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IRMÃOS QUE CUIDAM DE IRMÃOS: CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA
RETRIBUTIVA
Letícia Lovato Dellazzana
Dissertação de Mestrado
Porto Alegre, setembro de 2008
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IRMÃOS QUE CUIDAM DE IRMÃOS: CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA
RETRIBUTIVA
Letícia Lovato Dellazzana
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para
obtenção do Grau de Mestre em Psicologia
sob orientação da Prof ª. Dr ª. Lia Beatriz de Lucca Freitas
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Porto Alegre, setembro de 2008.
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Aos meus pais, Maria Helena e José Ernani, por todos os
conselhos e por terem me proporcionado as ferramentas
necessárias para que eu chegasse até aqui. Aos meus irmãos,
Ângela, pela ajuda; Paula pelo companheirismo; e Lucas por
tornar a vida mais alegre através da música. À tia Marta, pelo
carinho e cuidado incondicionais. A eles dedico esta
dissertação.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª. Drª. Lia Beatriz de Lucca Freitas, pela disponibilidade,
competência, dedicação e incentivo e por me ensinar que a relação entre orientador e
orientando, mais do que produtiva, também pode ser prazerosa.
Aos professores integrantes da banca examinadora Profª. Drª. Tânia Mara Sperb,
Prof. Dr. Fernando Becker e Prof. Dr. Maycoln Leôni Martins Teodoro pela receptividade,
sabedoria e contribuições preciosas.
Às amigas Paula Grazziotin Silveira Rava e Mariana Gonçalves Boeckel pela
amizade, apoio e carinho desde os tempos da iniciação científica.
À amiga Bárbara Letícia Pinheiro pelo incentivo, solidariedade e por me alegrar
nos momentos difíceis desta caminhada.
Às estudantes de psicologia Lissandra Vieira Soares e Clarissa Caturani Bazzo, por
terem transcrito todas as entrevistas do trabalho desde o estudo piloto.
À psicóloga Marli Kath Sattler, grande exemplo da vida profissional, pelo carinho e
por me ensinar que a sensibilidade é a melhor ferramenta do psicólogo.
À minha querida avó Elida Peters Lovato pelo carinho, por me incentivar e por
acreditar sempre.
Ao meu tio Thomé Lovato e à minha madrinha Maristela Lovato Flores pelo
exemplo de competência e sucesso na vida acadêmica.
À secretária do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Margareth Bianchesi,
pela disponibilidade e eficiência.
Aos psicólogos (as) e educadores (as) sociais do Programa de Atenção à Família
(PAIF) de Porto Alegre, os quais indicaram os participantes desta pesquisa e que me
acolheram nos seus locais de trabalho para que as entrevistas fossem realizadas.
À coordenadora do PAIF de Porto Alegre, Eliane Gassen, por ter disponibilizado o
tempo necessário para que eu realizasse as disciplinas do mestrado e pela sensibilidade por
entender o momento no qual eu precisei priorizar o mestrado.
À Fundação de Assistência Social e Cidadania da Prefeitura de Porto Alegre e à
União Sul Brasileira de Educação e Ensino pela acolhida e pelo investimento na produção
do conhecimento científico.
Aos adolescentes que participaram deste estudo, pela acolhida, pelo carinho e por
terem compartilhado comigo um pouco da sua dura realidade.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta pesquisa.
SUMÁRIO
Página
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO ......................................................................................................
09
1.1. Infância e adolescência no Brasil .....................................................................
10
1.2. Configurações familiares .................................................................................
18
1.3. Subsistemas familiares .....................................................................................
20
1.4. Relacionamento entre irmãos ...........................................................................
21
1.5. Relações de cuidado entre irmãos ....................................................................
25
1.6. O desenvolvimento moral segundo o construtivismo ......................................
31
1.7. Justiça retributiva: sanções expiatórias e por reciprocidade ............................
37
1.8. Justificativa e objetivo do estudo .....................................................................
41
CAPÍTULO II
MÉTODO ................................................................................................................
43
2.1. Participantes .....................................................................................................
43
2.2. Instrumentos .....................................................................................................
45
2.3. Delineamento e procedimentos gerais .............................................................
46
2.4. Procedimentos de análise de dados ..................................................................
47
2.5 Considerações éticas .........................................................................................
48
CAPÍTULO III
RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................
50
3.1. Dados socidemográficos ..................................................................................
50
3.2. Dados referentes ao dia de vida .......................................................................
54
3.3. Dados referentes ao relacionamento com a família nuclear .............................
65
3.4. Dados referentes às concepções sobre justiça retributiva ................................
68
3.5. Síntese dos resultados e discussão ...................................................................
74
CAPÍTULO IV
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................
95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................
98
ANEXOS ................................................................................................................
105
Anexo A. Ficha de Dados Sociodemográficos .......................................................
106
Anexo B. Genograma Familiar ...............................................................................
107
Anexo C. Entrevista Semi-estruturada sobre o Dia de Vida ..................................
108
Anexo D. Histórias sobre Justiça Retributiva .........................................................
109
Anexo E. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................................
111
Anexo F. Carta de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de
Psicologia da UFRGS .............................................................................................
112
Anexo G. Autorização da Instituição ......................................................................
113
6
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Descrição dos participantes da amostra .............................................. 45
Tabela 2. Descrição das características das famílias dos adolescentes ............... 51
Tabela 3. Descrição dos dados sobre escolaridade do grupo 1 ........................... 56
Tabela 4.
Descrição dos dados sobre escolaridade do grupo 2 ...........................
62
Tabela 5.
Descrição dos dados sobre escolaridade do grupo 3 ...........................
64
7
RESUMO
Este estudo investigou o cotidiano de adolescentes de famílias de baixa renda,
especialmente daqueles que cuidam de seus irmãos, e suas concepções de justiça
retributiva. Participaram 20 adolescentes, com idades entre 12 e 16 anos. Os instrumentos
utilizados foram: ficha de dados sociodemográficos, genograma familiar, entrevista sobre o
dia de vida e histórias sobre justiça retributiva. Os dados foram submetidos à análise de
conteúdo. Os resultados indicam que tanto adolescentes do sexo feminino quanto do sexo
masculino realizam atividades de cuidado. Todavia, as primeiras são as que mais assumem
tarefas domésticas. Ambas as atividades acarretam prejuízos ao desempenho escolar. Esses
adolescentes têm pouco tempo para o lazer. As sanções por reciprocidade foram as mais
escolhidas. Entretanto, a opção por esse tipo de sanção deve-se mais a uma descrença na
eficácia do castigo que a uma crença no poder educativo do diálogo.
Palavras-chave: Cuidado entre irmãos; justiça retributiva; adolescentes.
8
ABSTRACT
This study investigated the daily lives of adolescents from low-income families,
particularly those adolescents who look after their siblings, and the adolescents’
conceptions of retributive justice. Twenty adolescents, from 12 to 16 years of age,
participated. The instruments were: a record of socio-demographic data, a family
genogram, an interview about daily life, and vignettes about retributive justice. The data
were content analyzed, and the results indicated that male adolescents were as likely as
female adolescents to be involved in care activities although females were more likely to
do domestic chores. Both activities were prejudicial to their school performance. These
adolescents had little free time. Sanctions of reciprocity were most often chosen; however
the choice of this type of sanction seemed more likely to involve disbelief in the efficacy of
punishment than a belief in the educative power of dialog.
Keywords: Sibling care; retributive justice; adolescents.
9
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO
Estudos sistemáticos sobre o comportamento entre irmãos, embora relativamente
recentes, mostram que os irmãos desempenham papéis influentes enquanto cuidadores,
amigos e figuras de suporte ao longo de toda a vida (Perez, 2002; Teti, 2001; Zukow,
2002). Através da mútua socialização, de comportamentos de ajuda nas tarefas e atividades
cooperativas e do simples companheirismo, os irmãos causam um grande impacto uns na
vida dos outros (Silveira, 2002). Além de exercerem um papel importante no processo de
socialização dos irmãos menores, os irmãos mais velhos podem assumir o papel de
cuidadores formais de seus irmãos mais novos. Este papel pode assumir elementos do
relacionamento progenitores-filhos e é complementar ao papel dos adultos (Furman, Rahe,
& Hartup, 1979).
Embora o comportamento de cuidado entre irmãos ainda esteja sendo pouco
estudado por pesquisadores da psicologia, trabalhos realizados por antropólogos (Weisner
& Gallimore, 1977) têm chamado atenção para o fato de que, em diferentes culturas, as
crianças assumem a tarefa de cuidar de seus irmãos menores como parte de sua rotina.
Estes estudos mostram que, enquanto alguns grupos sociais priorizam a autonomia e a
privacidade entre os irmãos, outros exigem que os irmãos participem conjuntamente nas
obrigações domésticas - que incluem o cuidado das crianças mais novas - e nas atividades
da comunidade (Weisner & Gallimore, 1977).
As pesquisas sobre esse tema indicam que cuidados formais dispensados por
irmãos mais velhos são mais facilmente encontrados em famílias com muitos filhos,
quando os filhos mais velhos são do sexo feminino e quando o filho mais novo pode se
locomover sozinho (Dunn, 1983; Ferreira, 1991; Lordelo e Carvalho, 1999). Além disso, o
nível socioeconômico e a configuração familiar também influenciam na ocorrência da
situação de cuidados entre irmãos. Em famílias de baixo vel socioeconômio com muitos
filhos, a ausência de um dos progenitores pode exigir que os irmãos mais velhos cuidem
dos mais novos (Poletto, Wagner, & Koller, 2004).
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2007), o percentual de famílias consideradas pobres é 40,4% entre as famílias com crianças
de zero a 14 anos. Embora não haja estatística sobre a situação formal de cuidados entre
irmãos, considerando-se que as famílias de baixa renda possuem mais filhos do que as das
classes média e alta, estima-se que muitos adolescentes vivenciem a situação de cuidados
formais entre irmãos no Brasil.
10
Como pôde ser visto, em muitas famílias, os irmãos mais velhos participam
ativamente do cuidado de seus irmãos mais novos. Assim, na medida em que
desempenham o papel de cuidadores de seus irmãos, pode-se pensar que sancionar atos e
dar castigos é algo que faz parte da vida desses adolescentes. Desta forma, através do
estudo da justiça retributiva, que diz respeito à correlação entre os atos e as sanções
(Piaget, 1932/1977a), é possível saber o que adolescentes pensam sobre a reparação
adequada de uma transgressão.
Assim sendo, o objetivo deste trabalho é: 1) investigar como é o cotidiano dos
adolescentes de famílias de baixa renda, especialmente daqueles que cuidam de seus
irmãos menores e 2) estudar suas concepções de justiça retributiva, ou seja, o que eles
pensam sobre as sanções que devem ser utilizadas quando se comete uma transgressão.
Para contemplar o entendimento sobre a situação de cuidado entre irmãos, foi necessário
buscar estudos em vários campos do conhecimento. Inicialmente, são apresentados dados
sobre a infância e adolescência no Brasil, conceitos sobre as diferentes configurações
familiares, assim como a descrição dos subsistemas familiares. A seguir são expostos os
estudos sobre relacionamento entre irmãos e sobre relações de cuidado entre irmãos. Por
fim, são descritos os conceitos fundamentais sobre o desenvolvimento moral de acordo
com a abordagem construtivista, bem como os conceitos sobre justiça retributiva que
compreende as sanções expiatórias ou por reciprocidade.
Este trabalho nasceu em função da preocupação da autora desta pesquisa que,
através da prática da psicologia com famílias de baixa renda, deparou-se com a situação de
cuidado entre irmãos. A partir da possibilidade de poder observar estas famílias, de escutar
estes adolescentes e da necessidade, enquanto profissional, de ajudá-los a superar suas
dificuldades e a conquistar suas demandas, surgiu a motivação para este trabalho.
1.1. Infância e adolescência no Brasil
De acordo com o Relatório da Situação da Infância e Adolescência Brasileiras
(Fundo das Nações Unidas para a Infância [UNICEF], 2006) não as áreas rurais, mas
também os espaços urbanos reservam lugar para a pobreza, miséria, discriminação e
exclusão. Atualmente, em função da organização de moradores, têm sido implantadas nos
bairros mais pobres (vilas) políticas públicas de saneamento, creches, escolas e centros de
atendimento à saúde e à criança. Todavia, esse atendimento social é irregular e insuficiente
e não assegura o direito de cada cidadão de ter boas condições de vida.
