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Esdras Soares da Silva
Os paralelismos e sua relevância enquanto recurso persuasivo no
Sermão de Sto. Antônio de Pe. Antônio Vieira.
Monografia apresentada à Coordenação de
Letras da Faculdade de Formação de
Professores de Nazaré da Mata, unidade da
Universidade de Pernambuco, à guisa de
Trabalho de Conclusão de Curso.
U
NIVERSIDADE DE
P
ERNAMBUCO
Nazaré da Mata
2009
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[1]
Aos que valorizam a educação e os estudos
científicos, em especial os da área da
linguagem.
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[2]
A
GRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus que tem me auxiliado em meus projetos de vida e me dado
sempre ânimo nos momentos difíceis. Aos meus pais que com muito esforço me permitiram o
acesso à escolarização e sempre me incentivaram à vida acadêmica. E como não poderia
esquecer, agradeço verdadeiramente a todos os meus mestres com os quais convivi durante
todos estes anos. A todos vocês, muito obrigado.
[3]
“Deste modo, os recursos retóricos que entram
na organização do texto não seriam meros
recursos “formais”, jogos visando “embelezar”
a frase; ao contrário, o modo de dispor o signo,
a escolha de um ou outro recurso lingüístico,
revelaria múltiplos comprometimentos de
cunho ideológico”
(Adilson Citelli)
[4]
S
UMÁRIO
Resumo/Abstract ........................................................................................................................5
1 Introdução ...............................................................................................................................6
2 Referencial Teórico .................................................................................................................7
2.1 Vieira e a retórica engenhosa do sermão, algumas considerações ....................................7
2.2 O Sermão de Santo Antônio e o discurso persuasivo........................................................8
2.3 Argumentação e orientação argumentativa........................................................................9
2.3.1 Operadores argumentativos...........................................................................................11
2.3.2 Paralelismo estrutural....................................................................................................12
3 Metodologia...........................................................................................................................14
4 Análises dos Dados................................................................................................................15
5. Considerações Finais.............................................................................................................25
Referências Bibliográficas........................................................................................................26
[5]
R
ESUMO
Levando-se em conta o objetivo da pesquisa, este trabalho se inscreve no campo da
lingüística textual e da análise do discurso para investigação dos fundamentos da
argumentação a fins da persuasão.
É inegável o valor persuasivo de certas marcas no texto. Entre diversos mecanismos, o
paralelismo de estruturas sintáticas é um dos mais notáveis e eficientes para respaldar o
argumento e assim persuadir um auditório. Este é exatamente o objetivo desse trabalho:
mostrar como os paralelismos auxiliam o projeto persuasivo do Sermão de Santo Antônio do
Pe. Antônio Vieira.
Palavras Chave: Sermão, Operadores Argumentativos, Paralelismo, Argumentação,
Persuasão.
A
BSTRACT
Considering the research goal, this work enrolls the Textual Linguistics as well as Speech
Analyses as main support to investigate the foundation of argumentation for persuading or
influencing.
It is evident the persuading traces have an important value in texts. Among several
mechanisms, the syntactics structures analogy availing itself as main noteworthy and efficient
one, supporting the argumentation and being able to influence any kind of auditorium.
It is exactly the purpose of this work: show as analogies helps the persuading project, at
the written text: Santo Antonio Sermon by Antonio Vieira Priest.
Key-words: Sermon, Argument Function, Analogies, Argumentation, Persuading.
[6]
1
I
NTRODUÇÃO
Os estudos do discurso e, consequentemente do texto, têm demonstrado que as unidades de
composição textual não estão alheias à intencionalidade do enunciador, antes, são carregadas
de força argumentativa que refletem intenções ideológicas.
Neste sentido, os recursos retóricos devem ser reconhecidos não apenas como acessórios
embelezadores que entram na composição textual para dar refinamento à linguagem, mas
também como instrumentos argumentativos a serviço da persuasão.
Entre os recursos retóricos, sem dúvida, a repetição tem papel relevante. Importante
instrumento coesivo, a repetição permite a ampliação textual. Além disso, seu jogo de
recorrências de formas ou estruturas é de grande expressividade persuasiva, pois promove
clareza e ênfase aos argumentos propostos (ANTUNES 1996).
O paralelismo de construções sintáticas é um recurso da repetição que, do ponto de vista
argumentativo, pode ser definido como um recurso persuasivo por excelência.
Nossa pesquisa tem como objetivo investigar a contribuição desse recurso aos propósitos
da mensagem persuasiva do Sermão de Santo Antônio do padre Antônio Vieira. Tal sermão
será o corpus de nossa análise.
Inicialmente, faremos uma breve exposição sobre o padre Antônio Vieira. Em seguida,
apresentaremos aspectos que envolvem conceitos e posicionamentos de teóricos relevantes a
cerca do gênero textual sermão, da argumentação e do paralelismo sintático.
Por último, serão feitas as análises dos dados recolhidos dos fragmentos extraídos do
sermão em questão.
[7]
2
R
EFERENCIAL
T
EÓRICO
2.1
V
IEIRA E A RETÓRICA ENGENHOSA DO SERMÃO
,
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Conforme constatamos em Oliveira (2000), Vieira nasceu em Lisboa no ano de 1608. Aos
6 anos de idade chegou ao Brasil onde foi matriculado no Colégio Jesuítico na Bahia. Ainda
Jovem, entrou para a Companhia de Jesus, onde se ordenou padre. Tornou-se um “magnífico
orador”.
