Download PDF
ads:
1
MARCÉLIA ALVES PIEPER
O RETORNO DO HERÓI – RONALDO FENÔMENO NO CERNE DA
CONSTITUIÇÃO MÍTICA E DO COMPORTAMENTO MIDIÁTICO
São Paulo
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
MARCÉLIA ALVES PIEPER
O RETORNO DO HERÓI – RONALDO FENÔMENO NO CERNE DA
CONSTITUIÇÃO MÍTICA E DO COMPORTAMENTO MIDIÁTICO
Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Comunicação, Área de
Concentração Estudo dos Meios e da Produção Mediática,
Linha de Pesquisa Comunicação Impressa e Audiovisual, da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, como exigência para obtenção do Título de Mestre em
Ciências da Comunicação, sob orientação do Prof. Dr. Jo
Luiz Proença.
São Paulo
2010
ads:
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
Nome do Autor: MARCÉLIA ALVES PIEPER
Título da Dissertação: O RETORNO DO HERÓI RONALDO FENÔMENO NO
CERNE DA CONSTITUIÇÃO MÍTICA E DO COMPORTAMENTO MIDIÁTICO
Presidente da Banca: Prof. Dr. ______________________________________________
Banca Examinadora:
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituição: _____________________________________________________________
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituição: _____________________________________________________________
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituição: _____________________________________________________________
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituição: _____________________________________________________________
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituição: _____________________________________________________________
Data de aprovação:
_____/_____/_____
4
AGRADECIMENTOS
À Fapesp, pela bolsa concedida ao longo do Mestrado que me permitiu dedicação
exclusiva à pesquisa.
Ao meu orientador José Luiz Proença pelos préstimos auxílios e pela paciência e apoio
dedicados.
5
PIEPER, Marcélia A. O Retorno do Herói Ronaldo Fenômeno no Cerne da
Constituição Mítica e do Comportamento Midiático. São Paulo, 2010. 162f. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade
de São Paulo.
RESUMO
O estudo propõe-se a investigar nas mídias a consolidação e a desconstrução do discurso
vinculados à questão do mito no esporte, que atinge o imagético humano na medida em
que uma representação simbólica do esportista incorporando o arquétipo do herói. A
mesma força que as configurações midiáticas predominantes imprimem na formação do
mito também é usada no sentido de decomposição da imagem. O universo do esporte no
Brasil, em especial o futebol, alcançou uma espetacularização tal que, em consonância com
aspectos econômicos, políticos, sociológicos, psicológicos, permeia o inconsciente coletivo
alimentado pelos processos comunicativos das sociedades contemporâneas. Tem-se como
objeto de estudo um aspecto específico presente nas mídias o poder de atribuir
significação bem como uma outra face em que as mesmas instâncias midiáticas podem
sucumbir a um herói, o qual outrora fora sustentado pelas narrativas. No contexto dos
rituais de passagem, delineados por Campbell, o retorno de Ronaldo ao futebol brasileiro
pretende ser analisado à luz do comportamento midiático com base na observação do
noticiário referente ao jogador vinculado pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.
Paulo mediante o cenário esportivo atual determinado pela carência de heróis. Espera-se,
contudo, contribuir para a configuração de quadros conceituais e a compreensão dos
discursos da mídia em relação à alimentação/ desconstrução do mito, mediante um
reordenamento com as constantes transformações tecnológicas.
Palavras-Chaves: Mídia, Jornalismo, Futebol, Ronaldo, Mito, Herói.
6
PIEPER, Marcélia A. The Return of the Hero Ronaldo Phenomenon in the Context
of Mythic Constitution and Media Behavior. São Paulo, 2010. 162f. Dissertation
(Master in Communication Sciences) Escola de Comunicações e Artes, Universidade de
São Paulo.
ABSTRACT
The study proposes to investigate in the media the consolidation and deconstruction of
discourse linked to the issue of myth in the sport, that reaches the human imagery in the
proportion that there is a symbolic representation of the sportsman incorporating the
archetypal hero. The same force that the media settings predominant acting in the
formation of the myth is also used in the direction of image decomposition. The universe
of sport in Brazil, in special the football, has reached such a spectacle that, in line with
economic aspects, political, sociological, psychological, permeates the collective
unconscious powered by communicative processes of contemporary societies. It has the
subject of this study a specific aspect present in the media - the power of assign
significance - as well as another feature in the same media instances may succumb to a
hero, that was once supported by them. In the context of rites of passage, introduced by
Campbell, the return of Ronaldo to Brazilian football aims to be analyzed according to the
media behavior based on the news observation concerning to the player linked to the
newspapers O Estado de S. Paulo and Folha de S. Paulo considering the current sportive
scenario determined by the lack of heroes. It is expected, however, contribute to the
settings of conceptual extension and the understanding of the media discourses regarding
to the support / deconstruction of the myth through a reorganization with the constant
technological changes.
Keywords: Media, Journalism, Football, Ronaldo, Myth, Hero.
7
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Percentual de Conteúdo Noticioso na Concepção Desconstrutiva no Período
Inicial................................................................................................................................. 120
Gráfico 2 – Percentual de Conteúdo Noticioso na Concepção Desconstrutiva no Período
Intermediário ..................................................................................................................... 121
Gráfico 3 - Percentual de Conteúdo Noticioso na Concepção Desconstrutiva no Período
Final................................................................................................................................... 122
Gráfico 4 - Comparação do Número de Matérias nas Vertentes Desconstrutivas em
Relação às Correlatas à Mitificação .................................................................................. 132
8
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10
METODOLOGIA APLICADA À PESQUISA............................................................... 14
CAPÍTULO 1 – O MITO E A FIGURA DO HERÓI .................................................... 16
1.1 O Mito e Suas Concepções Conceituais.................................................................... 16
1.2 Mito e Rito................................................................................................................. 26
1.3 Ronaldo e o Mito do Herói........................................................................................ 28
1.4 Mitos, Heróis e Ídolos ............................................................................................... 40
1.5 Anti - Herói Macunaíma x Herói Peri ....................................................................... 44
1.6 A Faceta Exploratória dos Olimpianos...................................................................... 50
1.7 Imaginário.................................................................................................................. 53
CAPÍTULO 2 – A JORNADA MITOLÓGICA DE RONALDO ................................. 57
2.1 Ritos de Passagem ..................................................................................................... 57
2.2 Fontes Biográficas..................................................................................................... 58
2.3 Uma Trajetória Heroica............................................................................................. 59
CAPÍTULO 3 – MÍDIA - CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DE IMAGEM NO
UNIVERSO ESPORTIVO ............................................................................................... 77
3.1 Mitificação x Desmitificação..................................................................................... 77
3.2 O Futebol Midiatizado na Lógica do Capital da Indústria do Entretenimento.......... 91
3.2.1 Futebol Globalizado ........................................................................................... 98
3.3 O Retorno de Ronaldo nos Enfoques do Discurso Midiático.................................. 101
3.3.1 Temática Desconstrutiva: Estratégia de Marketing.......................................... 104
3.3.2 Temática Desconstrutiva: Condicionamento Físico e Sobrepeso .................... 110
3.3.3 Temática Desconstrutiva: Vida Privada ........................................................... 117
3.3.4 Aportes Quantitativos Referenciais ao Discurso Desconstrutivo..................... 119
3.3.5 A Tônica Discursiva da Opinião Especializada ............................................... 122
3.3.6 Mitificação no Discurso com a Volta aos Campos........................................... 129
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 134
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 138
ANEXO 1 – Reportagem da Folha “Corinthians traz Ronaldo para vender” abordando a
contratação do jogador como estratagema de marketing................................................... 142
ANEXO 2 – Infográfico do Estado similar à racionalidade numérica do recurso gráfico da
Folha exposto no anexo anterior enfatizando a estratégia de marketing .......................... 143
ANEXO 3 – Notícia do Estado intitulada “Atacante não deverá ter regalias” abordando a
contratação como estratégia mercadológica...................................................................... 144
ANEXO 4 – Reportagem do Estado “Corinthians à esperada de Ronaldo. E de dinheiro”
abordando a temática estratégia de marketing................................................................... 145
9
ANEXO 5 – Reportagem da Folha “Astro globaliza time, dizem especialistas” discorrendo
sobre a contratação como estratagema de marketing ........................................................ 146
ANEXO 6 – Notícia do Estado “Ronaldo perdeu 2 quilos e ainda está longe do peso ideal”
abordando a temática sobrepeso........................................................................................ 147
ANEXO 7 – Reportagem do Estado “Ronaldo treina firma e depois entra no gelo”
abordando a temática condicionamento físico .................................................................. 148
ANEXO 8 – Notícia do Estado “Ronaldo fica mais à vontade entre amigos” abordando a
temática sobrepeso............................................................................................................. 149
ANEXO 9 – Infográfico do Estado “Time de especialistas trabalha duro e põe Ronaldo em
ação” abordando o condicionamento físico....................................................................... 150
ANEXO 10 – Reportagem da Folha “Em ‘forma’, Ronaldo vai destoar” discorrendo sobre
o sobrepeso ........................................................................................................................ 151
ANEXO 11 – Notícia do Estado “‘Acima do peso é perigoso. No peso, impossível’”
abordando o assunto sobrepeso ......................................................................................... 152
ANEXO 12 – Reportagem do Estado “Astro chega ao clube como Garrinha em 66”
comparando a contratação de Ronaldo à de Garrinha ....................................................... 153
ANEXO 13 – Coluna de Marcos Caetano no Estado abordando a contratação como
estratagema de marketing .................................................................................................. 154
ANEXO 14 – Coluna de Soninha na Folha analisando a contratação como estratégia de
marketing........................................................................................................................... 155
ANEXO 15 – Coluna de José Roberto Torero na Folha discorrendo sobre a propaganda de
cerveja protagonizada por Ronaldo ................................................................................... 156
ANEXO 16 – Transcrição da coluna de José Roberto Torero na Folha abordando a
temática da jornada heroica ............................................................................................... 157
ANEXO 17 – Reportagem do Estado “Ronaldo garante nova festa corintiana” enaltecendo
o gol do jogador................................................................................................................. 158
ANEXO 18 – Reportagem da Folha “Ronaldo volta a ser fazedor de gols” enaltecendo o
talento do jogador.............................................................................................................. 159
ANEXO 19 – Reportagem da Folha “Ronaldo vive dia de rei, na casa do Rei” enaltecendo
o gol de jogador................................................................................................................. 160
ANEXO 20 – Infográfico do Estado salientando o desempenho de Ronaldo em clássicos
ao longo da carreira ........................................................................................................... 161
ANEXO 21 – Fotos da Folha revelando alguns momentos de Ronaldo na partida final do
Campeonato Paulista ......................................................................................................... 162
10
INTRODUÇÃO
“... No Brasil, o futebol é bastante jogado e insuficientemente pensado”.
(Hilário Franco Júnior, 2007, p. 11)
Situar o processo atual da comunicação à luz do entrecruzamento com
linhagens de pensamento correlatas torna-se cada vez mais instigante dada a série de
metamorfoses que se configuram nas relações de tempo e espaço frente às transformações
tecnológicas e as inferências da ordem do consumo dentro do modo de produção
capitalista. Frente à multiplicidade de interações, despertou-se a intenção maior de
provocar uma reflexão sobre a cobertura midiática atrelada à dialogia com o conceito de
mito e as implicações do universo do esporte contemporâneo sob a emanação investigativa
centrada no retorno do jogador Ronaldo ao futebol brasileiro, fechando-se assim um corpo
de pesquisa num âmbito mais restrito de apreensão.
Ressalta-se que não há teoria que englobe a Comunicação como um todo,
dadas as suas ilações com áreas afins, como a política, a Filosofia, a Sociologia, a
Psicologia, a Economia, as Ciências da Linguagem. De modo que dada a relação com esses
campos do conhecimento oferece percepção maior do processo como um todo.
O uso das ciências especializadas permite entrelaces conceituais
contributivos para uma visão de maior amplitude tal como na ligação da lógica do
pensamento mitológico com a diretriz comunicacional além da aplicabilidade das noções
acerca do mito do herói de Joseph Campbell e Carl Gustav Jung num meio onde
sobressaem desempenhos em alto nível no espírito da luta pela vitória, como é o esportivo,
o qual se põe em face também da identificação inerente com a cultura de massa.
O mito desvenda-se um tema perpétuo, na medida em que seus aspectos
se encontram intrínsecos em toda parte, sob uma variedade de formas. Emanações míticas
são pouco exploradas atualmente sob o ponto de vista investigativo da Mitologia
Comparada. A Mitologia foi mais considerada nos tempos mais antigos da história do
pensamento humano, em comparação ao seu estudo no mundo contemporâneo.
11
A fabricação midiática do mito e a perpetuação nas massas da imagem do
atleta esportivo sofrem mudanças nas nuances ao longo do tempo num cenário de
constantes transformações na esfera tecnológica. Com a espetacularização, o futebol em
especial torna-se cada vez mais um produto de consumo midiatizado para as massas
mesmo num momento de carência de ícones, como o atual.
A vida pessoal conturbada de muitos atletas é a faceta de uma vilania
explorada pela mídia enquanto as conquistas sobre-humanas dos esportistas os revelam sob
o status de semideuses num meio em que se torna farta a concepção de signos devido a
propensão natural em se atingir o plano imaginário do sujeito, pois o futebol é uma fonte
para deleite que povoa um mundo dos sonhos gerado pela lógica do capital.
Pretendeu-se analisar o papel da comunicação no processo constitutivo
da mitificação e da desmitificação, e como ela fomenta e investe no imaginário popular;
investigar o contexto das novas tecnologias, novas mídias, novos métodos, os novos
contextos de produção, as novas linguagens, as novas tendências na fabricação da imagem
do esportista profissional. Além disso, pontuar o limiar e o irrisório diante da produção
midiática envolvendo os acontecimentos e as personalidades dentro do esporte, em especial
sob a figura de Ronaldo, tecendo por base uma análise crítica do processo comunicacional
com alicerce no conteúdo noticioso dos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.
Dessa forma a teorização acerca das bases propostas vinculadas ao estudo
das práticas comunicacionais contemporâneas pode ser de útil consideração não nos
rculos acadêmicos, mas tamm para os profissionais do jornalismo, que se beneficiariam
mediante uma reflexão crítica sobre sua atividade.
Tornou-nos importante repensar o jornalismo tanto como profissão
quanto como objeto de estudo. Os recursos humanos ainda são as peças fundamentais das
empresas de comunicação da contemporaneidade. São as pessoas e não os recursos
técnicos, o fator de diferenciação. São as pessoas (no caso, os jornalistas) que pensam,
articulam, selecionam, organizam, executam. Assim, de maneira tal que as bases teóricas e
suas implicações a serem trazidas por esta dissertação vão ao encontro dessa perspectiva.
12
O primeiro capítulo constitui-se de um recorte teórico que se propõe
como suporte para a discussão principal e o foco do trabalho. Percorre-se um caminho que
passa por um breve histórico conceitual de uma forma geral relativo ao mito num diálogo
com três autores: Carl Gustav Jung, Joseph Campbell e Mircea Eliade, que buscaram
decifrar essa questão de tamanha amplitude conceptiva. Apropriando-se da matriz mítica,
também aborda as bases conceituais acerca do mito do herói e suas alusões com a figura de
Ronaldo.
O segundo capítulo descreve a trajetória do jogador, numa resumida
biografia, a qual se revela heroica dentro dos ritos de passagem de Campbell. De forma
que sua jornada de conquistas no futebol europeu e na seleção brasileira traz uma
essencialidade heroica frente a um ponto de vista dual as glórias alcançadas e o embate
diante das provações para voltar a jogar futebol impostas através de contusões que
exigiram longos períodos de recuperação.
O terceiro capítulo abrange a análise da cobertura da mídia referente ao
regresso de Ronaldo, na esfera dos dois jornais diários mencionados, sob a base cognitiva
do recorte teórico. Ponderando a fundamental participação da mídia na construção dos
heróis no âmbito esportivo, também se concebe sob a outra face que o êxito de Ronaldo
através da conquista dos títulos com o Corinthians representa metaforicamente os anseios
inatos à cultura de massa, no suprimento das fantasias de auto-realização. Assim, a
repercussão do conteúdo midiático em torno de sua imagem necessita ainda mais ser
considerado. Além do próprio universo do futebol ser metafórico e alimentador da
identidade nacional na base das emanações histórico-sociais.
Embora exista uma quantidade pouco satisfatória de trabalhos
acadêmicos que dirijam seu foco à análise de conteúdo do teor noticioso e da cobertura
midiática e assim, serviam de referência, de uma forma considerável este trabalho
conseguiu suprir as aspirações iniciais de questionamento cuja principal fundamentação se
concentrou no embate da hipótese de que as instâncias midiáticas sucumbiram frente ao
renascimento do herói o qual fora considerado inapto a tal feito de realização em um
momento anterior pela mídia sob as mais diversas facetas discursivas de desmitificação.
13
Na tentativa de formular novas categorias para a reflexão, o panorama
epistemológico que se segue no apoio da fundamentação teórica e da análise da cobertura
tende a convergir para um processo inato ao jornalismo esportivo no referente aos
discursos mitificadores e desmitificadores, os quais necessitam de uma observação crítica
face às alusões dessa tematização no âmbito expresso nesse trabalho dissertativo.
14
METODOLOGIA APLICADA À PESQUISA
A Comunicação não se mistura com a Psicologia, a Filosofia, a
Antropologia, a Sociologia, a Economia; abastece-se dessas áreas e dialoga com elas.
Dessa forma, o trabalho de pesquisa para formação de bases e aportes conceituais recorreu
a autores que discorreram a respeito de assuntos afins à temática dentre as mais diversas
linhagens das Ciências Humanas e Sociais.
Salienta-se que a pesquisa exploratória bibliográfica foi realizada
utilizando-se distintas bibliotecas da Universidade de São Paulo (USP) bem como
materiais financiados pela própria mestranda, por ser a mesma bolsista da FAPESP
(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
A revisão bibliográfica se constituiu nos termos de busca de conceitos
aplicáveis à contextualização temática maior que permitiu respostas a respeito tanto dos
níveis e formas de implicação da produção de conteúdo jornalístico quanto da utilização
mutidimensional de ideias correlatas implicadas no cerne da questão mítica da constitutiva
da figura do herói de massas, atingindo a abrangência que o objeto e o trabalho científico
demandam.
O quadro teórico de referência acerca do objeto proposto forneceu
métodos interpretativos de contextualização. Remonta-se a um método compreensivo de
análise na busca de construir relações de sentido acerca do último retorno de Ronaldo
mediante as práticas midiáticas e a entrâncias que cerca a questão.
Na própria universidade mencionada, local onde a pesquisadora fez seu
curso de Mestrado, houve também a possibilidade para elaboração da análise de conteúdo
dos veículos noticiosos que foram investigados - os jornais O Estado de S. Paulo e Folha
de S. Paulo. Contemplou-se o objetivo de apreciação do corpus e a coleta de dados.
Procurou-se considerar para efeitos de estudo as publicações do período de 10 de
dezembro de 2008, quando fora noticiado o retorno de Ronaldo ao futebol brasileiro para
jogar no Corinthians, até 4 de maio de 2009, um dia após a conquista do Campeonato
Paulista pelo clube.
15
A análise de conteúdo da dia impressa se fez por desmembramento do
texto, segundo o critério de categorização semântica (categorias temáticas). Reafirma-se
tratar de um estudo analítico e interpretativo (e descrição dos conteúdos). Os resultados são
apresentados focando as questões qualitativas, tangentes às pesquisas na área das Ciências
Humanas, ao ligar os contextos da prova e da descoberta e utilizando método indutivo
(inferências indutivas), além de aportes quantitativos referenciando a apreciação
investigativa numa visão mais racionalizada.
Buscou-se desenvolver, sobretudo, uma pesquisa de cunho teórico e
interpretativo, vinculada à produção midiática a respeito do uso da imagem e o discurso
sobre herói esportivo, ao estudar o caso peculiar do retorno de Ronaldo ao futebol
brasileiro. A perspectiva confere o intuito de ampliar a discussão e a produção da instância
epistemológica da pesquisa em Comunicação no convergente conceitual através do
enfoque do estudo multidisciplinar estabelecido através de abordagem sistêmica que
configurou uma linha de pensamento.
Na perspectiva de identificação das variáveis previstas no quadro teórico
do projeto, propôs-se inicialmente a adoção de um diário de campo para contemplar
observações pertinentes a respeito do tema ao longo da pesquisa, que posteriormente na
etapa de interpretação dos dados serviu como um laboratório de reflexão.
O processo de constituição do corpo da dissertação se deu através das
seguintes etapas: construção do quadro de referencial teórico, investigação dos dados e de
conteúdo, coleta de dados empíricos (referente real), catalogação e interpretação, que
envolve a teorização dentro da perspectiva da pesquisa.
Após a leitura e a interpretação dos dados, que se procedeu levando a
análise a um nível de abstração e generalização, e com o referencial teórico mobilizado
pela pesquisadora, seguiu-se ao tópico das considerações finais, em que se fez uma
avaliação dos indicativos acerca da proposição deste trabalho.
16
CAPÍTULO 1 – O MITO E A FIGURA DO HERÓI
1.1 O Mito e Suas Concepções Conceituais
A abordagem da questão do mito se revela através dos vários
especialistas modernos numa riqueza conceitual enorme. Muitas interpretações foram
tecidas pelos mais diversos pesquisadores e ainda hoje estudos no campo da Mitologia são
expressivos, sobretudo, devido à complexidade e à abrangência dessa temática.
Portanto, delimitar uma conceituação específica para o mito faz cair
numa problematização de acepção tamanha a implicação da rede de significações que
envolvem esse termo por si só.
O pesquisador Sérgio Settani Giglio em sua dissertação de Mestrado
ressalta a multiplicidade de significados e ilações que circundam a palavra “mito”: “Em
seu uso corrente, mito opõe-se a tudo o que é verdadeiro e real (Camargo, 1995), em outras
palavras, assume o sentido de mentira, ficção ou ilusão (César 1998; Eliade, 2004). Ou
como significado de lenda, fábula, alegoria ou parábola (Brandão, 2000)”. (Giglio, 2007, p.
46) Em sua variedade de associações, pode-se falar do mito de Édipo Rei, mas também
sobre o mito Pelé.
Joseph Campbell, um dos mais profundos intérpretes da mitologia
universal, afirma que não um sistema definido de interpretação dos mitos e que jamais
haverá algo parecido com isso, ao fazer referência às mais vastas variações de enfoque que
envolvem esse termo:
A mitologia tem sido interpretada pelo intelecto moderno como um primitivo e
desastrado esforço para explicar o mundo da natureza (Frazer); como um
produto da fantasia poética das épocas pré-históricas, mal compreendido pelas
sucessivas gerações (Muller); como um repositório de instruções alegóricas,
destinadas a adaptar o indivíduo ao seu grupo (Durkheim); como sonho grupal,
sistemático dos impulsos arquetípicos existentes no interior das camadas
profundas da psique humana (Jung); como veículo tradicional das mais
profundas percepções metafísicas do homem (Coommaraswamy); e como a
Revelação de Deus aos seus filhos (A Igreja). A mitologia é tudo isso. Os vários
julgamentos são determinados pelo ponto de vista dos juízes. Pois, a mitologia,
quando submetida a um escrutínio que considere não o que é, mas o modo como
17
funciona, o modo pelo qual serviu à humanidade no passado e pode servir hoje,
revela-se tão sensível quanto a própria vida às obsessões e exigências do
indivíduo, da raça e da época”. (Campbell, 2007, p. 368)
Consideremos aqui como referencial de conceituação e implicações
acerca do mito as contribuições de Carl Gustav Jung (Psicologia Analítica), Joseph
Campbell (Mitologia Comparada) e Mircea Eliade (História das Religiões), que trazem
interpretações complementares entre si e mais amplas. Pensadores estes pertencentes ao
Círculo de Eranos
1
, correspondente a um grupo de estudiosos de vários países das mais
diversas áreas e orientações do conhecimento que se reuniam anualmente em conferências
durante o período compreendido entre os anos de 1933 e 1988.
A corrente de investigação eraniana, de caráter filosófico-científico,
procurava confluir a unilateralidade da razão com a perspectiva do pensamento mítico.
Trouxeram subsídios amplos no campo da hermenêutica simbólica
2
.
Campbell, Jung e Eliade enxergam no mito o vetor que permite ao
homem inserir-se na realidade, oferecendo a ele elementos de compreensão do mundo em
que vive. Pois o mito expressa modelos exemplares de formas de vida. Revela-se como
uma forma espontânea de o homem situar-se no mundo.
O mito é adotado por este trabalho de pesquisa como algo vital dentro
das representações sociais, uma vez que se apresenta como um aspecto da expressão do
mundo e do pensamento humano. Perpetua-se através do ritual repetido diversas vezes e
recriado em várias sociedades e servirá como base a todas as gerações vindouras, assim
como fora a civilizações antigas.
A intérprete da obra de Jung, Nise da Silveira (2008), sustenta que a mais
antiga das interpretações da mitologia é o evhemerismo (Evhemero, filósofo grego do
século IV antes de Cristo). Os mitos seriam a transposição de acontecimentos históricos e
de seus personagens para a categoria divina. Ainda no século XIX, segundo ela, houve
1
Eranos corresponde a uma derivação da palavra grega que significa banquete, em alusão às reuniões que
ofereciam “banquete de ideias” originário do contato entre intelectuais de concepções plurais e
interdisciplinares.
2
Contempla uma epistemologia que se contrapõe ao domínio da racionalidade científica nas discussões dos
fenômenos naturais ao referenciar aspectos simbólicos e míticos como formas de compreensão do mundo.
18
mitólogos que retratavam a mitologia grega como história de época remotas, elaborada
pelos sacerdotes, com a intenção deliberada de transformar heróis humanos em deuses.
Nise ainda relata que até o início do século XX a questão mítica era
interpretada como alegorias de fenômenos da natureza que causavam dificuldade de
entendimento para o homem. Essa teoria, originária da antiguidade grega, foi denominada
naturalista.
Não competirá aqui nesse estudo a utilização e a apropriação em âmbito
de pesquisa da base conceitual da obra de Jung como um todo. A princípio porque nessa
proposta de estudo cabem apenas recortes aplicáveis às questões afins e também porque
sabe-se da vastidão de sua obra, que é densa e volumosa.
A extraordinária riqueza de pensamento engloba uma visão aprofundada
do conceito mítico, que para ele são essencialmente fenômenos psíquicos reveladores da
própria natureza da psique
3
. Valoriza substancialmente os fatores subjetivos. Tanto Freud
quanto Jung constataram que o mito se enraíza no inconsciente
4
.
Experiências vividas repetidamente durante milênios passam por
diferentes gerações, experiências típicas pelas quais passaram (e ainda passam) os homens.
Devido a isso tematizações similares são visualizadas nos lugares mais distantes e diversos
e se acham mergulhadas no inconsciente, no invólucro latente dos desejos, das emoções,
dos instintos. Emergem do inconsciente nos nossos sonhos, visões, alucinações, delírios.
Essas tais produções do inconsciente despertam sempre componentes
míticos na visão de Jung (2008). A constatação repetida dessas ocorrências, sem que
conhecimentos anteriores os pudessem explicar, levou Jung a admitir que possivelmente se
encontrem na profundeza do inconsciente os moldes básicos para a formação de mitos
3
Campbell nos diz que a psique humana, analisada estruturalmente por Jung, é essencialmente a mesma, em
todo o mundo. A psique é a experiência interior do corpo humano, que é basicamente o mesmo para todos os
seres humanos, com os mesmos órgãos, os mesmos instintos, os mesmos impulsos, os mesmos conflitos, os
mesmos medos. Derivando desse campo comum, constitui-se o que Jung chama de arquétipos, que são as
ideias em comum dos mitos.
4
A área do inconsciente, nas palavras de Jung, é imensa e sempre contínua, na medida em que a área da
consciência é um campo restrito de visão temporária.
19
(arquétipos). Estes correspondem a possibilidades herdadas que representam imagens
similares. São ideias elementares; são estruturas existentes dentro do inconsciente coletivo
arraigadas na espécie humana e que transcende os gêneros. Estão ligados frequentemente a
temas mitológicos. adquirem expressão quando se tenta descobrir por que e de que
maneira eles têm significação para um determinado indivíduo.
Essa parte mais profunda do inconsciente
5
, ligada à perpetuação mítica, é
o que Jung denominou inconsciente coletivo. Definiu como sendo a parte da psique que
retém e transmite a herança psicológica comum da humanidade consistida no arquétipo
6
. É
um substrato psíquico comum a todos os seres humanos. É a expressão psíquica da
identidade da estrutura cerebral independente de todas as diferenças raciais.
Isso porque os conteúdos constituintes do inconsciente coletivo são
impessoais, comuns a todos os homens, uma vez que, para a psicologia arquetipal
junguiana, trata-se mais propriamente de uma função biológica do que biográfica: seu
conteúdo está relacionado não aos incidentes da experiência pessoal, mas aos os processos
da natureza comuns à raça humana. Ele carrega símbolos tão antigos e tão pouco familiares
ao homem moderno que ele compreende e assimila diretamente. Leve-se em consideração
que nossa mente tem sua história própria e a psique retém traços dos estágios anteriores da
sua evolução.
Em síntese, isso implica em dizer que os mitos se constituem por várias
faces em sua inserção no inconsciente coletivo e então se revelam de diversas formas,
mesmo que dentro de um enredo arquetípico, trazendo herança de comportamentos
antepassados.
5
Além do Coletivo, Jung distinguiu outra ordem pertencente ao Inconsciente, o Pessoal, como sendo
amplamente composto de aquisições, potenciais e disposições pessoais, conteúdos esquecidos ou reprimidos
da própria experiência pessoal...
6
Campbell chama a atenção para a divergência de visão entre Freud e Jung acerca dessa temática. De acordo
com o mitólogo, a diferença entre os arquétipos do inconsciente e os complexos de Freud é que aqueles são
manifestações dos órgãos do corpo e seus poderes. Os arquétipos têm base biológica, enquanto o
inconsciente freudiano é uma acumulação de experiências traumáticas reprimidas no curso de uma vida
individual. O inconsciente freudiano é um inconsciente pessoal, biográfico. Os arquétipos do inconsciente de
Jung são biológicos. O aspecto biográfico é secundário, no caso.
20
Se o inconsciente coletivo é, como diz Jung, o conjunto de todos os
arquétipos, é também o vetor que carrega o sedimento de toda a vivência humana passada.
A origem dos arquétipos não é conhecida: “eles se repetem em qualquer
época e em qualquer lugar do mundo – mesmo onde não é possível explicar a sua
transmissão por descendência direta ou por “fecundações cruzadas” resultantes da
migração”. (Jung, 2008, p. 83)
Dada a fluidez do mito e seu poder de penetração no inconsciente, um
potente centro psíquico, ele retrata a realidade social numa esfera ritualística cheia de
significações e simbolismos.
Um olhar especial acerca dessa temática torna-se necessário no âmbito
do presente estudo porque os mitos são infinitos em sua revelação, são eles que nos dizem
coisas, na concepção de Joseph Campbell. O mitólogo os relaciona com a nossa
experiência de vida “os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano,
e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mundo”. (Campbell, 1990,
p. 24)
O autor pondera que um sistema de símbolos mitológicos somente atua
em uma sociedade, se ela compartilhar do mesmo domínio de experiência de vida, pois,
caso contrário, não terá nenhum significado para o seu povo. Isso parte da assertiva dele de
que não há mitologia sem a sociedade.
A riqueza dos mitos não está em elucidar ou revelar algum tipo de
significado para a vida, mas o de ser um registro simbólico da própria experiência de estar
vivo. Os mitos, assim, transcendentes
7
, dão conta dos mistérios, sejam eles intrínsecos à
própria vida ou à vida como um todo:
“O mito é a revelação de uma plenitude de silêncio no interior e em torno de
todo átomo de existência; é algo que dirige a mente e o coração, por meio de
figurações cuja forma vem do plano profundo, para aquele mistério último que
preenche todas as existências. Mesmo no mais mico e aparentemente frívolo
7
Campbell ressalta a transcendência do mito, sendo aquilo que está além do próprio conceito de realidade,
que ultrapassa todas as categorias de pensamento.
21
de seus momentos, a mitologia dirige a mente para esse imanifesto, que se acha
precisamente além do olho”. (Campbell: 2007, p. 263)
O mito fornece um canal de comunicação com o mistério que nós somos
numa emanação transcendente considerando-se que “todos os deuses, todos os céus, todos
os mundos estão dentro de nós”, e por esse modo as civilizações se baseiam nas
constitutivas míticas, reiterando:
Os mitos estão tão intimamente ligados à cultura, a tempo e espaço, que, a
menos que os mitos e as metáforas se mantenham vivos, por uma constante
recriação através das artes, a vida simplesmente os abandona. (Campbell, 1990,
p. 62)
Diante dessa contextualização, Campbell (1990) enumera as quatro
funções que ele atribui ao mito. A primeira é a função mística, que corresponde à vivência
diante da dimensão do mistério aberta para mundo através dos mitos. A segunda é a função
cosmológica, que revela a dimensão científica que precisa contemplar a grandeza
misteriosa da forma do universo. Há também a função sociológica, que dá suporte e
validade a uma determinada ordem social, variando de lugar para lugar. A última refere-se
à função pedagógica, segundo a qual os mitos podem ensinar os modelos de conduta e de
vida em sociedade sob qualquer circunstância.
Campbell se posiciona considerando que o simbolismo da mitologia se
reveste de um significado psicológico, e assim, tanto os mitos compartilham da natureza
dos sonhos, quanto os sonhos são sintomáticos da dinâmica da psique. O mito e o sonho
vêm do mesmo lugar, ou seja, vêm de tomadas de consciência que encontram expressão
numa forma simbólica.
Ao tratar dos símbolos como algo importante dos mitos, permite que
múltiplas interpretações sobre um mesmo fato sejam válidas, afinal, estarão vinculadas a
uma sociedade em particular. Nesse paralelo Campbell se utiliza de Jung para dividir os
sonhos em duas ordens – o sonho pessoal e o sonho arquetípico, ou o sonho com dimensão
mítica. Assim, mesmo que advenham do mesmo lugar, existem diferenças, e sonho é:
“uma experiência pessoal daquele profundo, escuro fundamento que suporte
às nossas vidas conscientes, e o mito é o sonho da sociedade. O mito é o sonho
público, e o sonho é o mito privado. Se o seu mito privado, seu sonho, coincide
22
com o da sociedade, você está em bom acordo com seu grupo. Se não, a
aventura o aguarda na densa floresta à sua frente”. (Campbell, 1990, p. 42)
Nessa mesma linha, em outras palavras, Campbell continua traçando um
paralelo ao concluir que os mitos não são passíveis de uma comparação exata com os
sonhos. As figuras dos sonhos têm as mesmas fontes de origem os poços inconscientes
da fantasia-, contudo os mitos não são produtos espontâneos do sono:
“O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado. O mito e
o sonho simbolizam, da mesma maneira geral, a dinâmica da psique. Mas, nos
sonhos as formas são distorcidas pelos problemas particulares do sonhador, ao
passo que, nos mitos, os problemas e soluções apresentados são válidos
diretamente para toda a humanidade”. (Campbell, 2007, p. 27-28)
O homem, segundo o historiador da Filosofia e antropólogo Ernst
Cassirer (1992), distingue-se dos outros animais pela sua atitude simbólica, na qual o
objeto é designado através do símbolo e a criação deste origina o mundo da cultura. Assim,
o significado simbólico pode ser apreendido pela experiência vivida, aos moldes da
fundamentação teórica do Círculo de Eranos
8
.
O símbolo para o historiador e romancista romeno Mircea Eliade (1972)
tem um sentido espiritual e corresponde a uma experiência particular, de uma qualidade
original e irredutível, que é o Sagrado. Aliás, o cientista da religião considera o campo
mítico na esfericidade do sagrado, ponderando a afirmativa de apenas o que é sagrado
existe de maneira absoluta, e abriga a origem da criação das coisas e sua perduração.
Nessa conjectura reitera Eliade que conhecer os mitos é aprender o
segredo da origem das coisas. Eles estão relacionados aos acontecimentos primordiais da
humanidade, em consequência dos quais o homem se converteu no que é hoje um ser
repleto de anseios, inquietações, limitações.
8
Embora não fosse membro do Círculo de Eranos, Cassirer compartilhava ideias afins desse grupo na
linhagem do simbólico contrapondo à racionalização.
23
Diante dessas ilações ticas, um típico herói representativo da cultura
de massa
9
, faz emergir um maior grau de assimilação popular, revivenciado pelo arquétipo,
pois “a participação num modelo arquétipo, por parte das culturas urbanas, é o que lhe
sua realidade e sua validade.” (Eliade, 1972, p. 22)
Nesses termos o sociólogo George Magnane sugere que acontece a
identificação no âmbito do esporte. “Os campeões permanecem heróis populares porque
são (quase) sempre de origem modesta. Ainda mais eles obtiveram sucesso por meios leais,
e que parecem oferecidas a cada um: bons músculos, destreza, tenacidade. Quanto mais
sorte eles tiverem, mais amados pelos deuses e pelo povo”. (Magnane, 1969, p. 99)
Nessa perspectiva, o mito narra a origem dos elementos e postulados
básicos de uma cultura supondo a integralidade de todas as espécies de obras em suas
formas sociais, naturais, psicológicas, históricas... Propicia um enriquecimento do
conhecimento que o homem tem de si mesmo e de seus meios de ação, ao passo que o mito
toma por base a subjetividade humana tal como ela se apresenta.
O mito funda uma estrutura do real como um comportamento humano.
“Um mito narra sempre que qualquer coisa se passou realmente, que um acontecimento
teve lugar no sentido estrito da palavra, quer se trate da criação do Mundo, da mais
insignificante espécie animal ou vegetal, ou de uma instituição”. (Eliade: 1972, p. 8-9)
Campbell (1990) reitera que todos os mitos são verdadeiros em diferentes
sentidos. Toda mitologia tem a ver com a sabedora de vida, relacionada a uma cultura
específica, numa época específica. Integra o indivíduo na sociedade e a sociedade no
campo da natureza. Une o campo da natureza à minha natureza. É uma força
harmonizadora. Nossa própria mitologia, por exemplo, se baseia na ideia de dualidade:
9
O pensador francês Edgar Morin (2009) descreve cultura como um corpo complexo de normas, mbolos,
mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções.