11
A situação vivida pelas famílias que moram nesses aglomerados subnormais,
segundo denominação da UNICEF (2006), é um fenômeno comum em países em
desenvolvimento. Segundo um relatório
1
da Organização das Nações Unidas (ONU) de
2003, citado pelo Relatório da Situação da Infância e Adolescência Brasileiras (UNICEF,
2006), a América Latina comporta aproximadamente 14% dos moradores de favelas do
mundo. O Brasil ocupa o primeiro lugar desta estatística, com 81,2% de sua população
morando em áreas urbanas, sendo que 930 mil domicílios estão situados em favelas.
De acordo com os dados do Relatório da Situação da Infância e Adolescência
Brasileiras (UNICEF, 2006), as crianças e os adolescentes constituem 35,9% da população
total, sendo que a grande maioria deles mora em áreas urbanas. Na Região Sul do Brasil, as
crianças e os adolescentes representam 33,4% do total da população. No que se refere à
renda, 45% de crianças e adolescentes são pobres e vivem em famílias com renda per
capita de no máximo meio salário mínimo. Entre as crianças mais pobres, 48,9% não
freqüentam a pré-escola e este percentual aumenta com a queda de escolaridade da mãe.
Em relação aos adolescentes de 12 a 17 anos, o percentual dos que estão fora da escola
ainda é alto, 14,5%. Entre estes adolescentes, os que deixaram a escola nas ries
iniciais ou que nunca freqüentaram o colégio.
De acordo com dados do IBGE (2007), crianças e adolescentes com até 14 anos
de idade, cerca de 28,9 milhões, em quase metade das famílias brasileiras (48,9%). Estas
famílias compõem uma parte vulnerável da população no que se refere ao nível de pobreza.
O percentual de famílias consideradas pobres (com rendimento mensal per capita de até
meio salário nimo) é de 25,1% em relação ao total das famílias no país. Todavia, o
mesmo percentual chega a 40,4% entre as famílias com crianças de zero a 14 anos. Quando
apenas as famílias com crianças na faixa de zero a seis anos são consideradas, o percentual
é ainda maior: 45,4%. Na faixa de rendimento mais alta (mais de cinco salários mínimos
mensais per capita) há apenas 2,2% de famílias com crianças até 14 anos de idade em todo
o Território Nacional. No Rio Grande do Sul, o percentual de famílias com crianças de
zero a 14 anos de idade, com rendimento médio mensal familiar per capita de até meio
salário mínimo é de 28,2%, porém, levando-se em consideração as famílias com crianças
de zero a seis anos de idade, com o mesmo rendimento dio mensal familiar, o
percentual aumenta para 33,6%.
Para visualizar o contexto das crianças e dos adolescentes brasileiros, também é
necessário entender como está configurado o sistema educacional do país. Em relação ao
Ensino Fundamental, ele é obrigatório, está quase universalizado, e a maior parte dos
1
Relatório Global The Challenge of Slums: Global Report on Human Settlements 2003 (ONU).
12
estudantes freqüenta escolas públicas (IBGE, 2007). Na educação infantil, por outro lado, o
rendimento das famílias é um fator determinante para que as crianças acessem ou não uma
escola infantil. Como em todas as regiões do país a freqüência escolar aumenta conforme a
elevação do rendimento familiar, a influência regional, neste caso, tem um peso menor.
Assim, “a baixa freqüência das crianças desta faixa de idade deve-se mais à falta de
alternativas das famílias mais pobres do que propriamente a uma opção” (p. 123).
Os dados do IBGE (2007) indicam que se o rendimento das famílias está
relacionado ao acesso das crianças à educação infantil, esta influência volta a ser sentida
mais adiante, no momento de ingressar no Ensino Médio. É possível perceber diferença na
freqüência escolar de acordo com o rendimento mensal familiar per capita, entre os
adolescentes de 15 a 17 anos de idade. Em relação aos que possuem o menor rendimento
mensal (os 20% mais pobres), 72,7% freqüentavam escola. Esta percentagem aumenta
segundo sobem as faixas de rendimento, até chegar a 93,6% entre as famílias que possuem
o maior rendimento mensal familiar per capita. Assim como ocorre em relação à educação
infantil, este padrão se repete em todos os estados do país no que se refere ao Ensino
Médio.
Em 2002, a UNICEF publicou dados de uma pesquisa realizada no ano anterior
com uma amostra de 5.280 meninos e meninas entre 12 e 17 anos, em todo o Brasil. Esse
estudo foi a primeira pesquisa de âmbito nacional a ouvir a opinião dos adolescentes
brasileiros de todos os níveis socioeconômicos, de diferentes raças e níveis de
escolaridade. Essa pesquisa contribuiu para a revelação de muitas desigualdades e muitas
dificuldades em relação à garantia dos direitos dos adolescentes. Os resultados da pesquisa
revelaram que a educação é um universo de contradições e desafios. Se por um lado, um
grande esforço para a garantia do acesso foi realizado com êxito, por outro, a qualidade do
ensino oferecido e as dificuldades para os adolescentes mais pobres ficaram mais
evidentes.
De acordo com essa pesquisa (UNICEF, 2002), o índice de distorção entre a idade e
a série que os adolescentes freqüentam é alto. Tanto entre os meninos quanto entre as
meninas, 17,2% dos que têm entre 15 a 17 anos cursam até a quarta série do Ensino
Fundamental, embora devessem estar cursando o Ensino Médio. Entre os adolescentes com
a mesma idade (entre 15 e 17 anos), uma porcentagem ainda maior (37,3% dos meninos e
35,8% das meninas) está entre a e 8ª séries do Ensino Fundamental. Quando estes dados
são relacionados com a classe social dos adolescentes, fica claro que aqueles com maior
defasagem escolar pertencem às classes mais baixas. Na classe A, 68,4% dos entrevistados
entre 15 e 17 anos estão no Ensino Médio. Este índice diminui gradativamente até a classe
13
D, na qual apenas 25,5% dos adolescentes freqüentam o Ensino Médio. Por outro lado,
16% dos entrevistados que pertencem à classe D, com idade entre 15 e 17 anos, estão
matriculados em alguma série até a 4ª do Ensino Fundamental, ao passo que isso ocorre em
apenas 9,2% dos pertencentes à classe A.
A pesquisa realizada pela UNICEF (2002) também investigou as atividades de lazer
dos adolescentes. É importante estudar as atividades de tempo livre na vida dos
adolescentes, pois elas cumprem diferentes funções relacionadas à socialização, ao
descanso e à organização interna de pensamentos, emoções e aprendizados (Sarriera,
Tatim, Coelho & Büsker, 2007). Os resultados do estudo da UNICEF (2002) indicaram
que as atividades básicas de lazer dividem-se entre as realizadas nas escolas (oficinas e
esporte) e as que acontecem na rua (esportes e conversa com amigos). Além disso, os
eventos pagos ou privados, como shoppings, cinemas e boates, acessar a Internet e ouvir
música. No que se refere às questões relativas à cultura, esporte e lazer os dados mostraram
que diferenças importantes quando a classe social é considerada. Os adolescentes da
classe A têm acesso às mais diferentes formas de entretenimento, diversão e arte, enquanto
que os da classe D têm a televisão, praticamente, como a única alternativa.
Uma pesquisa (Zagury, 1996) realizada com 943 adolescentes entre 14 e 18 anos de
quinze cidades brasileiras constatou que as atividades de lazer que os adolescentes mais
realizam no seu tempo livre são: ouvir música, assistir televisão e conversar com os
amigos. O estudo não encontrou diferença significativa em relação ao local de residência
(capital ou interior) nem no que se refere aos adolescentes que apenas estudam e os que
trabalham. Assim como na pesquisa da UNICEF (2002), a única diferença significativa
encontrada quanto ao lazer foi em relação à classe social. Os adolescentes da classe A
freqüentam muito mais cinema e teatro do que os de todas as outras classes sociais e, em
relação a bares e restaurantes, o percentual de adolescentes é mais alto entre as classes A e
B, realidade que baixa gradativamente até chegar às classes menos favorecidas
economicamente. Zagury (1996) salienta, ainda, que todas as coisas que os adolescentes
gostam de fazer e que lhes prazer foram classificadas por eles como atividades de lazer,
como por exemplo: usar o computador, dormir e escrever.
De acordo com um estudo sobre uso do tempo livre por adolescentes de classe
popular (Sarriera, Tatim et al., 2007), a principal atividade de lazer desses adolescentes é
assistir televisão tanto durante a semana como no fim de semana. Todavia, os adolescentes
destinam mais tempo do fim de semana para atividades fora de casa na companhia de
amigos, realizadas, via de regra, na própria comunidade. Apesar disso, os dados sugerem
que o acesso a atividades culturais e esportivas é restrito e que adolescentes de classe
14
popular têm poucas alternativas de lazer, o que resulta na pouca diversificação do uso do
seu tempo livre.
Uma pesquisa realizada sobre o significado do tempo livre sugere que, mesmo
diante de carências afetivas e de investimento social, adolescentes de baixa renda sabem
organizar seu tempo livre (Sarriera, Paradiso et al., 2007). Entretanto, adolescentes mais
velhos, que estudam e trabalham, têm um tempo livre mais restrito, que depende da sua
jornada de trabalho. Além disso, o fato de estarem ocupados com atividades escolares e
laborais durante todos os dias da semana reduz a possibilidade de usufruir o tempo livre
com maior liberdade de escolha (Sarriera, Paradiso et al., 2007). Esses dados corroboram o
estudo da UNICEF (2002) que chama atenção para uma realidade freqüente no discurso
dos adolescentes: a falta de tempo para o lazer. Esta fala foi mais constante por parte das
meninas, pois as tarefas domésticas ficam por conta delas e, entre as que freqüentam escola
particular, a exigência para a dedicação aos estudos é maior.
No Brasil, assim como em muitos países pobres, um número expressivo de
crianças e adolescentes que trabalham e estudam. De acordo com Bezerra (2006), as
estatísticas mostram que existem mais crianças e adolescentes do sexo masculino do que
do sexo feminino trabalhando. Isto ocorre, pois as meninas estão, especialmente, inseridas
no trabalho doméstico em atividades com pouquíssima remuneração e com pouca
visibilidade social. Por estarem reclusas no espaço privado, a fiscalização e as providências
devidas das políticas públicas são mais difíceis no que se refere à proteção das meninas
(UNICEF, 2006). Esses dados mostram que o trabalho de crianças e adolescentes pode ser
realizado em diversos âmbitos e assumir diferentes formas. Uma destas formas é o trabalho
infantil doméstico.
O trabalho infantil doméstico é considerado pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) o trabalho realizado por crianças e adolescentes com idade inferior a 16
anos que trabalham como domésticas em casa de terceiros, afastadas de suas famílias e
sem oportunidade de estudar ou de brincar. Todavia, além do trabalho doméstico realizado
nas casas de outrem, existe o trabalho realizado por crianças e adolescentes dentro de seus
próprios domicílios. Este tipo de trabalho infantil é, geralmente, negligenciado em
pesquisas sobre o tema (Ferreira, 1991; Kassouf, 2007) e, geralmente, as atividades
domésticas realizadas pelas crianças e adolescentes dentro de casa não são incluídas nas
estatísticas sociais (Bezerra, 2006).
Mesmo assim, alguns pesquisadores chamam a atenção para o fato de que, além do
trabalho realizado nas casas de outrem, crianças e adolescentes também realizam tarefas
domésticas dentro das suas próprias casas. Em famílias de baixa renda, atividades como
15
tomar conta da casa (limpar, lavar, passar, cozinhar) e cuidar dos irmãos menores são
exercidas por meninas na ausência da mãe (Bem & Wagner, 2006; Bezerra, 2006;
Kosminsky & Santana, 2006). Diante do fato de que crianças e adolescentes realizam
trabalho doméstico tanto dentro de sua casa quanto na casa de terceiros faz-se necessário
esclarecer a diferença entre estas duas formas de trabalho infantil. Além disso, a literatura
encontrada sobre o assunto utiliza conceitos diferentes para falar de fenômenos
semelhantes.
