
63
igualmente bom para todas as pessoas, sem recorrer aos pressupostos fundamentais da
filosofia transcendental.
Rawls fundamenta princípios segundo os quais se deve instituir uma sociedade
moderna, se ela tiver de garantir a cooperação justa e imparcial entre seus cidadãos, como
pessoas livres e iguais. Conforme Habermas,
num primeiro passo, ele esclarece o ponto de vista a partir do qual representantes
fictícios poderiam responder a essa questão de modo imparcial. Ele explica porque as
partes, na assim chamada condição primitiva, por-se-iam de acordo quanto a dois
princípios, a saber: primeiro, o princípio liberal, de acordo com o qual são concedidas
a todos os cidadãos iguais liberdades subjetivas de ação. Segundo, o princípio
subordinado que regula e fixa os mesmos direitos de acesso aos cargos públicos para
todos e que diz que as desigualdades sociais só podem ser aceitas na medida em que
ao menos tragam vantagens aos cidadãos menos privilegiados. Num segundo passo,
Rawls mostra que essa concepção, sob aquelas condições de um pluralismo que ela
mesma promove, pode esperar ser objeto de aprovação. Do ponto de vista ideológico,
o liberalismo político é neutro porque é uma construção racional, sem suscitar ele
próprio uma reivindicação de verdade. Num terceiro passo, Rawls esboça finalmente
os direitos fundamentais e os princípios do Estado de direito que podem ser deduzidos
dos dois princípios supremos de justiça (HABERMAS, 2002 d, 62-63).
Habermas apresenta alguns reparos que se dirigem contra alguns aspectos de sua
realização. Duvida se “o design da condição primitiva é apropriado em todos os sentidos para
explicar e para assegurar o ponto de vista do julgamento imparcial de princípios de justiça
entendidos de modo deontológico” (HABERMAS, 2002 d, 63). Além disso, tem a impressão
de que Rawls “deveria diferenciar mais nitidamente as questões de fundamentação das
questões de aceitabilidade” (HABERMAS, 2002 d, 63). Finalmente, se a racionalidade do
consentimento a princípios e regras motivados racionalmente não estão garantidos pela
decisão racional dos próprios sujeitos que realizam o acordo, coloca-se então a dificuldade de
como pode Rawls motivar seus destinatários a se colocarem na posição original
96
. Para julgar
imparcialmente as questões morais diante das dificuldades levantadas para sua realização no
modelo contratualista de Rawls, T.M. Scanlon
97
propõe uma revisão que aproxima o modelo
contratual das concepções kantianas. Para o nosso interesse não é necessário entrar na
exposição do autor, basta salientar os pontos que interessam a Habermas.
Diante das dificuldades apresentadas acima, Scanlon
98
, de acordo com Habermas,
deixa de lado a construção da situação originária com o véu da ignorância imposto aos
egoístas racionais, e concebe os sujeitos que participam do pacto como dotados desde o
96
Cf. JS, 62.
97
SCANLON, Thomas Michael, (1982), Contractualism and Utilitarianism. In: A. Sen and B. Williams (eds.),
Utilitarianism and Beyond. Cambridge: Cambridge University Press.
98
SCANLON, 1982, 110ss.