belas e significativas reflexões do educador, a
demorada e profunda reflexão sobre as tensões que inevitavelmente
acompanham esta passagem dos religiosos, da ingenuidade para o
compromisso histórico com os oprimidos.
Ao longo do estudo, as Igrejas e seu papel educativo são exami-
nados sob o mesmo quadro de referência. A educação e as insti-
tuições educacionais são igualmente examinadas sob essa perspec-
tiva crítica. As Igrejas, por temor à mudança, com medo de per-
der-se no futuro incerto
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33100
101
COLEÇÃO EDUCADORES
não poderiam experimentar-se na unidade da denúncia e do anún-
cio. Denúncia da realidade injusta; anúncio da realidade a ser criada
com a transformação radical daquela. Desta forma, tanto quanto as
classes sociais dominantes, às quais se atrela, não pode ser utópica,
profética ou esperançosa. (Freire, 1976, pp. 111-112)
A educação dos quadros da Igreja militante e mesmo a educa-
ção geral realizada através das Igrejas estariam condicionadas por
essas práticas negadoras da reconstrução da sociedade. A mesma
crítica estende-se também às instituições educacionais:
numa sociedade de classes, são as elites do poder, necessariamente,
as que definem a educação e, consequentemente, seus objetivos. E
estes objetivos não podem ser, obviamente, endereçados contra os
seus interesses. (Freire, 1976, p. 116)
Encontram-se nestas análises os produtos intelectuais de uma
pesquisa iniciada no Sesi de Pernambuco, no começo da década
de 1950, no trabalho educativo junto às populações proletárias ou
subproletárias do Recife. É bem verdade que essas constatações,
em seus conteúdos, não eram originais. Observações semelhantes
sobre a impossibilidade de neutralidade na educação ou na atua-
ção das Igrejas eram recorrentes entre os intelectuais da esquerda
marxista. O que há de realmente novo nestas observações é esta-
rem sendo formuladas por um intelectual com a formação e o
passado de Paulo Freire, como produtos de um demorado ama-
durecimento de reflexões sobre as próprias experiências.
No livro Política e educação popular (Beisiegel, 2008, pp. 360-364)
encontram-se as seguintes reflexões sobre o amadurecimento das
ideias de Paulo Freire ao longo desse notável percurso:
Levado a afastar-se do país, em 1964, como inimigo da “ordem social”
que então se reafirmava no Brasil, nos anos seguintes, no Chile, o
educador continuou a desenvolver seus trabalhos em programas edu-
cacionais da Democracia Cristã, publicou alguns livros e numerosos
artigos, concedeu entrevistas e, no conjunto, estas atividades revela-
vam significativas reorientações em seus pontos de vista. Ocorrendo
no âmbito de um denso diálogo com outros intelectuais de “esquer-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33101
102
ANTONIO GRAMSCI
da”, muitos, como ele mesmo, obrigados a deixar o Brasil pela ação
repressora do movimento de 31 de março, a reflexão sobre as próprias
experiências o conduzia a aceitar, agora, a validade de posições bem
diversas daquelas que sustentara no passado. Entre as possíveis expli-
cações para estas mudanças de posição, a mais sugestiva talvez tenha
sido encaminhada por ele mesmo, nas análises a propósito das rela-
ções entre o educador e o educando no processo de conhecimento.
Confirmando na própria experiência o acerto de suas afirmações, o
educador teria evoluído, da “ingenuidade” para a “crítica”, por força da
interação com os analfabetos, no processo de explicitação da realidade
existencial dos “oprimidos” na sociedade de classes.
Enquanto procurava criar as condições para que os analfabetos se
“conscientizassem”, Paulo Freire foi levado a aprender, junto com
os educandos, na ação educativa desenvolvida mediante o emprego
de seu método, que a sociedade de classes era diferente daquela “atu-
alidade brasileira” que ele havia construído idealmente, a partir das
teorias que então enformavam seu pensamento. Já pelas suas caracte-
rísticas, e também em virtude da conjuntura em que foi elaborado e
empregado na educação de adultos no Brasil, o método de alfabeti-
zação, esta criação do Paulo Freire, numa ação de retorno revelou ao próprio
criador que a situação existencial do homem e a organização da sociedade eram
bem diferentes. Em outras palavras, nesta procura de explicitação dos
fundamentos da situação existencial dos analfabetos, o método de
alfabetização revelou ao educador um homem submetido às duras
realidades a que davam forma as oposições de interesses da socieda-
de de classes e, por essa mesma razão, uma estrutura social de domi-
nação que resistia violentamente a quaisquer veleidades de participa-
ção popular na reordenação da vida coleliva. E, se a situação existen-
cial do homem e a organização da sociedade eram assim tão diferen-
tes, o próprio método de alfabetização necessariamente teria um
significado diverso daquele que o educador lhe atribuíra. Ao contrá-
rio do que imaginara nos primeiros tempos, Paulo Freire foi levado
a perceber que o método não era um instrumento de capacitação dos
homens para a conquista pacífica de uma sociedade democrática, de-
senvolvida, independente e mais justa. Ignorando as orientações do
próprio criador, o método de alfabetização, ao ser utilizado no âmbi-
to dos movimentos de arregimentação política das populações
desfavorecidas, enquanto contribuía para a explicitação dos interes-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33102
103
COLEÇÃO EDUCADORES
ses de classe dos “oprimidos”, contribuía também para provocar a
crescente explicitação dos interesses e a arregimentação de forças das
classes ameaçadas.