E cultura de massa é um tipo particular de cultura produzida segundo as normas maciças da fabricação
industrial; propagada pelas técnicas de difusão maciça, que um neologismo anglo-latino denomina mass
media. Destina-se a uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos
aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família). É o equivalente cultural da sociedade
industrial.
24
bem e mal, céu e inferno. Com isso, nossas religiões tendem a dar ênfase à ética. Pecado e
expiação. Certo e errado.
Apropriando-se do conceito de Eliade de que o mito é um fenômeno
cultural que conta uma realidade, seja ela total (o Cosmo) ou apenas um fragmento, há de
se repensar no modo de como a cultura (uma produção simbólica) constantemente vendo
sendo hierarquizada. Porque não se pode traçar uma hierarquia para a cultura bem como
não se pode fazer o mesmo com relação às sabedorias humanas, colocando-as sob a forma
da pirâmide em grau de importância.
Cabe assim fazer uma remissão histórica, respaldada nas palavras de
Eliade, relativa à diferença de consideração da questão mítica entre as sociedades
tradicionais e as sociedades modernas:
“Ao passo que um homem moderno, embora considerando-se o resultado do
curso da História Universal, não se sente obrigado a conhecê-la em sua
totalidade, o homem das sociedades arcaicas é obrigado não somente a
rememorar a história mítica de sua tribo, mas também a reatualizá-la
periodicamente em grande parte. A irreversibilidade dos acontecimentos é nota
característica da História para o homem moderno ao passo que não constitui
uma evidência para o homem das sociedades arcaicas”. (Eliade, 1972, p. 17)
Assim, o homem das sociedades tradicionais recusa a História, e confia
na infinita repetição dos arquétipos. Para os povos tradicionais em suas concepções
cíclicas, o gesto, a palavra e a forma (que permitem a encarnação dos mitos) efetivam
incessantemente o mundo proporcionando a regeneração.
O “caos”, a regressão de todas as formas à indistinção da matéria-prima,
é seguido por uma nova criação, como uma cosmogonia. Para os homens arcaicos “a vida é
uma realidade absoluta, e, como tal, é sagrada”. (Eliade, 1972, p. 17)
Dessa maneira, Eliade propõe que uma das principais funções do mito é
fixar modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas.
Assim, deve levar em conta que os mitos constituem um padrão a ser seguido pelos
comportamentos humanos ao se concluir que revelam histórias verdadeiras referentes às
25
realidades. Tem-se diante disso o mito como elemento de civilização que fornece um
significado ao mundo e à existência humana.
O historiador romeno (1992) discorre acerca do dogma do eterno retorno
como uma retomada periódica, por parte de todos os seres, uma repetição cíclica daquilo
que existiu antes. Ele referencia a reprodução de um gesto arquétipo, projetado sobre todos
os planos – cósmico, biológico, histórico, humano. Concebe-se a estrutura cíclica do
tempo, que é regenerado a cada novo “nascimento”, em qualquer desses planos Tudo
começa de novo, no princípio, a cada instante. O passado nada mais é do que uma
prefiguração do futuro.
Esse princípio do eterno retorno
10
revela uma ontologia não contaminada
pelo tempo e pela transformação. Numa certa acepção, afirma que nada de novo acontece
no mundo, pois tudo não passa de uma repetição
11
dos mesmos arquétipos primordiais; esta
repetição, ao atualizar o momento mítico em que o gesto arquétipo foi revelado, mantém
constantemente o mundo no mesmo instante inaugural do princípio. O tempo torna
possível o aparecimento e a existência das coisas. Não exerce uma influência final sobre
sua existência, já que, ele próprio, passa por uma constante regeneração.
Nesse aspecto das reproduções arquetípicas, Eliade atenta para o fato de
o mito ser o último e não o primeiro estágio no desenvolvimento de um herói. Os
arquétipos é que perduram no imaginário e não os personagens ao longo dos séculos. A
memória popular devolve ao personagem histórico dos tempos modernos o seu significado
como imitador do arquétipo, além de reprodutor dos gestos arquétípicos.
Ressalta também a proeminência dos ritos na propagação do mito ao
pronunciar que a abolição do tempo profano
12
e a projeção do indivíduo para o tempo
mítico ocorrem nos períodos capitais e vitais isto é, naqueles em que o indivíduo de
10
Hegel dizia que na natureza as coisas se repetem e que “nada de novo debaixo do sol”. As coisas são
reproduzidas. Mas, fundamentava a filosofia da história. O acontecimento histórico, apesar de ser irreversível
e autônomo, nunca pode ser colocado numa dialética que permanece aberta. Segundo ele, a história é livre e
sempre nova e nunca se repete. Nesse sentido a história se opunha à natureza. Eliade (1992)
11
Platão também interpretava o mito do retorno cíclico, que considerava as mudanças no movimento do
Universo ora orientadas pela divindade ora abandonadas a si próprias. Eliade (1992)
12
Eliade considera o sagrado e o profano como modalidades distintas de espaços.
26
fato é ele mesmo em essência: por ocasião de rituais ou atos importantes (alimentação,
geração, cerimônias, caça, pesca, guerra, trabalho). O restante de sua vida é passado em
tempo profano, que carece de todo significado: na condição de “transformar-se.” (Eliade,
1972, p. 39)
1.2 Mito e Rito
O rito, por sua natureza repetitiva, propicia a um acontecimento que ele
seja revivenciado e que se possa presenciar uma face diferente do mesmo, ainda que revele
sincronicidade e simultaneidade com o acontecimento original.
Por causa de sua característica cíclica, o ritual desperta, de acordo com o
historiador Hilário Franco Júnior
13
(2007), o interesse de milhares de pessoas pelo esporte,
e principalmente pelo futebol, que oferece frequentemente o inusitado no que diz respeito
aos resultados. Nem sempre a melhor equipe sai com a vitória. A cada jogo permite-se,
como uma nova chance, realizar o que não foi feito na partida anterior, enfim, mudar os
destinos futuros sem com isso modificar o passado. Mesmo com a repetição do ritual, uma
partida de futebol coloca o torcedor em contato com o fascínio do novo e com uma
expectativa que se renova.
Os ritos são os vetores da contemplação, do reencontro e da realização
dos mitos, onde espaço e tempo são reunificados. A revificação contempla a perspectiva
existencial do eterno retorno de Eliade (1992).
Dessa forma, dá-se a perpetuação do mito através dos tempos, como bem
observa Campbell, considerando-se aqui que as imagens de uma partida de futebol se
referem a planos de consciência, ou campos de experiência, que existem potencialmente no
espírito humano. Essa contextualização vai ao encontro do que o antropólogo Roberto
13
O historiador da Universidade de São Paulo Hilário Franco Júnior (2007) compara o rito do futebol ao rito
religioso dos católicos ao dizer que a missa é a mesma na Notre-Dame de Paris ou na igreja paroquial de uma
pequena cidade do interior de Honduras - embora, é claro, os objetos litúrgicos usados no primeiro recinto
sejam, certamente, muito mais requintados que os do segundo. Assim, ainda segundo ele, a eficácia simbólica
e a essência do rito não dependem da qualidade da igreja e do oficiante. Toda missa é missa, mesmo se não
celebrada pelo papa. Toda partida de futebol é partida de futebol, mesmo se não for jogada por Pelé.
27
DaMatta (1982) referencia ao afirmar que o esporte faz parte da sociedade, tanto quanto a
sociedade também faz parte do esporte.
Franco Júnior acrescenta também que, apesar de rito e mito constituírem
um invólucro complementar e reciprocamente explicativo, no caso do futebol, o segundo
elemento parece sobrepujar o primeiro, mesmo sendo o rito o responsável pela moldura de
toda carga emocional envolvente tanto para quem realiza o jogo quanto para quem assiste.
“Toda a rica mitologia do futebol parece, de maneira paradoxal, colocar em
segundo plano o próprio rito. Na verdade, contudo, ao contrário de outras
situações mítico-rituais, no futebol cada repetição do rito (partida) permite
infinitas variantes e assim gera ou reforça vários mitos (a eficiência de certo
jogador, a garra de outro, o erro do árbitro, o comportamento da torcida etc.).
Futebol é rito e mitologia de flexibilidade incomparável no mundo industrial. É
fresta de liberdade em sociedade crescentemente regulamentadas. Nisso, talvez,
é que reside o enorme fascínio do futebol”. (Franco Júnior, 2007, p. 213)
O historiador enaltece que o rito futebolístico, como os demais, ocorre
em espaço específico, independente de sua condição material.
“O futebol é o mesmo, jogado no Maracanã ou no campinho de um time amador
de qualquer canto do mundo. Ainda, que obviamente, a qualidade dos
equipamentos usados pelos jogadores dos dois locais e a diferença técnica entre
eles sejam abissais. A dimensão social e estética do rito pode variar sem deixar
de ser estruturalmente um rito”. (Franco Júnior , 2007, p. 271)
No futebol, o ritual que se pela realização das partidas e pela
marcação do gol é contado e recontado pela imprensa esportiva, carregando no discurso os
aspectos míticos, pois, constatemos que os mitos são signos
14
midiáticos. São alimentos da
mídia.
O cumprimento do rito (repetição do acontecimento) é na acepção de
Campbell (1990), é a condição para que o mito seja rememorado. Isso resume a razão de
sua sobrevivência. Sintetiza também a razão de existir da própria imprensa esportiva. Esta,
através das imagens e do discurso narrativo, pode não traduzir a experiência, mas a sugere.
14
Muitos signos presentes em sonhos, por exemplo, emergem do Inconsciente Coletivo. São da ordem do
mito. Correspondem a uma natureza mítica que, muitas vezes, o sonhador nunca ouviu falar. Portanto, esses
signos serão de fato representações dos arquétipos da mitologia, em relação significativa com algum contexto
da vida contemporânea, e, consequentemente, serão decifráveis somente em comparação com os padrões,
temas e semântica da mitologia em geral.
28
Nesse contexto, aparece sob notoriedade inerente a figura do atleta-herói
que sustenta o engendramento de sentidos na esfera do mito. Assim, dentre todas as
prospecções míticas, o mito tomado por consideração aqui neste trabalho de pesquisa é o
mito do herói, que é relacionado à trajetória de Ronaldo no futebol.
1.3 Ronaldo e o Mito do Herói
O futebol espelha de forma bem característica essa realidade de
constituição mítica ao formar heróis que oferecem à mídia uma narrativa cheia de
superação e conquistas gerando personificação dos anseios e desejos. Vão se formando, em
especial, conjecturas tangentes das representações sociais, uma vez que trata-se de um
esporte que faz parte da vida da grande maioria do povo brasileiro e integra a dinâmica
cultural do nosso país. É um fenômeno esportivo que produz vínculos interpessoais,
aspirações de conquistas pessoais.
Podemos observar e extrair aspectos mitológicos guardados sob uma
forma universal quando consideramos grupos ou indivíduos que não estabeleceram
qualquer contato cultural entre si, como as tribos africanas e os índios norte-americanos, os
gregos e os incas do Peru. Assim, ocorre repetidamente em vários lugares, em várias
épocas, em vários povos ou indivíduos diferentes a caracterização da figura do herói
arquetípico
15
, evidenciado pelo nascimento humilde, pela demonstração de provas de sua
força sobre-humana, pela ascensão rápida ao poder e à notoriedade, pela luta e esforço
triunfantes, pela falibilidade e pelo declínio
16
.
Ronaldo, o ícone trazido à discussão nesse trabalho de pesquisa,
representa as linhas da imagem encarnada do mito do herói. Atende aos requisitos do herói
arquetípico que passou por provações. Esta imagem heroica representa o símbolo de
esperança, da audácia, da persistência e da vitória. E o herói se revela como signo
15
Referenciando Jung (2008), cabe ter em mente que o mito universal do herói consiste de símbolos que não
foram conscientemente inventados. Aconteceram.
16
Jung aponta essas fases como constituintes do ciclo heroico.
29
prontamente compreendido nessa diretriz que permeia a imaginação e passa a fazer parte
da vida psíquica dos indivíduos.
Ronaldo reúne características clássicas da figura típica de herói, deixando
transparecer uma imagem na faceta desportiva que vem suprir as prerrogativas de auto-
realização do homem comum, o qual diante dos entraves e obstáculos vislumbra a
possibilidade da glória e do sucesso.
Nos termos de um dualismo conciliatório, as vertentes ditadoras de
heroicidade exigiram uma face sacrificadora, como a de superar graves contusões, e
também uma face glorificadora, como as conquistas em sua carreira. Assim, o herói, que
necessita da “façanha” para se intitular como tal, se revela como um arquétipo clássico e de
significância para a psique humana mediante a consolidação do estabelecimento de uma
forte identidade coletiva.
Em praticamente todas as narrativas mitológicas, a presença da figura do
herói é significativa. Uma saga heroica de grande representatividade épica poderia ser
traduzida na figura de Hércules, o mais famoso herói da mitologia grega. Filho
17
de filho
de Zeus e da mortal Alcmena, demonstrava na força física sua principal qualidade.
Ascendeu ao Olimpo após derrotar monstros perigosos nas doze batalhas
épicas
18
. Revelou uma face anti-heroica acentuada, explicitada pelo uso de artimanhas
desonestas e pelo comportamento impetuoso destrutivo, quando num acesso de ira matou
três de seus filhos, sua mulher, e seu professor de lira.
Logicamente que um herói desportivo, como aqui trazido na figura de
Ronaldo, não realizará em seu trajeto feitos de tamanho extremismo. Não lutará contra
monstros para proteger ou salvar “donzelas em perigo”. Salvamento heroico este que
constitui um dos aspectos mais importantes do mito clássico do herói. Mas,
17
Segundo a mitologia grega, os heróis eram filhos de deuses com seres humanos.
18
Os doze trabalhos míticos de Hércules (ou Héracles) foram: matar o leão de Nemeia, matar a Hidra de
lerna, capturar o javali de Erimanto, capturar a corça de Cerineia, expulsar a aves do lago Estínfalo, limpar as
estrebarias de Aúgias, capturar o touro de Creta, capturar os cavalos de Diómedes, obter o cinturão de
Hipólita (rainha das Amazonas), buscar os bois de Gerião, buscar os pomos de ouro do jardim das Hespérides
e capturar o cão Cérbero. Fonte: site Wikipedia
30
simbolicamente a batalha contra adversários dentro do campo e contra lesões físicas
fora dele, demandando longos tempos de recuperação. E, certamente, as concepções
míticas estão delineadas em seus feitos enquanto um atleta que alcançou conquistas
ímpares, concebendo a perspectiva de que o herói transcende a vida.
Ronaldo, assim, preenche as principais peculiaridades simbólicas de um
herói clássico como as fábulas da Antiguidade que revelam grandes aventuras heroicas.
Assim, um herói típico tal como Ronaldo: apresenta uma face humana e outra sobre-
humana um homem comum com fraquezas e defeitos e um atleta com grandes
conquistas), que reproduz particularidades ressaltadas por Jung e Campbell.
Uma vez que, de acordo com Campbell, o herói evolui na medida em que
a cultura evolui, suas atribuições são pertinentes à época em constitui sua saga.
“A tarefa do herói, a ser empreendida hoje, não é a mesma do século de Galileu.
Onde então havia trevas, hoje luz; mas é igualmente verdadeiro que, onde
havia luz, hoje trevas. A moderna tarefa do herói deve configurar-se como
uma busca destinada a trazer de volta outra vez à luz a Atlântida perdida da
alma coordenada”. (Campbell, 2007, p. 373)
A trajetória de Ronaldo inclui dificuldades na infância (nasceu no
subúrbio carioca e enquanto criança enfrentou problemas financeiros), revela capacidades
excepcionais na juventude, quando é descoberto e amparado por tutores (Alexandre
Martins e Reinaldo Pitta o empresariaram no início de sua carreira quando ele começara a
revelar a aptidão e o talento diferenciado para o futebol), é convocado para uma missão
(tornou-se o principal atleta nos clubes onde jogou e atendeu a seleção brasileira em quatro
Copas do Mundo), enfrenta obstáculos quase intransponíveis e vence a adversidade e os
adversários (sofreu três graves contusões que exigiram dele longos tempos de recuperação
em cada uma e extrema determinação e sagrou-se a maior goleador em Copas). Casa-se
com uma mocinha e com ela tem um filho (casou-se com Milene Domingues
19
e concebeu
Ronald).
19
Milene Domingues revela feições físicas aos moldes de Ceci (heroína do romance O Guarani, que será
trazido à discussão mais adiante nesse trabalho). De cabelos loiros, externa um feitio angelical e meigo. O
casamento com Ronaldo, ocorrido em 1999, durou quatro anos.
31
Certamente, a coragem, a destreza, a determinação, a resistência física
foram elementos constituintes da fibra de herói que marcam a saga de Ronaldo. Além de
revelar toda uma representatividade mítica, tais desígnios trazem para o atleta o carisma
popular que retrata identificação e ensejo de persistência. Essa similaridade com o mítico é
mencionada pela pesquisadora Katia Rubio:
O herói enquanto figura mítica vem representar o mortal que, transcendendo
essa sua condição, aproxima-se dos deuses em razão de um grande feito. A
realização de prodígios é quase sempre uma mistura de força, coragem e
astúcia, caracterizando essa figura não como alguém dotado apenas de força
bruta, mas como uma figura particular, capaz de realizar mais do que apenas a
força lhe daria condições. (Rubio, 2001, p. 99)
O jogador, na completude dos referenciais do mito do herói, este o mais
comum e conhecido de todo o mundo, segundo palavras de Jung, deixa um legado para o
inconsciente coletivo, mediante todas as mais amplas implicações simbólicas intrínsecas à
figura heroica. Sua carreira, caracterizada por sacrifícios para a superação de percalços,
seguidos de resignações vitoriosas, isolamento ao enfrentar um terreno desconhecido e
coroado por posteriores conquistas, contempla idealismos a serem infiltrados nos sonhos
heroicos do homem contemporâneo e que serão revivificados.
Isso encontra respaldo na ideia da transcendência do mito, de forma que a
assertiva de Jung bem ilustra e amplifica esse cenário: “A figura do herói é um arquétipo,
que existe desde tempos imemoriais”. (Jung, 2008, p. 90) Implica dizer, conforme ele, que
o mito do herói é o mais comum e o mais conhecido em todo o mundo.
O mito do herói implica em uma profunda importância psicológica
também em virtude de seu poder de sedução dramática. E no caso da trajetória heroica de
Ronaldo pode-se atribuir uma inferência ainda mais representativa dentro do universo
simbólico humano dadas as características específicas que envolvem o futebol.
Trata-se de um esporte que propicia em seu rito uma intensa experiência
emocional oriunda do envolvimento passional do torcedor que transcende as diferenças de
tempo, de espaço, de poder aquisitivo.
32
No caso de Ronaldo, nas representações dos estágios cíclicos, o sacrifício
arquetípico do herói correspondente à passagem pelo limiar obscurecido tende a facilitar a
produção de um simbolismo significativo no inconsciente pelo fato do contexto esportivo
conferir um envolvimento profundo no que diz ao aspecto emocional. Dessa maneira, a
figura do herói se propõe importante e significativa porque ela serve de elo para dialogar
com o sujeito.
A façanha heroica se faz disseminar rumo ao inconsciente coletivo muito
em função da mídia que conta toda a empreitada do atleta. A mesma que cumpre o papel
de difundir, muitas vezes desconhece os determinantes de uma estrada heroica, como
veremos no capítulo específico mais adiante nesse trabalho de pesquisa. Mas, ressalta-se
que a sociedade determinará a sobrevivência ou não do herói enquanto lenda, o grau em
que se perpetuará através dos tempos em termos de revivificação, como considera a
pesquisadora Sílvia Chiabai (2007) em sua tese de pós-doutoramento.
Ou seja, segundo ela, se o herói torna-se lendário, isto é, suas façanhas se
transformam em lenda, reprisadas em imagens eletrônicas pela mídia na era moderna,
relatadas em livros didáticos na escola, ou narradas de pai para filho ou roda de amigos
desde a Antiguidade, relembradas pela memória tecnológica ou humana, a sociedade é que
vai estabelecer a amplitude de sua elevação mítica.
Mas, retomando a questão dos sacrifícios arquetípicos, nos quais Ronaldo
revela-se como uma espécie de fênix
20
da cultura de massa (uma vez que pereceu e
renasceu dramaticamente muitas vezes), salienta-se que o atleta necessitou tomar
conhecimento de suas próprias forças e fraquezas, passando pelo processamento da
autodescoberta. É o que Jung chama de consciência do ego. Isso proporciona uma
preparação e um norteamento para torná-lo apto a enfrentar e vencer uma perigosa jornada
na escuridão. Precisou tomar ciência da sombra para reagir a ela e alcançar o triunfo ou
retornar a ele.
20
Fênix ou Fénix é um pássaro das mitologias grega e egípcia que, quando falecia, entrava em
autocombustão e após algum tempo, renascia das cinzas, simbolizando a imortalidade e renascimento
espiritual. Dotada de extrema força, segundo a lenda, a ave transportava cargas pesadíssimas em voos, tais
como elefantes.
33
Ou seja, necessita-se subjugar e assimilar o sombrio para que o ego
triunfe
21
. Como um combatente que passa pelo enfrentamento armado, chega-se a um
amadurecimento imposto pelas próprias condições e ambientações a ordens adversas.
Assim, referenciando Jung, o processo de consolidação e progressão da
figura heroica em si ocorre em paralelo com a própria evolução da personalidade humana.
O humano entra em sincronicidade com o sobre-humano que implica a figura do herói.
Ressalta-se que no limiar da autodescoberta, infere-se uma intercalação
para uma outra faceta - a do herói que sucumbe ao arquétipo. Um caso peculiar que vem
exemplificar esse estigma é a rendição do jogador Adriano, intitulado pela mídia e pelos
torcedores como Imperador, à sua representatividade arquetípica.
Ocorreu um estado de esgotamento que transbordou, levando-o a voltar
às origens e retomá-las como diretrizes vitais na medida em que fraquejara enquanto o
cumprimento do chamado heroico ele abandonou os compromissos enquanto atleta da
Internazionale da Itália e retornou para o bairro periférico localizado na Zona Norte do Rio
de Janeiro onde nasceu, Vila Cruzeiro, coincidentemente localizado nas mesmas
imediações onde nasceu Ronaldo (Bento Ribeiro).
Adriano
22
não ingressou na empreitada da superação do sofrimento
heroico ao não conseguir expulsar para fora de si aquilo que fermentava em seu interior
obscuro. O herói típico que, segundo Jung sofre dividido por forças opostas, luta pela
vitória da consciência o tempo todo em detrimento a uma predisposição de retorno ao
inconsciente que contempla as seduções do abraço materno. Assim, o regresso mostrou-se
conflituoso.
21
Jung vislumbra que a manifestação do ego não precisa ser simbolizada pelo combate; pode sê-lo pelo
sacrifício.
22
Adriano abandonou a Internazionale de Milão, clube que defendia, e regressou ao Rio de Janeiro, em 2 de
abril de 2009, declarando ter perdido o contentamento em jogar futebol, além de ter demonstrado insatisfação
com o assédio da imprensa italiana. Após defender Flamengo (onde foi revelado), Fiorentina, Parma,
Internazionale de Milão, São Paulo e seleção brasileira, Adriano, após um mês longe das partidas oficiais,
voltou a assinar contrato com a equipe carioca em 30 de abril de 2009 e conquistou o título do Campeonato
Brasileiro. Em 2010, transferiu-se novamente para a Itália para jogar pela equipe do Roma.
34
Campbell complementa com o prenúncio de que o herói é aquele que,
embora ainda se encontre vivo, conhece e representa os apelos da supraconsciência que
é, ao longo da criação, mais ou menos inconsciente. A aventura do herói marca o instante
em que este, embora ainda esteja vivo, descobriu e abriu o caminho da luz.
Num apêndice dessa contextualização, Nise, interpretando Jung, assinala
que sonhos e fantasias fazem com que o mito do herói se revele ao superar situações de
perigos míticos, bem como tempestades em alto mar durante uma viagem ou encontro com
monstros.
Essa epifania interior do herói tem consequências na vida real o
indivíduo passa a julgar-se superior aos demais e detentor de altas qualidades. Na
contramão dessa vertente, ele pode ver-se impossibilitado de pretensões excessivas, passa a
se sentir inferior assumindo dessa maneira o papel de sofredor heroico.
Uma qualidade distinta inerente ao ser humano colabora para que o herói
se destaque ainda mais como um feitor de tarefas semidivinas, especialmente no universo
esportivo - a adaptabilidade, característica inata ao ser humano imprescindível na luta
contra situações adversas.
No caso de atletas, por exemplo de Ronaldo, a necessidade de se
adequar a idiomas, costumes, climas diferentes na ambientação da experiência de praticar
futebol no exterior. Além disso, precisa se adaptar ao enfrentamento da dor crônica e aos
períodos de recuperação física que exigem uma harmonia entre mente e corpo.
Todavia, no futebol, um esporte que exige uma mescla de agilidade,
resistência física, força e habilidade, as contusões tornam-se corriqueiras no cotidiano dos
atletas. Alguns com maior propensão, outros menos. No caso peculiar de Ronaldo, foram
três sérias lesões que demandou muito esforço físico e mental e exigência de adaptações
específicas. Deparou-se com aflições ocorrentes continuamente no seu íntimo que o
levaram a uma interpelação interior.
35
Certamente que após a superação do primeiro lesionamento, a incógnita
que envolvia um processo de recuperação árduo e demorado passou a ser desvendada, mas
nem por isso delineou-se um caminho menos tortuoso, na proporção que os dissabores se
constituíram de sucessivos testes com ares derradeiros, que avaliaram seu poder de
persistência contra tendências regressivas simbolizadas pela luta contra a sombra. Foi uma
verdadeira descida ao inferno de Orfeu
23
para prosseguir realizando aquilo que ele mais
ama – jogar futebol.
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, o jogador
reforça essa premissa: “Não tinha outra razão para voltar a jogar a não ser meu amor pelo
futebol. Sempre quis voltar a disputar a títulos, fazer gols importantes, decidir
campeonatos. Isso me emoção. Tenho 32 anos e me sinto novo”. (O Estado de S. Paulo,
22 de março de 2009, p. E1)
Há, por conseguinte, a necessidade da sintonia que envolve nossos
mundos – o interior e o exterior postulada nas palavras de Campbell:
“O mundo interior é o mundo das suas exigências, das suas energias, da sua
estrutura, das suas possibilidades, que vão ao encontro do mundo exterior. E o
mundo exterior é o campo da nossa encarnação. É que você está. É preciso
manter os dois, interior e exterior, em movimento”. (Campbell, 1990, p. 60)
No tangente à exposição midiática, considerando a importância dos
feitos, das conquistas e a trajetória em si, a figura pública do jogador se mistura com a
figura privada. Especialmente nos dias de hoje quando uma instantaneidade tão grande
de fluxo de informações que não há tempo hábil para que algo se cristalize antes de ser
descartado.
23
A lenda diz que Orfeu, cantor e tocador de lira, desce ao inferno (Tártarus) para resgatar sua amada eterna
Eurídice, morta pela picada de uma serpente quando colhia flores. Orfeu não se conforma com a vontade do
destino. Superando os obstáculos da aventura, fica na presença dos senhores do inferno Plutão e Perséfone e
os convence através de seu canto mágico a devolver sua esposa para o mundo dos vivos. Mas, em troca,
precisa cumprir uma exigência - não poderia de forma alguma se virar para trás para ver sua companheira até
sair do Reino dos Mortos. que Orfeu, não resistindo à curiosidade, olha para trás desobedecendo aos
deuses, e com isso Eurídice desaparece na escuridão. Desolado, ele chora a perda de sua amada, joga a lira
mágica e perde seus poderes.
36
Nessa perspectiva, na dualidade de faces e roupagens, Jung resume que o
homem que encarna o herói apresenta-se dotado de audácia e valentia extraordinárias e
destemor notável, mas noutras versões ele é uma pessoa comum. As fraquezas
características do homem comum, que compõe também uma face do herói, servem de
aporte midiático para a construção da figura do anti-herói. Mas, essa dualidade no perfil
heroico entre humano x sobre-humano bem como a desconstituição midiática da imagem
do herói será mais discutida adiante.
Essencialmente, podemos dizer que a narrativa da trajetória do atleta
Ronaldo traz destaca características da transfiguração. Em sua aventura heroica,
abandonou a condição de criança pobre do subúrbio carioca para realizar e contemplar
conquistas históricas dentro do futebol.
Consagrou-se mundialmente ao se tornar o maior recordista de gols da
história das Copas do Mundo (desde 1930, quando começaram os Mundiais), num total de
15 gols marcados. E conquistou dois títulos com a seleção brasileira, em 1994 e 2002. Foi
eleito por três vezes o melhor jogador do Planeta pela FIFA
24
: em 1996, 1997 e 2002.
Aventurou-se no futebol dos principais times europeus e na seleção do
Brasil e transpôs barreiras impossíveis a princípio, como as graves contusões, mas as
superou. Campbell reitera: “O herói é alguém que deu a própria vida por algo maior que
ele mesmo”. (Campbell, 1990, p. 131) Além disso, é alguém que realizou algo ou passou
por experiências pelas quais poucos passaram.
A história de Ronaldo no futebol, rica em conquistas, se mostra, como
aqui colocado permeada por situações desafiadoras e adversas. Características que vão ao
encontro das circunstâncias percorridas pelo herói descritas por Campbell e Jung
25
.
O mitólogo (2007) retrata a peripécia mitológica do herói no
cumprimento dos rituais de passagem expressos no chamado, no cumprimento e no retorno
24
Federação Internacional de Futebol Associação.
25
A jornada do herói constitui-se de toda uma narrativa que contempla o universo simbólico humano e
encontra-se trazida e discutida nas obras dos eranianos Jung e Campbell. Mesmo procedentes de campos do
conhecimento diferentes (Jung, da Psicologia Analítica e Campbell, da Mitologia), trazem essa questão
dentro de uma perspectiva complementar.
37
correspondentes ao ciclo de separação-iniciação-retorno, e do qual vamos discorrer na
sequência deste trabalho.
O atleta incorporou um alto conceito de valor de raridade arraigado por
sua notável destreza dentro dos gramados no que se refere a controle e condução de bola,
finalização de jogadas, drible, passe, lançamento e até cabeceio. Transcendeu padrões de
conduta esportiva universais dada à sua habilidade como atleta de futebol e perseverança
em manter-se em combate. Sem contar que sempre a necessidade da comprovação da
categorização heroica. Campbell (1990) qualifica bem essa condição ao enfocar que o
herói é aquele homem ou mulher que conseguiu vencer suas limitações históricas pessoais
e locais e alcançou formas legítimas normalmente válidas, humanas.
Nesse trajeto de se afastar de um território conhecido e de se ver em
situações árduas e difíceis, Campbell enxerga o aparecimento da façanha do herói que se
apropria de coragem para enfrentar julgamentos e trazer todo um novo conjunto de
possibilidades para o campo da experiência interpretável a fim de serem experimentadas
por outras pessoas. Daí a conclusão do mitólogo de que a sociedade necessita de heróis.
Campbell discorre também acerca das espécies de heróis, das quais
destaca a existência de duas. Segundo ele, alguns heróis optam por realizar determinada
empreitada, outros não. Num tipo de aventura, o herói se prepara responsavelmente e
intencionalmente para realizar a proeza. Por exemplo, Atena ordenou a Telêmaco, filho de
Ulisses: “Vá procurar seu pai”. Essa busca do pai é uma aventura heroica superior, para os
jovens. É a experiência arriscada de procurar o seu próprio horizonte, a sua própria
natureza, a sua própria fonte. Há um comprometimento intencional.
Ou, segundo Campbell, existe a lenda sumeriana da deusa do céu,
Inanna, que desceu aos mundos subterrâneos e enfrentou a morte para trazer seu amado de
volta à vida.
Depois existem as aventuras às quais você é lançado como alistar-se no
exército, por exemplo. Não fazia parte de sua intenção, mas de repente você se vê ali. Você
enfrentou morte e ressurreição, vestiu um uniforme e se tornou outra criatura.
38
Na mitologia grega, os heróis encarnam personificações de semideuses,
pois são filhos de deuses com seres humanos. Vencem habitualmente a sua luta contra o
monstro, mas há mitos em que o contrário se faz, mesmo que não definitivamente.
Nesse sentido vale fazer referência à história de Jonas e baleia, que nas
palavras de Campbell é uma temática mítica praticamente universal o herói é engolido
por um monstro marinho, que o transporta durante uma noite inteira numa viagem do oeste
para leste. Permanece mergulhado em trevas que representam uma espécie de morte.
Depois, retorna transformado da descida ao obscurantismo.
Psicologicamente, a baleia representa o poder de vida contido no
inconsciente. Metaforicamente, a água é o inconsciente, e a criatura na água é a vida ou
energia do inconsciente, que dominou a personalidade consciente e precisa ser
desempossada, superada e controlada. Nessa história, em que Jonas é engolido e conduzido
ao abismo, para depois ressuscitar, é uma variante do tema da morte-e-ressurreição, e
assim conquistar o triunfo que revela o papel do herói.
“A personalidade consciente entre em contato com uma carga de energia
inconsciente que ela não é capaz de controlar, precisando então passar por toda
uma série de provações e revelações de uma jornada de terror no mar noturno,
enquanto aprende a lidar com esse poder sombrio, para finalmente emergir,
rumo a uma nova vida”. (Campbell, 1990, p. 155)
As gárgulas insinuantes e desafiadoras enfrentadas na rota ímpar do
atleta-herói são portadoras simbólicas correspondentes ao ventre da baleia propositor da
luta no limiar sombrio. Os triunfos em veis macrocósmicos intercalados a momentos de
purgação e impactos trazem à tona um sugestionamento simbólico que nutre e serve de
base para a humanidade. Campbell prorroga ao dizer que pela ação dos heróis, de caráter
mais ou menos humano, é cumprido o destino do mundo.
Nesse caminho da aventura ou projeção para feitos dessa natureza
heroica, Franco Júnior também tipifica essas origens, na essência da visão de Campbell:
“O herói pode agir por vontade própria na realização da aventura, como fez
Teseu ao chegar à cidade de seu pai, Atenas, e ouvir a horrível história do
39
Minotauro; da mesma forma, pode ser levado ou enviado para longe por algum
agente benigno ou maligno, como ocorreu com Ulisses, levado Mediterrâneo
afora pelos ventos de um deus enfurecido, Podêidon. A aventura pode começar
como um mero erro, como ocorreu com a aventura da princesa do conto de
fadas; igualmente, o herói pode estar simplesmente caminhando a esmo, quando
algum fenômeno passageiro atrai seu olhar errante e leva o herói para longe dos
caminhos comuns do homem. Os exemplos podem ser dos caminhos comuns do
homem. Os exemplos podem ser multiplicados, ad infinitum, vindos de todos os
cantos do planeta”. (Franco Júnior, 2007, p. 66)
Dentro dessa concepção de ciclo, façanha, tarefa, estágio, jornada do
herói vale ressaltar que no futebol, o herói, no caso aqui de Ronaldo, passa pela submissão
ao próprio tempo de vida útil no futebol. Um atleta após uma determinada idade
(geralmente após os 30 anos) deixa de reunir condições físicas e até mentais de continuar
na prática do esporte. No caso de Ronaldo, atualmente com 33 anos, previu sua capacidade
de continuidade como jogador apenas por mais um ano, esperando encerrar sua carreira no
fim de 2011, ou até mesmo ao término de 2010, caso o clube em que joga, o Corinthians
não conquiste uma vaga para a Taça Libertadores
26
do ano seguinte.
O futebol, portanto, conforme bem salienta Giglio, não pode ser visto
apenas como algo superficial, como um simples jogo esportivo que tem início e fim
demarcados pelo apito do árbitro. Ele é muito mais do que isso, desperta na nação os mais
diferentes desejos e emoções, acompanhando-a durante toda a vida. O futebol faz parte da
vida do brasileiro, além de proporcionar um meio de aproximação e criação de vínculo
entre as pessoas. O deslumbramento e o envolvimento do brasileiro com futebol são de
tamanha intensidade e significância que surgiram expressões, tais como, "a pátria de
chuteiras", “paixão nacional”, "país do futebol", "190 milhões de treinadores". É um
fenômeno esportivo integrante da dinâmica cultural brasileira.
26
A Taça Libertadores da América é um torneio que reúne anualmente os principais clubes sul-americanos
de futebol. Os brasileiros que adquirem classificação para a disputa no ano seguinte são o campeão da Copa
do Brasil e os quatro primeiros colocados no Campeonato Brasileiro.
40
1.4 Mitos, Heróis e Ídolos
Nessa conjectura, cabe discorrer acerca da distinção e das inferências
entre herói, mito e ídolo, termos comumente empregados, mas nem sempre dentro de uma
semântica atrelada ao significado dos mesmos.
O termo herói aqui utilizado por essa dissertação advém da
contextualização semântica proposto nos termos junguianos e campbellianos. Refere ao
“mito do herói”, sendo o herói uma espécie de mito que atravessa gerações e civilizações,
aos moldes da astrologia, por exemplo. Tem ciclos e estágios míticos, como aqui já
expostos e por isso se enraíza e interpõe no inconsciente coletivo.
O herói é, assim, alguém que realiza algo de importante em benefício de
uma coletividade e precisa passar por provações para ostentar essa denominação, como
aqui vamos trazer ao lume no percurso de Ronaldo. E como ponderam Jung e Campbell, o
herói público é sensível às necessidades de sua época. Aliás, seu papel varia em termos de
magnitude, modifica-se com o imperativo de seu tempo histórico-universal. Condiciona-se
a propósito de um serviço, cuja maior essencialidade é a luta.
Mas, no entanto, aquele que pode ser remetido a essa designação pela
realização de um feito momentâneo e casual. Exemplifica essa descrição um atleta que
marca um gol que livra o time do rebaixamento ou aquele goleiro que, numa decisão por
pênaltis, faz defesas que garantem a conquista do campeonato para seu time.
Contudo, se o herói se tornará lendário dependerá do grau eficácia e da
significância de seus feitos. Se ele passar pelos estágios aqui especificados e não for autor
de uma mera façanha esporádica, ele alcançará dimensão mítica, e sua jornada será
perpetuada, imortalizada e recordada através dos tempos. Assim, podemos considerar que
embora muitos atletas possam se tornar heróis em alguma ocasião, nem todos se tornam
mitos.
