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ORTEGA Y GASSET
Com essa ideia teria de entrar na compreensão da histórica. O
superior, para realizar-se na história, tem de esperar a que o inferi-
or lhe ofereça espaço e ocasião. Isto é, que o inferior é o encarre-
gado de realizar o superior – empresta-lhe sua força cega, mas
incomparável. Por isso, a razão não deve ser orgulhosa e deve
atender, cuidar as potências irracionais. A ideia não pode lutar frente
a frente com o instinto; tem, pouco a pouco, insinuando-se, de
domesticá-lo, conquistá-lo, encantá-lo, não como Hércules, com
os punhos – que não tem –, mas com irreal música, como Orfeu
seduzia as feras. A ideia é... Feminina e usa a tática imortal da
feminidade, que não busca impor-se por imposição, como o ho-
mem, mas passiva e atmosfericamente. A mulher atua com um
doce e aparente não atuar, suportando, cedendo; como Hebbel
dizia: “Nela o fazer é padecer” (...). Assim, a ideia (...).
Eis aqui por que, túrgida de razões, agora vagamente só apon-
tadas, eu prefiro que se aproxime o curioso à filosofia sem tomá-
la muito a sério, ou melhor, com o ânimo de espírito que leva ao
exercitar um esporte e ocupar-se num jogo. Diante do fundamen-
tal viver, a teoria é jogo, não é coisa terrível, grave, formal.
O que eu quero dizer é o seguinte: que o homem é como um
brinquedo na mão de Deus, e que isso, poder ser jogo, é precisa-
mente e em verdade o melhor nele. Portanto, toda a gente, homem
ou mulher, deve aspirar a esse fim e fazer dos mais belos jogos o
verdadeiro conteúdo de sua vida – contrariamente à opinião que
agora domina. Jogo, brincadeira, cultura, afirmamos, são o mais
sério para nós, os homens.
Eis aqui, senhores, mais uma frivolidade que eu atiro ao vento.
O grave é que se eu agora a pronunciei, não sou eu quem a pensou
e a dissera e escrevera. As palavras que li e que começam: “O que
eu quero dizer é o seguinte: que o homem é um brinquedo na mão
de Deus...” são nada menos que de Platão. E não são escritas à toa
e como de passagem, mas poucos parágrafos depois de ter dito
que o tema sobre que vai falar é daqueles que exigem máxima
Ortega y Gasset_fev2010.pmd 21/10/2010, 09:44122