Sobre Vieira, Bosi (2006:44) afirma o seguinte:
No fulcro da personalidade de Vieira estava o desejo da ação. A religiosidade, a sólida cultura
humanística e a perícia verbal, serviram nesse militante incansável, a projetos grandiosos, quase
sempre quiméricos, mas todos nascidos da utopia contra-reformista de uma igreja triunfante na
terra, sonho medieval que um Império português e missionário tornaria afinal realidade.
Por essa afirmação, fica claro que era através da perícia da palavra que Vieira buscava,
seguindo à ideologia religiosa, sensibilizar persuadindo os ouvintes de seus sermões. Ainda
sobre o uso da palavra para persuadir, Coutinho (2008:118) afirma:
Padre Vieira procura convencer para ensinar e orientar, excitando os fiéis no entendimento das
mensagens evangélicas que pretende transmitir. Examinando as idéias feitas ou dogmáticas
diante do auditório, enfrenta dificuldades incríveis de raciocínio, que o poderiam levar a becos
sem saída; no entanto, vence-as com brilho e lucidez, atingindo o seu alvo com invulgar
eloqüência e força de persuasão.
Vieira conhecia a fundo a arte de elaboração de sermões devido ao seu grande
conhecimento em Retórica Clássica Aristotélica. A ele, os sermões serviram como
verdadeiros instrumentos para alcançar o íntimo do público ouvinte.
[8]
Segundo ainda Coutinho (2008), os sermões de Vieira apontam para uma inquestionável
qualidade de tribuno (orador) e de escritor.
Sobre o gênero textual sermão, Tersariol (1994) conceitua-o como uma forma textual bem
cuidada lingüisticamente e que tem como temática os assuntos dogmáticos e morais buscando
influenciar e persuadir.
Marcuschi (2008), apresentando um quadro que distribui os gêneros textuais segundo a
modalidade oral e escrita, inclui o gênero em questão na primeira.
Concordamos plenamente com Marcuschi (2008) quando enquadra o gênero sermão na
esfera da oralidade, que de fato, o sermão tem como forma de produção original o meio
oral, tornando-se, por esse motivo, um importante instrumento usado pelos pregadores, visto
que é da natureza do pregador sensibilizar o público pelo ouvir.
Sem desconsiderar esse aspecto em relação ao sermão, vale salientar que apenas servirá
como objeto de análise ao nosso trabalho, o sermão em sua expressão escrita, única forma que
chegou até nós, já que não somos contemporâneos do grande Vieira.
2.2
O
S
ERMÃO DE
S
ANTO
A
NTÔNIO E O DISCURSO PERSUASIVO
O presente sermão, tomado por nós como objeto de nossas análises, foi proferido na cidade
de São Luiz do Maranhão no ano de 1654.
Em Vieira (1998:149) encontramos a seguinte nota de edição que antecede o sermão e
esclarece as intenções do padre ao proferir o Sermão de Santo Antônio:
Este sermão que todo é alegórico pregou o Autor três dias antes de se embarcar ocultamente
para o Reino, a procurar o remédio da salvação dos índios, pelas causas que se apóiam no I
Sermão do I Tomo. E nele tocou todos os pontos de doutrina, posto que perseguida, que mais
necessário eram ao bem espiritual e temporal daquela terra, como facilmente se pode entender
das mesmas alegorias.
[9]
Por todo texto do Sermão de Sto. Antônio, percorre uma linguagem precisa e impactante
devido ao jogo de estruturas lingüísticas, característica de um Vieira que tem como objetivo
incessante, sensibilizar “as almas” através da palavra.
Para atingir tal objetivo com eficácia, Vieira recorre a um discurso altamente persuasivo,
que, conforme Citelli (2007), é um discurso ao qual convergem retórica adequada, ideologia e
persuasão.
Com base no autor supracitado, apontamos alguns tipos de discursos em que essa relação
está presente, são eles:
- Publicitário
- Literário
- Jornalístico
- Político
- Religioso
O discurso sermonístico enquadra-se exatamente no último tipo: discurso religioso.
Sobre o discurso religioso, Citelli (2007:61) diz que “Uma das formações discursivas onde
se reconhece a presença da persuasão é a religiosa: nesse caso, o paroxismo autoritário eleva-
se: o eu enunciador não pode ser questionado, visto ou analisado...”.
Um aspecto bastante importante para um razoável entendimento do discurso religioso, por
isso mesmo vale a pena ser esclarecido, é o fato desse discurso encontrar-se permeado pelo
discurso autoritário.
Em relação ao discurso autoritário, o autor supracitado afirma que “Essa formação
discursiva registra forte marca persuasiva”, diz ainda que “é aqui que se instalam todas as
condições para o exercício da dominação pela palavra”.
2.3
A
RGUMENTAÇÃO E ORIENTAÇÃO ARGUMENTATIVA
De acordo com Citelli (2007), a questão da argumentação retoma, assim como a Retórica,
à antiguidade clássica. Desde esse período, os tribunos gregos tinham consciência da
importância de apreender as normas da boa argumentação. Portanto, era fundamental o
conhecimento e aplicação de técnicas persuasivas nos discursos dos tribunos.
[10]
Guimarães (2007), tratando deste assunto, afirma que a argumentação é a estratégia usada
pelo locutor para conseguir a persuasão de um auditório (alocutário).
Neste sentido, Koch (2008), fala em ato de persuadir, já que este, busca atingir “o
sentimento” do(s) interlocutor(es) e possui um caráter ideológico direcionado a um “auditório
particular”.
Em meio às estratégias usadas para a persuasão, enquadram-se o conhecimento e uso
adequado dos mecanismos persuasivos nos textos.