41
O tenista Gustavo Kuerten, por exemplo, alcançou um feito epopeico ao
se sagrar tricampeão do torneio de Roland Garros
27
, empregando garra e determinação
dentro das quadras francesas. Sua façanha ganha ainda mais relevância especialmente se
levarmos em consideração que o tênis é um esporte sem grande expressão e destaque no
Brasil. Mas, Kuerten não se manteve no topo por muito em sua carreira e lhe custou
instantaneamente a supressão dos holofotes da mídia sobre de sua imagem.
O apogeu do herói pode ter breve duração, considerando-se as
postulações junguianas, mas sua dimensão mítica pode atravessar gerações. No
automobilismo, o piloto Ayrton Senna, por exemplo, era considerado um herói pelas
vitórias arriscadas que conquistou até sagrar-se tricampeão da Fórmula 1, e, como se tivera
encaminhado ao santuário, tornou-se um mito ao morrer tragicamente no circuito de Ímola,
Itália, no dia 1º de maio de 1994.
Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, também, nessa gênese, enquadra-
se na representatividade tica que se perpetuará através dos tempos, especialmente pela
época em que serviu a seleção brasileira de futebol. De fato, o jogador que se destaca num
histórico de conquistas, cooperando decisivamente para as mesmas, consagra-se e torna-se
um ser singular e heroificado ao ser continuamente rememorado. Recebeu o título de
“Atleta do Século” de todos os esportes pela votação do Comitê Olímpico Internacional,
em 1991. Também foi eleito o “Jogador de Futebol do Século XX” pela FIFA no ano 2000,
através dos votos de renomados ex-atletas e ex-treinadores.
Reconhecido mundialmente, Ronaldo percorreu a saga clássica do herói
proposta por Campbell (2007), consolidando a condição heróica através de sua trajetória na
seleção brasileira e por provações impostas pelas debilitações físicas depois de
alcançada a consagração no futebol.
Despontou para o mercado do futebol precocemente, aos 17 anos, quando
trocou o São Cristóvão do Rio de Janeiro pelo Cruzeiro. Alcançou o auge da carreira
jogando na Europa, em clubes como PSV Eindhoven, da Holanda, Barcelona e Real Madri,
27
Roland Garros é um dos quatro principais torneios de tênis que acontece anualmente em diferentes pisos
(revestimentos das quadras). São intitulados Grand Slams. Além dele, são disputados o Aberto da Austrália,
Wimbledon (na Inglaterra) e o Aberto dos Estados Unidos.
42
da Espanha, Internazionale e Milan, da Itália. E hoje depois de voltar a jogar em um clube
brasileiro, o Corinthians, após a terceira contusão gravíssima de sua carreira e que requereu
um ano e 20 dias de recuperação, retornou transfigurado ao completar a busca, se
igualando a seus semelhantes, no mundo dos mortais, o que Campbell qualifica como a
perfeita volta do limiar da aventura.
Estamos considerando para efeito deste estudo, o herói arquetípico,
aquele deu a própria vida por algo maior que ele mesmo, aquele que vive para redimir a
sociedade, como bem postulou Campbell. Aquele que superou atribulações, cobranças e
limitações e obteve triunfos em coeficientes macrouniversais. Nesses termos, vemos o que
o diferencia do ídolo comum.
Ídolo é alguém que alcançou a fama e tornou-se conhecido, condição que
deveras se revela passageira. Caracteriza aquele ator de cinema ou cantor que admiramos,
que acompanhamos durante sua carreira ou parte dela. É também aquele atleta que se
destaca num clube de futebol ou em algum outro esporte, é com quem a torcida se
identifica. E no momento atual ressalta-se que a instantaneidade de informações e seu
grande fluxo propicia ainda mais em grande número o surgimento de ídolos no universo
esportivo, como aponta Giglio, ao salientar o importante papel que a mídia exerce no
processo de construção do ídolo. São enaltecidas qualidades e ressaltados atributos
distintos desses jogadores que os qualificam como especiais. São chamados de astros,
estrelas, ídolos, heróis, craques.
Dessa forma, essa extrema visibilidade midiática dos atletas na exposição
da imagem os faz ganhar fama rapidamente e alcançar em um curtíssimo espaço de tempo
o status de ídolo seja ele local, regional, nacional ou internacional. Nesse dinamismo, o
marketing logo transforma os ídolos em garotos propaganda. Especialmente em épocas de
Copa do Mundo e Olimpíadas, atletas se tornam exponenciais vitrines.
Entretanto, não a construção de ídolos torna-se evidente nesse
contexto, mas também sua desconstrução. A imprensa esportiva que exalta os feitos de um
determinado atleta também o desconstitui na mesma intensidade, fazendo até mesmo que
ele decline enquanto detentor da condição de ídolo. Assim, se cria, se sustenta vínculos
43
identitários e também se rompe. Essa conjuntura revela um processo de renovação clica
pela qual passa essa questão da idolatria. Tudo é acondicionado ao consumo das massas
através da mídia.
Pode-se assim dizer também que essa perspectiva de vida útil do ídolo
passa pela questão da momentaneidade da performance do atleta, que em um determinado
dia exibe seu melhor desempenho e alcança resultados satisfatórios para a torcida; mas em
outro, fica aquém do seu melhor rendimento e acaba por sofrer retaliações dos torcedores.
Isso ocorre especialmente no futebol, esporte que canaliza emoções e
onde o limiar entre a glória e a derrocada é muito tênue. O espírito do passional que rege as
sensações e as motivações encobre a razão, além disso, sobressai a imposição do
sentimento de força de ação motivado pela configuração do pertencimento dentro de uma
esfera de coletividade. O indivíduo deixa de ser sujeito
28
.
O antropólogo Roberto DaMatta (2006) ressalta que pelo fato de o
futebol ser jogado em equipe, permite retomar no nível simbólico a ideia de uma
coletividade exclusiva, como a de uma casa ou família. Coletividade com a qual se tem
relações insubstituíveis de simpatia, “sangue” (ou “raça”) e amor.
O jogador Wagner Love viveu no Palmeiras dias de exaltação e outros de
hostilidade por parte dos torcedores. No momento das conquistas e da fase de rendimento
eficaz, fora ostentado como ídolo e em sua posterior volta ao cube, diante dos gols
escassos, sofrera retaliação de componentes da torcida organizada do Palmeiras, a Mancha
Verde.
Mas, nesse contexto, a vertente mitificadora que aponta para a
glorificação do herói que faz história, seja ele redentor, trágico ou dramático, este último o
caso de Ronaldo.
28
Isso explica, sob certo aspecto, a violência que acontece entre torcidas organizadas ou mesmo nos estádios
e seus arredores. Encobertos pela cortina do coletivo, os partícipes encontram propósito e lampejos de
agressividade diante da sensação de pertencimento e do agir em grupo, que gera para eles referência de
identidade.
44
1.5 Anti - Herói Macunaíma x Herói Peri
A epifania interior do herói pode-nos revelar vertentes psicológicas
antagônicas, nos moldes das figuras literárias expressas nos heróis Macunaíma e Peri, dos
quais podemos traçar um paralelo em essência com dois atletas-heróis do esporte
brasileiro. Macunaíma remetido à figura de Ronaldo, e Peri, vinculando-se a Ayrton Senna.
Macunaíma, escrita por Mário de Andrade em 1928, na primeira fase
modernista a fase heróica –, é uma obra de ímpeto ideológico nacionalista, que exibe as
características do povo brasileiro, a valorização da cultura e das tradições, entre elas o
folclore.
Peri é o índio goitacá, representante da grande nação tupi-guarani, herói
do romance O Guarani, publicado em 1857 por José de Alencar, que procurou cultuar
ícones da brasilidade, a tradição indígena e as imagens da beleza majestosa das matas e
florestas brasílicas, selvagens e exuberantes. Constitui-se como um marco do Romantismo
brasileiro.
Ambas as obras tentam construir uma identidade nacional e ilustram a
questão indianista, porém Macunaíma oferece uma visão mais crítica, pelas características
do Modernismo, enquanto O Guarani se apresenta mais idealista, pelas peculiaridades do
Romantismo.
Macunaíma é a expressividade das imagens do malandro, mentiroso, sem
nenhum caráter definido, é por isso que sua personalidade se caracteriza, sobretudo, por ser
contraditória. Justamente em razão disso se propõe a simbolizar a essência da brasilidade,
na medida em que o brasileiro não tem caráter moral porque não possui nem civilização
própria nem consciência tradicional, o que, segundo o poema modernista, explica a falta de
honestidade dentro da classe política e a carência de senso étnico nas famílias. Ronaldo,
como um representante típico da cultura de massa, é a personificação simbólica dessa
essência que revela o seu perfil boêmio e conturbado no referente à sua vida privada.
45
Ao mesmo tempo, o atleta expõe as fraquezas emblemáticas que revelam
o lado humanizado do herói, criando um elo identitário com as massas ao transparecer
comportamentos que identificam sintonicidade com as particularidades natas de um povo.
Essas “alternâncias psicológicas” também dialogam com heróis como Rambo
29
e com a
figura de Hércules, o maior herói grego, que num acometimento de fúria inconcebível
matou alguns de seus familiares.
Os heróis que surgem em inúmeras histórias mitológicas da Grécia
Antiga usam suas competências excepcionais para derrotar monstros, combater várias
espécies de inimigos e operar em missões que seriam impraticáveis aos mortais. Por outro
lado, esses heróis deixam transparecer alguns defeitos humanos (psicológicos e corporais)
na medida em que não são inteiramente deuses nem totalmente homens, mas sim, uma
combinação de ambos. Por certo, Campbell (2007) alertara que a mitologia não tem
como seu maior herói o homem meramente virtuoso.
A essência de brasilidade de Ronaldo é reproduzida pelo cenário de
infância humilde vivido por ele. O fato de ter superado os obstáculos e realizado feitos
épicos simbolizam representações de auto-realização. Esses entraves enfrentados ao longo
da trilha corroboram para torná-lo uma figura ainda mais arquetípica. O protagonista
Macunaíma também encontra aparato de representatividade étnica nesse viés uma vez que
nasceu negro, no fundo do mato virgem, desprovido de beleza física, e descendente do
medo da noite.
Na formação étnica nacional que permeia as narrativas da Macunaíma,
Ronaldo também encarna raiz identitária nas três raças (o índio, o negro e o branco). A
obra literária relata que Macunaíma e seus dois irmãos, Jiguê e Maanape, todos negros,
chegaram a uma cova encantada, em que Macunaíma se banhou e ficou branco. Jiguê
também quis embranquecer, mas a água se apresentava tão suja que ele apenas
29
Rambo é o herói de guerra imortal, personagem de uma série de filmes de ação iniciada na década de 1980,
de inspiração numa obra de David Morrel, intitulada First Blood. Nos cinemas, o herói foi interpretado por
Silvestre Stalone.
46
conseguiu ficar bronzeado. Por fim, sobrara tão pouca água, que Maanape conseguiu
apenas molhar e clarear as palmas dos pés e das mãos
30
.
Ronaldo se ilustra de particularidades étnicas similares aos do poema,
sendo um filho legítimo da miscigenação que compõe a identidade do brasileiro. Além
dessa menção, convém constatar a mudança de concepção de imagem que se com a
ascensão social, que faz convergir para um “embranquecimento”, considerando-se os
moldes da raça branca de ser reconhecida como bem sucedida, como o europeu. É como se
o acesso a níveis superiores da hierarquia social, altamente verticalizada como no caso de
jogadores de futebol, representasse também uma promoção para outro grupo racial.
Macunaíma expunha uma imagem do herói sob o formato de lenda que
era usada para ironizar o ser psicológico brasileiro de uma forma emblemática como expõe
uma sequência narrativa do poema “Então adormecia sonhando palavras feias,
imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar. Nas conversas das mulheres no pino do
dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam muito
simpatizadas, falando que “espinho que pinica, de pequeno traz ponta”, e numa
pajelança
31
Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente”.
Na contramão das feições psicológicas de Macunaíma, Ayrton Senna
revela-se na face de Peri, o herói idealizado de O Guarani, que se propunha a ser um
romance indianista épico, no intento de congregar em si o mito da geração da
nacionalidade brasileira.
Construído simbolicamente em contraposição ao europeu, Peri é o
personagem central, o protetor e defensor da heroína Ceci, senhorita bela, de doces olhos
azuis, meiga, suave, sonhadora, pura, inocente, um protótipo da beleza romântica que
demonstra a realidade comportamental revestida na aparência física. Apesar da
30
Aliás, o heroísmo sublime expresso no romance de Alencar, em que o valente índio salva sua amada,
expõe também, assim como Macunaíma, elementos matriciais da formação étnica nacional, frutos da relação
composta por um índio (Peri) com uma moça portuguesa (Ceci). Aliás, essa união simboliza o bem coletivo
proporcionado pela figura do herói, que no caso de Peri foi assegurar os destinos da raça brasileira, no
momento em que salva a vida de Ceci.
31
O termo é originário do tupi e significa pajé, xamã, curador, sacerdote. Refere-se aos rituais promovidos
pelos pajés nas tribos indígenas e se propõem ao objetivo da cura. As cerimônias são acompanhadas sempre
de cantos e danças para divertir os espíritos.
47
personalidade rebelde da donzela, Peri e identifica nela a aura de Nossa Senhora. Era
herdeira da força moral interior de seu pai, o fidalgo português D. Antônio Mariz.
O antagonista da narrativa é o aventureiro Loredano, ex-frade italiano,
que cobiça a mocinha e compõe a imagem do gênio do mal ao levar uma vida repleta de
crimes, é queimado como traidor ao final do romance. Como um vilão característico, sua
conduta amoral e sua aura diabólica e irascível servem para legitimar e realçar ainda mais a
perfeição heroica do protagonista, cujas virtudes se equiparam às dos mais nobres e
audazes heróis da história universal.
O herói indígena, circundado por uma natureza exótica e encantadora e
apresentando uma nobreza de caráter, um senso de justiça e uma inerente generosidade,
consagra sua valentia com inúmeras vitórias ao lutar com o tigre, com os homens, com
duzentos selvagens da tribo dos aimorés, com o veneno, e derrotar a todos. Ao fim da
trama precisou lutar contra as intempéries da natureza para salvar Ceci, e triunfou, quando
a socorreu das águas do dilúvio ao extrair uma palmeira do chão e improvisar uma canoa
32
.
Um trecho do romance comprova suas qualificações nobres, sempre
enfatizando simultaneamente o culto à natureza: “É forte; tem como a andorinha as asas de
suas flechas; como a cascavel o veneno das setas; como o tigre a força de seu braço; como
a ema a velocidade de sua carreira." (Alencar, 2010, p. 202)
A roupagem heroica de Peri beira o mítico - incorpora o "bom
selvagem", o robusto, o leal, o obstinado, o valente, o virtuoso. Sua boa índole
demonstrada através comportamentos dignos está alheia às influências “perniciosas” da
civilização, corrompida e repleta de mazelas.
Senna converge para uma representação épica tal que se vincula sua
imagem à valentia e ao arrojo em promover êxitos pelas pistas mundo afora representando
o Brasil naquela que é a mais cobiçada das competições automobilísticas a Fórmula 1.
Externava a feição do “bom moço”, da fala mansa e intrincada, do sorriso mido e terno,
32
Na obra, desenvolve-se paralelamente o romance entre Álvaro, capataz de Dom Antônio Mariz e Isabel,
irmã bastarda de Ceci. Ao fim, Álvaro falece na guerra, e Isabel, inconformada comete suicídio.
48
do olhar dócil e tristonho, do comportamento discreto e regrado que o mantinha afastado
de escândalos e conturbações. O estigma de moço introvertido e a aura romântica conferida
pelo estilo conservado e reservado vinham fundamentar o paradoxo que revelava sua
postura dentro das pistas, arena da competição que obriga imprimir uma atitude agressiva.
Talvez esse perfil tenha determinado as extensões míticas que
permanecerem no imaginário popular após sua morte. Senna protagonizou o herói, o mito e
a epopéia, caracteres comuns das fermentações épicas nas literaturas modernas e pode ter
tido seu carisma fundado num profundo misticismo. Sua imagem foi imortalizada e como
não era tratado pela mídia como um humano, com sua morte, ela preferiu santificá-lo.
Transformou-se na imagem-síntese do “Herói redentor”, nas palavras de Chiabai.
Reiteremos que o ideal da aventura heroica se cristaliza através do
espírito livre, arriscado e empreendedor, mas que é contraposto pelo sacrifício, que os ritos
antigos vislumbravam como uma grande virtude purificadora.
O sacrifício de Ronaldo foi imposto pela longa vida de provações, e na
trajetória de Senna, pela falibilidade trágica, pela morte em batalha. O piloto foi alçado ao
desígnio do cordeiro stico, aquele ser puro que se deposita em oferenda através do
sacrifício ritual. Nesse circunstancial foi quando sucumbiu aos riscos e tornou-se
vulnerável à morte.
Peri, de forma análoga, como portador simbólico da pátria brasileira,
mostrou vulnerabilidade à morte e se ofereceu em sacrifício. Numa batalha entre aimorés e
portugueses, os primeiros, mais numerosos levam vantagem. Assim, o nobre indígena
ingere veneno a fim de que, após ser derrotado na luta e devorado pelos adversários
antropófagos, eles falecessem contaminados pela sua carne. É salvo por Ceci, que o
convence a tomar o antídoto
33
.
33
O romance passa-se no começo do século XVII e se baseia num período histórico do país em que este era
desbravado e colonizado pelos portugueses. Os lusitanos saem derrotados numa guerra contra os índios
aimorés. Dom Antônio explode a fortaleza que ele havia construído, matando a todos ali dentro, inclusive a si
próprio. Antes, pede a Peri que se converta ao Cristianismo para que fuja com Ceci. A donzela, decepcionada
com a civilização branca, prefere morar com o índio-herói na selva.
49
Conforme discorrido, os escritos literários apontam que o respaldo
comparativo paradoxal encontra fundamento na discrepância comportamental do caráter
heroico que reveste Peri em oposição à personalidade anti-heroica de Macunaíma.
Confirma-se no meio esportivo brasileiro uma ausência de “atletas-
heróis” aos moldes de Peri, exceção aqui justificada na figura de Senna. Detrimento feito a
atletas que concebem uma natureza conturbada de seu lado humano, deixando manifestar e
revelar um perfil boêmio, polêmico, malandro, dissoluto também em sua essência na vida
privada, não só dentro dos gramados, nos protótipos similares da essência personificada de
Macunaíma. Muitos desses atletas de fato não ilustram a identidade heroica do personagem
de Mário de Andrade, mas expõem personalidades conflituosas quem emanam
comportamentos conturbados.
Dentre os mais típicos em consonância com esses atributos
comportamentais podemos referenciar jogadores em atividade e ex-jogadores. Exemplos
são o próprio Ronaldo, Romário, Adriano, Robinho, Diego Souza, Wagner Love,
Edmundo, Dinei, Edinho (goleiro, filho de Pelé), Renato Gaúcho e Garrincha.
Em suma a consumação dessa imagem pode ser atribuída à pouca
formação escolar e à escassa base familiar, refletida pela infância humilde vivida por
grande parte dos atletas brasileiros, que, por consequência, evidenciam baixa estrutura
emocional.
As conturbações comportamentais expõem em evidência a face humana
em que as fragilidades inerentes à personalidade dos atletas marcam a imagem pública
deles. Esse comportamento polemizado é explorado e se torna fonte de alimento para a
fabricação da vilania nas narrativas jornalísticas. A intimidade controversa dos esportistas
vem preencher novos espaços nos jornais e revistas e o tempo nas emissoras de rádio e TV.
A vida pessoal conturbada de Ronaldo é a faceta latente de uma vilania
explorada pela dia foi exposto ao máximo seu histórico de vários relacionamentos
afetivos (alguns casamentos, um deles realizado em um castelo na França com a modelo
Daniella Cicarelli), além de sua vida boêmia ostentada até mesmo em vésperas de jogos
50
(incluindo Copa do Mundo) acompanhada de álcool, cigarro e mulheres ou sua
participação em episódios de confusão, como o que apontou seu envolvimento sexual com
três travestis numa noite no Rio de Janeiro em abril de 2008; no distrito policial, um deles
teria acusado o jogador por agressão e uso de drogas.
Quantias demasiadas gastas na aquisição de imóveis de alto padrão na
região central da cidade de São Paulo e no litoral paulista, após seu retorno ao futebol
brasileiro, também alcançaram divulgação. Assim como uma ação movida na justiça
brasileira por uma modelo requerendo reconhecimento de paternidade de um suposto filho
do atleta nascido em 2005 no Japão. Também foram publicadas polêmicas implicando em
sua suposta separação da atual noiva Bia Anthony, mãe de duas filhas de Ronaldo, Maria
Sophia e Maria Alice.
A congruência das louváveis conquistas esportivas sobre-humanas com a
vida privada exposta de maneira devastadora pode fazer do herói um ser admirado e
lastimado ao mesmo tempo.
Dentro dessa mesma conjuntura, convém notar em outra esfericidade, nos
dizeres do pensador e sociólogo francês Edgar Morin (2009), que a exposição da vida
íntima sugere o processo de projeção-identificação com a humanidade corrente, ao induzir
à expectativa do sucesso, do êxito, confirmando que a felicidade é possível e que a
satisfação dos desejos também o é.
1.6 A Faceta Exploratória dos Olimpianos
As vedetes que hoje estão no cotidiano da mídia, que alimentam a
programação, são intituladas de “olimpianos
34
modernos na concepção de Edgar Morin
(2009). São semideuses, uma vez que apresentam uma face dupla, uma humana (mortal) e
outra divina (sobre-humana). Existem entre o humano e o sobrenatural. O pensador francês
não os exemplifica apenas na figura dos astros do cinema, mas também se referindo aos
34
Nominação já utilizada anteriormente por Henri Raymond (1959).
51
esportistas, políticos, grandes empresários, príncipes, reis, playboys, modelos, artistas
célebres...
Descreve a múltipla origem do olimpismo como:
“O olimpismo de uns nasce do imaginário, isto é, de papéis encarnados nos
filmes (astros), o de outros nasce de sua função sagrada (realeza, presidência) de
seus trabalhos heroicos (campeões exploradores) ou eróticos (playbous,
distels).” (Morin, 2009, p. 105)
Os olimpianos participam como heróis metafóricos nas narrativas
encontrando-se no Olimpo
35
da notícia dos jornais que os transforma pela informação em
vedetes da atualidade. O desvendamento da vida privada garante a identificação do
público, na medida em que vem a simbolizar modelos de vida ideais da cultura de massa.
O personagem vedete é privilegiado e protagoniza situações que, para o comum dos
mortais, estariam condicionadas ao anonimato (casamentos, festas, divórcios, partos,
acidentes).
Os novos olimpianos são, simultaneamente, magnetizados no imaginário e no
real, simultaneamente, ideais inimitáveis e modelos imitáveis; sua dupla
natureza é análoga à dupla natureza teológica do herói-deus da religião cristã:
olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam,
humanos na existência privada que eles levam. A imprensa de massa, ao mesmo
tempo que investe os olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas
vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana que permite a
identificação”. (Morin, 2009, p. 106-107)
O fato de revelarem dupla natureza, a divina e a humana, os faz transitar
permanentemente entre dois pólos – a projeção e a identificação. Na proporção em que eles
ocupam o lugar de destaque no imaginário coletivo, representam os desejos que os
indivíduos comuns não podem satisfazer, mas o chamamento para que possam realizar
na esfera do imaginário. Apresentam-se como condensadores energéticos da cultura de
massa, uma vez que estão presentes em todos os setores da mesma.
“Estão (olimpianos) presentes nos pontos de contato entre a cultura de massa e
o público: entrevistas, festas de caridade, exibições publicitárias, programas
televisados ou radiofônicos. Eles fazem os três universos se comunicarem; o do
35
Na antiguidade, o homem tinha como referência comportamental e identitária as narrativas dos deuses do
Olimpo, da cultura grega clássica. Já, hoje, na descrição de Morin, a intimidade dos olimpianos confere
alimento para a identificação dentro da cultura de massa. Os olimpianos se propõem à mesma analogia dos
deuses do Olimpo, ao determinar padrões de conduta.
52
imaginário, o da informação, o dos conselhos, das incitações e das normas.
Concentram neles os poderes mitológicos e os poderes práticos da cultura de
massa. Nesse sentido, a sobreindividualidade dos olimpianos é o fermento da
individualidade moderna”. (Morin, 2009, p. 108)
Os meios de comunicação, especialmente através das publicidades, ao
vincular modelos de encarnação de mitos de auto-realização da vida privada espelhados
pelas vedetes, projetam os indivíduos comuns para a categoria de sujeitos desejantes.
Assim, fomentam e estruturam os instintos, orientam as emoções que influenciam e
controlam o nosso comportamento, abrindo os horizontes do bem-estar, da busca pela
prosperidade, o que legitima o suporte para a estimulação do consumo numa sociedade
caracterizada pelo individualismo.
Essa perspectiva agrega todo o sentido de existência do mundo moderno,
como Campbell já projetava:
“O problema da humanidade hoje, portanto, é precisamente o oposto daquele
que tiveram os homens dos períodos comparativamente estáveis das grandes
mitologias coordenantes, hoje conhecidas como inverdades. Naqueles períodos,
todo o sentido residia no grupo, nas grandes formas anônimas, e não havia
nenhum sentido no indivíduo com a capacidade de expressar; hoje não há
nenhum sentido no grupo - nenhum sentido no mundo: tudo está no indivíduo...
Hoje, o sentido é totalmente inconsciente”. (Campbell, 2007, p. 372)
Nessa conjuntura em que o sujeito é dirigido pela ânsia do consumo,
Morin descreve a estreita ligação existente entre publicidade e cultura de massa, esta que
para ele se desvenda “jovem e olimpiana”:
“A publicidade apadrinha tão bem a cultura de massa (programas de rádio e de
televisão, competições esportivas) quanto é apadrinhada por ela. A cultura de
massa é o terreno onde a publicidade obtém sua maior eficácia, e inversamente,
os orçamentos publicitários, isto é, todo um setor da cultura de massa. A cultura
de massa, em certo sentido, é um aspecto publicitário do desenvolvimento
consumidor do mundo ocidental. Num outro sentido, a publicidade é um
aspecto da cultura de massa, um de seus prolongamentos práticos”. (Morin,
2009, p. 104)
Portanto, a impulsão pelo consumo tem sua raiz na vontade inconsciente.
Esse prognóstico nos permite vislumbrar uma significativa e positiva função da mitologia
destacada por Campbell que é a de fornecer símbolos indutores do avanço do espírito
humano, opondo-se àquelas fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás.
53
Esse papel dialoga com a primazia da função básica da mitologia - servir como poderosa
linguagem pictorial para fins de comunicação da sabedoria tradicional. Nesses termos, a
mitologia é, segundo o estudioso, psicologia confundida com biografia, história e
cosmologia.
Morin alerta para que a suscitação de um mundo possível a todos e a
incessante busca de satisfação pessoal degenerada pela identificação com a vida privada
dos olimpianos, seja também contraposta com a essência que marca a vida deles, ou seja, a
mortalidade, a falibilidade, pois vivem as mesmas possibilidades de aflições interiorizadas
que os indivíduos comuns.
A orientação advinda dos modelos ideais propostos pelas vedetes traz a
constatação acerca da generalização das narrativas romanceadas que expressam uma
metaforização acerca da imagem do herói. Celebridades efêmeras são reverenciadas e
exaltadas na imprensa tornando-se figuras atrativas e fascinantes sem efetivamente terem
suscitados feitos significativos, contribuindo para uma banalização da jornada heroica por
excelência, aquela arquetípica concebida de símbolos intemporais. Mesmo que se
corresponda a uma dinâmica natural dentro da cultura de massa, de se ter uma
percepção contextual no processo contributivo para a elevação ao estrelato e para a
rendição a ilegítimas divindades uma vez que tais metáforas servem de vínculo entre o
inconsciente e os campos da ação prática.
1.7 Imaginário
“O futebol é fuga do real, representação imaginária, não realidade em si,
contudo ele não se diferencia nisso do teatro, do cinema, da literatura e das artes
em geral. Possui uma intensidade de adesão e um envolvimento emocional que
o destacam”. (Franco Júnior, 2007, p. 167)
De fato, como expressas nas palavras de Franco Júnior, o futebol
desperta uma emoção envolvente. Canaliza com eficácia as esperanças e as frustrações da
sociedade e por isso obtém destaque frente a qualquer outra manifestação contemporânea,
na medida em que o futebol é o fenômeno cultural mais difundido no mundo de hoje. “A
54
FIFA reunia em 2006 mais de 140 milhões de jogadores de 300 mil clubes, em 207 países
(no Brasil, 4283 clubes profissionais)”. (Franco Júnior, 2007, p. 393)
Partindo dessa avaliação acerca da importância que o futebol se apresenta
nos dias atuais enquanto um acontecimento envolvente do lado passional do torcedor, que
faz parte de seu cotidiano, representando uma espécie de fuga e canalização de emoções, o
imaginário precisa ser considerado nesse contexto. Não é o caso aqui discutir e explorar
profundamente as veias teóricas que conceituaram e desenvolveram esse quadro temático.
Assim, vamos expor as principais conceituações e alusões referentes ao
imaginário, levando em conta que o mesmo futebol que invoca a fidelidade e a identidade
do torcedor, é aquele que se revela em formato de indústria ao movimentar negócios
bilionários.
O antropólogo e pensador francês Gilbert Durand (1997) define
imaginário como um sistema que torna possível um reordenamento individual do ser
humano no relativo à abstração de imagens da qual configura o sentido. O pensamento se
na forma de representação, ao passo que se configura através de símbolos,
influenciando a constituição dos indivíduos, das culturas e das sociedades na contemplação
das relações antropológicas e das manifestações de cunho arquetípico.
Consideremos que individualidade, identidade e coletividade estão
acopladas dentro de um mesmo nicho de ordenamento quando pressupomos o dinamismo
de aspectos contidos no universo futebolístico.
Nessa fundamentação, Durand ressalta a transcendência advinda através
do símbolo, que projeta o subjetivo sobre o racional, excedendo uma significação objetiva
por possuir caráter multidimensional dado através de uma imagem. E é no mito que o
símbolo alcança uma dimensão dinâmica em forma de relato, ao transformar mbolos em
palavras. Cassirer resume que “a mitologia converteu-se, consequentemente, no produto da
linguagem”. (Cassirer, 2006, p. 103)
55
Castoriadis (1982) coloca que atos reais individuais ou coletivos
necessitam de uma teia simbólica para se constituírem. Neles estão concebidos os alicerces
para a formação do imaginário.
Katia Rubio traça um paralelo o imaginário e o real ao sintetizar: “o
imaginário não é a negação total do real, mas apóia-se no real de modo a transformá-lo e
deslocá-lo, dando origem a novas relações no aparente real”. (Rubio, 2001, p. 51)
A relação entre simbólico e imaginário insinua uma teorização mais
profunda, num encadeamento de ideias mais amplo, mas consideremos aqui apenas a
essencialidade dessa sistemática expressa nos termos de Rubio, ao analisar Castoriadis:
“O imaginário deve utilizar o simbólico, não somente para exprimir-se, mas
para existir, para superar uma condição virtual. Toda criação, seja um delírio ou
uma fantasia, está fundamentada em imagens, e, portanto, possui uma função
simbólica. Por outro lado, o simbolismo pressupõe a capacidade imaginária,
uma vez que presume a condição de ver em uma coisa o que ela não é, -la
diferente do que é”. (Rubio, 2001, p. 53)
A autonomização técnica trava novas forças e concebe interferências das
tendências presentes na contemporaneidade e novas significações sociais. As imagens
produzidas pela tecnologia, marketing e mídia passam a influenciar a constituição do
imaginário social.
A natureza dos processos de comunicação tem sua raiz embasada no
campo simbólico, bem como esta não pode ser separada da realidade pragmática de nossos
dias, que existe pela forma como a percebemos, e cada um a compreende de uma maneira
diferente. A analogia dessa questão com o imaginário é bem colocada pelo teórico francês
François Laplantine e confirma a realidade como uma representação simbólica:
O imaginário permite uma construção que não necessariamente corresponda
em todos os aspectos à realidade, mas que tenha alguma conexão com ela. A
estratégia do imaginário é tão somente deslocar o ‘estímulo perceptual’, ou seja,
a apreensão da realidade de tal maneira a criar novas relações inexistentes no
real.” (Laplantine, 1997, p. 25)
Durand trata o mito no âmbito do discurso configurado em torno de cena,
cenário, personagens, enredo condensado na formação de sentido. Estabelece-se, conforme
56
esse quadro de desenho de forças, uma perpetuação dessa lógica de concentração do capital
perante os avanços da tecnologia digital e das novas configurações de teias
comunicacionais num novo reordenamento.
Nesses casos, afirma que o imaginário se separa do real, com o objetivo
de colocar-se em seu lugar (uma mentira) ou que não pretende fazê-lo (um romance).
Morin menciona que o imaginário se estrutura segundo arquétipos:
existem figurinos-modelos do espírito humanos que ordenam os sonhos e, particularmente,
os sonhos racionalizados que são os temas míticos ou romanescos. Assim, fabricam-se
romances sentimentais em cadeia, a partir de certos modelos tomados conscientes e
lançados ao nível da razão.
E assim sendo, o pensador (2009, p. 80) aponta o imaginário como um
sistema que permite a projeção gica, religiosa ou estética, pois oferece uma fisionomia
não apenas a nossos desejos, nossas aspirações, nossas necessidades, mas também a nossas
angústias e temores. Liberta não apenas nossos sonhos de realização e felicidade, mas
também nossos monstros interiores, que violam os tabus e a lei, trazem a destruição, a
loucura ou o horror. Não só delineia o possível e o realizável, mas cria mundos impossíveis
e fantásticos. Pode ser tímido ou audacioso, seja mal decolando do real, mal ousando
transpor as primeiras censuras, seja se atirando à embriaguez dos instintos e do sonho.
Morin pondera a relação intrínseca que envolve as mitologias e o
imaginário:
“As grandes mitologias contêm, de maneira misturada, as diferentes
virtualidades e os diferentes níveis do imaginário. Mas, cada grande mitologia
possui suas próprias estruturas, e cada cultura orienta relações próprias entre os
homens e o imaginário. Uma cultura, afinal de contas, constitui uma espécie de
sistema neurovegetativo que irriga, segundo seus entrelaçamentos, a vida real de
imaginário, e o imaginário de vida real”. (Morin, 2009, p. 81)
Dessa forma, o imaginário é o além multidimensional de nossas vidas. É
a estrutura antagonista e complementar daquilo que chamamos real, e sem a qual, sem
dúvida, não haveria o real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana.
57
CAPÍTULO 2 – A JORNADA MITOLÓGICA DE RONALDO
2.1 Ritos de Passagem
Em todo o mundo habitado, em todas as épocas e sob todas as
circunstâncias, o mito do herói conserva-se como um arquétipo clássico do psiquismo
humano. E os arquétipos, símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo
universal, como vimos, estão presentes na profundeza do inconsciente, são alicerces da
vida psíquica, nutrindo assim a humanidade.
Campbell (2007) qualifica o herói por excelência como o arquétipo de
todos os mitos. Pois ele simboliza a imagem vitalizante do deus-homem ao demonstrar
magnanimidade no percurso de uma trilha tracejada de provações e ao conquistar uma
multiplicidade de vitórias, promovendo assim uma benevolência heroica em prol da
coletividade.
O mitólogo traça a estrada do herói através dos estágios clássicos da
aventura universal intitulados ritos ou rituais de passagem. Todos os heróis, para ele,
seguem essa estrutura em algum grau, revelando várias faces da mesma história.
Os rituais de passagem delineiam uma aventura circular através de três
etapas básicas: partida, iniciação e retorno. O ciclo completo atende aos requisitos do
monomito.
A Partida (às vezes denominada Separação) revela o herói atendendo ao
Chamado na medida em que aspira à sua jornada; a Iniciação contém as várias aventuras
do herói ao longo de sua trilha caracterizada por testes e conquistas; e o Retorno é o
momento em que o herói volta a casa com a sabedoria e os poderes que adquiriu na
trajetória compartilhando a experimentação adquirida.
58
No caso aqui proposto, consideremos a narrativa mitológica de um
“atleta-herói”, Ronaldo, cujas façanhas de uma figura histórica mítica real proclamam-no
dentro de tal propósito.
As façanhas redentoras de um futebolista mundialmente renomado que
provou do enfrentamento ao sacrifício e das glórias alcançadas pelos momentos de
iluminação esboçam uma resposta e uma justificativa à dimensão mítica que representa as
linhas da imagem encarnada do herói arquetípico.
Nessa projeção que atinge as camadas profundas de cada psique viva no
mundo moderno, necessitou conciliar a consciência individual com a vontade universal,
revelando, nas palavras de Campbell, a significância da completude da figura do herói:
“Todo o sentido do mito onipresente da passagem do herói reside no fato de servir essa
passagem como padrão geral para homens e mulheres, onde quer que se encontrem ao
longo da escala. Assim, o mito é formulado nos mais amplos termos”. (Campbell, 2007, p.
121)
2.2 Fontes Biográficas
As referenciações biográficas no Brasil que contam a jornada de Ronaldo
encontram suporte em duas obras uma escrita por Jorge Caldeira e outra de autoria do
inglês James Mosley.
Caldeira, autor de Ronaldo - Glória e drama no futebol globalizado
(2002), faz um relato biográfico atrelando a vida pessoal do jogador à sua trajetória no
futebol, valendo-se de uma maior amplitude de informações. Mosley, que escreveu
Ronaldo - A jornada de um gênio (2006), narra com riqueza de detalhes a trilha do atleta
restringindo-se fundamentalmente ao lado profissional num traçado meticuloso de sua
passagem pelo futebol europeu.
Ambas os relatos biográficos servirão de sustentáculo para a
caracterização da jornada de Ronaldo neste trabalho. Todavia, o embasamento dar-se-á no
59
referente da obra de Caldeira, que se propôs a um retrospecto de maior
complementaridade.
