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aldeia o sino que tange à missa, todos os meninos dela se vão ajuntar na capela-mor da
igreja, onde postos de joelhos, em coros iguais, entoam em voz alta louvores de Jesus, e
da Virgem; dizendo os de um coro: Bendito e louvado sempre seja o santíssimo nome de
Jesus; e respondendo os do outro: E o da bem aventurada Virgem Maria mãe sua para
sempre, amém: e logo todos juntos: Gloria Patri et Filio, et Spiritui Sancto, Amen. E nisto
continuam até chegar a missa. Chegada esta, a ouvem em silêncio e, acabada ela (idos os
mais índios) esperam eles no mesmo lugar o religioso que tem cuidado deles, o qual lhes
ensina as orações da doutrina cristã em voz alta, e após esta da mesma maneira os
mistérios de nossa santa fé, em diálogos de perguntas e respostas, compostos para este
efeito em língua do Brasil, da Santíssima Trindade, criação do mundo, primeiro homem,
encarnação, morte, e paixão, ressurreição e mais mistérios do Filho de Deus, do juízo
universal, limbo, purgatório, inferno, Igreja Católica etc. E ficam tão destros, que podem
ensinar, e ensinam com efeito em suas casas aos pais, que são mais rudes ordinariamente
(suposto que também estes e as mães têm sua particular doutrina todos os dias santos e
domingos na mesma igreja, com práticas acomodadas sobre elas). Acabada a doutrina,
tornam a dizer os meninos em coros: Louvado seja o santíssimo nome de Jesus. Respon-
dem os outros: E o da Santíssima Virgem Maria, mãe sua para sempre, amém. E logo
esperam que os mandem e vão todos juntos a suas escolas, a ler, escrever ou cantar,
outros, a instrumentos músicos, segundo o talento de cada um; e saem no canto e
instrumentos tão destros, que ajudam a beneficiar as missas e procissões de suas igrejas
com a mesma perfeição que os portugueses. (A cuja vista achando-se presente um bispo,
não pôde ter as lágrimas, considerando a capacidade que nunca imaginara em tais sujei-
tos). Nestas escolas gastam duas horas da manhã; e outras duas da tarde, tornando-se-
lhes a tanger o sino, a que pontualmente acodem. Tangendo as Ave-Marias da noite,
tornam-se a juntar à porta da igreja, e daqui formam procissão com cruz levantada diante,
e postos em ordem vão cantando pelas ruas em alta voz cantigas santas em sua língua, até
chegarem a uma cruz destinada, a cujo pé, postos de joelhos, encomendam as almas do
purgatório na forma seguinte, em sua língua própria. Fiéis cristãos, amigos de Jesus Cristo,
lembrai-vos das almas, que estão penando no fogo do purgatório; ajudai-as com um Padre-
Nosso, e Ave-Maria, para que Deus as tire das penas que padecem. E respondem todos:
Amém. Rezam em alta voz o Padre-Nosso, e Ave-Maria, e voltam com a mesma procissão,
e canto até a portaria dos padres, onde por fim entoam, e respondem como acima: Bendito
e louvado seja o santíssimo nome de Jesus etc. esperam que os mandem, e mandados se
vão a suas casas. Este é o exercício dos meninos; o dos padres é o que se segue. Batizam
os inocentes, catequizam os adultos, administram-lhes o Sacramento do matrimônio na lei
da graça, e o da Eucaristia aos que são capazes; ensinam-lhes a boa inteligência, observân-
cia e perfeição des todas estas cousas. Defendem a sua liberdade, curam suas doenças,
preparam-nos para bem morrer, sepultam os que morrem em suas igrejas...”. Cf. Simão de
Vasconcelos. Crônica da Companhia de Jesus. 3 ed. Petrópolis, Vozes, 1977, 2 v., v. II,
pp.15-16.
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Mais informações sobre a nomenclatura da instrução primária ministrada pelos jesuí-
tas podem ser encontradas às páginas 146 e 147 da História da Companhia de Jesus no
Brasil, Tomo VII, do P. Serafim Leite, S.J.
obrigação de ministrar o ensino (era benemerência pública), nem
os pais eram obrigados a enviar os filhos à escola
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A escolha da via oral para transmitir a verdade canônica confir-
mada no Concílio de Trento determinou a extraordinária reativação
Manoel da Nóbrega sumarizado_editado.pmd 21/10/2010, 08:25103