Kosminsky e Santana (2006) referem-se a essas duas formas de trabalho infantil
como trabalho doméstico e labor doméstico. O trabalho doméstico é considerado aquele
desenvolvido dentro da própria casa e o labor doméstico são as tarefas domésticas
desempenhadas para terceiros mediante alguma remuneração. O primeiro é uma forma de
mostrar reciprocidade, respeito e obediência ao grupo familiar. O segundo é apontado
como um meio de sobrevivência para a criança ou o adolescente e sua família. Lamarão
(2002), também, ressalta a diferença entre os dois tipos de trabalho. Os conceitos usados
por ela são trabalho doméstico e tarefa doméstica. O trabalho doméstico é realizado na
casa de terceiros, enquanto que a tarefa doméstica é aquela realizada na própria casa da
criança ou do adolescente. A tarefa doméstica não é obrigatória e é compatível com o
desenvolvimento físico e psicossocial da criança e do adolescente. Além disso, ela o
compromete a educação e o lazer, é complementar e não substitui o trabalho do adulto.
Por outro lado, Chermond (n.d.) explica que as atividades de apoio prestadas por
crianças e adolescentes no seio de suas famílias de origem podem implicar violações a
direitos. Isto ocorre quando as tarefas domésticas excedem os recursos físicos e mentais
das crianças e dos adolescentes. A conseqüência para as crianças e adolescentes que
ultrapassam os limites da mera colaboração nas tarefas domésticas repartidas entre os
membros do círculo familiar é o prejuízo de seu desenvolvimento educacional (Chermond,
n.d.). Neste estudo, as atividades domésticas que crianças e adolescentes realizam dentro
de suas casas, como limpar, lavar, passar, cozinhar, serão denominadas de tarefas
domésticas.
Recentemente, foi realizada uma pesquisa com dados do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003 em escolas públicas e privadas de todo o
país (Bezerra, 2006). O objetivo foi avaliar o impacto do trabalho infantil sobre o
desempenho escolar de crianças e adolescentes de sete a 15 anos que estudam e trabalham.
Esta pesquisa chamou atenção para os danos que o trabalho doméstico pode causar ao
desempenho escolar de crianças e adolescentes. O estudo concluiu que o trabalho infantil
prejudica o rendimento escolar dos estudantes, uma vez que crianças e adolescentes que
16
estudam têm melhor desempenho escolar quando comparados com os que trabalham. Em
relação ao tempo gasto realizando tarefas domésticas, Bezerra (2006) verificou que o
trabalho doméstico realizado além de duas horas diárias ou 14 horas semanais prejudica os
estudos.
Os dados encontrados no estudo de Bezerra (2006) corroboram os resultados da
pesquisa do IBGE (2007) no que diz respeito ao trabalho infanto-juvenil. Os resultados
mostram que as crianças e adolescentes de cinco a 17 anos de idade que realizam algum
tipo de trabalho infantil têm uma freqüência escolar mais baixa do que aqueles que não
estão trabalhando. Em 2006, enquanto a taxa de freqüência dos não-ocupados era de
93,6%, a dos ocupados era de 81,0%. Em relação à região Sul do país, a taxa de freqüência
dos que não estavam trabalhando era de 93,2%, enquanto que a dos que estavam
trabalhando era de 79,6%.
De acordo com a Constituição Federal Brasileira (1988), dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Artigo
227). O Estatuto da Criança e do Adolescente (1991) preconiza que a criança e o
adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana...
assegurando-se-lhes, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade” (Artigo 3º). Apesar da Constituição e do ECA garantirem estes direitos às
crianças e aos adolescentes, as informações sobre educação e sobre trabalho infantil
(Bezerra, 2006; IBGE, 2007; UNICEF, 2002, 2006) indicam que isto não acontece
plenamente no Brasil.
Freitas, Shelton e Tudge (2008) chamaram atenção para o fato de que declarações
tais como as da Constituição Federal não necessariamente se traduzem na prática. No
Brasil, as poucas instituições de cuidado de crianças estão muito longe de satisfazer a
necessidade das grandes áreas urbanas. O fato de que apenas 10% das crianças menores do
que quatro anos e um pouco mais da metade das crianças de quatro a seis anos freqüentam
algum tipo de instituição pré-escolar sugere que o direito à educação infantil está longe de
ser uma realidade na sociedade brasileira (Freitas et al., 2008). Esses dados sugerem que as
diferenças entre as sociedades sobre o cuidado das crianças pequenas também estão
relacionadas à disponibilidade de cuidadores alternativos, incluindo-se serviços, tais como
creches e pré-escolas.
17
A falta de creches e de pré-escolas e a conseqüente necessidade que crianças e
adolescentes trabalhem no ambiente domiciliar causa perda de rendimento escolar ainda
mais evidente entre os estudantes de séries mais avançadas. De acordo com Bezerra
(2006), isto “reforça a idéia de que crianças e adolescentes mais velhos são responsáveis
pelos afazeres domésticos e pelo cuidado das crianças mais novas, principalmente em
famílias mais carentes, cujos pais trabalham fora, e em famílias cujo responsável é a mãe”
(p. 127). Além disso, os efeitos do trabalho realizado no próprio domicilio são mais
sentidos pelas meninas do que pelos meninos mais velhos, em função da cultura de que a
atividade doméstica é uma tarefa feminina.
Os resultados do estudo realizado por Ferreira (1991) sobre irmãos que cuidam de
irmãos na ausência dos pais indicou que 85% dos participantes eram do sexo feminino e
15% do sexo masculino. Foi observado que nas famílias nas quais o filho responsável
pelos cuidados dos irmãos mais novos era do sexo masculino, não havia filhas mais
velhas. Além disso, a participação dos filhos mais velhos nas atividades de rotina da
família é cobrada como uma forma de contribuição para a manutenção do grupo,
indicando a importância da ajuda mútua.
As idéias de Bezerra (2006) corroboram o estudo realizado por Kosminsky e
Santana (2006), segundo o qual em apenas metade das famílias com meninas de dez a 17
anos que tinham irmãos do sexo masculino, eles eram solicitados a compartilharem as
tarefas domésticas com elas. Desta forma, mesmo quando as jovens desempenham trabalho
doméstico em casa alheia, elas continuam a auxiliar nos cuidados com a casa e com os
familiares, ao passo que os seus irmãos e outras figuras masculinas da família, caso
trabalhem para terceiros, são dispensados dessas atividades.
Em relação ao gênero, esse estudo (Kosminsky & Santana, 2006) revelou um dado
importante: quando os dois filhos mais velhos são do sexo masculino, o primeiro fica
responsável pelo cumprimento das tarefas domésticas e pelo cuidado dos irmãos menores.
Entretanto, quando o segundo filho é do sexo feminino, é a menina ou a adolescente que
fica incumbida dessas atividades. Estes resultados indicam que a formação familiar, a
quantidade de membros, a idade, e os rendimentos dos provedores influenciam nas demais
relações que se estabelecem no âmbito familiar. Entretanto, a tradição segundo a qual o
trabalho doméstico, as atividades reprodutivas e os cuidados com os membros da família
são uma obrigação para a mulher e apenas uma ajuda para o homem permanecem
(Kosminsky & Santana, 2006).
Estudos realizados em sociedades rurais (Ember, 1973; LeVine et al., in Tudge,
2008; Wenger, in Tudge, 2008) apontavam nessa direção, mostrando que nem todas as
18
tarefas são designadas igualmente aos meninos e às meninas no que se refere ao cuidado
dos irmãos mais novos. A maioria das crianças que tomam cuidado de seus irmãos mais
jovens são meninas, visto que, no Quênia, este tipo de tarefa é considerado como uma
tarefa feminina. Quando o trabalho tradicionalmente de menina foi designado aos meninos
(em função de uma desigualdade no número de meninos e meninas), eles apresentaram
mais comportamentos pró-sociais e menos comportamentos agressivos e dependentes,
quando comparados com meninos com pouca experiência nesse tipo de trabalho (Ember,
1973). Os meninos que executaram mais tarefas de “menina”, especificamente tomando
conta de crianças mais novas, foram mais propensos a mostrar comportamentos pró-
sociais. Esses dados indicam que o cuidado entre irmãos também tem um efeito no irmão
mais velho designado a tomar conta de seus irmãos mais novos, independentemente do seu
sexo. No entanto, a situação na qual meninos tomam conta de crianças mais novas não é a
norma (Tudge, 2008).
Em relação às crianças quenianas, não apenas o tipo de trabalho (e o cenário no
qual o trabalho acontece) é diferente entre meninos e meninas, como também tem um
impacto nas oportunidades que ambos têm para brincar e interagir (Tudge, 2008). De
acordo com um estudo realizado em Kaloleni, no Quênia, meninas acima de oito anos
gastam mais da metade do seu tempo trabalhando, duas vezes mais do que os meninos da
mesma idade. Além disso, as tarefas solicitadas variam dramaticamente: as meninas são
responsáveis pela maioria do cuidado das crianças menores e do trabalho doméstico,
incluindo jardinagem, coleta e carregamento de madeira para o fogo e água; enquanto que
aos meninos é apenas solicitado que realizassem tarefas fora de casa, como levar algum
recado ou comprar algo (Wenger, in Tudge, 2008).
1.2. Configurações familiares
As modificações socioeconômicas e culturais vêm alterando os vínculos familiares
na contemporaneidade (Amazonas, Damasceno, Teto & Silva, 2003; Hintz, 2001). Por esta
razão, os membros das famílias estão sendo levados a assumir novos papéis e posições e a
conviver com novos arranjos familiares. Papéis que no passado eram profundamente
delimitados, hoje em dia estão mais flexibilizados. A função de prover o sustento da
família, por exemplo, era atribuída ao pai, enquanto que à mãe cabiam o cuidado dos filhos
e as tarefas domésticas.
Assim, o conceito de família está sendo modificado, paulatinamente, em função da
coexistência de distintos arranjos familiares em um mesmo contexto. Isto está instigando
19
um processo de assimilação e construção de novos valores (Wagner, Ribeiro, Arteche &
Bornholdt, 1999). Estas mudanças podem ser observadas na transição do modelo da
família nuclear (pai, mãe e filhos) para a família descasada (mãe e filhos ou pai e filhos) e,
em seguida, recasada (pai e esposa / madrasta e filhos; mãe e esposo / padrasto e filhos),
segundo Wagner et al. (1999).
Segundo Hintz (2001), as famílias decorrentes de divórcios ou separações, nas
quais um dos progenitores assume o cuidado dos filhos e o outro não, ou famílias nas quais
um dos pais é solteiro e o outro nunca assumiu seu papel têm crescido muito. Essa
tipologia familiar específica é denominada família monoparental. Essas famílias podem
enfrentar dificuldades peculiares, precisamente, pelo fato de um dos progenitores ter que
assumir sozinho determinadas funções que normalmente são assumidas tanto pelo pai
quanto pela mãe (Hintz, 2001). Embora existam famílias monoparentais em qualquer
classe social, elas são dominantes entre as famílias de baixa renda (Silveira, Falcke &
Wagner, 2000), nas quais a grande maioria é chefiada por mulheres. Desta forma, as
mulheres desempenham inúmeras funções na família e são fundamentais para sua
manutenção e organização (Amazonas et al., 2003).
As famílias de baixa renda, mesmo que sofram a influência dos valores
transmitidos por outras camadas da população, possuem características distintas destas,
pois segundo Amazonas et al. (2003) “necessitam desenvolver estratégias de sobrevivência
compatíveis com suas condições de existência” (p.13). Para que isto ocorra, é preciso que
todos os membros da família participem da manutenção do grupo, tanto no que se refere ao
provimento das necessidades básicas, quanto ao cuidado com seus membros,
especialmente as crianças. Em função da necessidade de que todos os membros da família
participem da manutenção do grupo, as famílias de baixa renda promovem uma relação de
solidariedade, através da qual, conseguem garantir a qualidade de vida de cada um.