2.3 Uma Trajetória Heroica
Bem como discorrido anteriormente, os dois mundos que circundam a
figura do herói, divino e humano, só podem, conforme palavras de Campbell, serem
descritos como distintos entre si diferentes como a vida e a morte, o dia e a noite. As
aventuras do herói se passam fora da terra nossa conhecida; ali ele completa sua jornada,
ou apenas se perde para nós, aprisionado ou em perigo; e seu retorno é descrito como uma
volta do além.
Não obstante e temos diante de nós uma grande chave de compreensão
do mito e do símbolo os dois reinos são, na realidade, um e único reino. O reino dos
deuses é uma dimensão esquecida do mundo que conhecemos. E a exploração dessa
dimensão, voluntária ou relutante, resume todo o sentido da façanha do herói, que, nas
palavras do mitólogo, descobre as bruxas convertidas em deusas e os dragões em guardiões
dos deuses.
A saga de Ronaldo começa após ele atender ao chamado da jornada
mitológica, o que Campbell denomina “o chamado da aventura”, significando que o
destino convocou o herói. Mesmo que essa responsabilidade tenha sido de frequente recusa
no âmbito generalizado (conforme o mitólogo), desde criança o futebol se configurava
como projetivo no cotidiano desse atleta.
Nascido em 18 de setembro de 1976, entretanto registrado no dia 22,
Ronaldo Nazário de Lima crescera no bairro militar de Bento Ribeiro, na periferia da
cidade do Rio de Janeiro. Durante a infância, Ronaldo vivenciava as dificuldades
financeiras de uma família pica da região do subúrbio. Residia em casa modesta onde a
televisão era o único eletrodoméstico, dormia no dormitório dos pais (Sônia e Nélio),
enquanto os dois irmãos (Ione e Nélio) repousavam no sofá da sala.
60
Enquanto criança revelava uma hiperatividade que diminuía sua
concentração nos estudos e aumentava seu interesse em participar de jogos de futebol pelas
ruas de seu bairro. A protuberância dentária deixava à mostra uma abertura entre os dentes
incisivos e sua fala confusa era atrelada ao comportamento tímido e reservado, o que
evidenciava entraves no relacionamento interpessoal.
Após o divórcio dos pais, no início de sua adolescência, enfrentou ainda
mais problemas derivados da pobreza e reduziu acentuadamente sua frequencia às aulas
para praticar futebol, quesito este que o fez alcançar notoriedade nas circunvizinhanças
onde residia. Crescido precocemente e portador de um biotipo forte, disputou o
Campeonato Metropolitano de futebol de salão pelo Social Ramos, quando teve o
incentivo e suporte do dirigente do clube.
Aos 12 anos de vida, sonhava se tornar jogador do Flamengo, clube mais
popular do país e onde jogava seu maior ídolo, Zico. Descobriu o horário do processo
seletivo, denominado popularmente de “peneiras”, reuniu suas economias financeiras e
participou do teste:
“Ronaldo teve de atrair olhares apenas com seu jogo. O treino bastou para que
ele fosse aprovado, situação que deixou o garoto radiante. A aprovação dava
direito a uma carteirinha de jogador do Flamengo. Para a imensa maioria dos
aprovados, aquele pedaço de papel era mais que o suficiente para tempos de
alegria e sonhos. Para Ronaldo, aquilo era menos que o necessário. Com a
carteirinha, recebeu a notícia de que tinha passado pelo primeiro teste, e
precisava voltar no dia seguinte. Tentou como pode negociar um acordo para
obter dinheiro a fim de chegar até o treino. Mas não conseguiu sensibilizar
nenhum dos homens do clube, acostumados a negar dezenas de pedidos desta
espécie por dia. Ali era apenas mais um, e não o Ronaldo famoso. Alegre com
sua carteirinha que guardou por anos a fio mas preocupado com o futuro,
tomou o ônibus de volta. No caminho, foi assaltado e levaram o objeto mais
precioso que portava: o relógio que fora adquirido no comércio ambulante”.
(Caldeira, 2002, p. 50)
Da tentativa de conseguir uma vaga para ser jogador do seu time do
coração, o destino de Ronaldo seguiu se delineando com a oportunidade de jogar no São
Cristóvão, clube da segunda divisão do Campeonato Carioca que na época adquiria
emprestado atletas do futebol de quadra do Social Ramos.
“Mesmo com 13 anos, Ronaldo era realista para perceber que era melhor um
São Cristóvão na mão que um Flamengo voando. Recebeu a promessa de
61
dinheiro para a passagem, até porque era bem mais barato ir de sua casa até o
clube: bastava pegar um trem da Central. Para Ronaldo, a ideia era ainda
atraente: havia muitos anos ele conhecia o buraco no muro da estação de Bento
Ribeiro, com o que podia embolsar o dinheiro da condução. Quanto ao mais,
tudo era uma questão de se acostumar”. (Caldeira, 2002, p. 50-51)
No São Cristóvão
36
recebeu convocação para defender a seleção
brasileira sub-17 no campeonato sul-americano realizado na Colômbia, sagrou-se o
principal goleador da competição ao marcar oito gols. Seu desempenho ampliou suas
projeções e lhe rendeu um contrato com o Cruzeiro no início de 1993. Nessa época era
empresariado por Alexandre Martins e Reinaldo Pitta, que o acompanharam por vários
anos em sua carreira e lhe prestaram assistência e amparo. No prenúncio de Campbell,
representam em algum aspecto fontes de auxílio:
“O primeiro encontro da jornada do herói se com uma figura protetora (que
com frequência é uma anciã ou um ancião), que fornece ao aventureiro
amuletos que o projetam contra as forças titânicas com as quais ele está prestes
a deparar-se”. (Campbell, 2007, p. 74)
A estreia no futebol profissional ocorreu aos 16 anos, depois de 83 dias
de Cruzeiro
37
. A partida foi contra a Caldense, que sofreu a derrota pelo placar de um gol a
zero.
Após 23 partidas como atleta profissional e 21 gols marcados pelo
Cruzeiro
38
, ter sido o maior goleador da Supercopa de 1993, com oito gols, Ronaldo
recebeu a primeira convocação para a seleção brasileira principal, por intermédio do
treinador Carlos Alberto Parreira. Aos 17 anos, pisou pela primeira vez num gramado com
a camisa da seleção nacional num jogo amistoso contra a Islândia, realizado em
Florianópolis. E também marcou seu primeiro gol. Cinco dias depois, recebeu convocação
para a Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos.
36
Ronaldo realizou 73 partidas em três temporadas pelo São Cristóvão e marcou ao todo 44 gols. O clube
vivera momentos de glória na década de 1920, com o ápice na conquista do Campeonato Carioca de 1926,
segundo Caldeira (2002).
37
Disputou três jogos como juvenil do Cruzeiro, marcando seis gols; e cinco jogos no campeonato de
juniores, com sete gols, segundo Caldeira (2002).
38
Ao todo em sua trajetória pelo Cruzeiro, marcou 54 gols em 54 jogos, segundo Mosley (2006).
Conquistou a Copa do Brasil em1993 e o Campeonato Mineiro de 1994.
62
Na disputa da Copa, Ronaldo sagrou-se campeão sem jogar sequer uma
partida. Mas, a experiência lhe proporcionou um contrato com uma multinacional do setor
de material esportivo e outro com o clube PSV da Holanda, onde começou a jogar no
segundo semestre de 1994. Fez seu primeiro gol logo na estreia.
A partida, segundo Campbell, gera uma ansiedade diante de tudo que é
novo e marca a entrada em outra fase da biografia quando precisou adquirir uma nova
orientação para o mundo. Na Holanda, Ronaldo necessitou adquirir mais disciplina, mais
massa muscular, e adaptar-se à nova língua.
“O apoio se resumia a um professor contratado para lhe ensinar holandês. Era
até uma pessoa bem intencionada, e imaginava que Ronaldo poderia aprender a
língua lendo livros. Quando viu que a coisa não funcionava bem, achou que o
problema era o jogador, e não dele. Jamais lhe passou pela cabeça que seu
pupilo tivesse ojeriza aos livros, e não chegasse perto deles nem mesmo em sua
terra”. (Caldeira, 2002, p. 108)
Ressalta-se o aspecto de que o percurso heroico pleiteia uma perspectiva
dual as prerrogativas das conquistas da iniciação e as tormentas derivadas das provações
que se revelam inexauríveis.
“A primeira tarefa do herói consiste em retirar-se da cena mundana dos efeitos
secundários e iniciar uma jornada pelas regiões causais da psique, onde residem
efetivamente as dificuldades para torná-las claras, erradica-las em favor de si
mesmo (isto é, combater os demônios infantis de sua cultura local) e penetrar
no domínio da experiência e da assimilação, diretas e sem distorções, daquilo
que C.J. Jung denominou “imagens arquetípicas””. (Campbell, 2007, p. 27)
Assim, no início de 1995, começara um embate contra um inimigo que
até então desconhecera: as contusões. Após três anos de profissionalismo, iniciaram as
primeiras dores no joelho direito responsáveis por uma irregularidade em seu desempenho.
Em onze gols pelo campeonato holandês no segundo semestre de 1995, ele marcou dez
gols, mantendo sua média de quase um gol por partida. Mas, não conseguira participar de
todas as partidas e precisava lidar com o enfrentamento da dor crônica.
O diagnóstico proferido foi o de uma doença que se desenvolve com a
repetição do emprego da força sobre as placas ósseas em crescimento. A partir de um dado
momento, fragmentos de cartilagem aderiram ao tendão da patela do atleta, o que acarretou
63
inflamação. Patologia esta denominada Osgood Schlatter
39
. A grave lesão afastou interesse
de clubes na aquisição do atleta, como a Internazionale de Milão.
No início de 1996, Ronaldo passou por uma cirurgia e sua longa
recuperação fora acompanhada pelo fisioterapeuta Nilton Petrone, conhecido por Filé, que
anteriormente houvera cooperado na reabilitação de Romário, na época jogador do mesmo
clube holandês. Ronaldo se recuperara em dois meses e assim que retornou, sofreu uma
pancada e deslocou o ombro logo na primeira partida, e permaneceu mais três semanas
distante dos campos.
Ainda assim, a aventura ímpar já lhe concedera lugar de destaque por seu
desempenho. Após 56 jogos e 55 gols pelo time holandês, e a conquista da Copa e da
Supercopa da Holanda, Ronaldo que despertou interesse de importantes clubes do cenário
mundial, como Internazionale (voltava a se interessar) e Barcelona, protagonizava a
transferência internacional de maior valor financeiro da história do futebol até aquele
momento.
Por uma transação de 20 milhões de dólares fora negociado com o time
espanhol, após médicos do clube catalão se deslocarem até a cidade de Miami, nos Estados
Unidos, onde Ronaldo estava defendendo a seleção, para verificarem as condições clínicas
de seu joelho.
Na Olimpíada de Atlanta, foi destaque da seleção, com cinco gols
marcados. Mas, a medalha de ouro não fora alcançada por causa da eliminação sofrida
diante da Nigéria. Obtiveram a terceira colocação e a consequente medalha de bronze.
Em agosto de 1996, Ronaldo começava sua temporada no Barcelona. Em
sete jogos, marcara nove gols e Caldeira relata esse momento como total encantamento:
39
Originava da imensa potência do quadríceps de Ronaldo, o grande conjunto de músculos na parte frontal
da coxa. Um desses músculos se revelava com maior potência que os demais, o que gerava uma série de
desequilíbrios. Quando contraído, o agrupamento muscular transmitia uma sobrecarga para a patela onde
estava inserido. Assim, a patela a mandava adiante através do tendão patelar, que a retransmitia para a tíbia.
Por causa da diferença de forças, a patela se movia para os lados durante a corrida. O tendão patelar, por sua
vez, tinha de realizar um movimento maior e sofria pressões desiguais. O desequilíbrio de potência se
transformava em sobrecarga, o que provocava inflamação e dores, segundo Caldeira (2002).
64
“Na saída dos treinos do Barcelona, levava horas atendendo aos pedidos das
multidões que o esperavam. Quando finalmente conseguia entrar no carro, havia
dezenas de motoristas que o seguiam em cortejo. Assim que colocava o fora
de casa, estavam lá os fotógrafos de máquinas prontas. Levava meia hora para ir
da porta de um restaurante até a mesa, porque todo mundo se levantava e
tentava tocá-lo... se ouviam vozes extasiadas. Uma rádio de Barcelona fez
uma enquete: qual o melhor codinome para Ronaldo? Respostas, em ordem de
votação: “Extraterrestre”, “Pequeno Buda”, “Cibernético”, “Galáctico”, “Poesia
em forma de gol”...”.(Caldeira, 2002, p. 136)
O contrato de imagem vitalício assinado com uma multinacional do ramo
esportivo e o prêmio de melhor do mundo da FIFA deflagrou sentimentos de inquietação
entre os companheiros de clube que o acusavam de portar privilégios.
Mas também o destaque alcançado imprimia a ele uma jornada de
trabalho superior a dos atletas ao atender a imprensa, analisar propostas de outros times,
roteiros de campanhas publicitárias, contratos de exposição de imagem, acertar detalhes
contratuais com o próprio Barcelona, participar de cerimônias esportivas e de trabalhos
sociais ligados ao clube.
Mediante um ambiente de hostilidades por parte dos dirigentes do clube
espanhol que o acusavam de valorizar mais os acordos de ordem econômica do que
necessariamente os compromissos profissionais com o Barcelona, Ronaldo que priorizava
a continuidade na Espanha, acabou consolidando sua transferência, em 1997, para a
Internazionale, na Itália, que lhe proporcionou fechar contratos de imagem com mais duas
grandes empresas tornando-se o jogador mais valorizado do mundo até então. Caldeira
classifica como a realidade do futebol da era da globalização:
“Ronaldo não entendia apenas a linguagem da bola, mas também a linguagem
dos números. Tinha apenas sete anos de estudos formais, mas estava sendo
capaz de se colocar numa situação que até mesmo dirigente do futebol europeu
tinham dificuldade de entender... Assim, aos 20 anos, precisava provar ao
mundo não apenas que era o maior jogador de futebol do planeta, mas ainda que
o fato de ganhar dinheiro com isto não significava uma aberração moral”.
(Caldeira, 2002, p. 156-157)
Caldeira (2002, p. 181-182) ressalta que Ronaldo precisou adaptar-se
também a uma condição de ambivalência. Nos clubes do exterior, ele estava sendo tratado
de uma maneira cada vez mais próxima daquela que almejava: como profissional
merecedor do padrão contratual para todos seus colegas de profissão. Seus ganhos
65
resultavam de sua capacidade, o que gerava obrigações. Justificava seus rendimentos
financeiros apresentando um jogo forte em campo, trabalhando sobre sua imagem, e
negociando durante fora das quatro linhas. Maiores ganhos financeiros, mais
responsabilidade e mais desempenho: esta era a fórmula.
Nesse aspecto, Campbell descreve a orientação interior a ser perseguida e
que se desvenda na autodescoberta:
“O herói moderno, o indivíduo moderno que tenha coragem de atender ao
chamado e empreender a busca da morada dessa presença, com a qual todo o
nosso destino deve ser sintonizado, não pode – e, na verdade, não deve –
esperar que sua comunidade rejeite a degradação gerada pelo orgulho, pelo
medo, pela avareza racionalizada e pela incompreensão santificada. “Vive”, diz
Nietzsche, “como se o dia tivesse chegado”. Não é a sociedade que deve
orientar e salvar o herói criativo; deve ocorrer precisamente o contrário. Dessa
maneira, todos compartilhamos da suprema provação todos carregamos a cruz
do redentor -, não nos momentos brilhantes das grandes vitórias da tribo, mas
nos silêncios do nosso próprio desespero”. (Campbell, 2007, p. 376)
Na disputa da Copa da Itália, marcou seu primeiro gol pela Inter,
totalizando três nesse mesmo jogo, tornou-se significativo para um time que era
considerado mediano.
“A imprensa italiana começou a partir de então a se comportar como a
espanhola no ano anterior: promovia os primeiros concursos para leitores
apontarem o melhor apelido para o craque. Datam de outubro os primeiros
registros da expressão ‘Fenômeno’”. (Caldeira, 2002, p. 161)
Em 1997, após a conquista da Copa da UEFA
40
pela Inter, tornou-se o
estrangeiro com a melhor média de gols em uma primeira temporada na Itália, totalizando
25. Assim, fora também o primeiro estrangeiro a receber a Bola de Ouro, eleição em que
jornalistas esportivos escolhem o melhor jogador da temporada. Alcançou também a
premiação da FIFA como destaque do ano.
Na Copa do Mundo de 1998, realizada na França, Ronaldo alcançou
oportunidade da convocação com a contusão de Romário, que fora suprimido do grupo da
seleção antes de começar a competição. Assim, Ronaldo, aos 21 anos tinha o primeiro
contrato publicitário entre jogadores de futebol, estava na segunda Copa e tinha sido
40
União das Federações Europeias de Futebol.
66
goleador em três países distintos, além de vir de dois títulos consecutivos de melhor do
mundo da FIFA.
E foi na França, aonde chegou como o principal nome do futebol
mundial, que marcou seu primeiro gol pela seleção brasileira numa Copa na partida
contra o Marrocos. Cercada de polemizações, Ronaldo foi criticado por excesso de peso,
rumores se formavam acerca de sua contusão no joelho direito, cujas dores lhe
prejudicavam nos treinamentos. Formavam-se especulações a respeito de suas condições
físicas.
Mas, ainda assim, o Brasil, único país participante de todas as Copas do
Mundo, alcançaria a sexta final nessa competição realizada a cada quatro anos desde 1930.
Apesar do joelho debilitado, Ronaldo participaria da partida decisiva
contra a anfitriã França
41
. No entanto, eis que no início da tarde, enquanto repousava no
hotel sofrera uma suposta crise convulsiva, um mal estar súbito não totalmente esclarecido
pela junta médica da seleção, que definiu o quadro clínico como estresse que acomete
atletas de alto rendimento. Sucumbira mediante a imagem atribuída a ele como o grande
ícone daquele Mundial.
O atacante acabou não relacionado para a partida, mas chegou ao estádio
em cima da hora retornando do hospital e forçou sua escalação ao expressar verbalmente à
comissão técnica que detinha boas condições para entrar em campo.
Propagou-se pela imprensa que um temor de Ronaldo em relação ao jogo
fosse o provocador de tal indisposição, como um atleta que teria mais apelo comercial-
publicitário que especificamente esportivo. Caldeira exemplifica com trechos do jornal
Folha de S. Paulo a imprecação que imergiu mediante tal episódio:
“Todo o passado de vitórias fora ocultado e uma nova espécie de biografia
surgiu... Um exemplo desta mudança estava na reportagem intitulada “Os altos
e baixos de Ronaldinho” publicada pela Folha em 14 de julho, enquanto o time
voava de volta ao Brasil. Eis os trechos que marcam a nova avaliação de um
derrotado: Recorde: Ronaldinho tornou-se este ano o estrangeiro que, em sua
41
A França conquistou seu primeiro título em Copas do Mundo ao vencer por 3 a 0.
67
primeira temporada no Campeonato Italiano, pela Inter de Milão, mais fez gols
(25), mas perdeu para o alemão Bierhoff, com 27 pela Udinese, a disputada pela
artilharia da competição. (...) Na Itália: em janeiro deste ano, o proprietário da
Inter de Milão, Massimo Moratti, culpou o atacante, que ficou cerca de dois
meses sem marcar gols, pela crise que o time passou na metade do Campeonato
Italiano. nalti perdido: Ronaldinho perdeu um pênalti na derrota fora de casa
da Inter, para o Parma, por 1 a 0, deixando sua equipe ainda mais distante do
título italiano. Depressão: Associação Italiana de Psicologia do Esporte afirmou
em 28 de janeiro deste ano que Ronaldinho sofre de depressão, provocada pelas
cobranças em torno de suas atuações. Multa: a comissão disciplinar da Liga
Italiana multou o atacante em janeiro por acusações que ele fez contra árbitros.
Ele disse que a Inter de Milão foi prejudicada contra a Sampdoria, e que a
arbitragem também havia favorecido a Juventus. A briga: Ronaldinho aparece
sem sua aliança de noivado. Afirma no dia seguinte que tinha machucado o
dedo anular”. (Caldeira, 2002, p. 240)
Caldeira reitera que Ronaldo joga num universo onde a competição é
vista como regra econômica, e não da moral. E que o mesmo não se caracteriza apenas
pelas vitórias. “Vencedores são aqueles que ganham mais do perdem e Ronaldo ganhava
muito mais do que perdia em campo”. (Caldeira, 2002, p. 244)
Franco Júnior assim resume a progressão de Ronaldo e a rápida ascensão
em sua trajetória:
“Aos 14 anos, Ronaldo era um mulato pobre da periferia do Rio de Janeiro.
Tinha dentes de coelho e pernas de grande goleador, mas não podia jogar no
Flamengo porque o dinheiro não era suficiente para pagar o ônibus. Aos 22 e
anos, Ronaldo já faturava mil dólares por hora, incluídas as horas em que
dormia”. (Franco Júnior, 2007, p. 247)
Na volta à temporada de jogos pela Inter, na disputa do principal torneio
europeu - a Copa dos Campeões da UEFA -, na partida contra o Real Madri, o time foi
derrotado e Ronaldo voltou a sentir o problema crônico no joelho.
“A primeira opção era continuar no caminho de forçar até onde era possível, e
relaxar a carga de exercícios quando as dores aumentassem; a segunda, fazer
uma cirurgia. O clube optou pelo primeiro caminho, temendo um desastre em
campo sem maior craque...No futebol globalizado era assim:o interesse de curto
prazo muitas vezes supera o de longo prazo”. (Caldeira, 2002, p. 246; 251)
Em novembro de 1999, num confronto contra o time do Lecci pelo
Campeonato Italiano, Ronaldo pisou numa fenda aberta no campo e torceu a perna;
novamente diagnosticava-se uma lesão grave no joelho direito. A situação implicou numa
68
decisão que anteriormente havia sido adiada - a realização da cirurgia. O procedimento
consumado em Paris prolongou para seis meses o tempo de recuperação.
“Como tantas outras vezes desde a final da Copa de 1998, a sina se repetia:
Ronaldo se esforçava para estar no topo, mas um golpe do destino o traía. Ele
absorvia o golpe, refazia seus planos para voltar ao alto – e os planos se
frustravam. Voltava a um ponto mais baixo do que aquele onde recomeçara,
refazia os planos, redobrava o esforço. Novo golpe, nova frustração, nova luta,
nova queda”. (Caldeira, 2002, p. 266)
Durante esse período de reabilitação física, ocorrera o matrimônio com
Milene Domingues no Rio de Janeiro a quatro meses do nascimento do filho Ronald
Domingues Nazário de Lima.
Em abril de 2000, uma semana após o nascimento do filho, voltou aos
campos num confronto contra a equipe da Lazio pela Copa da Itália. As televisões do
mundo todo compraram os direitos para transmitir o jogo ao vivo”. (Caldeira, 2002, p. 275)
Assim, protagonizando sua volta mediante um espetáculo fenomênico, entrou quando
ultrapassavam 12 minutos de andamento do jogo.
“Aos 19 minutos, inicia uma arrancada, enquanto a maioria das câmeras no
estádio vão de fechando sobre ele. Quando o zagueiro se aproximava, em plena
corrida Ronaldo passa o direito sobre a bola ameaçando tocar para a direita.
Vai fincando a perna no gramado no mesmo tempo em que prepara um toque de
esquerda. Mas antes de bater na bola, a perna direita, que deveria sustentar todo
o peso do seu corpo em movimento acelerado, começa a se dobrar. E se dobra
porque o tendão patelar rompeu-se completamente, fazendo o osso da patela
flutuar em meio à massa de músculos... Por longos minutos, um silêncio
completo tomou conta de todo o estádio”. (Caldeira, 2002, p. 275-276)
Sob aplausos que rompem o silêncio, sobretudo dos torcedores
adversários, foi removido de campo. No dia seguinte se encaminhara para uma nova
cirurgia na França, desta vez reconstrutora, na tentativa de prender novamente o tendão
patelar ao osso que se rompera completamente. Contudo, mesmo com a incerteza de
muitos acerca de seu retorno, Ronaldo se pronunciou positivamente frente à situação: “Do
leito, ditou uma nota para ser lida para os jornalistas. Agradecia o apoio recebido, e
anunciava sua disposição: “O guerreiro está ferido, mas não está acabado”. (Caldeira,
2002, p. 281)
69
Caldeira simplifica assim as adversidades que o acometeram: “Seus
últimos anos tinham sido como os de Sísifo
42
, condenado a carregar uma pedra montanha
acima e vê-la rolar montanha abaixo”. (Caldeira, 2002, p. 284)
Após buscar recuperação em Milão e no Rio de Janeiro, optou,
juntamente com seu fisioterapeuta Nilton Petrone, isolar-se para tratamento numa cidade
pacata do Estado de Oregon, nos Estados Unidos. Numa rota de descida, deparou-se
novamente por um caminho eivado e encontrou na penumbra do confinamento a fonte de
forças para a recuperação lenta e difícil em meio a tormentos fantasmagóricos. Campbell
salienta que o herói se descobre na presença de sua própria essência. Nesse caso, é a
solidão que mostra o indivíduo a si mesmo.
Os obstáculos a serem transpostos expressos no recobrimento das forças
físicas normalmente se dispõem em meio a solidão e a desconfiança de que volte a
demonstrar o rendimento equivalente ao anterior à lesão. O italiano Roberto Baggio, único
jogador a proferir palavras a Ronaldo momentos imediatamente posteriores à contusão (no
avião em que a equipe retornava de Roma a Milão), expressou a sensação desse estágio de
forma análoga dizendo o seguinte: “Daqui em diante você estará mais sozinho do nunca.
Mas também é dentro de você que está a única força capaz de reerguê-lo. Se você
quiser, você fará.” (Caldeira, 2002, p. 277) Palavras estas que Ronaldo teria agradecido
com um olhar.
Estava diante de mais um ônus da experiência transcendental, conforme
prenúncios campbellianos:
“A aventura é, sempre em todos os lugares, uma passagem pelo véu que separa
o conhecido do desconhecido; as forças que vigiam no limiar são perigosas e
lidar com elas envolve riscos; e, no entanto, todos os que tenham competência e
coragem verão o perigo desaparecer”. (Campbell, 2007, p. 85)
Além do mais, Jung salienta que os percalços e dificuldades do herói
renovam-se sem cessar e ele sofre dividido por forças opostas. Se de uma parte o atrai a
42
Encarnava na Mitologia Grega a astúcia e a rebeldia do homem frente aos desígnios de Zeus, que o
castigou condenando-o a empurrar eternamente ladeira acima uma pedra que rolava de novo ao atingir o topo
da montanha.
70
conquista de níveis de consciência mais altos, de outra parte também do seduz a volta ao
inconsciente que tem o fascínio do abraço materno. Os relatos junguianos especificam que
a luta pela vitória da consciência é o eterno combate de todo homem.
Após mais de um ano, em agosto de 2001, Ronaldo voltou a disputar um
jogo pela Inter e também a marcar gols. Teve uma sequência irregular: “Daí até março de
2002, atou em apenas 12 partidas, e jogou 90 minutos em uma delas”. (Caldeira, 2002,
p. 297) Muito disso por causa da pouca disposição do treinador argentino do clube, Héctor
Cúper em colocá-lo em campo nas partidas.
Mas, todavia estava relacionado para a Copa do Mundo de 2002 pelo
treinador Luiz Felipe Socolari, que preterira Romário na convocação. A competição
mundial sediada na Coreia do Sul e no Japão consagrou Ronaldo, que marcou os dois gols
da conquista do pentacampeonato para o Brasil contra a Alemanha
43
. Alcançou o auge na
seleção brasileira ao se tornar campeão e goleador da primeira Copa do novo milênio.
Marcou oito gols e contribuiu para o Brasil vencer todos os jogos. Foram sete partidas e
sete vitórias.
Ronaldo ao marcar o gol que assinalava a conquista desse tulo mundial
não dera atribuição consciente ao papel que desempenhara enquanto um “atleta-herói”:
“Os olhos do mundo vasculhavam cada gesto que ele fazia em busca das
emoções naquele momento. Todos tinham a certeza de que, se alguém naquele
jogo tinha motivos para vazá-las, este alguém era Ronaldo. Mas enquanto
esteve em campo, ninguém descobriu nada diferente do normal. Somente
quando ele cruzou a linha lateral para dar lugar a Denílson, aos 44 minutos do
segundo tempo, é que a ficha caiu. Foi devagar para o banco de reservas,
sentou-se e começou a chorar com vontade. Ele sabia que tinha sido peça
decisiva naquela partida - e também sabiam os homens da televisão, que
deixavam o jogo um pouco de lado para mostrar o choro do herói pois agora
era neste universo mítico que as imagens trafegavam. Com a vitória que
construíra, Ronaldo estava entrando num território que ia muito além das
dimensões de uma simples partida de futebol”. (Caldeira, 2002, p. 12)
O jornalista Paulo Vinícius Coelho sublimiza o percurso de Ronaldo, nos
moldes do herói epopeico:
43
Ronaldo conquistou pela seleção brasileira as Copas do Mundo de 1994 e 2002; as Copas América de 1997
e 1999 (nesta última foi o goleador com cinco gols); a Copa das Confederações de 1997 e a medalha de
bronze nas Olimpíadas de 1996. Pelas Copas, foram 93 jogos e 59 gols; pela seleção olímpica, jogou nove
vezes e marcou seis gols.
71
“Poucos jogadores na história do futebol mereceram tanto o tratamento de lenda
quanto o camisa nove da Seleção do Penta (na campanha da Copa do Mundo de
2002). Sua história entre a final do Mundial de 1998 e a conquista do título, em
2002, valeria em filme. Daqueles que, diante da tela, o espectador diria: Isso
acontece no cinema”. (Coelho, 2003, p. 21)
Ressalta-se que esforço e empenho não constituem a preponderância dos
discursos da imprensa esportiva quando da construção da figura mítica. No caso específico
do futebol, chamar um jogador de “esforçado” é o equivalente a uma crítica incisiva,
equiparado a se dizer que o atleta não tem talento, porém persevera. Consagra-se
tradicionalmente a genialidade e a ginga como características determinantes para a
obtenção de mérito.
A tônica da saga de Ronaldo evidencia persistência e força de vontade
atreladas ao talento nato no consoante da obtenção do êxito.
Após a Copa de 2002, em 8 de setembro, se apresentou ao Real Madri,
time intitulado “galáctico”, por ter jogadores de alto nível técnico, como o português Luís
Figo, o francês Zinedine Zidane e o brasileiro Roberto Carlos. Em 2003, se agregou ao
time o inglês David Beckhan.
No time madrilenho, fez a melhor estreia de sua carreira ao marcar dois
gols contra o Alavés. Na primeira temporada Ronaldo conquistou o título do Campeonato
Espanhol, ao fazer dois gols na última partida contra o Atlético de Bilbao. Com 23 gols
marcados, sagrou-se goleador da competição.
Também nesse período, protagonizou mais uma vez um momento épico,
ao marcar três gols em Londres contra o Manchester United, partida válida pela Liga dos
Campeões da UEFA na qual, mesmo com a derrota por 3 a 4, o Real Madri se classificara
para as semifinais. Todavia, a equipe madrilenha foi eliminada nessa fase pela Juventus, da
Itália.
Em 2003, Ronaldo estava marcando gols numa considerável regularidade
e o time assegurava a liderança do Campeonato Espanhol. Na semifinal da Copa do Rei,
72
sofreu uma torção no músculo da coxa que o deixou estendido no gramado por alguns
minutos. A contusão o afastou dos gramados por três semanas.
Nas duas temporadas seguintes, o Real não conseguira nenhum título
significativo, e num processo de desgaste e a iminente contratação do holandês Van
Nistelrooy pela equipe de Madri, Ronaldo acertou sua volta a Milão, mas não para
representar a Internazionale, e sim para jogar no rival, o Milan, em 2006.
No início da jornada na equipe italiana, não pôde disputar a Liga dos
Campeões da UEFA por ter defendido o Real Madri nesse mesmo torneio na mesma
temporada, assim o regulamento o impedira de jogar. Assistiu a seus companheiros de time
conduzirem o Milan ao título.
Na Copa de 2006 realizada na Alemanha, apesar do desempenho na
conquista do pentacampeonato, foi alvo de inúmeras críticas sobre sua condição física.
Nessa competição, a seleção brasileira foi eliminada nas quartas-de-final. Ao longo do
torneio, Ronaldo marcou três gols e tornou-se o maior goleador da história das Copas do
Mundo.
Na temporada 2007/08, jogou ao lado dos brasileiros Kaká e Alexandre
Pato no time italiano. Mas, a sequência de jogos terminara para ele em 13 de fevereiro de
2008, quando após sua primeira participação na partida contra a equipe do Livorno, aos
dois minutos do segundo tempo, sofrera, na hora de um salto para cabecear, uma grave
lesão, dessa vez no joelho esquerdo. Retira-se do campo aos prantos, numa noite
semelhante àquela em que houvera se machucado contra a Lazio em 2000.
A confirmação vem no hospital pela terceira vez rompe o ligamento. A
consequência foi não só o fim da temporada para Ronaldo, mas também o encerramento de
sua carreira no Milan, que decidiu não renovar seu contrato.
Em 3 de setembro de 2008, começa a treinar fisicamente no Flamengo,
no Rio de Janeiro. Após vários dias se recuperando na sede do time para o qual torce, e
sem receber nenhum projeto oficial para se vincular ao clube como jogador, Ronaldo
73
acertou o seu retorno ao futebol brasileiro depois de 14 anos para jogar pelo Corinthians. O
anúncio da contratação aconteceu em 9 de dezembro de 2008. No dia 12, o atleta se
apresentou aos torcedores na sede do clube em São Paulo e no dia 17 assinou contrato
oficialmente.
Era o retorno de Ronaldo depois de completada a busca, inserindo-se
novamente no mundo que o remete à aventura. De forma análoga a Prometeu
44
, que foi aos
céus, roubou o fogo dos deuses e voltou à terra.
“Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios
sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva; o
herói retorna de uma misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos
seus semelhantes”. (Campbell, 2007, p. 36)
A rota de retorno implica em distribuir o benefício inestimável das
glórias, da experimentação e da sabedoria. Seria a lição repassada através de sua luta que
superou os sombrios limites a fim de trazer benefícios aos seus semelhantes, como
Campbell descreve:
“Terminada a busca do herói, por meio da penetração da fonte, ou por
intermédio da graça de alguma personificação masculina ou feminina, humana
ou animal, o aventureiro deve ainda retornar com seu troféu transmutador da
vida. O círculo completo, a norma do monomito, requer que o herói inicie agora
o trabalho de trazer os símbolos da sabedoria, o Velocino de Ouro, ou a princesa
adormecida, a volta ao reino humano, onde a bênção alcançada pode servir à
renovação da comunidade, da nação, do planeta ou dos dez mil mundos”.
(Campbell, 2007, p. 195)
Durante os primeiros dois meses no Corinthians, Ronaldo realizou
trabalhos físicos para que pudesse ter condições para retornar aos gramados. Aos poucos, o
jogador começou a treinar junto aos demais atletas do elenco corintiano e aumentavam as
expectativas para sua reestreia no futebol brasileiro.
Expectativas que se circundaram de desconfianças acerca de seu
rendimento e de suas condições de jogo, de suas habilidades motoras-funcionais,
especialmente através da imprensa. Mas, Campbell alertara para dificuldade que o herói
encontra no limiar do retorno, que o leva do reino místico à terra cotidiana. Assim, o herói
44
O Titã Prometeu é um personagem imortal da mitologia grega, descendente da antiga raça de deuses
destronada por Zeus.
74
que retorna, deve sobrevier ao impacto. Comprova-se esta também é uma etapa de
provações: “Ele tem que enfrentar a sociedade com seu elixir, que ameaça o ego e redime a
vida, e receber o choque do retorno, que vai de queixas razoáveis e duros ressentimentos à
atitude de pessoas boas que dificilmente o compreendem”. (Campbell, 2007, p. 213)
E ainda: “O herói composto do monomito é uma personagem dotada de
dons excepcionais. Frequentemente honrado da sociedade de que faz parte, também
costuma não receber reconhecimento ou ser objeto de desdém”. (Campbell, 2007, p. 41) O
mitólogo sustenta que esse é o rito mais difícil de ser desempenhado mediante as
desconfianças que emergem no limiar do retorno e da reintegração.
No dia 4 de março de 2009, Ronaldo, aos 32 anos de idade, fez seu
retorno ao futebol, após 384 dias, em partida contra o time do Itumbiara (de Goiás) pela
Copa do Brasil. Começou o jogo entre os reservas e jogou por 27 minutos durante o
segundo tempo.
No jogo seguinte na cidade de Presidente Prudente, interior de São Paulo,
no clássico contra o Palmeiras, em oito de março, pelo Campeonato Paulista, o treinador
do time Mano Menezes novamente deixou Ronaldo entre os reservas e o colocou durante o
segundo tempo. Nos acréscimos do tempo normal de jogo, marcou seu primeiro gol como
jogador do Corinthians. Gol
45
este que assegurou o empate contra a equipe palmeirense.
Essa partida propiciou a descrição da reverência e da idolatria que se faz
ao “atleta-herói” modelo até mesmo por companheiros de equipe. Bem comprova essa
manifestação uma declaração do próprio Ronaldo ao rmino do embate contra o
Palmeiras, quando ele fez seu primeiro gol após 419 dias sem marcar: “Na hora da
comemoração todos me agarraram muito forte, especialmente o Dentinho, torcedor
extasiado pelo Corinthians, se declara meu e acabou o jogo extremamente emocionado,
aos prantos. Dei a camisa a ele, e mesmo assim continuou chorando”
46
.
45
Ronaldo não marcava gols em partida oficial desde 13 de janeiro de 2008, quando marcou dois na vitória
do Milan contra o Nápoli, por 5 a 2, pelo campeonato italiano. Esse jogo assinalou também a estreia do
jogador Alexandre Pato na equipe de Milão.
46
Declaração extraída do site Terra. Dentinho é um jovem atleta do Corinthians.
75
A distribuição do beneficio da experimentação da bem-aventurança
transcendental do herói em prol da atmosfera coletiva, também se evidencia através de um
trecho da matéria do jornal O Estado de S. Paulo intitulada “Ronaldo já mostra como é que
se faz” que evidencia o compartilhamento da técnica do futebol por Ronaldo com os novos
companheiros de clube:
“Outro que não larga do do Fenômeno é Dentinho. ‘Fico todo besta do lado
dele. Nos treinos de finalização fico ali aprendendo. Ele diz, faz assim, tira do
goleiro’. Nossa, faz cada golaço’!, entusiasma-se. ‘Ele é um fenômeno, a
maneira de bater na bola. Espero um dia fazer 10% do que ele fez, que já está
muito bom’, garante, sonhando com a dupla ‘Dentinho-Dentão’”. (O Estado S.
