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Unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
KLEBER TÜXEN CARNEIRO
O JOGO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: uma
análise sobre as concepções atuais dos professores
UNESP⁄FCLAR
Araraquara – SP – 2009
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KLEBER TÜXEN CARNEIRO
O JOGO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: uma
análise sobre as concepções atuais dos professores
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Ciências e Letras
Unesp/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Mestre em
Educação Escolar
Linha de pesquisa:
Contribuições Psicológicas do
Trabalho Educativo.
Orientador:
Prof. Dr. Ricardo Leite Camargo
UNESP⁄FCLAR
Araraquara – SP – 2009
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COMISSÃO JULGADORA
____________________________
Prof. Dr. Ricardo Leite Camargo (Orientador)
____________________________
Prof. Dr. Alcides José Scaglia
____________________________
Prof.ª Dra. Orly Zucatto Mantovani de Assis
Aprovada em
_____________________________
UNESP⁄FCLAR
Araraquara – SP – 2009
DEDICATÓRIA
Ofereço este trabalho
A Deus, que em sua magnífica bondade concedeu-me condições para realizá-lo e, em
muitos momentos, fez da aridez de um deserto um manancial de vida!
À minha esposa Fernanda, que superabundou amor, paciência e generosidade para
compreender minhas constantes angústias e ausência. Obrigado.
Ao meu bem mais precioso: Beatriz. Bia, você é o sonho que o papai nunca soube
sonhar!
A meus pais (Sônia e Aparecido), principais orientadores no ‘jogo’ da vida.
A Kátia e Karina, minhas irmãs. Ainda me recordo (trago ao coração) de nossa
infância, com saudade. Quando brincávamos, o imaginário dava lugar à criatividade e
ao jogar... Era o que mais sabíamos fazer.
AGRADECIMENTOS
Eu agradeço:
Agradecer deveria ser uma tarefa simples se as palavras conseguissem ser fiéis
aos sentimentos que estão dentro de nós. Essa fidelidade somente os poetas
conseguem. Para mim, portanto, torna-se muito difícil este desafio.
Foram muitas as pessoas que me ajudaram de formas diferentes; sem elas, este
trabalho provavelmente jamais seria realizado.
Quero agradecer ao Deus criador e mantenedor da vida!
dois tipos de orientador: o que brilhantemente orienta um trabalho
acadêmico e o que, além de orientar de forma brilhante o desenvolvimento do
trabalho, orienta para a vida, acolhe, aconselha, pega na mão, mostra o caminho,
chama a atenção, mas, acima de tudo, sabe chorar junto no momento de aflição.
A você, Professor Ricardo, o meu mais profundo agradecimento por sua
bondade, generosidade, acolhimento e confiança. Você é um visionário, capaz
de enxergar para além das aparências! Muito Obrigado!
A Professora Orly, por sua generosidade em aceitar fazer parte da comissão
julgadora. Sinto-me de alguma forma seu ‘neto acadêmico’
À Professora Maria Lúcia de Oliveira (Lucinha), obrigado inicialmente por
aceitar fazer parte da comissão julgadora (banca), mas acima de tudo por me
permitir encontrar em sua narrativa um sentido vocacional. Sua varinha mágica
(as palavras) tem transformado muito ‘sapo’ em professor. Obrigado com
admiração.
Ao amigo e Professor Alcides Scaglia, por aceitar o convite para fazer parte da
comissão julgadora (banca) e por sempre ter acreditado e me incentivado. Sua
paixão pelo magistério é contagiante.
Agradeço também a duas pessoas muito especiais: Maurício e Eliasaf. Dividir
este período com vocês foi um privilégio. Não poderia deixar de ressaltar, o
ótimo trabalho de revisão do texto desenvolvido pelo Mauricio. Vocês são
admiráveis! Destaco ainda os amigos Adriana, Samara, Mari e Biajoli.
Aos professores que participaram das entrevistas, concedendo generosamente
seu tempo e sua experiência, muito obrigado!
A todos os Funcionários e Professores da Unesp⁄Fclar, muito bem representados
na pessoa de Fernando Surian.
Ao programa Bolsa Mestrado”, por conceder auxílio financeiro para a
execução do trabalho.
RESUMO
RESUMO
Neste trabalho buscamos conhecer as concepções dos professores sobre o papel
da Educação Física no ambiente escolar e também sobre seu entendimento do
potencial pedagógico existente no jogo. Logo esta pesquisa tem como ponto
central avaliar as crenças e concepções dos professores de Educação Física
Escolar quanto: (a) ao papel dessa disciplina na formação do educando; (b) ao
papel do jogo no espaço do ambiente escolar; (c) ao papel do jogo na Educação
Física Escolar.
Considerando também que historicamente as concepções sobre esses elementos
sofreram alterações, interessa-nos saber se as concepções atuais revelam um
vínculo com concepções historicamente construídas e pretensamente superadas.
Assim buscamos identificar, através das narrativas dos 10 professores
participantes da presente pesquisa, em quais momentos essas concepções sobre
o objetivo da Educação Física na escola e também sobre o potencial pedagógico
existente no jogo encontraram lugar de preeminência: se na infância, se no
processo de escolarização, se em sua formação profissional ou se na prática
pedagógica.
Respaldado por um referencial teórico que contempla a complexa e densa teoria
do jogo, este trabalho posteriormente identifica os principais movimentos e
correntes pedagógicas que influenciam a Educação Física no Brasil,
estabelecendo um diálogo entre este referencial e os resultados obtidos na
análise da pesquisa qualitativa por nós empreendida.
É neste cenário’ que se configura o presente trabalho, cujo objetivo é trazer
reflexões e inquietações para esta área do conhecimento humano que tem se
mostrado tão resistente e cética a mudanças ao longo da história.
Palavras Chaves: Educação, Educação Física, Jogo, Lúdico é Prática
Pedagógica
ABSTRACT
ABSTRACT
In this work we seek to find out teachers’ conceptions about the role of Physical
Education (P.E.) in the school environment and their understanding on games
pedagogical potential. Therefore, the central points of this research is to evaluate
the beliefs and conceptions of school P.E. teachers concerning to: (a) the role of
P.E. in the pupil’s development; (b) the role of games in the school
environment; (c) the role of games in the school P. E..
Considering that throughout history these conceptions have been altered, we are
interested to know if the current conceptions disclose a link with conceptions
historically constructed and supposedly surpassed.
Through the narratives of 10 teachers who took part of the present research we
seek to identify the moments in which these conceptions about the objective of
school P. E. and about the existing pedagogical potential of games become
preeminent: if in its infancy, if in the school education process, if in its the
professional formation or if in the pedagogical practice.
Endorsed by a theoretical reference that contemplates the complex and dense
theory of games, this work later identifies to the main movements and
pedagogical streams that influence the P.E. in Brazil, establishing a dialogue
between this reference and the results acquired in the analysis of the qualitative
research undertaken by us.
This is the background of this work. Its objective is to bring reflections and spur
on this area of the human knowledge which has shown so resistant and skeptical
to the changes throughout history.
Palavras Chaves: Education, Physical Education, Game
SUMÁRIO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................
01
I. O JOGO......................................................................................................................
07
1.1. O jogo: o encontro do jogo em minha história pessoal.....................................
07
1.2. O jogo: as variações do termo jogo ao longo da história.................................. 09
1.3. O jogo: a busca de uma definição..................................................................... 16
1.4. As abordagens sobre as categorias (tipos) de jogo............................................
22
1.5. O jogo e suas características..............................................................................
24
1.6. As manifestações subjetivas na compreensão do jogo......................................
32
II. A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR........................................................................
39
2.1 A história da Educação Física no Brasil.............................................................
39
2.2 As Principais Correntes Teóricas da Educação Física no Brasil........................
46
III. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA.............................................. 54
3.1. Objetivo Geral...................................................................................................
54
3.2. Objetivo Específico............................................................................................
54
3.3. Local...................................................................................................................
56
3.4. Participantes.......................................................................................................
56
3.5. Procedimentos....................................................................................................
56
3.6. Instrumentos.......................................................................................................
57
3.7. Método............................................................................................................... 58
3.8. Categoria de Análise .........................................................................................
58
IV. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS.......................................
60
1. Os professores entrevistados...............................................................................
62
2. O espaço do jogo na infância dos docentes.........................................................
69
3. O espaço do jogo na escolarização dos docentes................................................
79
4. O espaço do jogo na formação profissional/acadêmica......................................
87
5. O espaço d
o jogo na prática pedagógica dos professores de Educação Física...
94
A propósito de uma síntese: o jogo, da infância à prática pedagógica.....................
106
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
112
5.1 O Jogo na Educação: apologia, limites e ausência........................................................
112
5.2 O Jogo Trabalho: uma alternativa possível entre o jogo livre e o jogo funcional........
115
5.3 A Travessia: é tempo de mudança................................................................................
119
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................
124
Anexo I (Roteiro de Entrevista )....................................................................................
--
Anexo II (Síntese Quantitativa da Pesquisa)..................................................................
--
Apêndice I (Protocolos Completos)...............................................................................
--
Apêndice II (Acervo Bibliográfico Auxiliar).................................................................
--
LISTA DE FIGURAS
GRÁFICO 1 – Nível de escolarização dos participantes..................................
63
GRÁFICO 2 – Jornada de trabalho dos Entrevistados......................................
67
GRÁFICO 3 – Literaturas sobre o tema jogo, lidas pelos pesquisados............
92
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Tempo de Magistério dos Participantes..................................
64
QUADRO 2 - – Quem somos?.......................................................................
68
QUADRO 3
Disciplinas que abordavam o jogo e seus aspectos
pedagógicos.
90
QUADRO 4 – As definições/características do jogo segundo os docentes....
97
QUADRO 5 – A importância da Educação Física Escolar.............................
99
QUADRO 6 Principais b
enefícios encontrados através da Educação
Física
100
QUADRO 7 – A Educação Física de ontem e hoje: diferenças......................
102
QUADRO 8 – Conteúdos da Educação Física................................................
104
Porque se chamavam homens,
também se chamavam sonhos, e
sonhos não envelhecem.
Borges, Márcio Borges, Milton
Nascimento
INTRODUÇÃO
Introdução
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
1
Introdução
É preciso mais que um conhecimento metódico
de técnicas de aulas para formar um educador,
seja na sala de aula, seja no pátio de Educação
Física. Uma relação educativa pressupõe o
conhecimento de sentimentos próprios e
alheios.
João Batista Freire
Nosso interesse pelo tema presente nesta pesquisa não é recente e está relacionado a
outros estudos por nós empreendidos, como por exemplo: o Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC), que versava sobre “O jogo/brincadeira como elemento pedagógico no sistema
prisional”
1
, entre outros.
naquela ocasião, embora constatássemos o potencial pedagógico presente no jogo,
víamos igualmente que muitos profissionais da Educação mantinham um distanciamento dele
e de sua inclusão na prática pedagógica. Observávamos, inclusive, a má apropriação por parte
da Educação Física quando lançava mão do jogo.
Desde então temos nos perguntado sobre os motivos que levam a Educação Física a
distanciar-se de ações pedagógicas formativas no desenvolvimento de suas atividades e por
que o jogo, embora presente no ambiente escolar, ainda ocupa um lugar periférico e distante
de ser considerado um elemento favorecedor do desenvolvimento e da aprendizagem dos
alunos.
Cabe ressaltar que mesmo quando tratamos da Educação Física – que tem como
“carro-chefe” o jogo, como o afirmam Freire & Scaglia (2003) –, também há uma ausência do
verdadeiro jogo. Preferem-se ações didáticas que levem os alunos à reprodução de gestos
estereotipados e desprovidos de significado.
Desse modo intensifica-se a necessidade de buscar as raízes que podem responder por
esse “desconhecimento” ou “distanciamento” do uso do jogo no ambiente escolar. É este o
panorama que circunscreve as indagações deste trabalho. Embora as pesquisas propaguem a
importância do jogo, com igual intensidade ele é desconhecido e pouco presente e, em muitos
casos, visto como elemento “pernicioso”.
1
Por ocasião deste trabalho pudemos observar a importância do jogo para a intervenção pedagógica, inclusive
aquela que ocorre para além dos muros escolares.
Introdução
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
2
Assim nossos esforços têm como ponto central conhecer as crenças e concepções
dos professores de Educação Física Escolar quanto: (a) ao papel dessa disciplina na
formação do educando; (b) ao papel do jogo no espaço ambiente escolar; (c) ao papel do
jogo na Educação Física Escolar.
Considerando também que historicamente as concepções sobre esses elementos
sofreram alterações, interessa-nos saber se as concepções atuais revelam um nculo com
concepções anteriores e pretensamente superadas.
Portanto buscamos identificar, através das narrativas dos professores participantes da
presente pesquisa, em quais momentos a construção das concepções e crenças dos professores
acerca do objetivo da Educação Física na escola e também do potencial pedagógico existente
no jogo encontraram lugar de preeminência: se na infância, se no processo de escolarização,
se em sua formação profissional ou se em sua prática pedagógica docente.
Cabe ressaltar que as concepções e crenças podem se traduzir em uma prática
diferenciada da comumente observada, na qual a Educação Física encontraria valorização
formativa, e o jogo assumiria um espaço significativo no fazer pedagógico. Para tanto,
consideramos necessário empreender um aprofundamento sobre dois temas básicos: o jogo e a
Educação Física no ambiente escolar.
Portanto no primeiro capítulo deste trabalho apresentamos os elementos básicos que
compõem a densa e complexa teoria do jogo. Ao adentrarmos neste campo de estudo,
defrontamo-nos com a advertência:
“[...] a tarefa de pesquisar o jogo é gigantesca e excedeu as
possibilidades de investigação de vários autores.” (FREIRE, 2002, p.5).
De fato, o jogo sempre impulsionou muitas pesquisas no universo científico e em áreas
diversas de conhecimento (Antropologia, Psicologia, Educação Física, Sociologia etc),
entretanto parece-nos que o jogo guarda um mistério, o qual é mencionado por Freire (2002):
[...] qual o segredo do jogo? O que tem o jogo, na sua mais profunda
intimidade, que deixa os pesquisadores a meio do caminho, como se
caminhassem ao longo de uma profundíssima caverna, cuja luz fosse
desaparecendo quanto mais fundo a penetrassem?
(FREIRE, 2002, p.6)
Esse mesmo autor, em sua obra “O jogo: entre o riso e o choro”, apresenta um ensaio
sobre as dificuldades que estão para além de sua definição, as dificuldades de acolhê-lo no
Introdução
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3
contexto escolar. Freire menciona a dificuldade comumente encontrada de se “aceitar” a
manifestação do jogo, quer no ambiente escolar, quer em outro.
[...] não é a escola que se assusta com a atividade lúdica dos alunos, os
pais também se descontrolam muitas vezes diante da compulsão por brincar
de seus filhos. Portanto, não esperemos que a escola, em sua estrutura atual,
contemple com boa vontade a idéia de acolher o jogo, ou como conteúdo de
ensino, ou como recurso pedagógico educacional
. (FREIRE, 2002, p.77)
Aproximando-nos mais da especificidade do presente trabalho, passamos a refletir no
segundo capítulo sobre outro importantíssimo elemento de nossa inquietação, o espaço
escolar, e, em especial, aquele ocupado pela Educação Física na formação do educando.
Nessa seção apresentamos a historicidade dessa disciplina, conhecendo seus principais
movimentos e as principais correntes pedagógicas que constituem essa área.
Ao questionarmos o papel da Educação Física na formação do educando,
necessariamente buscaremos entender a que se propõe a própria Educação Física, para o que
buscamos em Soares et all (1992) um suporte teórico de sustentação. De acordo com esses
autores, questionar a identidade da Educação Física faz sentido se estivermos empenhados
em sua transformação.
[...] perguntar o que é Educação Física só faz sentido quando a preocupação
é compreender essa prática para transformá-la. (...) a Educação Física é uma
prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades
expressivas corporais como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas
que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura
corporal. (Idem, p.50)
Para esses autores, a Educação Física apresentou-se com diferentes “fases” durante a
sua história (como descrevemos no terceiro capítulo), e isso se deve aos interesses a ela
atrelados:
[...] práticas pedagógicas como a Educação sica foram pensadas e postas
em ação, uma vez que correspondiam aos interesses da classe hegemônica
naquele período histórico, ou seja, a classe social que dirige política,
intelectual e moralmente a nova sociedade. (Idem, p. 51)
De igual forma, encontramos também em Daolio (2003) a ênfase no processo de
construção e reconstrução não da identidade da Educação Física, mas igualmente de sua
Introdução
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
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expressão por meio de seus profissionais que, de maneira mais ou menos consciente, aderem a
suas concepções e representações:
[...] compreende-se que a própria idéia de Educação Física é uma
construção social, tal como a noção do corpo que ela difunde por intermédio
de seus profissionais. [...] Assim, o trabalho dos professores de Educação
Física está ancorado em um conjunto de representações sobre a própria área
que extrapola as opiniões do grupo, perpassando toda a instituição
educacional. (DAOLIO, 2003, p. 53)
Por fim cabe ainda ressaltar que as transformações conceituais nem sempre são
acompanhadas de mudanças nas práticas pedagógicas, sendo o inverso também verdadeiro.
Nesse sentido, faz se necessário conhecer as crenças e concepções dos professores, mas, para
além de seus discursos, conhecer também as suas práticas, observando se elas evidenciam a
mesma “tonalidade” do discurso.
[...] se por um lado existe um discurso dos professores que, em alguns
momentos, é transformador e crítico, por outro lado, a lógica de sua prática
ainda se mostra arraigada a determinados valores que poderiam ser
considerados, precipitadamente, como superados. É desta forma que a
história da Educação Física no Brasil nos base para entender como os
professores reproduzem no cotidiano ideais e valores passados, como a
higiene e a eugenia do século XIX, o militarismo nacionalista do Estado
Novo, o modelo esportivo característico do recente governo militar. Porém,
ao reproduzir esses ideais passados, eles atualizam, na experiência presente,
esses valores, atribuindo-lhes novos significados. A história da Educação
Física no Brasil, para além da somatória de elementos responsáveis pela
produção e reprodução de determinados comportamentos nos professores,
foi influenciando a construção de um imaginário social referente ao corpo,
que se expressa no conjunto das ações e representações da área até os dias
de hoje. (DAOLIO, 2003, p.56)
Como se observa, toda a história da Educação Física tem em comum com a de outras
disciplinas o fato de ser permeada por discursos e concepções que acabam por influir e até
mesmo determinar a ação pedagógica.
Assim sendo, entende-se que existe uma dinâmica de dupla influência entre as
concepções e a ação pedagógica. Ou seja, a ação pedagógica nasce das crenças e concepções
ao mesmo tempo em que as propagam. Portanto identificar o processo de construção dessas
concepções é de vital importância para possíveis intervenções. Esse é um dos principais
objetivos desta pesquisa.
Introdução
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
5
Dedicamos o terceiro capítulo para descrever os aspectos metodológicos do trabalho e
apresentar todo o ‘caminho’ percorrido desde as ações iniciais, os objetivos, hipótese, o
método até o local e o público-alvo presente no trabalho.
Como quarto elemento apresentamos a análise dos dados apontados pela pesquisa.
Através das informações encontradas, encetamos um diálogo com todo o referencial teórico
descrito ao longo do trabalho.
Finalizando temos as considerações finais do trabalho. Esta foi organizada em 3
tópicos: o jogo na educação: apologia, limites e ausência; o jogo trabalho: uma alternativa
possível entre o jogo livre e o jogo funcional e; travessia.
Finalizamos, ou melhor dizendo, iniciamos afirmando que as crenças e concepções
dos professores sobre o papel da Educação Física e do jogo podem influir na prática
pedagógica e, simultaneamente, serem por ela reproduzidas. De tal maneira que a reprodução
inconsciente não conduz a uma prática transformadora ou, nas palavras de Paulo Freire, à
práxis transformadora. Gadotti, (1996)
UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
O JOGO
Cap. I O Jogo
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7
Capítulo I O Jogo
Nós somos a saudade da nossa infância
Cecília Meireles
1.1 O encontro com o jogo em minha história pessoal
Eu nasci na cidade de Sumaré, interior do Estado de São Paulo, em uma família
muito simples. Minha mãe era manicure, e meu pai, vendedor de eletroeletrônicos nas extintas
lojas Líder. Sou o filho do meio, tenho duas irmãs.
na minha primeira infância, mudamos para um bairro chamado Chácara Monte
Alegre, local basicamente “fundado” por imigrantes vindos da Letônia e constituído quase
que totalmente por chácaras.
Éramos vizinhos dos Srs. Peter Bergma e Alaíde Bergma, um casal de Letos
com idade avançada, mas que nos acolhiam como a filhos e netos. O bairro, apesar de não
possuir nenhuma infraestrutura (ausência de saneamento básico e de iluminação elétrica nas
ruas e precário sistema de transporte público), contava com um espaço muito rico em
diversidade natural (rio, represas, matas etc.) e cultura popular.
2
Recordo-me das apetitosas receitas de dona Alaíde e da sopa doce (que até hoje
não descobri de que era feita) de seu Pepe (era como chamávamos o Sr. Peter). Com o passar
dos anos, infelizmente seu Pepe veio a falecer, e dona Alaíde foi viver com sua filha única em
Porto Alegre, RS. Desde então, passamos a morar na antiga casa desse estimado casal.
Comprávamos leite da fazenda do Sr. Adílson, localizada duas ruas depois da de
nossa casa. Era eu quem sempre buscava o leite recém-tirado. Ah, que saudade dos pés de
amora. Embora todo pintado pela fruta, voltava inebriado por seu gosto inconfundível. Mas,
de todos, o pé de jambo sempre foi o meu favorito; que deleite para o paladar!
Peculiar e engraçado era o fato de que saía de casa para buscar leite e, por vezes,
retornava sem ele: ou porque as vacas não tinham produzido a quantidade suficiente para
todos os clientes ou porque, tomado pelo desejo de brincar (jogo), muitas vezes a leiteira
virava, e todo o leite se derramava. Não foram poucas as vezes em que isso aconteceu!
Como o bairro era constituído em sua maior parte por chácaras, o mero de
moradores era muito pequeno: cerca de trinta famílias, no máximo, logo eram poucas as
crianças nas redondezas. Entretanto a pequena quantidade tinha uma compensação: éramos
intensos quanto ao brincar, fazer traquinagens e barulho.
Cap. I O Jogo
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
8
A riqueza natural encontrada no local possibilitava variados tipos de brincadeiras:
nadar em rio, pescar, caçar animais, fazer piqueniques em meio à natureza, fazer travessias
utilizando cipós, desbravar cachoeiras’, entre outras. Com relativa frequência, o jogo
simbólico transformava-nos em Tarzan.
As poucas ruas do bairro mudavam-se em ‘palcos’ de grandes jogos de queimada,
pique-bandeira, alerta, golzinho, acrobacias com bicicletas, polícia-e-ladrão, rebatida. Sem
dúvida, de todas essas, o esconde-esconde era a atividade mais divertida, pois a quantidade de
lugares que o bairro oferecia era gigantesca. Muitas outras brincadeiras tinham vez, mas
escolho aqui não mencioná-las, uma vez que os limites do texto não me permitem prolongar.
Mesmo estando em casa, o desejo incontrolável de brincar não desaparecia.
Sempre que podíamos, eu e minha irmã mais velha (Kátia), com idade próxima à minha,
criávamos possibilidades de transformar as tarefas diárias em brincadeiras.
Desse modo, considero que minha infância e adolescência foram marcadas pela
riqueza de experiências lúdicas, o que me mostra que a brincadeira e o jogo não estão
relacionados à abundância econômica.
Poderíamos perguntar: por que relatar a história pessoal em uma dissertação de
mestrado? Qual o sentido em descrever a minha história pessoal num trabalho acadêmico?
Para responder a essas questões, baseamo-nos na experiência de Radino (2007)
3
.
Em um de seus estudos, Radino firma um diálogo entre os pressupostos teóricos da
Psicanálise e sua experiência como “contadora de histórias” para pacientes terminais. Esse
texto nos enriqueceu de modo peculiar, uma vez que anuncia uma ‘conversa’ entre a
experiência e história pessoal da autora e a reflexão teórica.
Pesquisar o jogo, um dos objetos que compõem esta pesquisa, é mergulhar em meu
passado, mais precisamente em minha infância, e reviver de alguma forma a criança que ainda
habita em mim.
Mais do que reviver, é encontrar hoje os vestígios significativos de um
maravilhoso período chamado infância que as marcas do tempo não puderam apagar. As
palavras de Toquinho (1983)
4
aludem a meus sentimentos: “[...] volto no tempo menino fieira e
pião, sonhos embalam no vento a pipa e o balão[...] Vem o menino que eu fui e me estende a sua mão”
(Toquinho, 1983).
2
Chamo de cultura popular todo o acervo de conhecimento e histórias adquiridas por pessoas com pouca
instrução escolar, mas muitas experiências de vida.
3
RADINO, Glória. As transformações da bruxa na literatura infantil contemporânea: uma abordagem
psicanalítica (tese de doutorado). Unesp⁄Fclar, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, 2007.
Cap. I O Jogo
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
9
Inicio agora a tentativa de encontrar uma compreensão histórica sobre o fenômeno
jogo, ou seja, como ele foi visto e compreendido em diferentes épocas, sendo pertinente abrir
um novo tópico para que possamos conhecer melhor seus constructos teóricos. Pretendo,
assim, o encontrar um referencial teórico que forneça elementos para a compreensão do
fenômeno jogo, mas também me reencontrar com o menino que ‘dorme’ em minha alma.
1.2 As variações do termo jogo ao longo da história
A história do jogo é muito longa, porém
extremamente curta se analisarmos pelo lado dos
registros, mesmo porque o jogo sempre
(antigamente) fora entendido como algo não
necessariamente digno de ser pensado.
Colas Duflo
Inicialmente destacamos que o jogo não é inato, mas uma aquisição social. Esta é uma
das proposições básicas que encontramos em vários autores como, por exemplo, Kishimoto
(2003, p.20). Uma vez social, o jogo obedece a uma “evolução” histórica.
Dito de outro modo, para compreendermos as dimensões e proporções que configuram
o olhar contemporâneo sobre o jogo, é necessário compreender como ele foi construído e se
desenvolveu ao longo da história.
Seguir os caminhos do jogo na história nos permite compreender melhor sua
configuração atual e as crenças e ideários a ele vinculados. Ressaltamos, entretanto, que o
objetivo deste trabalho não é discutir as questões etnográficas ou antropológicas do jogo em
suas manifestações. O que pretendemos, para o momento, é buscar na história os elementos
que explicam sua configuração atual.
Ao comentar tais nuanças, Brougère (1998) afirma:
“[...] a própria ideia que se tem do
jogo varia de acordo com autores e épocas, a maneira como é utilizado e as razões dessa utilização são
igualmente diferentes.” (Idem, 1998, p.9).
O que se está dizendo é que em tempos e lugares diferentes o jogo apresenta também
uma configuração diferente: o jogo não ocupou o mesmo “espaço” ou “status” em tempos
como os da Idade Média, do Renascimento e da Modernidade. Segundo Duflo (1999): “
[...] há
muito tempo considerava-se o jogo como sendo principalmente atividade infantil, de pouco valor em
4
Trecho da música “Esse menino”, gravada em 1983, pertencente ao LP Aquarela, distribuído pela Polygram.
Cap. I O Jogo
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
10
si mesma, que não merecia que lhe déssemos muita importância nem que atraísse a atenção do
estudioso.”
(Idem, p.12).
Para uma melhor compreensão, faremos uma ‘viagem’ cronológica sobre o fenômeno
jogo, objetivando conhecer os ‘olhares’ construídos historicamente sobre esse complexo
assunto.
Essa ‘viagem’ histórica pode levar-nos a tempos muito distantes. Encontramos, por
exemplo, no museu britânico de Londres, brinquedos com mais de 5.000 anos, os quais
pertenciam a crianças egípcias. No Brasil, as cavernas de São Raimundo Nonato, no Piauí,
mais de dez mil anos guardam ícones gravados que representam brinquedos e possíveis
brincadeiras envolvendo crianças e adultos, segundo Vasconcelos (in ARANTES, 2006).
Portanto um universo muito vasto e rico ainda a ser ‘desbravado’, entretanto nos
restringiremos aos relatos e contribuições escritas de alguns autores que nos ajudaram a
construir esse ‘panorama’ histórico do nosso objeto de estudo.
Iniciamos nossa ‘viagem’ na Grécia antiga, onde Platão, em Leis Lois (apud
KISHIMOTO, 2003, p.20), argumenta a favor do aprender brincando em oposição à
utilização da violência e da repressão.
Da mesma forma, Aristóteles (KISHIMOTO, 2003, p.20) sugere para a educação de
crianças pequenas o uso de jogos que imitem atividades sérias, de ocupações adultas, como
forma de preparo para a vida futura. Entretanto não se discute o emprego do recurso para o
ensino da leitura e do cálculo.
Avançando no tempo, para os romanos (KISHIMOTO, 2003, p.20) os jogos
destinavam-se ao preparo físico e voltavam-se para a formação de soldados e cidadãos
obedientes e devotos. A influência grega veio acrescentar-lhes cultura física, formação
estética e espiritual.
No século XIV, encontramos uma conotação diferente, mencionada por Ariès
(1981):
[...] regulamento interno do colégio de Narbonne: Ninguém nesta casa
deverá jogar pela ou hóquei, ou outros jogos perigosos (insultuosos), sob
pena de multa de 6 dinares (...) O jogo e a comilança são colocados no
mesmo plano. Os alunos poderão jogar e em raros intervalos de jogos
honestos e recreativos, contanto que o jogo se faça sem barulho.
(ARIÈS,
1981, p.?).
Posteriormente no culo XV, encontramos, influenciado pelo governo eclesial, um
outro olhar sobre o mesmo fenômeno. O autor Duflo (1999) ressalta:
Cap. I O Jogo
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[...] São Tomás de Aquino defende o jogo comparando-o ao arco tenso do
arqueiro que necessita ter a sua tensão controlada para não se partir
(analogamente pensa o trabalho intelectual e o jogo), ou seja, o jogo vem
para liberar as tensões impostas pelo trabalho intelectual ou não. Sendo
assim, o jogo é menor (visto como menos importante), porém vital e
indispensável para o homem o JOGO é necessário à vida humana. São
Tomás de Aquino chegou a dizer que quem não jogava pecava da mesma
forma que aquele o qual se entrega em demasia.
(DUFLO, 1999, p. 20).
Ao mesmo tempo em que constatamos a valorização do fenômeno, identificamos que
ele fica circunscrito à visão dicotômica de homem própria do paradigma da época e restrito a
descanso das atividades ditas sérias:
[...] o jogo é necessário na vida humana. Mas ele se justifica quando
circunscrito a limites estreitos do repouso com o qual se aparenta.
Excessivo, será loucura ou preguiça. Com comedimento, deve ser uma
atividade menor, cujo verdadeiro significado é totalmente negativo: é
momento indispensável de não trabalho.
(DUFLO, 1999, p. 21).
no século seguinte, período denominado Renascimento, encontramos uma
perspectiva um pouco diferenciada, oriunda de uma melhor compreensão das ciências exatas
sobre o jogo, segundo Duflo (1999):
[...] se o jogo, depois de bem compreendido e colocado em seu lugar justo,
não oferece, afinal, para o moralista, senão um interesse limitado, o mesmo
não ocorre com o matemático, que descobre na atividade lúdica, a partir do
século XVI e, sobretudo, no século XVII, um terreno propício para novas
análises, que serão de grande fecundidade para a história da Matemática
(DUFLO, 1999, p. 23).
Inclusive, para Kishimoto (2003), é nesse período que encontramos concepções
pedagógicas legitimando o jogo como importante para o desenvolvimento humano. Assim
afirma a autora:
[...] O aparecimento de novos ideais traz outras concepções pedagógicas
que reabilitam o jogo. Durante o Renascimento, a felicidade terrestre,
considerada legítima, não exige a mortificação do corpo, mas seu
desenvolvimento. Desta forma, a partir do momento em que o jogo deixa de
ser objeto de reprovação oficial, incorpora-se no cotidiano de jovens, não
como diversão, mas como tendência natural humana. É nesse contexto que
Rabecq-Maillard situa o nascimento do jogo educativo.
(KISHIMOTO,
2003, p.15 – o grifo é nosso).
Ainda destaca a autora:
[...] o grande acontecimento do século XVI que coloca em destaque o jogo
educativo é o aparecimento da Companhia de Jesus. Ignácio de Loyola,
militar e nobre, compreende a importância dos jogos de exercício para a
formação do ser humano e preconiza sua utilização como recurso auxiliar
do ensino.
(KISHIMOTO, 2003, p.15).
Cap. I O Jogo
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No século XVII, com os ideais humanistas do Renascimento, inaugura-se uma nova
perspectiva sobre o jogo, destacando seu ambiente frutífero’ e fecundo para a aprendizagem,
assim como o afirma Duflo (1991):
[...] o interessante é que aqui se resgata uma nova visão do
jogo, concebido como um fenômeno que se origina da engenhosidade humana, merecendo, por isso, a
atenção do estudioso”
(DUFLO, 1999, p. 24).
O autor continua sua reflexão afirmando:
[...] o jogo não é mais considerado como uma atividade menor e para os
menores que não mereceria a atenção do homem de bom senso. Ao
contrário, o jogo deve ser estudado, porque oferece um espaço privilegiado
no qual se exerce a inteligência humana, por duas razões diferentes e
complementares. Por um lado, o prazer, que é um incentivo formidável
(...) Por outro lado e sobretudo, no jogo, o espírito se exerce livremente;
sem o constrangimento da necessidade e do real, oferece condições puras de
exercício de engenhosidade.
(DUFLO, 1999, p. 25).
Do mesmo modo, a filosofia também começa a olhar para este fenômeno de maneira
diferenciada, vinculando-o inclusive à meditação. Encontramos inicialmente em Leibniz esta
tentativa de conciliação:
Aprovo muito que se exercite nos jogos de raciocínio, não por eles
próprios, mas porque servem para aperfeiçoar a arte de meditar”
(Leibniz apud DUFLO, p. 26). Ao
refletir sobre o momento histórico desse novo olhar pelo qual passa o jogo, Duflo (1999)
afirma:
[...] começa a haver no jogo algo mais do que descanso do trabalho
intelectual (o homem é mais criativo quando está no divertimento), pelo
jogo ocorre a liberdade do espírito, capacidade de análise das estratégias
(inteligência tática), estimula a atenção, arrebatamento, alta capacidade de
previsão, destaca a riqueza no ato de trapacear, e por fim possibilita o
desenvolvimento da arte das combinações. “Em suma, ao impor um
trabalho de pensamento, o jogo ensina a pensar”
(Idem, p. 25 e 26).
Outra importante contribuição filosófica sobre a temática vem através de Pascal (apud
DUFLO, p. 28):
“[...] o jogo permite o acaso e tem leis voluntárias, que podem ser rompidas ou
modificadas.”
O pensador continua: “[...] sobre essa concepção da natureza humana, expressa em
termos físicos (movimento, repouso), está baseada toda a teoria pascalina do divertimento. O que é
divertimento? É a paixão pelo movimento”
(DUFLO, 1999, p. 30).
Portanto, de acordo com as inferências do autor, o jogo possui elementos importantes
para o desenvolvimento humano:
“[...] a incerteza é o componente fundamental de qualquer jogo, sendo nela
que se enraíza o prazer (...) O jogo representa não uma distração
totalmente positiva, desde que permaneça em seus limites, mas também
Cap. I O Jogo
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uma vitrine de engenhosidade humana, não devendo, pois, ser somente
situado ao lado do pueril”
(DUFLO, 1999, p. 36 e 37).
Considerado como o século das luzes e também do ‘jogo’, o XVIII representa um
marco histórico na concepção do jogo. Com a eclosão do movimento científico nesse século,
temos o aparecimento de diversos jogos pedagógicos. Assim sendo, o jogo torna-se um
elemento explícito participante do processo de ensino e aprendizagem (KISHIMOTO, 2003).
Distante dos pressupostos iluministas, mas ainda vinculado à ideia das potencialidades
pedagógicas do jogo, encontramos o filósofo Jean-Jacques Rousseau.
Ao comentar o pensamento de Rousseau, Duflo (1999) afirma:
[...] ao falar sobre o jogo na educação das crianças, diz que este apresenta
funções ambíguas: É preciso que ela aprenda a trabalhar, brincando, mas
isso também significa inversamente que não é necessário que brinque
apenas para aprender a trabalhar. (...) Na realidade, trata-se de aproveitar a
dinâmica lúdica para fazer a criança assimilar o que queremos que assimile,
apagando para tanto a diferença entre o jogo e o trabalho.
(DUFLO, p. 54).
Mas o grande marco do século XVIII não se restringe tão-somente à valorização do
universo lúdico. também um novo olhar sobre a criança e a infância, o que acaba por
culminar, no final deste século e início do XIX, com um redirecionamento das pedagogias
institucionais, possibilitando assim o surgimento de inovações nessa área.
Não poderíamos deixar de mencionar mais uma importante contribuição da filosofia
para a construção do ‘mapeamento’ histórico do jogo. Segundo Kant (apud Duflo, 1999),
diferentemente de Rousseau que acredita ser o jogo um meio para ensinamentos para o
trabalho, o jogo tem o seu valor educacional e formativo, mas não se presta à preparação para
o trabalho.
[...] acreditar que o jogo possa ensinar a trabalhar é se equivocar sobre os
fins recíprocos do trabalho e do jogo. Isso não significa, no entanto, que o
jogo seja desprovido de toda utilidade na educação, pois também oferece, à
sua maneira, uma aprendizagem da vida, também favorece o
desenvolvimento do ser humano enquanto todo formado de um corpo e de
uma alma, de modo indissociável”
(KANT apud DUFLO, 1999, p. 57).
Encontramos em Duflo (1999) uma análise da proximidade e do distanciamento entre
os pensamentos de Rousseau e de Kant. Kant adverte que embora Rousseau estivesse certo
quanto ao caráter prazeroso do jogo, o trabalho não pode vincular-se ao jogo, visto que aquele
necessariamente vincula-se ao desprazer ou prazer postergado. Enquanto o jogo apresenta um
prazer vinculado à ação do jogo em si, o trabalho tem como fonte básica de motivação e
prazer o seu produto - o pagamento pelos serviços prestados.
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Nas palavras de Duflo (1999), temos:
[...] se o jogo é ‘uma atividade em si mesma agradável’, o trabalho é, por
oposição, uma atividade em si mesma desagradável (penosa) e que não é
atraente a não ser por seu efeito (por exemplo, o salário) e que,
consequentemente, pode ser imposta de maneira constrangedora’. O que
Rousseau não viu é que, se é certamente bom que o primeiro seja praticado,
o segundo deve ser, por sua vez, aprendido precisamente naquilo que tem
também de penoso e de constrangedor.
(Idem, p. 56).
Na mesma ótica advinda da mesma ‘escola’, destacamos Schiller que, influenciado
pela razão kantiana, concebe o homem de forma dicotômica, ou seja, um homem dividido em
razão e emoção. Um homem sensível (natural) e outro inteligível, coabitando num mesmo ser
(DUFLO, 1999).
Mesmo limitado em suas possibilidades de reflexão dada a sua concepção dicotômica
entre razão e emoção, Schiller trouxe uma contribuição expressiva para a concepção de jogo
de sua época:
“[...] jogo é considerado como vetor de harmonia, portanto de beleza e de equilíbrio
tanto para o físico quanto para o espiritual no homem.”
(apud DUFLO, 1999, p. 74).
Apesar disso, o autor Schiller
concebe através do jogo a possibilidade do equilíbrio
entre esta dicotomia humana: o sensível e o inteligível, ou melhor, a razão e a emoção.
Segundo o filósofo,
“[...] o homem que joga é então unicamente concebido como totalidade, e não
como adição de elementos separados, cada um sendo submetido a uma disciplina específica.”
(
DUFLO, 1999, p. 74).
Schiller faz uma das afirmações mais formidáveis acerca desse fenômeno:
“[...] o
homem não joga senão quando na plena acepção da palavra ele é homem, e não é totalmente homem
senão quando joga.”
(apud DUFLO, 1999, p. 77).
Continua sua reflexão:
“[...] o jogo é sinal da humanidade. No jogo, o homem é, sem
coerção, totalmente homem.”
(DUFLO, 1999, p. 77).
Portanto o século XIX, após o término da Revolução Francesa, inicia-se com um novo
‘olhar’ endereçado à infância e ao fenômeno lúdico jogo. Então, com as contribuições
anteriores, há um esforço para implantá-lo nas propostas pedagógicas educacionais.
É com Froebel, o precursor dos jardins de infância, que o jogo ganha ‘forma’,
passando a ser entendido como objeto e também como ação de brincar, caracterizado pela
liberdade e espontaneidade. Desse modo, Froebel coloca em destaque uma espécie de jogo, o
jogo livre (KISHIMOTO, 2003).
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Com a expansão dos novos ideais de ensino, cresce o número de experiências que
visam utilizar o jogo com vistas a facilitar tarefas de ensino. Cabe destacar que, concomitante
a essa valorização do jogo, a indústria começa a ser despertada para o mercado potencial do
jogo e brinquedo educativo.
No final do século XIX e início do XX, o jogo não somente adentra o espaço escolar
como também reacende uma nova questão: como o jogo e sua liberdade intrínseca se fariam
presentes num espaço marcado pelas atividades dirigidas e sistematizadas?
Logo, o século XX, contemporâneo, é marcado por uma discussão entre liberdade de
expressão, promovida pelo jogo, versus atividade dirigida e orientada para objetivos e
resultados estabelecidos.
Buscando conciliar estes dois aspectos o prazer e a aquisição de conteúdos –, temos
um tipo de jogo específico, o jogo pedagógico ou educativo.
Assim o jogo pedagógico nasce da tentativa de conciliar o jogo de natureza livre e os
objetivos da escola. A isso chamam os teóricos de paradoxo do jogo educativo”
(KISHIMOTO, 2003).
Fizemos até aqui uma pequena ‘excursão’ cronológica para compreender a construção
histórica desse fenômeno. Ou seja, buscamos entender como o jogo foi visto e compreendido
ao longo do tempo na tentativa de construir uma compreensão atual sem desvalorizar sua
trajetória histórica.
Consideramos que conhecer o status do jogo nos diferentes momentos da história é
bastante relevante, pois podemos, ainda hoje, encontrar discursos sobre o fenômeno jogo que
possuem suas raízes em concepções muito antigas.
Todavia iniciamos essa tentativa da compreensão do jogo primeiramente localizando-o
em nossa história pessoal atrelada às práticas da infância. A seguir, pudemos conhecer os
diferentes ‘olhares’ e compreensões sobre o referido objeto ao longo da história.
Passamos, agora, a apresentar a etimologia dos termos jogo, brincadeira e brinquedo,
que são muitas vezes usados como sinônimos. Consideramos pertinente dedicar a isso um
novo tópico.
Cap. I O Jogo
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1.3 À busca de uma definição
Não podemos agir como se dispuséssemos de um
termo claro e transparente, de um conceito
construído. Estamos lidando com uma noção
aberta, polissêmica e, às vezes, ambígua.
Guiles Brougère
O fenômeno jogo tem sido alvo de investigações em áreas diferentes do
conhecimento: entre outras, na Psicologia (Vigotski, Piaget, Winnicott, Elkonin, Buytendijk,
Freud etc.); nas Ciências Exatas⁄Matemática (Eigen e Wincker, Von Neuman e o Nobel John
Nash); na Filosofia (Pascal, Schiller, Rousseau, Leibniz, Gadamer, Aristóteles, Platão, Dewey
etc.); na Linguística (Cazden, Weir); na História (Huizinga, Caillois, Ariès); na Antropologia
(Bateson, Henriot, Brougère etc.); na Educação (Chateau, Vial, Alain, Froebel, Kishimoto,
Brenelli, Camargo etc.); na Educação Física (Freire, Bruhns, Marcelino, Paes, Scaglia etc.).
São consenso entre pesquisadores e estudiosos as dificuldades que cerceiam a
compreensão deste fenômeno, desde sua origem etimológica até sua estreita relação com o
brinquedo e a brincadeira. Segundo Kishimoto (2003), “[...] o que oferece dificuldade para a
conceituação do jogo é o emprego de rios termos como sinônimos. Jogo, brinquedo e
brincadeira têm sido utilizados com o mesmo significado.” (KISHIMOTO, 2003, p. 7).
Embora não desconsideremos a argumentação de Kishimoto, entendemos que é
necessário avançarmos para uma apresentação que possa deixar clara ao leitor a conceituação
da qual nos valemos.
Em outras palavras, é necessário que o leitor conheça os entraves e as dificuldades da
definição, mas igualmente que apresentemos e nos detenhamos em alguma. Para tal, optamos
pelo caminho indicado por Freire & Scaglia (2003).
Para estes autores tanto os esportes quanto as brincadeiras podem ser considerados
manifestações maiores denominadas jogo
5
.
[...] o jogo é uma categoria maior, uma metáfora da vida, uma simulação
lúdica da realidade, que se manifesta, que se concretiza quando as pessoas
fazem esporte, quando lutam, quando fazem ginástica, ou quando as
crianças brincam (FREIRE & SCAGLIA, 2003, p. 33).
Iniciaremos, doravante, uma árdua tarefa de compreendermos o fenômeno jogo.
Recorremos inicialmente ao pensamento de Brunhs (1993):
[...] quando se inicia uma investigação sobre o jogo, começa-se a perceber
que vários autores que se propuseram a estudá-lo expressam diferentes
5
No tópico 6 deste mesmo capítulo, há uma melhor explicação e fechamento de nossa compreensão de jogo.
Cap. I O Jogo
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pontos de vista, reflexo de uma dificuldade considerável em defini-lo.
(BRUNHS, 1993, p.20).
Essa dificuldade se explica por diversos fatores, dentre os quais as nuanças que este
mesmo termo pode ter em diferentes culturas. Segundo Kishimoto (2001),
“[...] a variedade de
fenômenos considerados como jogo mostra a complexidade da tarefa de defini-lo”
(KISHIMOTO,
2001, p.15).
Parece-nos que a palavra jogo é de difícil conceituação até mesmo em sua origem
etimológica, uma vez que se agregam vários conceitos a sua definição. Etimologicamente,
quando nos referimos ao termo, o dicionário Koogan⁄Houses (1998) nos apresenta:
[...] ação de jogar, folguedo, brincar, divertimento. O que serve para
jogar: comprar um jogo de dama. Exercício ou divertimento sujeito a
certas regras: jogo de futebol. ⁄ Passatempo em que se arrisca dinheiro: uma
dívida de jogo. Divertimento público composto de exercícios esportivos:
os Jogos Olímpicos. ⁄ Maneira de jogar. ⁄ As cartas ou peças de cada
jogador: ele está com um bom jogo. ⁄ Vício habitual de jogar: entregar-se ao
jogo. Cada uma das partidas ou mãos em que se divide o jogo. Série
completa de objetos emparelhados que formam um todo: um jogo de
chaves. A parte da armação de um carro onde estão as rodas: o jogo
dianteiro. Mecanismo de direção de um veículo. Manejo de uma arma:
jogo de pau. ⁄ Escárnio, motejo. ⁄ Manha, astúcia; plano, desígnio: conheço o
jogo dele. ⁄ Nome de vários aparelhos da Física. ⁄ Jogos de azar, aqueles que
se ganham ou perdem mais por sorte do que por cálculo. Jogo da bolsa,
transações em fundos públicos. Jogos de espírito, ditos espirituosos ou
brincadeiras picantes. Jogo de fisionomia, expressão particular e
significativa do rosto. Jogo de palavras, equívoco, brincadeira baseada na
semelhança das palavras, trocadilho. Jogo do bicho, espécie de loteria,
anexa a outra, na qual se joga sobre finais, as centenas e os milhares de
0000 a 9999; cada grupo de quatro unidades corresponde ao nome de um
bicho (25 ao todo), de onde a sua designação. Amarrar o jogo, ser
cauteloso; no futebol, impedir que a partida se desenvolva normalmente,
abusando o juiz do apito, por exemplo. Esconder o jogo, ocultar a alguém
suas intenções. ⁄ Jogo de empurra, ato de atribuir alguém a responsabilidade
a outra pessoa que, também, a atribui a uma terceira, e assim por diante.
Jogos Olímpicos, aqueles que, em honra a Júpiter, se realizavam na Grécia
antiga de quatro em quatro anos, como ainda hoje. (KOOGAN⁄HOUSES,
1998, p. 915 – os grifos são nossos).
Embora saibamos da extensão de verbetes que constituem a tentativa de elucidar o
termo jogo, julgamos relevante apresentá-los para dimensionarmos a difícil e exaustiva tarefa
a que nos lançamos. Ao tratar desse ‘investimento’, Scaglia (2003) afirma:
“[...] a palavra jogo é aplicada de forma irrestrita, principalmente em nossa
língua (idioma), que atribui ao jogo uma enorme amplitude de significados.
Isso pode ser comprovado com uma simples pesquisa ao dicionário Houaiss
(2001, p. 1685), no qual o verbete ‘jogo’ ocupa praticamente uma página
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inteira desse dicionário, constituindo-se, se não o maior, um dos maiores de
seus verbetes.” (SCAGLIA, 2003, p. 46).
CAILLOIS (1990) corrobora a ideia da complexidade da definição do conceito:
“[...] a heterogeneidade dos elementos estudados sob o nome de jogos é tão
grande, que se é levado a supor que a palavra jogo não passa de um mero
ardil que, pela sua enganadora generalidade, alimenta firmes ilusões acerca
da suposta familiaridade de condutas diversificadas.” (Idem, p. 187).
Dito de outro modo, não basta encontrar um termo que seja sinônimo em determinada
língua, é necessário ainda que se conheça sua representação, seu sentido, sua caracterização.
Kishimoto (2006) argumenta:
[...] tentar definir o jogo não é tarefa fácil. Quando se pronuncia a palavra
jogo, cada um pode entendê-la de modo diferente. Pode-se estar falando de
jogos políticos, de adultos, crianças, animais ou amarelinhas, xadrez,
adivinhas, contar estórias, brincar de “mamãe e filhinha”, futebol, dominó,
quebra-cabeça, construir barquinho, brincar na areia e uma infinidade de
outros. Tais jogos, embora recebam a mesma denominação, têm sua
especificidade. Por exemplo, no faz-de-conta, forte presença de situação
imaginária; no jogo de xadrez, regras padronizadas permitem a
movimentação das peças. Brincar na areia, sentir o prazer de fazê-la
escorregar pelas mãos, encher e esvair copinhos com areia requer a
satisfação da manipulação do objeto. Já a construção de um barquinho exige
não a representação mental do objeto a ser construído, mas também a
habilidade manual para operacionalizá-lo. (KISHIMOTO, 2006, p 13).
Outra dificuldade encontrada por aqueles que se propuseram a definir o termo jogo
está no fato de que uma mesma ação pode ser vista como jogo ou não-jogo. A esse
respeito, há um interessante esclarecimento de Kishimoto (2001):
[...] uma mesma conduta pode ser jogo ou o jogo em diferentes culturas,
dependendo do significado a ela atribuído. Por tais razões fica difícil
elaborar uma definição de jogo que englobe a multiplicidade de suas
manifestações concretas. Todos os jogos possuem peculiaridades que os
aproximam ou distanciam. (KISHIMOTO, 2006, p.15 – o grifo é nosso).
Não é o uso ou o não-uso de um termo que garante que ele está revestido de um
mesmo significado. Pode ocorrer que pessoas participantes de um mesmo grupo social e
cultural utilizem, de modo diferente, um mesmo termo. Quando isso ocorre, pode haver
confusões que levam a uma descaracterização do termo em uso.
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Para Brougère (1998), esse cuidado em preservar o uso do termo para situações
específicas não está vinculado ao estabelecimento prévio de significações como se alguém
pudesse instituir por si mesmo e legitimar ou não o uso de um termo. Para o autor, tal
legitimação é encontrada no meio social, no uso e espaço que um determinado termo tem
numa dada sociedade.
Dito de outro modo, não se trata de determinar um código que indique a possibilidade
do uso do termo; trata-se, antes, de encontrar na própria sociedade qual o sentido que esta
atribui ao vocábulo e se este encontra o mesmo significado em outras culturas. Brougère
(1998) afirma:
[...] trata-se de compreender por que um domínio de realidade mais ou
menos extenso é qualificado por essa palavra mais do que outro. Na
verdade, o que significa chamar de jogo determinada situação, determinado
comportamento? Longe de nós a ideia de julgar os empregos legítimos e
ilegítimos da noção; trata-se, ao contrário, de saber dos locutores o que
significa, para uma dada sociedade, em um dado momento, fazer
referência ao jogo. Mergulharemos tanto quanto possível na língua viva
para dela tirar uma lógica (se houver) da denominação. (Idem, p. 13 – o
grifo é nosso).
Esse cuidado visa conferir ao papel social aquilo que lhe é de direito, ou seja, que este
determine a força, o poder, a abrangência de suas palavras. Se isso não for observado, pode-se
utilizar um termo de modo artificial e destituído do significado comungado pelo grupo que
dele lança mão. Nas palavras de Brougère (1998), temos:
[...] a noção de jogo como o conjunto de linguagem funciona em um
contexto social; a utilização do termo jogo deve, pois, ser considerada como
um fato social: tal designação remete à imagem do jogo encontrada no seio
da sociedade em que ele é utilizado. (BROUGÈRE, 1998, p.16).
Outros autores também apresentam esse alerta para impedir que a explicitação de uma
definição se faça de modo apressado e assim se desconsidere o que é essencial na construção
de qualquer definição: a sua múltipla forma de apresentação. Uma vez estabelecida uma
definição, ela pode impedir que manifestações legítimas do fenômeno ou do objeto sejam
consideradas como pertencentes ao mesmo termo.
Embora isso possa parecer elementar e estar apenas restrito ou não ao uso de um
determinado vocábulo, ele pode trazer grande prejuízo, pois pode valorizar determinadas
manifestações e desconsiderar outras tidas por uma determinada geração como insipiente ou
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desprezível, o que pode ocasionar a perda de elementos importantes na construção histórica e
cultural de um povo.
Considerando, portanto, que o jogo se apresenta com ‘trajes’ tão diferenciados, temos
uma questão que foi objeto de questionamento de vários autores: haveria um conceito de tal
modo abrangente que pudesse reunir o que de similar nas diferentes manifestações do
jogo?
Kishimoto (2003) aborda essa questão da seguinte maneira:
[...] dentro da variedade de significados, são as semelhanças que permitem
classificar jogos de faz-de-conta, de construção, de regras, de palavras,
políticos e inúmeros outros, na grande família denominada jogos. Para se
compreender a natureza do jogo, é preciso, antes de tudo, identificar as
características comuns que permitem classificar situações entendidas como
jogo nessa grande família; em seguida, precisar diferenciações que
permitem o aparecimento de suas espécies (faz-de-conta, construção etc.) A
analogia entre o jogo e a família, proposta por Wittgenstein, facilita a
compreensão deste tema. (Idem, p.3).
Para a autora, os trabalhos de Wittgenstein (1975, apud KISHIMOTO, 2003) podem,
como mencionado, facilitar a compreensão deste tema. Seguindo a orientação de
Wittgenstein, as familiaridades ou similaridades presentes nas diferentes manifestações do
jogo devem ser o sinalizador na busca de construir uma definição. Esta tarefa, além de não ser
fácil, apresenta entraves sutis que não podem ser desconsiderados. Esses entraves novamente
remontam à pluralidade das manifestações do jogo, analisadas também por este autor:
[...] refiro-me a jogos de tabuleiro, de cartas, de bola, torneios esportivos
etc... O que é comum a todos eles? Não diga: ‘Algo deve ser comum a eles,
senão não se chamariam “jogos” mas veja se algo é comum a todos.’
Pois, se você os contemplar, não verá na verdade algo que seja comum a
todos, mas verá semelhanças, parentescos e até toda uma série deles.
Como disse, não pense, mas veja! Considere, por exemplo, os jogos de
tabuleiro, com seus múltiplos parentescos. Agora passe para os jogos de
cartas: aqui você encontrará muitas correspondências com aqueles da
primeira classe, mas muitos traços comuns desaparecem e outros
surgem. Se passarmos aos jogos de bola, muita coisa comum se conserva,
mas muitos se perdem. – São todos “recreativos”? Compare o xadrez com o
jogo da amarelinha. em todos um ganhar e um perder ou uma
concorrência entre os jogadores? Pense nas paciências. Nos jogos de bola
um ganhar e um perder, mas se a criança atira a bola na parede e apanha
outra vez, este traço desaparece. Veja que papéis desempenham a
habilidade e a sorte. E como é diferente a habilidade no xadrez e no tênis.
Pense agora nos brinquedos de roda: o elemento de divertimento está
presente, mas quantos dos outros traços característicos desaparecem! E
assim podemos percorrer muitos outros grupos de jogos e ver
semelhanças surgirem e desaparecerem. Então este é o resultado desta
consideração: vemos uma rede complicada de semelhanças, que se
envolvem e se cruzam mutuamente. Semelhanças de conjunto e de
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pormenor. Não posso caracterizar melhor essas semelhanças do que com a
expressão semelhanças de família”, pois assim se envolvem e se cruzam
as diferentes semelhanças que existem entre os membros de uma família:
estatura, traços fisionômicos, cor dos olhos, o andar, o temperamento etc,
etc. E digo: os “jogos” formam uma família. (WITTGENSTEIN, 1975,
apud
KISHIMOTO, 2003, p.42-43 – o grifo é nosso).
Como vimos, para este autor, o jogo pode ser considerado como uma grande família
que procede de uma mesma “árvore genealógica”, não obstante apresentar manifestações
diferentes. Nesse caso, entendemos que vários jogos corresponderiam apenas aos vários
galhos ou ramos de uma mesma árvore, sendo, portanto, partícipes de um mesmo tronco,
guardando elementos comuns e específicos que, se por um lado os tornam próximos, por
outro, garantem relativa distância e identidades próprias.
Podemos ilustrar o que ficou dito comparando os jogos de cartas e os de tabuleiro. Eles
não se confundem; cada qual guarda suas particularidades e, ao mesmo tempo, não se
diferenciando, a ponto de não apresentarem elementos de intersecção. Entendemos ainda que
tal relação de “parentesco” é dificultada quando pensamos na “extensão” desta família.
Novamente o problema da “ilimitada” manifestação do mesmo fenômeno.
Mesmo considerando os benefícios desta reflexão, Kishimoto (2001) alerta sobre a
necessidade de precisar o tipo de jogo. Ou seja, levando em conta a grande extensão ou o
parentesco da família “jogo”, há de se determinar de qual jogo estamos tratando. Isso permite
a garantia das semelhanças sem, entretanto, desconsiderar as diferenças. Nesse sentido, a
autora afirma:
“[...] ao assumir o sentido do jogo como uma família, surgem imprecisões, se não
aponto exatamente o tipo de jogo a que me refiro.” (KISHIMOTO, 2001, p.23)
A autora ainda
considera:
[...] o termo se explica no uso, na espécie de jogo a que o usuário está se referindo, no
sentido que deu ao termo.”
(Idem, p. 23).
Portanto, resguardando a necessidade de especificar o tipo de jogo, Kishimoto
considera que as reflexões de Wittgenstein lançam luz sobre a busca da construção de uma
definição.
A seguir iniciamos um novo tópico abordando os autores que construíram categorias
(tipos) de jogo. Assim como abordamos o processo histórico do jogo e posteriormente a sua
etimologia, passaremos às categorias (tipos) de jogo atribuídas por diferentes autores,
procurando analisá-las sob a ótica de diferentes correntes teóricas.
Cap. I O Jogo
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1.4 As abordagens sobre as categorias (tipos) de jogo
“O jogo é um fenômeno total. Diz
respeito ao conjunto das atividades e
dos anseios humanos.”
Roger Caillois
Nos tópicos anteriores, buscamos compreender o jogo e sua vinculação com nossa
história pessoal. Em seguida, fizemos uma ‘viagem’ cronológica buscando conhecer sua
construção histórica e contextualizar a complexidade de sua definição.
Passaremos agora a descrever os tipos, ou melhor, as categorias encontradas em
diversos autores de diferentes áreas do conhecimento.
Antes de adentrarmos a compreensão dos tipos, ou melhor, das categorias de jogos
apresentados pelos diferentes autores para uma melhor compreensão desse fenômeno, faremos
uma pequena “divagação temática”, que embora esteja intrinsecamente vinculada ao objeto de
estudo em questão, configura-se de forma um pouco diferente.
Em 1932, Jean Piaget escreveu um importante livro intitulado O julgamento moral na
criança. Com esta obra, o autor traz uma enorme contribuição para a compreensão da
evolução do julgamento moral nas crianças. Ao tratar do tema, o epistemólogo suíço discorre
sobre a relevância do respeito mútuo nas relações interpessoais e sobre o conceito de justiça.
Piaget diferenciou três tipos de governo moral: a anomia ou ausência de regras
(quando não há regras a serem observadas); a heteronomia – marcada pelo "governo do outro"
(sendo o certo e o errado definidos pelos outros); e a autonomia marcada pelo
"autogoverno" (ou seja, o próprio sujeito é o que avalia as situações e julga sobre o certo ou o
errado, o correto ou o incorreto).
Os resultados das pesquisas desenvolvidas por Piaget foram bastante elucidativas e até
o presente subsidiam vários outros estudos. Além disso, não obstante a relevância dos dados
encontrados, tais pesquisas também se destacam por sua metodologia de investigação.
Para estudar a formação das regras no pensamento infantil e compreender a dinâmica
interna presente nesta construção, ele se valeu das situações de jogo.
Foi através de um jogo de bolinhas de gude, ou fubeca, como é conhecido em outras
regiões do Brasil, para os meninos, e de amarelinha, para as meninas, que esse importante
pesquisador da epistemologia observou os constructos da moralidade humana.
Cap. I O Jogo
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Essas pesquisas, entre outras, deixam patente que o ambiente proporcionado por
intermédio do jogo tornar-se-á extremamente fecundo para o desenvolvimento moral e a
compreensão e convivência com as regras, como destaca Bruhns (1996):
[...] no jogo, um espaço para a liberdade, e a criatividade encontra-se
presente. São permitidas às pessoas a discussão e modificação de regras,
sem a presença de uma ‘autoridade’ para decidir por elas e da qual
dependeriam para a aplicação de regulamentos, aos quais teriam que
obedecer sem contestação, sob a ameaça de expulsão.
(BRUHNS, 1996,
p.35).
Piaget (1978) observa três sucessivos sistemas (tipos) de jogo: o primeiro
, que ele
chama de jogo de exercício, aparece durante os primeiros 18 meses de vida e envolve
repetição de sequências estabelecidas de ações e manipulações; o segundo
, o jogo
simbólico, surge durante o segundo ano de vida com o aparecimento da representação e da
linguagem
6
; e o terceiro, o jogo de regras, que marca a transição da atividade individual para
a socialização, o ocorre antes de 4 a 7 anos e predomina no período de 7 a 11, estágio em
que são construídas as regras implícitas e explícitas.
Wallon denomina quatro ‘espécies’ de jogo: funcionais, que representam os
movimentos motores simples; de ficção, responsáveis pelas brincadeiras de faz-de-conta; de
aquisição, em que a criança aprende vendo e ouvindo; e os de construção, em que a criança
reúne, combina objetos entre si, modifica e até cria objetos. (KISHIMOTO, 2003).
Outra importante contribuição sobre os tipos de jogo é oriunda de Caillois (1990), que
desenvolveu uma interessante teoria sobre os tipos de jogos Agôn, Alea, Mimicry, Ilinx.
Todos se inserem diretamente no domínio dos jogos. Desse modo, agôn (da competição)
joga-se à bola, ao berlinde ou às damas; alea (da sorte) joga-se na roleta ou na loteria;
mimicry (do simulacro) são os jogos da fantasia, de mímicas: faz-se de pirata, de Nero ou de
Hamlet; e, por último, ilinx (da vertigem): brinca-se, provocando em si mesmo, por um
movimento rápido de rotação ou de queda, um estado orgânico de confusão e desordem.
(CAILLOIS, 1990, p. 32).
Podemos ainda mencionar outro autor que buscou categorizar os jogos, Vigotski
(2000): o jogo de papéis, com regras implícitas, e o jogo de regras, com regras explícitas.
Outra contribuição encontramos em Froebel, o precursor dos jardins de infância,
segundo o qual o jogo ganha ‘forma’ sendo entendido como objeto e ação de brincar,
6
De acordo com o autor, a brincadeira de faz-de-conta é inicialmente uma atividade solitária envolvendo o uso
idiossincrático de símbolos.
Cap. I O Jogo
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caracterizado pela liberdade e espontaneidade. Assim Froebel enfatiza uma categoria chamada
de jogo livre. (KISHIMOTO, 2003).
Merecem destaque também os jogos tradicionais estudados por Kishimoto (2003). Ao
tratar dessa categoria de jogo, a autora afirma: “[...] a modalidade denominada jogo
tradicional infantil, filiada ao folclore, incorpora a mentalidade popular, expressando-se,
sobretudo, pela oralidade”. (KISHIMOTO, 2003, p.24
– o grifo é nosso).
Evidentemente existem outros autores que denominaram outras categorias (tipos) de
jogo, que, todavia, guardam semelhanças com as que ora apresentamos. Mesmo sendo
extremamente importante pontuar os tipos ou categorias, ainda assim continuamos não
identificando a universalidade desse fenômeno.
Outro caminho encontrado por diversos autores para corroborar ou legitimar as
manifestações do jogo pode ser trilhado a partir das características que o envolvem. Sob essa
ótica, Kishimoto (2003) ressalta:
“[...] para se compreender a natureza do jogo, é preciso, antes de
tudo, identificar as características comuns que permitem classificar situações entendidas como jogo
nessa grande família.”
(KISHIMOTO, 2003, p.3).
Portanto esses autores destacam características específicas ao tratarem do termo jogo,
mas o que os torna semelhantes é o cuidado em localizar o termo numa cadeia de relações, ou
seja, o jogo é considerado como tal quando apresenta várias características e não uma única
que o identificaria.
Na tentativa de encontrar algum parâmetro para definir e discriminar o jogo de outros
fenômenos sociais, alguns autores se esmeraram em apresentar um rol de características que o
caracterizariam.
1.5 O jogo e suas características
“A procura pelo jogo não é menor que a
procura pela comida, portanto ele deve
constituir, como esta, uma necessidade
básica”.
João Batista Freire
Até este ponto, buscamos apresentar como os diferentes teóricos e pesquisadores
conceberam a ideia de jogo e a sua conceituação. Passaremos, agora, a nos deter sobre alguns
estudos de autores que se dedicaram a caracterizá-lo.
Cap. I O Jogo
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Uma vez apresentados os elementos e as características comuns aos jogos, poderemos
ter uma caracterização geral que englobe as nuanças sobre esse complexo fenômeno.
Para tal, uma obra que merece destaque é a de Johan Huizinga – Homo Ludens, escrita
na década de 30 do século XX.
Buscando ser fiéis às palavras do autor, apresentamos a seguir os textos que
mencionam explicitamente como Huizinga caracterizava o jogo:
[...] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de
certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, acompanhado de um sentido de tensão e de alegria e de uma
consciência de ser diferente da “vida cotidiana”
(HUIZINGA, 1999, p.
33).
[...] é uma atividade que se processa dentro de certos limites temporais e
espaciais, segundo uma determinada ordem e um dado número de regras
livremente aceitas, e fora da esfera da necessidade ou da utilidade material.
O ambiente em que ele se desenrola é de arrebatamento e entusiasmo, e
torna-se sagrado ou festivo de acordo com as circunstâncias. A ação é
acompanhada por um sentimento de exaltação e tensão, e seguida por um
estado de alegria e distensão.
(HUIZINGA, 1999, p. 147).
[...] aplicarmos à ciência a nossa definição de jogo como atividade
desenvolvida dentro de certos limites de espaço, tempo e significado,
segundo um sistema de regras fixas [...] limitado no tempo, não tem contato
com qualquer realidade exterior a si mesmo e contém o seu fim em sua
própria realização. Caracteriza-se, além disso, pela consciência de se tratar
de uma atividade agradável, que proporciona um relaxamento das tensões
da vida cotidiana.
(HUIZINGA, 1999, p. 225-226).
Para melhor entendermos as características apresentadas por Huizinga (1999), vamos
nos deter em cada uma delas.
A primeira diz respeito à ocupação voluntária, ou seja, a adesão do jogo deve ser
livre, e o jogador deve estar desimpedido de qualquer coerção externa.
A segunda característica indicada por Huizinga está vinculada ao caráter tempo–
espacial do jogo. Em uma palavra, o jogo, como todo fenômeno social, ocorre de modo
objetivo num lugar específico (incluindo aspectos geográficos) e num tempo específico.
Embora o jogo traga ao jogador a superação dos interditos (CAMARGO; PAIT;
CARNEIRO, 2005), objetivamente ele está localizado na História. Em outras palavras,
podemos dizer que duas crianças estão jogando. O jogo dessas crianças ocorre num ambiente
específico, com pessoas específicas (espaço) e num momento específico (ontem, hoje,
agora...).
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Surge então uma questão as ações observadas garantem a presença do jogo? Para
Huizinga, uma atividade pode deixar de ser jogo quando extrapola o êxtase (prazer, a emoção,
o deslumbramento) ou quando o jogador a encara com frivolidade ou desprezo. A respeito
disso, Huizinga (1999) argumenta:
“[...] a frivolidade e o êxtase são os dois pólos que limitam
o âmbito do jogo.” (HUZINGA 1999, p. 24).
A terceira característica apontada por Huizinga está vinculada ao caráter livre das
regras. O autor destaca que embora o jogo comporte regras, estas podem ser implícitas ou
explícitas.
Outros jogos, dos quais os “jogos do faz-de-conta” são um exemplo, apresentam regras
implícitas. Nestes, quando uma criança escolhe ser a mamãe, ela certamente assumirá
características que são próprias desta personagem. Assim, regras de condutas próprias desta
figura deverão ser observadas por aquele que a elegeu como ‘sua personagem’.
Destacamos ainda que esta característica possibilita um ambiente muito fértil para o
desenvolvimento moral, como mencionado no tópico anterior. Cabe ressaltar que apesar da
obrigatoriedade das regras, todas elas são previamente aceitas pelos jogadores e possibilitam o
aparecimento da ordem em meio à desordem harmônica.
Outra importante característica é que o jogo possui um fim em si mesmo, ou seja, ele
possui um fim na sua própria realização, portanto não prepara para algo maior, como visto em
determinados momentos históricos (no tópico 1.2).
Embora o jogo tenha um fim em si mesmo, quem joga não fica livre das consequências
advindas das ações desenvolvidas durante sua realização. Sobre esta característica, ressalta
Scaglia (2003, p.50):
[...] pode-se entrever que o impulso de autossuperação se caracteriza como
o catalisador do prazer decorrente do jogo, além de proporcionar liberdade
de expressão do ser que joga suas vontades a cabo de seu entendimento,
evidenciando seu caráter lúdico.
Como quinta característica, temos a tensão e alegria”. Como se sabe, o ambiente do
jogo é marcado pela imprevisibilidade e incerteza, pois enquanto ele ocorre, acontecem
inúmeras mudanças, alternâncias, associações, o que gera tensão. No entanto a alegria
encontrada no mesmo ambiente não é descaracterizada. Dito de outro modo, encontramos
uma compenetração sem excessiva seriedade.
Quando mencionamos que o jogo “não é sério”, não estamos dizendo que há “ausência
de seriedade”. Esta parece ser uma afirmação contraditória, mas podemos explicá-la.
Mencionamos que, ao jogar, o jogador o faz de modo compenetrado, demonstrando o seu
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envolvimento com a ação. Logo esta atenção dispensada ao jogo faz alusão ao valor que o
jogador atribui à atividade. Considera-se que não se atribui valor a algo sem considerá-lo
importante, relevante e sério.
Assim a ausência de seriedade está relacionada ao modo como se conduz o momento
do jogo. Sendo este ambiente marcado em alguns momentos pela comicidade, pelo riso,
contrapõe-se à atividade ‘séria’ do trabalho. Menciona o autor:
“[...] mas insistimos uma vez
mais: o jogo autêntico e espontâneo também pode ser profundamente sério”
(HUIZINGA, 1999, p.
24).
Embora a maioria dos autores enalteça o jogo por seu caráter prazeroso, Kishimoto
(2003) adverte que Freud e Vygotsky apresentam um olhar diferente quanto ao "prazer
(alegria) demonstrado pelo jogador". Para Vygotsky o jogo pode ser realizado com esforço e
relativo desprazer quando se busca o objetivo estabelecido pela brincadeira.
para Freud, expoente da Psicanálise, o desprazer é elemento constitutivo do jogo e
está relacionado aos momentos catárticos (considerados extremamente dolorosos) presentes
nas situações próprias em que o jogo acontece.
Embora se encontrem tais divergências, que se destacar que a grande marca da
presença do jogo é o ‘prazer de jogar’.
É em meio a esse ambiente de prazer e tensão que nasce a sexta característica, a
sensação de arrebatamento e entusiasmo, impressão que possibilita um ritmo e uma
harmonia extremamente cativantes. Segundo Scaglia (2003, p.51),
[...] o jogo, ao mesmo tempo, é lúdico e sério, e talvez se encontre uma
das suas mais valiosas virtudes. Assim sendo, o jogo apresenta inúmeras
outras características paradoxais, tais como: ordem, desordem, tensão,
movimento, mudança, solenidade, ritmo e entusiasmo.
Cabe ressaltar que brincar geralmente é acompanhado por uma relativa distância da
vida cotidiana, permitindo um mergulho no mundo imaginário. Seria como que uma
suspensão da realidade, embora o jogador sempre saiba que está apenas jogando. Nesse
sentido, ouvimos cotidianamente as crianças dizerem “é mentira, estava apenas brincando”.
Huizinga (1999, p.26) destaca:
[...] o jogo autêntico possui, além de suas características formais e de seu
ambiente de alegria, pelo menos um outro traço dos mais fundamentais, a
saber, a consciência, mesmo que seja latente, de estar apenas “fazendo de
conta”.
Com esta mesma ótica, Scaglia (2003, p.51) enfatiza:
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[...] destarte, o jogo torna-se uma suspensão da realidade, uma forma de
manipulação de algo que não é vida corrente, nem real (mantendo
semelhanças e vínculos com o sagrado, o profano e seus rituais). Um
momento de deformação da vida quotidiana, um jogo de faz-de-conta
quando possível consciente, levando-se em conta o nível de
desenvolvimento cognitivo do jogador, por exemplo.
Esse acesso ao imaginário permite que o jogador seja revestido de poderes que o
jogo lhe permite. Em situação de jogo, um simples artesão pode ocupar posições como rei ou
outra ilustre figura. Ainda nos jogos, e em especial nos jogos simbólicos, a pessoa pode voar,
pular, realizar ações que só no imaginário seriam possíveis.
Vale destacar que essa liberdade propiciada pelo jogo é analisada de modo diferente
por alguns autores. Exemplificando, para Piaget (1978):
“[...] o jogo do “faz-de-conta” traz como
destaque a deformação ao processo de assimilação e acomodação onde os objetos, por exemplo,
passam a adquirir características distantes das que lhe são reais. (Idem, s/p).
Já Vygotsky (2000, s/p) afirma:
[...] que o jogo, ou mais especificamente o brinquedo, pode favorecer na
criança o contato com a realidade, permitindo que esta antecipe vivências
que só são possíveis ao jovem ou adulto; como exemplo, a criança brinca de
ser mãe.
Como mencionamos, outro autor que refletiu sobre a caracterização do jogo foi
Henriot (1989, apud Kishimoto, 2003), o qual apresentou uma preocupação próxima à de
Wittgenstein, buscando identificar o eixo comum que une as diferentes concepções sobre o
jogo.
Para este autor, o que caracteriza todo e qualquer jogo e ao mesmo tempo o que o
diferencia de outras condutas é a presença de uma atitude mental marcada por três
características: o distanciamento da situação, a incerteza dos resultados e a ausência de
obrigação.
Ao comentar as contribuições dos estudos de Henriot, Kishimoto (2003, p.4) afirma:
[...] portanto, para se ter a dimensão completa do jogo, é preciso analisar dois
elementos: a situação concreta, observável, compreendida como jogo, e a atitude
mental do sujeito, envolvido na atividade. Nem sempre a conduta observada por um
pesquisador é jogo, uma vez que se pode manifestar um comportamento que,
externamente, tem a semelhança de jogo, mas não está presente a motivação interna
para o lúdico. É preciso estar em perfeita simbiose com o jogador para identificar,
em sua atitude, o envolvimento no jogo.
Nos trabalhos de Caillois (1990), são destacadas as seguintes características do jogo:
primeira, a liberdade de ação do jogador; segunda, a separação do jogo no limite
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espaço e tempo; terceira, a incerteza que predomina no caráter improdutivo de não
criar nem bens nem riqueza; e a quarta, suas regras.
Nesta definição, o autor introduz um novo elemento, já cunhado por Huizinga: a
natureza improdutiva do jogo.
Ao tratar da natureza improdutiva do jogo, Caillois (1990) destaca que o jogo é
caracterizado pela ação voluntária do jogador, tendo um fim em si mesmo, não visando a,
necessariamente, criar nada ou ter um produto final. Nesse caso, destaca-se o processo e
não o fim, importando o ato em si de brincar que o jogador se impõe. Assim o jogador está
“livre’’ da preocupação com a aquisição de conhecimento ou desenvolvimento de qualquer
habilidade mental ou física. Entretanto vale ressaltar que não está livre das consequências
do jogo.
Outra contribuição relevante apresentada por Caillois (1990) está no destaque que
atribui à incerteza presente no jogo”. Para o autor, no jogo não é possível prever com
antecedência os rumos da ação dos jogadores, estando a incerteza sempre presente. A
determinação está relacionada a fatores intrínsecos, às motivações pessoais e aos estímulos
extrínsecos, como as condutas dos outros jogadores.
Outro autor que buscou rediscutir as características do jogo foi Christie (1991b, apud
KISHIMOTO, 2003). São apresentados seis critérios que podem auxiliar na identificação dos
jogos: primeiro, a não literalidade; segundo, o efeito positivo; terceiro, a flexibilidade;
quarto, a prioridade do processo de brincar; quinto, a livre escolha; e sexto, o controle
interno.
A primeira dessas características a não literalidade está relacionada ao predomínio
da realidade interna sobre a externa. A realidade é transformada pela ação interna ou pelo
imaginário, o que faz com que todos os componentes do mundo real possam revestir-se de
características que lhes são estranhas: um cabo de vassoura, por exemplo, pode transformar-se
em um cavalo, ganhando vida e função não habitual.
O jogo é também caracterizado por seu efeito positivo a segunda característica.
Para Christie (1991b, apud KISHIMOTO, 2003), o jogo é marcado pela abundante presença
da satisfação ou da alegria. Há vários sinais que podem indicar esta mobilização interna; entre
eles estão os sorrisos. Entendemos que esse efeito ou resultado positivo do jogo pode trazer
benefícios para o bem-estar físico e também ser estendido à saúde e ao desenvolvimento
moral e social. Essa compreensão tem sido validada pelas pesquisas que buscam conhecer a
possível relação entre a saúde da alma e a saúde do corpo. Há, nesse caso, inúmeros estudos
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que indicam que o estado de humor pode trazer benefícios ou prejuízos diretos ao aparato
orgânico.
Voltando ao destaque apresentado por Christie (1991b, apud KISHIMOTO, 2003),
podemos ainda confirmar sua análise ao observarmos as diferentes situações de jogo nas quais
os sinais de alegria e do prazer são facilmente identificáveis.
O terceiro item que caracteriza o jogo é a flexibilidade. O movimento criador é
especialmente presente em situações de jogo, nas quais os jogadores podem realizar
combinações novas de ideias e comportamentos. Esse mesmo movimento não é tão comum
em situações diretivas em que, ao se buscar o objetivo, é necessário não inovar, mas
reproduzir o que já está previamente determinado.
Essa característica está presente também nos estudos de Bruner (1976, apud
KISHIMOTO, 2003), que demonstram a importância do jogo para a realização do novo. As
situações de jogo podem, segundo este autor, favorecer a flexibilidade, que se opõe à rigidez,
permitindo maneiras inusitadas de resoluções de problemas, o que pode, portanto, auxiliar no
desenvolvimento da criança, tornando-a mais hábil para lidar com o novo.
A quarta característica destaca a prioridade do processo de brincar. Em situação de
jogo, o processo se reveste de tal importância que o resultado perde o status” de elemento
principal. O jogador se desprende do fim, enquanto alvo, e pode apreciar prazerosamente o
desenvolvimento da atividade, sendo o processo legítimo e valorizado por si mesmo e não
pelo produto final. Destaca-se nessa característica o fato de que o jogo pode ser utilizado de
maneira inadequada, o que às vezes acontece em sala de aula e acaba sendo responsável por
descaracterizá-lo, que muitas vezes passa a ser utilizado com objetivos específicos que
ressaltam o seu fim criar habilidades ou proporcionar aquisição de conteúdos em
detrimento do processo.
Em consonância com Christie, Freire (2002, p.81) faz-nos uma advertência e um alerta
sobre o mau uso e a descaracterização do jogo:
[...] quando serve a pedagogia, o jogo, de modo geral, deixa de ser jogo para ser
profanado por estratégias que, de modo algum, levam em conta o verdadeiro papel
educativo da atividade lúdica. Porém, mesmo correndo esses riscos, desde que
atento a eles, não há por que não corrê-los.
A livre escolha é a quinta característica apresentada por Christie (1991b, apud
KISHIMOTO, 2003). Essa característica, embora de fácil explicação, traz implicações
bastante sérias. Segundo a autora, um jogo só pode ser considerado como tal quando é
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escolhido pelo jogador. As situações nas quais o sujeito participa por força ou coerção não são
situações de jogo, mas de trabalho e ensino.
Para Christie (1991b, apud KISHIMOTO, 2003), estas características podem indicar se
uma determinada conduta pode ser denominada ou não como jogo. Nesse caso, considera-se
que as quatro primeiras características a o-literalidade, o efeito positivo, a flexibilidade e
a finalidade em si – podem ser as mais úteis e confiáveis para se identificar a presença ou não
do jogo.
as duas últimas características a livre escolha e o controle interno são
possivelmente as mais úteis para aqueles que desejam estudar a concepção de jogo presente
nos professores – se estes concebem as atividades escolares como jogo ou trabalho.
Outro estudioso do fenômeno foi Fromberg, que buscou igualmente precisar quais as
características comuns aos diferentes jogos. Segundo este autor (FROMBERG, 1987, apud
KISHIMOTO, 2003), o jogo apresenta seis características de destaque: primeira, o
simbolismo, uma vez que permite a representação da realidade e de atitudes; segunda, a
significação, por permitir relacionar ou expressar experiências; terceira, a atividade, uma vez
que se considera a realização ampla de ações e coisas; quarta, a voluntariedade ou a
motivação intrínseca, dada a presença da opção deliberada do jogador pelo uso do jogo;
quinta, a presença das regras, considerando-se a presença de regras implícitas ou explícitas;
sexta, o ser episódico, tendo em conta que o jogo é caracterizado por metas desenvolvidas
espontaneamente.
Ao buscar uma síntese das caracterizações apresentadas pelos diferentes autores,
Kishimoto (2003) afirma:
[...] em síntese, excetuando os jogos dos animais que apresentam peculiaridades
que não foram analisadas, os autores assinalam pontos comuns como elementos que
interligam a grande família dos jogos: liberdade de ação do jogador ou caráter
voluntário e episódico da ação lúdica; o prazer (ou desprazer), o “não-sério” ou o
efeito positivo; as regras (implícitas ou explícitas); a relevância do processo de
brincar (o caráter improdutivo); a incerteza de seus resultados; a não literalidade ou
a representação da realidade; a imaginação e a contextualização no tempo e no
espaço. São tais características que permitem identificar os fenômenos que
pertencem à grande família dos jogos. (KISHIMOTO, 2003, p.7).
Como pôde ser observada, a busca da caracterização das manifestações que envolvem
o contexto do jogo é bastante exaustiva, quase interminável. Diversos autores refletiram sobre
este fenômeno lúdico e apontaram inúmeras características.
Conquanto nos ajudem a compreender elementos que compõem e preservam o
ambiente do jogo, essas características circunscrevem-se apenas ao processo organizacional
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externo de sua prática, o que não deixa de ser importante. Todavia, vale dizer, ele é
constituído por elementos internos, ou melhor, por motivações intrínsecas.
Com isso em vista, iniciaremos um novo tópico abordando o caráter subjetivo do jogo
e sua dinâmica sistêmica de funcionamento na relação motivação interna, ambiente e ação.
1.6 As manifestações subjetivas na compreensão do jogo
Brincava a criança / com o
carro de boi / sentiu-se
brincando / e disse, eu sou os
dois.
Fernando Pessoa
O caminho percorrido aaqui nos permite inferir que a densidade de nosso objeto de
estudo expressa sua relevância e, sobretudo, sua complexidade. Iniciamos o primeiro tópico
deste capítulo buscando encontrar a intrínseca relação de nossa história com o jogo.
Por conseguinte, no segundo tópico, fizemos uma ‘viagem’ cronológica sobre as
principais concepções históricas encontradas em culturas e épocas diferentes, o que nos
possibilitou conhecer a evolução conceitual e sua aplicabilidade.
Posteriormente, no terceiro tópico, discutimos a dificuldade etimológica que
circunscreve o termo jogo e sua estreita relação com o brinquedo e a brincadeira. Destacamos,
ainda, as muitas áreas do conhecimento humano que têm se dedicado a estudar este
fenômeno.
Em seguida, apresentamos as classificações do jogo segundo diferentes estudiosos de
diferentes áreas do conhecimento.
Na sequência, trouxemos os elementos e características comuns aos jogos que podem
nos auxiliar na busca de uma caracterização geral que englobe as muitas nuanças desse
complexo fenômeno.
Poder-se-ia presumir que após ‘percorrermos’ os cincos tópicos anteriores, teríamos
encontrado todos os elementos necessários para identificarmos o que culturalmente
denominamos jogo, contudo não é o que podemos afirmar.
Ainda que tenhamos identificado uma proximidade conceitual sobre o jogo, não
acreditamos que ela tenha abrangido toda a dimensão do fenômeno.
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Em concordância com Freire (2001; 2002), acreditamos que a investigação do jogo
não deve se restringir ao estudo da linguagem. “[...] de modo que não seria a linguagem a
fortalecer definitivamente o conceito que queremos aqui desenvolver.” (FREIRE, 2001, p.
37).
Embora tenhamos construído um importante trajeto ao identificar elementos aparentes
desse fenômeno, vimos que ele não é constituído tão-somente de fatores externos e
‘palpáveis’.
Conquanto reconheçamos as importantes contribuições dos pesquisadores e teóricos
na identificação e caracterização do jogo, faz-se necessário avançarmos para compreendermos
‘além das aparências’, como o destaca Scaglia (2003, p.59):
[...] sendo assim, não posso simplesmente descartar o inventário feito por
outros autores, e em especial Huizinga (1999) mesmo porque eles me
ajudam a compreender o jogo jogado –, mas encontro neles apenas os
produtos e subprodutos de uma organização maior, permitindo evidenciar
que, ao estudar o comportamento lúdico no jogo, é preciso percebê-lo para
além de suas aparências, imbricamentos culturais e facilitação
(desencadeamento) de aprendizagem.
Como menciona o autor, ainda que tenhamos identificado estruturas, características do
jogo, ou até mesmo seu comportamento lúdico, esses elementos são apenas fatores externos
de uma ação. Ou seja, são elementos objetivos que podemos constatar visualmente. Todavia o
jogo é constituído por um caráter subjetivo, advindo de motivações intrínsecas:
[...] vale lembrar que esse comportamento é atitude externalizada, a qual
posso observar. Observo o concreto, o palpável, o real, porém o jogo é
também “irreal” (predomínio do subjetivo), é mais um estado de espírito
que apenas externalização de comportamentos (objetivos) gerados a partir
de regras claras ou latentes, é a ascendência da forma sobre o conteúdo.
Desse modo, por exemplo, posso até dizer que num mesmo jogo de futebol,
um jogador pode estar jogando e sendo jogado e outro não, apenas se
movimentando segundo as regras ou até talvez trabalhando, ao se pensar
em alguns jogadores do jogo/esporte futebol. Pois, se o jogador não adentrar
(ser absorvido) o mundo do jogo, não se deixará levar pelo embalo do jogo.
O estabelecimento de um ambiente de jogo advém de motivações
intrínsecas, dependentes da entrega e do desejo do jogador. (SCAGLIA,
2003, p. 59-60).
De acordo com o que acabamos de ver, mesmo que tivéssemos preservado todas as
características para o ambiente de jogo, sem nenhum tipo de coerção ou diretividade, ainda
Cap. I O Jogo
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assim correríamos o risco de termos toda a estrutura organizacional e não o elemento
essencial da motivação⁄desejo interno – intrínseco
7
.
Pudemos presenciar inúmeras vezes ao longo do magistério, na disciplina de Educação
Física escolar, jogadores⁄alunos que, tomados e absorvidos inteiramente pelo jogo,
externalizavam seus devaneios; em contrapartida, deparamo-nos com outros que
aparentemente fingiam jogar para apenas (usando o termo pertinente ao assunto) ‘cumprir
tabela’
8
. Scaglia (2003, p.62) atinou com isso:
[...] no mundo do jogo tem-se a oportunidade de extravasar aquilo
(conhecimentos os possíveis) que não se tem certeza de que é possível
acontecer e fazer, e nesse ínterim, por exemplo, é que as jogadas, até antes
nunca vistas, se realizam, como num passe de mágica, dando azo à arte;
valorizando-se, assim, o estético em detrimento do funcional e pragmático.
Logo, pode-se afirmar que é o ato de jogar (união do desejo com a entrega do jogador)
que revela o jogo. Segundo Freire (2001; 2002) e Scaglia (2003), “o jogo existe através de
suas manifestações”. Assim, não são considerados jogos as atividades ou situações específicas
apenas por, comumente ou culturalmente, serem chamadas de jogo.
Cabe ressaltar que embora tenhamos identificado esse caráter subjetivo, não estamos
afirmando que essa suspensão da realidade tem uma conotação de aprisionamento ou apenas
distanciamento e fuga da realidade. Mesmo estando ‘em estado’ de jogo, é possível um
diálogo entre o real e o imaginário, ou melhor, é possível levar as experiências do universo
subjetivo para o cotidiano concreto e real. Encontrarmos em Scaglia (2003, p.64) esse mesmo
pensamento:
[...] o mundo do jogo passa a ser então um terreno fantástico, arrebatador,
concatenando-se com a realidade. Não se configura um local de fuga, como
pode, desavisadamente, parecer a priori, atribuindo-lhe até um falso caráter
alienante.
9
O ambiente de jogo, por si só, não permite que a realidade
simplesmente seja deixada de lado, porém de uma forma muito peculiar ela
permanece suspensa.
7
Metáfora utilizada por João Batista Freire em sua tese de Livre-docência (2001) e em seu livro “O jogo: entre o
riso e o choro” (2002) e por Alcides Scaglia em sua tese de doutorado (2003).
8
“Cumprir tabela” é um termo muito comumente utilizado no ambiente esportivo quando, por exemplo, um
jogo em que um dos times está classificado e joga contra um outro, já desclassificado, cumprindo, assim,
apenas o compromisso e as obrigações burocráticas do cronograma da competição.
9
Avaliado sob esta perspectiva, o jogo é subversivo, pois encontra-se no Ser do Jogo um sujeito histórico que,
apesar de experimentar relativo cerceamento da cultura (num sentido lato), tem o poder de modificar o real (a
cultura num sentido estrito). Porém é preciso salientar a necessidade de um ambiente rico e diversificado para
abastecer o jogo com conteúdos, que serão embalados pela forma nas mãos do Ser do Jogo. Logo o jogo será
alienante na perspectiva de se anular esse ambiente de Jogo que propomos, como, por exemplo, por meio dos
jogos funcionais/instrumentais ou mesmo recreativos, indiscriminadamente disseminados nas aulas de Educação
Física, os quais têm na figura do professor/animador o seu comandante. Nesse sentido, sim, acreditamos que o
jogo possa adquirir contornos alienantes e manipuladores; segundo a perspectiva que propomos, não. Com
essa conotação, ele é subversivo.
Cap. I O Jogo
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De acordo com essa ótica, podemos inferir que embora o jogo se configure
subjetivamente, sempre estará ancorado na realidade e, portanto, não pode apresentar um
caráter alienante, até porque quem joga permitiu-se jogar. Gadamer (2002, p. 175) tem algo
importante a nos dizer sobre isso:
[...] aquele que joga sabe, ele mesmo, que o jogo é somente jogo, e que se
encontra num mundo que é determinado pela seriedade dos fins. Mas isso
não sabe na forma pela qual ele, como jogador, imaginava essa relação com
a seriedade. Somente então é que o jogar preenche a finalidade que tem,
quando aquele que joga entra no jogo. Não é a relação que, a partir do jogo,
de dentro para fora, aponta para a seriedade, mas é apenas a seriedade que
no jogo que permite que o jogo seja inteiramente um jogo. Quem não
leva a sério o jogo é um desmancha-prazeres. O modo de ser do jogo não
permite que quem joga se comporte em relação ao jogo como em relação a
um objeto. Aquele que joga sabe muito bem o que é jogo e que o que está
fazendo é ‘apenas um jogo’, mas não sabe o que ele ‘sabe’ nisso.
Com este autor, identificamos a complexidade que envolve a compreensão do jogo,
sendo necessário olhar todos os elementos levantados ao longo deste capítulo para podermos
entender as nuanças do fenômeno.
Dito de outra forma, torna-se necessário compreendermos as diferentes conotações do
jogo construídas historicamente, sua interligação com o brinquedo e a brincadeira, a limitação
etimológica envolvendo o termo, suas diferentes classificações ou tipos, as principais
características que o cerceiam e seu caráter subjetivo para nos aproximarmos de sua
abrangência.
Mesmo buscando realizar esta análise de modo bastante criterioso, o podemos ter a
falsa ideia de que os elementos que constituem o jogo podem ser vistos em separado. Se não
mantivermos um diálogo entre esses elementos que buscam descrever o que é o jogo,
poderemos até mesmo reduzi-lo. Foi o que afirmou Freire (2001, p. 44):
[...] agir de modo a fragmentar o fenômeno em partes, analisando cada uma
das partes separadamente, juntando-as ao final, produz não uma
compreensão, mas uma ilusão. O problema do jogo é complexo e deve,
portanto, ser pesquisado do ponto de vista dessa complexidade.
Logo se faz necessário compreendermos o jogo de maneira sistêmica, ou melhor, a
partir da complexidade dos imbricamentos existentes no ambiente e elementos que o
constituem. Ao falar em complexidade, para obtermos o devido entendimento, recorremos às
ideias de Morin: “[...] a complexidade paradoxal da consciência... ao mesmo tempo subjetiva e
Cap. I O Jogo
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objetivante, distante e interior, estranha e íntima, periférica e central, epifenomenal e essencial.
(MORIN, 2000, p. 17).
O termo complexidade faz referência a um novo paradigma científico que vem
rompendo com o modelo fragmentado de compreensão do universo. Essa compreensão
sistêmica rompe com a visão que enxerga os fenômenos de forma separada e
descontextualizada e propõe o entendimento a partir de sua dinâmica e inter-relação de seus
elementos. Freire (2002, p. 8) igualmente advoga por esta necessidade:
[...] passamos séculos, desde a inauguração da ciência moderna,
fragmentando cada fenômeno para tentar compreendê-lo a partir do estudo
de suas partes. Ao ajuntá-las, o conjunto frustra-nos. O fenômeno humano,
como a natureza de modo geral, é complexo e não pode ter soluções
simplistas. Porém, ter olhos para a complexidade exige bem mais que um
certo esforço de mudança. Somente a ruptura com paradigmas clássicos e o
surgimento de outros que os substituam podem permitir aos pesquisadores
enxergar o mundo talvez como ele seja de fato.
Scaglia (2003, p. 54) também ressalta a importância de romper com o modelo
científico mecanicista, avançando para uma visão ecológica
10
e sistêmica na concepção de
universo:
[...] a complexidade, ou melhor, o pensamento complexo, pode ser
considerado um paradigma emergente que nasce no bojo de revolucionárias
ideias decorrentes do imbricamento de várias áreas do conhecimento, as
quais buscam definitivamente romper com o paradigma
mecânico/cartesiano e seus dualismos positivistas, buscando entender o
mundo a partir de uma visão ecológica e sistêmica.
Tendo isso em vista, acreditamos ser indispensável olharmos o jogo conhecendo todos
os elementos (externos e internos) que o constituem, mas impreterivelmente conhecendo a
dinâmica sistêmica de seu funcionamento. Como destaca Scaglia (2003, p. 53):
[...] o jogo é complexo, logo ordem e desordem, certezas e incertezas,
confusão e clareza coabitam um mesmo sistema, que não prevê apenas
soluções, mas problemas, sem eliminar a simplicidade e tampouco a
complexidade.
[...] o jogo é ambientado, devido à subjetividade – interna – predominante, a
qual influencia e é influenciada pela objetividade – externa –, criando,
assim, um ambiente próprio, específico, de jogo. (Idem, p. 53).
10
A visão ecológica, entendida num sentido mais amplo e profundo, seria o novo paradigma que substitui o
obsoleto cartesiano/mecanicista. Segundo Capra (2001b, p. 25), “A percepção ecológica profunda reconhece a
interdependência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos
todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desse processo)”.
Cap. I O Jogo
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Sob essa ótica, a analogia proposta anteriormente (tópico 1.3) por Wittgenstein (1975,
apud KISHIMOTO, 2003), sobre semelhanças de família, tornar-se-á importantíssima para
nossa compreensão. Embora o termo família seja utilizado como analogia e, portanto, de
forma abstrata, ele se concretiza através dos membros (pessoas) que, embora diferentes,
guardam traços e semelhanças advindos de um grau (ligação) de parentesco e de uma carga
genética.
Transpondo esse conceito para o jogo, temos uma formulação abstrata (como a
família) que se concretiza por suas ações (dança, esporte, brincadeira, lutas...). Embora
essencialmente diferentes, essas ações possuem características semelhantes, herdadas ou
advindas de uma mesma árvore genealógica, o jogo.
[...] o jogo é abstrato. Ele se concretiza por intermédio de suas
manifestações jogo/brincadeira, jogo/esporte, jogo/dança, jogo/lutas...,
constituindo-se como uma família conceito a priori abstrato que se
concretiza por seus componentes (indivíduos pai, mãe, filhos...).
(SCAGLIA, 2003, p. 60).
Concluímos que todas as nuanças que circunscrevem este fenômeno o tornam sedutor.
E Fernando Pessoa parece conhecer muito bem esse poder de persuasão do jogo quando
menciona:
Brincava a criança / com o carro de boi” (manifestação, ambiente externo do jogo) /
sentiu-se brincando” (seduzida pelo jogo) / e disse, eu sou os dois” (entregou-se, movimento
subjetivo).
Na continuidade de nosso trabalho, inauguraremos um novo capítulo, onde serão
abordados os diferentes momentos históricos da Educação Física no Brasil.
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A EDUCAÇÃO FÍSICA
Cap. II A Educação Física Escolar
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Capítulo II A Educação Física
2.1 A história da Educação Física no Brasil
Neste capítulo abordaremos especificamente a história da Educação Física. Como bem
o anuncia Daolio (2003), em texto que escolhemos como epígrafe desta seção, o termo que dá
nome à disciplina evoca uma construção histórica que, entre outros aspectos, abarca a ideia de
corpo difundida por seus profissionais.
Seguir os caminhos do que hoje denominamos Educação Física nos permite
compreender melhor sua configuração atual e as crenças e ideários a ela vinculados.
Ressaltamos, ainda, que se torna plausível esse conhecimento uma vez que pretendemos
desvelar as concepções construídas nessa área.
Portanto o que pretendemos, para o momento, é buscar na história os elementos que
explicam sua configuração atual, que objetivamos na presente pesquisa conhecer as
concepções dos professores sobre o papel desta disciplina no ambiente escolar.
Para conhecer tais concepções, apresentaremos as principais influências pedagógicas e
os movimentos ‘ideológicos’ que configuraram esta área do conhecimento humano.
Apresentaremos, assim, ao longo deste capítulo, os diferentes momentos vivenciados pela
Educação Física no Brasil.
Recentemente, Betti (1991, 1992) e Kunz (1989) apontaram que até os dias atuais a
Educação Física escolar ainda é confundida com o esporte. A referência de conteúdo para as
aulas de Educação Física se limita ao esporte, segundo o olhar da maioria dos alunos e o de
alguns profissionais da área, como mostram os estudos por estes empreendidos.
Podemos deduzir que esse fato pode ocorrer principalmente devido às influências
historicamente construídas pela Educação Física que, dentre muitos movimentos e modismos,
anunciou o esporte como conteúdo de referência para a promoção da nação, como o veremos
mais à frente.
Estudos de Betti (1991) apontam referências sobre o surgimento da Educação Física,
destacando que seu início oficial foi no ano de 1851, com a Reforma Couto Ferraz, que
Compreende-se que a própria ideia de
Educação Física é uma construção
social, tal como a noção do corpo que
ela difunde por intermédio de seus
profissionais.
Jocimar Daolio
Cap. II A Educação Física Escolar
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40
apresentava bases para a reforma do ensino primário e secundário apenas no município da
corte.
Iniciamos nossa ‘viagem’ cronológica no final do século XVIII e início do século
XIX, período em que a Educação Física no Brasil sofre grande influência do pensamento
europeu. Nesse período, em especial no continente europeu, está em construção e
consolidação um novo modelo de sociedade a sociedade capitalista, na qual atividades
físicas terão uma conotação especial, assim como argumenta Soares et all (1992):
[...] esse tempo e espaço, ou seja, a Europa de fins do século XVIII e início
do século XIX, constitui-se em palco da construção e consolidação de uma
nova sociedade a sociedade capitalista –, onde os exercícios físicos terão
um papel destacado.
(Idem, p.51).
Destacamos que foram muitos e diferentes movimentos que influenciaram as
atividades dessa área, como, por exemplo, as ciências médicas, com o ideário do higienismo,
que apresentava o sentido da Educação Física como promoção de uma melhor higiene do
corpo para se obter, como resultado, a diminuição das doenças oriundas da falta de cuidados
corporais básicos.
[...] o
trabalho físico, então, na Europa dos anos oitocentos, passa a merecer
atenção das autoridades estatais, e liga-se ao tema dos cuidados físicos com
o corpo. E é nesses cuidados físicos com o corpo os quais incluíam a
formação de hábitos como: tomar banho, escovar os dentes, lavar as mãos –
que se faziam presentes, também, os exercios físicos, vistos
exclusivamente como fator higiênico.
11
(SOARES et all, 1992, p.51).
De acordo com Darido (1999), outro movimento importante para a Educação Física no
Brasil terá início com a importação dos modelos ginásticos europeus - alemão, sueco, francês
e inglês. É preciso entender que a ginástica difundida por esses modelos não era destinada às
unidades escolares. Assim, através da ginástica, a ainda não denominada Educação Física
adentra a escola, como menciona Soares et all (1992):
“[...] A ginástica⁄educação física praticada
não se destinava a uma população escolar, colocando-se, então, a necessidade de se elaborar
adaptações e até novas propostas”
(SOARES et all, 1992, p.52).
A ginástica, influenciada pelas ciências dicas, passa, então, por uma organização e
sistematização e adentra o universo escolar onde futuramente será denominada Educação
Física, como apresentaremos no decorrer deste capítulo.
11
Encontramos maiores detalhes e esclarecimentos sobre esse assunto em SOARES, C. L. O pensamento
médico higienista e a Educação Física no Brasil: 1850-1930. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 1990.
Cap. II A Educação Física Escolar
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41
Com o discurso da importância do aprimoramento físico dos indivíduos, ou melhor, de
que, com o exercício físico, temos fortalecimento e, consequentemente, saúde, a ‘Ginástica’
ganha reconhecimento das demais disciplinas que compõem o currículo. Soares et all (1992)
assim descreveram essa mudança conceitual da emergente disciplina:
[...] tiveram o mérito de aliar ao desenvolvimento da ginástica ou educação
física na escola a garantia de um espaço de respeito e consideração da área
perante os demais componentes curriculares. Dessa maneira, a educação
física ministrada na escola começou a ser vista como importante
instrumento de aprimoramento físico dos indivíduos que, “fortalecidos”
pelo exercício físico, que em si gera saúde, estariam mais aptos para
contribuir com a grandeza da indústria nascente, dos exércitos, assim como
com a prosperidade da pátria. [...] Desenvolver e fortalecer física e
moralmente os indivíduos era, portanto, uma das funções a serem
desempenhadas pela educação física no sistema educacional, e uma das
razões para a sua existência. (idem, p.52 – o grifo é nosso).
Pouco tempo depois, a Ginástica estava entre as matérias a serem ministradas no
ensino primário, e a Dança, no secundário. Mas até os primeiros anos da década de 30 do
século XX, a Educação Física limitava-se apenas às escolas do Rio de Janeiro, pois este
município, além de hospedar a corte, era também a capital da República.
Ao mesmo tempo em que a Educação Física sofria ‘transformações’, vários estados
brasileiros, de maneira geral, nesse mesmo período, realizavam reformulações em seus
sistemas de ensino.
Na maioria deles, a Educação Física foi incluída nos currículos escolares sob a
denominação de ginástica. A “ginástica” compreendia marchas, corridas, lançamentos,
esgrima, natação, equitação, jogos e danças (SOARES, 1996). Várias dessas reformas
culminaram nas grandes reformas nacionais que se realizaram a partir de 1930.
Em 1940, o Decreto-Lei 8.072 dispunha sobre a obrigatoriedade da educação cívica,
moral e física da infância e da juventude, e para ministrá-las foi organizada uma instituição
denominada “Juventude Brasileira” (BETTI, 1991).
Até meados dos anos 60, o método de Educação Física oficialmente adotado nas
escolas brasileiras ainda era de origem militar. Paulatinamente, foram sendo inseridos os
métodos ginásticos europeus, principalmente o Método Francês, proveniente da Escola
Militar Normal de Ginástica de Joinville-le-Pont, na França, divulgado no Brasil por uma
missão militar daquele país.
No Método Francês, a Educação Física era compreendida como:
[...] um conjunto de exercícios com o objetivo de fazer o homem atingir o
mais alto grau de aperfeiçoamento físico através das propostas: jogos,
Cap. II A Educação Física Escolar
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flexionamentos, exercícios educativos, aplicações, esportes individuais e
esportes coletivos. (BETTI, 1991, p.75).
Nesse período não existiam profissionais da área de Educação Física, já que não
existiam cursos de licenciatura ou bacharelado nesta área.
[...] as aulas de Educação Física nas
escolas eram ministradas por instrutores físicos do exército, que traziam para essas instituições os
rígidos métodos militares da disciplina e da hierarquia.”
(SOARES et all, 1992, p.53).
Portanto boa parte da identidade da área foi constituída sob influência do pensamento
militar, que apresenta como um dos principais objetivos da Educação Física a preparação
física dos homens para melhor rendimento e desempenho, o que resultaria em melhor controle
e mais segurança para a nação.
“[...] constituía-se, nesse sentido, um projeto de homem
disciplinado, obediente, submisso, profundo respeitador da hierarquia social.”
(SOARES et all,
1992, p.53).
Fica explícito que a Educação Física em nosso país sempre sofreu fortes influências do
militarismo, pois até a legislação determinava a instrução pré-militar e militar nos
estabelecimentos de ensino secundário, e a ginástica era conteúdo disciplinador com o
objetivo de ‘adestramento físico’.
[...] nesse período, a Educação sica escolar era entendida como atividade
exclusivamente prática, fato que contribuía para não diferenciá-la da
instrução física militar. Certamente, também não houve uma ação teórico-
prática de crítica ao quadro apontado, no sentido de desenvolver um corpo
de conhecimento científico que pudesse imprimir uma identidade
pedagógica à Educação Física no currículo escolar.
(SOARES et all,
1992, p. 53).
Regida por esse pensamento militar, outra preocupação estava relacionada à ideia da
melhoria e aperfeiçoamento da ‘raça’ brasileira. Acreditava-se que a ‘eugenia’ poderia ser
alcançada através da prática sistemática e orientada da atividade corporal, por intermédio das
aulas de Educação Física.
Outro forte movimento que influenciou a Educação Física no Brasil foi denominado
esportivização, que teve início logo após a 2ª Guerra Mundial, mais precisamente no limiar da
década de 50, com o Método Desportivo Generalizado, difundido pelo professor Augusto
Listello. Esse movimento tinha como principal desígnio inserir o conteúdo esportivo nas
atividades desenvolvidas pela Educação Física.
À ‘luzdo pensamento de Soares et all (1992), fica evidente as intenções presentes
nesse movimento:
[...] essa influência do esporte no sistema escolar é de tal magnitude que
temos, então, não o esporte da escola, mas sim o esporte na escola. Isso
Cap. II A Educação Física Escolar
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indica a subordinação de educação física aos códigos⁄sentidos da instituição
esportiva, caracterizando-se o esporte na escola como um prolongamento da
instituição esportiva: esporte olímpico, sistema desportivo nacional e
internacional. Esses códigos podem ser resumidos em: princípios de
rendimento atlético⁄desportivo, competição, comparação de rendimentos e
recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de
vitória, racionalização de meios e técnicas etc.”
(SOARES et all, 1992, p.
54).
Tamanha foi a identificação da área com esse movimento que, em pouco tempo, a
Educação Física foi confundida com atividades esportivas. Como mencionamos
anteriormente, os resultados das pesquisas apontavam o esporte como sendo o principal
elemento dessa área.
Logo se criou um binômio Educação Física/esporte que atingiu seu auge a partir da
década de 70 e sofreu novamente influências do aspecto político, com a ascensão do Regime
Militar.
O slogan mais conhecido da época foi esporte é saúde”, pois o objetivo do governo
militar era investir na disciplina para formar um exército composto por uma juventude forte e
saudável.
“[...] estreitaram-se ainda mais os vínculos entre esporte e nacionalismo, como por
exemplo: a campanha da seleção brasileira de futebol, na Copa do Mundo de 1970, para promover o
país.”
(BRASIL, 1998, p.21).
Encontramos, no Decreto nº 69.450, de 1971, a ênfase na aptidão física e no reforço da
iniciação esportiva nas atividades da Educação Física escolar, visando à descoberta de novos
‘talentos’, porque além da preocupação com a segurança nacional, encontrávamos também
um interesse preeminente na projeção política por intermédio dos resultados obtidos nos
eventos esportivos internacionais.
Por isso houve um forte investimento econômico na formação esportiva da criança, e a
base dessa formação deu-se por intermédio da escola e das aulas de Educação Física.
Diferentemente dos todos rígidos disciplinadores oriundos da ginástica e do
militarismo, encontramos nesse movimento apenas a busca de novos esportistas, o que
descaracteriza o ambiente escolar por transformar as aulas em “treinos esportivos”, o
professor em técnico e o aluno em atleta. (SOARES et. al, 1992).
Esse modelo teve grande aceitação entre os professores e tornou-se consenso o esporte
como principal conteúdo dessa disciplina. No entanto começaram a surgir novos estudos e
reflexões sobre a especificidade da Educação Física na escola e, com eles, os questionamentos
sobre o reducionismo da área, que teria apenas como função formar atletas, indo na
contramão dos objetivos da escola, cuja preocupação era formar pessoas.
Cap. II A Educação Física Escolar
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Encontramos também, ao longo da história, respaldo legal para garantir as atividades
da disciplina. A Educação Física esteve contemplada na primeira LDB (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional), 4.024, de 20 de dezembro de 1961, em seu artigo 22,
tornando-se obrigatória para os alunos dos cursos primário e médio, com idade até 18 anos.
Não se discute o processo, apenas o resultado final.
Cabe ressaltar os motivos pelos quais a legislação reforçava as práticas da Educação
Física, apoiando-se no discurso da necessidade da capacitação física do trabalhador, de um
corpo produtivo, portanto forte e saudável, e que fosse:
“[...] ao mesmo tempo dócil o bastante
para submeter-se à lógica do trabalho fabril sem questioná-la, portanto obediente e disciplinado nos
padrões hierárquicos da instituição militar.”
(CASTELLANI FILHO, 2002, p.06).
na Portaria 148, do MEC, de 27 de abril de 1967, uma ampliação no rol de
elementos a serem abordados como conteúdos na Educação Física escolar, tais como:
ginástica, jogos, desportos, danças e recreação, o que configura um significativo avanço.
Entretanto, nessa mesma Portaria, as competições esportivas são admitidas como atividades
regulares da Educação Física, configurando mais uma vez um retrocesso e a ênfase nas
práticas esportivas de alto rendimento.
Em outros artigos da legislação do MEC 168 (1956) e 148 (1967) –, admitia-se que
as competições esportivas substituíssem as aulas de Educação Física. Dessa forma, configura-
se mais uma vez a ênfase no esporte em detrimento do conhecimento sobre as atividades da
cultura corporal, que apresentaremos logo mais.
Em 1971, a Lei nº 5692, de 11 de agosto, em seu artigo 7º, deixa de fazer referência ao
limite de idade para a prática da Educação Física, e em seu artigo 6º, regulamenta os três
níveis de ensino. A prática da Educação Física torna-se facultativa “aos alunos que trabalham
mais de seis horas por dia”; “aos alunos maiores de 30 anos de idade; aos alunos que
estiverem prestando o serviço militar e, por fim, aos alunos incapacitados”, amparados por
legislação específica com a apresentação de atestado médico.
Passados 38 anos, ainda encontramos discursos calcados nesse artigo, justificados pelo
qual muitos alunos deixam de vivenciar as aulas, não sem contar com a legitimação de um
atestado médico, que, em muitos casos, é fraudulento.
Não estamos fazendo juízo de valores sobre os méritos pedagógicos ou didáticos das
aulas, apenas destacando o que, a nosso ver, manifesta uma negligência da política
educacional que possibilita essa ‘fuga’. Por outro lado, talvez essa seja a única saída para os
alunos conseguirem escapar das aulas que reforçam as exclusões e os estigmas encontrados no
cenário educacional atual.
Cap. II A Educação Física Escolar
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Nessa direção, seis anos mais tarde (Lei 6503, de 13 de dezembro de 1977), a
prática da Educação Física
12
tornou-se facultativa também “às mulheres grávidas (caberia
somente à mulher cuidar dos filhos) e “aos alunos de pós-graduação(íntima relação com
trabalho intelectual, afastando a necessidade da capacitação física para o trabalho
profissional).
no final da década de 70 e limiar da de 80, inicia-se um grande debate no cenário
nacional sobre os caminhos da Educação Física escolar. De acordo com Daolio (1997),
[...] com o regresso dos primeiros brasileiros doutorados no exterior, de-
se perceber o incremento da discussão da Educação Física como disciplina
acadêmica. O clássico artigo de Henry, de 1964, trouxe ao debate a
necessidade da Educação Física se tornar uma disciplina. (DAOLIO, 1997,
p. 27).
O regresso desses pesquisadores, portanto, inaugura uma grande discussão sobre novas
ideias e metodologias para o desenvolvimento acadêmico da disciplina de Educação Física.
Foi o que observou Daolio (1997):
[...] além dos brasileiros doutorados no exterior, colaboraram para o
surgimento de novas ideias, reflexões e propostas metodológicas na
Educação Física brasileira a criação dos primeiros cursos de pós-graduação
no país, a busca de parte de profissionais de Educação Física por cursos de
pós-graduação em outras áreas, sobretudo das ciências humanas. (DAOLIO,
1997, p. 28).
É notória também neste período a diferença do conteúdo teórico que começa a ser
disseminado dentro da área. As produções anteriores se restringiam aos aspectos tático-
esportivos e biológicos ou fisiológicos do exercício. Desse modo, inaugura-se um novo
‘olhar’ sobre as dimensões do movimento humano.
Portanto inicia-se uma discussão que transcende os limites da ciência biológica,
discutindo outras dimensões existentes na complexidade do movimento humano, assim com
alerta DAOLIO (1997):
[...] é interessante observar o conteúdo das publicações da área existente
antes e depois desse período. As poucas publicações anteriores referiam-se
principalmente às modalidades esportivas de forma técnico-tática, aos
12
Cabe destacar que, sob o olhar legislativo, a Educação Física não se configura como uma disciplina no
currículo escolar, pois se fizermos uma analogia com outras disciplinas, não encontraremos a apresentação de
nenhuma delas como facultativa. Por exemplo: se um aluno desenvolve sua atividade profissional sendo caixa de
uma rede de supermercados, atuação na qual todos os dias lida com as quatro operações numéricas (soma,
subtração, divisão e multiplicação), por ocasião desse contato estaria livre de cursar a disciplina de Matemática
no ensino regular? Obviamente que não, pois é preciso que o jovem profissional conheça a linguagem lógico-
matemática construída ao longo da história da humanidade. Com a Educação Física não deveria ser diferente,
todavia nos parece que esta disciplina nunca se tornará um componente curricular no ensino regular sob a ótica
da legislação educacional.
Cap. II A Educação Física Escolar
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tratados de fisiologia esportiva, e a manuais de preparação física. As obras
que se seguem a esse período começam a refletir sobre a Educação Física
não somente como uma atividade técnica ou biológica, mas a encaram
como fenômeno psicológico e social. Devido à própria carência de
referencial teórico dentro da área, difundiu-se também uma visão
interdisciplinar, a partir da qual as ciências historicamente constituídas
ofereciam base teórica para o estudo da Educação Física, do corpo e do
movimento humano, destacando-se dentre estas a Psicologia, a História, a
Sociologia e a Pedagogia. (DAOLIO, 1997, p. 28).
Essas mudanças são impulsionadas principalmente pelo momento histórico/político
que o país atravessava na ocasião, que instaurava a redemocratização, e ao mesmo tempo pela
demanda e pelo surgimento de cursos superiores de Educação Física, que aumentavam
significativamente, segundo destacaram os estudos de Daolio (1997):
[...] Caparroz (1996) afirma que o movimento de crítica que surgiu na
Educação Física na década de 80 foi decorrente de dois fatores marcantes.
Um deles foi o momento histórico sócio-político da sociedade brasileira a
partir dos anos 70, com o processo de redemocratização. O outro fator foi a
necessidade da própria área de se qualificar academicamente a fim de suprir
as necessidades colocadas pelo mercado de trabalho nas instituições de
ensino superior. (DAOLIO, 1997, p. 28).
Nesse cenário surgem autores como Medina (1983), Freire (1989), Castellani Filho
(1988), Daolio (1995), Betti (1991), Bracht (1991), Taffarel (1987), Ghiraldelli Junior (1988),
Darido (1999), entre outros, apresentando novos ‘olhares’ para a área.
Como resultado desse ‘debate intelectual’, despontam novas propostas pedagógicas
para a Educação Física. Passaremos, então, ao próximo item, apresentando as principais
correntes teórico-pedagógicas que influenciaram a Educação Física a partir da década de 80.
2.2 As Principais Correntes Teóricas da Educação Física no Brasil
No final da década de 70 e início da de 80, surgem, então, novas propostas
pedagógicas para a Educação Física escolar, em oposição aos modelos anteriormente
apresentados.
À ‘luz’ da reflexão de Darido e Sanchez Neto (2005), apresentaremos a seguir as
classificações das principais abordagens pedagógicas desenvolvidas em seus estudos. É
importante lembrar que elas foram influenciadas por diferentes áreas do conhecimento
humano.
Cap. II A Educação Física Escolar
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Iniciamos fazendo referência à psicomotricidade, tal como proposta por Jean Le
Bouch. Encontramos como principal foco dessa abordagem o ‘mapeamento’ e
desenvolvimento das habilidades básicas nas crianças.
É importante ressaltar o respeito desse autor pelo desenvolvimento e aquisição de tais
habilidades, o que diferenciava abruptamente sua concepção daquelas verificadas nos
movimentos predeterminados pela ginástica e que incluíam os gestos estereotipados
encontrados no processo de treinamento de uma habilidade esportiva. Para Le Bouch essa
aquisição se dava pelo movimento.
Outra expressiva contribuição nasce com a abordagem desenvolvimentista, que
apresenta a ‘habilidade motora’ como um dos conceitos mais importantes para a área. O
movimento é proposto como meio e fim da Educação Física escolar e tem uma grande
preocupação em adequar os conteúdos à faixa etária dos alunos.
As atividades tinham como objetivo o desenvolvimento motor, com as habilidades
básicas e específicas, além de jogos, esportes e danças. Seu principal representante é Go Tani,
professor titular da Universidade de São Paulo.
Também merece reconhecimento a corrente construtivista, que teve como base teórica
as contribuições epistemológicas de Jean Piaget para a aquisição do conhecimento, autor a
que já fizemos referência no capítulo I do presente trabalho.
Esta última corrente encontra uma expressão diferenciada nos estudos do professor
João Batista Freire. Para Freire (1989) a escola deve superar o divórcio da vida cotidiana. O
autor propõe que a escola valorize as experiências ou cultura que os alunos trazem como fruto
de sua interação com o mundo.
É através dessa abordagem que se inicia a discussão sobre a teoria do jogo dentro da
Educação Física escolar, tal como a apresentamos de forma exaustiva no primeiro capítulo
deste trabalho. Reafirmam-se, portanto, a importância e a grande contribuição do jogo para a
Educação, de maneira geral, e para a Educação Física, de maneira especial.
Encontramos outra importante contribuição na abordagem crítico-superadora, que
tem como base teórica o marxismo e o neomarxismo e discute a organização social através
das lutas de poder.
No Brasil, como principais colaboradores, podemos mencionar Valter Bracht, Lino
Castellani Filho e Carmem Lucia Soares. Essa abordagem valoriza a contextualização
histórica dos fatos e é compreendida como sendo um projeto político-pedagógico. Sugerem
que os mesmos conteúdos (conhecimentos sobre o jogo, esporte, dança e ginástica) devam ser
apresentados de maneira contextualizada e mais aprofundada ao longo dos anos.
Cap. II A Educação Física Escolar
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Outra abordagem, apresentada por Darido e Sanchez Neto (2005), é a ‘crítico-
emancipatória’. Embora encontremos semelhanças entre as abordagens crítico-superadora e
crítico-emancipatória, as duas possuem ‘olhares’ diferentes. Na abordagem crítico-
emancipatória, valoriza-se a compreensão crítica do mundo, da sociedade e de suas relações,
sem a pretensão de transformar esses elementos por meio da escola. Há, por exemplo, um
enfoque menor nas questões relacionadas à luta de classes.
Os elementos culturais que constituem os conteúdos dessa abordagem são: o jogo, o
esporte, a ginástica, a dança e a capoeira. Propõe-se que esses conteúdos sejam ensinados por
meio de uma sequência estratégica denominada “transcendência de limites” (encenação,
problematização, ampliação e reconstrução coletiva do conhecimento).
Nessa abordagem não encontramos um ou mais autores específicos que a representem,
entretanto rias outras propostas pedagógicas se apropriam de suas reflexões para
acrescentar estratégias metodológicas durante as aulas.
Outra importante abordagem, denominada abordagem da saúde renovada’, propõe
que o principal objetivo da Educação Física escolar é apresentar os conceitos básicos da
relação existente entre atividade física, aptidão física e saúde. Considera também a tomada de
consciência dos alunos sobre os benefícios da atividade física para o organismo, ou seja,
sugere, através de suas atividades, a autonomia no gerenciamento da aptidão física para todos
os alunos, e não somente aos mais aptos, o que resultaria em uma melhor qualidade de vida.
É importante ressaltar que esse movimento tem contribuído de forma expressiva para a
divulgação da importância da atividade física no cotidiano das pessoas, e as aulas seriam o
‘caminho’ para essa divulgação. Também nesta proposta não temos um ou mais autores de
referência.
Em 20 de dezembro de 1996, é sancionada uma nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional
. Através de seu artigo 26, §3º, essa lei destaca a permanência da Educação
Física na proposta pedagógica escolar.
“[...] Educação Física, integrada à proposta pedagógica da
escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da
população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.”
(CASTELLANI FILHO, 2002, p.22).
Uma das mais recentes abordagens é apresentada pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais: a abordagem cidadã. Essa proposta, elaborada por um grupo de pesquisadores e
professores mobilizados pelo Ministério da Educação e do Desporto, tem como principal
objetivo o desenvolvimento da cidadania por intermédio das atividades físicas.
Por meio destes documentos os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) –,
entende-se que a Educação Física na escola é responsável pela formação de alunos que sejam
Cap. II A Educação Física Escolar
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capazes: de participar de práticas corporais, por intermédio das quais possam adotar atitudes
de respeito, dignidade e solidariedade; de conhecer, valorizar, respeitar a pluralidade da
cultura corporal e dela desfrutar; de reconhecerem-se como elementos integrantes do
ambiente.
Os Parâmetros preconizam também que o aluno deve reconhecer a diversidade de
padrões de saúde, beleza e desempenho existentes nos diferentes grupos sociais; analisar
criticamente os padrões divulgados pela mídia; reivindicar, organizar e interferir no espaço de
forma autônoma, além de reivindicar locais adequados para promover práticas corporais de
lazer (BRASIL, 1998).
Localizamos nessa abordagem os seguintes conteúdos de referência para serem
desenvolvidos nas aulas: esporte, jogos, lutas, ginásticas, atividades rítmicas e expressivas e
conhecimentos sobre o corpo.
Ao avaliar as proposições presentes nos PCNs, Ribas (2002, p.22) afirma que esses
documentos apresentam orientações de qualidade para que o professor possa guiar os seus
objetivos educacionais. O autor afirma que são documentos básicos e indispensáveis para
qualquer ação pedagógica no território nacional.
E mais recentemente, encontramos na Lei 10.793, de 01/12/2003, a seguinte
determinação sobre as aulas de Educação Física: elas passam a ser facultativas não mais às
pessoas que estudam no período noturno, e sim às mulheres com prole, trabalhadores,
militares e pessoas com mais de 30 anos.
Como última novidade pedagógica dentro da área de Educação Física escolar,
observa-se a nova proposta curricular do Estado de São Paulo. Sua implementação, ou
melhor, sua experimentação teve início no ano de 2008 nesta unidade federativa que possui a
maior rede de ensino da América Latina. Finalmente, depois dos movimentos e modismos por
que a área passou ao longo de sua história de formação, parece contar com novo olhar e
perspectiva em seu componente curricular.
É importante ressaltar que a prática pedagógica dentro da rede estadual, mesmo
fazendo referência aos PCNs, não possuía um eixo único de trabalho dentro das ações
didáticas para a disciplina. Identificávamos, ao invés de uma, todas as tendências
(psicomotricidade, desenvolvimentista, construtivista-interacionista, crítico-superadora,
crítico-emancipatória, saúde renovada, abordagem cidadã), de forma que isso resultava em
uma crise de identidade para a área.
Essa nova proposta intitulada perspectiva cultural define seu papel como descrito na
Proposta Curricular, que transcrevemos abaixo:
Cap. II A Educação Física Escolar
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[...] é nesse sentido que, nesta Proposta Curricular, afirma-se que a
Educação Física trata da cultura relacionada aos aspectos corporais, que se
expressa de diversas formas, dentre as quais os jogos, a ginástica, as danças
e atividades rítmicas, as lutas e os esportes.
(PROPOSTA
CURRICULAR, 2008, p.42).
Podemos, assim, afirmar que se cria uma identidade para a área de conhecimento,
proporcionando uma referência pedagógica para o trabalho docente nas escolas públicas do
estado de São Paulo.
A proposta sinaliza que o aluno deve se apropriar dessa variada cultura do movimento
humano em todas as suas dimensões e usufruir de forma consciente e crítica das
possibilidades existentes para essa vivência. Deve, ainda, o aluno identificar os problemas
enfrentados pelo estilo de vida contemporâneo e apresentar possíveis alternativas, com
possibilidades, inclusive, de contextualização. Isso fica explícito no texto da proposta:
[...] no ensino da Educação Física escolar, pode-se partir do variado
repertório de conhecimentos que os alunos já possuem sobre diferentes
manifestações corporais e de movimento e buscar ampliá-los, aprofundá-los
e qualificá-los criticamente. Desse modo, espera-se levar o aluno, ao longo
de sua escolarização e após, a melhores oportunidades de participação e
usufruto no jogo, esporte, ginástica, luta e atividades rítmicas, assim como a
possibilidades concretas de intervenção e transformação desse patrimônio
humano relacionado à dimensão corporal e ao movimentar-se o qual tem
sido denominado cultura de movimento.”
(PROPOSTA
CURRICULAR, 2008, p.42).
Sobre a necessidade da criação dessa ‘universalidade dos conteúdos’ e de uma
identidade para a disciplina não nos restam dúvidas. Porém identificamos alguns problemas.
Todo e qualquer material didático requer dos profissionais da educação o entendimento de sua
função que, em nosso entender, deve balizar e auxiliar as ações pedagógicas docentes e não
‘engessar’ ou impossibilitar mudanças. Melhor dizendo, não podemos fazer desse material o
único recurso e desprezar os demais.
Outro perigo existente é tornar o conteúdo universal e ‘assassinar’ a pluralidade, a
diversidade. Entendemos que, ao tornar o conteúdo único para todas as unidades escolares,
desrespeitam-se as diferentes manifestações culturais existentes nos diferentes ambientes. Um
aluno que mora na capital, apenas com experiências urbanas, tem o mesmo repertório de
experiências que um aluno morador do interior do estado e estudante de uma escola rural?
Evidentemente que não. Portanto é preciso identificar e respeitar essa diversidade.
Vimos, ainda, no decorrer do capítulo, que a Educação Física recebeu inúmeras influências
em sua história. Uma pergunta se impõe: como os professores formados nas décadas de 70 ou
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80, e até mesmo 90, teriam condições de compreender as novas e tão diferentes perspectivas
educacionais para esse novo momento da área, que conheceram uma disciplina com
objetivos completamente diferentes?
Será possível equacionar esse déficit formativo desses profissionais que estão
tanto tempo no exercício do magistério, como nossa pesquisa apontou? Ficou evidente em
nossos resultados a dificuldade em definir o objetivo da disciplina dentro do ambiente escolar
e até mesmo o que os alunos devem aprender ao longo dos onze anos de ensino regular. Isso
nos permitiu considerar que, embora os professores encontrem uma proposta sólida,
teoricamente falando, sua implementação e aplicação possuem lacunas que precisam ser
pensadas e revistas, uma vez que a solidez teórica em si não garante aplicações práticas e
seguras.
Entendemos que esta proposta apresenta um novo paradigma à Educação Física, e
como bem sabemos, a mudança de paradigma exige, para além da solidez teórica, uma
mudança de comportamento e perspectivas sobre os fenômenos.
Faz-se, portanto, necessário um novo significado para a Educação Física a fim de que
se consolide dentro do ambiente educacional, sobretudo no que diz respeito às suas pretensões
formativas para os alunos.
Ela não pode mais legitimar sua existência com discursos amplos, ou por meio de
sentimentos e até unicamente mirando os benefícios, conforme advoga FREIRE (1989):
[...] dizer, por exemplo, que a Educação Física é importante porque faz a
criança usar sua energia excedente, ou porque desenvolve a disciplina, o
companheirismo, a responsabilidade, não chega a convencer ninguém de
sua importância na escola. Isso tudo é muito vago e discutível.”
(Idem,
1989, p. 182).
Todavia ela justificará sua existência quando apresentar a cultura do movimento como
um patrimônio cultural humano que é necessário conhecer em três dimensões: como foi
desenvolvido ao longo de nossa existência humana, como está sendo apresentado atualmente
e quais possibilidades teremos sobre ele em um futuro bem próximo. Isso fica explícito no
texto desta nova Proposta Curricular:
[...] se assumirmos que a cultura de movimento produz-se e transforma-se
diferentemente em função de significados e intencionalidades específicos,
não é possível defender o desenvolvimento da Educação Física escolar de
um modo unilateral, centralizado e universal. Pelo contrário, defendemos
que a Educação Física escolar deva trabalhar com grandes eixos de
conteúdos, resumidos e expressos no jogo, esporte, ginástica, luta e
atividade rítmica. A própria tradição da Educação Física mostra a presença
desses conteúdos – ou, pelo menos, de parte deles em todos os programas
escolares, e esse fato não pode ser explicado por mera convenção ou
Cap. II A Educação Física Escolar
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justificado por necessidades orgânicas do ser humano. Afirmar que a
ginástica existe porque faz bem ao corpo implica reduzir e explicar um
fenômeno histórico pelo seu benefício, trocando a consequência pela causa.
(PROPOSTA CURRICULAR, 2008, p. 43).
Retomaremos esse assunto durante a análise dos resultados encontrados na pesquisa e
também em nossas considerações finais. Iniciaremos, a seguir, um novo capítulo, onde
descreveremos todo o percurso metodológico desenvolvido ao longo do trabalho.
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METODOLOGIA
Cap. III – Aspectos metodológicos
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Capítulo III Aspectos Metodológicos da Pesquisa
3 Aspectos Metodológicos da Pesquisa
“A verdadeira viagem da descoberta
consiste não em perseguir novas
paragens, mas em ter novos olhos”.
Marcel Proust
Na viagem que ora empreendemos, passamos pela infância, pela escolarização e,
finalmente, pela prática pedagógica dos professores entrevistados.
Este roteiro de viagem foi pensado porque consideramos que os alicerces que fundam
a prática pedagógica dos professores podem estar vinculados não ao tempo presente e aos
ditames da atualidade, mas também a raízes que os remetem a tempos passados, como a
própria infância.
Como está amplamente enfatizado em outras partes deste trabalho, não cremos em
uma relação linear e causal destes momentos, mas numa influência que necessariamente une
no diálogo os elementos da história vivida e da que se constrói.
Marcel Proust nos fala sobre o olhar novo que se lança sobre paragens que não
necessariamente são inéditas em si. O que é inédito é a proposta de olhar.
A novidade de olhar está, ao que nos parece, em buscar simultaneamente relacionar as
experiências passadas do docente e a configuração de suas concepções e práticas atuais. O
novo está em buscar conhecer o diálogo entre a história vivida pelo docente e a sua concepção
e prática pedagógicas atuais.
3.1 Objetivo Geral
Esta pesquisa tem como objetivo geral verificar: (a) a possível relação entre as
vivências dos professores de Educação Física e o jogo nos diferentes espaços (escolares ou
não); (b) as crenças e concepções dos professores quanto ao uso do jogo no espaço escolar e,
em específico, nas aulas de Educação Física; e (c) o espaço do jogo na ação pedagógica dos
professores participantes.
3.2 Objetivos Específicos
Tendo em vista o objetivo geral, foram definidos os seguintes objetivos específicos:
- Investigar o espaço que o jogo ocupou na infância dos professores de Educação
Física;
Cap. III – Aspectos metodológicos
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- Investigar o espaço que o jogo ocupou na escolaridade (Ensino Fundamental e
Médio) desses professores;
- Investigar o espaço que o jogo ocupou na formação universitária e continuada desses
professores;
- Investigar as concepções e crenças desses docentes quanto ao papel do jogo na
Educação Física;
- Investigar o espaço que o jogo ocupa na prática pedagógica.
Embora, por um lado, consideremos inadequado o estabelecimento de uma relação
linear e de causalidade entre as experiências vividas, as crenças ou concepções e a prática,
entendemos que, por outro, as ações presentes podem, em algum nível, vincularem-se às
experiências passadas e estas serem desveladas (ainda que parcialmente) ao buscarmos sua
história.
Como afirmamos e no momento insistimos, seria ingênuo afirmar que a prática do
professor depende exclusivamente das suas experiências, quer sejam as da infância, quer as do
processo de escolarização
13
.
No entanto, podemos pensar que as experiências do docente nas diferentes instâncias
da vida podem exercer influência sobre sua crença e concepção e estas, por sua vez, sobre sua
prática pedagógica.
Assim apresentamos o diagrama a seguir que ilustra as diferentes instâncias de
experiências dos professores e a possível relação entre elas:
13
Outros fatores, como os vinculados às determinações macroestruturais, influenciam diretamente o sistema de
ensino, atingindo, obviamente, a organização da prática pedagógica.
O Jogo na
Infância do
Professor
O Jogo na
Escolarização (Ensino
Fundamental e Médio)
O Jogo na
Formação
Universitária
Crenças e Concepções
Prática Pedagógica
Cap. III – Aspectos metodológicos
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3.3 Local
Esta investigação foi realizada pelo pesquisador na região metropolitana de Campinas,
estado de São Paulo, no ambiente escolar, mais especificamente em 6 escolas.
Os encontros com os professores ocorreram em diferentes lugares dos prédios
escolares, como: biblioteca, sala de coordenação pedagógica, laboratório de informática, sala
dos professores, sala de aula vazia, pátio e até mesmo no palco de uma das escolas.
Os professores eram ‘ouvidos’ dentro do período de sua disponibilidade, o que
acabava acontecendo em horários de aulas vagas, ou após o término do expediente e até
mesmo em horário de H.T.P.C.s (Hora de Trabalho Pedagógico Curricular), com o
consentimento do coordenador pedagógico.
3.4 Participantes
Participaram desta pesquisa 10 professores de Educação Física (efetivos e ACT
14
),
sendo 9 de instituições públicas (escolas estaduais) e 1 de instituição privada, atuando no
Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio.
No início da pesquisa, contatamos 12 professores, entretanto 2 se negaram a participar,
alegando sobrecarga de atividades profissionais. A escolha dos participantes esteve vinculada
a 2 fatores básicos: alguns foram convidados porque contavam com uma longa experiência de
magistério, e outros por atuarem no município de Nova Odessa, no qual o pesquisador reside,
o que facilitou o contato.
A amostra ficou constituída de 10 participantes, entre 36 e 50 anos de idade,
apresentados nos protocolos na seguinte ordem: P 01, P 02, P 03, P 04, P 05, P 06, P 07, P 08,
P 09 e P 10.
3.5 Procedimentos
O procedimento inicial para a coleta de dados constituiu-se em uma solicitação do
pesquisador, acompanhada de uma cópia do projeto de pesquisa, à Diretoria Regional de
Ensino de Americana, com a finalidade de obter a autorização para as visitas às escolas sob
14
A sigla ACT significa: Admitido em Caráter Temporário
Cap. III – Aspectos metodológicos
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esta jurisdição. Tendo recebido a permissão da dirigente de ensino, a coleta de dados teve
início.
Tal documento de apresentação juntamente com o pedido redigido pelo pesquisador
solicitando permissão para a entrada na escola foram entregues a cada diretor de escola das 6
unidades visitadas em momento que antecedeu os encontros com os professores, ficando,
assim, resguardada legalmente a condução da pesquisa.
O contato estabelecido com os professores se fez, em alguns casos, por telefone;
noutros, em apresentação nos H.T.P.C.s; às vezes, na própria escola. No primeiro encontro, o
professor participante assinou um ‘termo de anuência’, no qual concordava com a coleta de
dados e oferecia consentimento para as entrevistas.
As sessões foram individuais e de quantidade variada. Alguns professores, pela falta
de tempo, foram ouvidos em três sessões; outros, em duas; e alguns, que puderam dispor de
mais tempo, concederam a entrevista em uma única oportunidade. A duração de cada sessão
também foi bastante variável, dependendo da disponibilidade de horário, oscilando entre 30
minutos e até 2 horas de duração para cada participante.
3.6 Instrumentos
Foram utilizados dois recursos auxiliares para o registro dos dados coletados:
1) Roteiro de entrevista semiestruturado
O roteiro
15
foi composto de quatro blocos, cada qual formado por perguntas
específicas do tema desses blocos, a saber: Bloco I: ‘O espaço do jogo em sua infância’; II: ‘O
espaço do jogo em sua escolarização’; III: ‘O espaço do jogo em sua formação universitária
e/ou magistério’; e IV: ‘O espaço do jogo em sua prática pedagógica’.
2) Fitas k7 e aparelho eletrônico MP4
As entrevistas foram gravadas em fita K-7 e aparelho eletrônico de MP4 para depois
serem cuidadosamente transcritas na íntegra para a análise, preocupação metodológica que
Triviños (1987) salienta e recomenda:
15
O roteiro de entrevista esta disponível em anexo.
Cap. III – Aspectos metodológicos
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58
[...] nós recomendamos a gravação da entrevista, ainda que seja cansativa
sua transcrição. Somos partidários disto fundamentalmente por duas razões
surgidas de nossa prática como investigadores. A gravação permite contar
com todo o material fornecido pelo informante, o que não ocorre seguindo
outro meio. Por outro lado, e isto tem dado para nós muitos bons resultados,
o mesmo informante pode ajudar a completar, aperfeiçoar e destacar etc. as
ideias por ele expostas, caso fizermos escutar suas próprias palavras
gravadas. (TRIVIÑOS, 1987, p. 148).
3.7 Método
“[...] Colocado perante diferentes tendências metodológicas, o educador/pesquisador
deve re-inventar seu caminho, que será único[...]”. (FAZENDA, et all, 1991, p.10).
Buscando um método que correspondesse aos interesses de nossa investigação,
optamos pela abordagem qualitativa, a qual busca absorver ao máximo as informações
apuradas com os relatos orais, discutindo e analisando a narrativa dos participantes.
Dadas as características próprias dessa abordagem, o número da amostra não precisa
necessariamente ter significação estatística, podendo, inclusive, prescindir da amostra, como o
afirma Lankshear (2008, p. 66): “[...] A pesquisa qualitativa o pressupõe grandes amostras
ou, em muitos casos, nenhuma amostra [...]”.
3.8 Categoria de Análise
A análise dos dados foi norteada pela organização interna do próprio roteiro de
entrevista, resultando assim 5 categorias de análise:
1- Quem são os professores entrevistados.
2- O espaço do jogo na infância dos docentes.
3- O espaço do jogo na escolarização dos docentes.
4- O espaço do jogo na formação profissional/acadêmica dos professores.
5- O espaço do jogo na prática pedagógica dos professores de Educação Física
Escolar.
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ANÁLISE E RESULTADOS
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 60
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Capítulo IV Apresentação e Análise dos Resultados
“Brincar com a criança não é perder tempo, é
ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola,
mais triste ainda é -los sentados enfileirados,
em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem
valor para a formação do homem”.
Carlos Drummond de Andrade
Passaremos neste momento à apresentação e análise dos resultados encontrados
nesta pesquisa. Para tanto, faremos uso das entrevistas transcritas em forma de protocolo
16
.
Além dessas informações que nos foram de extrema importância, o comportamento dos
professores frente às perguntas permitiu-nos também reunir outras informações sobre os
participantes.
Ao analisarmos suas respostas, buscamos fazer uma ligação com todo o referencial
teórico apresentado, pois entendíamos que ele traria luz para a compreensão do que nos
disseram os professores. Destacamos, ainda, que a possibilidade de conhecer as
experiências dos participantes em diversos momentos de suas vidas foi formidável.
Primeiramente porque possibilitou um vínculo e um conhecimento maior; e depois
porque, fazendo parte do quadro de magistério da rede estadual de ensino, do qual a
maioria dos entrevistados também faz, conhecemos muito bem suas angústias, tristezas e,
acima de tudo, desapontamentos.
Os resultados encontrados estão reunidos em 5 categorias, as quais obedecem à
organização interna do roteiro de entrevista. São elas:
– Os professores entrevistados;
– O espaço do jogo na infância dos docentes;
– O espaço do jogo na escolarização dos docentes;
16
Os protocolos das entrevistas estão disponíveis no anexo do trabalho.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 61
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– O espaço do jogo na formação profissional/acadêmica dos professores;
– O espaço do jogo na prática pedagógica dos professores de Educação Física.
As referidas categorias obedecem à organização interna do roteiro de entrevista e
permitem, a nosso ver, que o leitor se familiarize com os entrevistados e conheça suas vidas,
experiências e práticas. Ao fazermos tal percurso, podemos descortinar elementos que
ficariam frios e comporiam apenas um índice estatístico se não fossem vistos como uma
sequência da expressão destes distintos colegas de profissão.
Antes de apresentá-los e também as informações que eles nos deram durante as
entrevistas, vemo-nos impelidos a expressar novamente a nossa gratidão e nosso encanto por
conhecer suas vidas. Sentimo-nos enriquecidos por conhecer suas histórias e desejamos que o
leitor possa também se beneficiar desta rica experiência que é tocar no percurso, na vida do
outro. Neste sentido, vale lembrar a fala de nossa ilustre escritora, Nélida Piñon: “Tenho fome
de almas!” (Nélida Piñon, em entrevista televisiva).
Consideramos que as muitas questões presentes no roteiro de entrevista nos ajudaram a
vencer a superfície de uma entrevista pragmática que visaria tão-somente a conhecer a
eficiência ou não da prática pedagógica e a presença ou não do jogo nesta prática. Ao
pedirmos que os professores falassem de sua infância, do jogo nos diferentes momentos de
suas vidas, de suas experiências no processo de formação acadêmica, entramos no espaço da
vida “vivida”, experienciada, a partir de cujo lugar os entrevistados puderam mostrar muito
além de suas concepções teóricas ou ação pedagógica. Puderam falar de seus sonhos, de seus
ideais, de suas fantasias, de suas almas.
Não foram poucas as vezes que, ao serem entrevistados, os professores expressaram
sorrisos, ares de consternação e, inclusive, grimas que foram eliciadas pelo reencontro com
sua trajetória de vida.
O que encontramos, portanto, nestas entrevistas foram expressões vivas do pensamento
e dos sentimentos dos professores. Traduzir estas expressões e permitir que o leitor possa
também conhecê-las são os desafios os quais nos propomos a seguir.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 62
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1. Os professores entrevistados
Participaram desta pesquisa 10 professores, sendo 7 mulheres e 3 homens, que atuam
na disciplina de Educação Física das redes pública e privada das cidades de Nova Odessa e
Sumaré, ambas do interior do estado de São Paulo. É importante ressaltar que, embora 10
participantes pareçam um número inexpressivo, não foi bem o que os dados nos apontaram.
A LDB (Leis de Diretrizes e Bases) de 1996 determina a obrigatoriedade de apenas
duas aulas de Educação Física na grade curricular do EF (Ensino Fundamental) e EM (Ensino
Médio), logo um mesmo professor acaba atuando em várias escolas para completar sua
jornada mínima de trabalho, diferentemente do que acontece em outras disciplinas da grade
curricular. Isso nos permite considerar que 10 participantes tornam-se um número expressivo
pela rotatividade dos professores desta área.
Mas, afinal, quem são estes profissionais? Para responder a essa questão inicial,
procuraremos nos centrar nas seguintes informações: a idade dos entrevistados, sua formação
profissional e sua carreira docente.
A idade dos professores
Encontramos, em relação aos dados pessoais, participantes que possuem idades que
variam entre 36 e 50 anos, três dos quais na faixa de 36 a 40 e os sete restantes na faixa de 40
a 50. Trata-se, portanto, em sua maioria, de pessoas ‘maduras’ para o exercício da profissão.
A formação profissional dos professores: cursos, instituições e período
Embora todos os docentes entrevistados tenham concluído o curso de Licenciatura em
Educação Física, eles não possuem uma mesma trajetória acadêmica. Alguns, como o
veremos, fizeram o “Curso de Habilitação Específica para o Magistério de Grau” (antigo
Magistério), outros fizeram somente a graduação e outros, ainda, fizeram cursos de pós-
graduação (especialização). Passemos aos números.
Dos 10 participantes, 3 cursaram o magistério. Enquanto todos os 10 fizeram
graduação em Educação Física, apenas 3 possuem especialização. Nenhum deles possui
mestrado ou doutorado.
Para melhor visualizarmos essa informação, apresentamos um gráfico a seguir:
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 63
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
GRÁFICO 1 – Nível de escolarização dos participantes:
3
10
3
0
0
0 2 4 6 8 10
Magistério
Graduação
Especialização
Mestrado
Doutorado
Magistério Graduação Especialização Mestrado Doutorado
Cabe destacar que todos os participantes cursaram a graduação em Educação Física
em instituições privadas, sendo que apenas 6 apresentaram um trabalho de conclusão de curso
(TCC), o que, de alguma forma, garante uma iniciação científica. O participante (09) destaca:
“[...] l
amento que em minha época a universidade não exigisse este tipo de trabalho. Julgo ser muito
importante esta atividade para a formação do professor.”
Dos 6 trabalhos de conclusão de curso apresentados, apenas 3 estão diretamente
relacionados a questões que envolvem o desenvolvimento de sua prática pedagógica diária.
Os outros 3 abordam assuntos de outras vertentes profissionais da área, embora seus autores
estivessem em um curso de licenciatura que os habilitasse ao exercício do magistério. Com
realidade semelhante, Souza (1994) se avistou em sua dissertação de mestrado:
[...] Porém, aí surge um problema: nem todos os que cursaram a licenciatura
desejavam ser professores, mas acabaram por sê-lo, visto que, até pouco
tempo atrás, não havia outra opção de formação na Educação Física.
Aqueles que gostariam de ser técnico-desportivos, por exemplo, tiveram a
mesma formação de professor. Mas, apesar da licenciatura, a maioria dos
cursos de Educação Física sempre privilegiou as disciplinas técnicas em
detrimento das pedagógicas, e esta inversão de valores também incentivava
aos que queriam ser técnico-desportivos a cursarem a licenciatura na área.
(SOUZA, 1994, p.41).
Essa informação aponta, de alguma forma, para a fragilidade dos cursos de
licenciatura, de maneira geral, e dos de Educação Física, de maneira específica.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 64
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
A carreira docente dos professores entrevistados
Entendemos que a experiência profissional do docente pode exercer uma grande
influência sobre a forma como este exerce o magistério. Assim sendo, pareceu-nos importante
considerar alguns dados sobre a sua atuação, como o tempo de magistério, sua situação
profissional, os níveis de ensino nos quais atua e sua jornada de trabalho semanal.
A primeira informação que julgamos relevante é sobre o tempo do exercício de
magistério dos participantes: 2 deles estão na profissão há, no máximo, 10 anos; 4 já a
desenvolvem de 10 a 20 anos; e os outros 4, há mais de 20 anos.
Apresentamos essa informação no quadro ilustrativo a seguir:
Quadro 1 – Tempo de Magistério dos Participantes:
Tempo de Magistério dos Participantes Número de Participantes
Até 10 anos 2 Participantes
10 a 20 anos 4 Participantes
20 a 30 anos 4 Participantes
Em nosso entender, esta configuração relativa ao tempo de serviço pode ser vista de
dois modos: (a) em seu caráter positivo ou (b) em seu caráter duvidosamente positivo, ou
mesmo negativo.
Ao considerarmos o caráter positivo de uma longa experiência didática, podemos nos
centrar nos benefícios que a experiência pode possibilitar, uma vez que o docente pôde,
durante sua trajetória, refletir sobre sua prática e sistematizar ações pedagógicas cada vez
mais efetivas. Trata-se, neste caso, de um exercício de reflexão que atravessa toda a vida
acadêmica e confere uma maior assertividade aos profissionais com mais experiência.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 65
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Se por um lado a longa experiência pode favorecer o estabelecimento de práticas
positivas, ela pode também solidificar práticas negativas, perpetuando, assim, diferentes erros
e equívocos.
Além da possibilidade de solidificação de práticas negativas ou equivocadas, podemos
também considerar a configuração do panorama pedagógico no momento da formação dos
docentes ou de sua inserção na prática educativa. No caso específico dos docentes
entrevistados, teríamos ao menos dois pontos específicos de reflexão: o vínculo com a
pedagogia reacionária dos anos 70 e a crise de identidade pela qual “passou” a Educação
Física a partir dos anos 80.
Quanto à formação destes docentes e seu vínculo com uma pedagogia reacionária,
fazemos a seguinte ponderação: o discurso vinculado ao papel da Educação Física nos anos
70 e parte dos anos 80 esteve, conforme observamos em Medina (1983), Freire (1989),
Castellani Filho (1988), Daolio (1995), Betti (1991), Bracht (1991), Taffarel (1987),
Ghiraldelli Junior (1988), Darido (1999), diretamente relacionado ao da exacerbação da
técnica e do desempenho. Nesse sentido, caberia ao professor de Educação Física organizar
suas aulas primando pelo caráter técnico e produtivo delas.
Como se sabe, o jogo em seu sentido mais amplo, “nem sempre” se presta à
produtividade; antes, pelo contrário, traz em si uma relação visceral com o seu caráter
improdutivo. Relembremos, entretanto, que o jogo é improdutivo em sua aparência, pois
mesmo quando os participantes “jogam por jogar”, os benefícios advindos desta atividade não
podem ser contidos.
De qualquer modo, consideramos que, dado o momento de formação dos docentes e
do ingresso no magistério, estes não dispuseram de estímulos e informações para dar ao jogo
o seu status adequado.
Outro elemento que, a nosso ver, agrega dificuldades é a crise de identidade pela qual
a disciplina de Educação Física passou nos últimos anos e como isso repercutiu sobre o
profissional desta área. Foram muitos os movimentos e modismos que estiveram na ordem do
dia. Não é difícil imaginarmos como eles atuaram sobre a Educação Física, colaborando assim
para a “crise de identidade” desta disciplina.
Para nós, a incerteza é uma boa companhia, uma vez que pode anunciar mudanças e
transformações. Não obstante esta fecundidade, a incerteza também pode anunciar um período
de desorientação, que se não for suplantado a tempo, pode, por sua vez, responder por uma
anarquia, no caso, pedagógica.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 66
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
A que podemos comparar a anarquia pedagógica? Talvez possamos pensá-la como
uma lacuna entre um modelo pedagógico e outro. O que, portanto, predomina neste
“momento lacunar” é a ausência de um “norteamento” e de alguma possibilidade de
segurança.
Entendemos que mesmo entre os docentes com menos tempo de magistério esta “era
da incerteza” se faz sentir. Muitas vezes, mesmo depois de declarada a falência de uma
determinada prática, até que, de fato, se configure o novo, não são poucas as situações de
angústia e desorientação.
Autores como Castellani Filho (1988), Daolio (1995), Betti (1991), Darido (1999),
Soares et all (1992) são enfáticos ao declarar que as últimas décadas foram marcadas por uma
crise de identidade da Educação Física.
A nosso ver, não a Educação Física experimenta tal crise; outras áreas da Educação
também vivem ainda hoje uma inquietação vinculada à renúncia do antigo e à ausência de
pacto com o novo. Cambaleamos até agora na tentativa de inserir vinho novo sem, entretanto,
mudar os odres.
Voltando aos números, encontramos, ainda, uma outra informação que julgamos
relevante. Como mencionamos anteriormente, a maioria dos participantes atua no
magistério mais de 10 anos. Perguntando-lhes sobre sua situação profissional, se eram
efetivos ou não, obtivemos as seguintes informações: dentre os 10 entrevistados, 6 são
efetivos, 1 é professor na rede privada, portanto não se enquadra na pergunta, e 3 não são
efetivos (são ACT
17
). Peculiar foi o dado de que os 3 entrevistados com mais tempo de
magistério na rede pública são justamente os que não são efetivos, mas quanto a isso não nos
deteremos.
Um dado que consideramos alarmante depreendemos da jornada de trabalho dos
participantes. Apenas 1 possui jornada abaixo de 20 horas semanais. A situação dos demais
assim se configura: 1 tem jornada até 30 horas semanais, 7 possuem jornada entre 30 e 40
horas e 1 é quase ‘super-herói’: trabalha 52 horas por semana.
Para melhor visualizarmos esta informação, apresentamos o gráfico a seguir:
17
ACT (Admitido em Caráter Temporário) é uma sigla utilizada para designar professores não-efetivos.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 67
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
GRÁFICO 2 – Jornada de trabalho dos entrevistados:
0 a 10 horas
10%
10 a 20 horas
10%
30 a 40 horas
70%
Acima de 50 horas
10%
0 a 10 horas 10 a 20 horas 30 a 40 horas Acima de 50 horas
É notória a excessiva jornada de trabalho dos participantes. Se fizermos uma avaliação
mais profunda sobre essa informação, encontraremos um desapontamento sobre as questões
operacionais que se refletem na qualidade do trabalho docente. Assim como constatamos
anteriormente, um mesmo professor, para preencher sua jornada básica de trabalho, precisa
atuar em várias unidades escolares.
Avaliando seu deslocamento por duas, três e até quatro escolas na semana, concluímos
que, ao término deste período, teremos uma jornada para deslocamentos desse professor.
Levando em consideração a baixa remuneração, a superlotação das salas, os materiais
auxiliares desgastados, a desvalorização do trabalho docente e os trabalhos extrassalas,
perguntamos: o que sobra de tempo, energia e motivação para esse profissional?
Se um operário, em uma linha de produção de qualquer empresa, trabalha cerca de 40
horas semanais, não deveria haver um estranhamento no fato de um profissional da Educação
chegar, no mesmo período, a ter uma carga de 52 horas? Como seria o término da semana
desse professor?
Qual tempo lhe é designado para as correções, execuções e preparação das atividades a
serem desenvolvidas? Um operário, sem desmerecê-lo, quase nunca leva peças de um carro
(pensando na indústria automobilística) para prepará-las em casa, no entanto é frequente
vermos os professores com muitas atividades para corrigir e preparar. Será o operário mais
valorizado contemporaneamente do que o professor? Ou o professor tornou-se operário e
transformou a escola em linha de produção para sobreviver ou ter alguma qualidade em sua
vida extrassala?
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 68
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Não temos respostas claras, apenas algumas inquietações que povoam nosso
imaginário. Consideramos que essas informações demandam uma melhor investigação. Como
não as elegemos como foco de nosso trabalho, passaremos a um tópico de natureza bem
diversa dessas últimas reflexões. Falemos sobre o jogo na infância destes professores.
Apresentamos um quadro que sintetiza os dados encontrados nesta categoria:
Quadro 2 – Quem somos?
Entrevistado Idade
Sexo
Ano de
conclusão do
curso de E.F.
Tempo de
trabalho
como prof.
de E. F
Carga
horária
semanal
Situação
profissional
P (01) 39
F
1991 16 anos 33 aulas
Efetivo Rede
Pública
P (02)
36
F
1997 2 anos 20 aulas Particular
P (03)
46
M
1989 16 anos 33 aulas
Efetivo Rede
Pública
P (04)
39
F
1996 16 anos 32 aulas
Efetivo Rede
Pública
P (05)
49
F
1987 22 anos 40 aulas
Efetivo Rede
Pública
P (06)
49
M
1989 21 anos 30 aulas
Efetivo Rede
Pública
P (07)
48
F
2004 3 anos 40 aulas
Efetivo Rede
Pública
P (08)
41
F
1990 15 anos 32 aulas
Não Efetivo
Rede Pública
P (09)
50
M
1982 29 anos 52 aulas
Não Efetivo
Rede Pública
P (10)
43
F
1989 20 anos 28 aulas
Não Efetivo
Rede Pública
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 69
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
2. O espaço do jogo na infância dos docentes
Nesta categoria, buscamos conhecer as experiências dos entrevistados com o jogo na
infância. Dito de outro modo, tentamos ‘mapear’ as vivências lúdicas dos professores
entrevistados no cotidiano da infância.
Gostaríamos de afirmar inicialmente que, embora todos os blocos temáticos das
entrevistas tenham sido importantes, este foi muito especial. Possibilitou aos participantes
reviverem os momentos agradáveis da primeira fase da vida. Muitos foram arrebatados pela
emoção, o que nos remeteu a Cecília Meireles: “[...]nós somos a saudade da nossa infância.”
(MEIRELES, 2006, p.?).
Todos descreveram a infância com muita emoção. Foi difícil também para o
entrevistador não se emocionar com os relatos contagiantes. Esse fato nos reporta a uma
belíssima canção de Adriana Calcanhotto e Arnaldo Antunes, chamada Saiba. Ela faz menção
à condição de todos terem experimentado uma infância e terem sido crianças, e também à
importância desta que figura como um período mágico, ainda que, para muitos, a posteriori:
Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Saddam Hussein
Quem tem grana e quem não tem
Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu
Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar
Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano
Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao-Tsé, Moisés, Ramsés, Pelé
Gandhi, Mike Tyson, Salomé
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 70
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você
Adriana Calcanhotto e Arnaldo Antunes
Como os participantes descrevem sua infância:
18
P (09):
“Posso dizer que era muito bom, porque já estou emocionado. Eu
praticamente estudei numa escola de zona rural, de primeira a quarta série,
onde a gente não tinha quadra. O horário de Educação Física praticamente
era inexistente porque nós nhamos uma única professora para trabalhar
com várias séries, porque eu estava em uma escola rural, e era dessa
forma.Você jogava fubeca ou burquinha, ou soltava pipa na hora de
Educação Física, que era aquele horário de lazer, que, inclusive, durava
uma hora. Jogava pião, pulava-se corda: atividades que na época eram
corriqueiras para uma criança. Eu cresci dentro de uma instituição,
dentro de uma fazenda bem rural. Pé no chão. Uma coisa bem gostosa”.
P (10):
“Nossa, que delícia! Eu morava no interior, eu sou do interior. Meu filho
foi hoje para lá. Ele o via a hora de ir porque é assim: não tem regras,
não tem limites, não tem horário para dormir, não tem horário para
acordar. É sítio, pra dormir com a janela aberta, porta aberta, todo
mundo conhece todo mundo. Maravilhoso! Brinca-se de esconde-esconde à
noite, pega-pega. A gente brincava na rua, na enxurrada, nadava no rio,
subia nas árvores. Nossa, se for descrever, é um monte de coisas... Minha
infância mesmo foi muito boa: brincava de cabo-de-guerra, fazia
bonequinha de sabugo, fazendinha, brincava debaixo de mangueiras. Era
muito gostoso”.
P (08):
“Foi muito intensa. O tempo todinho brincando, brincadeira de rua... Eu
sou do interior, meu pai tinha sítio, então era o tempo inteiro indo para
sítio, fazendo jangada, subindo em árvore, pulando corda, amarelinha,
andando a cavalo. Completamente diferente dos dias de hoje”.
18
Como mencionado, embora reconhecêssemos que alguns fragmentos das falas dos professores merecessem um
tratamento de destaque, optamos por transcrever na íntegra a resposta. Ao leitor cabe a opção de centrar-se nos
destaques que fizemos ou percorrer toda a resposta. De nossa parte, decidimos apresentar a “fala completa” para
não negar ao leitor a opção de uma informação mais contextualizada, caso julgue necessário.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 71
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
P (07)
“A minha relação com o jogo é uma relação de vida porque eu sou de São
Paulo e cresci dentro de um clube. Meus pais e meus avós foram sócios
fundadores desse clube e, então, dentro da família, tem uma história de
jogo de tênis. No tênis, eu sempre participei de campeonatos. Eu cresci
praticamente como uma atleta. Fui para campeonato nacional de tênis e
tudo. Então a minha relação com jogo é educativa mesmo. Desde que me
entendo por gente, estava inserida no jogo”.
P (06)
“Até meus 10, 11 anos, eu não tinha experiência nenhuma porque eu
morava no sítio, praticamente não tinha nada. Eu vim conhecer jogos,
participar de brincadeiras, jogos de quadra quando eu entrei na escola.
Quase não brincava. Ou melhor, brincava assim: fazia carro de boi de
sabugo, essas coisas, porque eu morava sozinho no sítio, longe, então
era praticamente um deserto”.
Cabe ressaltar que o entrevistado P (06) foi o único a não descrever a infância com tanto
entusiasmo, o que fica evidente em seu discurso e também em seu comportamento
externalizado frente à pergunta.
Continuemos com o relato dos participantes. Afirma P (05):
“Eu creio que sim, porque tem muita coisa para contar fora da atualidade.
Ficou esquecida. Morei até 10 anos no sítio. Sempre recordo porque falo
que foi muito bom, realmente tivemos infância: criação de animal,
leiteria, plantação de frutas. Próxima de onde eu morava, tinha uma
fazenda muito rica em plantação de laranja, então tinha escola, tinha
comunidade ali. Antes da escola, eu sempre ia andar de bicicleta naquelas
estradas de terra. Andava com minhas irmãs, éramos três na bicicleta.
Brincava de casinha, às vezes até debaixo das árvores no pátio. Como tinha
uma certa comodidade, uma certa situação financeira boa, então tinha
sempre brinquedos, mas brincava também com os filhos dos empregados
que eram mais próximos, subia em árvores, andava de carroça, andava a
cavalo, construía casas, pegava panos, juntava as cadeiras, fazia as
casinhas, corria muito, brincava de roda, brincava de esconde-esconde,
subia em árvores, tinha um contato maior com a natureza. Eu tinha um
pouco de medo, sim, de chegar perto de uma vaca. Depois fui estudar.
Minha mãe era professora dessa escola rural. Estudei o 1º. ano com ela”.
P (04):
“Foi justamente na infância toda. Eu só brincava mesmo. Na rua. De
esconde-esconde, mãe-da-rua, cobra-cega, pega-no-alto, cada- macaco-no-
seu-galho... Era uma delícia, andava muito de patins, jogava bola,
queimada, vôlei... O muro era a rede, e você participava desses jogos,
íamos até meia-noite, meia-noite e meia. E qual era a frequência? Todo dia,
todo dia, todo dia. Do que a gente mais brincava era de esconde-esconde,
pega-pega, pega-gelo. Dava para todo mundo participar. É gostoso
lembrar. É que eu estou falando e tentando lembrar, mas era tanta coisa...
Brincava de circo também, de malabares: tinha uma muretinha com uns
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 72
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
ferros que davam pra segurar; a gente pendurava, virava pirueta, o sei
como não quebrava o pescoço. Pendurava em árvores... Era muito bom!
Coisas que meus filhos jamais fizeram”.
P (03):
“Eu tive uma infância que, pra mim, foi impecável. Fiz tudo que tinha
direito. Era uma época diferente: podia ficar na rua fazendo várias
atividades sem ter problemas: assaltos, essas coisas. Nasci nesta cidade e
nunca saí daqui. Todo mundo era de família conhecida, então era fácil pra
você ter contato; a cidade não era muito grande. A gente tinha um espaço
grande e fazia tudo que tinha direito: bicicleta, esconde-esconde, pega-
pega... Na escola e depois da escola. Eu participava de todos [refere-se aos
jogos]. Aos que eu não podia, que era sacanear com os outros, eu fazia,
mas não era por maldade, eu era criança. Era todo dia, final de semana,
era rotina. Pra mim era um prazer mesmo; passou muito rápido minha
infância, eu tenho saudades.Poder ver, analisar, comparado com hoje, é
uma diferença muito grande. Eu tinha 11, 12 anos e era criança
mesmo.Hoje em dia, a rapaziada é pai, e se parar pra pensar, o tempo
nunca volta”.
P (02):
“Eu brinquei muito, eu posso dizer. Eu acho que hoje é pouco o que as
crianças brincam. Em casa, como éramos muitos irmãos, então a gente
sempre brincou. Íamos até 10 horas da noite. Corda, bola, um monte de
brincadeiras com bola. Hoje eu estou resgatando brincadeiras da minha
infância que eles [os alunos atuais] não imaginavam. Eu sempre brinquei
muito. Minha infância toda foi com o jogo. Eu o me lembro de estar
assistindo televisão, não tinha isso de ficar na frente da televisão. Infância
muito intensa em Sumaré. Vim para com três anos, minha infância foi
toda aqui. Tenho várias cicatrizes para provar”!
P (01):
“Olha, minha infância foi ótima. Onde moro agora não dá mais para fazer
o que eu fazia. Eu tenho dó da Carol e do Pedro [filhos] porque na rua Rio
Branco [local da residência], antigamente, não tinha rodoviária, posto de
gasolina, não tinha nada... Então a gente jogava de tudo. Ali tinha somente
uma pracinha; a gente brincava muito. Hoje a Carol fala: ‘Não posso nem
andar de patins na praça, pois ali tem maconheiro’. E tem mesmo! A rua é
muito perigosa; eu não deixo [os filhos brincarem]. Eu começo a contar
para ela como era, e ela até chora às vezes. Aí eu levo ela para brincar em
outro lugar. Eu não tenho do que reclamar. (...) Eu brinquei muito com os
meninos ali da rua; eram amigos. Brincava de esconde-esconde, mãe-da-
rua. em frente tem uma outra ruinha que não é muito utilizada (...) ali a
gente brincava de queimada, mãe-da-rua, esconde-esconde. Tinha
construção ali, mas era muito bom subir em árvore, [brincar de] soldado-e-
ladrão, pique-bandeira. Era direto, eu não tenho do que reclamar. Até
soltar pipa... Oh, aqueles joguinhos de saquinhos três ou cinco marias,
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 73
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
não sei bem como chama. Sentava na ruinha – a gente chamava de
ruinha... Carriola humana a gente fazia. Era direto, menino com menina,
no asfalto, depois do gramado... que é inclinado, pois moro no início
do Santa Rosa [bairro do entrevistado]. Uma delícia! Queimada... No fim,
saía até campeonatinho de queimada ali. Eu me lembro: na oitava, no
ensino médio, na escola, ninguém me queimava. Nossa! Por quê? Eu só
brincava de queimada lá. Eu aprendi a fazer pipas; agora eu nem sei mais
empinar. Eram muitas brincadeiras com os meninos também, mas eram tão
gostosas, não tinha malícia, era diferente. Bobinho mesmo com a bola,
carrinho de rolimã... Eu falei para a Carol: ‘Aqui dava para andar
demais’. De patins eu descia a rua de casa, que era descida. Nossa, se
descer agora, você morre porque no lugar hoje tem uma avenida. Daqui até
no Dante [escola em que estudava] eu ia de patins: uma delícia!”.
Como se observa, a emoção acompanhava a atividade lúdica! Destacamos, também, em
negrito, alguns trechos que evidenciam a emotividade que extravasa dos participantes quando
as recordações os remetem ao passado. uma riqueza descritiva em sua fala, levando em
consideração o fato de que todos, exceto o P(06) que não descreveu com entusiasmo a
primeira fase da vida –, tiveram a oportunidade de vivenciar uma infância riquíssima de
experiências e apresentam o jogo como um elemento indissociável desse período.
Desse modo, se as crenças e concepções dos participantes do presente estudo
dependessem da infância para sua construção, poderíamos afirmar enfaticamente que eles
seriam anunciadores do jogo como elemento de vida, como o destaca a P (07).
Podemos também constatar a diversidade e pluralidade de jogos, brincadeiras e
brinquedos encontradas na narrativa dos participantes. Em virtude de estarem em locais,
épocas e ambientes diferentes, todos apontam muitas e variadas atividades. Como são muito
extensas as respostas e contêm algumas semelhanças, escolhemos 4 participantes que
representam bem essa diversidade de jogos, brincadeiras e brinquedos:
P (10):
“Todos, quase todos os dias. [...] Ali [na chácara do pai] reunia todo mundo
[os vários irmãos e os primos] [...] então a gente brincava de pega-pega,
esconde-esconde, corrida do saco, muitas coisas. [se emociona]. É... dá
saudade. Hoje não tem isso. Hoje eu fui em algumas lojas para dar um
presente de natal para os sobrinhos e filho. A gente vê aquelas bonecas: um
absurdo o preço! Eu sou gêmea. A minha primeira boneca eu tive que
dividir com minha irmã porque meu pai ganhou em uma rifa. Meu irmão
mais velho tinha ganhado uma bicicleta do meu pai. Nossa, comos
brigávamos para andar naquela bicicleta. Hoje as crianças não brincam
disso.Você compra um brinquedo, e ele faz tudo. Naquela época, vo
tinha o prazer de subir em cima de uma árvore para pegar o fruto dela. A
bucha, que a gente chamava de verde, servia para ir montando a
vaquinha para fazer um curral. Mesmo as bolas eram confeccionadas de
meia. Hoje não, qualquer bola você compra em qualquer lugar. E bolinha
de gude então?! Como brincava! Era muito gostoso. Corda, meus avós
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 74
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
faziam de cipó naquele dique na beira do rio. Pegar cipó para fazer corda
era muito prazeroso, muito gostoso mesmo. A gente percebe que as
crianças [atuais] não têm prazer: elas ganham o presente e, daqui a pouco,
quebrou. o dão valor naquilo. Meu filho mesmo é um deles. A gente
tenta passar isso para ele, mas é a geração filho único. Você dá tudo? Não.
A gente procura passar isso para ele. Converso muito com ele sobre isso:
os brinquedos que eu tive, os que o pai dele teve, as brincadeiras...; tanto
que ele vai lá no sítio e faz isso [brinca à maneira antiga]. Nossa, ele não vê
a hora. Ele anda de bicicleta, nada no rio, anda descalço e por leva
cada rachado [machucado nos pés] –, brinca na enxurrada...”.
P (02):
“Sim, todo o dia eu falo que a gente brincava assim e ia dormir falando o
que ia fazer amanhã [no dia seguinte]. Tinha muito de jogos de tabuleiro,
dama, ludo, bingo aquele bingo com as cartelinhas –, stop, amarelinha.
Brincava muito: de queimada, pular corda (de zero a dez, foguinho),
esconde-esconde, estátua, de pega-pega, alerta, casinha brinquei muito
de casinha. A gente fazia a casinha, montava tudo e depois ficava tão
cansada [pelo tempo que gastava para montar tudo] que não aguentava nem
brincar. Eu sempre brinquei de escola, eu sempre era a professora. Tinha
brincadeira com carro. Tudo virava festa. Eu fazia estepe [modalidade de
ginástica de academia]. Desde criança ficava brincando na sarjeta de
pular trocando a perna. Brincadeiras de roda eram muitas, brincadeiras
de mãos, rodas cantadas, brinquedos cantados, pipas... Sim, eu demorei
para aprender a subir em árvore. Minhas irmãs subiam às vezes, e eu
ficava conversando com elas (elas no alto, eu embaixo). Eu subia em
árvores mais baixas e mais fáceis, mas sempre gostei também dessa
aventura. Sempre teve muitas árvores frutíferas em casa: de goiaba,
de ameixa. Eu me deliciava, gostava muito, foi uma fase muito boa da
minha vida”!
P (01)
“Eu brinquei muito com os meninos ali da rua; eram amigos. Brincava de
esconde-esconde, mãe-da-rua... Lá em frente [do local onde mora] tem uma
outra ruinha que não é muito utilizada e as duas avenidas. Ali a gente
brincava de queimada, mãe-da-rua, esconde-esconde. Tinha construção ali,
mas era muito bom subir em árvore, [brincar de] soldado-e-ladrão, pique-
bandeira. Era direto, eu não tenho do que reclamar. Até soltar pipa... Oh,
aqueles joguinhos de saquinhos – três ou cinco marias, não sei bem como
chama. Sentava na ruinha a gente chamava de ruinha... Carriola
humana a gente fazia. Era direto, menino com menina, no asfalto, depois
do gramado... que é inclinado, pois moro no início do Santa Rosa.
Eram [brincadeiras] prazerosas, muito boas. Minha mãe até puxava minha
orelha ‘porque tem que vir embora...’. Minha avó perguntava: ‘Você não
vai tomar banho não?’. Eu não via a hora [de brincar]. Eu chegava da
escola, um ia chamando o outro. Era muito legal subir em árvore e também
brincar de pega, pega-corrente, pega-auto. Eu vejo agora, de um tempo pra
cá, que ninguém sabe subir em árvore. Infelizmente, é uma pena!”.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 75
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
P (07):
“Vários, em suas várias concepções: tinha o jogo para obter resultados
nos campeonatos, os jogos e as brincadeiras que a minha turma
inventava... Nós tínhamos aulas de natação, mas antes e depois nós
continuávamos na piscina. Por exemplo, polícia-e-ladrão: nós tínhamos
um amigo nosso [que era] especial: ele teve uma fase agressiva. Como eu
era pequena, eu não entendia a necessidade especial dele, mas ele teve
uma fase agressiva, e a gente se divertia muito com ele porque ele
corria atrás da gente com uma corda, e isso fazia que a gente explorasse
todas as piscinas do parque aquático ali do clube. Hoje eu entendo que
era um jogo muito legal porque a gente interagia com ele: ele ganhava,
e nós ganhávamos muito. Tinha jogos que a gente colocava patins nos pés.
O clube era um lugar muito íngreme, tinha muita escada, e nós
conseguíamos brincar de pega-pega com patins nos pés, subindo e descendo
escada. Dos jogos de roda eu me lembro muito bem: a gente fazia o jogo da
verdade e dali saía namorinho. Sempre foi muito prazeroso. Olha, eu fui
ter esta certeza, esta consciência quando eu entrei na faculdade, a segunda
que cursei. Antes eu quase tinha concluído um outro curso, mas deixei pra
por causa de uma depressão muito forte que eu tive com o casamento.
Eu não sei por que algo me dizia que eu deveria voltar a estudar, que
eu tinha que me ocupar, e eu fui escolher Educação Física. Então é isso:
tudo foi automático, mas depois que eu senti o benefício todo de ter
voltado a estudar e de estar cursando Educação Física, eu fui entender
que eu voltei às minhas raízes de uma época feliz da minha vida. Então
eu fui achar abrigo na Educação Física, fui resgatar a minha felicidade,
toda parte da minha infância, pré-adolescência e adolescência em que
eu joguei e convivi com o jogo: bolas mil e balé, eu fazia tudo. Tudo que
o clube oferecia eu fazia. Foi de muita alegria, tanto é que eu busquei
na hora mais difícil da minha vida, eu resgatei minha alegria nele [no
curso de Educação Física].
Embora encontremos nos discursos selecionados a descrição de vários jogos,
brincadeiras e brinquedos, queremos destacar o depoimento da professora P (07).
Primeiramente, porque ela consegue diferenciar os tipos de jogos, ou melhor, categorizá-los
de forma diferente, e essa é uma informação relevante para este trabalho. E em segundo lugar,
porque faz menção da inclusão de um portador de necessidades especiais como coadjuvante e
precursor de um jogo de pega-pega. Diga-se de passagem, participação muito interessante e
importante para ambos.
Uma das características do jogo que mencionamos no capítulo I do presente trabalho
refere-se à capacidade de aglutinar pessoas, o que parece ser evidente no episódio descrito
anteriormente. E o que é preeminente é o fato de o jogo, de alguma forma, equacionar as
diferenças, ou seja, embora as diferenças sejam evidentes, elas não parecem obstáculos, mas
possibilidades de interação e partilha.
Outro destaque presente na narrativa da entrevistada P (07) está na referência ao jogo
como elemento terapêutico. Assim como em 2003, com uma pesquisa no sistema prisional
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 76
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
(Carneiro, 2003), constatamos a capacidade de absorção por meio da qual os reeducandos
encontravam liberdade de expressão (lúdico) em meio ao cárcere, do mesmo modo a
participante encontra abrigo, acolhimento em reviver a infância feliz por intermédio do jogo
sempre presente nesse período.
Cabe observar, ainda, que um outro destaque apresentado na narrativa dos participantes
é a não existência das brincadeiras e jogos populares, ou melhor, dos jogos tradicionais
atualmente. O que em nosso entender é uma enorme perda para a infância e seu
desenvolvimento.
[...] apesar de esquecidos ou colocados em segundo plano pela escola, os
jogos populares são símbolos de identidade étnica e regional de
comunidades e sociedades. O abandono das atividades lúdicas, do jogo,
significa o próprio abandono da cultura, visto que o jogo se constitui num
dos mais conhecidos elementos criadores de cultura. (PASSOS, 1994, p.19).
Assim encontramos uma ruptura no comportamento infantil nas últimas décadas, ou
seja, estas atividades vêm perdendo espaço em decorrência do ‘furto’ da infância, do
crescente aumento da violência e também pela mudança no comportamento social
influenciado pela “era cibernética”.
Assim sendo, o que temos assistido é a um abrupto crescimento dos veículos de
informação, fenômeno que tem afetado significativamente o comportamento e as atividades
infantis, como destaca Lima (1995) em seus estudos:
[...] os avanços da informática foram também aplicados ao lúdico. Surgiram
microcomputadores, videogames, brinquedos eletrônicos e um número
grande de programas de jogos, vendidos e divulgados pela propaganda.
Constata-se, porém, que para o praticante conseguir a vitória nesses jogos é
fundamental que ele se submeta totalmente à lógica da máquina e do
programa. Aquele que conseguir responder melhor ao proposto pela
máquina alcançará maior sucesso. Apesar da sensação de estar dirigindo o
jogo, a pessoa está subordinada ao programa preestabelecido. Alguns
criticam esses jogos pelo fato de as crianças ficarem absorvidas, durante
longos períodos, em uma atividade na qual inexiste a interação social e a
exigência motriz é mínima; utiliza-se dos movimentos de dedos, mãos e
olhos, predominantemente. Outros, contudo, defendem a utilização dos
mesmos pelo potencial de desenvolvimento intelectual. O que realmente
está por detrás desta contradição é o tipo de homem que queremos formar, o
sujeito “inteligente” ou um homem mais humano. (LIMA, 1995, p.75).
Cabe ressaltar que todos os participantes lamentam grandemente o desaparecimento
dessas atividades infantis tão importantes para suas vidas.
Perguntamos também aos participantes se eles achavam que os jogos e brincadeiras
eram valorizados pelos adultos em seu período infantil. Nas respostas a essa pergunta,
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 77
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encontramos metade das afirmações positivas, ou seja, dos 10 participantes, 5 afirmam que
eram valorizados. Perguntamos então aos professores o que os fazia crer que os jogos eram
valorizados. Frente a essa arguição, eles deram dois motivos: a ausência de repressão ao
brincar e o fato de alguns adultos ensinarem algumas brincadeiras. Podemos ver isso nas
descrições das participantes P (05) e P (02):
“Eu nunca recebi nenhuma crítica. Eu não lembro de ninguém reclamando
de nós brincando. Era muito normal: eu acho que eles não tinham muita
consciência do que era. Não achavam que estávamos brincando. Meus pais
sempre brincaram com a gente também: pula-corda, essas coisas. Eles
incentivavam, pelo menos em casa. Eles gostavam. Na brincadeira de
esconde-esconde, meu pai desligava o relógio de energia elétrica para que
não acendessem luz. A gente tinha aquela mão biônica verde e saía
procurando os outros no escuro. Quando acabava a energia elétrica em
casa, era uma festa. Não era motivo de tristeza porque sabíamos que íamos
brincar até a hora que a luz voltasse”.
P (02)
Eu acho que valorizavam porque nos ensinavam essas brincadeiras. Não
éramos reprimidos. Eles nos incentivavam nessas brincadeiras de roda;
tanto é que meninos brincavam com as meninas e não tinha problema
nenhum”.
P (05)
Em contrapartida, 5 afirmações foram negativas, ou seja, metade dos professores
afirmaram que os jogos e brincadeiras não eram valorizados pelos adultos. Perguntados sobre
as razões dessa desvalorização, os participantes P (01) e P (03) afirmaram que os adultos não
conseguiam valorizar os jogos, pois julgavam que estes eram fúteis e não acrescentavam nada
de valor.
“Sim, mas olha o que eu noto é que minha mãe adorava que eu fizesse
isso. Podia brincar. Mas eu notava que várias mães dos meus colegas
falavam: ‘Nossa, que coisa boba ficar subindo e descendo da árvore’.
Meus pais incentivavam, mas a grande maioria não! Não viam valor,
diziam que sujava a roupa nossa e ficavam bravos”!
P (01)
“Não, não, eles valorizavam à parte da diversão. Da criança brincar
mesmo, eles não tinham tanta visão de que a gente era feliz”.
P (03)
Vejamos o quanto é difícil encontrar reconhecimento ou valorização das atividades
lúdicas: ou porque se desconhece sua importância para o desenvolvimento da criança ou por
se tratar de uma atividade ‘improdutiva’, apenas com um fim em si mesma (brincar). É o que
afirma Freire & Scaglia (2003):
[...] para os adultos, trata-se apenas de uma diversão, menos importante que
qualquer tarefa considerada séria pela sociedade adulta. É muito difícil
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 78
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justificar a importância da atividade lúdica para a criança, para o
adolescente e para os adultos.
(Idem, p.162).
Outra informação relevante é a afirmação sobre a frequência do brincar: 9 participantes
afirmaram que brincavam sempre e todos os dias; apenas o professor P (06) o faz menção
da frequência:
“Éramos praticamente eu e meu irmão. (...) quando chega uma certa idade,
começa a trabalhar junto com o pai. A gente brincava de balanço porque
tinha muitas árvores; fazia carrinho de boi, fazia estradinha, fazia ponte
debaixo da terra, essas coisas. A gente gostava. A única coisa que a gente
conhecia era aquilo”.
Finalizamos essa categoria acreditando na necessidade da preservação desse período
mágico chamado infância, que tristemente tem sido massacrado: ora em nome da produção de
bens de consumo, ora em nome de uma escolarização precoce que, regida pela ideologia da
sociedade atual, preocupa-se apenas com o produto final e se esquece do processo; avança a
passos largos em direção ao progresso científico e tecnológico, mas, a nosso ver, pode estar
retrocedendo no que se refere ao desenvolvimento humano.
Percebemos, durante as entrevistas, o espaço importante do jogo na infância destes
professores. Além disso, ficou claro para nós que a presença dos jogos populares/tradicionais
se sobressaiu em relação à dos jogos industrializados. Brincar de correr, jogar queimada, subir
em árvores foram, segundo a percepção dos professores entrevistados, as atividades mais
citadas e lamentavelmente subtraídas à infância atual.
Hoje se fala enfaticamente em “tirar a criança das ruas”, mas, segundo a “fala-denúncia”
dos professores, a rua é que foi “roubada” delas, o que faz com que necessitem de um espaço
monitorado para a infância. Lamentavelmente, esses espaços monitorados são tão austeros ao
“ser criança” que sua organização impede qualquer tipo de expressão mais livre.
Não queremos lançar um “juízo condenatório” sobre aquilo que alguns autores chamam
de “institucionalização da infância”, mas se almejamos nos aproximar da fala dos professores,
teremos que admitir suas avaliações quanto ao empobrecimento da infância. Paradoxalmente,
ser criança hoje pode custar mais, mas é mais pobre!
Esta reflexão final quanto ao espaço do jogo na infância dos docentes pode soar
saudosista, mas se formos bastante condescendentes e vincularmos parte da expressão dos
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 79
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
docentes a um “passado encantado”, mesmo assim restaria, ao menos, uma porção
significativa de dúvida quanto ao processo já acionado de “sequestro da infância”.
Passemos, então, à nossa 3ª categoria de análise, que tem como principal objetivo
conhecer o espaço do jogo no período de escolarização dos professores entrevistados.
3. O espaço do jogo na escolarização dos docentes
Nesta categoria, buscamos conhecer as experiências dos entrevistados com o jogo no
período de escolarização. Ou seja, procuramos identificar suas experiências lúdicas durante
seu período escolar, desde o ensino fundamental até o médio.
Poderíamos deduzir que devido à grande experiência vivenciada pelos participantes em
seu período infantil, encontraríamos também em sua escolarização um aproveitamento dessa
experiência anterior para auxiliá-los em sua alfabetização e na construção do conhecimento,
até porque sabemos do poder sedutor do jogo, como afirmamos anteriormente.
Todavia não foi o que encontramos. Nenhum dos 10 participantes pesquisados afirma
que a escola possibilitava ou aproveitava os jogos e as brincadeiras vivenciadas no período
infantil. O que encontramos em alguns discursos é um repúdio a atividades lúdicas por parte
de seus educadores. Como destacam alguns participantes:
P (01):
“... não tive. Espaço até que tinha, mas não tinha ninguém pra orientar. Em
nenhuma disciplina podia brincar. No recreio a gente brincava de corrida,
pega-pega, amarelinha, inventava cabo-de-guerra (pegava uma corda com
o funcionário), mas ninguém ajudava, nenhuma disciplina de primeira à
quarta usava brincadeira. De vez em quando, tinha uma gincana na escola
em dia comemorativo; tinha as brincadeiras (no dia das crianças,
folclore, semana da pátria): corrida-do-saco, do ovo, uma porção de
coisas, mas, fora disso, não tinha. A gente achava muita falta disso, mas
muita...”.
P (02):
“Era no intervalo, no recreio, que a gente levava corda, bola, quase se
matava [de tanto brincar], voltava para sala pingando e, uma vez na
semana, a gente jogava queimada, no final de aula, da última aula. Sempre
tinha queimada uma vez por semana porque não existia Educação Física de
a 4ª. Nenhuma outra disciplina trabalhava brincadeira; nada, nada.
Era no intervalo que a gente brincava, e era queimada. A gente
gostava, mas era só queimada. É a única lembrança que eu tenho: na sexta-
feira, último dia da semana”.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 80
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P (05):
“No primário nós podíamos brincar sim. Eram danças, eram brincadeiras
de roda cantadas. No recreio, nessa época, você não podia transpirar, mas
podia brincar, desde que não transpirasse muito. Era assim, não podia
ficar correndo. Acho que era uma maneira de você se conservar mais
tranquilo. Nos intervalos, eram sempre vivenciadas essas brincadeiras:
cantigas, passa-anel. O que não podia era correr...
P (10):
“Tinha, tinha muitas brincadeiras. Eles levavam as coisas, migalhas
chamadas de cinco Marias. A gente levava baralho. Brincava de pega-
pega, queimada, toque com a bolinha... O recreio era muito recreativo
mesmo, bem gostoso. no recreio [que se podia brincar]. Fora isso,
somente nas aulas de Educação Física”.
P (07):
“Como faz muito tempo desde o meu primário, eu me lembro só de corda. A
escola era um espaço pequeno, não tinha jogo
. Tinha a bandinha e tinha
corda. Eu lembro que a gente pulava corda, talvez amarelinha, tenho uma
vaga lembrança de amarelinha, mas não me lembro muito de jogo com
bola. Não tinha não. No ciclo II, a quinta, sexta eram muito militaristas. Os
que tinham competências e habilidades eram privilegiados. Era aquela
aula de entrar e aquecer, de correr ao redor da quadra. Não eram
oferecidos jogos de nenhuma espécie dentro das aulas de Educação Física.
(...) era muito conteúdo
e vinha de uma época militar também”.
Encontramos alguns vestígios das brincadeiras no intervalo das atividades escolares,
ainda que em alguns casos com a ressalva de não poder transpirar, como afirma a professora P
(05). Segundo Freire & Scaglia (2003), “[...] e
ntre a rua e a escola existe um muro simbólico, e os
elementos simbólicos são mais resistentes (romper com esse muro é uma tarefa titânica)
(Idem, p.
155).
Parece-nos que ‘o muro’ da escola impede que as experiências vivenciadas fora do
espaço escolar adentrem-no, sobretudo as que se referem aos jogos e brincadeiras.
Recorremos a Piaget (1985), que menciona o descaso com o uso das atividades lúdicas
pela Pedagogia tradicional, que, segundo nos parece, foi o tipo de ensino que os professores
de nossa pesquisa também tiveram.
[...] o jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela escola
tradicional, dado o fato de parecerem de significado funcional. Para a
pedagogia corrente, é apenas um descanso ou desgaste de um excedente de
energia. Mas esta visão simplista não explica nem a importância que as
crianças atribuem aos seus jogos e muito menos a forma constante de que se
revestem os jogos infantis, simbolismo ou ficção, por exemplo.
(PIAGET,
1985, p.158).
Nesse sentido, também Marcelino (1990) argumenta que a negação do lúdico na escola
está “[...] diretamente relacionada com a negação que a escola faz da criança, ou o seu
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 81
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
desrespeito, ou ainda o desrespeito a sua cultura. E o mundo do lúdico parece ser o traço
distintivo dessa cultura” (MARCELINO, 1990, p.78).
Cabe destacar, ainda, a advertência que nos faz a participante P (07): o pensamento que
regia a escola neste período advinha do sistema político organizado pelos militares. Assim o
jogo coloca em risco ‘a ordem’ e o modelo escolar tradicional que vigoravam no período.
Ainda dentro desta categoria, buscamos investigar especificamente como a disciplina de
Educação Física se apropriava dos jogos, brincadeiras e brinquedos. Buscamos conhecer o
uso que o professor de Educação Física fazia desses recursos dentro do período escolar dos
participantes.
Aqui encontramos uma informação lamentável: nenhum dos participantes afirma ter
vivenciado qualquer espécie de jogos, brincadeira ou brinquedos durante sua passagem
escolar pelas aulas de Educação Física.
Aludem apenas ao ensino de algumas modalidades esportivas e, o que é pior, sempre as
mesmas. Conseguimos visualizar esses impactos em outra pesquisa, anteriormente
mencionada, que desenvolvemos dentro do sistema prisional (CARNEIRO, 2003). Os
participantes de tal pesquisa poderiam escolher qualquer modalidade esportiva ou prática
corporal para vivenciarem, entretanto 99% optaram pelas 4 modalidades convencionais:
futebol, voleibol, basquetebol e handebol. Como destacamos:
[...] Parece-nos que esta situação reflete uma deficiência quanto aos
conteúdos abordados pela Educação Física em nosso país, que, durante
muito tempo, restringiu sua ação pedagógica a apenas quatro modalidades
esportivas: voleibol, basquetebol, handebol e futebol.
(CARNEIRO, 2003,
p.94).
Como temos muitas respostas semelhantes, resolvemos selecionar apenas as mais
expressivas e que resumem esse fato. Lançamos mão, portanto, daquilo que nos disseram os
participantes P (01), P (02), P (06), P (07), P (08) e P (09):
“Eu não tive Educação Física de primeira à quarta porque não tinha ainda
[essa disciplina ainda não existia]. Espaço até que tinha, mas não tinha
ninguém pra orientar. Em nenhuma disciplina podia brincar. No recreio a
gente brincava de corrida, pega-pega, amarelinha, inventava cabo-de-
guerra (pegava uma corda com o funcionário), mas ninguém ajudava,
nenhuma disciplina de primeira à quarta usava brincadeira. De vez em
quando, tinha uma gincana na escola em dia comemorativo; tinha as
brincadeiras (no dia das crianças, folclore, semana da pátria): corrida-do-
saco, do ovo, uma porção de coisas, mas, fora disso, não tinha. A gente
achava muita falta disso, mas muita
... De quinta à oitava, eu fiquei muito
frustrada durante as aulas de Educação Física: a gente pedia jogos, não
modalidade esportiva, mas jogos-brincadeiras, mas a gente não tinha
brincadeiras...” . P (01)
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 82
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“Eu não via nada. No fundamental II, era praticamente bola mesmo,
uma coisa voltada para esporte. No magistério, menos ainda: nem bola
tinha. no último ano, com uma [professora] que pegava no pé, a Sonia
Gazeta, eu tive Educação Física infantil. Mas foi no último ano do
magistério só e nada muito como deveria ser mesmo”.
P (02)
“Ele tinha uma parte teórica; a maior parte era prática: tinha atletismo,
vôlei, futebol, tinha tudo prático, mas [somente] os esportes coletivos, essas
coisas. Brincadeiras, ah... muito pouco”.
P (06)
“Não me recordo de brinquedos e brincadeiras. Era esporte, voleibol,
muito, muito. Antes do ginásio, era corda e depois, voleibol e ginástica. Do
que eu me lembro era só, só, só, só, não tinha diversidade alguma
”. P (07)
“Era dividido por bimestre. Começava sempre com o vôlei. No segundo
bimestre, eu lembro que era o futebol, o handebol, o basquete. Por causa
do frio, tinha que correr. Em dias de chuva, a gente vinha com o tabuleiro
de dama, xadrez, alguns joguinhos assim. Recreação era mais difícil, não
era sempre não. Quando estava muito calor, a gente ia para debaixo de
uma árvore e fazia uma brincadeira chamada killer, ou detetive; alguma
coisa assim”.
P (08)
“Não, a gente tinha professor de Educação Física. Ele me trouxe bagagem.
Foi o que me influenciou a ser professor de Educação Física porque tinha
uma parte legal: a gente trabalha uma parte meio exército, fazia
exercícios: alongamento com aquecimento, uma corrida. Então a
Educação era assim: início, meio e fim. O início com alongamento, o
exercício em si e a volta à calma. Então as aulas passavam assim como se
fossem trinta minutos. O Lucas [professor – nome fictício] me trouxe muita
bagagem; muita coisa eu aprendi com esse professor”.
(09)
Ao analisarmos as falas dos professores, percebemos, enfim, o quanto o jogo foi
desconsiderado mesmo nas aulas de Educação Física. Consideramos que os professores de
nossos entrevistados teriam aulas mais ricas se tivessem aproveitado as experiências com
jogos que os alunos traziam de suas rotinas.
Os relatos parecem-nos estranhos, pois o jogo pode ser considerado o “carro-chefe” da
Educação Física, entretanto, na experiência dos entrevistados, quando alunos desta disciplina,
as aulas eram marcadas pela busca do alto rendimento esportivo, como destaca P (07) em sua
fala.
Esta ausência ou descaracterização do jogo na Educação Física escolar é tratada por
Passos (1994):
[...] por isso o lúdico, quando abordado pela Educação Física Escolar, é em
geral limitado à perspectiva do lúdico instrumental, servindo à instrução e à
doutrinação. O professor que trabalha nesta perspectiva visa somente à
aprendizagem dos conteúdos desejados por ele, que, na maioria das vezes, é
o esporte institucionalizado. Assim, as atividades lúdicas, os jogos
populares e/ou as atividades espontâneas nas aulas de Educação Física
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 83
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parece que visam simplesmente facilitar, iniciar a aprendizagem das
habilidades esportivas. Tais jogos passam, então, a ser chamados de pré-
desportivos ou jogos de iniciação. No lúdico instrumental, quem deseja e
controla todas as ações é uma pessoa externa, muitas vezes o próprio
professor, e não os jogadores envolvidos. (PASSOS, 1994, p.17).
Merece destaque a resposta do P (09), que faz até uma comparação entre as aulas e as
atividades militares do exército. Como apresentamos no capítulo 2 deste trabalho, durante as
décadas de 60 e 70, a educação brasileira, assim como outros espaços sociais, foram
monitorados pelo governo militar. Este monitoramento não ocorria no sentido da
supervisão. A disciplina, como elemento de destaque no ambiente militar, também era
valorizada e, em especial, a disciplina austera, que, de certo modo, esterilizava expressões
mais livres e diversificadas.
Perguntamos ainda aos professores se os jogos que eles praticavam fora da escola
também o eram dentro dela e qual a justificativa de serem ou não utilizados.
Uma das entrevistadas, P (10), fez menção aos jogos na infância, mas não no período
escolar, portanto descaracterizando a pergunta. Dois sujeitos responderam sim: os jogos que
eram praticados fora da escola também eram utilizados durante as atividades escolares; no
entanto, indagados sobre o porquê dessa utilidade, apenas um conseguiu responder,
argumentando não ser possível, por exemplo, brincar de carrinho de boi ou estrada no
concreto.
“Tinha, por exemplo, o pega. A gente chegou a fazer na Educação Física,
que diferente: fazia, por exemplo, o pega-corrente. Era o mesmo pega,
mas com outro sistema. Na brincadeira do carrinho de boi não tinha como
fazer estrada no chão de concreto”.
P (06)
Os outros 7 participantes afirmam de forma incisiva que os jogos que eram vivenciados
fora do espaço escolar não o eram dentro da escola. Como as respostas se aproximam,
resolvemos escolher as que representam de forma expressiva a justificativa da ausência da
cultura lúdica infantil dentro das unidades de ensino:
“O que a gente utilizava, como eu falei, era queimada, mamãe-da-rua,
brincadeiras que a gente fazia na quadra; algumas assim. A maioria não.
Às vezes a gente fazia concurso de pipa, mas não era sempre, tinha época
certa.”
P (03)
A maioria das vezes não. Às vezes, queimada, e isso porque a gente fazia
a cabeça do professor. Como era dividido [o ano escolar] por bimestre, o
professor tinha que dar conta do vôlei, do futebol, do handebol e do
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 84
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basquete. (...) Eu lembro que no final do bimestre a gente tinha o
interclasses, e isso movimentava a escola toda. Era saudável, mas faltava
um pouco de recreação, jogos cooperativos para não ficar aquela coisa
maçante. Eu gostava daquilo. Mas e quem não gostava? Hoje eu tenho
essa visão”.
P (08)
“Não, não. no recreio. Parece que brincadeira não fazia parte, era
uma coisa de fora. Agora se você está no recreio, você pode brincar. A
visão que tenho é esta: a brincadeira não fazia parte da escola não; da
infância sim, mas da escola não! no intervalo a gente brincava. E isso
porque ainda eram os mais animados. Tinha uma turminha boa que
gostava de brincar, então a gente levava o material. A impressão é que não
tinha utilidade nenhuma, que era uma brincadeira. Não tinha essa visão
de trabalhar corpo que tem hoje, integrado [de maneira integrada].
Imagina, eu vejo pelo meu marido: como não teve nada na infância, até
para bater palma no ritmo ele tem dificuldade. Ele não foi trabalhado em
nada disso. Ele não brincava, não brincou, não aprendeu, não
desenvolveu coordenação”. P (02)
“Não, não, nós brincávamos nos intervalos. A gente pedia muito quando
tinha esta semana da pátria para ver se eles incluíam, mas (...) eles iam
colocando empecilhos. Por conta do perigo, falavam que não tinha um
professor específico, um empurrava para outro. Eu pedia várias vezes.
Nós ficávamos comentando que era comodismo, que eles não queriam um
trabalho a mais, iam ter que ficar olhando, que tinham medo de alguém se
machucar e falavam que não havia uma pessoa específica.Aí a gente falava
do professor de Educação Física, e eles diziam que ele não estava ali toda
hora. Ainda bem que eu aprendi na rua essas brincadeiras: subir em
árvore, rolimã... Que delícia que era aquilo...”. P (01)
Ao tratar desta ausência, o P (02) destaca o fato de que o jogo não era valorizado pela
escola, enquanto que o P (01) menciona a ausência das atividades lúdicas pelo perigo de
acidentes.
A percepção destes docentes também é encontrada em alguns autores que se ocuparam
da temática. Encontramos em Duflo (1999) uma denúncia explícita quanto ao processo de
desvalorização do jogo: “[...] muito tempo considerava-se o jogo como sendo
principalmente atividade infantil, de pouco valor em si mesma, que não merecia que lhe
déssemos muita importância nem que atraísse a atenção do estudioso.” (Idem, p.12).
Outro elemento que deve ser ressaltado está presente na fala do participante (01), que,
como mencionamos, relaciona a ausência das atividades lúdicas com o perigo de acidentes.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 85
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Quanto a isto, entendemos que, por acidentes, podemos pensar não naqueles que recaem
sobre o físico. O perigo pode também vincular-se à perda do domínio na organização escolar,
como bem o destacaram Freire & Scaglia (2003):
[...] o jogo assusta a escola, transgride regras disciplinares, conturba a
ordem habitual da instituição e, por isso, é evitado, a não ser quando pode
ser praticado de forma segura, apenas como veículo de informações
pedagógicas, isto é, suficientemente domesticado para, sem transgressões,
veicular conteúdos de alguma disciplina escolar
. (Idem, p. 166).
Na categoria de análise anterior, enfatizamos que, se as concepções e crenças dos
participantes dependessem das experiências lúdicas vivenciadas na infância, estes seriam
anunciadores do jogo como elemento essencial para o desenvolvimento humano.
Não poderíamos, porém, afirmar o mesmo ao levarmos em conta as experiências no
período de escolarização, pois se suas crenças e concepções sobre o jogo dependessem das
experiências vividas em seu período escolar, elas não ocupariam lugar de destaque no
conjunto das representações do sujeito, já que o que encontramos é a ausência do jogo ou a
percepção deste como elemento pernicioso. Essa ‘constatação’ foi anunciada por nós em
outro trabalho, Camargo & Carneiro (2007).
Por fim, observamos que mesmo nas aulas de Educação Física, as experiências dos
professores com o jogo foi bastante limitada.
Entre os participantes, foi consenso a limitação dos conteúdos abordados pela
Educação Física, que se centrou apenas no esporte. Mencionou-se também um excessivo
cuidado com o uniforme, como se ele garantisse a qualidade da aula e do aprendizado.
Observamos, ainda, a separação entre meninas e meninos, inclusive com professores do
mesmo sexo, ou seja: para meninas, professora; para meninos, professor.
Outro destaque está vinculado ao cuidado no cumprimento de regras. O excesso era
tamanho que se tornavam comuns as punições físicas e verbais. Selecionamos algumas
respostas que conseguem ilustrar esse ‘cenário’:
“Não eram sempre a mesma coisa. Eram uma balança no peso da gente!!!
Parecia mais importante pra ela [para a professora de Educação Física] o
nosso uniforme, que tinha que estar impecável, do que aquilo que a gente
ia fazer na aula dela. Era assim: (...) a professora escolhia quem ia fazer
parte do jogo de voleibol na aula. Pra jogar, os outros tinham que ficar
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 86
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anotando sentadinhos. Não tinham a oportunidade pra jogar porque ela
queria uma equipe perfeita, que jogasse bem pra disputar entre classes,
entre escolas. Então eu vejo hoje que ela fazia da aula um treinamento,
excluindo aquele que não tinha aptidão, que acabava não tendo a
oportunidade de aprender o esporte. Pra resultado, usava até de punições,
com corridas. Por exemplo: se o aluno estava conversando demais, tinha
que dar vinte e cinco voltas na quadra. [Como consequência] eu tenho
várias amigas da época que odeiam Educação Física. Lógico, era um
castigo. Não é por aí”.
P (07)
“Como falei pra você, ele passou um ano inteiro com uma bola.
Lamentável, né?” P (10)
“Era mais bola, rede e apito; era mais nesse sentido. E o uniforme, que era
aquela sainha branquinha de preguinha, shortinho vermelho, tênis branco,
meia branca impecável... A preocupação era mais com uniforme do que
com a aula. Era bem isso mesmo”.
P (08)
Para mim não; nas aulas que eu participava, não. Eu nunca fui de faltar.
Era dar as 10 voltas na quadra, naquele sol escaldante. Depois fazia sei lá
quantos polichinelos, quando não andava de costas. Hoje meu joelho é
todo estourado por isso. Depois repartia os times para jogar vôlei. Se você
soubesse dar manchete e saque, você entrava na quadra e ali você jogava;
ou você era figurante. (...) eram separados os horários de meninos e
meninas. Então você ficava ali como figurante. Tinha os alunos que
eram jogadores e os [que ficavam] plantados, que do jeito que entravam
ficavam até o rodízio. Eu aprendi porque eu treinava, queria sacar,
sabia rodízio, tudo... Eu treinava fora da escola. O professor aproveitava
enquanto a gente jogava para tomar um cafezinho na diretoria”. P (05)
“De à 4ª, eu não tive. Na 5ª, até que foi um pouquinho melhor: tinha
ginástica, mas a ginástica era muito rígida com a gente. Tinha uma
vizinha que me dava dó. Acho que ela não gostava, não sei. Eu acho que
para estas pessoas tem que começar e ensinar o movimento certinho, ver
se está fazendo certinho. Ela fazia com a coluna torta. A professora
chegava atrás e brigava; dava cada tapão.
Chegava com o joelho, forçava
atrás dela e gritava: ‘Pô, menina, acorda, pamonha’. Quando eu falei
melhor, não foi no sentido desta professora, mas porque tinha
alongamento, tinha ginástica, recreação. Em nenhum momento tinha
alguma brincadeira informal, só queimada e a técnica e, ainda assim, um
tipo de queimada. Porque tem vários tipos de queimada. Mas era aquilo
e acabou. Os alunos não podiam formar uma regrinha para o jogo de
queimada. [Se a professora] falou assim, pronto: ninguém podia questionar.
[se questionasse] ele não participava, ficava um pouquinho do lado e
depois saía ...”.
P (01)
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 87
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Finalizamos esta terceira categoria de análise refletindo sobre a importância de
repensarmos a escolarização de maneira geral e a função e apropriação das atividades lúdicas
dentro do universo escolar e, em especial, na área da Educação Física. Para tal, fazemos
menção a Freire & Scaglia (2003):
[...] por tanto tempo, a educação ignorou o fato de que ser inteligente é
muito mais que ser capaz de fazer cálculos ou de raciocinar logicamente
diante de problemas isolados, e de que acabamos formando gerações de
pessoas que se surpreendem permanentemente com problemas insolúveis. O
homem é incapaz de resolver as mais graves questões universais da
atualidade porque elas lhe escapam à inteligência. Falta-nos a sensibilidade
educada; faltam-nos as emoções educadas, a sexualidade, a motricidade e as
sociabilidades educadas”. (Idem, p. 134).
Passaremos, então, para a quarta categoria, em que discutiremos a formação
profissional dos professores entrevistados e a presença do jogo em sua formação.
4. O espaço do jogo na formação profissional/acadêmica
Neste ponto da entrevista, tentamos identificar, ao longo do curso de formação dos
professores entrevistados, quais os espaços ocupados pelo jogo. Quisemos saber qual foi o
espaço teórico e prático do jogo em seu período de formação. Encontramos respostas
variadas.
Dentre os participantes, 3 professores – P (04), P (01) e P (03) – afirmaram que o jogo
não foi tão enfatizado em seu uso e importância. Representativo dos demais, eis o protocolo
de P (01):
“Olha, você sabe que bem pouco; do que eu me lembro, não foi muito não;
não falavam tanto da importância do jogo”.
Outros 3 participantes – P (05), P (08) e P (09) – afirmaram que, durante o processo de
formação, o jogo foi destacado através das modalidades esportivas; acrescentaram, no
entanto, que sentiram falta dos jogos lúdicos:
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 88
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“Era o tempo todo [teoria e prática das modalidades esportivas]. Eu fazia
aulas teóricas e práticas e [a formação voltada para os jogos] deixou muito
a desejar. Eu acho que faz [fazem] muita falta para mim os jogos lúdicos.
Recreação deixou [foi deixada de lado]. [O ensino] era mais voltado mesmo
para vôlei, handebol, basquete...”.
P (08)
2 entrevistados, o P (06) e a P (10), enfatizaram que os jogos estavam presentes na
maioria das disciplinas, mas não justificaram ou descreveram quais ou como eram utilizados
ou apresentados:
“Bastante. Tinha uma professora maravilhosa de jogos cooperativos. No
espaço da faculdade, a gente participava mesmo. Gostava muito de fazer,
de aprender novos, de elaborar novas atividades... a gente se ajuntava em
grupinhos... Era gostoso”. P (10)
Apenas na fala de 2 professores entrevistados – P (07) e P (02) – encontramos
confirmação da presença do jogo e uma justificativa convincente sobre sua relevância:
Na Educação Física, [há] muita preocupação; eles [os formadores] têm
uma preocupação muito grande em usar os jogos, e algumas disciplinas
pegavam bastante nisso [davam muita ênfase] sobre a importância do
resgate. Exatamente este alerta por tanta coisa que aconteceu e como foi
[como o processo de formação foi se construindo historicamente]”.
P (02)
“Total, total. Tudo era lindo, jogos, desde lúdicos, tudo, tudo. Vimos a
representação do jogo, os papéis assumidos pelo jogo no desenvolvimento
infantil, a brincadeira, a importância da construção de jogos pra criança,
os jogos cooperativos, o jogo pra portadores de necessidades especiais.
Nós sentávamos em cadeira de roda pra jogar basquetebol; criávamos
jogos com sucatas. Todos os anos na faculdade tive disciplinas que
trabalharam com jogos na teoria e prática”.
(07)
Prosseguindo com a entrevista, também procuramos saber se alguma disciplina
abordava especificamente o jogo e suas implicações pedagógicas. Vamos aos dados
encontrados: 2 sujeitos P (05) e P (08) –, dos quais tomamos como exemplo a fala do
primeiro, destacam que nenhuma disciplina havia tratado do jogo especificamente:
“Do jogo, do jogo em si, não tinha. Na didática, sim, mas o [sobre o] jogo
não tinha nenhuma disciplina específica”.
P (05)
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 89
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Merece destaque essa resposta, pois a Educação Física tem no jogo um dos seus
principais conteúdos; ela se utiliza dele no cotidiano de sua prática pedagógica, entretanto não
o estuda. É como se um professor de Língua Portuguesa, formado em letras, ensinasse a
estrutura gramatical, a base ortográfica ou até mesmo literatura, mas não tivesse o
conhecimento, mínimo que fosse, do sentido etimológico das palavras.
Outros 2 participantes P (09) e P (10) afirmaram que o jogo estava presente nas
modalidades esportivas.
“Eram quase todas baseadas em jogos, jogos-brincadeira; eram jogos
cooperativos para você trabalhar a modalidade específica. Até hoje
trabalho assim. Tem quase elas em todas [as disciplinas sobre jogos
permeavam quase todo o currículo] pra você pensar numa modalidade
específica”.
P (10)
Já 4 participantes destacaram a disciplina de Recreação e Lazer como a única a
apresentar e abordar o jogo e sua importância pedagógica e mercadológica, como narram os
professores P (03) e P (04):
A parte de recreação? Tive. a parte de recreação, atividades lúdicas
que vopudesse utilizar para esse fim (acampamento, clube, no hotel), e
não só para a escola. que a carga horária era muito pouca, e foi uma
coisa jogada [transmitida às pressas, de maneira superficial e com
negligência]”.
P (03)
Todas as disciplinas [de certa forma, abordavam o jogo], mas a que mais
falava era a da recreação, [pois] era específica. Mesmo as brincadeiras,
(...) o jogo com modalidade esportiva, o jogo de forma geral... A gente fala
do jogo e da brincadeira pela recreação. No voleibol, a gente trabalhava
bastante; na brincadeira da ginástica olímpica, nunca. Tinha bastantes
atividades juntas. Ah, tinha a recreação junto com o fundamento também.
em relação ao basquete e o handebol, foi [nos transmitiram] mais a
parte de técnicas, movimentos, táticas, essas coisas. (...) Tivemos 4
semestres de recreação”.
P (04)
Vejamos como merece uma discussão o destaque da presença do jogo vinculado à
disciplina de Recreação e Lazer, que em geral fica apenas circunscrito ao conceito de
diversão. Se entendermos que o sentido etimológico da palavra recreação vem de recriar, logo
poderíamos imaginar que essa disciplina teria grande potencial em discutir aspectos
metodológicos e pedagógicos que envolvem o fenômeno jogo.
Além do mais, a disciplina tem a possibilidade de discutir o lazer inserido em uma
sociedade de consumo, o que, a nosso ver, é importantíssimo porque afeta diretamente a
qualidade de vida contemporânea e, em uma instância macro, organiza políticas públicas de
lazer e cultura.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 90
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Todavia, quando ela se apropria do jogo, além de reduzi-lo a uma esfera alienante e
limitada, restringe seu potencial pedagógico. Lamentavelmente encontramos na fala de P (03)
uma menção ao caráter precário desse olhar: “Só que a carga horária era muito pouca, e foi
uma coisa jogada.” Ao comentar em sua dissertação de mestrado os limites dos cursos de
formação em Educação Física, e em especial da disciplina de Recreação, Souza (1994)
afirma:
[...] ora, como dissemos, a maioria dos professores de Educação Física
que atua com a primeira fase, não teve formação adequada para exercer esta
tarefa, e, portanto, nem sabe o que objetivar com o seu trabalho. O conceito
de “recreação” para este trabalho torna-se muito vago e conduz como
consequência um entendimento equivocado dos objetivos a serem
alcançados. Isto é, o professor responsável por esta recreação precisa apenas
conhecer um rol de brincadeiras que possam deixar as crianças “alegres e
fazê-las gastar “seu excesso de energia”. Seria ótimo que todos os
professores que atuam nesta fase realmente soubessem brincar, mas, como
já dissemos, é preciso ir além e encarar esta brincadeira com a seriedade que
ela merece. (SOUZA, 1994, p.63).
Apenas 2 entrevistados P (01) e P (07) apontaram as disciplinas de
Psicomotricidade, Antropologia e Psicologia do Esporte como sendo as únicas a abordarem o
jogo e suas implicações pedagógicas.
Apresentamos a seguir um quadro que resume bem todas as informações encontradas e
discutidas anteriormente.
Quadro 3 Disciplinas que abordavam especificamente o jogo e seus aspectos
pedagógicos:
Disciplinas Mencionadas Número de Participantes
Nenhuma Disciplina 2 Participantes
Modalidades Esportivas Gerais 2 Participantes
Recreação e Lazer 4 Participantes
Psicomotricidade 1 Participante
Antropologia e Psicologia do Esporte 1 Participante
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 91
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Esta informação levanta um questionamento preocupante: como poderia um professor
dessa disciplina apresentar de forma coerente e com embasamento teórico um dos principais
conteúdos da Educação Física o jogo se este lhe foi negligenciado durante seu processo
formativo? Ou melhor, sabendo desse quadro, como podemos esperar que em sua prática
pedagógica os pesquisados possam utilizar de modo correto este ‘recurso’ se ele não foi
contemplado minimamente em sua formação?
Estas e outras questões serão tratadas na próxima categoria, quando, somadas às
informações apresentadas, teremos aquelas vinculadas à pratica pedagógica dos docentes.
Por ora, ainda neste bloco de entrevista, perguntamos: dos jogos apresentados ou atividades
propostas, algum(a) se relacionava aos praticados fora do ambiente escolar?
Encontramos variadas respostas a esta questão. Algumas mencionam que, ao longo da
Disciplina de Recreação, foram feitas algumas atividades da experiência infantil; outras,
embora se manifestem positivamente, não fazem menção à disciplina nem aos jogos. Também
encontramos entrevistados que fazem alusão a essas brincadeiras como tendo sido ministradas
para servir de suporte para ensino de modalidades esportivas. As respostas de P (08) e P (05)
quanto a esta questão pareceram-nos bastante significativas. Vamos a elas.
Não teve uma vez que colocaram cama elástica. Era muito mesmo
[havia uma preocupação grande com] a parte de anatomia e com esses
jogos, que já citei, voltados para modalidades esportivas”.
P (08)
“Dos jogos, eu acho, aproveitei muito a parte da ginástica, ginástica
rítmica. Em relação ao jogo, não”.
P (05)
Ainda nesta categoria, investigamos o contato dos 10 participantes da pesquisa com as
literaturas que tratavam especificamente da temática do jogo. Eis os resultados: 4 não leram
nada sobre o assunto. A justificativa? Ou porque não era exigido ou porque não gostavam de
leitura. Por sua vez, outros 4 leram um único livro que abordava o assunto. Apenas 2
pesquisadas mencionam terem lido mais de dois livros referentes ao tema.
Cabe ressaltar que o livro lido pelos 4 professores tem como título “Duzentos jogos
infantis”, de Nicanor Miranda, obra em que o autor, apesar de apresentar alguns jogos para
execução, não oferece nenhum tipo de embasamento teórico.
19
As respostas encontradas estão sintetizadas no seguinte gráfico:
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 92
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GRÁFICO 3 – Literaturas sobre o tema jogo lidas pelos pesquisados:
Quando observamos as informações obtidas, mais uma vez fica corroborada a
necessidade de reformulação dos cursos de licenciatura para a área de Educação Física. Como
poderemos esperar uma prática pedagógica diferenciada, se não encontramos disciplinas
direcionadas ao complexo fenômeno jogo, principal conteúdo da área, como o afirmam Freire
& Scaglia (2003)?
Será possível conhecer os aspectos teóricos que embasam e norteiam as práticas
educativas, se a literatura não estiver presente na grade curricular dos cursos de licenciatura?
Dizia Monteiro Lobato:
"UM PAÍS SE FAZ COM HOMENS E LIVROS". A Educação Física
não se lembrou dos corpos dos homens e não atentou para a literatura desta temática que,
como tal, enriquece os homens!
Como último assunto pertencente a esta categoria de análise, investigamos, por meio
de uma questão específica, se os entrevistados entendiam que os jogos foram priorizados e
valorizados em seu curso de formação. Para nossa surpresa, a resposta negativa contou com a
adesão de 50% dos participantes, para os quais o jogo e suas implicações pedagógicas não
foram abordados ao longo de sua graduação. Abaixo, transcrevemos dois protocolos:
“Não, acho que a ênfase não foi tanta nos jogos e nas brincadeiras. Pelo
que eu percebo, no jogo o foi. É que eles [os formadores] davam uma
19
Para o momento, não nos deteremos em ajuizar os valores e os possíveis limites desta obra em particular.
Interessa-nos apenas explicitar que nela o autor não apresenta uma discussão teórica do jogo.
40%
40%
20%
Nenhuma Literatura Uma Literatura Duas ou mais Literaturas
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 93
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
pincelada. Na saúde, não. Ah, a ênfase era mais no treinamento;
principalmente na natação, que era mais voltada para o treinamento.
Saúde era pouco. No vôlei também, eu me lembro disso. No basquete, não
falavam da importância do jogo no [enquanto] treinamento e nem na
[enquanto] saúde”.
P (01)
“Não foram, porque, como eu falei, a carga horária que eu tive na parte da
recreação foi muito falha. Não utilizavam jogos (...) era esporte puramente.
Eles [os formadores] não passavam pra gente que aquilo poderia ser
integrado. Era uma visão técnica [e buscando] a formação do profissional.
Não visava à formação do indivíduo. Olhava o ser humano como uma
máquina de fazer algum rendimento; tanto é que tinha um professor meu de
atletismo que falou pra gente tomar muito cuidado, pois tudo o que você
usar no ser humano [em matéria] de exercício o corpo abstém. Pode ser
tanto errado como certo. Uma vez esse professor detonou um aluno em
forçar muito ele sem saber. Aquele professor era leigo neste assunto, por
isso ele sempre passou pra gente tomar cuidado ao exigir de uma pessoa
sem que saibamos muito bem a meta a ser atingida”.
P (03)
A participante (04) merece destaque em sua declaração, pois afirma inicialmente que
os jogos foram valorizados, com destaque para a possibilidade de a criança aprender
brincando. Todavia, ao longo de sua fala, ela afirma que a ênfase do curso estava nas questões
técnico-esportivas e ainda ressalta que, ao iniciar o exercício do magistério no Ensino
Fundamental I, não sabia dar aula e aprendeu no cotidiano e com o auxílio dos profissionais
que já atuavam há algum tempo.
Foram [os jogos foram valorizados] porque todos [os formadores] falavam
assim: ‘É importante a criança aprender brincando’. Então os jogos,
acredito, foram a maior parte da disciplina. [No entanto] foram mais
direcionados para a parte de técnicas, de aprendizagem: como se toca a
bola, como se faz a recepção certa, como se saca, como se bloqueia a
bola... Eu ouvi falar mais da parte técnica. Quando terminei a faculdade e
comecei a trabalhar com primeira à quarta e você tem que trabalhar
recreação e jogos pré-desportivos –, entendi que a pessoa sai [da
graduação] sem saber dar aula. Eu, pelo menos, saí assim. Fui aprendendo
no dia-a-dia com as pessoas. A minha prima, que é professora muito
tempo, me ajudou muito no curso de recreação porque se eu tivesse com
a faculdade, eu não saberia dar aula não”.
P (04)
Acreditamos que a experiência possa ser acrescentada ao longo do exercício da
profissão, no entanto, neste depoimento, encontramos, como mencionada, uma incoerência
na fala da participante, uma vez que a ênfase das disciplinas recaíram sobre aspectos técnicos
e não sobre o jogo em si, como afirmara inicialmente. Talvez essa narrativa seja mais um
diagnóstico da fragilidade dos cursos superiores e, em especial, das licenciaturas em nosso
país.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 94
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Como vimos pelas respostas anteriores, o jogo, ao menos na formação destes docentes,
não foi amplamente valorizado. Reconhecemos que, certamente, outros conteúdos podem ter
ocupado a atenção daqueles que planejaram e organizaram os cursos frequentados pelos
entrevistados, mas, a nosso ver, não desconsiderando a importância de outros temas de estudo,
o jogo deveria ser um tema proeminente ou central no curso de Educação Física.
Os outros 50% afirmaram que os jogos foram valorizados, entretanto não
demonstraram possuir um sólido embasamento teórico. Passaremos a seguir para a última
categoria de nossa análise, na qual buscamos refletir sobre o espaço do jogo na prática
pedagógica dos professores entrevistados.
5. O espaço do jogo na prática pedagógica dos professores de Educação
Física Escolar
Nesta última categoria, buscamos conhecer, através da narrativa dos pesquisados, sua
prática pedagógica e a presença do jogo nela. Buscamos, assim, conhecer o que entendem por
jogo, como o jogo é utilizado para o ensino da disciplina de Educação Física e como esta se
configura no espaço escolar.
A definição de jogo
Perguntamos aos pesquisados qual a definição de jogo e qual a sua importância para a
Educação Física e encontramos diferentes respostas: 3 participantes apresentaram respostas
que fazem alusão ao ‘bem-estar’ (alegria, satisfação, regozijo, superação) ou ao
desenvolvimento de condutas e conteúdos de formação humana (cooperação, interação,
respeito, diálogo, partilha, desenvolvimento cognitivo). Eis suas falas:
Para mim o jogo é a forma de ter ação, para as pessoas [os educadores]
desenvolverem o máximo de alunos sem ter aquela coisa de você saber
fazer ou não. (...) Então os jogos são uma oportunidade de todos
participarem, independente de sua capacidade: [não importa] se ele [o
aluno] é rápido, se ele é lento, se ele é gordo, se ele é magro, alto, baixo.
Eu acho que é uma forma de reunir todo mundo sem discriminação
nenhuma. E é importante porque, através do jogo, você aprende a
respeitar regras, respeitar o próximo, a desigualdade, diferenças. E ele [o
jogo] é importante para a Educação Física. E eu acho muito importante o
jogo como brincadeira, como brinquedo, (...) apesar de você estar tratando
do jogo no contexto geral. P (04)
“O jogo eu vejo assim: o brilho nos olhos dos alunos quando eu toco no
assunto, quando a gente es ali envolvida nisso. [Mas] Às vezes a
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 95
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
discriminação também vem junto: tem muitos que não querem porque tem
muita gente que tira sarro. Tem um caso de um aluno que, quando ia
sacar, ele sapateava. Não entrou mais na quadra. Agora, com essa nova
proposta, teve uns jogos cooperativos que eu dei, e o menino está indo de
vento em popa.
P (08)
“É difícil. O jogo, na minha opinião, é assim complicado porque tem
pessoas que veem o jogo como uma competição. Isso, na minha opinião. E
a gente acaba transferindo isso para o aluno. Os jogos, por exemplo, na
minha vida, sempre foram ‘jogar com’. Com quem não importava.Mas o
jogo também tem uma parte que é uma clareza: você pode jogar com ou
você pode jogar contra. Se você está ‘jogando com’, você está jogando
com prazer; se você está ‘jogando contra’, você está jogando pra ganhar,
pra vencer. Então existem estas duas partes. É como eu vejo o jogo. O
jogo é importantíssimo porque se você tem um grupo, se você tem a aula de
Educação Física, em si, você tem que ter o jogo, não importa a modalidade
que vai ser utilizada. Mas você não pode ficar no lúdico, ou só na
ginástica porque eu acredito que a maior parte das crianças, os jovens
esperam o jogo em si: ele espera o jogo do futebol, do basquete, do vôlei.
Então eu acho que o jogo é muito importante na aula de Educação sica
sim.
P (09)
Por sua vez, outros 3 pesquisados P (06), P (03) e P (10) declaram ser o jogo um
recurso alternativo para obtenção de alguma outra finalidade, como, por exemplo,
desenvolver alguma modalidade esportiva ou melhorar a saúde, entre outras. Encontramos na
fala da participante P (10) uma síntese desse pensamento:
O jogo é a união dos alunos numa brincadeira pra chegar num fim. É uma
atividade específica de uma modalidade, por exemplo. A Educação Física é
importante pra tudo, muito, muito, muito. Ela é o princípio, o início de
tudo”.
Lembramos que esse pensamento diverge daquele que anteriormente apresentamos no
capítulo I do presente trabalho. Quando nos referimos às características que identificam o
jogo, destacamos que ele tem um fim em si mesmo, em concordância com outros pensadores
que estudaram o assunto. Embora saibamos que o jogo no ambiente escolar esteja a serviço da
‘pedagogia’, não podemos esquecer a importância de preservar o espaço lúdico essencial, ou
seja, o jogo pode e deve garantir aprendizado, porém como consequência e não como
prioridade, como apresenta Freire (2002):
[...] nesse caso, os alunos, envolvidos pelo clima do jogo, prestam-se a
realizar tarefas escolares que, de outra forma, por exemplo, em sala de aula,
não realizariam. Admito que, bem administrado, o jogo pode servir a esse
fim, desde que a situação lúdica não fique comprometida.
(Idem, p. 77 e
78).
Também sob essa ótica, adverte Lima (1995):
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 96
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
[...] o cerceamento do jogo em função dos objetivos pedagógicos pode
transformá-lo em uma atividade de caráter puramente utilitarista. Construir
dentro do ambiente escolar o jogo que arrebata e fascina é uma proposta
muito complexa, ainda mais quando a criança está sendo orientada, em
alguns casos, por adultos que, muitas vezes, não sabem mais jogar ou,
então, estão ali porque são obrigados, não levando muito a sério uma
atividade que é de grande importância para o desenvolvimento infantil.
(LIMA, 1995, p.185).
Outros 2 pesquisados P (05) e P (02) apresentam uma definição generalista, ou
seja, apresentam algumas afirmações importantes sobre os benefícios do jogo, porém muito
abrangentes, razão pela qual as delimitações que nos impusemos neste estudo nos impedem
de investigar.
O jogo é tudo aquilo que envolve a criança e a sua criatividade, o seu ser
mesmo; tudo aquilo [com] que ela consegue trabalhar o corpo dela e se
desenvolver. Em tudo isso, ela está jogando. Às vezes, uma brincadeira de
uma maneira pode ser banal, a gente considera uma bobeira, [mas] não,
ela está jogando ali, pela vivência. Aqui na escola eu vejo como [o jogo]
é importante pro próprio desenvolvimento das crianças (...) Ah, ele é
importante em todas as disciplinas. Uma criança que joga, que participa é
mais ativa na aula também!”
P (02)
E, por último, na resposta de duas outras participantes P (01) e P (07) –,
conseguimos encontrar uma tentativa mais elaborada de definição, que, porém, em
alguns momentos, se confunde com a sensação proporcionada pelo jogo ou pelos benefícios
encontrados por meio dele. Destacamos a resposta da P (07):
Bom, o jogo pra mim é uma grande brincadeira com regras maleáveis. Ele
tem que ser lúdico. Não consigo ver o jogo que não seja lúdico; daí não é
jogo. Daquilo que vão jogar elas [as crianças] combinam suas regras e, a
partir daí, tudo vale, pois está dentro do combinado. Pedagogicamente, faz
parte do aprendizado porque organização de trabalho, compreensão de
regras, cooperação, coordenação motora, tudo isso você trabalha no jogo.
E, [além disso] principalmente, a socialização (...)”.
P (07)
Como vimos, os professores entrevistados são unânimes em enfatizar a importância do
jogo para a Educação Física. Eles também apresentam considerações que julgamos
importantes à nossa temática, entretanto suas justificativas não estiveram, a nosso ver,
subsidiadas por um sólido domínio teórico. Longe de desprezar o conhecimento que estes
docentes apresentaram, voltamos o nosso olhar para a sua formação e vimos, então, que a
ausência de uma reflexão teórica mais articulada pode estar vinculada à precariedade do
espaço do jogo na vida escolar deles tanto no ensino fundamental e médio, quando eram
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 97
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alunos na disciplina de Educação Física, quanto na graduação, quando se preparavam para a
docência.
Destaca-se também o contato restrito destes docentes com a literatura especializada na
temática jogo/educação, independente da abordagem teórica que esta pressupõe.
A síntese das diferentes respostas apresentadas pelos professores quanto à definição de
jogo pode ser observada no quadro a seguir:
Quadro 4 – As definições/características do jogo segundo os docentes:
Definições/Características do jogo Número de Participantes
Alusão ao jogo como promotor do bem-estar e de
condutas e conteúdos de formação humana.
3 Participantes
Jogo como recurso alternativo 3 Participantes
Definição generalista 2 Participantes
Tentativas mais elaboradas de respostas 2 Participantes
A importância da Educação Física Escolar
Perguntamos, ainda, aos pesquisados se julgam importante a disciplina de Educação
Física escolar e por quais motivos. Encontramos diferentes discursos sobre sua relevância no
ambiente escolar. Dois dos participantes, P (01) e P (09), afirmaram que o grande valor da
disciplina é encontrado na saúde física que ela proporciona aos seus praticantes.
Destacamos no terceiro capítulo deste trabalho as diferentes abordagens pedagógicas
que influenciaram esta área. A abordagem da saúde renovada sugere que o objetivo da
Educação Física Escolar é o de ensinar os conceitos básicos da relação entre atividade física,
aptidão física e saúde, conceito do qual os 2 pesquisados acima mencionados são adeptos,
que apontam a relevância da disciplina e a enxergam por esse prisma.
Por outro lado, outros 2 entrevistados – P (07) e P (06) – enfatizaram que a disciplina é
importante para o desenvolvimento motor, pensamento que se assemelha ao da corrente
pedagógica desenvolvimentista, que é proposta no Brasil principalmente pelos trabalhos de
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 98
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Go Tani e apresenta o “desenvolvimento motor” como um dos conceitos mais importantes, o
movimento como meio e fim da Educação Física, além de trazer uma grande preocupação em
adequar os conteúdos à faixa etária dos alunos. Os conteúdos propostos são as habilidades
básicas e específicas, além de jogos, esportes e danças.
Outros 2 sujeitos, P (05) e P (04), autenticaram o valor da disciplina por intermédio
dos benefícios que o jogo e o esporte podem trazer, como: respeito, cooperação, partilha,
integração, entre outros. Tal ponto de vista encontra-se amparado na proposta dos PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais) que, inspirados na abordagem cidadã, propagam que a
Educação Física na escola deve ter como objetivo a formação de alunos que sejam capazes de
participar de práticas corporais que os levem a adotar atitudes de respeito, dignidade e
solidariedade. Conhecer, valorizar, respeitar, eis o slogan bem representativo dessa
abordagem.
Finalmente, em outros 4 participantes, encontramos uma grande preocupação com o
desenvolvimento da disciplina atualmente. Entretanto não apresentaram uma justificativa que
se enquadre em alguma abordagem pedagógica ou consiga validar explicitamente sua
existência enquanto área de conhecimento humano. Vamos aos protocolos.
Muito, porque eu tenho aluno que, em Conselho de Classe eu vejo isso,
não tem uma falta na Educação Física, enquanto que nas outras
disciplinas, ele não comparece. (...) a gente o brilho no olhar deles no
dia seguinte ao de nossa ausência (...)”.
P (08)
“Eu julgo, eu não concordo que seja uma vez por semana, 50 minutos.
Uma criança que tem domínio corporal, se ela se posiciona bem na aula de
Educação Física, ela vai se posicionar bem na sala também, e isso vai
refletir em seu futuro também. Se ela tem autonomia, ela consegue se
desenvolver, falar com todos em uma aula, em uma brincadeira. Caso seja
responsável por determinada brincadeira, ela vai conseguir o domínio
sobre uma turma. Isso vai refletir na própria personalidade. Crianças que
não foram trabalhados nisso ficam mais fechadas e não brincam, ficam
retraídas. Eu vejo pela minha infância: o quanto eu não me soltaria, o
quanto eu não me abriria para o mundo se não tivesse brincado tanto e
participado. Infelizmente NA ESCOLA O FOI TANTO ASSIM! Eu vejo
pelos próprios alunos na academia: aqueles que pouco trabalharam, que
pouco vivenciaram o jogo, que tiveram uma infância muito parada são
pessoas que têm dificuldades em lidar com as outras pessoas, em enfrentar
os problemas. Então eu acho que a Educação Física consegue criar
situações que, pelo jogo, de uma maneira lúdica, sem que a criança
perceba que ela está fazendo aquilo, vão trazer benefícios no futuro. Ela
está brincando, mas aquilo vai trazer [benefícios]”.
P (02)
Deveria ser a número um porque ela engloba todas as outras disciplinas.
É a que o aluno mais gosta, no entanto eram três aulas, diminuiu pra duas
e agora estão querendo tirar do ensino médio. É fundamental, é muito
importante” .
P (10)
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 99
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Da maneira que está sendo vista hoje, imposta pela mídia, às vezes eu
discordo, porque o interesse do aluno não é tudo aquilo que a gente espera.
A maneira como eu olhava a Educação Física eu adorava! Não que eles [os
alunos] não gostem de Educação Física. Gostam, mas [a disciplina] não
está recebendo aquela devida atenção que merecia. Não a Educação
Física, como também as outras disciplinas. Não está tendo enfoque na
parte educacional da criança, mas meramente na passagem dele para a
escola. Não é culpa deles; é culpa do sistema. Eles são jogados de qualquer
forma e vão ingerindo, ingerindo. Chega um certo ponto que você não pode
mais questionar. E eu converso muito com eles sobre esta parte.(...) Então
eles vêm à escola, fazem alguma atividade e morre por aí. Começam a
trabalhar cedo, têm uma visão completamente diferente da vida, não veem
a hora de chegar aos seus quatorze, quinze anos para arrumar um
emprego, comprar isso, comprar aquilo. Isso para eles é a vida hoje. Eu,
nesta fase de doze, treze anos, era um menino mesmo. Não era adolescente
nada; menino mesmo. E eles vão sentir isso na hora em que eles chegarem
na fase adulta; eles vão amargamente olhar para trás
”. P (03)
Mesmo tendo lançado mão dos seguintes argumentos: o fato de
os discentes gostarem da
disciplina e de seus conteúdos; de os profissionais envolvidos serem aplicados e éticos; de
saberem orientar alunos ou apontar a importância do brincar e de terem bons argumentos
sobre os benefícios da disciplina, nossos entrevistados, enquanto elaboravam suas respostas,
não conseguiram contextualizá-los no espaço escolar, embora os benefícios apontados sejam
de grande valia para o desenvolvimento humano.
Novamente, a nossa análise recai sobre o caráter insuficiente das respostas.
Consideramos importante destacar que essa insuficiência não caracteriza a resposta como
pobre ou errada. Como acabamos de mencionar, a fala dos professores são ricas em apontar
elementos que não são desprezíveis, tais como aqueles vinculados ao desenvolvimento motor,
à promoção da saúde etc. Consideramos que estas reflexões auxiliam o professor a pensar sua
atividade docente, entretanto primar por um destes aspectos sem considerá-los integrados aos
demais pode levar a uma prática que exacerba um dos elementos em detrimentos dos demais.
Segue-se o quadro que reúne as respostas encontradas:
Quadro 5 – A importância da Educação Física Escolar:
Objetivos/Para que a Educação Física? Número de Participantes
Promover a Saúde Física
2 Participantes
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 100
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Promover o Desenvolvimento Motor 2 Participantes
Promover a Cidadania 2 Participantes
Importância Difusa/Não clara 4 Participantes
Benefícios da disciplina
Também perguntamos aos pesquisados que benefícios os alunos encontram na
disciplina. Deparamo-nos com respostas bem diferentes. A participante P (10) afirma serem
tantos que não saberia responder; a pesquisada P (02) ressalta como principal beneficio o
respeito às regras. Outros 5 participantes – P (09), P (07), P (06), P (05), P (04) indicam que
os benefícios estão no âmbito corporal e do movimento, ou seja, no conhecimento das funções
de seu corpo, na prevenção de doenças, no desenvolvimento das habilidades e capacidades
físicas, nos cuidados e higiene, entre outros.
Os professores P (03) e P (08) ressaltam como principal benefício o alívio e o efeito
‘extravasador’. Já a P (01) descreve vários benefícios, o que nos impossibilita inseri-la em
alguma categoria específica.
Os benefícios destacados pelos professores estão sintetizados no quadro a seguir:
Quadro 6 – Principais benefícios encontrados por meio da Educação Física:
Principais Benefícios Número de Participantes
Respeito às Regras 1 Participante
Aspectos Motores e Saúde 5 Participantes
Recreação e Lazer 2 Participantes
Variados Benefícios 1 Participante
Sem Resposta 1 Participante
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 101
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Perguntamos, ainda, se diferença entre a Educação Física que receberam enquanto
alunos e a Educação Física que propõem sendo professores. Todos afirmaram que há
diferenças. Entretanto encontramos divergências nas respostas dos pesquisados.
Dos 10 participantes, 2 P (09) e P (03) destacaram o comportamento
desinteressado dos alunos como a principal diferença entre a Educação Física que
propõem e a que receberam. Em nosso entender, o desinteresse ou o não fazer podem ser, em
alguns casos, sintomas que mereceriam uma melhor investigação para conhecer-lhes as
causas. Assim como o não aprender não é necessariamente sinônimo de ausência de
inteligência e/ou habilidades específicas, o não fazer pode ser um ‘aviso’ sobre questões
maiores que precisam ser repensadas.
Outros 2 professores P (10) e P (01) afirmaram, de forma incisiva, que a principal
diferença está na postura profissional, ou seja, a que adotam no exercício de suas funções
atualmente é bem diversa daquela que observavam em seus formadores no passado.
É diferente. Você sabia que eu até fazia chamada no lugar do professor?
Eu e outros alunos. E outras coisas: desde colocar a rede... Éramos nós,
alunos, que assumíamos a responsabilidade do professor. Eu não sei se era
por estar fora do período, se bem que não justifica... (...) não sei se por ter
menos alunos e por estar fora do período, o que acabava assim no
comodismo mesmo. Depois eu não via mais a cara do professor. Acho que
ia tomar café... Aí a gente tinha que guardar todo o material...”.
P (01)
Muito, a postura profissional [esta é a diferença]. Ele [o professor] não
tem que sentar na quadra e dar uma bola porque ele não quer trabalhar.
Que dê lugar pra outro. Ou ele gosta do que faz, ou sai fora. Ontem mesmo
nós fizemos nossa bendita prova pra nos avaliar enquanto profissionais.
Que venham nos avaliar aqui dentro da escola no dia-a-dia com
quarenta, cinquenta alunos, com três ou quatro professores ao mesmo
tempo trabalhando. Que venham nos avaliar assim, não no papel. Papel
aceita tudo.
P (10)
Já outros 4 participantes – P (08), P (04), P (06) e P (07) – mencionam que as
diferenças estão principalmente nos aspectos metodológicos, ou seja, na forma como o
professor desenvolvia seu trabalho pedagógico e nos objetivos da disciplina, que, segundo os
entrevistados, se distanciam, e muito, da forma e dos objetivos atuais. Isso fica explícito na
descrição da participante P (08):
Muito, muito... A diferença é que antigamente era ganhar, ganhar. O
professor via muito isso. Hoje não: a gente tenta envolver tudo. Se um
aluno não está querendo aquela aula, a gente tenta mesclar com outra
coisa, quando a aula é prática. Porque quando é teórica, a gente aprofunda
bastante nessa parte também de mídia, a distorção que está tendo [no
conceito] de beleza. A gente está passando muita coisa boa para eles.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 102
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Embora 2 docentes P (02) e P (05) afirmem que diferença, não conseguem
apresentá-la de forma explícita em suas respostas. Merece destaque, nesta questão ainda,
o fato de que tanto na história do jogo quanto na da disciplina de Educação Física
encontramos momentos e perspectivas extremamente diferentes entre elas, o que não
conseguimos identificar tão claramente na diferenciação descrita por nossos pesquisados.
Pensávamos que encontraríamos nas respostas uma mudança abrupta na configuração
teórica e prática da disciplina enquanto área de conhecimento que potencializa o
desenvolvimento do indivíduo, que entre a Educação Física recebida e a oferecida temos
pelo menos duas décadas. Todavia não encontramos nos discursos, em especial no que se
refere à consistência teórica, metodológica e à aplicabilidade prático-teórica, elementos que
diferem a Educação Física escolar que os professores participantes tiveram como alunos da
que oferecem enquanto professores. Contudo, uma vez mais o afirmamos, reconhecemos
avanços nos elementos descritos pelos docentes pesquisados.
Quanto à diferença entre a Educação Física do passado, a que viveram enquanto
alunos, e a Educação Física na atualidade, a que observam na sua prática e na dos colegas,
encontramos o seguinte quadro-síntese:
Quadro 7 – A Educação Física de ontem e hoje: diferenças
Principais Diferenças Número de Participantes
Comportamento desinteressado dos alunos 2 Participantes
Postura Profissional 2 Participantes
Aspectos Metodológicos diferenciados 4 Participantes
Sem diferenciação Explícita 2 Participantes
Os conteúdos da Educação Física
Perguntamos também aos professores quais os conteúdos da Educação Física os
alunos deveriam saber como resultado de seu processo de escolarização no ensino
fundamental e médio.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 103
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
O participante P (06) afirma que os alunos, ao deixarem as aulas, deverão sair
conhecendo as regras de um determinado jogo:
Acho que uma regra do jogo, que tem que ser
obedecida. Ele aprende a conviver em grupo devido àquela regra do jogo. Acho que o fundamental é
isso.
Mencionamos, no primeiro capítulo deste trabalho, o ambiente profícuo do jogo para o
desenvolvimento moral, desde que se preserve o ambiente de respeito mútuo e de construção
de regras.
Para a professora P (05), o aluno deverá sair das aulas tendo suas habilidades e
capacidades físicas desenvolvidas.
Suas habilidades (...) acho que no primeiro momento, o andar, o subir, o
saltar, depois suas capacidades físicas, porque ele pode aprender quais são
e, onde estiver, utilizar essas capacidades. Nem todos vão ter as mesmas
capacidades físicas, [mas] ele pode melhorar. Acho que isso é bem
importante para o aluno.
P (05)
Para os participantes P (03), P (04) e P (09), o resultado final, em termos de
aprendizado para os alunos na disciplina, vincula-se primordialmente às questões relacionadas
à saúde. Para P (03) e P (09), além dos destaques dos cuidados com a saúde, devem ser
enfatizados os conteúdos vinculados à recreação e ao respeito mútuo. Assim sendo, afirmam:
Saber que ele é humano, o que ele tem em mente, que ele tem que aprender
a respeitar os limites do corpo dele e não ir além do que ele consegue. E
aprender a respeitar também o limite do jogo e saber que todo mundo é
igual, mesmo que a gente tenha diferenças físicas: uns têm mais capacidade
que outros, mas o importante é você estar ali participando, ter vontade.
P
(04)
Eu acho que eles deveriam aprender esta parte de melhorar muito o
corpo, a saúde, a visão da parte de recreação deles, porque isso faz parte
da adolescência deles e está sendo cortado de suas vidas...”.
P (03)
“Eu acho que ele tem que saber primeiro que a Educação Física é
importante pra sua vida; depois vir a saber do fator saúde para sua vida; e,
em terceiro lugar, que ele vai levar tudo que ele aprendeu na Educação
Física pro resto de sua vida como fator saúde, como: prevenção de
doenças, previsão da obesidade, o problema de pressão, o problema do
coração... Saber tipos de coisas assim”. P (09)
Os docentes P (01), P (02), P (08) e P (10), por sua vez, enfatizaram que, como fruto da
participação nas aulas de Educação Física, os alunos deveriam ter desenvolvidas atitudes pró-sociais
baseadas no respeito mútuo e na busca do bem comum:
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 104
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Primeiro, respeito tanto para com o colega como para com o professor e
os demais. Ah, e também respeitar os limites do colega porque às vezes ele
acha que ele sabe (‘Ah, porque eu treino não sei onde, então eu sei...’). Ele
tem que ter respeito, saber até aonde ele pode ir. Limite! E principalmente
não ser o egoísta, o bambambam...”.
P (01)
Acho que não é nada específico. Eles se preocupam com regras, regras,
regras e esquecem do essencial: de eles estarem em grupo. A socialização,
o respeitar o outro, esperar a vez, saber que eu não sou sempre o primeiro,
que eu não sou o melhor. Isso é o que tento trabalhar muito com eles...”.
P
(02)
Antes de tudo, o respeito: ver o colega como ser humano, [respeitar] as
diferenças que todos têm: um gosta de uma coisa, outro gosta de outra.
Respeitar isso. Cidadania. Saber ganhar, saber perder. Tudo agora está
envolvendo muito mais coisas.(...) ”.
P (08)
No quadro a seguir, temos as respostas apresentas pelos entrevistados quanto aos
conteúdos da Educação Física:
Quadro 8 – Conteúdos da Educação Física
20
Principais Conteúdos Número de Participantes
Conhecer regras dos jogos
1 Participante
Ter capacidades e habilidades físicas
desenvolvidas
1 Participante
Conhecer quais são os cuidados básicos
vinculados à saúde
3 Participantes
Ter conhecimento e atitudes pró-sociais como o
respeito ao outro e a busca do bem comum
4 Participantes
Cabe ressaltar que no segundo capítulo de nosso trabalho, ao apresentarmos um
esboço sobre a história da Educação Física no Brasil e as diferentes abordagens que
influenciaram e influenciam esta área, fizemos menção à necessidade de um novo significado
para esta disciplina a fim de que ela se consolide dentro do ambiente educacional, sobretudo
no que diz respeito às suas pretensões formativas para os alunos.
Ela não pode mais legitimar sua existência com discursos amplos, ou por meio de
sentimentos e até unicamente mirando os benefícios, conforme advoga Freire (1989):
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 105
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[...] dizer, por exemplo, que a Educação Física é importante porque faz a
criança usar sua energia excedente, ou porque desenvolve a disciplina, o
companheirismo, a responsabilidade, não chega a convencer ninguém de
sua importância na escola. Isso tudo é muito vago e discutível.”
(Idem,
1989, p. 182).
Desse modo, não é possível conceber uma disciplina que nem ao menos saiba qual é
seu objeto de estudo. Bem sabemos das interfaces que envolvem uma área do conhecimento,
entretanto isso não pode ser justificativa para que se perca seu principal assunto ou conteúdo.
Ela até pode ter vários conteúdos, mas dentro de um único eixo de trabalho, diferentemente da
narrativa apresentada pelos participantes.
Todavia ela justificará sua existência quando apresentar a cultura do movimento como
um patrimônio cultural humano que é necessário conhecer em três dimensões: como foi
desenvolvido ao longo de nossa existência humana, como está sendo apresentado atualmente
e quais possibilidades teremos sobre ele em um futuro bem próximo.
Ao refletirmos sobre os depoimentos dos professores pesquisados, encontramos, no
pensamento de Zabala (1998), uma melhor aplicabilidade dos conteúdos escolares. Este autor
apresenta os conteúdos em três dimensões: conceituais, procedimentais e atitudinais.
A categoria conceitual
refere-se à abordagem de conceitos, fatos e princípios, ou seja,
à aquisição de informações, à vivência de situações, ao vislumbre de conceitualizações mais
elaboradas sobre determinado fenômeno ou assunto.
Outra categoria é a procedimental
, que expressa um “saber fazer”. Por “saber fazer”,
entende-se a Educação do aluno visando à tomada de decisões, à realização de ações de forma
ordenada, ao desenvolvimento de atitudes que analisem processos e resultados obtidos.
Como terceira dimensão, temos a categoria atitudinal
. Esta inclui valores, normas e
regras. Ou seja, podemos, através da abordagem atitudinal, apresentar determinados assuntos
ou temas, incluindo valores e sentido sobre aquele conceito. Dito de forma mais simples,
poderíamos, por meio de determinado assunto, tratar de valores e princípios humanos.
Podemos perceber, através da narrativa dos participantes, a ausência do conhecimento
específico para a disciplina e da abordagem deste nessas três dimensões, para que os
conteúdos propostos pela Educação Física possam ser sistematizados e contextualizados para
os alunos.
Fechando a categoria, perguntamos para os participantes se o jogo deveria ocupar
espaço importante em outras disciplinas. Não foi surpresa encontrarmos afirmações incisivas
20
Um dos participantes foi bastante prolixo em sua resposta, não sendo possível reconhecer o que, exatamente,
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 106
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de que ele deveria estar presente em todas as disciplinas da grade curricular. Porém, mais uma
vez, não encontramos respaldo teórico nas afirmações ou justificativas provenientes de suas
respostas.
Assim consenso sobre a eficácia do jogo, contudo pouco se sabe sobre ele e seus
benefícios, como destaca Benjamim (1984, p.11):
“[...] O espaço que criamos na escola para a
criança jogar ou brincar deve transformar-se num espaço de reflexão e de resgate de valores que
contribuam na emancipação humana e na construção de uma nova sociedade.”
A propósito de uma síntese: o jogo, da infância à prática pedagógica
Já em idade mais madura, o poeta Pablo Neruda declarou: “Confesso que vivi!”
(NERUDA, p.)
De fato, o poeta poderia confessar não só ter passado pela vida, mas ter provado de
seus múltiplos sabores, ter visto e percebido suas muitas cores, seus diferentes sons. Ter
tocado diferentes texturas e, portanto, ter podido brindar a vida com esta saudação.
Dada a rica experiência com o jogo na infância, os nossos entrevistados poderiam
parafrasear Neruda brindando ao jogo: “Confesso que joguei”!
Nossos amigos de profissão puderam apresentar detalhes daquilo que foi o jogo em
sua infância. Quando falavam destas experiências tão próprias da criança, os professores
praticamente iniciavam um conto, uma história cheia de vida da qual eram protagonistas.
Sempre depois de um suspiro e de uma mudança nítida em suas expressões, eles
começavam a narrar suas aventuras infantis.
Impossível não lembrar de Drummond que, ao fazer o mesmo exercício que nossos
entrevistados, julgou que suas histórias eram mais magníficas que aquelas impressas nos
livros que lia sob as mangueiras de Itabira.
que a ênfase deste estudo está em “dar voz”, emprestemo-la ao poeta e deixemos
que este fale por si:
[...] Eu sozinho menino entre as mangueiras
lia as histórias de Robinson Crusoé
comprida história que não acaba mais.
[...] E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé”.
(
Drummond, p.)
considerava como conteúdo básico da Educação Física. Vimo-nos, então, obrigados a desconsiderar sua resposta.
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 107
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Vimos que as almas dos nossos professores guardam semelhanças com a de
Drummond e podem também enaltecer esta aurora tão cara, tão preciosa. De fato, ouvindo
e vendo é que podemos depreender o que ora tentamos traduzir ao leitor.
Outros pesquisadores, como Sulliman (2007) e Camargo (estudo em andamento),
declaram ter tido a mesma experiência quando solicitaram que os professores descrevessem o
jogo em sua infância.
Existe um frescor, um desabrochar que nos lembra uma planta dormente que, por
encanto, revive difundindo o vigor aos ramos dormentes. O movimento de reacender, de
recuperar o brilho também é uma imagem muito próxima das que manifestaram os docentes.
Como foi bom ouvi-los! Como foi bom participar deste momento tão pessoal no qual
reavivam pela memória objetos tão familiares, tão repletos de significação e, por isso, tão
caros. Falar da infância permitiu aos professores retomar momentos belos e intensos e
encontrarem nestes o jogo.
Certamente a saudade, a mesma que outrora visitou Casimiro de Abreu, esteve nesta
experiência. Temos por certo que os professores poderiam também declamar em coro com o
poeta:
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais.
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos bananais.
Meus 8 anos (fragmentos) – Casimiro de Abreu
É neste ambiente repleto de contentamento e saudades que os professores puderam
brindar a uma infância mergulhada no jogo. Sim, “Confesso que Joguei! poderia dizer o
professor entrevistado ao passar em revista a sua memória.
Não precisamos voltar aos protocolos, às extensas falas e às muitas interjeições.
Limitemo-nos a reapresentar a fala de P (03) que, ao narrar a intensidade do jogo na sua
infância, declara:
“[...] eu tive uma infância que, pra mim, foi impecável. Fiz tudo que tinha direito!
[...] Pra mim era um prazer mesmo; passou muito rápido minha infância, eu tenho saudades!”
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 108
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Mas a escola inaugura um novo tempo na vida destas crianças que brincavam,
inaugura o interdito, a proibição, a exclusão. Todos os entrevistados afirmaram que o jogo
ficou do lado de fora da escola; somente em situações quase milagrosas estes eram
permitidos.
Assim, com o ingresso no processo de escolarização, um declínio vertiginoso da
presença do jogo, ou seja, enquanto na infância os professores tinham abundantes
experiências lúdicas, na escola elas se tornaram escassas ou permitidas com a restritiva
ressalva de os praticantes não poderem sequer transpirar, como o relata P(05).
Nem ao menos nas aulas de Educação Física escolar encontramos a presença do jogo
ou de qualquer outra atividade lúdica, assim os participantes afirmam enfaticamente não
terem vivenciado qualquer espécie de jogos, brincadeira ou brinquedos durante sua passagem
escolar pelas aulas de Educação Física.
Não podemos deixar de nos perguntar: o que o jogo tem de tão pernicioso que faz com
que se levante um verdadeiro pelotão para evitar sua presença?
Na verdade, não temos respostas, mas o fato é que, segundo estes professores, ao
adentrar os portões escolares, o “encanto acabou”, o jogo passou a ser objeto de olhares
desconfiados que diziam através de múltiplas linguagens: “Aqui não é lugar disso”.
Seria muito exaustivo expor novamente o leitor aos inúmeros excertos que denunciam
o divórcio entre a escola e o jogo. Lamentando a ausência do jogo, relembramos a fala da P
(01): “ [...] A gente achava muita falta disso, mas muita!!!”
Numa síntese muito breve, temos a infância que celebra o jogo e
a escola que
sistematicamente persegue toda a sua manifestação salvo momentos muito pontuais nos
quais o espaço era liberado para expressões mais livres.
Relembremos ainda que neste estudo fomos cuidadosos em abrir espaços para que os
docentes pudessem falar de toda a sua experiência de escolarização. O que observamos é que
nem as séries iniciais escaparam ao rigor da ordem de “abandonar as coisas de criança”, de
“forjar um homem sério, um intelectual brilhante que pensa, mas não ri”.
Ao que nos parece, a Educação se esmerou nesta tarefa.
Passando ao ensino universitário, ao curso de Educação Física, vemos que o jogo
igualmente estava adormecido e distante. Obviamente, encontramos neste curso apenas
lampejos de união com o jogo, nada mais do que isso.
A formação do professor de Educação Física foi marcada por um contato precário com
o jogo. Isso fica evidenciado pelo pouco espaço dado ao jogo na grade curricular, pelas
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 109
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experiências pontuais com esta atividade e pelo precário contato com bibliografia sobre a
temática.
A ausência do jogo no curso de Educação Física causou-nos uma grande estranheza!
De igual modo, causa-nos estranheza não reconhecermos o jogo na Educação Física. Como já
dissemos, sendo o jogo o carro-chefe” da Educação Física, como pode este estar relegado a
uma posição secundária?
Por fim, considerando que o jogo não esteve presente na vida escolar destes
professores, seria estranho que agora se fizesse presente em sua prática pedagógica.
Como pudemos constatar em nossa pesquisa, os professores entrevistados são
unânimes em enfatizar a importância do jogo para a Educação Física. Eles também
apresentam considerações que julgamos importantes à nossa temática, entretanto suas
justificativas não estiveram, a nosso ver, subsidiadas por um sólido domínio teórico.
Antes de realizarmos esta pesquisa, chegamos a considerar que a ausência do jogo na
Educação de hoje poderia estar vinculada a experiências negativas que os docentes tiveram
com o jogo no decurso de sua formação. O que os dados nos mostraram, entretanto, não foram
experiências negativas, mas sim a ausência do jogo.
Uma palavra final sobre os resultados encontrados
Antes de encerrarmos este capítulo, gostaríamos de acrescentar algumas considerações
complementares sobre os resultados a que chegamos.
Primeiramente, queremos enfatizar que nossa intenção não foi apresentar uma análise
quantitativa dos dados encontrados. Acreditamos que isso minimizaria a realidade estudada,
impossibilitando que a demonstrássemos em sua expressão mais rica e dinâmica. Assim
sendo, quando optamos por incluir alguns gráficos e quadros neste capítulo, nós o fizemos na
intenção de visualizarmos melhor a especificidade de uma dada resposta, mas não pensamos,
de modo algum, que este recurso pudesse conter toda a expressão do que ouvimos dos
docentes e pudemos perceber durante as entrevistas.
Encontramos muitas informações ao longo das entrevistas: algumas apresentadas de
forma explícita, outras apreendidas nas entrelinhas das narrativas. Até o comportamento dos
participantes revelava-nos alguns dados. Como tratamos nesse trabalho sobre Educação
Física, somos conhecedores de que o corpo tem as suas linguagens, e elas, com certeza,
expressam muitas informações!
Cap. IV –Apresentação e Análise dos Resultados da Pesquisa 110
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Algumas questões levantadas aqui abrem campo para estudos futuros, mas apontam
também para realidades presentes que necessitam de intervenções nos aspectos de políticas
educacionais, como, por exemplo, as condições e jornada de trabalho docente e as estruturas
dos cursos de licenciatura, em especial as do curso de Educação Física.
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CONSIDERAÇÕES
Cap. V Considerações Finais
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112
Capítulo V. Considerações Finais
5.1 O Jogo na Educação: apologia, limites e ausência
A história da humanidade tem sido marcada por diversos extremos. Ao olharmos para
a trajetória dos povos vemos que estes ora fizeram alianças e defenderam alguns grupos, ora
se mostraram hostis e perseguiram até a morte aqueles que outrora protegiam.
Na história do pensamento humano isto não tem sido diferente. Com um rápido olhar
no pensamento filosófico percebemos o surgimento e a morte de alguns ideários, vemos a
exaltação e o exorcismo de alguns pensamentos em um curto espaço de tempo.
Em síntese, parece-nos que a história da humanidade e do pensamento humano não é
marcada por uma evolução ascendente e esteticamente orquestrada. Ao contrário, vemos
rupturas abruptas que não dialogam com o passado e não integram a história.
constantemente a necessidade de gritar mais alto”, de impor sua voz para se fazer
ouvir. Enfim, parece-nos que em muitos momentos da história da humanidade o homem não
esteve interessado em dialogar. Ao contrário, tornou-se imperioso lutar para que sua voz
prevalecesse.
Ao que nos parece, na Educação isto não foi diferente. Qualquer um que se volte
minimamente para a história da Educação e mais especificamente para a história do
pensamento pedagógico poderá perceber que a cada novo pensamento pedagógico se deflagra
uma verdadeira “caça” aos que pensavam diferente.
Muitas vezes, sem ao menos entender o porquê, professores foram instigados a
abandonar suas práticas sob a pena de serem considerados retrógrados ou ultrapassados.
Não foram poucos os discursos e os movimentos na Educação que fizeram juras
quanto à superação dos problemas educacionais. Vimos um desfile sem fim de propostas
trazendo cada uma a arrogante fala de que finalmente estava descoberto o antídoto que
possibilitaria a Educação resolver todos os seus problemas.
Como todo discurso radical, estes encobriam fragilidades internas e logo se
evidenciava os limites daquela reflexão e proposta.
“A procura pelo jogo não é menor que a
procura pela comida, portanto ele deve
constituir, como esta, uma necessidade
básica”.
João Batista Freire
Cap. V Considerações Finais
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
113
Assim, saltando de um para outro modismo, de uma teoria e concepção à outra, o
pensamento educacional caminhou muito mais em promover adesões pouco refletidas do que
a formação de pensadores.
Lamentavelmente, mesmo as grandes teorias pedagógicas não primaram em
estabelecer um diálogo entre pensadores de escolas diferentes. Na maioria das vezes o que
observamos foi um “monólogo coletivo” no qual o importante era falar e não entender.
Considerando este panorama não podemos imaginar que com o jogo seria diferente.
Como vimos anteriormente, no primeiro capítulo, o jogo viveu todas as oscilações
possíveis, ora sendo exaltado ao que chamamos de apologia do jogo, ora sendo execrado
como pernicioso devendo ser vigiado com um olhar atento e desconfiado.
Buscando superar os limites tanto da euforia cega daqueles que enaltecem o jogo
como redentor da educação, como do exorcismo místico daqueles que abominam a parceria
entre a ludicidade e a educação julgando tratar-se de um casamento profano, pensamos que é
necessário vermos o jogo como ele é: uma possibilidade.
Mesmo sendo entusiastas quanto a presença do jogo na educação, entendemos que é
necessário apresenta-lo em seu duplo aspecto: em seus limites e potencialidades.
Antes de passarmos a esta síntese que visa superar tanto os extremos da apologia
como o descrédito daqueles que preferem a retirada ou a não inserção de qualquer jogo na
educação, é salutar olharmos mais uma vez para estes dois extremos.
Muitos que reconheceram a necessidade de mudanças educacionais na escolha
tradicional propuseram que o jogo deveria ser o elemento por excelência da educação – e aqui
tratamos não somente da Educação Física. Para estes, a ludicidade deveria prevalecer sobre as
aulas expositivas que mais causavam aversão que amor ao conhecimento.
No bojo deste pensamento o jogo foi exaltado a tal ponto que a própria figura do
docente poderia ser excluída senão ao menos diluída em sua onipresença.
Assim se anteriormente a figura docente era o sol ao redor do qual orbitavam as
atenções dos alunos, passa-se o centro para o prazer do próprio aluno em detrimento ao saber
acumulado pela humanidade do qual o professor seria o representante.
Neste sentido, a primazia do prazer imediato substitui todo esforço que o prazer
postergado e como resultado de algum tipo de labor.
Tem-se assim a exaltação ao prazer imediato e aos conteúdos que igualmente de
imediato representam algum enriquecimento para a vida cotidiana do aluno.
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Despreza-se assim o fato de que em muitas ocasiões precisamos nos dedicar a
atividades que não são imediatamente prazerosas, mas que são necessárias para se alcançar
benefícios que são resultado de um investimento que por vezes não tem nada de aprazível.
Nas situações mais corriqueiras do cotidiano e até mesmo da produção humana de
subsistência podemos observar esta “lei da semeadura”.
Vemos por exemplo o agricultor que visando a safra enfrenta os dissabores do sol, do
calor e do frio.
Se desconsiderarmos isto, teremos a “ditadura do prazer imediato” em função da qual
todo esforço parece ser não somente desnecessário, mas até mesmo pernicioso.
Ao considerar duas características básicas do jogo o prazer e a finalidade em si,
muitos profissionais relegaram o planejamento como função menor.
O jogo passou a prestar-se a improvisos e à ausência de planejamento. Assim
estabelece-se o jogo pelo jogo sem nenhum vínculo com um objetivo pedagógico.
Ressalta-se, como apresentado, que para o educando o jogo pode até ser concebido
como um fim em si e de fato o é, mas para o docente, enquanto profissional, o jogo deve estar
inserido em um contexto mais amplo que visa, dentre outras coisas, a socialização do saber.
Ao utilizar o jogo sem considerá-lo no planejamento a ação pedagógica fica
comprometida uma vez que o professor não tem clareza dos objetivos, das estratégias e da
avaliação vinculados à atividade proposta.
A apologia ao jogo acaba assim se assentando em dois pilares básicos: o primeiro
advoga que o jogo em si responde pela superação de todos os impasses pedagógicos e o
segundo sustenta que o jogo não deve compor o planejamento uma vez que deve ocorrer de
modo espontâneo tendo no planejamento um sinal de restrição à liberdade.
Neste último caso, o professor se exime da função de pensar os objetivos e as
estratégias específicas de sua ação tendo sua prática marcada por uma seqüência de
improvisos.
Baseado ainda na supremacia do jogo e de atividades lúdicas o professor também abre
mão de outras estratégias de ensino como, por exemplo, a aula expositiva. Neste sentido,
mercê destacarmos que recentemente aqueles que defendiam a superação do ensino
tradicional tinham como uma de suas bandeiras a extinção de aulas expositivas por julgar que
estas seriam deflagradamente autoritárias.
De nossa parte consideramos perfeitamente possível que numa mesma sala de aula
tenhamos jogos e aula expositiva. Retirar qualquer destes elementos pode constituir num
empobrecimento da Educação.
Cap. V Considerações Finais
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Mas, como já mencionamos, em geral o pensamento educacional não primou por
dialogar com estas práticas distintas levando os professores a posições extremas: ou de
elegerem o jogo e o ambiente lúdico como os únicos viáveis para a educação ou de fecharem
nas práticas já consolidadas pelo tempo evitando qualquer desconforto com o novo.
Vimos, por exemplo neste estudo o quanto a escola freqüentada pelos professores
entrevistados resistiu à presença do jogo em seu espaço. Estabelece-se assim um outro
radicalismo – o da exclusão ou não inserção do jogo.
Neste caso, o jogo o só é visto como inadequado, mas até pernicioso à Educação e,
como tal, devendo ser mantido distante da escola. Está assim colocado o inverso da apologia
ao jogo, a ausência do mesmo.
Mas se tanto a apologia ao jogo como a sua ausência são indesejáveis, qual a
alternativa que se apresenta?
Consideramos que a melhor alternativa está em ver com a maior sobriedade possível
os dois aspectos que envolvem o jogo: os seus limites e possibilidades.
Quanto aos limites, julgamos que foram amplamente discutidos: não cremos que o
jogo seja o único veículo pelo qual a escola pode responder àquilo que lhe cabe. O jogo pode
com certeza contribuir para a que a Educação cumpra o seu papel, entretanto, ele sozinho não
responde por outras atribuições escolares.
Assim, se o jogo não ocupa função redentora da educação e não é onipotente para
enfrentar os múltiplos desafios do panorama educacional, deve-se destacar que sem ele a
escola fica mais pobre.
Muitos conteúdos, de diferentes disciplinas, como por exemplo, os conteúdos
matemáticos – como encontramos em Suleiman, 2007, são melhor apresentados se articulados
com o jogo.
Não são poucos os estudos que explicitamente indicam que o jogo não só pode
favorecer o desenvolvimento do aluno como também pode vincular-se a atividades específicas
de ensino e aprendizagem.
Um dos autores que tem sinalizado a importância do jogo na educação é Scaglia,
merecendo destaque os esclarecimentos que este apresenta ao que chamou de “jogo trabalho”.
5.2 O Jogo Trabalho: uma alternativa possível entre o jogo livre e o jogo
funcional
Cap. V Considerações Finais
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Antes de falarmos do jogo trabalho, podemos antecipar uma possível questão do leitor:
por que somente agora, nas considerações finais, é que este “olhar sobre o jogo” é
apresentado? Não deveria este tópico ser abordado no referencial teórico, uma vez que tal
seção aglutinou os vários pensamentos sobre o jogo?
Com certeza, este tópico poderia ser tratado no referencial teórico dando apoio a toda
discussão referente ao jogo e à educação, entretanto optamos por apresentá-lo aqui por
considerarmos que os dados encontrados dariam relevo à proposta do jogo trabalho.
Os dados suscitam a discussão sobre a inserção ou não do jogo e, em caso positivo,
sobre como fazê-la?
Para nós, a escola pode e deve comungar com o jogo, trazê-lo para seu espaço,
permitir que este se manifeste. Mas como não descaracterizar o jogo e, simultaneamente,
atender as peculiaridades e objetivos próprios do espaço escolar?
Em nosso entender, a proposta do “jogo trabalho” acena como uma possibilidade
bastante promissora.
Retomemos brevemente algumas considerações sobre o “jogo”, o “jogo educativo” e
finalmente avancemos nossas considerações para o “jogo trabalho”.
Iniciamos nosso trabalho dissertando sobre os diferentes ‘olhares’ que os teóricos
lançaram sobre o complexo fenômeno do jogo. Vimos como este foi discutido em diferentes
áreas do conhecimento, como a Filosofia, a Psicologia e a Educação.
Após termos apresentado a sua dificuldade etimológica, feito um breve percurso na
história, mencionado suas classificações, características e caráter subjetivo e sistêmico,
encontramos finalmente na analogia da família dos jogos (jogo/brincadeira, jogo/esporte,
jogo/lutas, jogo/dança etc.) um respaldo para seu entendimento.
Foi no bojo de toda esta reflexão que iniciamos a discussão sobre o jogo
educativo/pedagógico, que ora retomamos.
O jogo pedagógico, como vimos, busca conciliar o jogo de natureza livre e os
objetivos da escola. A isso chamam os teóricos de paradoxo do jogo educativo”
(KISHIMOTO, 2003).
Todavia como será possível unir elementos tão distintos: a natureza livre e
‘improdutiva’ com a produção dos saberes escolares e a aquisição de conteúdos? Ao
instrumentalizar o jogo, não se estaria descaracterizando-o, transformando-o em trabalho
enfadonho? Assim adverte Passos (1994):
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[...] o lúdico instrumental pode auxiliar muitas vezes a aprendizagem de
diferentes conteúdos na escola, só que o prazer, a fantasia, o divertimento e
o desconhecido, na maioria desses casos, não fazem parte do objetivo a ser
alcançado. O que importa é a apreensão de um determinado conteúdo.
(PASSOS, 1994, p.17/18).
Deste modo, segundo a autora, não é a instrumentalização que descaracteriza a
atividade lúdica, mas o fato de ser eliminado de sua vivência seu caráter subjetivo, visando
apenas à aquisição de conteúdos como produto final. Argumenta a autora, ainda, que em
alguns momentos se faz até necessária a instrumentalização do jogo:
[...] contudo, cabe salientar que não se está negando também a manifestação
instrumental do lúdico. Para se vivenciar a própria essência do lúdico, às
vezes também se faz necessário um mínimo de instrumentalização.
Entretanto, não se pode perder a referência dos elementos principais do
lúdico, sob pena de se perder o próprio sentido da ação. (PASSOS, 1994,
p.17).
Assim sendo, em nosso entender, o desafio do paradoxo do jogo educativo habita no
equilíbrio de suas funções essenciais e instrumentais, independentemente de ser conteúdo ou
metodologia de ensino. Como destaca Passos (1994):
[...] O desafio na Educação, e também na Educação Física Escolar, está
justamente em se encontrar um ponto de equilíbrio, onde o lúdico, quando
utilizado com a finalidade instrumental, não abandone suas principais
características, ou seja, sua essência: autonomia, participação, expressão,
criação, liberdade e prazer. Mas também cabe essencialmente a esse novo
desafio da Educação valorizar a ludicidade como fundamental ao ser
humano. Brincar é necessidade humana, e viver o dico é base para nossa
sociedade, que cresceu aprendendo a dar valor apenas ao trabalho, à
produção e ao consumo; o que resultou, muitas vezes, em não saber usufruir
o simples prazer de jogar por jogar. (PASSOS, 1994, p.18
).
Logo, nem o jogo livre com seu espontaneísmo, nem tampouco o jogo funcional com
seus fins delimitados atenderiam todas as solicitações da relação ensino/aprendizagem no
universo escolar.
Contudo, em nosso entender, uma das alternativas para o ponto de equilíbrio entre
estes dois polos do jogo está no jogo trabalho, ideia empreendida inicialmente por Scaglia
(2001), que aponta uma alternativa para o equilíbrio no trato pedagógico desta prática, como
ilustra a figura abaixo:
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Função Pedagógica do Jogo
FUN
FUNFUN
FUNÇ
ÇÇ
ÇÃO L
ÃO LÃO L
ÃO LÚ
ÚÚ
ÚDICA
DICADICA
DICA
(EQUIL
(EQUIL(EQUIL
(EQUILÍ
ÍÍ
ÍBRIO)
BRIO)BRIO)
BRIO)
FUN
FUNFUN
FUNÇ
ÇÇ
ÇÃO EDUCATIVA
ÃO EDUCATIVAÃO EDUCATIVA
ÃO EDUCATIVA
JOGO
JOGOJOGO
JOGO-
--
-TRABALHO
TRABALHOTRABALHO
TRABALHO
Quais as características básicas da modalidade anunciada com o nome de jogo
trabalho? Em que, efetivamente, esta proposta se difere do jogo livre ou do jogo funcional?
Para nós, o que mais diferencia o jogo trabalho do jogo livre e funcional é o fato de
que o elemento mobilizador no jogo trabalho não é nem o prazer, como propõe o jogo livre,
nem a aprendizagem (mesmo que prazerosa), como propõe o jogo funcional. No jogo
trabalho, é a situação-problema que deve mobilizar o jogo.
Neste caso, cabe ao professor apresentar situações-problemas que mobilizem os alunos
na busca de soluções, o que caracteriza o aluno como agente construtor.
Buscamos reunir no quadro a seguir as principais características destas três abordagens
de jogo:
JOGO LIVRE
JOGO TRABALHO
JOGO FUNCIONAL
(Espontaneísmo)
(Tem fim nele mesmo, e é inventado pelo
aluno)
(Usa o lúdico para ensinar com prazer)
Aula centrada na criança Aula centrada na situação-problema Aula centrada no professor
Objetivo da aula é o prazer em jogar Objetivo da aula é solucionar problemas Objetivo da aula é o aprender com prazer
O professor tem a função de “vigia”
O professor é um mediador, ativo, passivo,
gera situações-problema, busca descentralizar a
aula, propicia aprendizagem significativa
O professor tem a função de comandar,
direcionar a aula
O aluno apenas deve jogar pelo prazer que isso
traz
O aluno trabalha jogando e cria a sua aula. É
um agente construtor
O aluno apenas deve jogar para aprender
pelo jogo
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Embora seja de certo modo temerária a aproximação de dois elementos tão distintos
como trabalho e jogo, neste contexto a junção deles transformando-os em jogo trabalho tem
uma conotação de construção, ou seja, uma atividade sugerida, entretanto livre para ser
construída a partir de sua experiência e sobre os limites de sua criatividade.
Uma vez que a Educação Física tem no jogo um dos seus principais conteúdos, como
o afirmam Freire & Scaglia (2003), a metodologia do jogo trabalho contribuiria de forma
significativa para equilibrar os extremos do espontaneísmo e da instrumentalização dos jogos.
5.3 A Travessia: é tempo de mudança
“Há um tempo em que é preciso abandonar as
roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos, que nos levam
sempre aos mesmos lugares. É o tempo da
travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos
ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
Fernando Pessoa
As palavras de Fernando Pessoa são bastante oportunas para este momento. O poeta
nos fala do novo que nasce a partir do rompimento com o antigo. Nas palavras do poeta, o
novo ganha vida a partir de um processo de ruptura com o passado. quem diga que um
passado, mesmo que brilhante, pode impedir que o novo e necessário venha a se estabelecer.
Neste estudo, buscamos dialogar com o passado – as experiências vividas pelos
docentes – e com o presente – a ação pedagógica destes na atualidade.
Conforme observamos como resultado das entrevistas, o jogo teve um entardecer
austero assim que os educadores, enquanto educandos, ingressaram na escola.
Vimos que a escola frequentada por estes docentes pouco ou nada dialogou com o
jogo.
Ao considerarmos as vivências destes docentes/educandos na educação, diríamos que
somente o conselho de Pessoa é que poderia suscitar uma ação pedagógica diferente. Somente
rompendo com a própria tradição da qual participaram é que estes docentes poderiam ter uma
concepção e uma prática diferenciadas.
Considerando as respostas dos professores quanto à sua prática pedagógica,
entendemos que estes se esmeram no cotidiano para ultrapassar os limites aos quais estariam
“condicionados” pelas vivências passadas. Esta disposição interna corresponde ao chamado
de Pessoa: “É o tempo da travessia.”
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Quando buscamos ouvir o conselho de Pessoa, ouvimos também outras vozes que
insistentemente afirmam que não o que fazer no presente tempo. uma crise salarial,
uma crise de respeito à figura do docente, uma crise moral a descoberto... Frente a este
panorama, a voz de Pessoa parece solitária, utópica, até ingênua, mas pessoalmente
consideramos necessário nos deixarmos seduzir pelo poeta visionário é o tempo da
travessia.
Na literatura encontramos um vasto número de textos, das mais diversas naturezas,
que aludem às mudanças, às travessias em períodos nada alentadores.
No texto bíblico sobre a história de Israel, temos uma brilhante imagem da mudança,
da travessia em tempos impróprios. Conforme o relato, Deus havia determinado que o reino
de Israel não fosse mais presidido por Saul, mas sim por Davi. Nesta ocasião, após vários
episódios, alguns homens uniram-se a Davi e lutaram para que o reino fosse efetivamente
passado das mãos de Saul àquele a quem Deus destinara – Davi. (I Crônicas 12: 1-13)
.
Até então não encontramos nada que diferencie esta situação de outras aventuras de
golpes, motins ou revolução, mas há um destaque bastante interessante para a reflexão que ora
propomos.
O período em que estes homens lutaram por Davi era um período de cheias, no qual a
“travessia” se mostrava mais perigosa. Assim declara o texto:
[...] são estes os que passaram o
Jordão no primeiro mês, quando ele transbordava por todas as suas ribanceiras, e puseram em fuga a
todos os que habitavam nos vales, tanto no oriente como no ocidente.”
(I Crônicas 12:15).
Estes homens que transgrediram a “imposição” do rio Jordão são até hoje conhecidos
como “os valentes de Davi”. Para estes, a tradição dos perigos comuns das cheias foi rompido
pelo caráter visionário do reinado de Davi.
Independente da classificação que dermos a este texto sacro, simbólico, histórico ou
outro –, não podemos desconsiderar o seu poder de persuasão que ecoa juntamente com a do
nosso caro poeta: “é tempo de travessia”.
Muito mais como professor da escola pública do que como pesquisador é que entendo
que este é um tempo de grandes desafios, no qual percebemos as águas avolumando-se, tempo
em que é mais provável que sejamos tragados e arrastados pelas águas do que que rompamos
o curso previsto, atingindo assim a outra margem.
Confesso, como docente que entrevistou, dialogou com docentes, companheiros e
amigos de jornada, que muitas vezes o volume das águas nos assusta, e a travessia parece
sobre-humana.
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Mas sabemos que muitos homens, prenhes de humanidade, conseguiram romper com
rios muito caudalosos.
O que dizer de homens como Martin Luther King Júnior, que enfrentou os mares
violentos do racismo personificado nas ameaças da Ku Klus Klan? O que dizer de Mahatma
Gandhi, que, na conhecida “marcha do sal”, condenou com um ato pacífico o poderoso
monopólio britânico sobre o sal, um gênero necessário a todo mundo? O que dizer de Paul
Brand, médico que mesmo reconhecido por sua genialidade e descobertas clínicas
revolucionárias, não abandonou o exercício da medicina entre populações nada atraentes,
emolduradas pela pobreza? O que dizer de mulheres como Dona Luzia, que após uma jornada
de trabalho, arrumava forças para gentilmente alegrar a vida das crianças pobres do meu
bairro com seus inesquecíveis quitutes?
O que dizer de “santos anônimos”, de “heróis anônimos”, que munidos de coragem, de
amor, avançam sem timidez em direção a águas que transbordam?
Em uma conhecida obra cinematográfica, “Os escritores da liberdade” ( ), cuja história
é baseada em fatos reais, temos uma cena que nos é muito cara, na qual a senhora Miep Gies,
que outrora escondera Anne Frank da perseguição nazista, fala de sua experiência com um
grupo de alunos. Ao relatar sua história, um dos alunos declara à idosa senhora que ele, que
até então não tinha heróis, passaria a considerá-la sua heroína a partir de então.
A isto a senhora Miep Gies declara que heróis são todos aqueles que em diferentes
lugares e posições como um farmacêutico, uma secretária, uma dona de casa acendem
uma luz, fazem o que é preciso fazer.
Esta cena, digna de nota, fala do “heroísmo do cotidiano”, do heroísmo daqueles que
optam por enaltecer a figura humana tão concretamente personificada na figura do mais
próximo.
Longe de fazer apologia aos cuidados com o “próprio quintal” em detrimento do
espaço mais amplo, o que propomos é que atravessemos as águas que estão diante de nós. Na
travessia não temos contato com toda a água; temos que lutar para que a água que toca a nossa
pele não nos intimide nem retire o nosso vigor.
Consideramos que estas pessoas olharam com objetividade para as águas que lhes
cabia atravessar. Elas não puderam considerar todas as águas, mas mantiveram-se firmes no
espaço que lhes cabia.
Quando pensamos na educação escolar, pensamos obviamente num setor macro,
composto de inúmeras escolas, com problemas não desprezíveis e complexos, com desafios
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que, como mencionamos, são sobre-humanos, distanciando em muito das possibilidades mais
diretas de intervenção.
Não obstante o professor precisar ter esta necessária visão panorâmica que vai além do
seu “quintal”, da sua unidade escolar, ele pode buscar “acender uma pequena luzno espaço
que lhe cabe.
Antes, porém, de qualquer ação, de qualquer lampejo de fogo, o professor precisa ser
seduzido pelo discurso visionário do poeta: “É tempo de travessia”.
Seria ingênuo da nossa parte desconsiderar que as águas transbordam, que as
condições não são propícias, mas “se não ousarmos fazê-la, teremos ficado à margem de nós
mesmos.”
Por fim, desejamos que este estudo possa ser um convite para alcançarmos outras
margens.
UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
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°°
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UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
ANEXO I
Roteiro de Entrevista
---------------------------------------------------------------------------------------------------
UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Protocolo N
o
________ Data: ____/____/______ (das _______às_____h)
A – DADOS PESSOAIS (abreviações)
Nome:_______________________________________________________Idade________
Instituição:________________________________________________________________
Endereço para contato:_______________________________________________________
Fone:_________________ e-mail:_____________________________________________
B – ESCOLARIZAÇÃO:
Curso Instituição
Anos de
Início e
Término
Tema do TCC,
Monografia,
Dissertação e/ou
Tese
Magistério
Graduação
Especialização
Mestrado
Doutorado
C – DADOS PROFISSIONAIS:
a) quanto tempo atua como docente e em quais níveis de ensino e em quais séries?
quanto tempo atua como professor de Educação Física? b) É efetivo? quanto
tempo?
c) Há quanto tempo atua no Ensino Fundamental: 5
a
a 8
a
séries (atual: 6
a
a 9
a
) ?
d) Em quais séries leciona atualmente?
e) Qual a sua carga horária semanal?
f) Exerce alguma atividade em outra instituição? Qual?
g) Em que séries (caso atue como Professor)? Qual carga horária semanal?
h) Já atuou como professor de séries iniciais? Quais?
Roteiro de Entrevista
---------------------------------------------------------------------------------------------------
UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
ROTEIRO DE ENTREVISTA
21
,2HVSRGRMRJREULQFDGHLUDEULQTXHGRHPVXDLQI¤QFLD
1. Como você pode descrever a sua relação com o jogo durante a infância ?
2. a) Você participava de jogos ? b)Com que freqüência ? c)Quais eram ? d)Quais
seus sentimentos em relação a eles (gostava ou não, consistia em momentos
prazerosos ou de tensão) ?
3. Você acha que os jogos eram valorizados pelos iguais (por outras crianças) e pelos
adultos ?
4. O que mais você poderia falar sobre o jogo na sua infância ?
,,2HVSD©RGRMRJRHPVXDHVFRODULGDGH
1. Quando você esteve na escola de primeiro e segundo graus (fundamental 1
a
. a
8
a
. séries e médio – colegial), a)qual era o espaço que o jogo ocupava no ambiente
escolar ?
b) como era a escola? (rural, etc – caso tenha outras observações quanto a
unidade escolar)
c) quantos alunos em média? (por escola, por sala caso tenha outras
observações
quanto a unidade escolar)
2. Como professor fazia uso de jogo, brincadeira e brinquedos nas aulas de
Educação Física? Com que freqüência e quais.
3. Você participava destes jogos ? Com que freqüência e de quais.
4. Quais seus sentimentos em relação a eles (gostava ou não, consistia em
momentos prazerosos ou de tensão) ?
5. Os jogos que você jogava fora da escola, também eram jogados na escola ?
22
Por que acha que estes jogos não eram utilizados no ambiente escolar (em
caso de resposta negativa)?
Por que acha que estes jogos eram utilizados no ambiente escolar (em caso
de resposta afirmativa)?
21
Solicitar ao professor a gentileza de responder as questões com liberdade, possibilitando o
maior número de informações que julgar relevante (não é necessário que se detenha em
respostas curtas e objetivas)
Ler todas as questões, mesmo as que julgar que foram respondidas. Informar : “-Tenho um
roteiro de questões. Após cada resposta passarei à seguinte. Caso julgue que ela já foi
respondida, informe e passaremos à seguinte.”
22
A questão 5 é a mais relevante deste item.
Roteiro de Entrevista
---------------------------------------------------------------------------------------------------
UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
6. Como eram as aulas de Educação Física? O professor utilizava algum recurso
diferenciado nestas aulas?
7. O que mais você poderia falar sobre sua experiência com jogos durante sua
escolarização?
8. O que mais você poderia falar sobre sua experiência nas aulas de Educação
Física durante sua escolarização?
,,,2HVSD©RGRMRJRHPVXDIRUP¥RXQLYHUVLW£ULDHRXPDJLVW«ULR
1. Durante sua formação universitária, qual o espaço que o jogo ocupou nas
disciplinas teóricas e práticas ? Data
2. Havia alguma disciplina que tratava especificamente do uso do jogo? Quais
disciplinas?
3. Dos jogos apresentados ou atividades proposta, algum (a) se relacionava aos
praticados fora do ambiente escolar?
4. Você se recorda de alguma literatura específica que contemplasse o uso de jogos?
5. Em sua avaliação os jogos foram valorizados durante seu curso de formação? Por
quê?
6. Você fez outros cursos durante ou após sua formação universitária? Nestes cursos
fez-se menção ao uso de jogo ou outros recursos? (explorar a questão buscando
saber se isto ocorreu como complemento ou se era parte efetiva do conteúdo
apresentado).
,92HVSD©RGRMRJRHPVXDSU£WLFDSHGDJµJLFD
1. Em poucas palavras você consegue definir o que é jogo e qual sua importância
para a Educação Física?
2. Você julga importante a disciplina de Educação Física na escola? Por quê?
3. Quais os benefícios que os alunos encontram na disciplina? Por quê?
4. diferença significativa entre a Educação Física que você propõe e que você
aprendeu enquanto aluno?
5. O que mais você poderia falar do uso do jogo nas aulas e sua prática pedagogia?
6. O que é necessário que uma criança ou jovem aprenda nas aulas de Educação
Física?
7. Seque o jogo deve ter um espaço importante em outras disciplinas e na escola
em geral? Porque?
8. Os procedimentos pedagógicos de uma aula de Educação Física devem
diferenciar-se dos procedimentos de outras aulas? Em quê? Por quê?
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ANEXO II
Síntese Quantitativa dos Dados
----------------------------------------------------------------------------------------------
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‘Mapa’ quantitativo dos dados encontrados na pesquisa
Bloco I – (Dados Pessoais, Formação e Dados Profissionais)
Questões Perguntadas:
A – Dados Pessoais:
Nome: 10 Professores
Idade: Entre 36 e 50 anos
3
Professores
Entre 36 a 40 anos
7
Professores
Entre 40 a 50 anos
Instituições: 9 atuam na rede pública e 1 na instituição privada
B – Escolarização:
Magistério
Graduação
Especialização
Mestrado Doutorado
3 10 3 0 0
Iniciação Científica:
Nenhum
Monografia (TCC)
Dissertação
Tese
4 6 0 0
C – Dados Profissionais:
a) Há quanto tempo atua como docente e em quais níveis de ensino e em quais séries?
Tempo de Magistério dos Participantes Número de Participantes
Até 10 anos 2 Participantes
10 a 20 anos 4 Participantes
20 a 30 anos 4 Participantes
b) É efetivo?
Efetivo ACT Privada
6 3 1
Síntese Quantitativa dos Dados
----------------------------------------------------------------------------------------------
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c) Qual a sua carga horária semanal?
0 a 10 horas
10 a 20 horas
30 a 40 horas
Acima de 50 horas
1 1 7 1
Bloco II – (O espaço do Jogo, na Infância e na Escolarização)
Questões Perguntadas:
II - O espaço do jogo/brincadeira/brinquedo em sua infância
5. Como você pode descrever a sua relação com o jogo durante a infância?
Os 10 descrevem a infância com muita emoção, exceto o participante (06)
6. a) Você participava de jogos? b) Com que freqüência? c) Quais eram? d) Quais seus
sentimentos em relação a eles (gostava ou não, consistia em momentos prazerosos ou de
tensão)?
Todos os 10 afirmam que participavam sempre dos jogos, e descrevem muitos jogos e
brincadeiras.
7. Você acha que os jogos eram valorizados pelos iguais (por outras crianças) e pelos
adultos?
Valorizavam
Não valorizavam
5 5
II - O espaço do jogo em sua escolaridade
9. Quando você esteve na escola de primeiro e segundo graus (fundamental 1
a
. a 8
a
.
séries e médio – colegial), a)qual era o espaço que o jogo ocupava no ambiente escolar ?
Nenhum participante afirma encontrar jogo no espaço escolar.
10. Como professor fazia uso de jogo, brincadeira e brinquedos nas aulas de Educação
Física? Com que freqüência e quais.
Síntese Quantitativa dos Dados
----------------------------------------------------------------------------------------------
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Nenhum participante afirma encontrar brincadeiras, brinquedos e jogos nas aulas de Educação
Física, apenas algumas modalidades esportivas.
11. Os jogos que você jogava fora da escola, também eram jogados na escola?
Por que acha que estes jogos não eram utilizados no ambiente escolar (em caso de
resposta negativa)?
Por que acha que estes jogos eram utilizados no ambiente escolar (em caso de
resposta afirmativa)?
Eram utilizados Não eram utilizados Resposta Descaracterizada
7 2 1
4. Como eram as aulas de Educação Física? O professor utilizava algum recurso
diferenciado nestas aulas?
Os 10 afirmam um desapontamento sobre as atividades propostas ao longo do período de
escolarização. Descrevem alguns enfoques:
Limitação do conteúdo
Cuidado com uniforme Separação por sexo Cumprimento de regras
Bloco III – (O espaço do jogo em sua formação universitária e ou
magistério)
Questões Perguntadas:
7. Durante sua formação universitária, qual o espaço que o jogo ocupou nas disciplinas
teóricas e práticas? Data
Não foi
contemplado
Através de
modalidade esportiva
Contemplado com
justificativa
Contemplado sem
justificativa
3 3 2 2
8. Havia alguma disciplina que tratava especificamente do uso do jogo? Quais
disciplinas?
Disciplinas Mencionadas Número de Participantes
Síntese Quantitativa dos Dados
----------------------------------------------------------------------------------------------
UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Nenhuma Disciplina 2 Participantes (20%)
Modalidades Esportivas Gerais 2 Participantes (20%)
Recreação e Lazer 4 Participantes (40%)
Psicomotricidade 1 Participantes (10%)
Antropologia e Psicologia do Esporte 1 Participantes (10%)
9. Você se recorda de alguma literatura específica que contemplasse o uso de jogos?
Nenhuma Literatura (0) Uma literatura (1) Acima de duas literaturas (2)
4 4 2
10. Em sua avaliação os jogos foram valorizados durante seu curso de formação? Por
quê?
Foram valorizados
Não foram valorizados
50 % 50 %
Bloco IV – (O espaço do jogo em sua prática pedagógica)
Questões Perguntadas:
9. Em poucas palavras você consegue definir o que é jogo e qual sua importância para a
Educação Física?
Condutas de formação humana Recurso alternativo Generalista Definição mais elaborada
3 3 2 2
10. Você julga importante a disciplina de Educação Física na escola? Por quê?
Síntese Quantitativa dos Dados
----------------------------------------------------------------------------------------------
UNESP – FCLAR Kleber Tüxen Carneiro
Aptidão física e saúde
Desenvolvimento motor
Cidadania
Generalista
2 2 2 4
11. Quais os benefícios que os alunos encontram na disciplina? Por quê?
Principais Benefícios mero de Participantes
Respeito as Regras 1 Participantes
Aspectos Motores e Saúde 5 Participantes
Recreação e Lazer 2 Participantes
Variados Benefícios 1 Participantes
Sem Resposta 1 Participantes
12. Há diferença significativa entre a Educação Física que você propõe e que você
aprendeu enquanto aluno?
Desinteresse dos alunos Postura profissional Aspectos metodológicos Generalista
2 2 4 2
13. O que é necessário que uma criança ou jovem aprenda nas aulas de Educação Física?
Regras dos jogos
Habilidades e capacidades físicas
Recreação e questões de saúde
Generalista
1 1 2 6
14. Será que o jogo deve ter um espaço importante em outras disciplinas e na escola em
geral? Por quê?
Consenso entre 10 participantes, que o jogo deve estar presente em todas as disciplinas da
grade curricular.
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