O educador demoraria bastante para exprimir em seus traba-
lhos estas novas percepções da situação existencial dos homens, da
organização da sociedade de classes e das implicações da educa-
ção “conscientizadora”. Isto só viria a ocorrer, já no Chile, muitos
anos depois. Esta demora na explicitação teórica dos ensinamentos
obtidos na prática acarretou equívocos entre os analistas de sua
obra. O maior deles aparece nas afirmações sobre as “fases” de
seu pensamento. Não há estas fases. Houve enriquecimento de
posições. Mas é inegável que as matrizes destes movimentos esta-
vam mesmo aqui, no Brasil, entranhadas na própria orientação
que imprimira aos seus trabalhos na educação popular. A esta altu-
ra da exposição é razoável afirmar que as alterações de perspecti-
vas de compreensão estavam presentes pelo menos enquanto pos-
sibilidade, na própria disposição ao “comprometimento cristão”
com os pobres e com a sua realidade.
Melhor do que ninguém, Paulo Freire mesmo examinou essas
possibilidades de mudança envolvidas no “compromisso com os
oprimidos”. Numa das versões publicadas de seu trabalho de 1971,
intitulada As igrejas, a educação e o processo de libertação humana na história
(Freire, 1974), o educador observa que
a educação, assim como as Igrejas, e, neste caso particular, a atuação
educativa destas deve ser examinada historicamente, tendo sempre em
conta os condicionamentos de uma determinada ‘realidade concreta’.
Assim, seriam inaceitáveis tanto a neutralidade das Igrejas quanto
a neutralidade da educação frente às particulares situações históri-
cas. A neutralidade dos religiosos (e por extensão, também dos
educadores), na verdade não aparece como neutralidade, mas como
um modo sutil ou ingênuo de engajamento, escondendo sob uma
posição aparentemente não comprometida o exercício real de uma
opção ideológica e política em favor das classes dominantes e contra
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33103
104
ANTONIO GRAMSCI
as classes dominadas. A não-opção diante de posições irreconcili-
áveis implicaria o abandono dos mais fracos e o apoio de fato aos
mais fortes. E seria este também o conteúdo de práticas educativas
assistencialistas “anestesiadoras”, ações aparentemente favoráveis às
classes oprimidas mas que somente favoreceriam à preservação da or-
dem estabelecida. Aí ganham forma as figuras dos “religiosos in-
gênuos” e dos “religiosos astutos”. Os primeiros acreditariam na
possibilidade de mudar as consciências e, assim, transformar o
mundo mediante pregações, obras humanitárias e incentivo ao de-
senvolvimento de uma racionalidade desligada do real, na ilusão
de que é possível transformar o coração dos homens e das mulhe-
res deixando, porém, virgens e intocadas as estruturas sociais em
que o coração não pode ser sadio. Os “religiosos astutos”, por sua
vez, também agiriam dessa forma, para assim encobrirem uma
opção consciente pelos poderosos. Embora os resultados da ação
de uns e de outros fossem praticamente os mesmos, haveria entre
ambos uma diferença importante, pois os “ingênuos” ainda pode-
riam ser recuperados para uma atividade educativa libertadora:
... através de sua própria práxis histórica ao desvendar a realidade
sendo por sua vez por ela desvendados (os ‘ingênuos’) podem tan-
to assumir a ideologia da dominação, transformando sua ‘inocência’
em ‘astúcia’, como podem renunciar a suas ilusões idealistas. Neste
caso retiram sua adesão acrítica às classes dominantes e, comprome-
tendo-se com os oprimidos, iniciam uma nova fase de aprendiza-
gem com eles. Isto não significa, porém, que seu compromisso com
os oprimidos já se tenha realizado de forma verdadeira. É que na
práxis de sua nova aprendizagem terão que enfrentar de maneira
mais séria e profunda o risco da existência histórica. E isto não é fácil.
A primeira exigência que o novo aprendizado lhes faz sacode forte-
mente sua concepção elitista da existência que haviam introjetado no
processo de sua ideologização. Este aprendizado requer como con-
dição sine qua non que façam realmente sua Páscoa. Isto é, que mor-
ram como elitistas para renascer, com os oprimidos, como seres
proibidos do ser.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33104
105
COLEÇÃO EDUCADORES
Neste exame das possibilidades de evolução dos religiosos
“ingênuos”, o educador como que se debruça sobre as experiên-
cias passadas para, assim, reencontrar as grandes linhas da história
de sua prática na educação popular. Ele mesmo já indicara como,
em seus primeiros escritos, correspondia às características que agora
encontra no tipo “ingênuo”. E como foi visto, é razoável afirmar
que, em sua busca de melhores procedimentos para a educação
das populações “oprimidas”, ao “desvendar” a realidade sob a
perspectiva de uma atuação “conscientizadora” junto aos “opri-
midos”, foi progressivamente levado ao exame das posições ini-
ciais –, isto é, em sua própria linguagem, ele mesmo foi sendo
“desvendado” pela realidade. Encontram-se, igualmente, em sua
prática, as expressões das dificuldades que envolveriam a passa-
gem da “ingenuidade” para o “compromisso com os oprimidos”.
E até mesmo a ideia da realização da Páscoa tem algum sentido
em sua história. Pois a educação popular se apresenta na atualidade
como uma tarefa do estado: assumida ou pelo menos controlada
pelo estado. E na medida em que vão sendo “desvendados” pela
realidade, tanto o educador quanto a sua prática evoluem para
posições dificilmente compatíveis com esta educação patrocinada
pelo estado. Entendida no âmbito do estado moderno como a
“educação comum de todos os cidadãos”, a educação popular
desenvolveu-se historicamente como um processo voltado para a
afirmação de uma ordem social, aí incluída uma estrutura social de
dominação.