Paulo, 19 de fevereiro de 2009, p. E4)
Intrínseco ao regresso de Ronaldo para o Brasil, desenha-se o cenário de
busca da identidade heroica que houvera perdido, na perspectiva de um resgate do
reconhecimento respaldado no espírito cordial e afetuoso do povo brasileiro. Expressa esse
intuito um trecho da entrevista concedida pelo jogador ao jornal O Estado de S. Paulo:
“Fiquei muito tempo fora. Me viram apenas na seleção ou de vez em quando
nos campeonatos europeus. Agora vão acompanhar de perto. É diferente para
mim, mas estou adorando. É meu povo, meu País. E estamos pegando os
indecisos, quem não tinha time agora começa a torcer pelo Corinthians
(risos)...Até pessoas que não acompanham futebol”. (O Estado de S. Paulo, 22
de março de 2009, p. E1)
Jogou por aproximadamente 14 anos na Europa, sendo pouco visto no
Brasil enquanto defendia os principais clubes europeus, exceção feita apenas a seus gols e
premiações recebidas. Com seu retorno, os brasileiros podem acompanhar suas partidas,
numa perspectiva de maior proximidade.
O gol marcado contra o Palmeiras foi assunto na internet em todo o
mundo e em jornais e TVs internacionais, como no Bild da Alemanha, LÉquipe e France
Football, da França, Marca, da Espanha, e na TV árabe Al-Jazira.
Três dias depois, em sua terceira partida após seu retorno
47
ao futebol,
contra o São Caetano, também pelo Campeonato Paulista, Ronaldo entrou em campo
47
O retorno ao futebol brasileiro de jogadores que estavam em clubes do exterior cresce. Em três anos, o
número de repatriados dobrou. Passou de 311 retornos em 2006 para 659 em 2008. Fonte: O Estado de S.
Paulo, em 25 de dezembro de 2009, p. E1
76
primeira vez desde o início do jogo. Além de jogar durante mais de 80 minutos, marcou o
gol da vitória corintiana.
Na trajetória do Corinthians pelo Campeonato Paulista, Ronaldo indicou-
se um dos principais jogadores da equipe, especialmente na segunda partida da semifinal
contra o São Paulo e na primeira partida da decisão contra o Santos. Marcou oito gols em
dez partidas que disputou.
Ronaldo foi campeão logo nas duas primeiras competições que disputou:
Campeonato Paulista (tornou-se o goleador do time com oito gols) e Copa do Brasil,
ambas no primeiro semestre de 2009. Aliás, a final da Copa do Brasil, contra o time do
Internacional de Porto Alegre, aconteceu no início de julho. Ao longo desse ano, o atacante
jogou em 38 das 72 partidas que o Corinthians disputou e marcou um total de 23 gols.
77
CAPÍTULO 3 – MÍDIA - CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DE IMAGEM NO
UNIVERSO ESPORTIVO
3.1 Mitificação x Desmitificação
A constituição mítica contemporânea acerca do meio esportivo alcança
um referencial considerável quando atinge as massas por ter como suporte a narrativa
midiática que se apropria das representações metafóricas. A criação da imagem do herói e
do anti-herói permeia o imaginário das pessoas e, assim, exige atenção especial dos
estudiosos da Comunicação, pois se encontra a razão de existir do próprio jornalismo e
do esporte em si.
A idealização de personagens que vestem a roupagem de heróis nas
narrativas em jornais, revistas, programas de rádio e televisão, textos na internet são o
sustentáculo do jornalismo esportivo. Utilizam-se dessa personificação heroica para feitos
pontuais, mas que em muitas ocasiões não representaram uma façanha tão significativa
para tal. Nessa conjectura, ponderemos que como observamos anteriormente, os heróis
realizadores de proezas específicas são legítimos, mesmo que não cumpram uma jornada
típica.
Torna-se questionável a banalização que ocorre num meio que sobrevive
graças aos personagens existentes e personalidades que são criadas. um endeusamento
de atletas que se vislumbra cotidianamente, na mesma intensidade que, as fraquezas
características deles, enquanto homens comuns, são exploradas e servem de sustento para o
nascimento da figura do anti-herói. O contexto acontece dentro de uma considerável
rotatividade. Faz-se necessário atentar a isso, uma vez que, delineia-se todo um cenário
constitutivo de representatividade para com as massas.
O atleta no esporte, dentro de um status de glorificação enaltecida pela
mídia na categoria de sua matéria-prima, posiciona-se não como aquele que defende
uma massa, mas também como aquele que representa e gera identificação e
reconhecimento. Ele torna-se ídolo até que um novo personagem surge, seu feito ganha
78
notoriedade e acaba por assumir esse posto na preferência popular. Essas ideias estão
organizadas numa visão mais ampla desse âmbito nas palavras de Katia Rubio:
“Transformado em espetáculo pelos meios de comunicação, o esporte enquanto
signo da sociedade contemporânea, remete a imagem do viver bem, estar bem
consigo, ser vitorioso, transmitido como ideais a serem atingidos pela média da
população... O esporte precisa criar protagonistas para vender um espetáculo
esperado e desejado”. (Rubio, 2001, p. 103)
Sustentada pela estrutura de formação e desconstrução do mito, a qual
inflige à lapidação da imagem, a narrativa jornalística do esporte revela emoções acerca do
herói ou do anti-herói, como se fatos reais trouxessem à tona configurações de
ficcionalidade. O receptor fica preso a uma teia acerca do desenrolar das circunstâncias
factuais.
Ocorre principalmente com a figura do mito no esporte, em que o cenário
competitivo se vislumbra em ideais de esperança, superação, sucesso, alegria, dor, drama,
vitória, derrota. Essa dinâmica comunicacional se assenta através de uma circularidade e
atinge um superdimensionamento no jornalismo especializado, que se torna uma categoria
do espetáculo.
O jornalismo esportivo, na mesma essencialidade que o esporte em si,
existe porque criam-se heróis. Afinal, a essência do esporte é a competição, a luta
empenhada até a vitória, a superação durante a batalha”, o que implica na existência de
vencedores. O discurso jornalístico passa a exaltá-los, endeusá-los e contemplá-los
especialmente numa época, como a atual, tão carente de ídolos esportivos.
A sede do jornalismo esportivo por novos mitos pode ser exemplificada
pela edição da revista Veja do dia 5 de agosto de 2009 que estampa ao longo de toda a sua
capa uma foto do nadador César Cielo com os dizeres: “Enfim, um herói”.
A reportagem especial de quatro páginas da revista ressalta a quebra do
recorde mundial dos 100 metros nado livre pelo brasileiro em Roma na Itália naquela que é
considerada a prova mais nobre da natação. Com os dizeres - “o homem mais rápido do
mundo dentro d’água”, “enfim, o Brasil tem um herói”, “o feito do novo César romano”- o
79
discurso se rende a César Cielo, exaltando-o por ele ter se tornado o primeiro brasileiro a
ser campeão mundial e olímpico
48
.
Através da exaltação das conquistas e glórias no esporte e o consequente
enaltecimento de heróis esportivos brasileiros, o jornalismo esportivo oferece também uma
válvula de escape em relação a outras editorias que vem amenizar o quadro de desconforto
causado pelos problemas sociais, além de outros que assolam o cotidiano do Brasil,
especialmente os escândalos de corrupção que ocupam os holofotes quando se trata de
debate político contemporâneo no País.
“O feito do novo César romano ajudou também a descontaminar as manchetes
dos jornais, tempos dominadas pelos relatos cada vez mais assustadores das
pilantragens políticas nacionais. Foi um momento de luz em meio a tanta treva.
Lembrou, em seu efeito positivo, a injeção de autoestima dada pela conquista do
ouro pela seleção brasileira de vôlei masculino nos Jogos de Barcelona, em
1992, quando Fernando Collor marchava para o impeachment, tendo roubado
mais uma esperança de renovação na política brasileira”. (Revista Veja, em 5 de
agosto de 2009)
Analogamente, o antropólogo e cientista social Roberto DaMatta destaca
a importância do futebol na promoção da cidadania brasileira comparativamente à outros
setores da sociedade:
“O futebol, entretanto, deu ao povo sua cidadania definitiva. Pela igualdade
perante regras que não mudam e valem para todos. Por um modo de pertencer
sem mediações eruditas e complicadas, dessas que permeiam o linguajar dos
políticos, dos economistas e dos juristas... É, pois, o futebol que engendra essa
cidadania positiva e prazerosa, profundamente sociocultural, que transforma o
Brasil dos problemas, das vergonhas e das derrotas, no país encantado das lutas,
da competência e das vitórias. Uma coletividade que pode finalmente contar
com suas próprias forças e talento. Com o futebol, o Brasil não nos enche de
vergonha como ocorre no discurso dos políticos -, mas de orgulho, carinho e
amor”. (DaMatta, 2006, p. 123-124)
Os esportistas-heróis, assim, capazes de desempenhos excepcionais,
trazem ideais de superação, de conquistas, na proporção em que, como pontua Campbell,
“O herói é o patrono das coisas que estão se tornando e não das coisas que se tornaram,
pois ele é”. (Campbell, 2007, p. 236)
48
O último recorde mundial brasileiro numa piscina havia sido obtido em 1982, com Ricardo Prado, então
aos 17 anos, nos 400 metros medley. Fonte: Revista Veja.
80
Reitera-se a descrição de Morin ao mencionar que os semideuses da
cultura de massa se fundamentam naquilo que é exatamente a decomposição do sagrado
a estética, o espetáculo
49
. Os heróis participam da existência empírica, enferma, mortal.
Mesmo com a morte física do herói, a perpetuação do mito, numa eternização de suas
glórias, como foi o caso de Ayrton Senna.
Uns fenecem com o esquecimento da imprensa, ou devido à
desconstrução de suas imagens por parte da mesma. Outros morrem porque chegara a hora
do fim da vida. E essa morte vem explorada através de uma espetacularização no noticiário
tal que a cerimônia fúnebre transforma-se em um hiperevento.
Se para Guy Debord (1997), o conceito de espetáculo está intimamente
relacionado com a vida humana. As mortes de Mané Garrinha e Ayrton Senna, mesmo que
em épocas distintas, ilustram como o jornalismo se apropriou do espetáculo e da
dramaticidade para criar uma retórica de extrema notoriedade popular.
Ao se constituírem em figuras que tomaram dimensão mítica e que se
consagraram em seus esportes e cumpriram suas trajetórias em momentos diferentes,
Garrincha e Senna devem ser considerados nesse âmbito de referenciação. Garrincha fez
história no futebol na época que o rádio
50
era o único instrumento de transmissão de jogos
ao vivo. Senna desfrutou das glórias das conquistas no automobilismo nos tempos das
mídias digitais.
Essa conjuntura nos possibilita vislumbrar o importante papel do rádio
expresso nas palavras de Katia Rubio:
49
Segundo Guy Debord (1997), o espetáculo não é um conjunto de imagens, e sim como uma relação social
entre pessoas mediada por imagens. É ainda o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem.
Revela-se como aquilo que impõe ser visto, que se faz incorporar, cavando uma necessidade no homem que
se vê na obrigação de atendê-la continuamente.
50
Ressalta-se que o rádio ainda faz parte de forma significativa da vida do torcedor brasileiro. Pela Rádio
Clube do Brasil, Gagliano Neto fez a primeira narração esportiva para todo o país. Foi na Copa do Mundo de
1938, na transmissão do jogo de estreia da seleção brasileira contra a Polônia. O Brasil venceu na
prorrogação por 6 a 5. Até o advento da TV na década de 50, o rádio era o único veículo de comunicação que
permitia acompanhar as partidas de futebol ao vivo e promoveu a massificação desse esporte que está no
Brasil a seis gerações. Na década de 1960, houve a explosão dos meios de comunicação de massa.
81
“Atletas que fazem parte da história do futebol brasileiro a exemplo de
Friedenreich El Tigre, Fausto dos Santos o Maravilha Negra, Domingos o
Divino Mestre, Leônidas da Silva o Diamante Negro, apenas para citar alguns
nomes dignos de aposto, são personagens de uma época em que o dio era o
único meio de comunicação de massa capaz de transmissões ao vivo, e pela
locução levava ao ouvinte a mesma emoção do drible e do gol, que hoje, a
imagem via satélite em tempo real é capaz de provocar. E de uma maneira
diferente do que é feito na atualidade, apresentava ao público os ídolos do
esporte”. (Rubio, 2001, p. 104)
De fato, tanto Garrincha quanto Senna, mesmo fazendo história em
esportes diferentes, ainda permeiam o imaginário popular pelos seus feitos. E mesmo após
a morte física deles, continuam existindo enquanto personagens vivos de em enredo que
permanece revelador da sublime saga heroica. A repercussão mundial de ambos os funerais
confirma a idealização de que foram imortalizados por suas jornadas coroadas por
momentos de iluminação.
Mané Garrincha
51
, um dos grandes nomes da seleção brasileira na
conquista dos Mundiais de 1958 e 1962, que teria vivido seus últimos dias em total
solidão, levou milhares de pessoas ao seu velório
52
, ocorrido no estádio do Maracanã, no
Rio de Janeiro.
Multidão essa que seguiu o trajeto do corpo até o cemitério em Pau
Grande
53
, sua terra natal. Seu último adeus repercutiu mundialmente, e se é “na morte que
o homem se revela” (Morin,1988), “O Gênio das Pernas Tortas” fez o mundo se render a
um ícone que exibiu um futebol irreverente, levando a emoção da ginga, do drible e do gol
ao conquistar para o Brasil dois títulos de Copa do Mundo, ao lado de atletas-heróis como
Pelé, Gérson e Didi.
Mas, a dimensão do evento do funeral daquele que era conhecido
também como “A Alegria do Povo” foi retratada pela revista Veja na edição publicada na
semana de seu falecimento e demonstrou como a morte de um herói vira espetáculo na
cultura de massa:
51
Manuel Francisco dos Santos, o Garrincha, jogou a maior parte de sua carreira pelo Botafogo (de 1953-
1965). Participou de 60 jogos pela seleção brasileira e marcou um total de 17 gols.
52
Garrinha faleceu em 20 de janeiro de 1983, aos 49 anos, vitimado por uma cirrose hepática consequente do
alcoolismo.
53
Pau Grande é uma localidade pertencente ao distrito (Vila Inhomirim) do município de Magé interior do
Estado do Rio de Janeiro. Fonte: site Wikipedia.
82
“Com manchetes, jornais e emissoras de rádio e televisão do mundo inteiro
choraram o grande morto, entre palavras e imagens que reproduziam as jogadas
e histórias responsáveis pela construção da lenda. Nos Estados Unidos, por
exemplo, The New York Times dedicou a Garrincha um reverente obituário. Na
Itália, a televisão reservou-lhe espaço equivalente ao da morte de Nikolai
Podgorny, ex-presidente da União Soviética. Milhões de estrangeiros que
haviam sofrido com Garrincha vivo sofreram com a sua morte. E pareceram
especialmente chocados com a solidão que sublinhou os últimos dias do ídolo”.
(Revista Veja, em 26 de janeiro de 1983)
No caso de Ayrton Senna, campeão mundial de Fórmula 1 nos anos de
1988, 1990 e 1991, mostrou-se notória a nítida influência da mídia na formação e
manutenção de um ícone, na construção do nome e do estereótipo. Sua morte ocorreu na
“praça”
54
, na pista de Ímola em 1994, enquanto exercia seu ofício, sob os holofotes e
olhares de milhões de telespectadores. Cercada de uma enorme comoção popular e de uma
gigantesca cobertura pela imprensa, a morte do idolatrado piloto, dadas às circunstâncias,
contribuiu para elevá-lo à condição particular de “herói-mártir”, expressão considerada por
Chiabai.
Mas, de fato, após a morte de Senna, o gosto do brasileiro pela Fórmula 1
arrefeceu, sem contar que a grande paixão popular do país sempre foi o bom e velho
futebol.
O grande estudioso das manifestações lúdicas nacionais, Roberto
DaMatta (2006), considera que o futebol brasileiro se difere do europeu pela sua
improvisação e individualidade, características estas que a mídia exalta em seu discurso
como pressupostos para aquisição de mérito por parte dos atletas em detrimento do esforço
e do empenho tático durante uma partida. Deste modo, esse esporte bretão é na sociedade
brasileira uma fonte de individualização e possibilidade de expressão individual, muito
mais do que de coletividade, mesmo sendo um meio notadamente que abarca arquétipos,
estes que são de natureza essencialmente coletiva.
54
Referência feita pelo jornalista Paulo Scarduelli (1995) em seu livro “Ayrton Senna, Herói da Mídia”, que
analisou o espaço dedicado por seis jornais (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do
Brasil, O Povo e Diário Catarinense) ao funeral de Senna. O acontecimento que mobilizou e comoveu o país
nos primeiros dias de maio de 1994, ocupou a média de uma em cada cinco páginas nos seis jornais, pelas
informações do autor.
83
Decerto, o futebol é sabidamente um esporte coletivo. Mas, num jogo,
vivencia-se a todo instante a contraposição entre o indivíduo e o grupo. Quando as
qualidades individuais de um atleta e seu desempenho em campo sobressaem
constantemente em detrimento à imagem da equipe enquanto conjunto, ele alcança
projeção de destaque. Em decorrência disso, toda uma esfera de concepção mítica
difundida pela mídia se propaga para todos os horizontes do imaginário das massas.
O próprio Ronaldo dentro dessa conjectura de expressividade individual
parece ter sua retórica construída num viés antagônico ao que ocorreu com outras
personalidades do futebol, como Mazzola, Garrincha, Pelé, Romário, Kaká e Ronaldinho
Gaúcho. Esses foram reverenciados pela imprensa especificamente por seu talento, na
medida em que Ronaldo, desconsiderando sua conturbada história de vida íntima, tem sua
imagem atualmente atrelada não ao talento, mas principalmente a uma realidade de
superação e luta para voltar ao exercício do futebol, depois de 10 meses de lesão, como foi
o caso da última. Particularmente essa especificidade delata ainda mais os propósitos que o
assentam na jornada heroica, ao delinear um contexto de vicissitudes que se renovam
incessantemente.
Tem, dessa forma, uma trajetória de identificação estreita com nossa
essência de brasilidade, pois viveu uma infância humilde no subúrbio carioca de Bento
Ribeiro e, depois de consagrado, protagonizou histórias de superação a várias contusões
pela simples paixão em jogar futebol, incorporando o estigma do “ser brasileiro e não
desistir nunca”. Estereótipo esse especialmente muito difundido através da propaganda e
da publicidade que projeta a marca de um povo que sobrevive na adversidade.
Ronaldo é um representante típico e nato da cultura de massa, sendo
oriundo de grupos sociais de baixo nível de renda. Condição esta que favorece a
identificação às fantasias psíquicas, estabelece a sensação de pertencimento e facilita os
anseios de representatividade coletiva se for considerado o inconsciente como um
reservatório simbólico de imagens globais, nos propósitos junguianos.
O futebol favorece o desenvolvimento de uma concepção de jogo para a
própria vida, uma vez que o espírito de concorrência do cotidiano se expresso na
84
essência de uma partida que se propõe ao formato competitivo. Nessa proposição, Katia
Rubio acrescenta que personifica-se o ensejo de projeção de crianças e jovens instigado
pelo esporte, como o futebol, que também possibilita ao atleta de alto vel e rendimento
uma mobilidade social vertical e rápida alcançando glórias, prestígio e poder aquisitivo:
“A vivência do arquétipo do herói pelo atleta é experimentada em toda a sua
abrangência, seja pela demonstração de força e coragem, seja pela capacidade
de realizar virtudes destinadas a poucos, seja até em determinados momentos
pela morte trágica. Contudo, não é de se estranhar que justamente este
personagem seja o alvo de grande projeção de grande parcela da população de
crianças e jovens. Reside na possibilidade de realizações semelhantes e, na
consequente permanência, a esperança de um futuro que inscreva seu nome na
história, como o tiveram os heróis-atletas da Antiguidade”. (Rubio, 2001, p.
216)
Nesse aspecto, a amplitude do valor de ética deve ser referendado para
que se transporte a mensagem nesse sentido contida nas práticas esportivas para as relações
pessoais e sociais.
Torna-se evidente diante dessa panorâmica a essencialidade do emprego
da conceituação de Morin acerca dos olimpianos da cultura de massa. Eles não são
verdadeiros deuses, sempre revelam tanto a faceta do bem quanto a do mal, que são
mortais. A mídia explora ao extremo tanto uma quanto outra. Assim, as feições heroicas
dos atletas se fazem transparecer através do discurso midiático em detrimento do
comportamento do anti-herói quando isso lhe é pertinente - mitificação x desmitificação.
Controvérsias e escândalos repercutem em grau elevado e ganham
frequentemente os noticiários carregados de sensacionalismo a fim de se explorar ao
máximo a vida íntima tumultuada, conflitiva e controversa dos olimpianos que encontram
referência de feição aos padrões personificados de Macunaíma.
Na contramão desse cenário que se reproduz aos montes, surgiu no
mundo esportivo e na mídia um personagem com referenciais comportamentais distintos.
Encarnando o perfil de “bom moço”, de “garoto exemplar”, Kaká tornou-se um produto
altamente comercial e mercantilizado, dada uma imagem envolta em credibilidade que foi
se constituindo.
85
Não se concebe sob uma vertente comparativa a Peri porque não se
projeta enquanto um ícone heroico característico em si. Mas, dotado de belas feições
físicas, participa como garoto-propaganda de inúmeras marcas internacionais que veem no
atleta uma imagem de identificação com os públicos mais diversos, sobretudo, aqueles que
não acompanham frequentemente futebol, de maneira especial integrantes do sexo
feminino.
Um jogador que não exprime genialidade dentro de campo, mas que
mostra-se altamente eficiente tecnicamente, Kaká é oriundo de uma família de classe
média alta e mostra que o culto à beleza e ao corpo é uma realidade cultural subjetiva,
valorizada e repleta de simbolismos.
E essa imagem do meia-atacante a mídia brasileira incorporou do
contexto mundial em que o atleta se encontrara inserido, uma vez que ele atingiu o auge de
sua carreira jogando na Europa
55
. Imagem na esfera social que rende mais à publicidade
que ao jornalismo especializado, uma vez que seu comportamento e sua postura na vida
privada não rendem as polêmicas e os escândalos tão explorados na vida de outros atletas.
O jornalista Ricardo Perrone, em seu blog
56
, enumera dos atributos que
fazem de Kaká uma exceção em termos de conduta e parâmetro dentro do universo
futebolístico: “Arrumado, bonito, educado, correto, coerente, bom no que faz, sem
polêmica, casado, fiel, não bebe, religioso, não vai pra balada, enfim… um modelo de bom
garoto”.
Morin traz o pensamento de que na cultura de massa não há prescrições
impostas, mas imagens ou palavras que fazem apelo à imitação, conselhos, incitações
publicitárias:
“... os múltiplos modelos de conduta que dizem respeito a gestos, atitudes,
modo de andar, beleza se integram num grande modelo global, o de um estilo de
vida baseado na sedução, no amor, no bem-estar. Nesse sentido, as estrelas, em
suas vidas de lazer, de jogo, de espetáculo, de amor, de luxo, e na sua busca
55
Kaká começou sua carreira no São Paulo Futebol Clube em 2001, foi transferido para o Milan em 2003 e
jogou no clube italiano até junho de 2009, quando assinou contrato com o Real Madri.
56
Acesso em: http://www.ricaperrone.com.br/?p=3629
86
incessante de felicidade simbolizam os tipos ideais de cultura de massa”.
(Morin, 2009, p. 108)
Uma imagem constituída ou fabricada faz encobrir determinadas mazelas
comportamentais de determinados atletas, numa separação do homem do mito. Um
exemplo característico ocorrera com Mané Garrincha, dos grandes heróis da conquista das
Copas do Mundo de 1958 e 1962, especialmente desta última em que Pelé ficou ausente
57
.
Sobressaíra-se as imagens de “Alegria do Povo” e de "O Gênio de Pernas Tortas", que
mesmo com a distrofia física nos membros inferiores, conseguia efetuar dribles
irreverentes e magistrais. Isso em detrimento à sua conturbada vida pessoal, marcada por
alcoolismo e problemas afetivos e finaceiros.
No polo antagônico dessa constitutiva comportamental, compete trazer à
tona que protagonizar episódios negativos vestindo a camisa da seleção brasileira pode, em
determinadas circunstâncias, levar o atleta à vilania pela imprensa, como o ocorrido com
Mazzola na década de 60.
O ex-jogador do Palmeiras participou de três jogos com a camisa do
Brasil na Copa de 1958. Ao término do Mundial, Mazzola foi contratado pelo Milan,
tornou-se idolatrado na Itália e aceitou o convite para jogar na seleção local
58
, disputando a
Copa de 1962. Ficou com a imagem de quem traiu sua pátria.
Pondera-se que numa mesma Copa, a imprensa reverenciou o herói
Garrincha e exaltou o anti-herói Mazzola. uma alternância entre veneração e
descultuação. Decerto o comportamento midiático muitas vezes faz sobressair um
momento em detrimento da história de uma atleta. O ídolo de hoje pode vir a tornar-se o
hostilizado de amanhã, transformação entre sentimentos de amor e ódio que emana da
atmosfera coletiva composta pela figura do torcedor. É uma linha tênue da construção para
a desconstituição.
57
Na Copa de 1962, sediada no Chile, Garrincha foi o principal destaque na conquista do bicampeonato
mundial. Pelé ficou de fora devido a uma lesão que o afetou no segundo jogo. O locutor esportivo Waldir
Amaral da rádio Continental apelidou Garrincha de “Demônio das pernas tortas”, em referência às
dificuldades de marcação que o atleta impunha às defesas adversárias.
58
Brasileiro, filho de pai e mãe italianos, Altafini, o Mazzola, tornou-se cidadão italiano e defendeu a seleção
da Itália na Copa de 1962, disputada no Chile. (Fonte: site Uol).
87
A comprovação de que momentos podem sobressair à história vem
refletida, por exemplo, na biografia de Barbosa. Um dos maiores goleiros da história do
futebol brasileiro, especialmente de sua geração, é lembrado pela derrota na final da Copa
do Mundo de 1950 contra o Uruguai no Maracanã, em particular pelo segundo gol
uruguaio. Carregou consigo até a morte
59
o pesadelo de ser apontado como culpado pelo
trágico desfecho da Copa, derrota que recebeu o apelido de Maracanazo
60
.
O fato é que a euforia antecipada por parte dos jogadores, dirigentes e
torcedores brasileiros foi derradeira, estavam todos envoltos no clima do mais puro
otimismo acerca da conquista. O jornal carioca O Mundo chegou a publicar, na véspera do
jogo, a manchete "Estes são os campeões do Mundo”, com a foto destacada da equipe
brasileira
61
.
A imprensa, em sua essencialidade no concernente aos ritos esportivos
que se constituem em batalhas e luta pela vitória, propaga uma execração do derrotado, em
vez de atribuir mérito ao adversário, àquele que se mostrou mais apto a vencer. O
perceptível é uma ênfase muito mais acentuada à retratação do amargor do fracasso, da
perda, do desapontamento, do infamante, da não-realização. Flagelos que, nas acepções
campbellianas, fazem uma remissão à tragédia universal do homem.
O goleiro Waldir Peres, por exemplo, foi um dos crucificados na Copa do
Mundo de 1982, na Espanha. A seleção brasileira sob comando do treinador técnico Telê
Santana foi eliminada pela Itália pelo placar de 3 a 2. Peres, que falhara no gol sofrido na
estreia contra a União Soviética, foi avaliado na condição de um dos culpados pelo
desempenho ruim do Brasil naquela Copa e não mais tornou a vestir a camisa da seleção
após a competição.
O jornalista Mauro Beting avalia a superexploração que por vezes
insurge nas redações dos jornais:
59
Barbosa morreu aos 79 anos em 7 de abril de 2000. (Fonte: site Terra)
60
Expressão latina usada pelos adversários para provocar os brasileiros em alusão a maracanaço.
61
Informação do site Uol.
88
“Nós costumamos não ter a menor responsabilidade para criticar. E nem para
elogiar. Ou jubilamos ou bajulamos. Incensamos craques de araque.
Catapultamos carreiras não-pavimentadas. Inflamos egos que inflamaremos na
primeira canelada. Subimos e baixamos bolas e astrais sem o menor
comprometimento ético e profissional. Somos tão voláteis quanto os cartolas
que trocam de treinador (ou quando os jogadores de hoje trocam de camisa). A
pressa das redações, a novidade pela novidade, a moda de criar moda, tudo não
dura nem 90 minutos.” (Beting, 2005, p. 33)
Certamente também a contramão desta vertente, na qual atletas são
mitificados, contemplados no plano de seus feitos no esporte.
Silvia Chiabai avalia sistemicamente que se a escola perpetua os heróis
“históricos” através dos livros didáticos, são os jornalistas os artífices das sagas esportivas
contemporâneas, do resgate da história pessoal do atleta que se torna ídolo depois de ter se
tornado campeão, se necessário injetando-lhe dramaticidade suficiente para transformá-la
num épico. Os repórteres frequentemente se deixam capturar pela admiração pela
conquista ou, no caso de Senna, pelo magnetismo da personalidade do ídolo: não são raros
os casos de jornalistas que mantém relações de amizade e tornaram-se seus fãs declarados.
Com isto a cobertura costuma perder em objetividade – mas repassa em emoção.
Ressalta-se que a superexposição dos atletas deve ser referenciada no
contexto atual que abarca os novos e grandes conglomerados de mídia, as tecnologias
digitais e os sistemas midiáticos interconectados. A internet está cada vez mais se
massificando mediante um cenário de concentração de capital e poder constituintes do
invólucro dominante tangente aos grandes grupos.
Essa conjuntura vem promover uma propagação de imagens em relação
aos heróis esportivos mais recentes diferentemente de momentos anteriores, haja vista a
comparação dos momentos vivenciados por Valdir Peres e Ronaldo, mesmo sendo em
épocas não tão equidistantes.
Ícones do futebol brasileiro das décadas de 60 e 70 não tiveram uma
rememoração midiática da forma que se constitui a mitificação nos dias de hoje, mas nem
tampouco deixaram de gerar identificação e atingir um superdimensionamento mítico,
como nas figuras de Bellini, Vavá, Didi, Nilton Santos, Zito, Djalma Santos, Garrincha,
Gérson, Jairzinho, Carlos Alberto Torres, além de Pelé, que mesmo assim se perpetuou no
89
imaginário popular como o maior nome da história do futebol brasileiro projetado sob o
status de rei.
Certamente, atletas de eras
62
anteriores não tinham suas imagens
impressas na circularidade e na multiplicidade que se vê nos dias de hoje. uma
instantaneidade e uma superabundância de informações tal que nos encontramos
submetidos e atrelados a uma “nova temporalidade e uma nova espacialidade”, segundo o
antropólogo Marc Augé (1994).
A mídia de massa passa por um processo de mudança na busca da
adaptabilidade com a convergência digital das últimas décadas, além da competitividade
espacial com novos veículos como a internet, os livros eletrônicos, DVD, CD-Rom,
telefones por satélites, direcionando para um novo condicionamento das estruturas atuais
de comunicação, numa hibridização do antigo com o novo. A mídia digital se apresenta em
face à multiplicidade de suportes, gêneros e formatos, haja vista, por exemplo, a
fragmentação textual em inúmeras partes componentes e à estrutura narrativa não-linear.
Atualmente, jornalistas e não-jornalistas estão usando ferramentas da
mídia digital, tais como a internet, mensagens de SMS (serviço de mensagens curtas) e
pequenas câmeras de vídeo em celulares, para coletar e espalhar informações em caráter
mundial apontando um quadro que reflete o caráter multidimensional e globalizado da
comunicação.
Nessa vertente, o jornalista e professor Manuel Carlos Chaparro (2001)
observa que as notícias hoje trafegam uma rota própria, independentemente das redações.
Não mais intervalo entre acontecimento e notícia; as fontes deixaram de ser objeto
utilitário e desenvolveram a competência de gerar e pautar conteúdos jornalísticos; as
novas ferramentas tecnológicas, que permitem, por exemplo, a proliferação dos blogs na
62
Épocas que passam a identificar o período em que certos esportistas atingiram seu apogeu. Tem
durabilidade efêmera. A essencialidade da divisão é similar às Eras Geológicas que compunham as
segmentações temporais da reconstituição da história do Planeta Terra (Arqueozoica, Proterozoica,
Paleozoica, Mesozoica e Cenozoica). Também na mesma semelhança das Eras Históricas
, períodos em que
antropólogos e historiadores dividiram o passado da Humanidade (Pré-História, Idade Antiga, Idade Média,
Idade Moderna e Idade Contemporânea).
90
internet, transferem para a arena pública cada vez mais discursos e notícias que antes
permaneciam no âmbito privado.
Assim, o cenário atual e as novas configurações oriundas das mudanças e
dos impactos causados pelas inovações tecnológicas apresentam também um novo prisma
de onde se funda a necessidade de se olhar o jornalismo sob uma ótica diferente.
Sobretudo, a abastança factual oferece suporte a um quadro de imagem
na categoria de descartável em que notícias se tornam mercadorias, na mesma essência que
os jogadores o são no consoante a transferências interclubes. Afinal, tudo hoje é produto. A
imagem dos atletas se transformam em alimento e sustentáculo da mídia e da indústria do
entretenimento.
De fato, o crescimento do futebol em âmbito mundial é muito
significativo e representativo. O historiador José Sebastião Witter (1990) atenta que esse
esporte assumiu caráter político, além de social, ético e de entretenimento, entre outros.
Basta comparar, segundo ele, que existem mais países filiados à FIFA
63
do que à ONU
64
, e
temos um exemplo de quanto o futebol assumiu uma importante idealização política,
especialmente em tempos de Copa do Mundo.
Nesse processo, o universo do esporte atingiu atualmente uma magnitude
de espetacularização, especialmente se considerarmos a tríade mito/mídia/esporte. Na
mitologia encontra-se a cultura, os valores sociais, o jeito de viver, a forma de pensar e se
portar e o mais importante, a identidade de um povo. E como fio condutor desses
componentes simbólicos configura-se a mídia emoldurando o imaginário que opera como
edificação dos laços sociais.
63
O órgão máximo que gerencia o futebol pelo mundo é composto de 207 países. (Fonte: site yahoo em maio
de 2009)
64
A Organização das Nações Unidas é composta por 191 membros. (Fonte: site yahoo em maio de 2009)
91
3.2 O Futebol Midiatizado na Lógica do Capital da Indústria do Entretenimento
A emoção em escala de grande intensidade e a precipitação a um estado
de deleite momentâneo, propiciados pelo futebol, formam um alicerce considerável para a
incorporação de imagens no inconsciente do indivíduo ratificando esse esporte como um
fenômeno de múltiplos significados, dadas a sua difusão e a sua popularidade.
Um pênalti perdido, um equívoco insofismável de marcação do árbitro ou
uma esplêndida defesa de um goleiro num jogo decisivo faz com que derrotas e conquistas
passadas venham à tona em nossa memória, mesmo após décadas.
Nesse viés, incumbe a evidência da notável multidimensionalidade
descortinada pelo futebol, como descreve Roberto DaMatta (2006) - Esse esporte agrega
uma densidade semântica complexa que permite entendê-lo e vivê-lo simultaneamente por
meio de muitos planos, realidade e pontos de vista. O substancial deste trabalho de
pesquisa apreende dele o seu aspecto mítico, embora ele possa se esboçar sob uma
pluralidade de contextualizações.
O antropólogo detalha que, embora o futebol seja uma atividade
moderna, um espetáculo pago, dentro dos mais extremados parâmetros capitalistas e
burgueses, ele, não obstante, também orquestra componentes cívicos básicos, identidades
sociais importantes, valores culturais profundos e gostos individuais singulares.
Sob essa ótica multidemensional, a criação e a destruição de mitos se
tornam imprescindíveis para a perpetuação da espetacularização num meio em que se torna
farta a concepção de signos, devido a propensão natural que já se tem em atingir o plano
imaginário do sujeito, uma vez que o futebol é uma fonte de bem-estar, de extravasamento
de emoções, de desfrute do imponderável, expressões estas que vem naturalizar o grau de
envolvimento propiciados por este esporte.
Nessa contextualização do sujeito atrelado ao objeto, adquire relevância a
ideia esboçada pelo sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1997) a respeito da
92
evolução dos signos, que tomaram uma dimensão tal que hoje dominam o mundo. Os
sistemas de signos operam no lugar dos objetos e progridem exponencialmente em
representações cada vez mais complexas. De acordo com ele, o objeto é o discurso, que
promove intercâmbios virtuais incontroláveis, para além do objeto. Atualmente, cada signo
está se transformando em um objeto em si mesmo e materializando o fetiche, virou valor
de uso e de troca a um tempo. Os signos estão criando novas estruturas diferenciais
atendendo a racionalidade da ordem do capital.
Enfatizando a conjuntura econômica do futebol, o pesquisador Anderson
Gurgel (2006) categoriza esse esporte nos termos de (tel)espetáculo dos dias de hoje que
povoa um mundo dos sonhos gerado pela máquina do consumo. O futebol deve ser
ponderado sob a ótica de um ativo construtor de valores e de uma vertente altamente
lucrativa se refletirmos acerca de todas as suas peculiaridades, especialmente as
relacionadas a uma imputação mítica que ele faz manifestar.
O cinema, desde antes de 1900, gravava cenas de jogos e
comercializava por meio de cinescópio. O futebol tornara-se cada vez mais um produto de
consumo midiatizado para as massas face à sua proposição como espetáculo. Por um lado é
um instrumento de lazer para aqueles que o acompanham, e por outro, é um canal para
grandes negócios e fonte de lucratividade. Ambos os lados se alimentam da
espetacularização que permeia esse esporte dentro da sociedade de consumo.
A primeira bola de futebol do Brasil e o conjunto de regras para a prática
do esporte foram trazidos em 1894 da Inglaterra pelo paulista Charles Miller. Nascido no
bairro paulistano do Brás, Miller foi estudar aos nove anos de idade em território britânico
e lá tomou contato com o futebol. É assim considerado o precursor desse esporte no Brasil.