Entre os mecanismos persuasivos, são de grande importância os recursos
retóricos/argumentativos
1
, que ao serem escolhidos adequadamente para compor uma
organização discursiva/textual não são meros acessórios ornamentais, antes, são mecanismos
dotados de intenções (KOCH 2008).
Sob este ponto de vista e passando a analisar a organização discursiva/textual,
concordamos com Guimarães (2007) quando afirma que a estruturação do discurso/texto
2
,
depende da orientação argumentativa. Tal entendimento é corroborado por Koch (2008)
quando diz que é esta que “assegura a progressão daquele”. Progressão que se estabelece à
medida que recursos argumentativos são eleitos pelo locutor para direcionar
argumentativamente o discurso/texto.
Koch (2008), apresenta duas categorias de recursos argumentativos que direcionam
argumentativamente o texto, são elas:
A. Recursos argumentativos presentes no nível lingüístico fundamental.
B. Recursos retóricos ou estilísticos de segundo nível.
A autora inclui na categoria (A) os operadores argumentativos e na categoria (B) os
paralelismos sintático e rítmico. Todos de interesse da nossa investigação.
Antes de prosseguirmos em nossas investigações, faz-se necessário prestarmos alguns
esclarecimentos quanto aos operadores e aos paralelismos. Isto será feito nos próximos itens.
1
Assumimos aqui a mesma posição de (Koch, 2008, p. 18) quando esta considera “quase sinônimos” os termos
argumentação e retórica.
2
Koch (2008), em nota de edição, diz que “o termo texto, como também ocorre com o termo discurso, tem sido
conceituado de maneiras bastante diversas”, podendo ser tomado em duas acepções: em sentido lato ou estrito.
Não cabe aqui diferenciar texto de discurso, o que afirmamos e estamos de acordo com a autora é que o
“discurso manifesta-se lingüisticamente por meio de textos em sentido estrito que consistem em qualquer
passagem falada ou escrita”.
[11]
2.3.1
O
PERADORES ARGUMENTATIVOS
De acordo com Guimarães (2007), os operadores argumentativos são unidades lingüísticas
que afetam as relações de orientação argumentativa dos discursos.
Entre os diversos tipos de operadores, sem dúvida, é notável o poder argumentativo das
conjunções.
Tendo como base os estudos de Guimarães (2007) e Koch (2008), faremos um breve
esclarecimento sobre os operadores que por motivos metodológicos terão espaço em nossas
análises.
1. “OU...OU” Quando articula argumentos, estes vão na mesma direção, “se não
funcionar um argumento funciona o outro”. Daí seu caráter alternativo
(GUIMARÃES 2007).
2. “NÃO SÓ ... MAS” (e suas variações)
3
Guimarães (2007) afirma que a
ocorrência desse par correlato é muito “comum nos discursos em que as intenções
argumentativas do locutor são preponderantes”, ou seja, nos discursos altamente
persuasivos. Esse par pode ocorrer de variadas formas, podendo apresentar-se como
“não só...mas também”, “não só...comoetc. Koch (2008) diz que esse par correlato
orienta os dois argumentos num mesmo sentido, com isso ambos têm suas forças
argumentativas ampliadas. Com base na autora, apresentamos uma figura
representativa da orientação argumentativa desse operador. Fica estabelecido que A
é o primeiro argumento, B o segundo argumento e R a conclusão.
R
A B
3
A forma “não só...senão (também)” é variação do par “não só...mas”. Pouco usada atualmente, mas ocorrente
no Sermão de Sto. Antônio, “não só...senão (também)” será a forma analisada em nossa pesquisa, visto que
promoveu simetria estrutural dos enunciados que as seguiram. Tradicionalmente, estes pares são classificados
pelas gramáticas como conjunções coordenadas aditivas. Garcia (1982) chama essa composição de par correlato
aditivo. A fim de evitar conflitos conceituais adotaremos as duas definições.
[12]
3. “NEM” Conforme Koch (2008), esse operador argumentativo inclusivo orienta
argumentos para um mesmo sentido, ou seja, para uma mesma conclusão. Tem valor
negativo em enunciações negativas (GIMARÃES 2007).
2.3.2
P
ARALELISMO ESTRUTURAL
Referindo-se aos estudos a cerca da repetição, Antunes (1996) afirma que: “Retomam à
Retórica Clássica, desde o início voltada para a prática normativa da estética e da força
persuasiva do discurso. Nesse contexto, a repetição ressalta como um recurso formalmente
diversificado e com virtualidades expressivas de notável alcance”.
De acordo com a mesma autora, entre os procedimentos da coesão textual, a repetição é
um dos mais utilizados. A esse respeito, Antunes (2008) apresenta um quadro em que
demonstra os recursos que integram a repetição. Observemos:
RELAÇÕES TEXTUAIS PROCEDIMENTOS RECURSOS
1. Reiteração 1.1. Repetição 1.1.1. Paráfrase
1.1.2. Paralelismo
1.1.3.Repetição
propriamente dita
Conforme o exposto, o paralelismo enquadra-se como um recurso da Repetição.
Koch (2008) fala em recorrência para referir-se à repetição de itens lexicais ou estruturas.
A autora afirma ainda que a recorrência de termos ao longo de um texto contribui para a
progressão textual.
Dentro desta perspectiva, entre os diversos tipos de recorrências está o paralelismo,
definido por Koch (2008) como uma recorrência de estruturas.
Há, porém, outras definições para esse importante recurso lingüístico.