Um processo educativo conduzido sob as orientações que
Paulo Freire veio imprimindo às suas propostas parece chocar-se,
assim, frontalmente, contra as funções da educação popular nas
sociedades modernas. Durante este complexo percurso em dire-
ção ao “compromisso com os oprimidos
as possibilidades de
utilização do método na educação popular vieram sendo progres-
sivamente diminuídas. Num sentido figurado e tendo em vista este
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33105
106
ANTONIO GRAMSCI
estreitamento de possibilidades de atuação, seria cabível perguntar
se Paulo Freire não estaria se aproximando da realização daquela
imagem do “ser proibido de ser”. As limitações são parciais, a experi-
ência tem demonstrado que suas possibilidades de atuação ainda
são amplas. E, no entanto, não seria inaceitável dizer que Paulo
Freire veio se aproximando da realização da figura do educador
proibido de educar.
Cartas a Guiné-Bissau
Na introdução às Cartas a Guiné-Bissau, Paulo Freire relata que o
Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas e o
Instituto de Ação Cultural (Idac) receberam um convite oficial do
governo daquele país para discutir as bases de uma colaboração no
campo da alfabetização de adultos. O convite envolvia a possibili-
dade de participar, neste campo da educação e na medida do pos-
sível, do esforço de reconstrução do país, após a retirada dos inva-
sores colonialistas. Mas, diz Paulo Freire, atendendo às orientações
que sempre defendera para a educação popular, essa colaboração
nunca poderia consistir em “elaborar, em Genebra, um projeto de
educação de adultos, elegantemente redigido, com seus 1.1, 1.2; 2.1,
2.2, a ser levado à Guiné-Bissau, como uma dádiva generosa”. Esse
projeto, pelo contrário – como as próprias bases da colaboração
, teria de nascer lá, pensado pelos educadores nacionais em função
da prática social que se dá no país.
Nossa colaboração ao desenho do projeto e à posta em prática do
mesmo dependeria de nossa capacidade de conhecer melhor a realida-
de nacional, aprofundando o que já sabíamos em torno da luta pela
libertação, das experiências realizadas pelo PAIGC nas antigas zonas
libertadas, através da leitura de todo o material que pudéssemos reco-
lher, privilegiando a obra de Amílcar Cabral (Freire, 1977, p.17).
O livro é dedicado ao relato das práticas então desenvolvidas
e às reflexões e análises suscitadas ao longo dessa colaboração.
Contém uma introdução, separada em duas partes e um post scriptum.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33106
107
COLEÇÃO EDUCADORES
Apresenta, em seguida, dezessete cartas enviadas ao Engenheiro
Mário Cabral, do Comissariado do Estado para Educação e Cul-
tura da República da Guiné-Bissau, e à equipe da Comissão de
Alfabetização. São particularmente notáveis as cartas número 3, de
janeiro de 1976, e número 5, de abril desse mesmo ano.
A carta número 3 impressiona pelo aberto e adequado em-
prego da teoria marxista das relações da produção na organização
da discussão sobre as orientações que deveriam prevalecer na edu-
cação popular da ex-colônia. Reforçando essas orientações, no
exemplo selecionado, Paulo Freire privilegia as atividades educativas
fundamentadas nas necessidades da produção, na escolha da pro-
dução do arroz como unidade temática. Essa preocupação com a
ênfase nas atividades produtivas é explicada no “Post scriptum” da
Introdução às Cartas: afirmando cingir-se nessas observações aos
pontos que lhe pareciam mais importantes, observa que o primei-
ro desses pontos estaria nas relações entre a educação e a produ-
ção. Relata que o aprimoramento e a intensificação destas relações
constituíam uma preocupação do PAIGC e que “o governo, so-
bretudo através do Comissariado de Educação”, estaria atenden-
do da melhor forma possível a essa orientação.
A ligação do trabalho ao estudo, do trabalho socialmente útil, fecundo e
criador, enfatiza Carlos Dias, na transição que vivemos para uma socie-
dade sem exploradores nem explorados, persegue dois objetivos. De
um lado, iluminar a contradição entre trabalho manual e trabalho intelec-
tual, de cuja superação total estamos ainda longe; de outro, possibilitar o
autofinanciamento gradativo da educação, sem o que não poderia ser,
em nossas condições, democratizada. (Freire, 1977, p. 72)
Esta convicção estaria orientando os diálogos do Comissariado
de Educação com a juventude que frequentava o liceu de Bissau.
A carta número 5, apresentada em seguida, atende a estas
mesmas orientações, agora a partir do desenvolvimento de uma
proposta de adotar-se toda uma área de produção agrícola “em si
mesma” como um círculo de cultura.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33107
108
ANTONIO GRAMSCI
Assim, a experiência existencial da população, como um todo de que
a atividade produtiva é uma dimensão central, se constitui como a
matriz de todo o quefazer educativo, não só no plano da alfabetiza-
ção e da pós-alfabetização de adultos, mas também na educação de
crianças e de adolescentes. (Freire, 1977)
Carlos Alberto Torres (Gadotti, 1996, pp. 117-147) traz im-
portante contribuição para o estudo das atividades de Paulo Freire
na educação popular na África. O trabalho inclui informações,
reflexões e referências a estudos sobre os problemas enfrenta-
dos pelo educador, nas difíceis condições das sociedades africa-
nas, durante a descolonização. As cartas reproduzidas nessa pu-
blicação registram alguns desses problemas, a começar pela ne-
cessidade de desmontar um sistema de educação elitista, destina-
do a pequena minoria de jovens nativos preparados para ocupar
posições intermediárias na administração colonial, e substituí-lo
por um outro sistema de educação, agora comprometido com a
reconstrução do país. O trabalho relaciona e examina também as
críticas e controvérsias que envolveram essas atividades de Paulo
Freire na África. Registra informações sobre o relativo insucesso
na alfabetização funcional das massas populares na Guiné-Bissau
e aponta para a mais aguda dentre as dificuldades então enfren-
tadas: a seleção da língua a ser trabalhada nesse processo de alfa-
betização. Atendendo à orientação do Partido Africano para a
Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), a língua portu-
guesa foi adotada para os trabalhos de alfabetização. Num con-
texto de grande complexidade, em que coexistiam a língua por-
tuguesa e outras linguagens orais (a linguagem popular denomi-
nada crioulo e os numerosos dialetos das diferentes comunida-
des), a escolha da língua do colonizador para a realização dos
trabalhos foi questionada, até pelo próprio Paulo Freire. Já na
“última página” das Cartas a Guiné-Bissau o educador deixava
transparecer suas dificuldades diante dessa questão:
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33108
109
COLEÇÃO EDUCADORES
o problema da língua não pode deixar de ser uma das preocupações
centrais de uma sociedade que, libertando-se do colonialismo e recu-
sando o neo-colonialismo, se dá ao esforço de sua recriação. E neste
esforço de recriação da sociedade a reconquista pelo Povo de sua
Palavra é um dado fundamental. (Freire, 1977, p.173)
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33109
110
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33110
111
COLEÇÃO EDUCADORES
RETORNO AO BRASIL
Ensino, congressos, viagens e publicações
Paulo Freire viajou para o Brasil em agosto de 1979. Voltou
definitivamente para o país em junho de 1980. Vinculou-se à PUC-
SP e também à Unicamp. Durante um largo período dedicou-se
ao ensino, à orientação de alunos e a um intenso debate intelectual
em congressos, encontros, conferências, entrevistas e conversas.