A aristocracia dominou inicialmente as ligas de futebol, mas logo as regiões periféricas
tornaram-se o grande polo de disseminação desse esporte que se delineou como
indissociável da identidade nacional
65
.
65
No início, o futebol era praticado apenas por pessoas da elite, sendo vedada a participação de negros em
times de futebol.
93
Gurgel descreve que o futebol foi se moldando como um produto aos
poucos. Em 1917, instituiu-se a cobrança de ingresso para o acompanhamento dos jogos
nos estádios, na mesma medida em que os atletas passaram aos poucos a se
profissionalizar.
A mídia se consolidou paulatinamente em relação à exploração do
universo futebolístico, tanto é que desde 1930 os grandes jornais foram ampliando o
espaço para esse esporte e firmou-se assim o jornalismo esportivo, que contou com o
pioneirismo de Mário Filho na cobertura do futebol no Rio de Janeiro.
O rádio
66
a partir da década de 1930 transformou-se, no Brasil, no grande
mediador das emoções dos jogos como um forte veículo de comunicação de massa. Como
considera Gurgel, ele antecipa o que a televisão faria depois, a partir da década de 1950, ao
passar a criar histórias épicas e heroificar atletas, potencializando um imaginário propenso
a assimilar valores. Especialmente o imaginário do torcedor, figura esta conceituada por
Távola:
“A posição de torcedor, na vida, é a que nos traz mais tensão, emoção, alegrias,
intensidades, tristezas. A humanidade inteira é torcedora de alguma coisa, do
partido político, clube ou religião. O torcedor é quem supõe haver virtude,
verdade, direito e razão do próprio lado”. (Távola, 1985, p. 286
)
O atrelamento da mídia com o futebol fez permear negócios que vieram
atingir cada vez cifras exorbitantes. Numa exemplificação Gurgel salienta que esse esporte
se adaptou para atender a interesses do mundo dos negócios, em especial da televisão:
De fato, a Copa de 1986 (no xico) é uma das mais expressivas, quando se
pensa nas relações entre mídias e futebol. Toda a grade horária dos jogos foi
feita pensando na melhor estratégia para o telespectador, principalmente o
europeu. A consequência disso é que a maior parte das partidas aconteceu em
pleno verão sob um sol escaldante. Essa era a forma para que os jogos fossem
vinculados em horário nobre na Europa. (Gurgel, 2006, p. 86)
O jornalista Mauro Betti bem retrata a relação criada entre a televisão e o
futebol, união essa que proporcionou a esse esporte dimensões planetárias:
66
Gurgel (2006) ressalta que na prática, o que as rádios faziam com toda a limitação tecnológica daquele
período era expandir à sociedade o que se passava dentro dos estádios de futebol. E feitos consideráveis
do período, tanto no sentido de evolução da cobertura, de fidelização de torcedores-ouvintes, quanto na
expansão dessas transmissões como negócio.
94
“A televisão, além de estimular o consumo de produtos esportivos (vestimenta,
equipamentos etc.), utilizando o esporte como conteúdo ou associando-o a
outros produtos por meio do anúncio publicitário, tornou o próprio
(tel)espetáculo esportivo um produto de consumo comparável às telenovelas e
aos programas de auditório”. (Betti, 1998, p. 36)
Aliás, hoje notamos que as transmissões esportivas de um modo geral são
de âmbito global, alcançando bilhões de pessoas, não a Copa do Mundo e os jogos
olímpicos, mas também a Liga Americana de Basquete (NBA) e a Liga de Futebol
Americano (NFL).
Franco Júnior considera o futebol a maior indústria do planeta,
movimentando negócios multibilionários e que abre um nicho importante e estratégico
para a divulgação de marcas de empresas globais face aos complexos da mídia, do
marketing, da tecnologia, do capital e do consumo. E que o esporte na mídia é a própria
indústria da diversão.
Na atual era do futebol profissional, competitivo e globalizado, Roberto
DaMatta discorre de maneira análoga: “O esporte é uma indústria, mas é igualmente uma
atividade especial que combina as máximas do capitalismo moderno com as velhas práticas
da reciprocidade”. (DaMatta, 2006, p. 153)
De uma forma a paixão futebolística é atrelada à esfera mercantil, em que
os negócios desse nicho se apoderam da fidelidade do torcedor tornando-se geradores de
rendimentos altamente lucrativos. O patrocínio esportivo, por exemplo, acaba por estreitar
essa relação com o público-alvo, favorecendo a exposição midiática da marca naquele que
é um dos esportes mais praticados e acompanhados do mundo
67
.
A mídia espontânea gerada pela transmissão dos jogos da Copa do
Mundo pela televisão, por exemplo, atinge públicos de todas as idades, de todos os
segmentos sociais, de várias culturas, das mais diversas partes do mundo, não somente dos
32 países envolvidos na competição. Todos se transformam em consumidores em potencial
dos produtos oferecidos por essas empresas, o que justifica os altos investimentos
realizados na área esportiva atualmente.
67
Segundo a FIFA, no ano de 2006 aproximadamente 270 milhões de pessoas no mundo estavam ativamente
envolvidas no futebol, incluindo jogadores, árbitros e diretores.
95
Isso se revelou significativo de tal maneira que os investimentos, os
patrocínios e as cotas de transmissão das TVs se tornaram fundamental para a manutenção
dos clubes.
Nos dias de hoje, o universo esportivo se abastece de novas mídias, em
consonância com a evolução tecnológica e com as redes interconectadas, o que torna a
“indústria do imaginário” ainda mais invasiva. A expansão das mídias digitais traça um
panorama de maior interação entre tempo e espaço, especialmente porque tem aumentado
o número de recursos e opções disponíveis.
O torcedor de futebol, por exemplo, congregado cada vez mais aos
moldes da segmentação, vem incorporando no seu cotidiano avanços nos formatos
televisivos, na forma de acompanhar os jogos.
Anteriormente, na época da televisão ao vivo, sem videotape, havia a
dependência da única câmera ter captado um determinado lance e que poderia ser visto
uma única vez. Com a invenção do replay, a repetição tornou-se possível, mesmo que uma
jogada pudesse ser visualizada por somente uma angulação. Atualmente, com o aumento
de câmeras, que oferecem a perspectiva da cena do jogo sob diversos ângulos e pontos de
vistas, favorece inúmeras possibilidades de abstração por parte do telespectador acerca da
narrativa.
Além disso, as incorporações tecnológicas trouxeram outras
transformações como o advento da televisão de alta definição (HDTV) que reúne as
prerrogativas de uma tela com o dobro de linhas de definição da TV convencional e som
estéreo.
A naturalização que regimenta o envolvimento passional no futebol faz,
também no universo da indústria do entretenimento, com que se semeie o bloqueio da
ordem consciente e que os sentidos do sujeito estejam em outro patamar, no de
assimilação.
96
Perpetua-se no imaginário, através da hegemonia da imagem, e da
subjetividade sobrepondo à objetividade, sentimentos e anseios em escala de grande
intensidade notada a gica do inconsciente concorrendo para o que Morin denomina
“industrialização do espírito”.
O futebol revela uma satisfação para as suas nostalgias secretas. Além da
percepção de desempenho competitivo do atleta profissional (ideal de luta, esforço), a
mídia agrega a essa imagem elementos como dinheiro, sucesso, status e fama.
Gurgel esse cenário do mundo do futebol aquém do que poderia se
projetar, considerando-se que esse esporte supera o universo do jogo, além de se expor
como um espetáculo multi e intermídias e alcançar dimensões globais. Segundo ele:
“A secularização do esporte é um fato e gerou uma força econômica das mais
expressivas. Mesmo com a crescente participação desse segmento no PIB, a
visibilidade dos agentes da economia do esporte, na mídia, ainda está refém de
agendamentos, como uma Copa do Mundo ou Olimpíada. A maciça cobertura
sazonal da temática induz à ideia de que, no cotidiano, o futebol não demanda
compras no varejo, viagens nacionais e internacionais ou ainda avanços
tecnológicos”. (Gurgel, 2006, p. 226)
Considerando-se um nicho propício para a construção de figuras míticas,
ao reverenciá-las através das narrativas com trajetórias épicas e memoráveis, o futebol é
um terreno fértil para alimento e cultivo de imaginário.
Projeta anseios sociais dos brasileiros e não pode ser somente observado
por uma ótica restrita, mas sim como uma totalidade de um elemento da indústria do
entretenimento que tem faces peculiares e permeia de forma única a subjetividade humana.
Resumidamente, hoje o futebol tornou-se uma atividade mercantil em
potencial, dados os interesses agregados num mundo tangido de representações simbólicas.
Houve uma evolução tão rápida nesse sentido tal qual o das relações produtivas que hoje
formam os pilares da sociedade capitalista, de modo a inserir-se na tônica da Indústria
97
Cultural
68
, conceito desenvolvido pelos teóricos da Escola de Frankfurt. Produtos circulam
como mercadorias e o capital converge para o espetáculo e surpreende a consciência.
Sob esse ponto de vista do acúmulo do capital, a diversão é o
prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio, no estigma da imutabilidade das
situações e do status quo. O espetáculo insurge como algo que impõe visibilidade.
O indivíduo assimilado pela Indústria Cultural participa da mesma como
sujeito desejante. A lógica do desejo imposta pelo mecanismo de satisfação encontra
suporte na gica do inconsciente. E os meios de comunicação de massa estão inseridos
nessa conjuntura e desempenham um papel funcional quando mitificam, atribuem
significação no circunstancial à uniformização industrial.
Campbell percebe os mitos como revelações das mais profundas
esperanças, anseios e temores, potencialidades e conflitos da vontade humana, todo mito,
intencionalmente ou não, é psicologicamente simbólico. Tal como o mito do herói.
A tríade esporte- negócio- mídia se estabelece entrelaçada. A produção
de seres endeusados dentro desse sistema torna-se extremamente vital para fluir e alimentar
o fluxo econômico.
Mas, todos os envolvidos nesse fluxo se beneficiam da mitificação, pois
se abastecem dela para sobreviverem. O jornal que forma a imagem do mito precisa assim
fazê-lo, pois é o que fundamenta sua sobrevivência. O ídolo fornece a matéria-prima a
informação e a imagem - para fins de exposição através da mídia para o leitor-torcedor-
cliente.
O atleta precisa dessa divulgação e exposição (embora muitas vezes
reclame do assédio da imprensa), pois sem notoriedade não alcança visibilidade para
contratos de imagem, transação interclubes. Da mesma forma, o marketing esportivo
68
Pensadores como Adorno e Horkheimer (1985) salientaram em seus estudos acerca da sociedade de massa
que a ideologia dominante faz gerar passividade nas massas numa conjectura da preponderância cnica
imposta pelo sistema. A homogeneização faz a cultura perder o aspecto de “aura” e de manifestação artística
para se propagar enquanto mercadoria. A Escola de Frankfurt propõe a saída para a Indústria Cultural através
da Teoria Crítica, ou seja, a denúncia do caráter manipulador dos meios comunicacionais.
98
precisa dessa exploração da imagem do esportista, da produção de semideuses para
propagar consumo. É um ciclo, no qual os meios de comunicação têm funcionalidade vital,
implicando numa retroalimentação.
É o leitor-torcedor-cliente que precisa comprar jornais, ir aos estádios
(ginásios, etc.) prestigiar o ídolo, adquirir o produto da marca que estampa a camisa do
craque ou da propaganda que ele protagonizou. Dessa forma, a gica capitalista está
explicitamente presente no meio esportivo, um entretenimento que se tornou mais negócio
do que a passionalidade do torcedor permita racionalizar.
3.2.1 Futebol Globalizado
Competições de âmbito global como Copa do Mundo e Olimpíadas
projetam e singularizam atletas cujas heroicidades individuais vêm a se confundir, muitas
vezes, com a própria imagem do país que representam, numa articulação do nacional com
o universal. Atletas esses que se tornam os principais ícones de suas nações de origem,
metaforizam seus países, revelando-se mais referenciáveis em relação à imagem externa de
seus países do que líderes políticos e religiosos, dada a magnitude da exposição na mídia.
Quando se fala em Camarões, de imediato lançam-se à mente nomes
como o ex e atual futebolista Roger Milla e Samuel Eto’o, tamanha a sua
representatividade e imagem associatória com o País em esfera global. Também
exemplifica esse prisma personalidades esportivas como Didier Drogba, jogador da Costa
do Marfim, Ferenc Puscas, da Hungria, Abedi Pelé, de Gana, o tenista Roger Federer, da
Suíça.
A propagação da imagem de atletas que disputam essas competições de
âmbito mundial tende a adquirir cada vez mais velocidade, mobilidade e alcance com essa
nova fase, em que máquinas se comunicam na mesma linguagem, sem incompatibilidades
nem fronteiras. No que tange as estruturas atuais de comunicação, a internet traz, por
exemplo, os acontecimentos em tempo real culminando num processamento de onde se
deriva a virtualização do mundo e da vida.
99
Se antes o atleta de futebol ambicionava vestir as cores da seleção de seu
país por amor à pátria e movido pelo sentimento de nacionalismo, hoje, na era do futebol
globalizado, a disputa de uma Copa do Mundo equivale a se colocar numa vitrine diante do
grande mercado que move hoje o futebol mundial.
Campbell resume as configurações que se formavam na esfera global:
“Nos dias de hoje, a comunidade é o planeta e não a nação com seus limites; eis por que os
padrões da agressão projetada, que antes serviam para coordenar o grupo para si mesmo,
hoje podem apenas dividi-lo em facções”. (Campbell, 2007, p. 373)
Hoje a sobrevivência do esporte competitivo se revela cada vez mais
envolto no tangente às relações midiatizadas, ao alto investimento em atletas, às grandes
somas em patrocínios e direitos televisivos.
O futebol foi uma das atividades que mais sentiram os efeitos da
liberalização dos mercados e da desregulamentação das economias nacionais. Isso levou a
um superaquecimento do comércio internacional, com interferências diretas em mercados
específicos, como o do futebol. Os clubes europeus estão na liderança do processo de
profissionalização da gestão do esporte, traduzida em planejamentos de longo prazo,
elaboração de planos anuais de geração de receita e celebração de contratos de alta monta
financeira para formar equipes fortes e competitivas, conforme Giglio.
No Brasil, existem mais de quatro mil clubes de futebol profissionais
segundo informações da FIFA em 2009. Poucos atletas chegam a alcançar as grandes
conquistas, o destaque individual, e consequentemente, os contratos com as principais
equipes. Atletas imperfeitamente imitáveis que se tornam insubstituíveis em seus clubes e
seleções estão cada vez atingindo maior valorização financeira. Aspectos mercadológicos
determinam o caminho do jogador de futebol hoje numa configuração distinta quando
equiparadas a décadas anteriores à globalização.
Ronaldo atingiu o ápice de sua carreira no esporte jogando no exterior,
mais especificamente na Europa, onde passou por cinco equipes diferentes de três países
distintos durante quatorze anos. Aliás, essa tem-se constituído a nica do percurso dos
100
atletas após a cada de 1990 - o êxodo para a Europa, onde perfazem a maior parte da
trilha enquanto jogadores de futebol.
As negociações de transferências de atletas interclubes tornaram-se
altamente lucrativas e os times brasileiros necessariamente precisam ceder os jogadores
para o exterior na impossibilidade financeira de mantê-los.
Caldeira considera Ronaldo o sucessor realmente global de Michael
Jordan. De fato, o atleta brasileiro alcançou o cenário de glórias no futebol na era da
globalização, era também da TV a cabo, da internet e do celular, enfim, das amplas
revoluções tecnológicas.
Corresponde, assim, a uma época de maior presença e exposição na
mídia, e consequente visibilidade mundial, contratos publicitários com empresas
multinacionais, maior rotatividade entre equipes. A menor permanência dos atletas no
futebol brasileiro é reflexo dessa nova realidade.
Dessa forma, Ronaldo delineou uma composição mítica no imaginário
popular traçando um caminho interclubístico diferente do concretizado por Pelé, que num
outro momento e de contexto distinto, edificou a sua carreira no próprio país, mais
especificamente pelo Santos, onde jogou no período de 1956 a 1974.
As comparações entre Ronaldo e Pelé sempre se estabeleceram no
constituinte de suas trajetórias heroicizadas e também no aspecto estatístico. Isso decorre
essencialmente devido à história de ambos pela seleção brasileira, especialmente em Copas
do Mundo, evento mais significativo do futebol mundial. Ronaldo foi campeão por duas
vezes, em 1994 e 2002. Disputou também as Copas de 1998 e 2006. Atuou em 17 partidas
contra 14 de Pelé em Copas, marcando 15 contra 12 gols. Pelé conquistou três Copas das
quatro que disputou 1958, 1962, 1966 e 1970. Só não alcançou o título em 1966.
Os números pertencem ao contexto do futebol, decerto que as estatísticas
sempre corroboram para determinar e caracterizar campeonatos e performances individuais
sob a ótica e a análise matemática. Contribuem para estudos exploratórios e quadros
101
comparativos. Mas, certamente também não preenchem a natureza mítica, o desempenho
epopeico, a trajetória heroica.
3.3 O Retorno de Ronaldo nos Enfoques do Discurso Midiático
A escolha dos jornais que sustentaram o corpus dessa pesquisa, Folha de
S. Paulo e O Estado de S. Paulo deveu-se ao fato de serem canais comunicativos
hegemônicos de circulação nacional, além de deterem agências de notícias de ampla
distribuição informacional. E sendo paulistanos revelam a proximidade geográfica com o
“atleta-herói” Ronaldo, uma vez que é em São Paulo que o jogador está cumprindo a
jornada dessa nova etapa de seu percurso. Dessa forma, garante-se uma linha coerente de
apreensão investigativa.
O período considerado para observação e análise do caderno de esporte
dos jornais corresponde a três momentos distintos e emblemáticos inerentes a essa etapa do
retorno de Ronaldo o primeiro, inicial, satisfaz a ocasião da contratação e apresentação
ao Corinthians (10 de dezembro a 27 de dezembro de 2008). O segundo, corresponde ao
período de integração à equipe e preparação física (28 de dezembro de 2008 a 4 de março
de 2009). O último diz respeito à volta do jogador aos campos e à conquista do seu
primeiro título pelo clube, o Campeonato Paulista (5 de março a 4 de maio de 2009).
De alguma forma, as notícias, entre múltiplas outras funções, participam
na definição de uma noção partilhada do que é atual e importante e do que não o é,
proporcionam pontos de vista sobre a realidade.
Com o retorno de Ronaldo ao Brasil, e a maior proximidade de cobertura
para os veículos jornalísticos nacionais, houve uma modificação vasta e plena na forma e
no conteúdo midiático relativo à constitutiva simbólica que permeava a imagem do
jogador. Imagem essa que veio pronta, sem processamento de construção, apenas de
consolidação, dada à sua trajetória de conquistas ao longo de 14 anos no exterior e as
glórias alcançadas com a seleção brasileira.
102
No momento anterior a esse retorno aos campos, correspondente aos
períodos de apresentação ao Corinthians, integração à equipe em pré-temporada e
preparação física, desencadeou-se o artifício de desconstrução da imagem do jogador pela
imprensa, quando sua vida pessoal conturbada repleta de deslizes comportamentais não
acolhidos pela boa conduta foi lançada às massas, bem como problemas de
condicionamento físico. Certamente, deu-se uma continuidade e um prolongamento de
enunciações desconstrutivas iniciadas na época do episódio do envolvimento com
travestis no Rio de Janeiro, oito meses antes do anúncio de sua contratação. Enunciações
estas que vão à contramão do enaltecimento, da idealização e da edificação mítica,
seguindo uma procedência discursiva depreciativa em relação à imagem.
Na condicionante necessidade de atualização do mito, estabelece-se uma
iminência polarizada que expõe as narrativas antagônicas polemização x enaltecimento
da imagem. Todavia, observa-se uma propensão maior, nos dois primeiros momentos
(contratação e recuperação física), à desconstrução de imagem, uma desmitificação
mediante a figura de um herói com identidade configurada, porém não tão considerada a
ponto de ser provada novamente essa condição.
Sobretudo, demasiadamente, a remissão histórica é exposta, porém não
são apreciados enquanto retórica os percalços anteriores que foram vencidos e superados
pelo jogador. Emanações discursivas são trazidas à tona culminando numa decomposição
de imagem de um atleta que cingiu as proposições das etapas heroicas do monomito de
Campbell.
Surpreendeu a imprensa, em especial os céticos que não impuseram
expectativas positivas acerca de uma volta triunfal que começaria a se concretizar quando
marcou o primeiro gol depois de um ano e 20 dias contra o Palmeiras vestindo a camisa do
arqui-rival Corinthians, com quem houvera assinado seu retorno ao “Olimpo”. Na
sequência, protagonizou as conquistas do Campeonato Paulista e da Copa do Brasil, nas
modulações de suas sagas passadas, que expuseram alternâncias entre fase de contusões e
fase de glórias. Percorreu o caminho de provação do herói para chegar à coroação com o
título e com a condição de principal goleador da equipe, especialmente nas etapas decisivas
do campeonato estadual de São Paulo.
103
Nessa conjuntura, diante da incredibilidade da superação e retorno de um
herói, as instâncias midiáticas sucumbiram a ele, em seu renascimento tal como Fênix
retornando do limbo. Antes que uma reconstrução e uma sustentação midiática da imagem
do herói, ocorreu a concretização de uma missão redentora que passou a ditar os
parâmetros das narrativas. Ronaldo passou a povoar as narrativas emergido de glória e
redenção, em face de seu retorno recente, mesmo perante a uma intercalação
desconstrutiva do discurso.
Sem contar que a saga de sua volta repercutiu no mundo todo. Foi o
retorno de um herói que a imprensa desacreditou o tempo todo que se tornasse viável,
mediante mais um período de vicissitudes de sua trajetória. Delineia-se essa premissa a
partir da observação que o discurso narrativo acerca do jogador se configura no consoante
à subestimação de sua jornada, reveladora da figura de um herói clássico que outrora
superara momentos de incredulidade e de desafios da ordem de seu retorno ao futebol após
sérias contusões e outros empecilhos de ordem física.
A mídia expressou com ímpeto consoante à destruição de um modelo e
estruturação simbólica que ele estava em findáveis dias de carreira no futebol, o
considerando um ex-atleta em atividade, diante de um ritual cíclico de sacrifício do herói,
ato que se revela constitutivo dessa conjectura.
Essa assertiva vai ao encontro dos prenúncios de Campbell enunciadores
de que o herói regressante deve sobreviver ao impacto quando colocado em rota de colisão
com o colapso. No caso, o retorno envolto à busca da recuperação física, a uma
readaptação a um futebol diferente do europeu e a incredulidades sobre a retomada do
desempenho técnico. Assume a essencialidade de um “herói dramático”, que oferece várias
faces exploratórias consideradas sob múltiplos aspectos.
A tônica da desmitificação se deu sob três enfoques narrativos - a
contratação e o regresso de jogador como constitutivas de um estratagema de marketing
face à consideração de que Ronaldo estava em fim de carreira e sua função no Corinthians
fosse a de gerar dividendos; a condição física (ou ausência dela) em contraposição à sua
condição cnica, como se já houvesse perdido a última, ou como se não tivesse mais
104
aptidão para colocá-la à disposição de seu jogo; além de polemizações recorrentes acerca
de sua vida privada.
3.3.1 Temática Desconstrutiva: Estratégia de Marketing
A contratação de Ronaldo e os números acerca dessa transação atribuída
como uma estratégia de marketing ocupou amplo espaço no noticiário, em detrimento ao
aspecto da essência de um jogador de futebol, que, no caso de Ronaldo, é jogar e marcar
gols. Os moldes dessa desconstituição se estabeleceram no viés da sobreposição do retorno
financeiro em face ao aspecto esportivo.
uma tendência comunicativa que propicia o arrefecimento das
características originais do futebol enquanto evento competitivo, e como manifestação
lúdica. A catalisação das mudanças editoriais que vem se apresentando ao longo das
últimas décadas incorpora maior espaço no noticiário os aspectos econômicos do futebol
enquanto um aglutinador de valor de negócio em detrimento ao passionalismo intrínseco a
esse esporte.
O relato de jogos como batalhas épicas e a exaltação de atletas como
heróis divide espaço cada vez mais com o noticiário sobre os negócios que cercam o
universo do futebol e que se expandem.
Esse panorama abre precedente para uma disposição iminente à menor
contemplação mitificadora, de alimentação da figura tica, embora seja fato que a
sobrevivência da imprensa esportiva se deva a exatamente à exploração da pauta
convergente para esse sentido.
A abordagem econômica do esporte retira espaço para a mitificação,
porém a desconfiança para a retomada da condição de desempenho esportivo de Ronaldo
veio primeiramente expressa dentro desse contexto convergente para a questão dos
negócios no futebol. Nesses termos, o retorno do jogador, em findáveis dias de carreira,
supriria os anseios da gestão de marketing. Trechos das reportagens comentados a seguir
105
exemplificam a convergência para esse prisma que começara a se apresentar logo após o
momento do anúncio de sua contratação.
Em reportagem de uma página inteira, um dia após a anunciação de
Ronaldo como jogador do clube paulista, a Folha de S. Paulo traz a enunciação intitulada
“Corinthians traz Ronaldo para vender” que expressa uma motivação mais empresarial e
econômica em detrimento ao rendimento do jogador dentro de campo, além de expor a
contratação como estratégia de divulgação da marca Corinthians em âmbito mundial.
O texto expôs através de um tom veemente que o desempenho de
Ronaldo dentro dos campos seria um aspecto de interesse secundário, aliás, de
rentabilidade técnica pouco provável, como o outorgado desde a linha fina
69
: “Clube acerta
com atacante, que não joga desde fevereiro, por um ano e afirma que contratou empresa, e
não um jogador”. E segue discursivamente sob esse prisma:
“O Corinthians ontem fechou talvez o maior negócio de marketing de sua
história. Vislumbra a explosão de vendas de sua camisa, de seus produtos
licenciados, de receita de patrocínio e de seu nome no exterior. E, de quebra, se
os joelhos deixarem, terá também os gols do principal artilheiro em Copas e do
atleta que foi eleito por três vezes o melhor do planeta. Ronaldo, 32, o
“Fenômeno”, vai vestir a camisa do clube, e vendê-la em 2009”. (Folha de S.
Paulo, 10 de dezembro de 2008, p. D1)
O texto completo referente ao conteúdo dessa matéria está disposto no
anexo 1 desta dissertação. No anexo 2 consta um infográfico do Estado similar ao da Folha
retratando as informações de patrocínio através do recurso numérico.
A reportagem de meia página de O Estado de S. Paulo publicada no
início do mês seguinte sob a manchete (similar à da Folha) “Corinthians terá de vender
muita camisa para lucrar” apregoa através de uma exacerbada racionalidade numérica a
projeção acerca dos rendimentos financeiros sustentados pela chegada de Ronaldo e
gerenciados pelo proeminente marketing estratégico:
“Em 2008, foram vendidas 500 mil peças e o clube não levou nada a mais,
desafio é superar essa marca. “Para 2009, o clube espera dobrar o número de
69
Linha fina “é a frase ou período sem ponto final que aparece abaixo do título e serve para completar seu
sentido ou dar outras informações”. Fonte: Manual da Folha de S. Paulo (1992, p.153)
106
unidades com o efeito da chegada do Fenômeno Ronaldo. A ideia é vender mais
de um milhão de peças... No orçamento para 2009, o clube espera a entrada de
R$27 milhões em patrocínio R$ 5 milhões da Nike, R$ 2 milhões com a
empresa que estampar o peito da camisa e R$ 2 milhões com calção e manga
(neste caso o atacante Ronaldo fica com 80% do valor e o clube com 20%).
Com royalties de licenciamento da marca, a previsão é de R$ 3.996.000, 00.
Para superar isso, vai precisar mais uma vez contar com a participação do
torcedor e com o peso do Fenômeno Ronaldo para impulsionar ainda mais as
vendas. Como receita de marketing estratégico, o clube projeta 8.700.000,00.
Isso envolve camisetas promocionais, como as deste ano (“ Eu nunca vou te
abandonar” e “Eu voltei”), que geraram importante retorno financeiro. Embora,
2009 tenha apenas começado, o clube lançou sua primeira com slogan “Dois
mil e nove fenomenal”, usando a imagem do reforço. Neste marketing
estratégico, o clube deve ainda comercializar vários produtos com a marca
Corinthians e com o nome do Fenômeno”. (O Estado de S. Paulo, 4 de janeiro
de 2009, p. E1)
Vemos a racionalidade numérica atingir maior amplitude numa época em
que as tecnologias digitais propiciam maiores recursos técnicos de levantamento de dados.
O uso demasiado de números dentro da construção textual jornalística, como o exposto no
trecho acima, invoca numa estratégia comunicativa que intui um aporte à objetividade.
Assim, se propõe narrativamente em contraposição à natureza do
jornalismo esportivo interpretativo, que envolve uma apropriação maior de termos
subjetivos nas reportagens para a contemplação de uma determinada ideia que se pretenda
transmitir, principalmente quando se reportam partidas de futebol e se anseiam imprimir as
emoções e as peculiaridades épicas inerentes a esse esporte.
O jornalista Paulo Vinicius Coelho atesta que a noção de realidade
carregada pelo jornalismo esportivo nos tempos atuais torna a cobertura esportiva tão
brilhante quanto qualquer outra no jornalismo. O ponto-chave é que, muitas vezes, de
acordo com ele, tal cobertura exige mais do que noção de realidade, necessita de uma carga
emotiva a qual é inata ao esporte em si enquanto competição:
“A emoção também faz parte do jornalismo, como bem mostraram as crônicas
de Nelson Rodrigues no passado. E alguém precisa fazê-la retornar ao cotidiano
das páginas esportivas. Mesmo que alguns mitos da história do esporte
brasileiro, como Dunga, Romário e Ronaldo, tenham ficado perdidos num
tempo restrito à descrição nua e crua da realidade”. (Coelho, 2003, p. 22-23)
Coelho observa que Ronaldo “mereceu o apelido de “Fenômeno” e foi
extremamente elogiado (após a conquista do pentacampeonato do Brasil em 2002). “Mas
ninguém escreveu uma única crônica sobre a incrível proeza de Ronaldo. Toda a imprensa
107
estampou feitos do Fenômeno, em relatos repletos de realidade. Realidade demais para
uma história tão irreal”. (Coelho, 2003, p. 22)
Se as proezas não são enfatizadas sob essa ótica, a base desconstrutiva se
faz através de apêndices veementes dentro do acervo temático, como o abordado nesse
tópico que trata o contrato de Ronaldo com o Corinthians como interesse mercadológico
para ambas as partes.
Decerto que como referenciado aqui anteriormente o futebol evoluiu
enquanto negócio e se configurou sob ampla exposição midiática nos termos que vemos
hoje e mediante a constitutiva enquanto espetáculo na sociedade do consumo. O volume de
negócios gerados é desmesurado e os impactos dentro da indústria futebolística tendem a
ganhar espaço na imprensa. Nesses termos, Marshall concebe o jornalismo alusivo ao
modelo socioeconômico vigente:
“O jornal e o jornalismo viram apêndices do modelo de sociedade capitalista e
expressam a dialética de um modo de vida mercantilizado e mercadorizado. A
empresa jornalística ‘vende’ o jornal à sociedade, mas, antes disso, vende a
notícia ao poder econômico”. (Marshall, 2003, p. 120, apud Gurgel, 2006, p.
121)
Também não se questiona a condição de um jogador de renome
internacional como no caso de Ronaldo de ser um agregador dentro do aspecto da
economia do futebol, e muito menos como um chamariz de imenso potencial
propagandístico. É inegável também que o seu retorno trouxe a atenção do mundo para o
futebol brasileiro.
Discute-se a dicotomia implicada no processo de edificação mítica e de
desconstrução, acerca de um mesmo personagem central. Através de um tom menos
contido, faz-se inferências mediante uma hegemonia discursiva pronta para o consumo do
público leitor torcedor, considerada a potencialidade de difusão em massa.
A dimensão simbólica se referencia também ao longo da repetitividade
das temáticas em vertentes desconstrutivas confluindo para a produção de sentido
108
direcionado, como a presunção da justificativa para a contratação do jogador se constituir
estratagema de marketing desconsiderando o retrospecto heroico do mesmo.
A entrevista de Ronaldo concedida ao Estado, publicada sob o título “A
torcida do Corinthians é a melhor do mundo para o jogador”, proclama um aditivo enfático
demonstrado na enunciação de declaração do atleta, fazendo transparecer não só sua
preferência pela torcida corintiana como também através de suas palavras no
questionamento referente à tática mercadológica que supostamente explicaria sua
funcionalidade e sua contratação pelo clube paulista. Termos esses expressos quando
Ronaldo tinha voltado a disputar jogos. Faz-se transparecer expondo a fala do jogador uma
intenção discursiva indireta do jornal de referendar determinada temática:
“Estou feliz de ter tomado essa decisão, de encarar esse desafio, porque todo
mundo desacreditava, todo mundo achava que era uma grande ação de
marketing e que, no final, eu não jogaria futebol. Na adiantava ficar
respondendo a esse tipo de comentário, porque a melhor resposta que o jogador
pode dar é dentro do campo. Quando ele faz a parte dele, todo mundo cala a
boca, engole tudo aquilo que falou”. (O Estado de S. Paulo, 22 de março de
2009, p. E1)
A notícia divulgada sob o título “Atacante não deverá ter regalias” expõe
no âmbito do discurso uma tendência conceptiva de que Ronaldo teria tratamento
diferenciado dos demais quanto à questão de aplicação ao trabalho físico, dedicação aos
treinos e rotina diária no clube atribuindo à sua estadia no Corinthians como razão da
estratégia de mercado cuja pretensão seria a de tornar o clube referenciado em escala
global. (A notícia encontra-se disposta na íntegra no anexo 3.)
“A jogada de marketing corintiana deu certo logo no primeiro momento.
Ontem, os principais jornais do mundo anunciavam a contratação. “Ronaldo
chega a um acordo para jogar no Corinthians”, estampou o espanhol Marca.
“Ronaldo volta a jogar em 2009, no Corinthians”, informou La Gazzeta dello
Sport, da Itália. “Ronaldo recomeça, no Corinthians”, escreveu La Stampa.” (O
Estado de S. Paulo, 10 de dezembro de 2009, p. E3)
Esse enfoque abriu um flanco exploratório para as especulações como
formação de conteúdo noticioso do caderno esportivo do Estado quando se abordou a
respeito dos prováveis patrocinadores do clube para a temporada do ano de 2009. A
imagem do atleta seria a ponte e o trunfo para conseguir boas cifras. A reportagem sob a
manchete “Corinthians à espera de Ronaldo. E de dinheiro” especula acerca de números
109
presumíveis para a negociação de parceira patrocinadora, e encontra-se disposta no anexo
4.
Nesse aspecto, a reportagem da Folha sob título “Astro globaliza time,
dizem especialistas” transcreveu a fala de diversos nomes ligados ao marketing para
expressar a significância da contratação de Ronaldo na perspectiva do faturamento do
clube e também na presunção do espaço que o Corinthians teria na mídia internacional. A
matéria em questão encontra-se fotocopiada no anexo 5.
O foco em questão é alimentado pelo Estado ao trazer à tona
estratagemas plausíveis envolvendo a imagem de Ronaldo, mesmo que não sejam de
aplicação imediata. A reportagem intitulada “Ronaldo vai trocar a 9 pela 99 em setembro”
exibe a linha fina “Tudo pelo aniversário do Corinthians, prestes a comemorar o
centenário; se permanecer na temporada de 2010, o atacante vai vestir a camisa 100” que
converge para a proposição especulativa de uma probabilidade a longo prazo, sustentando
a hipótese que o marketing determinaria a principal funcionalidade do jogador no clube.
“O Corinthians não para de pensar em estratégias de marketing para lucrar com
Ronaldo. A próxima delas envolve o centenário do clube, que será comemorado
em 2010. A partir do dia 1º de setembro – data de aniversário – do ano que vem,
o craque vai trocar a camisa 9 pela 99. No ano seguinte, caso permaneça, vestirá
a 100. “Esta será a primeira das ações para o centenário”, explica o gerente de
marketing Caio Campos”. (O Estado de S. Paulo, 19 de dezembro de 2008, p.
E4)
Esse panorama enunciativo adquire confirmação repetitiva de cobertura
e explicita a hegemonia discursiva nesse sentido. Na transcrição da entrevista cedida pelo
treinador do Corinthians Mano Menezes, O Estado publicou sob a titulação “Marketing vai
ficar fora de campo” (8 de janeiro de 2009, p. E2) uma reportagem também em que
transparece o ensejo de fazer dialogar a figura de Ronaldo no Corinthians com as
perspectivas e a lógica das ações da mercadologia sob as prerrogativas de tal exposição da
imagem.
Essa mesma reportagem exibe uma outra retórica corroborativa para a
contextura desmitificadora da figura do atleta, expressa no trecho: “Treinador garante que
não dará bola para a pressão e escalará Ronaldo caso o craque esteja bem fisicamente.
110
Ronaldo perdeu dois quilos e ainda está longe do peso ideal”. (O Estado de S. Paulo, 8 de
janeiro de 2009, p. E2) Um apêndice da reportagem convergente para esse âmbito de
abordagem discursiva encontra-se no anexo 6.
Assim, outra faceta se fez constitutiva num sentido oposto da
consolidação da figura mitificada - a exploração noticiosa sob a pauta do condicionamento
físico de Ronaldo.
3.3.2 Temática Desconstrutiva: Condicionamento Físico e Sobrepeso
Primeiramente, compete considerar que valendo-se do texto informativo
ou interpretativo, a ação do jornalista ao decidir a forma do discurso e escolher uma
palavra em detrimento de outra implica por si a presença de critérios e juízos de valor,
que encontra iminência também nos recortes e avaliações feitos acerca das declarações do
atleta, por exemplo, partindo do princípio do descarte da imparcialidade da imprensa.
Essa circunstância encontra paradoxo na racionalidade numérica muito
usual atualmente no jornalismo impresso que implica numa intencionalidade objetiva. Mas,
é fato que os dados numéricos alimentam uma intenção argumentativa embutida no próprio
discurso, como a vertente desconstrutiva abalizada na falta de condicionamento físico e no
sobrepeso de Ronaldo, pautas essas corriqueiras ao longo da jornada do jogador.
