
256
visão correta da obra de Engels, assim como das críticas de Singer, nos propomos ao resgate
dos pontos principais dos textos desses autores, cotejando o primeiro a partir das análises
expostas no segundo. Somente assim, o leitor conseguirá situar corretamente as conjecturas
levantadas pelo defensor da “economia solidária” contra o fundador do socialismo científico.
O opúsculo Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico é parte integrante de um
projeto editorial maior que teve o objetivo central de combater as idéias oriundas de uma nova
doutrina supostamente socialista, levantadas pelo professor Karl Eugen Dühring da
Universidade de Berlim
269
. O anúncio de instauração dessa nova doutrina se deu em 1875,
causando bastante alarido na imprensa alemã, inclusive nas tendências socialistas, e a resposta
de Engels começou a ser dada a partir de artigos publicados em final de 1877 no jornal
Vorwärts
270
, logo depois de dedicar um ano de estudos a esse fim. Não obstante esse destino,
essa obra serviu não apenas para desmistificar as falsas promessas desse peculiar tipo de
socialismo aos olhos e ouvidos da classe trabalhadora
271
, mas expressou um esforço de Engels
(com contribuições de Marx
272
) em apresentar de forma coerente a ideologia comunista e o
269
Conforme afirma Engels (1990, p. 10), no prefácio de Anti-Dühring: “Três capítulos da obra (o primeiro da
Introdução e o primeiro e o segundo da terceira parte) foram transformados em brochura especial por meu amigo
Lafargue, atendo-se este a tradução francesa da obra; e, quando a versão francesa serviu de base à polonesa e à
italiana, fiz uma edição alemã intitulada: ‘Do socialismo utópico ao socialismo científico’, obra que em poucos
meses alcançou três edições e apareceu vertida para o russo e o dinamarquês”. Somou-se a essas três partes, na
edição inglesa a partir de 1892, um substantivo prefácio em que Engels sintetiza traços históricos do
desenvolvimento da concepção materialista dialética. Esse prefácio também foi publicado em alemão na revista
Neue Zeit nos anos de 1892/1893. (cf. Engels, 1986, p. 302).
270
O jornal Vorwärts (Adiante) sucedeu o Volksstaat (Estado Popular) (cf. Engels, 1990, p. 05) como “órgão
central de imprensa da social-democracia alemã depois do congresso de unificação de Gotha. Publicava-se em
Leipzig, de 1876 a 1878” (ENGELS, 1986, p. 284).
271
As propostas de Dühring se alastraram a tal ponto que sua difusão começava a ter impactos nos trabalhadores:
“havia mesmo pessoas que já se julgavam no dever de difundir a doutrina entre os trabalhadores” (ENGELS,
1990, p. 05).
272
A união de esforços entre Marx e Engels era prática comum não apenas na escrita desse texto, mas em todas
as suas obras: “Uma observação de passagem: tendo sido criada por Marx, e em menor escala por mim, a
concepção exposta neste livro, não conviria que eu a publicasse à revelia do meu amigo. Li-lhe o manuscrito
inteiro antes da impressão; e o décimo capítulo da parte segunda, consagrada à economia política (Sobre a
história crítica) foi escrito por Marx. [...] Era, aliás, hábito nosso ajudar-nos mutuamente na especialização de
cada um” (ENGELS, 1990, p. 09). Essa afirmação de participação conjunta dos dois pensadores em vários textos
é corroborada por um dos maiores historiadores marxistas: “Quando dois homens colaboram tão intimamente
como o fizeram Marx e Engels, durante mais de quarenta anos, sem qualquer desacordo teórico de importância, é
de presumir que cada um deles tinha pleno conhecimento do que estava na mente do companheiro. Sem dúvida,
se Marx estivesse escrito o ANTI-DÜHRING (publicado quando ainda vivia), seu texto seria diferente e, talvez
contivesse algumas novas e profundas sugestões. Mas não há razão alguma para crer que ele discordasse de seu
conteúdo. Isto é aplicável aos trabalhos que Engels escreveu depois de morte de Marx” (HOBSBAWM, 1975, p.
53). Não nos cabe, aqui, retomar uma longa polêmica que norteou a análise dessa obra de Engels e as suas
influências no projeto inacabado da “Dialética da Natureza” (ENGELS, 1979), ou se essa posição teria sido ou
não comungada por Marx. Em todo caso, precisamos ressaltar que acreditamos que se trata de um equívoco o
fato de Engels ter buscado estender o uso da dialética para além da ontologia do ser social e, nesse sentido
preciso, concordamos com Netto (1981a. p. 44): “do projeto, tal qual ele nos chegou, resulta a conclusão de que
as formas gerais do movimento do ser são dialéticas – mas resulta, ainda, uma tácita identificação entre a
dialética operante na natureza e a dialética do ser social. Daí a problematicidade do pensamento engelsiano;
porque, se não parece discutível a dialética da natureza, é pertinente o debate acerca da homologia que, nos seus