A lógica da solidariedade, de acordo com Amazonas et al. (2003), opõe-se a lógica
do individualismo, pois “reordena valores e subordina realizações pessoais a interesses ou
necessidades do grupo familiar” (p.13). Assim, a solidariedade é uma forma das famílias
de baixa renda garantirem a sua existência diante de um contexto opressor ao seu
desenvolvimento. Todavia, é importante ressaltar que nem sempre é possível interpretar a
lógica da solidariedade como harmoniosa e consensual, visto que, nessas famílias, são
comuns a existência de conflitos, agressividade e violência (Amazonas et al., 2003). Isto
ocorre, pois as famílias de baixa renda tendem a ser afetadas por fatores sociais
multiproblemáticos, que podem gerar uma associação de vulnerabilidades emocionais,
sociais e de saúde (Silveira et al., 2000).
20
Quando se estuda o sistema familiar, devem ser levadas em consideração as
características culturais para entender os contrastes na atribuição de responsabilidade entre
as diferentes configurações de famílias (Ferreira, 1991; Ferreira & Mettel, 1999). Podem-
se encontrar “diferentes formas de organização familiar e de cuidados dispensados à
criança, numa mesma sociedade, como uma adaptação da família às exigências do grupo
social mais amplo” (p. 23). Desta forma, fatores de ordem social e econômica influenciam
a dinâmica familiar e interferem na forma como os filhos são educados (Ferreira, 1991).
Independentemente da configuração das famílias de baixa renda, os cuidados com
as crianças são compartilhados por todos os membros da família. Desta forma, além do pai
e da mãe, a responsabilidade por estas crianças também é dos irmãos mais velhos, de
parentes ou mesmo de vizinhos. O compartilhamento pela responsabilidade de cuidar das
crianças, segundo Amazonas et al. (2003), remete ao sentimento de solidariedade presente
nessas famílias.
1.3. Subsistemas familiares
De acordo com os teóricos da terapia familiar estrutural, a família é um sistema que
opera através de padrões transacionais. Segundo Minuchin (1990), a estrutura familiar é o
conjunto invisível de exigências funcionais que organiza a maneira pela qual os membros
da família interagem. Para ele, transações repetidas formam padrões de como, quando e
com quem se relacionar e estes padrões reforçam o sistema. A estrutura familiar deve ser
capaz de se adaptar quando as circunstâncias mudam.
O sistema familiar diferencia-se e leva a cabo suas funções através de subsistemas,
os quais são formados pelos indivíduos dentro de uma família. Os subsistemas são
reagrupamentos particulares de membros do sistema geral que aderem a critérios que
tornam possível uma vinculação mais específica das que se derivam relações peculiares
em função dos vínculos específicos que os ligam entre si (Rios-Gonzáles, 1994). Os
subsistemas podem ser formados por geração, sexo, interesse ou função e são de caráter
fundamentalmente temporário ou modificável (Goldbeter-Merinfeld, 1998; Minuchin,
1990). Dentre os diversos subsistemas possíveis, dois que são de interesse fundamental
para este estudo: o subsistema parental e o subsistema fraternal.
O subsistema parental surge no momento em que nasce o primeiro filho do casal.
Este subsistema é integrado pelo homem-pai e pela mulher-mãe, relação esta que origina
vínculos afetivos com um ou mais filhos. Assim, a realidade de ser pai e de ser mãe é o
elemento constitutivo deste subsistema (Rios-Gonzáles, 1994). A tarefa deste novo
21
subsistema é socializar a criança, sem perder o apoio mútuo que deveria caracterizar o
subsistema conjugal. Na medida em que cresce e se desenvolve, a criança entra em
contato com iguais extrafamiliares, com a escola e outras forças socializadoras fora da
família. Desta forma, o subsistema parental necessita adaptar-se a esses novos fatores que
incidem sobre as tarefas de socialização (Minuchin, 1990).
O subsistema fraterno é formado pelo grupo de irmãos dentro da família e é
inaugurado quando nasce o segundo filho. Este subsistema é considerado o primeiro
laboratório social no qual as crianças podem experimentar relações com iguais. Além
disso, as vivências oportunizadas pelo relacionamento entre irmãos têm como uma das
funções principais oportunizar as relações sociais que serão experimentadas fora do núcleo
familiar (Silveira, 2002).
1.4. Relacionamento entre irmãos
O estudo do relacionamento entre irmãos pode ser considerado tanto antigo quanto
atual. As razões para isso o complexas e estão relacionadas à enorme diversidade que
caracteriza o relacionamento entre irmãos (Teti, 2001). Assim, estudos sistemáticos do
comportamento entre irmãos, suas determinantes contextuais e suas conseqüências no
desenvolvimento são relativamente recentes. Isto pode ter ocorrido devido a implícitas
suposições em teorias do desenvolvimento, como a psicanálise, que designam primazia aos
progenitores, especialmente às mães, como agentes de socialização significativos. Tais
teorias estão enraizadas em tradições ocidentais, nas quais se supõe que os irmãos tenham
pouco efeito direto no desenvolvimento infantil. Estas suposições podem ser consideradas
equivocadas, pois os irmãos desempenham papéis influentes enquanto professores,
cuidadores, amigos e figuras de suporte ao longo de toda a vida (Teti, 2001). No entanto,
as teorias clássicas da Psicologia do Desenvolvimento não têm incluído, especificamente,
os irmãos como facilitadores deste desenvolvimento (Ferreira, 1991; Ferreira & Mettel,
1999; Rios-Gonzáles, 1994).
Entendimentos sobre o comportamento entre irmãos como sendo uma fonte de
rivalidades têm sido descartados por serem muito limitados, mesmo no ocidente, além de
terem mostrado que não são representativos da natureza dos relacionamentos entre irmãos
em outras culturas (Dunn, in Zukow, 2002; Teti, 2001). Nas duas décadas passadas, um
crescente interesse na família como um agente de mudança e foco de cuidado preventivo
incitou pesquisadores a investigar os processos dinâmicos e os problemas nos
22
relacionamentos entre irmãos (Brody, 1998, 2004). Em conseqüência disto, o estudo sobre
os irmãos teve um grande progresso (Teti, 2001).
De acordo com Teti (2001), Dunn invocou o trabalho de Piaget (1932/1977a) para
caracterizar o comportamento entre irmãos no que se refere a dois conceitos centrais: a
reciprocidade e a complementaridade. O relacionamento recíproco é aquele no qual cada
indivíduo cria experiências similares para o outro em função de interesses e de status de
desenvolvimento comuns. Irmãos, particularmente aqueles com idades próximas, parecem
interagir de uma maneira que lembra aquela observada em relacionamentos entre pares da
mesma idade, no qual cada criança cria experiências similares para a outra. A
complementaridade, pelo contrário, caracteriza qualquer relação entre dois indivíduos que
difiram em níveis e competências de desenvolvimento. Entre as áreas de
complementaridade, as mais freqüentemente executadas por irmãos mais velhos são
ensinamento e cuidado.
Os irmãos causam um grande impacto uns na vida dos outros, através de mútua
socialização, de comportamentos de ajuda nas tarefas e atividades cooperativas e do
simples companheirismo (Silveira, 2002). Desta forma, no mundo de irmãos, as crianças
aprendem como negociar, cooperar e competir. Elas aprendem, também, como fazer
amigos e aliados, como ter prestígio e como conseguir o reconhecimento de suas
habilidades. Podem adotar diferentes posições que, se assumidas cedo no subgrupo
fraterno, podem ser significativas no curso subseqüente de suas vidas (Minuchin, 1990).
Segundo Zukow (2002), o impacto que os irmãos causam uns aos outros é
onipresente e universal na medida em que eles se ensinam mutuamente sobre a vida
durante as atividades diárias mais corriqueiras, independentemente da cultura na qual
estão inseridos. As crianças mais velhas exercem um papel importante no processo de
socialização das mais novas, complementar ao dos adultos, podendo atuar, inclusive, como
reabilitadores sociais de seus pares (Furman, Rahe, & Hartup, 1979). Desta forma, o
comportamento entre irmãos pode assumir elementos do relacionamento progenitores-
filhos. Além disso, os irmãos têm muitas oportunidades, talvez até mais do que os próprios
progenitores, para servirem como fontes importantes de suporte, companheirismo,
antagonismo e socialização por toda a vida (Teti, 2001). Foram encontradas pesquisas
sobre o relacionamento entre irmãos, as quais são descritas a seguir.
Azmitia e Hesser (1993) estudaram a influência de irmãos mais velhos e de pares
no desenvolvimento cognitivo de crianças mais novas. O principal objetivo do estudo foi
testar a hipótese de que irmãos são agentes únicos para o desenvolvimento cognitivo.
Embora houvesse muitas semelhanças entre a orientação dos irmãos mais velhos e dos
23
pares, as crianças mais novas foram mais propensas a observar, imitar e consultar seus
irmãos mais velhos do que os pares mais velhos. Além disso, os irmãos mais velhos foram
mais propensos que os pares a proporcionarem orientação espontânea às crianças mais
novas. Estes resultados realçaram a singularidade do relacionamento entre irmãos,
sinalizando que irmãos e irmãs compartilham um status privilegiado de aprendizagem.
Uma pesquisa realizada na Escócia sobre as atitudes de crianças e adolescentes de
nove a 12 anos em relação aos seus irmãos revelou que os irmãos foram percebidos como
uma fonte significativa de apoio e ajuda (Kosonen, 1996). Além disso, foram considerados
especialmente importantes para crianças com poucas relações de apoio. O cuidado entre
irmãos foi visto positivamente por ambas as partes e os irmãos mais velhos tiveram
importância especial até mesmo se não morassem na mesma casa.
Em um estudo sobre as percepções dos adolescentes sobre seu relacionamento com
o irmão mais velho no contexto das relações adolescente/progenitores e adolescente/pares
(Seginer, 1998), foram analisados dados de 147 adolescentes que elegeram um irmão mais
velho como seu irmão mais próximo. Estas análises indicaram que as relações de
adolescentes com irmãos mais velhos foram semelhantes às relações com pais e pares.
Além disso, o relacionamento positivo entre irmãos contribuiu para um senso de apoio
emocional e escolar maior, indo além da contribuição da e, do pai e da aceitação de
pares.
Os resultados de uma pesquisa sobre a natureza e a extensão dos papéis de apoio de
185 irmãos adolescentes e as condições nas quais os irmãos provêem apoio um ao outro
sugeriram que tanto os irmãos mais velhos quanto os mais jovens vêem os primeiros como
fonte de apoio. Os irmãos mais velhos assumem papéis de apoio tanto em relação a
atividades não familiares, como em reuniões sociais e atividades escolares, quanto em
assuntos referentes à família (Tucker, McHale, & Crouter, 2001).
Os resultados do estudo de Stewart e Marvin (1984) ilustram que vários membros
do sistema familiar (mãe e irmão mais velho) cooperam no âmbito de um plano
compartilhado (irmão mais velho cuida do bebê enquanto a mãe está ausente), de uma
forma que mantêm uma função essencial da família: proteger e manter a segurança do
bebê. Esse estudo aponta, também, a importância do papel de cada membro da família e da
forma como estes papéis interagem entre si para manter o estado de equilíbrio do sistema
familiar. Todas as conclusões dos estudos citados sobre relacionamento entre irmãos
corroboram o estudo de Ferreira (1991), segundo o qual, outros membros da família, além
da mãe, assumem um papel importante no desenvolvimento da criança.
24
A forma como os irmãos mais velhos se relacionam com os demais é bastante
influenciada pelo gênero. Técnicas como explicação e questionamento, por exemplo,
tendem a ser mais usadas pelas primogênitas, enquanto que os primogênitos valem-se mais
do poder físico para dominar seus irmãos (Anton, 1991). As irmãs mais velhas valorizam
seus irmãos menores, assumindo papéis como ensinar e cuidar, com mais freqüência do
que os meninos (Silveira, 2002). Elas ensinam aos irmãos menores desde tarefas escolares
até maneiras de vencer numa brincadeira em comum (Brody, 1998).