Na visão de Bechara (2005) paralelismo é “a repetição de idéias mediante expressões
aproximadas”, enquanto que para Valença (1998), o paralelismo é o recurso que tem a função
de “veicular informações novas através de determinada estrutura sintática que se repete,
fazendo o texto progredir de forma precisa”. Para Antunes (2008), trata-se de um recurso útil
para harmonizar os segmentos dos enunciados.
[13]
Mas, é em Garcia (1982), em um trabalho primoroso sobre os paralelismos, que
encontramos, a nosso ver, a melhor definição e esclarecimento sobre o assunto, que o autor
fundamenta-se principalmente em critérios estritamente lingüísticos para conceituá-los.
Com base nos estudos lingüísticos de Chomysk, Garcia (1982) define o paralelismo como
um processo sintático coordenativo, que a coordenação é “um paralelismo de funções e
valores sintáticos idênticos”.
Desta forma, conclui-se que o paralelismo é um processo ocorrente entre segmentos
textuais de idéias similares que exigem “forma verbal similar”, promovendo assim, uma
“simetria de construção” entre os enunciados (GARCIA 1982).
Em meio a tantos conceitos atribuídos ao paralelismo, resta-nos atentarmos ao que é
fundamental: reconhecer o paralelismo não apenas como um simples recurso estilístico, mas
também, e aí sim importante, como um recurso auxiliar aos processos persuasivos.
É, portanto, a presença dos paralelismos que, enquanto recurso de recorrência de
estruturas, conforme Galvão (2008), enriquece e reforça o poder persuasivo dos enunciados.
Concordamos plenamente com Lopes (1997) quando afirma que é indiscutível o valor
expressivo do paralelismo.
O autor supracitado diz ainda que tal recurso, assim como qualquer procedimento de
repetição, “incute” com eficiência na mente do alocutário, os conteúdos enunciados pelo
locutor.
Faz-se necessário afirmar que a presença dos paralelismos é uma constante nos sermões de
Vieira, não por serem úteis à coesão textual, mas também por suas qualidades
argumentativas, caracterizando-se como um importante fator persuasivo, pois todo tipo de
recorrência de termos, inclusive as de estruturas, reforçam os argumentos, dando-lhes ênfase
(ANTUNES 1996).
[14]
3
M
ETODOLOGIA
A fim de conseguirmos fundamentação empírica às nossas hipóteses, escolhemos um
corpus de natureza textual. Será nosso objeto de estudo o Sermão de Santo Antônio do Padre
Vieira.
Tal escolha se deve ao fato de que o sermão de Sto. Antônio presta-se às análises de ordem
textual, argumentativa e persuasiva.
Partimos do pressuposto de que a presença dos paralelismos sintáticos, que estão em toda
superfície textual do referido sermão, são instrumentos persuasivos.
O presente trabalho foi viabilizado por várias pesquisas bibliográficas sobre o assunto,
entre os quais entraram na pauta as questões relacionadas à progressão textual, à
argumentação e consequentemente à persuasão.
Não em nenhum momento análise quantitativa dos dados, nossa análise se constituiu de
uma abordagem qualitativa.
Todos os dados foram extraídos do Sermão de Santo Antônio. O critério de seleção dos
mesmos levou em consideração dois fatores:
(a) o paralelismo ser formado por conjunção que, enquanto operador argumentativo, ao se
repetir ou estabelecer simetria no período, forma paralelismo entre as orações por elas
conectadas.
(b) o paralelismo ser constituído pela repetição de estruturas.
Atenderam adequadamente ao fator (a) os paralelismos formados pelos operadores
argumentativos “OU” e “NEM”, que por repetição, encadeiam orações formando períodos
extensos compostos por orações coordenadas paralelas e os paralelismos formados pela
conjunção, atualmente em desuso, “NÃO SÓ... SENÃO (TAMBÉM)”, a que Garcia (1982)
chama de par correlato. Os demais paralelismos que serviram de dados a nossa investigação
enquadraram-se no fator (b).
Feitos os devidos esclarecimentos, quanto ao critério de escolha dos dados, salientamos
ainda, que encontramos vários casos que atendiam perfeitamente tais exigências e que
poderiam, por esse motivo, servir de dados de analise em nossas investigações, não os
foram porque se faziam representados pelos dados eleitos, que eram similares ou idênticos
a estes.
[15]
4
A
NÁLISES DOS
D
ADOS
Analisar os paralelismos sintáticos é o que tentaremos fazer nesta parte do trabalho.
A fim de facilitar a referência, os fragmentos utilizados na análise foram identificados pela
forma (nº), onde nº é o número correspondente ao excerto analisado.
Ao final de cada excerto analisado, estão indicações de sua localização no sermão, o qual
foi anexado a este trabalho, tais indicações estão entre parênteses que trazem informações
como: indicação do capítulo e do parágrafo “ § ” de onde foram extraídos.
Para melhor compreensão da análise e organização da exposição dos excertos extraídos do
sermão, dispusemo-los por categorias definidas e nomeadas por nós. O enquadramento dos
fragmentos em respectivas categorias considerou apenas a estrutura dos paralelismos
presentes em cada um dos excertos.
Foram formadas sete categorias que estão identificadas pela forma representativa (X), onde
X corresponde a uma letra do alfabeto. Para a definição delas, levou-se em consideração os
fenômenos mais notáveis, no caso de (D) e (F), e as unidades mórficas, a exemplo das
categorias (A), (B), (C) e (E), presentes na constituição dos paralelismos por elas
comportados. A denominação da categoria (G) foi determinada pelo fato de comportar
paralelismos formados entre enunciados complexos constituídos por mais de dois membros
estruturais.