Preparou a edição de livros e atendeu a numerosos convites para
atividades acadêmicas no exterior. Não obstante críticas e resistên-
cias de natureza diversa, o período assiste à consolidação do reco-
nhecimento nacional e internacional da relevância de sua produ-
ção. Além de outros prêmios e homenagens, recebeu títulos de
doutor Honoris Causa em cerca de três dezenas de universidades no
Brasil, na América e na Europa.
Após o retorno ao Brasil, sua produção bibliográfica foi bas-
tante extensa. O verbete sobre Paulo Freire no Dicionário de educado-
res no Brasil (Fávero, M. L. A. e Britto, J. M., 2002, pp. 893-899)
registra que o estilo de trabalho intelectual do educador dificulta a
elaboração de uma listagem consensual de seus escritos. Em gran-
de parte devido ao intenso interesse despertado por sua obra, os
resultados de suas reflexões e análises quase sempre eram imedia-
tamente submetidos ao debate, mediante entrevistas ou comuni-
cações provisórias, posteriormente retomadas em outros textos
reformulados ou mais elaborados. Respeitadas essas ressalvas, re-
encontram-se na maior parte dos livros editados nesse período os
temas trabalhados anteriormente pelo educador.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33111
112
ANTONIO GRAMSCI
Era próprio do estilo de trabalho de Paulo Freire a perma-
nente revisão de suas convicções. Antigas preocupações eram
reexaminadas e, em alguns casos, até mesmo reformuladas a par-
tir de novas reflexões e leituras ou de perguntas, entrevistas e con-
versas com outros intelectuais, colegas, alunos, educadores e pú-
blico em geral. Convém registrar, aqui, que Paulo Freire era um
grande conversador. Em boa parte, os trabalhos publicados no
Brasil podem ser entendidos como produtos do esforço de con-
solidação e divulgação de posições a propósito de temas que o
acompanham ao longo de toda sua atividade. Encontram-se nes-
sas publicações, além de outros temas, por exemplo, extensos en-
saios sobre a natureza política da educação e sobre a impossibili-
dade da neutralidade política da educação nas sociedades não igua-
litárias. Temas recorrentes são, também, o diálogo, a democracia, a
conscientização, o multiculturalismo, o voluntarismo, o mecanicismo,
o espontaneísmo, o autoritarismo e a presença da ideologia na
educação, as massas populares como hospedeiras das ideologias
da dominação, os conteúdos do processo educativo, o aprendiza-
do dos conteúdos sempre sob a perspectiva das exigências da
libertação, a necessidade da permanente reflexão sobre o que se
aprende, para que e a quem interessa o que se aprende, quais as rela-
ções entre a educação e a intervenção no mundo, as características
da interação educador-educando etc.
A Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimi-
do é exemplar, no sentido desse permanente esforço de reflexão de
Paulo Freire sobre suas posições e atividades. Como ele mesmo
afirma,
é como se estivesse – e no fundo estou – revivendo e, ao fazê-lo,
repensando momentos singulares de minha andarilhagem pelos qua-
tro cantos do mundo a que fui levado pela Pedagogia do oprimido.
(Freire, 1992, p.13).
Ou então, a propósito das experiências vividas no Chile, como
recurso de compreensão do que fizera no Brasil:
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33112
113
COLEÇÃO EDUCADORES
No fundo, eu procurava reentender as tramas, os fatos, os feitos em
que me envolvera. A realidade chilena me ajudava, na sua diferença
com a nossa, a compreender melhor as minhas experiências e estas,
revistas, me ajudavam a compreender o que ocorria e poderia ocorrer
no Chile. (Freire, 1992, p. 44)
Toda a primeira parte do livro é assim dedicada a essa persis-
tente rememoração de ocorrências na infância, na mocidade, nas
primeiras atividades profissionais, e nos começos da maturidade,
“quando a pedagogia do oprimido era anunciada e foi tomando
forma, primeiro na oralidade, depois, graficamente”. (Freire, 1992,
p. 12).
Nesta revisão da Pedagogia do oprimido, Paulo Freire encontra
a
oportunidade de proceder ao levantamento e à contestação das
principais críticas feitas aos seus trabalhos anteriores. Críticas que
se estendem à sua linguagem, ao gosto pelo emprego de metáfo-
ras, ao “machismo” expresso no uso das regras de concordância
definidas a partir do gênero masculino, ao mecanicismo, e tam-
bém às posições idealistas envolvidas na busca da conscientização,
à falta de percepção da existência de classes sociais, ao não reco-
nhecimento da luta de classes como motor da história, à
desconsideração da importância do estudo dos conteúdos no pro-
cesso educativo etc..