No que se refere à ordem de nascimento, de acordo com Rios-Gonzáles (1994), as
expectativas dos pais sobre o filho mais velho, especialmente quando este é uma menina,
são muito altas. Por isso, podem-se encontrar, com freqüência, casos de meninas, que por
serem as primeiras do grupo de irmãos, recebem precocemente incumbências excessivas
que suprimem sua infância, por sobrecarregá-las com responsabilidades inadequadas para
a maturidade que têm, de acordo com sua idade cronológica. Essas meninas recebem, por
exemplo, tarefas delicadas relacionadas ao cuidado de irmãos pequenos, bem como tarefas
domésticas que as impedem de brincar e de terem tempo livre para poderem desfrutar sua
infância (Rios-Gonzáles, 1994). Isto acontece, pois em nome da primogenitura, os pais
exigem do filho mais velho que ele bons exemplos aos irmãos menores e que seja
sensato quando ainda é uma criança. Isto faz com que o filho mais velho sacrifique
satisfações legítimas e até necessárias para seu desenvolvimento. Desta forma, o conflito
do primogênito é que ele é exigido como se um adulto fosse, quando ainda não o é. Desta
forma, para Rios-Gonzáles (1994), a liberdade necessária para que a criança seja criança
de verdade fica ameaçada.
Com o objetivo de conhecer os padrões de relacionamento do filho mais velho,
Perez (2002) realizou em Porto Alegre, um estudo no qual primogênitos entre 17 e 24 anos
foram entrevistados. Os resultados do estudo vão ao encontro das idéias de Rios-Gonzáles
(1994), uma vez que os primogênitos, principalmente os do sexo feminino, tendem a cuidar
de seus irmãos e serem o ponto de referência para os pais em algumas ocasiões. Os
resultados mostraram que, além de se sentirem mais responsáveis e serem mais exigidos
pelos progenitores, eles se sentiram, muitas vezes, com mais poder de decisão do que os
demais irmãos e mais responsáveis pelo bem-estar da família. Além disso, os participantes
desse estudo queixaram-se de terem sido obrigados a desenvolverem-se mais cedo e terem
dificuldade em se desprender de sua família nuclear. Assim, diante das expectativas do pai
e da mãe, os participantes demonstraram algum sofrimento, por se sentirem obrigados a
não desapontá-los. No que se refere ao cuidado dos irmãos menores, os primogênitos
relataram que, em muitos momentos, tiveram que assumir o papel de pai ou mãe. Dentre as
25
tarefas realizadas pelos primogênitos que poderiam ser realizadas pelos genitores, além do
cuidado propriamente, os participantes relataram dar carona, orientar e até criticar os
irmãos menores (Perez, 2002).
1.5. Relações de cuidado entre irmãos
Embora o cuidado entre irmãos seja bastante comum, ele ainda é muito pouco
estudado e, algumas vezes nem é considerado (Zukow, 2002; Perez, 2002). Mesmo assim,
as relações de cuidado entre irmãos têm sido apontadas pela literatura como um fator
importante no desenvolvimento da criança (Dunn, 1983; Ferreira, 1991; Stewart & Marvin,
1984; Weisner & Gallimore, 1977). Estudos sobre o desenvolvimento da brincadeira, da
cognição e da linguagem da criança descobriram o efeito positivo do cuidado entre irmãos
em cenários urbanos (Zukow, 2002).
O cuidado resulta em dar segurança ou apoio para um indivíduo diferenciado,
concebido como mais fraco ou mais vulnerável. O sistema de cuidado inclui
comportamentos que predizem a função de provedor emocional e material, suporte ou
segurança para o bem-estar de outra pessoa (Stewart & Marvin, 1984). Este sistema pode
ser ativado em resposta a uma exposição de comportamento de apego por outrem, ou como
antecipação ou resposta a uma situação potencialmente perigosa ou angustiante, como por
exemplo, a aproximação de um estranho ou a partida da mãe.
Segundo Stewart e Marvin (1984), quando o irmão mais velho reconhece algum
perigo para o irmão ou irmã menores e um sistema familiar cooperativo, no qual os
irmãos mais velhos são solicitados a ajudar os pais no cuidado dos irmãos enquanto estão
envolvidos com outra atividade, é mais provável que as situações de cuidado ocorram. De
acordo com esses pesquisadores (Stewart & Marvin, 1984), apesar dos relatos de cuidados
entre irmãos existirem na literatura através de estudos antropológicos e clínicos, a idéia de
que o irmão mais velho age como uma figura de apego secundário para a criança
representa um claro afastamento do foco usual no vínculo mãe-bebê nas culturas
ocidentais.
A análise dos aspectos evolutivos e culturais indica que fatores relacionados ao
ambiente da criança como composição familiar, tipo de grupo de companheiros e natureza
da relação mãe/filho exercem influência sobre a manifestação do comportamento de
cuidado. Além disso, uma diferença de idade maior entre pares em torno de 24 meses
favorece a sua ocorrência, ficando as crianças mais novas, predominantemente, na posição
de alvos deste tipo de comportamento (Furman et al., 1979).
26
Além de serem importantes para o desenvolvimento de seus irmãos, os irmãos mais
velhos podem assumir o papel de cuidadores formais de seus irmãos pequenos. Cuidados
formais dispensados pelos irmãos são, com freqüência, mais facilmente encontrados em
famílias com muitos filhos, quando os filhos mais velhos são do sexo feminino e quando o
filho mais novo pode se locomover sozinho (Dunn, 1983). A presença de muitos filhos,
segundo Ferreira (1991), favorece a utilização dos primogênitos como recurso para cuidar
dos irmãos mais novos, além disso, existe uma correspondência entre intervalo amplo de
idades entre o irmão mais velho e os mais novos e comportamento de cuidado. Em famílias
numerosas com baixo nível socioeconômio e quando os pais estão desempregados, a
ausência de um dos progenitores pode exigir que os irmãos mais novos sejam cuidados
pelos mais velhos (Poletto, Wagner, & Koller, 2004). Esses dados vão ao encontro do
estudo transcultural de Weisner e Gallimore (1977), segundo o qual, o fator determinante
para que os cuidados entre irmãos se tornem formais é a composição ou o tamanho da
família. Quando a mãe mora sozinha com seus filhos e os parentes ou outros cuidadores
moram muito longe, a disponibilidade de cuidadores é severamente limitada.
De acordo com os estudos de Weisner e Gallimore (1977), aspectos culturais,
políticos e econômicos da sociedade também influenciam o relacionamento entre irmãos.
Apesar de diferentes formas de organização familiar serem possíveis a partir da cultura na
qual a família está inserida, o cuidado não parental é a norma ou, pelo menos, uma forma
significativa de cuidado em muitas sociedades. Como membros da organização familiar no
que se refere à organização das tarefas domésticas, uma criança particular pode ser
responsável pelo cuidado de uma criança menor e ao mesmo tempo, acatar e receber
orientação de um irmão ainda mais velho do que ela (Zukow, 2002). Desta forma, a
prática na qual o irmão mais velho cuida do irmão menor é muito difundida nesses
contextos.
O cuidado pode ser tanto explícito como implícito, ou através de um cuidador
visível (marcado, rotulado) ou não. Estes dados vão ao encontro das idéias de Tudge
(2008), segundo o qual há muitas diferenças na rotina de crianças que moram em cidades
do mundo industrializado e entre as que moram em regiões predominantemente rurais. No
entanto, é importante salientar que: 1) nestas sociedades (cenário urbano ou rural) as
crianças são propensas a ter experiências significativamente relevantes em função de sua
classe social e de seu grupo étnico-racial e, que 2) a passagem do tempo histórico faz uma
grande diferença nas experiências vivenciadas pelas crianças (Tudge, 2008). Uma das
diferenças entre as culturas nas quais as crianças estão inseridas está relacionada à forma
como o cuidado entre irmãos acontece.
27
De acordo com Zukow (2002), em sociedades agrárias os irmãos cuidadores fazem
mais do que suprir as necessidades biológicas imediatas e divertir os irmãos mais novos.
Eles são mediadores da cultura, introduzindo seus irmãos mais novos a formas de agir e
conhecer através de estilos únicos de interação. Em cenários rurais, os progenitores
valoram muito a assistência relativamente não especializada da criança na produção de
comida e de artefato e, especialmente, sua assistência no cuidado de irmãos mais novos.
Todavia, o que é ideal para uma sociedade rural agrária não será ideal em uma sociedade
urbana tecnológica, pois os métodos para alcançar os objetivos parentais, assim como as
características que os pais encorajam seus filhos a desempenhar, variam entre as culturas
rurais e tecnológicas (Zukow, 2002).
Em um estudo que comparou as relações entre irmãos em sociedades
industrializadas e não industrializadas, Cicirelli (1994) encontrou diferenças quanto às
normas culturais que regulam as responsabilidades do papel de irmão e o cuidado no
relacionamento entre irmãos. Nas sociedades não industrializadas, como áreas rurais ou
aldeias da Ásia, África, Oceania, América Central e América do Sul, é comum ver
meninas mais velhas tomando conta de três ou quatro irmãos mais jovens. As atividades
de cuidado que estas meninas realizam são: alimentar, confortar, disciplinar, designar
tarefas e, de modo geral, vigiar os irmãos menores. Desta forma, em comunidades
agrícolas pobres, os irmãos mais velhos têm um papel importante, culturalmente definido.
Os pais treinam as crianças desde cedo para ensinar aos irmãos e às irmãs mais novas
como reunir lenha, carregar água, cuidar de animais e produzir alimento. Os irmãos mais
jovens, por sua vez, absorvem valores intangíveis, tais como respeitar os mais velhos e
colocar o bem-estar do grupo acima do bem-estar pessoal (Cicirelli, 1994).
O estudo realizado por LeVine et al. (in Tudge, 2008), assim como os realizados
por Ember (1973) e Wenger (in Tudge, 2008) evidenciam algumas características das
sociedades não industrializadas. Em Gusii, no Quênia, os deveres de cuidar as crianças são
formulados de forma bem explicita. O papel de cuidador principal do recém-nascido é
dado para uma pessoa específica, geralmente uma irmã mais velha. A tarefa principal
desta menina é cuidar do irmãozinho, pelo menos, até que ele seja desmamado. A
expectativa é que estas meninas farão tudo que as mães tipicamente fariam a não ser
amamentar.
As mães quenianas também não perdem muito tempo tentando inculcar obediência
e respeito até que seus filhos completem 18 meses ou dois anos de idade, uma vez que as
crianças de dois a quatro anos passam muito tempo com seus irmãos mais velhos e outras
crianças, particularmente meninas. Como LeVine et al. (in Tudge, 2008) salientam, as
28
mães de Gusii não assumem a responsabilidade por ensinar formas desejáveis de
competência e virtude para seus filhos, pois elas supõem que o filho mais novo aprenderá
o que é necessário através de seus irmãos mais velhos. Elas administram e organizam a
produção e o consumo da casa na qual seus membros mais jovens, as crianças, podem
aprender habilidades e bom comportamento através de sua participação.
Segundo Zukow (2002), preparar uma criança para se tornar um membro
competente de uma cultura agrária requer um conjunto diferente de prioridades daquele
necessário para os membros de uma cultura tecnológica. A interdependência, por exemplo,
é crucial para a sobrevivência de toda a família nas sociedades agrárias, enquanto a
independência é priorizada nas tecnológicas. O grau no qual as crianças participam ao
cuidarem de irmãos e irmãs mais novos reflete diretamente a importância de dividir o
cuidado para o bem-estar econômico da família. Entretanto, em qualquer lugar que as
culturas se situem entre as sociedades rurais e as sociedades tecnológicas, os irmãos
devem prestar atenção a estes objetivos antes que eles possam participar da socialização de
seus irmãos menores (Zukow, 2002).
Embora as situações de cuidado entre irmãos também aconteça nas sociedades
industrializadas, elas o tipicamente esporádicas. De acordo com Cicirelli (1994), os
irmãos mais velhos ensinam os mais jovens, mas isto acontece de modo informal, não
como parte estabelecida do sistema. Nessas sociedades, o número e o espaçamento entre
irmãos variam de família para família. Além disso, essas famílias tendem a ter menos
filhos e a ter uma distância maior entre eles, tornando mais fácil, para os pais, seguir a
carreira profissional e dedicar-se a outros interesses, focalizando mais recursos e atenção
em cada um dos filhos (Cicirelli, 1994).