É importante deixar claro que o procedimento de categorizar os paralelismos neste trabalho
tem apenas um caráter demonstrativo e facilitador da análise, não se pretende aqui fixar
categorias, visto que seria inútil, pois o processo de elaboração dos paralelismos vai além de
qualquer limite proposto, visto que podem concorrer para a formação deles vários aspectos
simultaneamente.
Feitos os devidos esclarecimentos podemos agora partir para as análises propriamente
ditas.
(A) Paralelismo conjuncional
(1)
“O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa,
havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?
[16]
Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e
os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque a terra se não deixa salgar, e os
ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não
salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra, ou porque a terra se não deixa salgar, e os
ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem; ou é porque o sal não
salga, e os pregadores se pregam a si, e não a Cristo, ou porque a terra se não deixa salgar, e os
ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? (Cap.I, §
331)
(2)
“Não o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pajens,
nem os lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas nem as baixelas, nem as ias: pois, em que
se vai e despende toda vida? No triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo
ano”
(Cap.IV, § 354 )
Em (1), percebemos que o enunciador levanta especulações a respeito do que “pode ser a
causa desta corrupção?”, referindo-se à corrupção da terra. Se ele especula, só poderia
prosseguir no discurso levantando argumentos que possivelmente solucionassem a questão.
Quanto a isso, Vieira usou convenientemente o operador argumentativo “ou”, que
repetido, encadeou outros segmentos que serviram de argumento para a solução da questão. A
presença do paralelismo estrutural com o operador “ou”, além de promover a progressão do
texto, levantando constantemente as possíveis causas da corrupção da terra, também “aciona”
o raciocínio do ouvinte em relação aos argumentos que lhes estão sendo apresentados como
razão possível para que o sal, representação dos pregadores da palavra de Deus, não esteja
conseguindo evitar tal corrupção.
Portanto, a opção de Vieira em organizar o parágrafo em estruturas recorrentes com o
operador argumentativo “ou” alternativo, não é nada ingênua. Através da forte presença do
discurso autoritário que permeia a formação discursiva do sermão, em (1), Vieira delimita,
entre outras possíveis, apenas algumas causas da corrupção da terra, justamente aquelas que
condizem com os interesses ideológicos da mensagem religiosa. Essa demarcação
argumentativa “obriga” os ouvintes a focalizarem seu raciocínio apenas no que foi proposto
pelo enunciador.
Outra vantagem argumentativa pela escolha desse paralelismo com “ou”, operador
alternativo, se pelo fato de que esse operador garante a solução da questão, em relação ao
[17]
que “pode ser a causa desta corrupção?”, Isso porque, qualquer um dos argumentos
apresentados pode resolver a questão, conforme assinala a pergunta de efeito retórico no final
do excerto: “Não é tudo isto verdade?”.
Analisando o excerto (2), verificamos a presença do paralelismo estrutural proporcionado
pela repetição da conjunção “nem” que encadeia segmentos de valor sintático idênticos.
Levando-se em consideração a construção do período, a conjunção “nem” faz o texto
progredir, visto que, inclui outros segmentos de idéias similares, por isso é tradicionalmente
classificada pelas gramáticas como uma conjunção coordenada aditiva. Mas, do ponto de vista
argumentativo, em (2), o operador discursivo “nem” acrescenta enunciações negativas, que
nada mais são que argumentos fundamentais à defesa de um ponto de vista.
Desta forma, a presença do paralelismo formado pela repetição do operador “nem”,
apresentou uma série de argumentos em que todos são orientados em direção à proposta
central da mensagem, que pretendia livrar os maranhenses do mau hábito de despender toda
vida em ficar “engasgados e presos, com dívidas de um ano para o outro”, com a compra de
retalhos de panos “esfaimados aos trapos” trazidos de Portugal.
Sendo assim, a série de construções similares encadeadas pelo operador “nem”, põe em
evidência diversos argumentos que orientam o auditório (alocutário) a concluir que: se nesta
vida não se leva coisas de maior valor, então, para que despender toda vida na aquisição de
“triste farrapo” para sair às ruas?
(B) Paralelismo por par correlato
(3)
Filosofando, pois, sobre a causa natural desta providência, notei que aqueles quatro olhos estão
lançados um pouco fora do lugar ordinário... E a razão desta nova arquitetura, é porque estes
peixinhos, que sempre andam na superfície da água, não são perseguidos dos outros peixes
maiores do mar, senão também de grande quantidade de aves marítimas, que vivem naquelas
praias; e como têm inimigos no mar e inimigos no ar, dobrou-lhes a natureza as sentinelas e deu-
lhes dois alhos, que direitamente olhassem para cima, para se vigiarem das aves, e outros dois
que direitamente olhassem para baixo, para se vigiarem dos peixes.” (Cap.III, § 344)
(4)
“A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que
comem os pequenos... Diz Deus que comem os homens não o seu povo, senão
[18]
declaradamente a sua plebe: Plebem meam, porque a plebe e os plebeus, que são os mais
pequenos, os que menos podem e os que menos avultam na república, estes são os comidos.”
(Cap.IV, § 349)
Tanto em (3) quanto em (4), as formas correlatas, respectivamente “não só...senão
também” e “não ... senão”, promoveram a simetria da construção ou paralelismo das
estruturas que seguem cada elemento dos pares correlatos. Observamos que em (3), a simetria
foi estabelecida pela presença da preposição “de” em ambos enunciados articulados pelo par
correlato. Sendo que, tal preposição apresenta-se sob a forma contraída dos no primeiro
enunciado, enquanto que no segundo, apresenta-se integralmente, de. em (4) o paralelismo
foi formado pela recorrência da estrutura (artigo definido + pronome possessivo). Tal
recorrência, o seu no primeiro e a sua no segundo, estabeleceu a simetria entre os dois
enunciados.