As análises desenvolvidas em resposta às diferentes críticas
constituem um dos pontos altos desse livro notável. Em seguida,
registra a densa interação estabelecida entre a Pedagogia do oprimido e
as atividades que foi chamado a desenvolver em diferentes con-
textos e países a partir da década de 1970. Relata em pormenores
um processo que teve início com as primeiras reações favoráveis
ou adversas ao livro
e que tem continuidade, depois, inicialmente
em diálogos com estudantes e professores de universidades, na
Holanda, na Alemanha e em outros países da Europa, com gru-
pos de imigrantes operários (portugueses, espanhóis, turcos) da
Europa subdesenvolvida para os países europeus mais industriali-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33113
114
ANTONIO GRAMSCI
zados, e que depois se alonga em contatos e discussões com pro-
fessores e militantes políticos na África, na Ásia e em outras regi-
ões do mundo. Têm origem aí os trabalhos de assessoria aos
movimentos de educação popular, tais como os realizados na
Tanzânia e na Guiné-Bissau. Pedagogia da esperança realmente merece
uma leitura cuidadosa de todos os profissionais e estudiosos da
educação. Entre todos os livros publicados pelo educador, é tal-
vez o que ofereça uma percepção mais abrangente das principais
orientações de sua práxis.
Política e educação popular
Alguns outros livros publicados após o retorno para o Brasil
têm especial significado para os profissionais do ensino, em todos
os níveis. Seguramente os colegas do magistério encontrarão farto
material para reflexões em Pedagogia da autonomia e em Professora sim,
tia não, livros dedicados, em grande parte, ao exame das questões
que a educação escolar frequentemente coloca para professores e
demais agentes envolvidos no processo educativo. É este o caso
também do livro A educação na cidade, publicado por Paulo Freire,
em 1991, a fim de apresentar um relato introdutório sobre o que
estava sendo realizado por ele e por sua equipe na Secretaria Mu-
nicipal de Educação de São Paulo.
Talvez como expressão da importância que atribuiu à refutação
das críticas sobre sua desatenção ao papel dos conteúdos na prática
educativa, Paulo Freire reitera, em A educação na cidade, (Freire 1991,
p. 45), algumas observações já registradas na carta número 3 das
Cartas a Guiné-Bissau (Freire, 1977, p. 121). Igualmente repetidas em
Pedagogia da esperança, essas observações apresentam neste livro a
seguinte formulação:
Não há, nunca houve nem pode haver educação sem conteúdo, a não
ser que os seres humanos se transformem de tal modo que os pro-
cessos que hoje conhecemos como processos de conhecer e de for-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33114
115
COLEÇÃO EDUCADORES
mar percam seu sentido atual. O ato de ensinar e de aprender, di-
mensões do processo maior – o de conhecer – fazem parte da natu-
reza da prática educativa. Não há educação sem ensino, sistemático
ou não, de certo conteúdo. (Freire, 1992, p. 110)
Depois, em afirmação reiterada em diversas outras publicações,
acrescenta ao estudo dos conteúdos sua dimensão inequivocamente
política:
O que me parece finalmente impossível, hoje como ontem, é pensar,
mais do que pensar, é ter uma prática de educação popular em que,
prévia e concomitantemente, não se tenham levado e não se levem a
sério problemas como: que conteúdos ensinar, a favor de que ensiná-los, a
favor de quem, contra que, contra quem. Quem escolhe os conteúdos e como
são ensinados. (Freire, 1992, p.135)
Ainda em Pedagogia da esperança, referindo-se à sua gestão como
secretário municipal de Educação da capital, Paulo Freire observa
que
... hoje, tanto quanto ontem, contudo possivelmente mais funda-
mentado hoje do que ontem, estou convencido da importância, da
urgência da democratização da escola pública, da formação perma-
nente de seus educadores e educadoras entre quem incluo vigias,
merendeiras, zeladores. Formação permanente, científica, a que não
falte sobretudo o gosto das práticas democráticas, entre as quais a de
que resulte a ingerência crescente dos educandos e de suas famílias
nos destinos da escola. Essa foi uma das tarefas a que me entreguei,
recentemente, tantos anos depois da constatação de tal necessidade,
de que tanto falei em trabalho acadêmico de 1959...
A ênfase na dimensão política das atividades na educação efeti-
vamente permeia as manifestações do educador em suas atividades
à frente da Secretaria da Educação do município, como pode ser
observado no livro A educação na cidade, composto a partir de entre-
vistas realizadas entre os primeiros meses após a posse e os come-
ços do segundo ano de sua administração na Secretaria. A obra,
com prefácio de Moacir Gadotti e Carlos Alberto Torres, inclui
entrevistas concedidas por Paulo Freire a revistas e outras publica-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33115
116
ANTONIO GRAMSCI
ções do Brasil e do exterior, a um sindicato de trabalhadores do ensi-
no e a alguns estudiosos da educação popular. Inclui também a trans-
crição de uma carta de despedida do cargo de secretário, em maio de
1991. As questões colocadas pelas equipes de entrevistadores davam a
Paulo Freire a oportunidade de reiterar ideias e propostas defendidas
ao longo de suas atividades, mas agora sob a perspectiva da ad-
ministração de uma rede de escolas públicas de ensino fundamental.
No prefácio, Gadotti e Torres apresentam os objetivos da
administração de Paulo Freire na Secretaria da Educação:
1) ampliar o acesso e a permanência dos setores populares – virtuais
únicos usuários da educação pública; 2) democratizar o poder peda-
gógico e educativo para que todos, alunos, funcionários, professo-
res, técnicos educativos, pais de família, se vinculem num planeja-
mento autogestionado, aceitando as tensões e contradições sempre
presentes em todo esforço participativo, porém buscando uma
substantividade democrática; 3) incrementar a qualidade da educação,
mediante a construção coletiva de um currículo interdisciplinar e a
formação permanente do pessoal docente; 4) finalmente, o quarto
grande objetivo da gestão – não poderia ser de outra maneira – é
contribuir para eliminar o analfabetismo de jovens e adultos em São
Paulo. (Freire, 1991, pp. 14-15)
No primeiro documento elaborado pela administração e pu-
blicado no Diário Oficial do Município de São Paulo, em 1º de fevereiro
de 1989, no texto intitulado “Aos que fazem a Educação conosco
em São Paulo”, encontram-se, entre outras, as seguintes observa-
ções, a propósito das orientações da nova administração:
A qualidade dessa escola deverá ser medida não apenas pela quanti-
dade de conteúdos transmitidos e assimilados, mas igualmente pela
solidariedade de classe que tiver construído, pela possibilidade que
todos os usuários da escola – incluindo pais e comunidade – tiverem
de utilizá-la como um espaço para a elaboração de sua cultura.
(...)
Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postu-
lados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para participar
coletivamente da construção de um saber, que vai além de um saber
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33116
117
COLEÇÃO EDUCADORES
de pura experiência, que leve em conta as suas necessidades e o torne
instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito
de sua própria história.
(...)
A participação popular na criação da cultura e da educação rompe com
a tradição de que só a elite é competente e sabe quais são as necessida-
des e interesses de toda a sociedade. A escola deve ser também um
centro irradiador da cultura popular, à disposição da comunidade, não
para consumi-la, mas para recria-la. A escola é também um espaço de
organização política das classes populares. A escola como um espaço
de ensino-aprendizagem será então um centro de debate de ideias,
soluções, reflexões, onde a organização popular vai sistematizando
sua própria experiência. O filho do trabalhador deve encontrar nessa
escola os meios de autoemancipação intelectual independentemente
dos valores das classes dominantes. A escola não é só um espaço físico.
É um clima de trabalho, uma postura, um modo de ser.
(...)
A marca que queremos imprimir coletivamente às escolas privilegiará
a associação da educação formal com a educação não formal. A escola
não é o único espaço de veiculação do conhecimento. Procuraremos
identificar outros espaços que possam propiciar a interação de práti-
cas pedagógicas diferenciadas de modo a possibilitar a interação de
experiências.
(...)
Consideramos também práticas educativas as diversas formas de
articulação que visem contribuir para a formação do sujeito popular
enquanto indivíduos críticos e conscientes de suas possibilidades de
atuação no contexto social. (Diário Oficial do Município de São Paulo, 1/
02/1989)
É, pois, razoável afirmar que a ênfase em todas essas manifes-
tações incide sobre a dimensão política das práticas educativas. É
evidente essa perspectiva política presente, entre outras, nas obser-
vações sobre os conteúdos do ensino, na defesa da necessidade de
participação coletiva na construção do saber e em todas as etapas
do processo de ensino-aprendizagem, na relação proposta entre a
educação escolar e a formação de sujeitos críticos com plena pos-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33117
118
ANTONIO GRAMSCI
sibilidade de atuação na vida social, nas afirmações sobre a cons-
trução de uma solidariedade de classe.
A educação na cidade contém algumas afirmações sobre melhoria
nas taxas de aprovação, sobre a boa imagem da Secretaria da
Educação junto à população e sobre a melhoria relativa dos salá-
rios do magistério municipal (Freire, 1991, p. 17). Mas não apre-
senta avaliações dos resultados alcançados em suas propostas mais
amplas de atuação. Por envolverem processos de maturação mais
demorada, as propostas de natureza política dependiam de mais
tempo do que o disponível em quatro anos de administração. Não
obstante, a gestão de Paulo Freire no ensino municipal deixou
consequências significativas.
Cabe mencionar, entre elas, o reencontro entre o programa de
atuação da Secretaria de Educação com as orientações e propostas
consolidadas nas intensas discussões que envolveram os educadores
brasileiros nas últimas décadas. Como exemplo, nos congressos e
nos diferentes encontros de educadores, as discussões sobre a ges-
tão dos sistemas escolares e sobre a elaboração do projeto pedagó-
gico das escolas desenvolveram-se sempre subordinadas aos objeti-
vos maiores de universalização do atendimento e de melhoria da
qualidade do ensino. Sob essa perspectiva, tanto a administração
dos sistemas quanto os projetos pedagógicos de escolas envolviam
o diálogo entre os agentes da escolaridade e ampla participação de
educadores e representantes das comunidades, processos em geral
entendidos como relevantes na busca de melhor desempenho.
Mas, ao mesmo tempo em que as ideias sobre a importância
do planejamento democrático adquiriam maior impulso e se con-
solidavam no discurso dos educadores, alargava-se progressiva-
mente a distância entre a prática desses procedimentos e os valores
que estavam nas suas origens.
A prática política na educação escolar incorporou as palavras
‘planejamento’, ‘propostas’, ‘programas de gestão’, ‘projeto peda-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33118
119
COLEÇÃO EDUCADORES
gógico das escolas’, sem comprometer-se com os objetivos que
estavam por trás da insistência na adoção dos procedimentos. A
apresentação de programas ou planos de gestão generalizou-se,
mesmo nas administrações absolutamente avessas ao respeito a
valores e ideias ou à adoção de quaisquer critérios reguladores das
atividades. A prática da elaboração do projeto pedagógico das
escolas seguiu o mesmo caminho: ressalvadas as raras exceções,
apresenta-se hoje às escolas como uma exigência burocrática, a ser
superada com o menor esforço possível, sem envolver muita per-
da de tempo de professores e outras autoridades escolares.