Em uma revisão sobre comportamento de cuidado entre crianças, Lordelo e
Carvalho (1989) concluíram que a literatura aponta efeitos positivos no comportamento de
cuidado entre crianças. Para a criança que cuida, esses efeitos são expressos através do
treinamento de funções importantes para a vida adulta, como o desenvolvimento da
cognição e da responsabilidade. Para a criança que é cuidada, os efeitos são: a influência
positiva na relação mãe-filho, o desenvolvimento da autonomia e a preparação para
relações com pares. Os efeitos negativos estão relacionados à formação da personalidade,
pelo menos quando as crianças são cuidadas predominantemente por outras crianças. De
acordo com Brody (1998, 2004), o relacionamento entre irmãos abrange um equilíbrio
entre interações pró-sociais e conflitantes, gerando experiências que podem nutrir o
desenvolvimento psicossocial, cognitivo e social das crianças.
29
Com o objetivo de estudar em ambiente natural o comportamento de cuidado entre
crianças pré-escolares, Lordelo e Carvalho (1999) observaram a ocorrência deste tipo de
comportamento em crianças a partir de dois anos de idade. Os resultados mostraram que
este tipo de comportamento é um fenômeno real e significativo, caracterizado como
“ações complexas de acompanhamento e provisão às necessidades atribuídas ao outro” (p.
7). Além disso, variáveis, como idade, sexo e grau de familiaridade, demonstraram
influenciar o comportamento de cuidado favorecendo significativamente crianças mais
velhas, do sexo feminino e díades com maior diferença de idade. O comportamento de
cuidado na criança é muito semelhante ao comportamento dos progenitores e ajusta-se ao
estado comportamental do alvo a todo o momento (Lordelo e Carvalho, 1999).
O estudo de Ferreira (1991) sobre irmãos que cuidam de irmãos na ausência dos
pais mostrou que, entre todas as tarefas domésticas que os filhos responsáveis realizam, a
atividade na qual eles mais encontram satisfação é cuidar dos irmãos menores. Além disso,
os resultados sugeriram que os irmãos cuidadores podem ser considerados agentes
socializadores competentes, estimulando e facilitando a participação dos irmãos menores
nas atividades de vida diária. Desta forma, os irmãos mais velhos podem ser considerados
uma fonte de recurso para a família no que diz respeito ao cuidado e à educação de seus
irmãos menores. Todavia, para saber até que ponto os adolescentes que são
responsabilizados pelo cuidado dos irmãos menores e os irmãos menores que recebem
estes cuidados são beneficiados ou prejudicados em seu desenvolvimento, Ferreira (1991)
sugere que é necessário realizar estudos longitudinais com o objetivo de verificar os
efeitos desta prática no longo prazo.
Um estudo realizado com meninas do interior do Rio Grande do Sul, de nível
socioeconômico baixo, demonstrou alguns aspectos sobre a situação de cuidado entre
irmãos (Poletto et al.,2004). No que se refere ao relacionamento com a família, os dados
mostraram que a maioria das meninas falou muito pouco sobre o pai e não trouxe muitas
informações sobre sua relação com ele. Por outro lado, a maior parte delas não apontou
aspectos negativos relacionados à mãe, que é sentida como uma fonte de carinho maior
que o pai. Além disso, quando alguma coisa acontece, é à mãe que as meninas recorrem.
Para algumas delas, a mãe é uma fonte de apoio, muito embora, em alguns momentos, as
mães se mostram vulneráveis e pouco receptivas.
Em relação ao centro de atendimento à criança que estavam freqüentando, o estudo
de Poletto et al. (2004) mostrou que todas as meninas demonstraram gostar das atividades
oferecidas, principalmente as recreativas, nas quais podiam brincar com outras crianças.
Desta forma, a escola e o centro de atendimento à criança são referências importantes,
30
enquanto fontes de recursos para a promoção de atividades próprias do universo infantil.
Assim, estas instituições podem ser consideradas fatores de proteção, uma vez que
propiciam “a vivência, a aprendizagem e o reforço das habilidades e das capacidades
sociais e emocionais principais para o desenvolvimento” (p. 245). Apesar disso, algumas
meninas relataram que precisaram parar de freqüentar o centro para cuidar dos irmãos e
realizarem tarefas domésticas. Ainda segundo o estudo de Poletto et al. (2004), os dados
indicaram que a relação entre as meninas e seus irmãos menores parece ser saudável.
Todavia, apesar desta relação possibilitar às meninas a expressão de sua capacidades de
cuidar, muitas vezes, em função disto, elas perdem sua condição de criança. Isto mostra
que, apesar de darem conta das demandas por elas vivenciadas, os riscos a que estão
expostas são constantes e muitas situações podem causar dano psicológico e/ou
emocional. Além disso, elas nem sempre possuem apoio e recursos suficientes para
lidarem com todos estes riscos (Poletto, et al. 2004).
Os irmãos mais velhos são mais dominantes em relação a seus irmãos e irmãs
menores e geralmente querem tomar conta deles. Quando o irmão mais novo entra na
adolescência, a relação entre eles se torna mais igualitária (Stratton, 2003; Silveira, 2002).
Entretanto, o irmão mais velho continuará influenciando através de seu poder, enquanto o
mais novo usará outras estratégias (por exemplo, bajulação e negociação). Este padrão
parece estar relacionado ao fato de que crianças com irmãos mais velhos tendem a ser
mais populares com seus pares. Um irmão mais velho que tenha muita responsabilidade
por irmãos menores, chamado de filho parentalizado (parentified child), poderá assumir
papéis adultos muito cedo, perder seu status de criança e experiências da infância
(Jurkovic, in Stratton, 2003). Para os adultos, o filho parentalizado parecerá maduro e
responsável e os déficits poderão aparecer somente mais tarde (Stratton, 2003).
Segundo Miermont (1994), este fenômeno tem recebido diferentes denominações
na literatura sobre os sistemas familiares: filhos parentalizados, filhos parentificados ou
filhos parentais. De acordo com esse mesmo autor, filho parentalizado é o “papel
assumido por um filho hiper-responsável ao qual, implicitamente, entregou-se o poder e a
autoridade que deveriam pertencer aos pais” (p. 278). O filho parentalizado é colocado
numa posição na qual é excluído do subsistema fraterno e elevado ao subsistema parental,
assumindo prematuramente uma responsabilidade emocional considerável que pode
incluir papéis de confidente, pacificador e ajudante (Minuchin & Fishman, 1990; Penso &
Sudbrack, 2004; Stein, Riedel, & Rotheram-Borus, 1999). Embora o filho parentalizado
seja comumente o filho mais velho, isto não é uma regra. famílias em que um outro
filho assume a posição de filho parental. Desta forma, o filho parentalizado é
31
necessariamente mais velho do que os irmãos dos quais ele assume os cuidados, mas nem
sempre é o primogênito.
Os filhos parentalizados assumem funções de criação dos demais irmãos como
representantes de seus pais (Minuchin & Fishman, 1990). Nessas famílias, faz parte das
obrigações do irmão mais velho acompanhar o irmão mais novo até a escola, servir ou até
fazer sua refeição, cuidar dele quando adoece e protegê-lo de outros irmãos e de outras
crianças fora de casa. As tarefas parentais são assumidas pelo irmão mais velho na
ausência temporária, prolongada ou permanente dos pais, as quais ele nem sempre cumpre
espontaneamente ou com prazer (Britto, 2002).
Na literatura sobre o assunto (Ferreira & Mettel, 1999; Preto, 1995) observam-se
diferenças na visão dos autores sobre o fato de que, em algumas famílias, os filhos
assumem tarefas que seriam teoricamente dos pais. Entre os autores que entendem o
fenômeno do filho parentalizado como prejudicial à família, pode-se citar Preto (1995), a
qual, em um estudo sobre famílias de baixa renda, observou que mudanças na estrutura
familiar podem provocar uma falta de clareza nas fronteiras e uma intensificação dos
vínculos entre pais e adolescentes. Para essa autora, os adolescentes podem assumir papéis
adultos numa tentativa de substituir o cônjuge ausente e apoiar o progenitor que ficou.
Desta forma, os pais solteiros que não contam com uma rede de amigos, dependem, muitas
vezes, inadequadamente dos filhos para apoio emocional.
Ferreira e Mettel (1999), ao contrário, entendem o fenômeno como uma forma de
adaptação às condições de vida da família. Os filhos mais velhos podem ser considerados
como agentes socializadores competentes, podendo ser uma fonte de recursos para a
família, orientando, estimulando e facilitando a participação dos irmãos menores nas
atividades da rotina familiar. Para Minuchin e Fishman (1990), se as responsabilidades do
filho parentalizado são claramente definidas pelos pais e apropriadas à sua capacidade,
levando em consideração seu nível de maturidade, este fenômeno pode ser positivo.
Porém, quando o filho parentalizado recebe responsabilidades com as quais não consegue
lidar, ou o recebe autoridade para dar conta delas, existe o perigo potencial de que os
filhos parentalizados se tornem sintomáticos. Isso ocorre, porque o filho parentalizado
sente-se excluído do grupo dos irmãos e não realmente aceito pelo subsistema parental. É
preciso que fique claro, porém, que nem sempre os irmãos que cuidam de irmãos podem
ser considerados filhos parentalizados.
1.6. O desenvolvimento moral segundo o construtivismo
32
Segundo Becker (1994), Piaget revela em sua obra, que o homem, logo que nasce,
não consegue emitir a mais simples operação de pensamento ou o mais elementar ato
simbólico, apesar de trazer uma bagagem hereditária de milhões de anos de evolução. O
meio social, por si só, não consegue ensinar a esse recém-nascido o mais elementar
conhecimento objetivo. Assim, o conhecimento não é determinado geneticamente, nem é
uma doação de uma inteligência superior, assim como também não é determinado pelo
meio, por maior que sejam suas contribuições (Becker, 2005). Neste sentido, tanto o
sujeito humano quanto o objeto são projetos a serem construídos. Eles não têm existência
prévia, todavia, se constituem mutuamente, através da interação. Desta forma, o
conhecimento não nasce com o indivíduo, nem é dado pelo meio social. É através da
interação com o meio físico e com o social que o sujeito constrói seu conhecimento.
Assim, de acordo com Becker (1994), o construtivismo significa:
A idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento
não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do
indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações
sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem
hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo
nem consciência e, muito menos, pensamento (Becker, 1994, p. 88-89).
Desta forma, para o construtivismo, diferentemente da psicanálise e da teoria da
aprendizagem social, a formação da consciência moral é entendida como uma construção
do sujeito em interação com o seu meio e não como um mero produto das influências
diretas do ambiente (Freitas, 2006). De acordo com Lourenço (1992), esta abordagem é a
que mais enfatiza uma perspectiva de desenvolvimento psicológico e a que mais permite
vislumbrar a transformação da sociedade. Neste sentido, a pessoa mais desenvolvida
moralmente é aquela que constrói a idéia de princípios éticos prescritivos e universais
chegando ao conhecimento do bem e escolhendo o bem (Lourenço, 1992). La Taille (1992)
assinala que a teoria piagetiana é notável, no sentido em que nela não luta entre a
afetividade e a moral. O afeto e a moral se conjugam com harmonia, uma vez que o sujeito
autônomo “não é um reprimido, mas sim um homem livre (p.71)”. Esta liberdade vem de
sua razão e sua afetividade adere, espontaneamente, a seus conselhos.
Partindo da perspectiva construtivista, a criança desempenha um papel ativo em seu
desenvolvimento moral, através de suas interações com a sociedade, nas quais são
construídos valores e regras (La Taille, 1998). É nas interações que estabelece com os
outros que a criança constrói sentimentos, regras e valores morais (Freitas, 2006). Assim,
de acordo com esta perspectiva, as relações sociais são fundamentais para que a criança se
desenvolva moralmente. Ao nascer, a criança traz em sua carga hereditária, a título de
33
possibilidades, os elementos necessários à elaboração da consciência moral. Para que essas
possibilidades se atualizem é necessário que ocorram trocas com o meio; sem que se
estabeleçam essas trocas não nem conhecimento nem ética possíveis (Freitas, 1999).
Para Piaget (1948/1984):
As relações da criança com os indivíduos dos quais depende serão pois, para falar claro,
formadoras, e não se haverão de restringir, como geralmente se acredita, a exercer influências
mais ou menos profundas, mas de qualquer forma acidentais relativamente à própria
construção das realidades morais elementares (p. 65).