Assim, o paralelismo proporcionado pelas formas correlatas em questão, foi empregado
adequadamente, porque não permitiu a progressão textual, pelo fato de incluir enunciados,
como também serviu à persuasão, visto que, os dois argumentos, expressos nos enunciados
articulados pelas referidas formas, direcionam-se num mesmo sentido, que os mesmos
nunca se excluem, apenas se complementam, fazendo com que ambos tenham suas forças
argumentativas ampliadas.
Portanto, tomando como referência o fragmento (3), entendemos que o paralelismo
formado pelo par correlato “não só...senão também”, presta-se eficientemente para justificar
a providência divina
4
de ter servido de quatro olhos uma espécie de peixe a que os
portugueses chama, por esse motivo, de “quatro-olhos”. Isso porque, além de simplesmente
atestar as razões “dessa nova arquitetura”, com o argumento de que tais peixes eram
“perseguidos dos outros peixes maiores do mar”, argumento introduzido pelo primeiro
membro correlato “não só”; também torna indiscutível, através de um reforço, as razões dessa
“arquitetura”, com a introdução de mais um argumento (“senão também de grande quantidade
de aves marítimas”) precedido pelo “senão também”, segundo elemento constituinte do par
correlato. Em conseqüência desse reforço, o alocutário compreende indiscutivelmente a
necessidade da providência divina em relação àqueles “peixinhos”, compreensão esta
fundamental, pois a referida passagem encerra a parte do sermão que Vieira apresenta as
4
Esse fato é especificado no parágrafo 343 do sermão.
[19]
virtudes dos peixes. Dessa forma, o auditório se sensibiliza mais facilmente, pelo forte apelo
argumentativo promovido por este notável recurso persuasivo.
O uso de “não ... senão também” no excerto (4) tem a mesma finalidade que em (3),
persuadir através de um forte apelo argumentativo, conseguido pelo reforço que o segundo
argumento ao primeiro. Em (4), fica mais evidente, através da introdução do segundo
argumento, o fato de “comerem-se os homens uns aos outros”.
(C) Paralelismo por forma verbal
(5)
“Muito pescam, mas não me espanto do muito; o que me espanta é que pesquem tanto e que
tremam tão pouco. Tanto pescar e tão pouco tremer! [...]Pudera-se fazer problema onde mais
pescadores e mais modos e traças de pescar, se no mar ou na terra? E é certo que na terra [...] No
mar pescam as canas, na terra pescam as varas - e tanta sorte de varas - pescam as ginetas,
pescam as bengalas, pescam os bastões, e a os cetros pescam, e pescam mais que todos,
porque pescam cidades e reinos inteiros.” (Cap.III, § 342)
O efeito enfático através da repetição das mesmas formas verbais, está bem nítido neste
trecho do sermão.
Este paralelismo, devido à recorrência das mesmas formas verbais, foi pertinentemente
utilizado, visto que, o sermão é um texto que procura atingir o emocional dos
ouvintes/leitores, isso pode eficientemente ser conseguido através de um “martelar”
compassado e enfático, que mantém em foco uma mesma idéia no transcorrer do texto.
Em (5), vemos a idéia de pesca perpassar por todo o excerto. Porém, percebemos que a
cada repetição da estrutura (verbo + complemento), verbo “pescar” em terceira pessoa do
presente do indicativo associado a um complemento, o sentido de pesca ganha outra
dimensão. A idéia do ato de pescar permanece no centro, mas o sentido torna-se mais amplo.
Essa ampliação do sentido, na referida passagem, é fundamental para o projeto persuasivo do
sermão, todo ele voltado às questões comparativas entre mar e terra.
O poder persuasivo desse paralelismo, está em dois pontos: o primeiro, em refletir ao longo
do enunciado a noção de quantidade, que foi evocada no início do fragmento, onde
encontramos “Muito pescam, mas não me espanto do muito; o que me espanta é que pesquem
[20]
tanto e que tremam tão pouco”, e o segundo, no realce da oposição, sugerida no trecho inicial
do paralelismo, entre os modos de pescar no mar e na terra, onde, na terra não pescam as
“canas” e sim as “varas”, metáfora da riqueza e poder que influenciam no aspecto quantitativo
dessa pesca.
(D) Paralelismo por gradação
(6)
“Está o pescador com a cana na mão, o anzol no fundo e a bóia sobre a água, e em lhe picando na
isca o torpedo, começa a lhe tremer o braço. Pode haver maior, mais breve e mais admirável
efeito? De maneira que, num momento, passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do
anzol à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador.
Com muita razão disse que este
vosso louvor o havia de referir com inveja. Quem dera aos pescadores do nosso elemento, ou
quem lhes pusera esta qualidade tremente em tudo o que pescam na terra!” (Cap.III, § 342)
(7)
“Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. - Oh maravilhas do Altíssimo! Oh
poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os
peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e posto todos em sua ordem com as cabeças de
fora da água, Antônio pregava, e eles ouviam.” (Cap.I, § 331)
(8)
“O mar é muito largo, muito fértil, muito abundante, e com o que bota às praias, pode
sustentar grande parte dos que vivem dentro nele. Comerem-se uns animais aos outros é
voracidade... ” (Cap.IV, § 352)
A utilização do paralelismo de estruturas associado à gradação, serve adequadamente aos
objetivos persuasivos nos trechos apresentados acima.
