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E é indubitavelmente sob este ponto de vista que Rousseau sou-
be ver, na ideia da educação, a pedra angular de nossa modernidade,
ainda que persistamos, apoiando-a em projetos sem saída. E nisto,
Rousseau segue adiante de nós e continua tendo o que nos dizer ante
os grandes desafios de nosso tempo.
Basta, por exemplo, observar os conflitos culturais que debilitam
cada vez mais as estruturas de nossas nações e ameaçam rompê-las
irremediavelmente. Dividido ele mesmo entre dois mundos – o de
Genebra (republicano, calvinista e particularista) e o de sua pátria de
predileção, a França (monárquica, católica e universalista) –, Rousseau
formulou, em seus dois Discursos o impiedoso diagnóstico da
dissociação dos universos culturais cuja estabilidade parecia garanti-
da para a eternidade. A cultura, longe de planar em céu ideal, está
vinculada aos interesses vitais dos que a ela se aderem e fomenta os
que possuem um sentimento de dominação. Não nasceram as ciên-
cias da necessidade de se proteger, as artes do afã de brilhar e a filoso-
fia do desejo de dominar? O poder pertence aos mais cultos, aos
mais hábeis no manejo desse florão da cultura que é a palavra. Com
esta tomada de consciência se abre a “crise da cultura”.
Não se pode esperar que os Estados históricos superem uma crise na
qual estão eles mesmos implicados. Necessita-se, pois, de um espaço
social específico, no qual possa se desenvolver em liberdade um pro-
cesso de reconstrução da cultura, que transcenda sua diversidade re-
encontrada, na qual sua forma, universal apesar de tudo, possa se dar
um novo conteúdo, mais conforme com os interesses de quem se
adere a ela: um espaço educativo. Mas, tampouco, aqui, seria menos
uma questão de instituição, à mercê da loucura e das contradições dos
homens, que o efeito de uma ação pedagógica apta a favorecer em
cada um, mais além do conflito social das culturas, a capacidade de
descobrir e de se (re)apropriar dos valores que os sustentam. Quan-
do, no Livro V do Emílio, o jovem regressa de seu périplo europeu,
em que apreendeu toda a medida da diversidade histórica dos povos
e da relatividade de suas constituições sociais, ele acaba por se con-
vencer que, se o homem deve muito à pátria que o viu nascer e à
cultura que o alimentou, ele não deve esperar mais do que elas po-
dem lhe dar dentro dos limites históricos que lhes são próprios. E é,
definitivamente, de um modo socrático, do fundo de si mesmo, em
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