Piaget (1928/1977b) distinguiu duas formas fundamentais de relação social: a
coação social e a cooperação. A coação social é “toda relação entre dois ou n indivíduos na
qual intervém um elemento de autoridade ou de prestígio” (p. 225) e a cooperação é “toda
relação entre dois ou n indivíduos iguais ou que se crêem iguais, dito de outra forma, toda
relação social na qual não intervém nenhum elemento de autoridade ou de prestígio” (p.
226). As formas de relação social, coação e cooperação, são diferentes entre si e, em
decorrência disso, produzem efeitos psicológicos diversos. Embora, na vida social seja
difícil encontrar a coação e a cooperação “puras”, essas formas de relação social estão
presentes, em maior ou menor grau, em qualquer grupo humano e, portanto, também na
família.
De acordo com Freitas (2002), Piaget (1932/1977a) desenvolveu um estudo sobre
as regras do jogo, não porque estivesse interessado nas regras, mas sim nas relações entre o
sentimento de respeito e as regras morais. Nessa pesquisa, ele partiu da hipótese de Pierre
Bovet, segundo o qual para que uma consigne (uma ordem ou proibição) seja sentida como
obrigatória, o seu autor deve ter prestígio ou autoridade aos olhos daquele que a recebe, ou
seja, deve existir uma relação de respeito. Para que o sentimento de respeito ocorra é
necessário que exista uma relação entre duas pessoas.
De acordo com Freitas (2003), o respeito unilateral é construído através de uma
relação coativa, cujo protótipo é o relacionamento que se estabelece entre a criança e os
mais velhos, particularmente, os pais. Segundo Piaget (1930/1998), a desigualdade entre
aquele que respeita e aquele que é respeitado também ocorre através “do respeito do
pequeno pelo grande, da criança pelo adulto e do caçula pelo irmão mais velho” (p. 28). O
valor que a criança atribui aos mais velhos origem a duas conseqüências importantes: a
criança adota a escala de valores da pessoa respeitada, imitando seus exemplos e
assumindo seus pontos de vista, e reconhece o direito constante do mais velho lhe dar
ordens e prescrever normas de conduta.
Através do estudo sobre a consciência das regras, Piaget (1932/1977a) definiu 3
estágios. O primeiro estágio do desenvolvimento moral é a anomia, fase na qual as crianças
34
não seguem regras coletivas, pois não há diferenciação entre a criança e o outro. A segunda
etapa do desenvolvimento moral é a heteronomia, na qual o respeito predominante é o
respeito unilateral. Assim, o estabelecimento de uma relação de respeito é um progresso
para a criança, pois antes, quando a criança era muito pequena, havia a anomia. A terceira
etapa é a autonomia, cujas características são opostas às da heteronomia. Nessa etapa, o
respeito típico é o respeito mútuo.
Disso decorre que também o sentimento de dever muda “de natureza” ou, em outras
palavras, de forma: se respeito unilateral (constituído nas relações de coação social),
obediência; se há respeito mútuo (presente nas relações de cooperação), há obrigação
moral propriamente dita ou dever. Desta forma, o sentimento de dever não apenas tem
origem em uma relação interindividual de respeito, mas a implica, constantemente. Assim,
os resultados de suas pesquisas levaram Piaget (1932/1977a) a sustentar a existência de
duas morais, a moral da heteronomia e a moral da autonomia, e a levantar a hipótese de um
processo evolutivo em direção à segunda (Biaggio, 2003; Freitas, 2002; La Taille, 1992).
Idéias sobre o que constitui a justiça mostram uma mudança sistemática do
desenvolvimento durante a infância (Johnson, 1962). É possível entender esta evolução,
segundo Johnson (1962), através dos resultados das pesquisas de Piaget, que indicaram que
as crianças pequenas acreditam: na justiça imanente (a idéia de que todos os atos "maus"
são punidos, se não por pessoas, pela natureza ou por forças sobrenaturais), no realismo
moral (o julgamento dos atos em termos das conseqüências, e não em termos de
motivação), e na eficácia e na necessidade da punição severa. Embora a mudança da
aceitação desses aspectos do julgamento moral não esteja vinculada com a idade como
Piaget pensou, pesquisas têm mostrado que a direção da mudança acontece no sentido
apontado por Piaget (Johnson, 1962).
De forma resumida, pode-se dizer que, para Piaget (1932/1977a), existem duas
morais distintas na criança, as quais ocorrem devido a processos formadores sucessivos: a
moral da heteronomia e a moral da autonomia. As relações de coação social, caracterizadas
pelo sentimento de respeito unilateral, resultam na heteronomia; as relações de cooperação,
fundamentadas no respeito mútuo, dão origem à autonomia.
Uma das questões de interesse para Piaget (1932/1977a) era responder se o
julgamento de valor enunciado pela criança no decorrer do interrogatório corresponde ao
julgamento de valor que a mesma criança teria na ação, independentemente, da decisão
efetiva da qual é capaz. Em relação ao domínio intelectual, Piaget (1932/1977a) observou
que o pensamento verbal da criança consiste numa tomada de consciência progressiva dos
esquemas construídos pela ação. Isto significa que o pensamento verbal está em atraso, em
35
relação ao pensamento concreto, pois se trata de reconstruir simbolicamente, num novo
plano, as operações executadas no plano precedente. Isto mostra que discrepâncias
entre as partes verbais e partes concretas do mesmo processo (Piaget, 1932/1977a).
Ao longo do estudo, Piaget (1932/1977a) chegou à conclusão de que o sentimento
de justiça, embora podendo, naturalmente ser reforçado pelos preceitos e exemplo prático
do adulto é, em boa parte, independente destas influências e não requer, para se
desenvolver, senão o respeito mútuo e a solidariedade entre as crianças. É quase sempre à
custa e não por causa do adulto que se impõem à consciência infantil as noções do justo e
do injusto.
Piaget (1932/1977a) baseou sua posição sobre o desenvolvimento da moralidade na
noção de que a criança vive em dois mundos morais: um que surge das suas relações com
os mais velhos e outro que surge das suas relações com pares. Para Piaget, os valores da
criança estão funcionalmente amarrados aos contextos sociais nos quais ela vive. Assim, as
crianças operam em duas esferas diferentes, uma com adultos e outra com pares, e essas
duas esferas geram e demandam diferentes tipos de valores (Youniss & Damon,1992).
Para viver entre os adultos, as crianças necessitam adquirir respeito pela autoridade,
pela tradição social e pela ordem estabelecida das coisas. Segundo Youniss e Damon
(1992), os adultos não transmitem idéias diretamente às crianças, pois suas idéias devem
ser reconstruídas por elas. Desta forma, a reconstrução muda fundamentalmente qualquer
coisa que o adulto traga para a interação em um esquema inteligível para a realidade
cognitiva da criança. O processo de construção de ordem requer, necessariamente, que a
criança lide com as interações e não apenas com suas próprias ações. Desta forma, Youniss
e Damon (1992) enfatizam a posição de Piaget de que o indivíduo psicológico não pode
existir isolado de outros indivíduos.
Para viver no mundo dos pares, as crianças precisam adquirir respeito mútuo umas
pelas outras, habilidade para cooperar com iguais e um senso de que as regras e outros
padrões sociais podem ser negociados e modificados através de procedimentos
considerados justos. Essas duas esferas podem e, de fato, coexistem durante a maior parte
da infância (Youniss & Damon, 1992). Os vínculos estabelecidos entre as crianças e seus
pares é a fonte principal de relações cooperativas, através das quais o respeito unilateral
lugar ao respeito mútuo (Freitas, 2003). O respeito mútuo ocorre quando pessoas ou grupos
se atribuem um valor equivalente. Desta forma, de acordo com Freitas (2003), “esse tipo
de relação é possível, em um primeiro momento, entre indivíduos que compartilham
opiniões, gostos e valores, como ocorre no companheirismo espontâneo que nasce entre as
crianças e entre os adolescentes e, em geral, nas relações de amizade” (p.112).
36
No que se refere à evolução social e moral da criança e do adolescente, quanto
menor a criança, mais as relações sociais que a influenciam são a coerção dos adultos e o
respeito unilateral que ela experimenta em relação aos mais velhos e aos pais. Com o
desenvolvimento mental, a relação de cooperação e de respeito mútuo entre iguais e
parceiros da mesma idade adquire muita importância. O progresso da moral da
reciprocidade se caracteriza por uma responsabilidade subjetiva, relativa às intenções, e
que substitui aos poucos a moral da simples obediência e da responsabilidade objetiva da
infância (Piaget, 1947/1998).
A relação da criança com uma criança mais velha ou com um adolescente ainda não
foi, significativamente, explorada pela literatura sobre o desenvolvimento moral. A
situação gerada por esta interação é específica, pois crianças mais velhas e adolescentes
não podem ser considerados membros da geração anterior (adultos). Por outro lado, mesmo
que sejam parte da mesma geração, a relação social entre crianças menores e crianças mais
velhas e adolescentes distingue-se da relação entre pares, em função da diferença de idade
e de prestígio. Assim, acredita-se que essa relação não seja idêntica à relação da criança
com os adultos, mas também não pode ser considerada uma relação de igualdade.
De acordo com a literatura sobre desenvolvimento moral (Freitas, 1999, 2002,
2003; La Taille, 1992; Piaget, 1928/1977b, 1930/1998, 1932/1977a), a relação que se
estabelece entre a criança e o adulto é uma relação de coação (assimétrica) e a relação que
se estabelece entre a criança e outra criança é uma relação de cooperação (simétrica). Este
trabalho chama a atenção para um tipo de relação estabelecida entre indivíduos de uma
mesma geração (irmãos) que não é de igualdade. Trata-se de uma relação de coação,
porém, uma relação assimétrica de poder intrageracional e não intergeracional. Pode-se
pensar, então, que na constituição da moralidade outras relações, além das
consagradas criança/adulto e entre pares. Uma vez que, na situação de interação entre
irmãos, não é incomum irmãos com diferenças de idade maiores que seis anos, por
exemplo, surge a dúvida sobre qual é a influência dessa relação social tanto para os irmãos
mais velhos quanto para os menores no que diz respeito ao desenvolvimento moral.
Os estudos de Piaget (1932/1977a) chamaram atenção para um aspecto, na época,
considerado novo: a relação que a criança estabelece com seus pares é tão ou mais
importante que a relação que ela estabelece com os adultos na sua formação moral. Em
geral, quando se trata de relações entre crianças, pensa-se em relações de cooperação. No
entanto, conforme Piaget constatou em seu estudo sobre as regras do jogo, esta é apenas
uma das possibilidades: existem relações de coação mesmo entre crianças, especialmente,
entre as crianças de idades diferentes. Em um trabalho posterior, Piaget (1963/1977c)
37
chamou atenção para o fato de que o processo através do qual a criança é socializada
assume múltiplas formas:
A ação das gerações anteriores sobre as seguintes é apenas um aspecto, ainda que esta ação, ela
mesma, se apresente de modos indefinidamente variados. A criança é igualmente socializada e
“educada” através da convivência com seus contemporâneos e encontra-se aí uma fonte autêntica de
formação, a qual nem sempre se dá muita importância, ainda que ela conduza a resultados específicos
e fundamentais. A criança pode até mesmo ser “educada” pelas relações com as crianças mais novas e
mais de uma pessoa que tinha problemas de socialização na infância encontrou seu equilíbrio quando
foi responsabilizada pelo cuidado de crianças mais novas (sem falar do papel formador que tem a
função de conduzir grupos sociais entre 10 e 15 anos) (p. 325).
1.7. Justiça retributiva: sanções expiatórias e por reciprocidade
O julgamento moral consiste nas crenças pessoais sobre o que constitui a
justiça e é um aspecto do pensamento humano que tem sido de interesse persistente entre
os cientistas sociais (Johnson, 1962) muito tempo. Segundo Piaget (1932/1977a),
existem dois tipos diferentes de justiça: a justiça retributiva, que se define pela correlação
entre o ato e a sanção, e justiça distributiva, que se define pela igualdade. A justiça
retributiva, relacionada à reparação adequada de uma transgressão (Rodrigues & Assmar,
2003), é inseparável da noção de sanção. A sanção é a recolocação da ordem e o
restabelecimento do elo social e da autoridade da regra (Durkheim, in Piaget, 1932/1977a)
e pode ser de dois tipos: expiatória e por reciprocidade.