O uso desse recurso no fragmento (6) comprova a eficiência persuasiva desse paralelismo,
isso porque, além de envolver o auditório (alocutário) pelo jogo fascinante das palavras,
mostra de forma graduada, as etapas envolvidas no ato da pesca até o peixe chegar ao braço
do pescador. A presença do paralelismo associado à gradação realçou os detalhes que
[21]
envolvem o verdadeiro ato de pescar, valorizando dessa forma a eficiência e a habilidade dos
pescadores do mar em suas atividades.
Esse realce é fundamental para o efetivo entendimento da mensagem de Vieira, que
pretendia contrapor a qualidade da pesca que se faz no mar e a “pesca” que se faz na terra,
conforme notamos nas últimas linhas do excerto (6).
Verificamos que em (7) e (8) essa associação entre a repetição de estruturas e à gradação,
também potencializou os efeitos enfáticos e persuasivos da mensagem. Em (7) esses efeitos
recaíram sobre o argumento em favor dos peixes, que diferentemente dos homens, se
dispuseram (independente do “status”) a ouvir a pregação de Sto. Antônio. Por outro lado,
em (8), o uso desse paralelismo serviu para respaldar o argumento contra os peixes, pois
intensificando gradativamente as qualidades do mar, não teriam estes, justificativas de
comerem-se uns aos outros.
(E) Paralelismo por advérbio
(9)
“...porque não parte vice-rei ou governador para as conquistas, que não rodeado de pegadores,
os quais se arrimam a eles, para que cá lhes matem a fome de que lá não tinham remédio.”
(Cap.V, § 358)
(10)
“Esta é a pregação que me fez aquele peixezinho, ensinando-me que, se tenho fé e uso da razão,
só devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando que
Céu, e para baixo, lembrando-me que Inferno.” (Cap.III, § 344)
Nota-se a presença de advérbios opostos nos paralelismos estruturais dos fragmentos (9) e
(10). Observa-se também, que por causa da presença destes advérbios, um teor antitético
em tais paralelismos.
Em (9), os advérbios opostos “lá” e “cá” participam da formação do paralelismo de
estrutura que (...) que . Tal simetria de construção põe em evidência duas situações
[22]
opostas para fazer menção crítica aos pegadores
5
. Essa marca de oposição presta
contribuições à argumentação do fragmento, visto que realça a orientação discursiva de
pejorar o comportamento dos pegadores que por se sustentam à custa das altas
autoridades.
Em (10), o paralelismo da estrutura para cima/baixo (...) que , mais do que possibilitar
um efeito de oposição causado pela presença de advérbios opostos, é o elemento fundamental
para acionar a imaginação do alocutário. A recorrência dessa estrutura possibilita a
visualização mental de imagens socialmente estabelecidas, relacionadas ao céu, algo que está
acima, e ao inferno, algo que se estabelece no plano inferior. É importante notar que as
expressões para cima” e “para baixo” antecedem respectivamente, as estruturas “que
céu” e “que inferno”, permitindo uma visualização antecipada dessas imagens ou
facilitando a introdução das mesmas.
Indubitavelmente, estamos diante de um recurso de alta informatividade, e que foi
pertinentemente utilizado por Vieira para potencializar os efeitos das pretensões persuasivas,
que em (9) era criticar as atitudes dos pegadores e em (10), definir oposição entre céu e
inferno, imagens simbólicas de grande representatividade no contexto cristão.
(F) Paralelismo cadenciado
(11)
“Cuidais que os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de , muito
mais se comem os Brancos [...] Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de
comer e como se hão-de comer [...] Morreu algum deles: vereis logo tantos sobre o miserável a
despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os
legatários, comem-no os acredores, comem-no os oficiais dos órfãos...” (Cap.IV, § 348)
(12)
“Vede um homem, desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai
quantos o estão comendo. Comeu o meirinho, comeu o carcereiro, comeu o escrivão, comeu o
solicitador, comeu o advogado, comeu o inquiridor, comeu a testemunha, comeu o julgador e
ainda não está sentenciado e já está comido.” (Cap.IV, § 348)
5
Vieira chama aos que estabelecem com outros indivíduos uma relação de comensalismo, a exemplo da
convivência entre alguns animais.
[23]
Percebemos que (11) e (12) possuem séries sintáticas que se repetem e seguem padrões.
Sendo que em (11) estas séries obedecem à estrutura verbo “comer” no presente do indicativo,
seguido pelo pronome oblíquo “no” e artigo “os” (verbo + pronome oblíquo + artigo
definido), enquanto que em (12), seguem a estrutura formada por verbo comer” no pretérito
perfeito seguido pelo artigo “o” /“a” (verbo + artigo definido).
Nos dois fragmentos um ritmo envolvente das formas repetidas que maior força
persuasiva ao argumento, não só porque esta cadência promove maior expressividade ao
enunciado, mas também porque ao se repetir estas estruturas, mantêm-se a idéia (comer) no
centro da mensagem.
Outro aspecto que deve ser observado, é que, ao se agregar ao verbo “comer” diferentes
complementos, inserem-se novos conteúdos que contribuem para atestar o pensamento do
enunciador. Portanto, tais recorrências sintáticas, reforçam o argumento que tanto em (11)
quanto em (12), é de que os homens só se preocupam apenas como “se hão-de comer”.
