grandes, sempre lotados. Era muito bom o espetáculo! O doente era muito bom! A peça é
muito boa e a montagem era muito legal. Com a minha beleza e o talento do elefante... (risos).
A gente falou assim, rapidamente, sobre o cômico, sobre a comédia, mas a grande comédia e,
quando eu falo da grande comédia, eu estou falando evidentemente de Molière, entre outras
coisas, a grande comédia sempre tem uma componente trágica, da mesma forma, que,
inversamente, a grande tragédia tem sempre um elemento cômico. Você pega as tragédias
mais “cabeludas” de Shakespeare, invariavelmente depois que você tem uma cena, sei lá, de
carnificina, por exemplo, você tem a entrada de um clown que é quase que uma certa
respiração, é quase que um alívio até físico, fisiológico, que você tem que dar ao espectador
para preparar as próximas coisas e, inversamente, na comédia, na grande comédia, tem
sempre uma componente trágica. Se você pegar o próprio personagem do Doente imaginário,
o Argan, o hipocondríaco explorado pelos médicos, pela mulher interesseira, ele é um
personagem cômico, mas ele tem uma componente trágica, como o Harpagão do Avarento. A
coisa da avareza tem uma componente trágica, mas isso eu estou dizendo por quê? Porque, de
certa maneira, a comédia é exatamente a possibilidade do homem, do ser humano rir da
morte, porque, na comédia, você tem a possibilidade de momentaneamente congelar a idéia
da morte. Na tragédia, você tem sempre a inexorabilidade da morte, ela sempre termina na
morte ou na cegueira; enfim, na tragédia, você sabe de cara, você já sabe antecipadamente.
Você tem sempre a inexorabilidade da morte, na comédia, não. Na comédia, você tem a
possibilidade momentânea de rir da idéia da morte, de brincar com a idéia da morte e, no
Doente imaginário, você tem muito isso, até por que Molière morreu em cena, fazendo o
papel do Doente imaginário, na quarta apresentação, sabia disso? Molière estava muito
doente, com tuberculose em uma época em que a tuberculose não tinha cura, numa fase
terminal. É a ultima peça dele escrita, em 1673; só que os inimigos, os detratores de Molière,
diziam que ele era hipocondríaco, ele tinha fama de ser hipocondríaco, de ser um doente
imaginário e ele faz uma peça rindo da própria doença e o mais louco e interessante é que, há
descrições disso, que na quarta apresentação, no final da peça, na última cena, quando ele é
transformado em médico, ou seja, o doente é transformado em médico, ele começou a tossir,
teve uma hemoptiace, como chama, começou a escarrar sangue e o público ria e aplaudia e
achava que aquilo era um efeito teatral. Quer dizer, Molière, um doente de verdade rindo de si
mesmo e do público, fazendo o papel de um doente imaginário, morrendo verdadeiramente,
escarrando sangue verdadeiramente e o público achando que aquilo era um efeito, era uma
tinta que ele estava cuspindo e ao mesmo tempo, o pano de fundo da peça é o carnaval. É uma
anotação pequena que se tem. A peça se passa em Paris, no ano de 1673, durante o carnaval.
O carnaval é o pano de fundo, é como se todas aquelas personagens que entrassem nesses
entreatos fossem personagens do carnaval, como se fossem mascaradas entrando. Então, você
tem a carnavalização da morte, no carnaval você tem muito isso. O próprio dia de finados –
ontem foi dia de finados – no México, onde inclusive fizemos essa peça, no México, o dia de
finados é um carnaval, é uma festa, eles não fazem uma coisa triste. Sai todo mundo vestido
de caveira e é uma festa, as crianças ganham doces. O dia dos mortos aqui, ao contrário dos
outros países, é uma coisa triste. As pessoas levam flores ao cemitério, choram, há
congestionamento, o preço do buquê de rosas quintuplica. No México é uma “puta festa” no
dia dos mortos, tem exatamente a carnavalização da morte. Então, de certa maneira, na
comédia, na grande comédia, você tem sempre essa luta da vida e da morte, da doença e da
saúde, do real e do imaginário e nada melhor do que essa peça, até pela situação real do
Molière que acaba se tornando uma metáfora, ele, doente, rindo de si próprio, o carnaval
como pano de fundo... Tanto que eu introduzi, num determinado momento, uma espécie de
fantasmagoria que era como se fosse uma coisa de trem fantasma, um número de circo
chamado passeio aéreo, em que os atores andam de ponta cabeça. O Edson Cordeiro, que
também não era cantor, era só ator, cantava uma música e era como se aquelas caveiras