A educação na cidade apresenta situações exemplares do reen-
contro dos procedimentos administrativos com os valores em que
encontraram as suas origens.
Na entrevista reproduzida no item
intitulado Para mudar a cara da escola (Freire, 1991, p.27), a equipe da
revista Escola Nova começa por apresentar ao secretário uma ques-
tão sobre as características diferenciais do programa (proposta)
do Partido dos Trabalhadores para a Secretaria da Educação. A
entrevista seguinte, concedida ao Jornal Psicologia, do Conselho Re-
gional de Psicologia de São Paulo, é iniciada com uma pergunta
sobre o projeto pedagógico que estaria sendo implantado pela
Secretaria nas escolas da rede. As respostas de Paulo Freire a essas
e às demais questões que lhe foram colocadas pelos entrevistadores
são exemplares, enquanto recuperação dos valores que inspiraram
as discussões dos educadores sobre a gestão dos sistemas públicos
de ensino e o planejamento das atividades das escolas públicas.
Escola pública e educação popular
Finalmente, vale a pena reiterar o valor simbólico da presença
de Paulo Freire como secretário da Educação na capital. Ao mesmo
tempo em que criava condições para a organização do Movimento
de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova) e participava de sua
coordenação e, desse modo, de certa forma reencontrava seus pri-
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33119
120
ANTONIO GRAMSCI
meiros tempos de militância na educação popular no Brasil, Paulo
Freire envolvia-se, agora, como secretário, na luta pela expansão e
pela melhoria da escola pública de ensino fundamental.
Convém lembrar, a esse respeito, que Paulo Freire examinara
as questões do ensino primário já em 1959, na tese Educação e
atualidade brasileira e no artigo “Escola primária para o Brasil”, de
1961. No estudo de 1959, discutira também os desafios colo-
cados pelo ensino de nível médio e superior. Depois, em suas
atividades práticas, dedicou-se principalmente aos trabalhos e às
reflexões sobre as relações entre a valorização das condições da
vida popular e a educação das coletividades de jovens e adultos
iletrados ou pouco escolarizados.
Ao retornar ao Brasil, em 1980, Paulo Freire defrontou-se com
um peculiar quadro de ideias envolvendo as práticas educativas
acessíveis às classes populares.
Reencontrou no Brasil antigos companheiros e uma numerosa
legião de admiradores com experiências nas práticas da educação
popular de jovens e adultos, nas Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs), ou remanescentes dos diversos movimentos de educação
popular realizados no país. Os limites impostos pelo regime militar
vinham sendo progressivamente alargados. Sob estas novas con-
dições de opção e de liberdade, ampliando o quadro de eventuais
militantes, amplas parcelas da juventude universitária encontravam
na história da educação popular e nas publicações do educador um
estimulante desafio.
Havia também a escola pública gratuita, que se estendia pro-
gressivamente à totalidade das crianças – ou, em outras palavras,
uma escola de ensino básico que vinha sendo progressivamente con-
quistada pelas populações até pouco tempo excluídas das oportuni-
dades escolares. Mas, essa era uma escola do estado, e o estado, no
Brasil, desde 1964 e, mais ainda, a partir do Ato Institucional nº 5, de
1968, era visto como algo perigoso e aversivo por grande parte dos
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33120
121
COLEÇÃO EDUCADORES
segmentos mais generosos dos militantes da luta pela valorização
das condições de vida das classes populares. A desconfiança diante
das instituições mantidas pelo estado era, assim, perfeitamente com-
preensível, mesmo quando alcançava um dos mais caros objetos
das lutas populares no campo da educação.
Demorou-se a perceber que esse era um combate equivocado.
Além de equivocado, negativo em suas consequências, porque colo-
cava em campos opostos educadores igualmente comprometidos
com o atendimento aos interesses educacionais das classes popula-
res. Se o ensino fundamental, agora estendido à totalidade da popu-
lação, não atendia ao que era fundamental na educação de crianças e
jovens das classes populares, a questão certamente não estava em
rejeitar a escola conquistada pelas classes populares, mas, sim, em
lutar para realizar dentro dessa mesma escola os interesses das clas-
ses populares na educação. Por que, por exemplo, não investigar as
possibilidades de colocar a serviço da melhoria do ensino realizado
nas escolas públicas, toda a riqueza de experiências acumulada nos
trabalhos de educação de jovens e adultos analfabetos?
Daí a relevância simbólica da presença de Paulo Freire na Se-
cretaria Municipal de Educação. Retornando aos seus primeiros
tempos, na tese de 1959 e nos estudos de 1961 sobre a escola
primária, e caminhando, agora, nas pegadas de Gramsci, o educa-
dor deixava claro acreditar que a escola pública, em todos os seus
níveis, primário, médio e superior, era um legítimo e privilegiado
campo de luta em favor da emancipação popular.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33121
122
ANTONIO GRAMSCI
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33122
123
COLEÇÃO EDUCADORES
BIBLIOGRAFIA
Obras de Paulo Freire
FREIRE, P. R. N. Educação e atualidade brasileira. Tese de concurso para a cadeira
de história e filosofia da educação na Escola de Belas Artes de Pernambuco,
Recife, 1959.
______. Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. Estudos
Universitários, Revista de Cultura da Universidade do Recife. Recife, n. 4, abr./jun.
1963.
______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
______. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971.
______. Pedagogia do oprimido, 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
______. Las iglesias, la educación y el proceso de liberación humana en la historia.
Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1974
______. Concientizacion. Buenos Aires: Ediciones Busqueda, 1974
______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
______. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1977.
______. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
______. Ideologia e educação: reflexões sobre a não neutralidade da educação. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Cortez Editora/Autores Associados, 1982.