(G) Paralelismo complexo
(13)
“Louvai, peixes, a Deus, os grandes e os pequenos, e repartidos em dois coros tão inumeráveis,
louvai-o todos uniformemente. Louvai a Deus, porque vos criou em tanto número. Louvai a
Deus, que vos distinguiu em tantas espécies; louvai a Deus, que vos vestiu de tanta variedade
e formosura” (Cap.VI, § 371)
(14)
“O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão: mas quão poucas vezes obedecem
à razão os ímpetos precipitados do alvedrio? Neste leme, porém, tão desobediente e rebelde,
mostrou a língua de Antônio quanta força tinha, como rêmora, para domar a fúria das paixões
humanas. Quantos, correndo fortuna na Nau-Soberba, com as velas inchadas do vento e da
mesma soberba - que também é vento - se iam desfazer nos baixos, que rebentavam por proa,
se a língua de António, como mora, não tivesse mão no leme, até que as velas se amainassem,
como mandava a razão, e cessasse a tempestade de fora e a de dentro? Quantos, embarcados na
Nau-Vingança, com a artilharia abocada e os bota-fogos acesos, corriam enfunados a dar-se
batalha, onde se queimariam ou deitariam a pique, se a rêmora da língua de António lhes não
detivesse
a fúria, até que, composta a ira e ódio, com bandeiras de paz se salvassem
[24]
amigavelmente? Quantos, navegando na Nau- Cobiça, sobrecarregada até às gáveas, aberta com
o peso por todas as costuras, incapaz de fugir, nem se defender, dariam nas mãos dos corsários
com perda do que levavam e do que iam buscar, se a língua de António os não fizesse parar
como rêmora, até que, aliviados da carga injusta, escapassem do perigo e tomassem porto?...”
(Cap.III, § 341)
Nos fragmentos em questão, paralelismo entre estruturas complexas, onde cada
recorrência é formada por mais de dois membros estruturais que relacionam enunciados
complementares entre si. Isso é o que aqui denominamos de paralelismos complexos.
Em (13), o paralelismo é estabelecido pela recorrência da estrutura louvai a Deus, (...)
porque/que vos (...) em/de tanto(a). Já em (14), a estrutura recorrente é formada pelo
mutualismo entre pronome interrogativo, partícula condicional, advérbio de negação seguido
de verbo no imperfeito do subjuntivo, quantos(...) se(...) não tivesse.
Causador de grande efeito retórico, esse tipo de paralelismo presta-se à persuasão, visto
que seu valor argumentativo está em fixar idéias necessárias ao entendimento da mensagem
salvífica do sermão.
O paralelismo em questão alcança uma grande extensão textual, pois relaciona uma série
de segmentos com idéias paralelas, que juntas potencializam o argumento, que em (13) são as
justificativas que os peixes teriam para louvar a Deus, e em (14) é a evidência da língua de
Santo Antônio como rêmora
6
, pequena, porém com grande força e poder para “domar” a
rebeldia dos homens.
As recorrências de estruturas complexas em (13) e (14), se estabelecem como seqüências
quase didáticas, que se assemelham a justificativas ou a exemplificações para dar respaldo ao
argumento principal, apresentados por nós no parágrafo anterior. Pode-se notar que em nada
afetaria o entendimento do excerto (14), se o paralelismo fosse antecedido pela expressão
retórica “por exemplo”.
6
Peixe que se fixa em qualquer corpo flutuante.
[25]
5
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
Foi de grande satisfação para nós, a realização deste trabalho, pois, analisar um texto com
padrão inegável de organização textual como o Sermão de Santo Antônio, nos fez
comprovar que um discurso altamente persuasivo apóia-se em recursos retóricos que trazem
consigo grande valor argumentativo.
Neste sentido, entendemos que o uso do paralelismo, ressaltou o poder persuasivo do
sermão em questão, seu uso pode ser considerado como uma estratégia argumentativa a fim
de conduzir mais facilmente o auditório às conclusões pretendidas.
Após as análises dos excertos, comprovamos que tal recurso, possibilitou articulação de
argumentos na defesa de um ponto de vista, a insistência numa mesma idéia para fixá-la, a
ênfase no discurso, além de acionar imagens e determinar a direção argumentativa dos
enunciados. Tudo isso, favoreceu e potencializou o caráter persuasivo da mensagem
sermonística de Vieira.
Além disso, percebemos que traços do discurso autoritário presentes na mensagem do
sermão, foram apresentados com refinamento através dos paralelismos que conceberam
leveza ao texto e permitiram sua progressão. Por isso que, embora seja um texto longo, devido
ao grande número de informações, e de uma carga ideológica muito intensa, não se tornou
excessivamente tenso ou enfadonho.
Sendo assim, chegamos à conclusão de que os diversos tipos de paralelismos distribuídos
ao logo do Sermão de Santo Antônio e analisados nos fragmentos apresentados por nós,
contribuíram de forma significativa ao projeto persuasivo da mensagem religiosa que teve
como enunciador o padre Antônio Vieira, um perito da palavra.
[26]
R
EFERÊNCIAS
B
IBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Irandé. Lutar com as palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
_______________ Aspectos da coesão do texto. Recife, Editora Universitária da UFPE, 1996.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Lucerna, 2005.
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CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. São Paulo: Ática, 2007.
COLTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. São Paulo: Global, 2001.
GALVÂO, Mirian Rufini. A argumentação em trechos da obra o retrato de Dorian Gray, de
Oscar Wilde. 2008. Disponível em <www.letramagna.com/oscarwild.pdf> 20-04-2009.
GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em Prosa Moderna. Rio de Janeiro: Editora
Fundação Getúlio Vargas, 1982.
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Campinas: Pontes, 2007.
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<www.folologia.org.br/revista> Acesso em 20-04-2009.
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[28]
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nc-nd/2.5/br/"><img alt="Creative Commons License"
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recurso persuasivo no Sermão de Sto. Antônio de Pe. Antônio
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