Mediante a abordagem da questão do condicionamento físico, números
foram utilizados sob diversas óticas, fosse para referendar o sobrepeso do jogador, fosse
para quantificar o período de tempo parado, fosse para estabelecer a carga horária de
esforços para a recuperação, lançados como suporte para a ênfase na argumentação.
Todavia, há, em algumas situações, uma utilização de recorte em
declarações do atleta que legitima a intenção do aspecto discursivo da matéria, transferindo
a intenção da enunciação para a voz do declarante, como estratégia de produção de um
determinado sentido. Nesse caso retira-se a voz direta do narrador. Essa premissa se
encontra expressa em alguns trechos explanados a seguir, que expõem a constitutiva
textual do discurso referente ao sobrepeso do atleta.
111
Em reportagem intitulada “Atleta brinca sobre o peso e o dos jornalistas
que cobrem o clube”, a figura tica de Ronaldo é referendada enquanto um produto da
desconstituição noticiosa que enfatiza seu excesso de peso alimentando dessa forma um
alicerce da fragmentação decompositora de sua imagem. Reportando uma entrevista
coletiva concedida pelo jogador, o reforço para a ênfase discursiva sob esse parâmetro se
disposto no espaço para Ronaldo enquanto uma voz no texto, retirando a inerência do
posicionamento direto do jornal:
“A coletiva teoricamente correta deu lugar à descontração justamente no
assunto sobre o seu peso. Quando todos pensavam em uma resposta atravessada
por causa das piadinhas de que virou alvo, Ronaldo garantiu o riso. ‘Não me
incomodam (as piadas). Claro que para um jogador de futebol, ainda estou
acima do peso. Mas, meu percentual de gordura aqui (na sala de imprensa) não
é maior do que o de ninguém’, garantiu, chamando os jornalistas de gordinhos.
‘Aqui, o pessoal é bem acima do que eu. Voaté precisa de duas cadeiras’,
apontou para um repórter, rindo à toa, como todos na lotada sala”. (O Estado de
S. Paulo, 30 de dezembro de 2008, p. E3)
O assunto da preparação física de Ronaldo deu a tônica da configuração
discursiva imediatamente após sua apresentação ao clube, com realce para a sua falta de
condicionamento para uma partida oficial, como se observa no fragmento da notícia
intitulada “Pré-temporada corintiana em Itu vai preservar Ronaldo” que também lançara o
início das especulações sobre o retorno do atleta aos gramados: “Ao lado de Souza,
Ronaldo terá sossego para ganhar condições de jogo. O local é equipado com uma
academia moderna e aparelhos para recuperação física. A volta oficial do craque aos
gramados deve acontecer somente em fevereiro”. (O Estado de S. Paulo, 2 de janeiro de
2009, p. E1)
Assim, após a apresentação de Ronaldo para a pré-temporada do clube
que fora realizada no município de Itu em São Paulo, no início do ano de 2009, o foco
maior das bases discursivas se deu relativamente às especulações acerca de sua volta aos
jogos oficiais e também inerentes ao seu condicionamento físico, com detalhes acerca de
sua preparação como o trabalho de recuperação realizado dentro de barris de gelo como
explorada na reportagem do Estado “Ronaldo treina firme e depois entra no gelo”, disposta
integralmente no anexo 7.
112
Além da necessidade de recuperação física de um atleta que vinha de
uma lesão grave no joelho esquerdo quase um ano, o caráter do conteúdo narrativo se
apregoava sob o sugestionamento de seu excesso de peso, como o predominante discursivo
explorado na reportagem intitulada “Alguém vai sifu quando eu voltar”:
“Mais de duas horas fazendo trabalho na areia, sob o sol escaldante. Essa foi a
tarefa do maior artilheiro da história das Copas do Mundo, Ronaldo, ontem, na
pré-temporada do Corinthians em Itu. Trabalho árduo, recompensa adiante. É
isso que o centroavante espera...Segundo o jogador, o trabalho vem dando
bons resultados. De acordo com a comissão técnica, o atleta perdeu cinco
quilos. Está com 95 e ainda precisa queimar pelo menos outros cinco”. (O
Estado de S. Paulo, 14 de janeiro de 2009, p. E2)
A latente espetacularização numérica incorporada à natureza do discurso
também alimentou o processo desconstrutivo na vertente do sobrepeso deveras muito
congregado na produção noticiosa a respeito do jogador ao longo de sua carreira. Essa
latência fica evidente no conteúdo textual da reportagem especulativa do Estado sob o
título “Nem Ronaldo sabe quando estreia”, que também sustentou a ênfase discursiva na
fala direta do atleta demonstrando retirar do enunciador a intenção de fazê-lo
explicitamente:
“Ronaldo faz questão de enfatizar a diminuição do seu porcentual de gordura.
Está visível a redução de peso. “Hoje estou com 11, 7. Quando cheguei era 15,
5. A média dos jogadores é entre 10 e 12. estou no nível, mas sinto uma
diferença quando eu estou com os companheiros. Na hora da arrancada a perna
direita puxa para frente e a esquerda ainda segura””. (O Estado de S. Paulo, 6
de fevereiro de 2009, p. E1)
Nesses mesmos termos da produção de sentido, o jornal se propõe, em
outra reportagem, a abordar a questão sob uma base forte e sólida ao submeter o discurso
pautado nas palavras de Ronaldo. ““Agora espera novamente voltar a balançar a redes.
Estou com muita vontade jogar futebol. Não vejo a hora”, disse semana passada,
garantindo estar num porcentual de gordura 11,7 parecido com o dos companheiros.
“E jogador atua com números entre 10 e 12%””. (O Estado de S. Paulo, 13 de fevereiro de
2009, p. E4) O texto do jornal coloca até sob a fala do jogador o parâmetro para a
comparação da taxa de gordura, como se ausentasse de uma responsabilidade no âmbito do
conteúdo e mantivesse um distanciamento.
113
Mas, em outra ocasião, nessa mesma linha exploratória, em notícia
intitulada “Ronaldo fica mais a vontade entre amigos”, o viés para a tônica informacional
foi expresso através da linguagem direta, assertiva e opinativa que o atleta ostenta
sobrepeso considerado pelo jornal bem acima dos demais jogadores do elenco corintiano.
“Ronaldo vai passar por avaliações dos preparadores físicos do clube a cada 10 dias. Uma
já foi. E ainda é preciso perder peso”. (O Estado de S. Paulo, 15 de janeiro de 2009, p. E1)
Opinando sobre a necessidade de o jogador emagrecer, o jornal deixa claro seu
posicionamento sobre a questão. A notícia se localiza disposta na íntegra no anexo 8.
Através de um infográfico o Estado procurou ilustrar a evolução física de
Ronaldo atribuindo o adjetivo “roliço” para definir, sob o jugo do estereótipo, a sua
condição física inicial, como mostra o anexo 9. A arte gráfica acerca do personagem em
questão explicitou a panorâmica do sentido do discurso através de um recurso que não o
textual.
Projetou-se sob a suposição idealizada do peso de Ronaldo, uma
reportagem no Estado sentenciando que se o atleta não emagrecesse o suficiente não seria
apto a estar entre os titulares. A articulação discursiva se deu na esfera especulativa no
intento de harmonizar a altura do atleta com o seu peso:
“A preocupação que Mano diz ter não é pela qualidade, mas pela condição
física do camisa 9. Ronaldo está seis quilos acima do peso considerando ideal
para estrear. Mesmo se chegar aos 89 quilos imaginados, não será o peso ideal,
que com 1,87m ele precisaria estar com pelo menos 83 quilos. “Vi algumas
reportagens de que o Ronaldo é retardatário, está atrás de todos. Bom, se ele
estivesse na frente, eu rescindiria o contrato de todos os outros jogadores. Ele
precisa de tempo”, comentou Mano Menezes.” (O Estado de S. Paulo, 6 de
janeiro de 2009, p. E1)
A Folha também aborda a questão, com um texto incisivo, como o
publicado numa ampla reportagem que traça através dos recursos numéricos bases
comparativas que pretendem levar à conclusão de que o atleta precisa perder peso, além de
quantificar o quanto o excede. Com o título “Em forma, Ronaldo vai destoar”, sob o
chapéu
70
“manequim”, que expõe pejorativamente a temática, o jornal compara a média do
peso dos jogadores titulares do Corinthians com o de Ronaldo, referenciado por portar 16
70
Chapéu “é a palavra ou expressão curta colocada acima de um título. Usada para identificar o assunto de
que trata o texto ou os textos que vêm abaixo”. Fonte: Manual da Folha de S. Paulo (1992, p. 130-1)
114
kg além do considerado ideal. “Seu IMC (Índice de Massa Corporal), que é peso dividido
pela altura ao quadrado com 89 kg seria de 26,6 – hoje é de 28,6 -, o que significa
sobrepeso”. (Folha de S. Paulo, 29 de dezembro, p. D1) A reportagem completa encontra-
se no anexo 10.
Nesse caso, novamente os números reforçam a argumentação ao usar um
índice que se propõe objetivo na medição da taxa de gordura para implicar no sentido do
discurso do texto. Diante da racionalidade numérica, uma das estratégias do jornal é
colocar o Datafolha a serviço do esporte, parceria que acontece desde 1983. Fornece dados
empíricos através de subsídios quantitativos por meio de enquetes, levantamentos e
estatísticas para esquematizar e ilustrar as matérias e alimentar o corpo informacional.
Em intercalação com o reforço de sua condição mítica, sob o
enaltecimento de sua condição heroica e o encantamento discursivo advindo com seu
triunfal retorno aos gramados faz-se notável as diretrizes da desconstituição, como na
terminologia do aspecto do sobrepeso, disposta numa retranca
71
do Estado. Explicita a
consolidação tica e a desconstrução dentro de um mesmo texto. Particularidade essa
veiculada através da reportagem nomeada “Em 27 minutos, Ronaldo faz a alegria da
torcida em Itumbiara”, e relatada na fração de texto que se segue:
“O atacante entrou aos 22 minutos do segundo tempo, contra o Itumbiara, deu
passes curtos, quatro ou cinco piques, e arriscou uns dribles. No fim até pedalou
pra cima do defensor. Ficou claro, porém, que o camisa 9 ainda está longe de
sua forma ideal e dificilmente começa o clássico diante do Palmeiras”. (O
Estado de S. Paulo, 5 de março de 2009, p. E1)
A exploração discursiva acerca de seu sobrepeso encontrou maior ênfase
e frequência de veiculação no jornal O Estado de S. Paulo, ressaltando que ambos os
veículos em estudo incorporam as narrativas desconstrutivas face ao enaltecimento dos
feitos do atleta após seu retorno de sucesso aos campos, o que ocasionou as mesmas mídias
sucumbirem diante do êxito do atleta que outrora fora considerado inapto a regressar às
conquistas das glórias pessoais e coletivas no esporte.
71
Retranca é um termo genérico utilizado para designar cada unidade de texto em jornal. Fonte: Manual da
Folha de S. Paulo (1992)
115
A especulação do sobrepeso do jogador consistiu na tônica mais
impetuosa no tangente à desconstrução referente ao conteúdo das publicações do jornal O
Estado de S. Paulo, onde essa temática alcançou certa soberania discursiva: “Bem mais
magro, perdeu cerca de oito quilos e afirma ter baixado bastante o nível de gordura,
Ronaldo continua empenhado em voltar brevemente aos campos”. (O Estado de S. Paulo,
5 de março de 2009, p. E1)
Como na reportagem mencionada anteriormente que referenciava a volta
de Ronaldo aos campos no jogo contra o Itumbiara, em Goiás, pela Copa do Brasil, essa
retórica continuou alimentando o noticiário esportivo do jornal mesmo após o retorno de
Ronaldo aos jogos oficiais acompanhado de seu considerável desempenho em campo,
como no fragmento da reportagem intitulada “Com o Corinthians de folga, craque treina
para chegar tinindo no clássico”:
“O Fenômeno corre contra o tempo para perder os três quilos que ainda faltam,
de acordo com a programação, e chegar tinindo diante do Santos, no domingo...
O peso oficial de Ronaldo gira em torno de 89 quilos. Na programação dos
médicos, chegar a 86 seria o ideal. Para alcançar essa meta, o astro terá uma
semana diferenciada. Hoje e sexta-feira, por exemplo, tem jornada dupla, em
vez do meio período dos companheiros. “Na quinta está previsto período
integral para todos””. (O Estado de S. Paulo, 17 de março de 2009, p. E2)
Mesmo após o primeiro gol de Ronaldo em seu retorno marcado contra o
Palmeiras, o Estado continuou na vertente exploratória do condicionamento físico do
jogador exposta na essencialidade da notícia intitulada “Acima do peso é perigoso. No
peso, impossível”, em que o treinador do time alviverde, Vanderley Luxemburgo após o
jogo contra o Corinthians, depõe sobre a questão que o jornal retrata com frequencia e se
pretendeu tirar o recurso da oração direta, ao lançar na fala de outrem. A notícia completa
está inserida no anexo 11.
Essa abordagem corriqueira também foi destaque na transcrição da
entrevista de Ronaldo ao veículo publicada sob o tulo “A torcida do Corinthians é a
melhor do mundo para o jogador” sob a comprovação da seguinte fração textual: “Mas
mantém a cautela: diz ter 80% da forma ideal, precisando perder mais de três quilos e
recuperar os arranques, que tem certeza de que estão voltando”. (O Estado de S. Paulo, 22
de março de 2009, p. E1)
116
Uma reportagem publicada pelo Estado um dia após ser anunciado
Ronaldo como jogador do Corinthians associa comparativamente sua contratação à de
Garrincha pelo clube em 1996. A relação se estabelece moldada sob o parâmetro do
fenecimento da carreira, ao dizer que tanto um quanto outro foram contratados em final
de atividade enquanto atletas, relatando que chegaram coincidentemente com a mesma
idade, 32 anos.
A base discursiva converge para relacionar a contratação de ambos como
estratégia mercadológica a fim de consolidar uma fonte de rendimentos financeiros para o
clube agregados na figura tanto de um quanto de outro. Nessa concepção, os dois teriam
chegado ao clube, mesmo em momentos distintos, para finalidades não convergentes para a
prática esportiva e sim, para a investidura econômica.
A falta de condicionamento físico também revelou uma tonicidade ligada
à comparativa chegada de ambos, uma vez que no referido momento estavam em fase de
recuperação de lesões.
Se o retorno de Garrincha não surpreendeu as expectativas da imprensa
quanto ao seu rendimento dentro dos campos, o de Ronaldo se deu com um desenrolar
diferente. Este último ultrapassou as etapas típicas de uma jornada heroicizada mediante
testes de superação e respondeu positivamente a todos, especialmente os relativos à sua
recuperação física que o levara à volta aos gramados sob a contemplação do êxito.
Mesmo porque Garrinha não cultivava bons relacionamentos com o
elenco de jogadores do Corinthians, que dentro de campo supostamente não lhe passavam
a bola por questões de ciúmes devido ao seu salário ser superior ao recebido pelos demais.
No caso de Ronaldo, ele incorporou a figura do herói que retornou com benefícios
transcendentais para compartilhar, numa condição de redentor idolatrado que viria para
ensinar e dividir com todos a sua experimentação frente à trajetória mitificadora. Além
disso, ao conquistar os dois primeiros títulos que disputou e marcar gols decisivos,
alcançou a condição de ídolo da torcida no clube paulista, diferentemente de Garrinha que
jogou somente 13 partidas e não fez uma história glorificante.
117
Assim, a reportagem sob o título “Astro chega ao clube como Garrincha
em 66” se faz induzir que o insucesso do “Gênio das Pernas Tortas” seria a base
comparativa para que o retorno de Ronaldo também acontecesse sob essa perspectiva. A
matéria completa fotocopiada do jornal encontra-se no anexo 12. Uma fração de texto
uma dimensão dessa retórica levantada:
“Muitos torcedores nem se lembram, mas não é a primeira vez que o
Corinthians contrata um craque em final de carreira e se recuperando de lesões.
Em 1966, também em início de temporada, o clube anunciou o reforço de Mané
Garrincha, o genial ponta-direita que encantou o mundo nas Copas de 1958 e 62
e que eternizou a camisa 7 do Botafogo. Coincidentemente, Garrincha chegou
ao clube aos 32 anos. Sua passagem, porém, não foi das melhores... O dirigente
garante, porém, que só o marketing não justifica contratações deste tipo. “O que
define a passagem de um jogador pelo clube é se ele vai jogar bem ou não. O
marketing um retorno imediato, mas termina a partir do momento em que o
jogador não consegue render um bom futebol. ”” (O Estado de São Paulo, 10 de
dezembro de 2009, p. E3)
Assim, é notada a perspectiva pessimista em relação ao sucesso de seu
retorno aos campos, que se fez parecer pouco provável de se alcançar novamente diante de
uma tematização inflada e direcionada a um enfoque desconstrutivo calcado na
improbabilidade.
3.3.3 Temática Desconstrutiva: Vida Privada
Ao revelar uma representatividade síntese da conceituação de olimpiano
de Morin e ao atestar a necessidade da mídia em se explorar seus personagens principais, o
considerado suporte material de análise interpretativa revela que ambos os jornais
empregam frequentemente o verbete “astro” para fazer referência a Ronaldo:
“O grande astro do time também é aguardado hoje no Parque São Jorge.
Segundo a diretoria e o próprio jogador, Ronaldo estaria presente à
reapresentação corintiana... Presença do astro faz com que reapresentação do
elenco do Corinthians vire atração para sócios no Parque São Jorge”. (Folha de
S. Paulo, 26 e 27 de dezembro de 2008, p. D1)
“Técnico se mostra aborrecido e não sabe se levará o astro para Itumbiara... O
peso oficial de Ronaldo gira em torno de 89 quilos. Na programação dos
médicos, chegar a 86, seria o ideal. Para alcançar essa meta, o astro terá uma
semana diferenciada. Hoje e sexta-feira, por exemplo, tem jornada dupla, em
vez do meio período dos companheiros. Na quinta está previsto período integral
para todos”. (O Estado de S. Paulo, 02 e 17 de março de 2009, p. E1;E2)
118
Referenciado como astro, evidencia-se entre as personalidades
midiáticas, e tal como tem sua privacidade explorada nas mais amplas implicações de
dimensionalidade e de latência. Assim, outra vertente que tange a desconstrução da
imagem é relativa às polêmicas que cercam a vida boêmia do jogador.
Nesse período considerado sob análise, a exploração maior nesse sentido
se deu no episódio da saída noturna do jogador na cidade de Presidente Prudente, onde
estava concentrado o time do Corinthians, juntamente com a comissão técnica e parte da
diretoria. O ocorrido se deu às vésperas de sua estreia.
A reportagem da Folha intitulada “Ronaldo abusa da noite, perde a hora
e é multado” e de linha fina “Na viagem com o Corinthians, astro é visto em boate e
perderá 10% do salário”, suscita uma composição narrativa aos moldes ditadores de toda a
trajetória do atleta no futebol no tangente à exposição de sua vida privada.
“O episódio do atraso de Ronaldo na volta da folga foi o mais emblemático e
chamativo, até agora, de todos aqueles ocorridos na estada do time em
Presidente Prudente (a 565 km de São Paulo) que deixaram evidente o
despreparo do Corinthians em lidar com o astro”. (Folha de S. Paulo, 28 de
fevereiro de 2009, p. D3)
O Estado seguiu essa mesma linha noticiosa um dia seguinte através da
manchete “Ronaldo: gols e boca fechada” exemplificada seguinte trecho da reportagem:
“Ronaldo, o alvo da polêmica, por ter deixado a boate Pop’s Drink, onde
chegou a dormir, às 5 horas, também resolveu não se pronunciar. No meio da
semana a assessoria de imprensa do clube prometera uma coletiva para ontem”.
(O Estado de S. Paulo, 1 de março de 2009, p. E1)
O ocorrido também gerou controvérsia nesses mesmos termos
interiorizada na reportagem do Estado intitulada “Mano não digeriu a noitada de Ronaldo”:
“Técnico se mostra aborrecido e não sabe se levará o astro para Itumbiara -
Ronaldo tem feito de tudo para aliviar o mal estar provocado pelo fato de ter
retornado para a concentração às 5 h da manhã de sexta-feira, depois de passar a
madrugada numa boate. Participou dos treinos do fim de semana, fez exercícios
ontem pela manhã, em Marília, e foi ver o jogo. Para alegria do torcedor. Falta
acalmar Mano Menezes. Ainda irritado com a noitada, o técnico começou desta
forma a entrevista de ontem: Acabamos um jogo agora, vamos falar primeiro
dele, depôs respondo tudo sobre o Ronaldo”. Não teve jeito, respondeu a duas,
119
três perguntas sobre o empate e foi bombardeado de questões sobre o
Fenômeno”. (O Estado de S. Paulo, 2 de março de 2009, p. E1)
No dia 3, a controvérsia continuou recebendo menção como expunha o
título da reportagem da Folha “Mesmo após polêmica em Presidente Prudente e sem data
de estréia definida, atacante viaja novamente com o grupo” (Folha de S. Paulo, 3 de março
de 2009, p. D4)
E o assunto continuou gerando repercussão através de seus
desdobramentos. Em um deles atribui-se ao episódio o motivo da demissão do diretor de
futebol do clube Antônio Carlos, uma vez que o dirigente acompanhara o jogador nessa
saída à noite, como explorado na notícia da Folha sob o título “Noitada no interior causa
demissão de dirigente”:
“A balada de Ronaldo em Presidente Prudente o causou apenas
constrangimento ao jogador e ao Corinthians. Ontem o diretor técnico Antonio
Carlos entregou sua demissão ao presidente Sanches. O ex-dirigente corintiano
se reuniu com Andres pela manhã para acertar sua saída”. (Folha de S. Paulo, 4
de março de 2009, p. D1)
Tracejou-se assim toda uma conjuntura emblemática através da qual se
noticiou por cinco dias consecutivos o mesmo episódio. Dessa forma se fez perceber que o
tom eufórico no momento da chegada de Ronaldo delineou-se sob a iminência de um
quadro latente de exploração noticiosa sob diversos âmbitos que viria a partir de então e
não fora acompanhado de uma real perspectiva de seu êxito dentro da equipe.
3.3.4 Aportes Quantitativos Referenciais ao Discurso Desconstrutivo
No primeiro instante, correlativo à data do anúncio da contratação até o
início do período de reabilitação física e treinamentos no clube, a ênfase discursiva maior
se restringiu no atributivo à negociação entre jogador e Corinthians como estratégia de
marketing, no percentual quantitativo similar entre ambos os jornais diários.
Matérias e textos opinativos ficaram concentrados nesse enfoque 89%
de abordagem pela Folha e 80% pelo Estado dentro do total de produções no âmbito
120
desconstrutivo, como as pautas relativas à temática sobrepeso (0% contra 10%,
respectivamente) e ao assunto vida privada (11% e 10%, respectivamente).
O gráfico a seguir demonstra esse panorama percentual na esfera dessas
três vertentes do enfoque discursivo no tangente à oposição da lapidação da imagem do
jogador e no convergente para uma enunciação de declínio em face referente ao seu papel
no Corinthians que ficaria restrito ao âmbito mercadológico:
Gráfico 1 Percentual de Conteúdo Noticioso na Concepção Desconstrutiva no
Período Inicial
Percentual de Marias no Âmbito da Desconstrução Discursiva
Período de 10/12/08 (contratação) - 27/12/08 (início dos treinos)
89%
0%
11%
80%
10% 10%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Matérias: contratação como estratégia
de marketing
Matérias relacionadas a excesso de
peso
Matérias sobre a vida privada
Folha de S. Paulo O Estado S. Paulo
No segundo momento, correspondente ao período de recuperação física e
treinos, o enfoque desconstrutivo do Estado se direcionou à temática sobrepeso de
Ronaldo, com maior número de matérias nesse sentido 47% contra 30% da Folha –, que
deu uma ênfase maior ao episódio da ida do jogador a uma boate em Presidente Prudente.
Esse fato e seus desdobramentos ocuparam 70% das matérias no âmbito desconstrutivo da
Folha, contra 30% do Estado, que enfocou mais no assunto sobrepeso.
121
Registra-se que a abordagem desse acontecido na cidade do interior
paulista se concentrou num período de cinco dias consecutivos, enquanto o assunto
sobrepeso se dispersou ao longo de toda essa fase considerada e foi em termos percentuais
mais explorado no conteúdo noticioso do Estado, como demonstra o gráfico que se segue
trazendo a distribuição no âmbito das três facetas referidas:
Gráfico 2 Percentual de Conteúdo Noticioso na Concepção Desconstrutiva no
Período Intermediário
Percentual de Marias no Âmbito da Desconstrução Discursiva
Peodo de 28/12/08 (início dos treinos) - 04/03/09 (retorno aos campos)
0%
30%
70%
33%
47%
20%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Matérias: contratação como estratégia
de marketing
Matérias relacionadas a excesso de
peso
Matérias sobre a vida privada
Folha de S. Paulo O Estado S. Paulo
No terceiro período, correlativo à estreia do jogador no clube até o título
estadual, o conteúdo noticioso no sentido sob a análise em questão foi escasso, em face ao
enaltecimento dado ao retorno de Ronaldo aos campos, aos gols decisivos marcados e à
conquista do Campeonato Paulista.
Nos três períodos avaliados sob a perspectiva da cobertura midiática, a
frequencia maior de abordagem ao assunto excesso de peso do jogador coube ao Estado,
enquanto a tematização vida privada foi mais considerada pela Folha. A margem numérica
122
do primeiro assunto foi maior pendendo para o Estado, enquanto a diferença da frequência
do enfoque da vida particular fora mais equiparada entre os dois veículos.
Nesse último período, de certa forma as temáticas foram consideradas
numa relevância equânime, nenhum jornal abordou por mais de três vezes cada discurso,
dados ao encantamento com os feitos do jogador nas partidas que vinha disputando. O
gráfico seguinte mostra as divisões de foco em termos percentuais:
Gráfico 3 - Percentual de Conteúdo Noticioso na Concepção Desconstrutiva no
Período Final
Percentual de Marias no Âmbito da Desconstrução Discursiva
Período de 05/03/09 (retorno aos campos) - 04/05/09 (final do Campeonato Paulista)
33%
17%
50%
40% 40%
20%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Matérias: contratação como estratégia
de marketing
Matérias relacionadas a excesso de
peso
Matérias sobre a vida privada
Folha de S. Paulo O Estado S. Paulo
3.3.5 A Tônica Discursiva da Opinião Especializada
Entre crônicas, artigos, colunas e comentários assinados no caderno de
esportes, os dois jornais abriram espaço para colaboradores e articulistas do próprio
veículo opinarem sobre o retorno de Ronaldo ao longo do período de análise foram
constatados 21 textos opinativos da crítica especializada da Folha e 20 do Estado com
enfoque principal no atleta. Alguns construíram uma base discursiva com realce para a
123
desconstrução impetuosa dessa conjectura referencial ao regresso do jogador ao futebol
brasileiro.
A opinião do ex-jogador Tostão, da Folha, inflige ao futebol uma
emanação superior à feição esportiva, descaracterizado-a, frente às magnitudes do mérito
econômico. A contratação do jogador retrataria essa proposição e resumiria, na visão dele,
a ávida negociação em prol das ambições puramente mercantis. “O futebol trocou de dono
– as estrelas do futebol não são mais os jogadores nem os técnicos. As estrelas são agora os
investidores a contratação de Ronaldo foi uma grande jogada dos investidores e
marketeiros”. (Folha de S. Paulo, 14 de dezembro de 2008, p. D4)
O cronista do Estado Marcos Caetano também considera que esse fora o
estratagema que trouxe Ronaldo para o clube paulista, sob a alegação de que o jogador de
reconhecimento mundial traria mídia espontânea para o Corinthians além de alavancar a
comercialização de material esportivo vinculado a sua imagem, em detrimento de seu
poderio competitivo no futebol e de sua capacidade em vencer desafios e retornar. A parte
inicial da crônica que contempla esses ditames encontra-se no anexo 13.
O ex-jogador e comentarista Neto, no Estado, atribuiu a razão da
contratação de Ronaldo à sua história, desconsiderando a possibilidade de o mesmo voltar
a produzir bom desempenho dentro do campo, e intitulando a coluna como Futebol
Carente”, expressa a extinção de jogadores notáveis nesse esporte que não estão em clubes
do exterior.
“Caros leitores, o fim do ano está se aproximando e qual teria sido a grande
notícia do futebol brasileiro em 2008? A contratação de um jogador em fim de
carreira, com duas cirurgias nos joelhos e completamente fora de forma.
pergunto a vocês se essa expectativa toda que foi criada seria por causa do que o
Ronaldo pode render com a camisa do Corinthians ou se é pela história dele
com a bola nos pés? É claro que é pela história.” (O Estado de S. Paulo, 29 de
dezembro de 2009, p E2)
A desconstrução mais incisiva e ardente partiu dos comentários de
Soninha, na Folha, ao considerar que Ronaldo estava teatralizando uma disposição em
voltar a jogar futebol, partindo do pressuposto que o cenário competitivo do Campeonato
Paulista não traria nenhuma motivação ao jogador cujo papel no clube seria o de gerar
124
recursos financeiros para si e para o Corinthians. Em coluna de nominação “Feliz 20-09”
(encontrada na íntegra no anexo 14), ela desconstruiu quaisquer tendências às expectativas
positivas que pudessem ser alimentadas:
“Vale tudo pelo marketing ou será que Ronaldo pode estar mesmo a fim de
jogar futebol no Corinthians? ‘Você acha que o Ronaldo não vai jogar nada?’.
‘Acho. A recuperação dele depende muito de motivação. Ele estava sem tesão
na Copa, vai jogar pra burro em Itápolis pelo Campeonato Paulista?’. À noite,
acompanhei mais atentamente o noticiário. Imagens de Ronaldo fazendo
fisioterapia chata, cansativa, dolorida. ‘Hmpf. Estratagema para mostrar que
está disposto’. Em seguida, torcedores do Flamengo queimando as camisas de
‘Fica, Ronaldo’ e meninos batendo em retratos dele. Foi a vez da minha filha se
manifestar: ‘Que ideia ruim para dar às crianças...’” (Folha de S. Paulo, 15 de
dezembro de 2008, p. D4)
Também da Folha, José Geraldo Couto, declarado corintiano,
fundamentou sua enunciação calcada na crítica veemente ao expor sua incredulidade a
respeito de Ronaldo enquanto jogador e ao discorrer que a dimensionalidade da função do
mesmo no clube estaria restrita aos interesses do marketing que seria, no mundo
globalizado, um fim em si mesmo, numa tendência a depreciar a particularidade do futebol
enquanto atividade esportiva, promovendo-a no âmbito econômico enquanto essência
corrente. Sua coluna intitulada “Fenômeno em preto e branco” salientou sob esse ponto de
vista enfático à desconsolidação ratificando que o ganhador com a chegada de Ronaldo
seria o marketing corintiano e não o time de futebol:
“Mas talvez eu, como corintiano escaldado, esteja simplesmente levando uma
série de objeções para me precaver dessa coisa terrível que é a esperança. (‘Peso
mais pesado/não existe não’, já dizia Manuel Bandeira sobre essa palavra tão
usada e abusada)... A coisa mais difícil que existe no mundo, tão difícil quanto
ganhar na Mega-Sena ou descobrir a idade da Hebe Camargo, é conciliar o
‘otimismo da vontade e o pessimismo da razão’, como queria o grande pensador
comunista Antonio Gramsci... O certo é que, num mundo em que, como bem
notou Juca Kfouri, o marketing passou a ser um fim em si, a cartolagem
corintiana conseguiu um grande triunfo, criando o fato que ofuscou neste fim de
ano todos os outros do mundo esportivo. Desse ponto de vista, pouco importa se
Ronaldo vai fazer gols e até mesmo disputar um jogo inteiro pelo Corinthians.
Se entrar em campo para dar o pontapé inicial, rodeado de crianças e
paramentado com um sem-número de logomarcas, a iniciativa já terá valido a
pena, rendendo frutos econômicos e políticos”. (Folha de S. Paulo, 13 de
dezembro de 2008, p. D6)
No mesmo parâmetro, Paulo Vinicius Coelho, colunista da Folha,
considera que o time com Ronaldo não é confiável, pelo motivo de sua funcionalidade
ficar restrita à estratégia do marketing e por sua vida boêmia que desviaria o foco em
125
relação a seu rendimento enquanto atleta. A coluna foi escrita no dia do clássico contra o
Palmeiras, quando Ronaldo marcaria seu primeiro gol pela equipe corintiana. Sugeria ao
leitor-torcedor que não haveria o que se esperar do jogador a não ser retorno financeiro ao
clube:
“Há dois Corinthians diferentes e contraditórios em 2009. Em um deles você
pode confiar. É o Corinthians do trabalho de Mano Menezes, que não perde
32 partidas com o time titular. Nesse período, passou 20 jogos invisto e caiu
apenas contra o América-RN da última rodada da série B, no dia em que
treinador escalou os reservas. Neste ano, são 12 partidas sem derrota. O outro
é o Corinthians do marketing. É o time de Ronaldo, de Andres Sanchez, da
expectativa do patrocínio de R$ 30 milhões, das baladas”. (Folha de S. Paulo, 8
de março de 2009, p. D5)
Outra faceta exploratória no âmbito da desmitificação e desconstrução
da imagem, que se levantou além da questão do marketing, do sobrepeso e da vida boêmia
do jogador, foi a do contrato publicitário de Ronaldo com uma cervejaria nacional. No
comercial ele atrela a sua imagem de guerreiro à do consumidor de cerveja brasileiro, que
como ele teria as prerrogativas da luta por vencer.
O discurso desconstrutivo mais enfático nesse sentido foi o proferido
pelo colunista da Folha José Roberto Torero, que ridicularizou a publicidade brasileira
pela escolha do “garoto-propaganda”, pelo fato de Ronaldo estar acima do peso e, assim,
induzir ao consumidor que cerveja causa obesidade. Além disso, Torero considerou
incompatível e politicamente incorreto que um esportista tenha a sua imagem ligada a uma
propaganda de álcool. A coluna intitulada “Ronaldo, o brahmeiro” acha-se transcrita na
íntegra no anexo 15. Os trechos mais veementes que confirmam desses pressupostos
desconstrutivos seguem abaixo:
“Comparar heroicas voltas de Ronaldo ao futebol com o suor da cerveja é
chamar o espectador de estúpido: “BEBERRAZ leitor, alcoofilista leitora, vocês
viram o comercial do Ronaldo? O comercial da Brahma? Para quem não viu,
faço um resumo: ele aparece driblando vários obstáculos, faz um trocadilho
entre o suor da cerveja e acaba dizendo, com um copo na mão, que é um
“brahmeiro”. Como assim? Um atleta importante fazendo comercial de cerveja?
Ou pior, um atleta ainda gordo, em recuperação, fazendo comercial de cerveja?
Não entendi. E não entendi porque me parece uma propaganda ruim para os
dois. Para a cerveja, porque eu, vendo o comercial, penso: “Poxa, cerveja
engorda pra caramba!”. Para o jogador, porque mostra que ele não é um atleta
sério. É um cara que bebe mesmo ainda estando longe da sua melhor forma...A
publicidade brasileira, que já foi das melhores do mundo, vem piorando nos
últimos anos. Mas, agora, se superou. Acho que pelo menos, para desencargo de
126
consciência, esta nova propaganda deveria vir com um daqueles avisos no final,
algo do tipo: “O Ministério da Saúde adverte: Cerveja dá barriga e faz você
confundir mulher com similares””. (Folha de S. Paulo, 14 de abril de 2009, p.
D4)
No tangente ao caráter desmitificador aqui colocado nos termos que
antagonizam na narrativa ao encantamento com o retorno consagrado de Ronaldo, ressalta-
se que esse cenário ambíguo fora constatado por alguns articulistas dos jornais, ainda que
não corresponda à prática e ao posicionamento corriqueiro dos mesmos.
Alguns deles observaram a falta do reconhecimento da dimensão mítica
representada na figura de Ronaldo e da subestimação à capacidade de superação de
percalços já demonstrada em períodos anteriores.
Identificando essa tendência no círculo midiático e as vicissitudes que
dirigem o foco no âmbito da produção noticiosa, a opinião expressa pelo articulista Daniel
Piza, do Estado, caminha nesse sentido que prevê a desconstrução latente.
“Ronaldo é um dos mais extraordinários atacantes da história. Curiosamente
precisou voltar ao Brasil para deixar de ser tão maldito em seu próprio país
digo, pela opinião “especializada” não pela torcida em geral, que sempre foi
grata a seus gols e títulos”. (O Estado de S. Paulo, 18 de março de 2009, p. E2)
Sob a individualização de referências em abundância implicada na
hegemonia do direcionamento discursivo para a figura de Ronaldo na instância da
personalização, a opinião apregoada pelo articulista José Geraldo Couto, ao referenciar a
racionalidade numérica, empregada como artífice para a precisão e a análise, também
permite evidenciar a descartabilidade cada vez mais instantânea do conteúdo produzido
mediante a estrutura comunicacional. “O noticiário sobre Ronaldo é feito quase de
números: os reais de milhões de salário, as quotas de publicidade, o porcentual de gordura,
os quilos a mais”. (Folha de S. Paulo, 10 de janeiro de 2009, p. D4)
No contexto produtivo dos relatos acerca dos feitos de Ronaldo após seu
retorno aos gramados e às conquistas pelo Corinthians que derrubou as expectativas
127
iniciais, o articulista do Estado Nando Reis expôs através do olho
72
da sua coluna que o
formidável no futebol se faz enaltecer quando advém através da forma individualizada, isto
é, quando surge um protagonista – “A excepcionalidade é justamente a marca mais bela da
força individual”. Publicada sob a nominação “A perfeição dos imperfeitos”, o colunista
confirma o deslumbramento que se formou com a retomada do jogador às conquistas:
“Caíram palmeirenses, caíram são-paulinos, santistas sofreram forte abalo. Mas,
caíram mesmo no ridículo os que não acreditaram na sua capacidade de
recuperação. Depois da última contusão, a trajetória do seu retorno foi
refastelada de percalços de todo o tipo: derrubando falsas premissas, pisando em
grossos calos, descortinando o cinismo macabro dos barqueiros da morte, ele
voltou”. (O Estado de S. Paulo, 30 de abril de 2009, p. E4)
A excpecionalidade também foi um atributo reverenciado pelo colunista
da Folha Juca Kfouri, corintiano, que se rendeu à narrativa do enaltecimento logo após o
primeiro gol de Ronaldo pelo Corinthians.
“Ronaldo foi o melhor. Do mundo três vezes. Do Palmeiras x Corinthians uma
vez. Ontem. Nem o maior dos fãs do Fenômeno poderia esperar um reencontro
dele com o futebol e as redes de forma tão emocionante, decisiva, épica.
Faltando poucos segundos para acabarem os acréscimos do Dérbi, Ronaldo fez
um dos gols mais importantes de uma das mais vitoriosas e impressionantes
carreiras da história do futebol mundial. E foi de cabeça, o ponto fraco do
centroavante, que completou de vez a sua terceira volta por cima. A estreia
contra o Itumbiara, na última quarta-feira deixou dúvidas sobre a real
capacidade de Ronaldo voltar em alto vel. Ontem, ele provou de novo que
realmente é fora-de-série” (Folha de S. Paulo, 9 de março de 2009, p. D1)
Antes dessa partida, o jornalista antecipava na crônica sob título
“Ronaldo pela terceira vez” que a dúvida em relação a seu provável ressurgimento
enquanto jogador não teria razão por existir, dado o seu histórico nesse sentido:
“Para quem errou duas vezes com o Fenômeno, nada como poder torcer para
errar mais uma e ficar feliz: ‘Já ERREI duas vezes em minhas impressões sobre
Ronaldo. Quero errar outra. Na primeira vez, ao lado quase do mundo todo,
menos dele, de Luiz Felipe Scolari, da equipe médica que o acompanhava e dos
eternos otimistas de sempre. Sim, eu duvidava de que ele poderia disputar a
Copa de 2002 e clamava por Romário. Pois, como se sabe muito bem, ele não
a disputou como foi artilheiro, com oito gols, e ainda marcou duas vezes na
finalíssima diante dos alemães. Fenômeno!...Na Copa da Ásia, além do mais,
acabou eleito como o melhor do torneio, algo injusto com Rivaldo, mas justo
com o esforço dele, que participou dos sete jogos. Daí em diante resolvi que
72
Olho é um recurso de edição utilizado para destacar trechos de uma reportagem que se queria enfatizar ou
no intuito de arejar a leitura. (Fonte: Manual da Folha de S. Paulo, 1992, p. 158)
128
nunca mais duvidaria de Ronaldo’”. (Folha de S. Paulo, 8 de março de 2009, p.
D4)
Na essencialidade do reconhecimento da jornada heroica do atleta, o
colunista Marcos Caetano, que quatro dias após o anúncio da contratação conferiu a ela
certeza de se tratar de um estratagema de marketing, opinou com arrebatamento a respeito
dos ciclos vivenciados por Ronaldo. A coluna sob o título “Nova travessia” expõe
metaforicamente a rendição no discurso midiático que outrora colocara em xeque a
probabilidade dessa rota traçada no retorno:
“Ainda que a vida real raramente nos surpreenda com heróis de romance, o
esporte está cheio deles. Dentre tantos, Ronaldo Nazário é um dos que
cumpriram mais vezes a trajetória épica, do fundo do poço aos píncaros da
glória. Nascido em Bento Ribeiro, subúrbio do Rio, ensaiou os primeiros dribles
no Valqueire Tênis Clube clube que, diga-se de passagem, nem possui
quadras de tênis. Recrutado pelo modesto São Cristóvão, foi descoberto por um
empresário que o levou para o Cruzeiro e, daí pra frente, sua vida passou a ser
compartilhada nos menores detalhes por todos nós. O sucesso chegou de forma
avassaladora: antes dos 21, Ronaldo tinha vencido uma Copa, feito brilhante
carreira na Europa, ficado rico, reunido uma legião de fãs e conquistado o título
de melhor do mundo... Quando, no jogo que marcou o retorno da primeira
contusão grave, seu joelho literalmente estourou diante de milhões de olhares
incrédulos, muita gente jurou que ele estava acabado. O Fenômeno não se
entregou. Fez nova cirurgia, trabalhou, esperou. Foi quando Felipão, outro herói
de travessia, apareceu em sua vida. Juntos, brilharam na Copa de 2002. Ronaldo
fez oito gols, dois na final, e se consagrou artilheiro e campeão do mundo. Na
Copa seguinte, em meio ao fracasso do grupo, um recorde pessoal: maior
artilheiro da história das Copas. Até que veio a terceira contusão gravíssima, o
retorno ao Brasil, o ganho de peso, novas confusões e o reaparecimento dos
profetas do final de sua carreira. Era hora de uma nova travessia. E lá foi
Ronaldo. Na reestreia, roliço, boa movimentação. No jogo seguinte, contra o
Palmeiras, o gol que garantiu a invencibilidade do Corinthians no ano. Na
semifinal contra o São Paulo, um passe cinematográfico e um gol ‘vintage’,
numa arrancada do meio do campo, como nos velhos tempos, calando a boca do
dirigente que falou demais (sempre falam demais).” (O Estado de S. Paulo, 25
de abril de 2009, p. E2)
Esse reconhecimento do percurso heroico se fez também através da
construção discursiva mais veemente no sentido da mitificação da crítica especializada
retratada nas palavras de José Roberto Torero, que houvera tecido uma depreciação no
âmbito da campanha publicitária de Ronaldo para uma empresa de cerveja.
Nessa coluna, escrita após o gol do jogador contra o Palmeiras no último
minuto que começara a consagrar seu retorno, Torero pontua a trajetória do atleta como
heroica nos moldes desse trabalho dissertativo e reconhece sua inclinação à completude da
129
ressurreição. Facções textuais dessa crônica estão destacadas a seguir, e a sua versão
completa encontra-se transcrita no anexo 16.
“Creio que uma de suas variantes mais importantes é a do “ressuscitado”. Todos
adoramos personagens que parecem estar liquidados e acabam dando a volta por
cima. Metaforicamente, é como se eles vencessem a morte. E Ronaldo teve
três graves contusões. Recuperar-se uma vez já seria espantoso. Duas vezes, um
milagre. Mas ele está em sua terceira recuperação. Não é à toa que o apelidaram
de Highlander. Quando realmente morrer, o médico-legista, fará exames extras,
porque o cara parece imortal... Acho que Ronaldo consegue se encaixar em
vários personagens que admiramos: menino pobre, garoto prodígio, adolescente
problemático, jovem conquistador, azarado, vencedor, ressuscitado e herói, e
assim une a perfeição e o fracasso, sendo ao mesmo tempo extraordinário e
comum. E, além disso tudo, o cara joga muito”. (Folha de S. Paulo, 10 de
março de 2009, p. D3)
Diante das vicissitudes discursivas, a opinião especializada em geral
também vai ao contexto comportamental da mídia como um todo. Num primeiro momento
de impetuosa desconstrução, e após o retorno aos campos, de glorificação ao poderio
técnico do jogador.
3.3.6 Mitificação no Discurso com a Volta aos Campos
A dinâmica discursiva mudou de tonalidade com a volta de Ronaldo e
sua trajetória vitoriosa até a final do Campeonato Paulista de 2009. Diante das dúvidas
quanto à sua finalidade e seu potencial, o teor foi se moldando ao discurso enaltecedor e
transferiu-lhe o centro de gravidade do seio midiático.
Uma matéria jornalística do Estado como a publicada sob o título
“Ronaldo brilha e marca seu 1º gol: ‘É o que melhor sei fazer’” e linha fina “Atacante entra
aos 18 do tempo e nos acréscimos, salva o Corinthians da derrota” reflete o
enaltecimento quando o jogador marcou seu primeiro gol pelo clube contra o Palmeiras. (9
de março de 2009, p. E1)
Deu-se na mesma essencialidade da reportagem do Estado (anexo 17)
intitulada “Ronaldo garante nova festa corintiana e linha fina Atacante faz gol da virada
sobre o São Caetano: 2 a 1 no Pacaembu” (12 de março de 2009, p. E1)
130
A Folha enaltece o talento nato de Ronaldo em uma reportagem
contemplativa sob a manchete “Ronaldo volta a ser fazedor de gols” (9 de março, p. D1),
ao retratar a glória do primeiro gol marcado com a camisa do clube. Abre a matéria com
ênfase: “Ronaldo foi o melhor” e destaca “Ronaldo fez um dos gols mais importantes de
uma das mais vitoriosas e impressionantes carreiras da história do futebol mundial”.
Inicialmente transfere para uma suposição indireta dos fãs que tal feito não era esperado
que pudesse acontecer: “Nem o maior dos fãs do Fenômeno poderia esperar um reencontro
dele com o bom futebol e as redes de forma tão emocionante, decisiva, épica”, o que
refletia também a própria expectativa do jornal. Mas a assume de forma direta ao fim da
reportagem: “Há pouco mais de um ano e um mês, uma segunda lesão grave de joelho põe
em dúvida a possibilidade de ele voltar a atuar. Sete anos mais velho do que em 2002,
quando ganhou o mundo e assombrou incrédulos, Ronaldo, 32, está de volta”. (Folha de S.
Paulo, 9 de março, p. D1) A reportagem completa encontra-se disposta no anexo 18.
A Folha apontou o entusiasmo comportamental da mídia como um todo
com o primeiro gol marcado na coluna noticiosa de Daniel Castro no caderno de
variedades culturais, a Ilustrada, sob o título “TVs reprisam gol nº.1 de Ronaldo 269
vezes”. Na essência dos jornais referendarem a produção midiática espetacularizada, a
notícia consignou sobre a repetição do gol contra o Palmeiras múltiplas vezes pelos canais
de TV, e na recorrência da racionalidade numérica acentuada, a Folha abordou esse
aspecto salientado a glorificação da mídia de uma forma geral, que ficara restrita não só ao
diário, mas com força sobretudo na televisão:
“O primeiro gol de Ronaldo no Corinthians, marcado contra o Palmeiras, foi
exibido 272 vezes na TV brasileira apenas no dia em que ocorreu, 8 de março.
Foram três aparições em tempo real (na Globo, Band e SporTV) e outras 269
reprises. O gol de Ronaldo foi um fenômeno. Um gol “normal”, como o anotado
por Dentinho no último domingo, contra o Santos, teve 145 exibições. A
cabeçada de Ronaldo ocupou 28 minutos na TV, o dobro da de Dentinho. Os
dados são da Informídia, empresa que mede o retorno da exposição de marcas
na mídia e que tem como clientes TVs, federações e patrocinadores. A Band foi
a emissora que mais reprisou o gol número 1 de Ronaldo no Corinthians. Foram
70 vezes no dia 8, em 7 minutos e 43 segundos. o gol de Dentinho teve “só”
26 reprises. A Globo, que reprisou o gol de Ronaldo até no “Domingão do
Faustão”, mostrou o lance 39 vezes em 3 minutos e 47 segundos. Na emissora,
o gol de Dentinho teve 24 aparições em 1 minuto e 36 segundos. Ao todo, a TV
aberta exibiu Ronaldo 178 vezes, contra 76 de Dentinho. A TV paga mostrou o
gol do Fenômeno 94 vezes, contra 69 de Dentinho. De acordo com a Informídia,
a contratação de Ronaldo aumentou o valor da exposição do Corinthians na TV.
Em janeiro, o time ocupou, somente em reportagens, espaço que valeria R$ 77
131
milhões, 55% a mais do que em janeiro de 2008”. (Folha de S. Paulo, 26 de
março de 2009, p. E10)
No gol em que o jogador encobriu o goleiro Fábio Costa, do Santos, na
primeira partida da final do campeonato estadual, uma reportagem da Folha (no anexo 19)
intitulada “Ronaldo vive dia de Rei, na casa do Rei” ressalta o feito comparado aos de
Pelé. O texto cogita que seja feita uma placa em homenagem ao atleta na Vila Belmiro, da
mesma forma em que fora construída em tributo a Marcelinho Carioca, na época também
jogador do Corinthians, autor de um gol de comparável magnitude de encanto.
Um infográfico do Estado publicado no dia da partida final do
Campeonato faz um comparativo do desempenho do jogador em clássicos desde a época
em que estava no Cruzeiro (anexo 20). E no dia seguinte, o centro dos enfoques foi
Ronaldo, diante da conquista do 26º título do Corinthians na competição, exibindo diversas
imagens do atleta consagrado em ambos os jornais. Na Folha foram publicadas ao todo
seis fotografias e no Estado um total de doze, no âmbito da partida final e da
comemoração, nos moldes do anexo 21.
Hoje as imagens pulsam mediante o caráter imediato e suprem a
imaginação dentro de uma gica atrelada às novas configurações midiáticas. Tentam dar
suporte a um recorte que tem a pretensão de circundar o acontecimento e tal como, nas
finais do campeonato foram publicadas em ambos os veículos um leque considerável de
fotografias ilustrativas dos momentos glorificadores e de euforia por parte dos jogadores
corintianos, em especial de Ronaldo, personalidade midiática lançada à maior evidência
naquele momento.
O gráfico 4 demonstra o número de produções noticiosas de cada período
relacionadas ao jogador na proposição antagônica do discurso desconstrutivo contraposto
ao enfoque mitificador, que na última fase considerada deu a tônica da cobertura
jornalística.
Nos dois primeiros períodos considerados o discurso pendeu à
desconstrução no cerne das vertentes apontadas, enquanto no último ganhou força a
cobertura noticiosa no âmbito da mitificação.
132
Gráfico 4 - Comparação do Número de Matérias nas Vertentes Desconstrutivas em
Relação às Correlatas à Mitificação
Comparativo Quantitativo:
Número de Marias Desconstrutivas x Número de Marias de Enaltecimento
9
10 10
15
6
5
2 2
0 0
30
37
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Folha de S. Paulo O Estado S. Paulo Folha de S. Paulo O Estado S. Paulo Folha de S. Paulo O Estado S. Paulo
10/12/08 - 27/12/08 28/12/08 - 04/03/09 05/03/09 - 04/05/09
Matérias
Matérias Desconstrutivas Matérias de Enaltecimento
Aponta-se para a síntese argumentativa de que a expectativa gerada
inicialmente cedeu mediante as circunstâncias de conquistas do jogador que se impuseram,
assim o tom discursivo também se modificou do tom ácido, impetuoso e veemente no
sentido desmitificador passou-se a um conteúdo noticioso de redenção, de contemplação e
de glorificação, tais como em situações anteriores do afastamento de Ronaldo ao longo da
carreira em face a constituição de textos midiáticos na modulação de aporte para o
surgimento da figura do anti-herói, não como detrator, mas sim, como aquele que não
contemplaria as feições heroicas.
Revelou-se como um jogador que necessita da provação eterna para
mostrar-se heroico. No âmbito dos discursos do período considerado, revelou-se apenas
como uma personalidade midiática de grande pujança, aquela de exploração noticiosa
quase que diária. Ao todo, os jornais focaram a cobertura em relação ao atleta de forma
equiparada - 107 reportagens e notícias da Folha ao todo contra 108 do Estado. O enfoque,
num primeiro momento desconstrutivo em ambos os jornais, é que foi se direcionando - do
tom cético ao enaltecedor no âmbito da carga de envolvimento da mídia.
133
Um olhar crítico para essas emanações do discurso mitológico na dia
necessita acontecer, uma vez que novos olimpianos surgem, ressurgem e são descartados a
cada dia e não sofrem diferenciação entre si, como ídolos, heróis ou celebridades
instantâneas. Consideração seja feita ao universo esportivo, onde a passionalidade
encontra-se intrínseca; também ao meio jornalístico onde se reproduzem aportes
discursivos inerentes à atmosfera própria do futebol.
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Decerto, diante da manipulação do mito pelo poder e do relativismo
cultural devemos injetar dentro de nós mesmos uma visão através da ótica multidisciplinar
como se revela a essencialidade do universo do futebol, bem como uma concepção
analítica e crítica referente à conjuntura dos signos que parte dos rituais midiáticos em
relação a esse contexto ainda apreendido sob a luz da indústria cultural.
Sobretudo porque as narrativas comunicativas, sob uma ampla dimensão,
se impõem no grau subjetivo no plano do inconsciente, abarcando o emocional,
especialmente quando relativas à abordagem de um segmento que por si impõe uma
natureza passional, como é o futebol.
O futebol, como parte constituinte da conjectura social simbólica pode
precipitar mediante sua esfera mágica e contagiante, um estado de alienação ou
emancipação em consonância com constitutivas e dimensionalidades míticas. Na medida
em que “atleta-herói” personifica desejos e anseios da cultura de massas, pensá-lo
enquanto produto midiático espetacularizado e vetor de mediação para as práticas de
consumo revelou-se importante além de vincular as decorrências acerca dos pressupostos à
luz dos conceitos correlativos e de toda a teia de relações e disposições referentes.
Discutiu-se aqui que diante da sede contínua e imutável por novos ícones
dentro do jornalismo esportivo, observa-se uma formação, uma recriação e uma
descartabilidade constantes e por muitas vezes, instantâneas de personalidades midiáticas.
Destaque esse que pode ser comparado ao que era conferido aos mitos da Antiguidade
Clássica.
No caso de Ronaldo, a cobertura jornalística desde seu retorno foi
marcada por dois tipos de enfoques básicos e antagônicos que deu a tônica do conteúdo
veiculado. Num primeiro momento, com o anúncio de sua contratação, o tom assumido foi
o de incredulidade quanto ao seu sucesso no clube e a desconfiança a respeito do seu
poderio técnico e de decisão. A tônica discursiva caminhou para o sentido de que sua
135
estadia no Corinthians corresponderia a uma gestão mercadológica de satisfação aos
anseios estritamente financeiros uma vez que estava atingindo o final da carreira.
Ressalta-se que ao se considerar esse enfoque desconstrutivo, observou-
se um crescimento de espaço no tangente à abordagem de assuntos relacionados à
economia do futebol, em detrimento ao espaço do conteúdo esportivo em si bem como o
uso de dados numéricos atrelados à utilização de recursos gráficos como subprodutos do
avanço das ferramentas tecnológicas.
Além disso, a falta de condicionamento físico do jogador atrelada ao seu
sobrepeso e debilidade física gerada pela lesão que sofrera ainda no Milan, também foram
lançados como indícios de que seu retorno não supriria qualquer boa expectativa de um
bom desempenho dentro dos campos. Enfoque esse do sobrepeso priorizado
principalmente pelo Estado. Assim, a procedência no domínio do discurso se concentrou
na desconstituição daquilo que atingira consolidação ao longo de muito tempo.
Nesse primeiro instante, produziu-se um tom discursivo eufórico quanto
à latente exploração noticiosa que viria a partir de então acerca de um ícone de renome
mundial e glórias alcançadas no futebol, agora na condição de maior proximidade. E não
um entusiasmo quanto à sua probabilidade de retorno à glorificação através de uma
conquista de título ou de capacitação decisiva quanto à marcação de gols importantes, ou
de aparecer nos momentos difíceis do jogo, por exemplo.
Dessa maneira, ao mesmo tempo em que se percebe uma descartabilidade
no âmbito individualizado do ícone esportivo sob a exploração midiática, verifica-se
também a manutenção no sentido dessa ordem relativa ao processo de mitificação.
O segundo enfoque midiático se constituiu à base de sujeição com pautas
que registraram a sua consagração quando do momento em o Corinthians sagrou-se
campeão do campeonato estadual e Ronaldo, o principal goleador da equipe.
Procurou-se ressaltar através deste trabalho que a essência conceitual do
monomito está intrínseca à trajetória de Ronaldo, e nesses termos ela fora negligenciada
136
pela mídia, que a uma constitutiva mítica individualizada a condição de efemeridade. A
possibilidade de um novo ressurgimento foi desconsiderada, o discurso mitológico não
alcançou nenhum eco nesse sentido, o que referenda a hipótese inicial proposta dentro da
demarcação do objeto em questão de que as instancias midiáticas se renderam a uma
conjuntura de conquistas do jogador não prevista inicialmente.
As bases conceituais de ídolo, herói e celebridade não são consideradas
pelo discurso midiático como distintas entre si, o que se revela em termos de abordagem
como uma coisa só. Se o jornalismo está atrelado às variáveis sociais e culturais a
necessidade de repensá-lo sob esse âmbito também, não mediante as perspectivas das
revoluções tecnológicas.
Os descompassos em relação aos enfoques jornalísticos ou publicitários
precisam ser apontados, pois se nas palavras de Campbell, o céu e o inferno estão dentro de
nós, também o estão nas narrativas midiáticas. Os pilares sustentadores dessa ambiguidade
foram aqui levantados e precisam ser considerados.
Os personagens explorados e veiculados pela mídia emanam uma
constitutiva semântica por sua própria natureza dialógica. Assim, a confabulação entre
mito, esporte e jornalismo, norteadora da presente dissertação, faz-se necessário, na
medida em que é indispensável repensar as dinâmicas comunicacionais contemporâneas
sob a ótica dessas três temáticas, uma vez que são narrativas cotidianas.
Muitos ícones sob a face mítica serão construídos, reinscritos e lançados
ao consumo do leitor-torcedor-consumidor mediante a narração dos jogos, as peças
publicitárias, aos comentários de especialistas, as reportagens. Revelam sujeitos
semideuses que vão ao encontro de aspirações das massas e, consequentemente, são
enunciações absorventes do imaginário social e formadoras das significações dentro de um
leque de diferentes níveis de espetáculo permeadores das relações sociais.
de se considerar o contexto que abrange essa tematização e suas
implicações e repensar as hibridizações que se formam através dessas relações, por
137
exemplo, as que vinculam o espetáculo à economia do entretenimento, e consequentemente
ao consumo num cotidiano estetizado e permeado pelo imperativo da visibilidade.
Isso ocorre numa conjuntura em que o processo de comunicação
contemporânea converge para mudanças contínuas, seja na esfera das inovações
tecnológicas em consonância com a emergência das mídias digitais seja na esfera da
própria transformação social em si. Pois através dessas decorrências interconjunturais
percebe-se uma multiplicidade de significados que nos leva a diversas intercalações que
necessitam ser estudadas mediante à formação dessa nova configuração temporal e
espacial.
Assim, através dessa implicação múltipla delineou-se a oportunidade de
construir numerosas interlocuções através desta dissertação, bem como articular os
discursos midiáticos, em seus vários recobrimentos (jornais impressos, televisão, rádio,
revistas, internet) e os estigmas sociais, em suas interfaces com outros campos do
conhecimento. Acontece, dessa forma, a interdisciplinaridade com base em reflexões
teóricas que envolvem o teor central e as ramificações da pesquisa, a considerar que os
fluxos informacionais e relacionais são incessantes.
Dessa maneira, não se pretendeu esgotar a temática e o fenômeno aqui
ponderados e abordados. Ao contrário. Espera-se ter contribuído para futuras reflexões e
que sejam despertadas propensões a outras investigações nesse sentido contempladoras
dessas áreas interconectadas sempre vinculadas a uma emanação atual.
138
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Marx. A indústria cultural: o esclarecimento
como mistificação das massas. In: Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1985.
ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Nobel, 2010.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR6023: informação e
documentação: referência: elaboração. Rio de Janeiro, 2000.
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade.
Campinas: Papirus, 1994.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’água, 1997.
BETING, Mauro. Pago pra Ver. In: BOAS, Sergio Vilas. Formação & informação
esportiva – São Paulo: Sumus, 2005.
BETTI, Mauro. A janela de vidro Esporte, televisão e educação física. Campinas:
Papirus, 1998.
BOAS, Sergio V. Formação & informação esportiva – São Paulo: Sumus, 2005.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. ed. São Paulo: Perspectiva,
1988.
BRANDÃO, Junito de S. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 2000. v.1.
BUCCI, Eugênio. O espetáculo e a mercadoria como signo, in Novaes, Adauto (org.),
Muito Além do Espetáculo. São Paulo: Editora Senac, 2005, p. 218-233.
_______. A fabricação de valor na superindústria do imaginário, in Communicare:
revista de pesquisa / Centro Interdisciplinar de Pesquisa, Faculdade de Comunicação
Cásper Líbero, periodicidade semestral, Edição 2.2 (vol. 2, nº. 2), segundo semestre de
2002. São Paulo: Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, 2002, p. 60.
CALDEIRA, Jorge. Ronaldo - Glória e drama no futebol globalizado. São Paulo: 34
Editora, 2002.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007.
_______. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Economia, sociedade e cultura. 9ª.ed.
atualizada. Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
139
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
CHAPARRO, Manuel C. Linguagem dos conflitos. Coimbra: Minerva Coimbra, 2001.
CHIABAI, Silvia R. Automobilismo: mídia e mito. Pós-Doutoramento: Universidade de
São Paulo, USP, São Paulo, 2007.
COELHO, Paulo V. Jornalismo esportivo. São Paulo: Contexto, 2003. (Coleção
Comunicação).
CONTRERAS, Malena. O mito na mídia: A presença dos conteúdos arcaicos nos meios
de comunicação. São Paulo: Anablume, 2000.
DAMATTA, Roberto. Esporte na sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro. In:
DAMATTA, Roberto (org.). Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de
Janeiro: Pinakotheke, 1982.
_______. A bola corre mais do que os homens : duas copas, treze crônicas e três
ensaios sobre futebol. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
DEBORD, Guy. Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1972.
_______.Mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.
ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.
FOER, Franklin. Como o futebol explica o mundo. Um olhar inesperado sobre a
globalização. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, cultura, sociedade. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
GIGLIO, Sérgio S. Futebol: mitos, ídolos e heróis. 160f. Dissertação (Mestrado em
Educação Física) - Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas,
Campinas (Unicamp), 2007.
GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol: Dimensões Históricas e Socioculturais
do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.
GURGEL, Anderson. Futebol S/A: a economia em campo. São Paulo: Saraiva, 2006.
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
140
HELAL, Ronaldo. Campo dos sonhos: esporte e identidade cultural”, in Comunicação
Movimento e Mídia na Educação Física vol.3, ano 3 - CEFD / Universidade Federal de
Santa Maria, 2000.
_______. As idealizações do sucesso no imaginário brasileiro”, in Logos 10,
Faculdade de Comunicação Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1999.
JUNG, Carl G. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
_______. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
_______. Psicologia do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1990.
LAPLANTINE, François e TRINDADE, Liana. O que é imaginário. São Paulo:
Brasiliense, 1997.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva por uma antropologia do ciberespaço. São
Paulo: Loyola, 1995.
LÉVY-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: Ed. 70, 1985.
MAGNANE, George. Sociologia do esporte. São Paulo: Perspectiva / USP, 1969.
MARQUES, José C. Comunicação e esporte - Diálogos possíveis. São Paulo: Intercom,
2006.
MATTELART, Armant. O carnaval das imagens. São Paulo, Brasiliense, l989.
MORIN, Edgard. Ciência com consciência. Portugal: Publicações Europa-América, 1982.
_______ .Cultura de massas no século XX - Neurose - Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2009.
_______ .O homem e a morte. Portugal: Publicações Europa-America, 1988.
MOSLEY, James. Ronaldo: a jornada de um gênio. Campinas: Verus, 2006.
MULLER, Lutz. O herói. SP: Cultrix, 1997.
PEIRCE, Charles. S. Semiótica e Filosofia. Trad. Octanny S. da Mora e Leônidas
Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. Rio de Janeiro: Contexto, 2005.
PIEPER, Marcélia A. Estudo do jornalismo esportivo impresso brasileiro: Análise dos
cadernos de esporte dos jornais Folha de S.Paulo e o Globo. Relatório Final de
Iniciação Cientifica - Departamento de Comunicação Social, Universidade Federal do
Espírito Santo, Vitória, 2005.
PRONI, Marcelo. W. A metamorfose do futebol. Campinas: Instituto de Economia da
Unicamp/ Fapesp, 2000.
141
RUBIO, Kátia. Atleta contemporâneo e o mito do herói. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2001.
_______. O imaginário esportivo ou seriam heróis os atletas modernos? Rio de
Janeiro: Motus Corporis, v.7, n.2, 2000.
_______. Heróis olímpicos brasileiros. São Paulo: Zouk, 2004.
_______.Aspectos do mito do herói na constituição do imaginário esportivo
contemporâneo. In: Imaginário e Representações Sociais em Educação Física, Esporte e
Lazer. 1ª ed. Rio de Janeiro: Gama Filho, 2001.
SCARDUELLI, Paulo. Ayrton Senna - Herói da mídia. São Paulo: Brasiliense, 1995.
SILVA, Carlos Eduardo L. da. Mil dias: os bastidores da revolução em um grande
jornal. São Paulo: Trajetória cultural, 1988.
SEIXAS, Lia. Gêneros jornalísticos digitais: um estudo das práticas discursivas no
ambiente digital. São Bernardo do Campo: Cd-Rom da Compôs, 2003.
SEVERINO, Antônio J. Metodologia do trabalho científico. 23ª ed. São Paulo: Cortez,
2007.
SILVEIRA, Nise. Jung: Vida e obra. São Paulo: Paz e Terra: 2008.
SOUSA, Jorge P. Teorias da notícia e do Jornalismo. Porto: Editora Argos, 2002.
TÁVOLA. Artur. Comunicação é mito. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1985.
TRAQUINA, Nelson. O paradigma do agenda setting: redescoberta do poder do
jornalismo. In: Revista de comunicação e linguagem. Lisboa: Cosmos, 1995 (p. 180- 200).
VEJA, Revista. São Paulo: Editora Abril, ed.2156, 17 de março de 2010.
VEJA, Revista. São Paulo: Editora Abril, ed.2124, 5 de agosto de 2009.
VEJA ONLINE. São Paulo: Editora Abril, 26 de janeiro de 1983. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/250603/garrincha.html. Acesso em: 3 de agosto de
2009.
WITTER, José S. O que é futebol. São Paulo: Brasiliense, 1990.
_______.Breve história do futebol brasileiro. São Paulo: FTD, 1996.
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
142
ANEXO 1 Reportagem da Folha “Corinthians traz Ronaldo para vender” abordando a
contratação do jogador como estratagema de marketing
Fonte: Folha de S. Paulo, 10 de dezembro de 2009, p. D1.
143
ANEXO 2 Infográfico do Estado similar à racionalidade numérica do recurso gráfico da
Folha exposto no anexo anterior enfatizando a estratégia de marketing
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 2009, p. E6.
144
ANEXO 3 Notícia do Estado intitulada “Atacante não deverá ter regalias” abordando a
contratação como estratégia mercadológica
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10 de dezembro de 2009, p. E3.
145
ANEXO 4 Reportagem do Estado “Corinthians à esperada de Ronaldo. E de dinheiro”
abordando a temática estratégia de marketing
Fonte: O Estado de S. Paulo, 2 de fevereiro de 2009, p. E1.
146
ANEXO 5 – Reportagem da Folha “Astro globaliza time, dizem especialistas” discorrendo
sobre a contratação como estratagema de marketing
Fonte: Folha de S. Paulo, 10 de dezembro de 2008, p. D6.
147
ANEXO 6 – Notícia do Estado “Ronaldo perdeu 2 quilos e ainda está longe do peso ideal”
abordando a temática sobrepeso
Fonte: O Estado de S. Paulo, 8 de janeiro de 2009, p. E2.
148
ANEXO 7 Reportagem do Estado “Ronaldo treina firma e depois entra no gelo”
abordando a temática condicionamento físico
Fonte: O Estado de S. Paulo, 7 de janeiro de 2009, p. E1.
149
ANEXO 8 Notícia do Estado “Ronaldo fica mais à vontade entre amigos” abordando a
temática sobrepeso
Fonte: O Estado de S. Paulo, 15 de janeiro de 2009, p. E1.
150
ANEXO 9 – Infográfico do Estado “Time de especialistas trabalha duro e põe Ronaldo em
ação” abordando o condicionamento físico
Fonte: O Estado de S. Paulo, 7 de março de 2009, p. E2.
151
ANEXO 10 Reportagem da Folha “Em ‘forma’, Ronaldo vai destoar” discorrendo sobre
o sobrepeso
Fonte: Folha de S. Paulo, 29 de dezembro de 2008, p. D1.
152
ANEXO 11 Notícia do Estado “‘Acima do peso é perigoso. No peso, impossível’”
abordando o assunto sobrepeso
Fonte: O Estado de S. Paulo, 9 de março de 2009, p. E3.
153
ANEXO 12 – Reportagem do Estado “Astro chega ao clube como Garrinha em 66”
comparando a contratação de Ronaldo à de Garrinha
Fonte: O Estado de São Paulo, 10 de dezembro de 2009, p. E3.
“Muitos torcedores nem se lembram, mas
não é a primeira vez que o Corinthians
contrata um craque em final de carreira e se
recuperando de lesões. Em 1966, também em
início de temporada, o clube anunciou o
reforço de Mané Garrincha, o genial ponta-
direita que encantou o mundo nas Copas de
1958 e 62 e que eternizou a camisa 7 do
Botafogo. Coincidentemente, Garrincha
chegou ao clube aos 32 anos. Sua passagem,
porém, não foi das melhores... O dirigente
garante, porém, que o marketing o
justifica contratações deste tipo. “O que
define a passagem de um jogador pelo clube
é se ele vai jogar bem ou não. O marketing
um retorno imediato, mas termina a partir
do momento em que o jogador não consegue
render um bom futebol. ””
154
ANEXO 13 – Coluna de Marcos Caetano no Estado abordando a contratação como
estratagema de marketing
Fonte: O Estado de S. Paulo, 13 de dezembro de 2008, p. E2.
155
ANEXO 14 Coluna de Soninha na Folha analisando a contratação como estratégia de
marketing
Fonte: Folha de S. Paulo, 15 de dezembro de 2008, p. D4.
156
ANEXO 15Coluna de José Roberto Torero na Folha discorrendo sobre a propaganda de
cerveja protagonizada por Ronaldo
Fonte: Folha de S. Paulo, 14 de abril de 2009, p. D4.
157
ANEXO 16 – Transcrição da coluna de José Roberto Torero na Folha abordando a
temática da jornada heroica
Opinião – José Roberto Torero – Por que Ronaldo é tão amado?
Não é à toa que o chamam de Highlander. Quando morrer, o legista fará exames extras,
pois o cara parece imortal: “ACHO QUE a resposta é: porque ele encarna vários
personagens dos quais gostamos.
Para começar, teve uma infância pobre, o que de cara provoca uma certa empatia. Nada
como o sofrimento infantil para gerar carinho pelo personagem.
Mas ele não foi o menino pobre. Foi também garoto prodígio, como Pelé, Mickey
Rooney, Robinho, Macaulay Culkin, Zico, Neymar e Robin (o do Batman). Eles unem a
genialidade à singeleza infantil. E Ronaldo, campeão do mundo aos 17 anos, conseguiu ser
um menino prodígio. Ele tornou-se um caçulinha pé-quente, uma espécie de mascote da
seleção. Aliás, com os eternos dentões, ele consegue manter um tanto desta aura até hoje.
Ronaldo também se encaixa no “adolescente-que-apronta”, tipo que não exatamente
admiramos, mas com o qual temos uma grande identificação. O fato de ele fumar, beber, ir
a boates, ser pego com travestis etc torna-o meio trapalhão, tira-o do Olimpo e faz com que
ele pareça mais humano.
Ele ainda pode ser classificado no arquétipo de “comedor”, de “don juan”. Não pelas
várias mulheres que passaram por sua biografia, mas principalmente pelos seus dois
casamentos. Primeiro, foi Milene, uma menina bonita, simpática e que jogava futebol, o
sonho de vários marmanjos. E depois houve a história com Daniella Cicarelli, na época, o
maior símbolo sexual do país. Ou seja, muitos homens tiveram identificação projetiva com
Ronaldo.
Outra faceta importante é a de “homem de sucesso”. Ele jogou pelos dois maiores times da
Espanha e pelos dois maiores da Itália. Ganhou três vezes o título de melhor do mundo, foi
artilheiro da Copa de 2002, é o maior artilheiro da história das Copas... Ao lado disso, teve
um ataque sei-lá-o-quê na final 1998. Ou seja, Ronaldo consegue temperar um lado gauche
com um lado vitorioso.
Creio que uma de suas variantes mais importantes é a do “ressuscitado”. Todos adoramos
personagens que parecem estar liquidados e acabam dando a volta por cima.
Metaforicamente, é como se eles vencessem a morte. E Ronaldo já teve três graves
contusões. Recuperar-se uma vez seria espantoso. Duas vezes, um milagre. Mas ele está
em sua terceira recuperação. Não é à toa que o apelidaram de Highlander. Quando
realmente morrer, o médico-legista, fará exames extras, por que o cara parece imortal.
Mas o mais importante é que ele se encaixa no arquétipo de herói. Principalmente por
conta da Copa-2002. Aquele foi o grande momento de sua carreira. Ele ergueu-se das
cinzas e fez oito gols em sete jogos. Sem falar que marcou os dois gols na final conta a
Alemanha. Simbolicamente, é como se a Copa tivesse sido vencida por ele, assim como
Romário teria conquistado a de 94, Pelé a de 58 e Garrincha, a de 62.
Em resumo, acho que Ronaldo consegue se encaixar em vários personagens que
admiramos: menino pobre, garoto prodígio, adolescente problemático, jovem conquistador,
azarado, vencedor, ressuscitado e herói, e assim une a perfeição e o fracasso, sendo ao
mesmo tempo extraordinário e comum. E, além disso tudo, o cara joga muito”. (Folha de
S. Paulo, 10 de março de 2009, p. D3)
158
ANEXO 17Reportagem do Estado “Ronaldo garante nova festa corintiana” enaltecendo
o gol do jogador
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12 de março de 2009, p. E1.
159
ANEXO 18 – Reportagem da Folha “Ronaldo volta a ser fazedor de gols” enaltecendo o
talento do jogador
Fonte: Folha de S. Paulo, 9 de março de 2009, p. D1.
160
ANEXO 19 – Reportagem da Folha “Ronaldo vive dia de rei, na casa do Rei” enaltecendo
o gol de jogador
Fonte: Folha de S. Paulo, 27 de abril de 2009, p. D3.
161
ANEXO 20 Infográfico do Estado salientando o desempenho de Ronaldo em clássicos
ao longo da carreira
Fonte: Folha de S. Paulo, 3 de maio de 2009, p. D6.
162
ANEXO 21 Fotos da Folha revelando alguns momentos de Ronaldo na partida final do
Campeonato Paulista
Fonte: Folha de S. Paulo, 4 de maio de 2009, p. D6.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo