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dança como diversão e, claro, o período em que “[...] a gente aqui mastigando essa coisa
porca sem conseguir engolir nem cuspir fora nem esquecer esse azedo na boca.” (p.27).
Essa “coisa” pode ser a goma de mascar, o chiclete que representa o tédio, que não é
possível diluir, nem engolir, nem metabolizar, que só se deve cuspir; ou mesmo a
“mescalina” – droga similar ao LSD, mastigada e consumida em forma de rodelas e
causadora de visões com muitas cores e grande êxtase íntimo, alterações no tempo e no
espaço e sinestesias. (SCHMIDT, 1976, p. 53).
Percebe-se, nesse conto, uma reflexão sobre a vida, um discurso que retrata o tédio da
rotina do cotidiano - “não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser
continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma?” (p.28). Os
personagens relembram o que já fizeram, com o que sonharam, e afirmam que
tentaram/experimentaram tudo: drogas, terapia, astrologia, candomblé, boate gay, acupuntura,
suicídio, ioga, até mesmo, a irônica heterossexualidade, mas “naquele tempo você ainda não
tinha decidido a dar o rabo nem eu a lamber boceta” (p.27). E as muitas tentativas não deram
certo.
Então, ele tenta incentivá-la e diz: “reage, companheira, reage, a causa precisa dessa
sua cabecinha privilegiada” (p.28). O termo “companheira”, aparecendo em itálico nesse
conto, poderia, quem sabe, remeter ao “companheiro” do texto anterior, “Diálogo”, o que nos
faria ver uma repetição naquele “ad infinitum” do conto precedente.
O espaço desse conto é o apartamento onde os personagens conversam, mas, através
de suas rememorações e da riqueza das descrições, visualizamos outros locais que nos são
apresentados e distinguidos em função do tempo, época a que se referem, mais
especificamente, as décadas de 50, 60, 70 e 80.
“O dia em que Urano entrou em Escorpião” é o terceiro conto da primeira parte e tem
como subtítulo “Velha história colorida”. Esse subtítulo talvez faça alusão à expressão
“história colorida”, próxima à “amizade colorida”, expressão que sugere uma amizade mais
íntima e intensa e admite alusão também à questão do efeito do uso de drogas. O subtítulo
“Velha história colorida” faz referência ao uso do ácido lisérgico dietilamida (LSD). Tal
substância, muito utilizada por universitários, literatos, músicos, provocava agitação, ilusões,
alucinações (auditivas e visuais), grande sensibilidade sensorial (cores mais brilhantes,
percepção de sons imperceptíveis), sinestesias, experiências místicas, flashbacks, paranóia,
alteração da noção temporal e espacial, confusão, pensamento desordenado, euforia alternada
com angústia, pânico, ansiedade, depressão, dificuldade de concentração, perturbações da
memória. (SCHMIDT, 1976, p.67).