______. A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991.
______. Pedagogia da esperança. São Paulo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora
Olho d’água, 1993.
______. Política e educação: ensaios. São Paulo: Cortez Editora, 1993.
______. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. São Paulo:
Paz e Terra, 1994.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33123
124
ANTONIO GRAMSCI
______. À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora Olho d’água, 1995
______. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
Obras de Paulo Freire em coautoria
FREIRE, P. R. N.; ILLICH, I.; FURTER, P. Educación para el cambio social.
(Introdução de Julio Barreiro) Buenos Aires: Tierra Nueva, 1974.
______; CECCON, C., OLIVEIRA, R. D. e OLIVEIRA, M. D. Vivendo e apren-
dendo: experiências do Idac em educação popular. São Paulo, 1980.
______; GUIMARÃES. S. Sobre educação (diálogos). v. 1. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
______; BETTO, F. Essa escola chamada vida (depoimentos ao repórter Ricardo
Kotscho). São Paulo: Ática, 1985.
______; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985.
______; GADOTTI, M.; GUIMARÃES, S. Pedagogia: diálogo e conflito. São
Paulo: Cortez, 1985.
______; NOGUEIRA, A.; MAZZA, D. Fazer escola conhecendo a vida. Campinas:
Papirus, 1986.
______; QUIROGA, A. P., OLIVEIRA, M. D. et alii. El proceso educativo según
Paulo Freire e Enrique Pichon-Rivière. Buenos Aires: Cinco, 1986.
______; MACEDO, D. Literacy: reading the word and the word. Mass.: Bergin
Garvey, 1987.
______; GUIMARÃES, S. Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1987.
______; SHOR, I. Medo e ousadia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______; NOGUEIRA, A.; MAZZA, D. (org.). Na escola que fazemos...: uma
reflexão interdisciplinar em educação popular. Petrópolis: Vozes, 1988.
______; NOGUEIRA, A. Que fazer: teoria e prática em educação popular.
Petrópolis: Vozes, 1989.
______; D’ANTOLA, A. Disciplina na escola: autoridade versus autoritarismo.
São Paulo: EPU, 1989.
______; DAMASCENO, A.; ARELARO, L. Educação como ato político partidário.
São Paulo: Cortez, 1989.
______; HORTON, M. We make the road by walking: conversations on education
and social changes. Philadelphia: Temple University Press, 1990.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33124
125
COLEÇÃO EDUCADORES
Outras referências bibliográficas
BARBU, Z. Psicologia de la democracia y de la dictadura. Buenos Aires: Paidós, 1962.
BEISIEGEL, C. R. Estado e educação popular. Brasília: Liber Livro Editora, 2. ed.,
2004.
______. Política e educação popular. São Paulo: Ática, 1982, p. 29; Brasília: Liber
Livro Editora, 4. ed., 2008.
BITTENCOURT, A. Fundos e campanhas educacionais. Rio de Janeiro: DNE/
MEC, 1959.
BRANDÃO, C. R. Da educação fundamental ao fundamental na educação. In
Proposta, Rio de Janeiro: Fase, suplemento 1, 1977.
FÁVERO, O. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa
do MEB – Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas: Autores
Associados, 2006.
FÁVERO, M. L. A.; BRITTO, J. M. (orgs.) – Dicionário de educadores no Brasil: da
colônia aos dias atuais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/MEC-Inep-Comped, 2002.
GADOTTI, M. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez; Instituto
Paulo Freire/Unesco, 1996.
______; Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Editora Scipione, 1989.
GÓES, M. De pé no chão também se aprende a ler (1961-1964): uma escola democrá-
tica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
______; Cuba-Recife-Natal: ou o sonho de três cartilhas de alfabetização para
mudar o mundo. Contexto & Educação. Ijuí, RS, nº 39, jul./set. 1995.
LYRA, C. As quarenta horas de Angicos: uma experiência pioneira de educação.
São Paulo: Cortez Editora, 1996.
WY, M. Marxismo e teologia da libertação. São Paulo: Cortez Editora/Autores
Associados, 1991.
MANNHEIM, K. Ensayos de sociologia de la cultura. Madri: Aguilar, 1957.
______; Diagnóstico de nosso tempo. Rio de Janeiro, Zahar, 1961.
______; Libertad, poder y planificación democrática. México/Buenos Aires: Fondo
de Cultura Económica, 1953.
MACIEL, J. A fundamentação teórica do sistema Paulo Freire. Estudos Univer-
sitários. Revista de Cultura da Universidade do Recife, abr/jun. de 1963.
MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR. Recife: Prefeitura da Cidade do
Recife, 1986.
PAIVA, V. P. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Edições Loyola, 1973.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33125
126
ANTONIO GRAMSCI
______; Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1980.
PINTO, A. V. Ideologia e desenvolvimento nacional, 3. ed. Rio de Janeiro: Iseb, 1959.
ROSAS, P. O movimento de cultura popular MCP, in Movimento de Cultura Popu-
lar; Memorial. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1986, p. 21.
______; (org.) Paulo Freire: educação e transformação social. Recife: Ed. Univer-
sitária/UFPE.
TOLEDO, C. N. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977.
TORRES, C. A. A práxis educativa de Paulo Freire. São Paulo: Loyola, 1979.
TORRES, R. (org.) Um encontro com Paulo Freire. São Paulo: Loyola, 1987.
WANDERLEY, L. E. W. Educar para transformar. Petrópolis: Vozes, 1984.
WEFFORT, F. C. Educação e política, in FREIRE, P. Educação como prática da
liberdade, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33126
127
COLEÇÃO EDUCADORES
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33127
128
ANTONIO GRAMSCI
Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil,
e foi composto nas fontes Garamond e BellGothic, pela Entrelinhas,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
PAULO FREIRE EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:33128
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo