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comentário sobre as plantas com que o “velho Braga” conviveu na infância. Em várias
crônicas, ele as descreve. Localiza-as no tempo. No entorno da casa. Nas praças de
Cachoeiro de Itapemirim – sua cidade natal.
Ao dissertar sobre “O cajueiro” da infância, Rubem Braga relembra: “o
cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas recordações de
minha família: belo, imenso, no alto do morro atrás da casa”. (Braga, 1964: p.77) Tal
qual a mangueira de Cony, a planta, aqui, também é nitidamente idealizada.
Rubem Braga gostava tanto das plantas que estudava sobre o assunto. Em
“Havia um pé de romã” é manifesto o amor à natureza. O garoto chega ao ponto de
imaginar um mapa da cidade descrito com elementos da fauna e da flora. Em seguida, o
cronista lembra uma planta muito importante de sua infância, o pé de saboneteira –
árvore citada em vários textos do autor.
Apesar de extensa, mas importante para a
ilustração da pesquisa, indispensável aqui a transcrição dos dois primeiros parágrafos
desse texto, sobretudo quando, em comparação a Cony, quer-se enfatizar a maior
familiaridade de Braga com a natureza. Interessante, também, é a atribuição de valor aos
espaços, tendo em vista as plantas que os compõem. A crônica, então, se inicia da
seguinte forma:
Se uma criança pudesse fazer um mapa de uma cidade –
pensava eu, olhando o pé de romã –, ele teria menos casas e mais árvores e
bichos. A romã, por exemplo, está estritamente ligada à carambola, na minha
coreografia íntima. Eu conhecia essas árvores de um só quintal da cidade;
eram como que uma propriedade específica de certa família amiga.
Nossa própria casa tinha alguma importância devido à fruta-
pão e aos cajus, mas, do ponto de vista infantil, sua grande riqueza estava na
saboneteira, árvore que produz baleba ou bola-de-gude, ou bolinha-preta.
Cinco dessas bolinhas-pretas eram trocáveis por uma de vidro, dessas que se
compram nas lojas; essa taxa de câmbio é, mais ou menos, de 1923; talvez já
não vigore hoje. Para nós, da casa, a saboneteira era uma riqueza natural, uma
qualidade intrinsecamente nossa, de nossa família; algo assim confusamente
como um baronato. Naturalmente não éramos a mais rica família da cidade;
havia, por exemplo, a chácara do dr. Mesquita, que tinha mangas soberbas,
defendidas por imensos cachorros. Mesmo saboneteira havia uma, talvez
mais famosa que a nossa, no sobrado do Machadão, onde era o telégrafo, e
onde também morava nossa professora; sobradão cauteloso, pois a calçada da
rua, ao chegar a ele, subia uns dois metros de um lado e descia do outro, de
maneira a que nem o térreo pudesse ser atingido por uma enchente do rio.
(Braga, 1991: p.102-03)
Vê-se, por conseguinte, que, tanto em Carlos Heitor Cony como em Rubem
Braga, a criança atribui sentido aos espaços da casa, quando os ocupa ou desvenda.
Uma diferença: percebe-se a descrição física, tanto da casa como da cidade da infância,
em textos de Rubem Braga, aspecto não existente na crônica de Cony. O autor em foco