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ANTONIO GRAMSCI
cação. Examinemos, porém, alguns dos compromissos ligados a
uma pretensa visão progressista. Um deles, embora não essencial
mas muito frequente, é a aspiração de transformar politicamente a
sociedade por meio de educação. Isso fica muito claro no caso
dos Ginásios Vocacionais, mas não só aí, pois seria até difícil en-
contrar no que tem sido escrito sobre educação no Brasil exem-
plos que não reflitam essa orientação. Nem linha, é como se a
escola democratizada, formando homens livres, fosse condição
para edificar a sociedade democrática – reunião dos homens li-
vres. Esta aspiração – não obstante a simpatia e o entusiasmo que
desperta – repousa numa ideia simplista da sociedade política con-
cebida como sendo mero reflexo de características dos indivíduos
que a compõem.
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É claro que se assim fosse – se a sociedade
democrática apenas realizasse a soma de vontades individuais li-
vres – caberia à escola internamente democratizada o papel de
forjadora de uma tal sociedade. Mas, não parece haver fundamen-
to histórico para esse modo de ver, para essa suposta relação de
precedência entre democratização do ensino e democracia num
sentido político-social. Desde a Antiga Grécia – onde a democra-
tização educacional decorreu da democratização política
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– até
nossos dias, a emergência histórica de regimes democráticos nun-
ca foi precedida de esforços democratizantes na esfera do ensino.
Ao assinalar esse fato histórico, não pretendemos afirmar que essa
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“Segundo em tradição (a liberal clássica), a sociedade política é (ou deveria ser – pois
o liberalismo é igualmente ambíguo a respeito) uma associação de indivíduos indepen-
dentes que conjugam a vontade e reúnem poderes no estado com o objetivo de alcançar
fins de interesse mútuo”. Wolff, R. P. “Beyond Tolerance”, in A critique of pure tolerance.
Wolff, R. P.; Moore JR., B. e Marcuse, H., Beacon Press, Boston, 1969, p.5.
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“Atenas (...) tornou-se uma verdadeira democracia: seu povo conquistou, por extensão
gradual, não só os privilégios, direitos e deveres políticos, mas ainda o acesso a este tipo
de vida, de cultura, a este ideal humano do qual somente a aristocracia havia, de início,
usufruído (...) Com este ideal, com a cultura que ele anima, é toda a educação aristocrá-
tica que agora se estende e se torna a educação tipo de toda criança grega”. Marrou, H.
I. História da educação na antiguidade. Trad. de M. L. Casanova, Editora Herder/Edusp,
2ª reimp., 1971, pp. 70-71.
JOSE MARIO AZANHA.pmd 21/10/2010, 08:18118