De acordo com Piaget (1932/1977a), as sanções expiatórias estão relacionadas à
coação e a regras de autoridade. Esta sanção é arbitrária, pois não nenhuma relação
entre o conteúdo da sanção e a natureza do ato sancionado. O único modo de recolocar as
coisas em ordem é reconduzir o indivíduo à obediência, por meio de uma repressão
suficiente, acompanhando-a de um castigo doloroso. É necessário, porém, que haja
proporcionalidade entre o sofrimento imposto e a gravidade da falta.
Sanções por reciprocidade estão relacionadas à cooperação e às regras de igualdade.
Segundo Piaget (1932/1977a), se a regra for violada, não absolutamente necessidade,
para recolocar as coisas em ordem, de uma repressão que imponha, de fora, o respeito pela
lei. Basta que a ruptura do elo social, provocada pelo culpado, faça sentir seus efeitos, em
outras palavras, basta que aconteça a reciprocidade. Ao contrário das sanções expiatórias,
as sanções por reciprocidade são motivadas, isto é, relação de conteúdo e de natureza
entre a falta e a punição.
Piaget (1932/1977a) encontrou dois tipos de reação em relação às sanções. Para as
crianças pequenas, quanto mais severa a sanção mais justa ela será. Ela é eficaz no sentido
38
em que a criança devidamente castigada saberá, melhor que a outra, cumprir seu dever.
para os maiores, a expiação não constitui uma necessidade moral. As únicas sanções justas
são aquelas que exigem uma restituição ou que fazem o culpado suportar as conseqüências
de sua falta. Elas consistem um tratamento de simples reciprocidade, uma vez que a
simples repreensão e reparação são mais proveitosas que o castigo. Embora o segundo
modo de reação seja mais observado entre os maiores e o primeiro mais entre os pequenos,
o primeiro pode acontecer em qualquer idade, favorecido por certos tipos de relações
familiares ou sociais.
De acordo com Piaget (1932/1977a), é possível distinguir variedades mais ou
menos indicadas e justas de sanções por reciprocidade de acordo com a natureza do ato que
será repreendido. Elas podem ser classificadas indo das mais severas para as menos
severas. O primeiro tipo de sanção por reciprocidade é a exclusão, que pode ser
momentânea ou definitiva, do próprio grupo social ao qual a criança pertence. Este tipo de
sanção é, segundo Piaget (1932/1977a), “a punição que as crianças praticam com
freqüência quando entre si, renunciam, por exemplo, a brincar com um trapaceiro
impenitente” (p.181). Desta forma, esta sanção serve para mostrar que o elo social está
rompido.
O segundo tipo são as sanções que apelam à conseqüência direta e material dos
atos. Piaget (1932/1977a) ilustra essa sanção com uma das histórias que criou para estudar
a justiça retributiva: deixar a criança sem pão no jantar, quando ela se recusou a ir comprá-
lo e não o suficiente. Esta sanção é classificada entre as sanções por reciprocidade, pois
quando a criança se negou a comprar o pão seus pais se recusaram a recolocar, eles
mesmos, as coisas em ordem e responderam ao comportamento negligente do filho com
vontade de não ajudá-lo. Ao fazer suportar a alguém a conseqüência de seus atos a idéia de
que o elo de solidariedade foi rompido está sempre presente. Assim, esta sanção implica a
reciprocidade, pois sempre existe a vontade do grupo ou do educador de fazer o culpado
entender que o elo de solidariedade foi por ele rompido.
Em terceiro lugar, Piaget (1932/1977a) descreve a sanção que consiste em privar o
culpado de uma coisa da qual ele abusou. Um exemplo deste tipo de sanção é não
emprestar mais à criança um livro que ela estragou. Esta punição mistura elementos
idênticos aos que caracterizam as duas variedades descritas anteriormente “é uma espécie
de ruptura de contrato decorrente do fato de que as condições do contrato não foram
observadas” (p. 182).
O quarto tipo são as sanções por reciprocidade simples ou propriamente ditas, que
consistem em fazer à criança exatamente o que ela própria fez. Este tipo de sanção é
39
perfeitamente autêntico quando se trata de fazer entender à criança o alcance de seus atos.
Todavia, Piaget (1932/1977a) alerta que esta punição pode tornar-se vexatória e incoerente
quando o objetivo é apenas devolver o mal com o mal e responder com uma destruição
irreparável com outra destruição irreparável, como, por exemplo, quebrar um brinquedo da
criança quando ela quebrou um vaso de flores.
As sanções por reciprocidade restitutivas são aquelas nas quais a criança deve pagar
ou substituir o objeto roubado ou quebrado. E as sanções por reciprocidade repreensivas
são as que se limitam a fazer compreender ao culpado que o elo de solidariedade foi
rompido, de forma não autoritária, através da fala. Trata-se, neste caso, de explicar àquele
que cometeu uma transgressão as conseqüências do seu ato.
Piaget (1932/1977a) explica que acontece uma passagem do primeiro tipo de justiça
retributiva (expiatória) para o segundo (por reciprocidade). Esta passagem acontece pois, o
respeito pelo adulto diminui em proveito das relações de igualdade e de reciprocidade
(entre crianças e, na medida em que isto se torna possível, entre crianças e adultos), e é
normal que, no campo da retribuição, os efeitos do respeito unilateral tendam a se atenuar
com a idade. É por isso que a idéia de expiação perde progressivamente seu valor e as
sanções tendem a não ser mais regulamentadas senão pela lei da reciprocidade. Assim, o
que resta da noção de retribuição é esta noção de que não é necessário compensar a falta
por um sofrimento proporcional, mas fazer compreende ao culpado, por medidas
apropriadas, em relação com a própria falta, que ele rompeu o elo de solidariedade. Assim,
pode-se dizer que há, em definitivo, primazia da justiça distributiva (noção de igualdade)
sobre a justiça retributiva, enquanto, no início, era o inverso.
A revisão da literatura nacional mostrou que entre os dois tipos de justiça definidos
por Piaget (1932/1977a), a justiça distributiva tem sido a mais investigada (Dell'Aglio &
Hutz, 2001; Sales, 2000; Sampaio, Camino, & Roazzi, 2007). A pesquisa realizada por
Sales (2000) investigou a evolução da utilização dos princípios de justiça distributiva,
numa situação hipotética em que a criança distribui recursos a terceiros. Conclui-se que há
evolução na utilização dos princípios de justiça distributiva, em cada sexo e em diferentes
idades e que esta, é acompanhada da evolução de conceitos de certo e errado relacionados
às normas sociais escolares (Sales, 2000). Os padrões evolutivos na utilização dos
princípios de justiça distributiva também foram investigados por Dell'Aglio e Hutz (2001)
em crianças e adolescentes em situações hipotéticas de distribuição de recompensa. Os
resultados apontaram três estágios evolutivos, caracterizados pelo uso de regras de
autoridade, igualdade e equidade. A seqüência evolutiva de níveis no desenvolvimento dos
princípios de justiça distributiva encontrada no estudo apóia o modelo de Piaget
40
(Dell'Aglio & Hutz, 2001). Recentemente, Sampaio, Camino e Roazzi (2007) realizaram
um estudo sobre os tipos de princípios de justiça distributiva utilizados por crianças
pequenas. Os resultados mostraram que, sobretudo entre as crianças de 5 a 6 anos, uma
tendência ao igualitarismo absoluto e que a utilização de julgamentos equitativos torna-se
cada vez maior à medida que a idade das crianças aumenta. Os estudos sobre a justiça
retributiva são descritos a seguir.
Um estudo realizado com participantes de classe média de três diferentes faixas
etárias (sete a 13 anos) investigou o problema do restabelecimento da ordem em situações
de agressão física entre crianças (Durkin, 1959). As respostas foram examinadas a fim de
identificar possíveis tendências no desenvolvimento nos tipos de soluções propostas e de
comparar essas tendências com as sugeridos por Piaget como sendo a base para a evolução
do senso de justiça na criança. A constatação de Piaget de que existe uma relação entre
idade cronológica e conceitos de justiça foi evidenciada. Em nenhum momento a aceitação
da reciprocidade incluiu a aprovação da retribuição da agressão que era diferente da
agressão recebida. Esta reação unânime, segundo Durkin (1959), duplicou os achados de
Piaget de que as crianças que aprovam a reciprocidade não aceitam um tipo de castigo
arbitrário, cujo conteúdo não tem nenhuma relação com o ato que está sendo sancionado.
Os resultados indicaram que as crianças mais velhas tendem a mostrar preocupação com as
eventuais circunstâncias atenuantes na situação que está sendo julgada. De acordo com
Durkin (1959), esses resultados confirmam as constatações de Piaget relativas ao
surgimento da equidade com o aumento da idade.
Johnson (1962) revisou dois estudos realizados na virada do século XX (Barnes, in
Johnson, 1962; Schallenberger, in Johnson, 1962) sobre juízo moral e discutiu-os à luz dos
resultados das pesquisas de Piaget sobre o mesmo tema. Ambos os estudos ilustraram o
realismo moral das crianças pequenas e salientaram o aumento da preocupação com a
motivação com o avanço da idade. Eles revelaram dois aspectos importantes em relação às
crianças mais jovens: elas acreditam na punição arbitrada pelos adultos e no valor das
sanções expiatórias. Os dados mostraram, ainda, que as crianças mais jovens (mas não as
mais velhas) acreditam na eficácia e na necessidade das punições severas. Além disso, foi
observado que as mudanças mais importantes em relação ao julgamento ocorrem ao redor
dos 12 anos, assim como acontece na pesquisa de Piaget. Esses estudos realizados quase 40
anos antes do trabalho de Piaget, conforme assinalou Johnson (1962), apontaram,
essencialmente, os mesmos resultados encontrados por Piaget em sua investigação. Na
medida em que o trabalho de Piaget e os estudos de Barnes (in Johnson, 1962) e de
41
Schallenberger (in Johnson, 1962) são aparentemente independentes uns dos outros, esses
estudos aumentaram a sustentação da posição de Piaget.
Um estudo recente sobre os julgamentos intuitivos de adolescentes sobre justiça
retributiva (Kienbaum, 2007) mostrou que quando eles distribuem uma penalidade,
encontra-se uma evolução qualitativa na medida em que o papel da necessidade como um
critério para a distribuição diminui dos sete para dez e para 15 anos. A seqüência do
desenvolvimento tanto para a justiça distributiva quanto para a retributiva, que poderiam
ser derivados com cautela a partir destes resultados, começa com uma dependência em
relação ao fator necessidade em torno dos 6-7 anos, seguido por uma fase na qual a
necessidade e os danos coexistem até ao final do ensino primário (10 anos); o que leva a
um aumento da importância de prejuízos apenas durante a adolescência. Esta tendência no
desenvolvimento implica também um desenvolvimento quantitativo entre os 7 e os 10
anos, com muito mais crianças de dez anos integrando dois ou três fatores em comparação
com crianças mais novas. Assim, tanto os processos qualitativos quanto os quantitativos
parecem ter lugar no desenvolvimento dos julgamentos da justiça retributiva (Kienbaum,
2007).
É necessário assinalar que, atualmente, as normativas sobre as crianças e os
adolescentes proíbem que castigos físicos sejam usados contra crianças e adolescentes
(Brasil, 1988; Brasil, 1991). Em relação a castigar os filhos, Zagury (1999) orienta que
bater nunca deve ser uma opção. Embora a agressão física produza alguns efeitos
imediatos que, à primeira vista, podem parecer uma solução, na realidade, eles não são
educativos. Ao contrário de bater, deve-se lançar mão de sanções que suprimam algo que o
adolescente goste, pois, caso contrário, não ocorrerem perdas. Além disso, é preciso
mostrar ao adolescente que ele será castigado em função do não cumprimento de seus
deveres ou de algum comportamento inadequado (Zagury, 1999).
1.8. Justificativa e objetivo do estudo
A partir da revisão de literatura realizada constatou-se que: 1) aproximadamente um
quarto das famílias brasileiras são consideradas pobres; 2) os membros das famílias estão
sendo levados a assumir novos papéis e posições, pois os vínculos familiares estão sendo
alterados em função de mudanças socioeconômicas e culturais; 3) em famílias de baixa
renda, atividades como cuidar dos irmãos menores e tomar conta da casa são exercidas,
sobretudo, por irmãs mais velhas na ausência da mãe; 4) a relação social que se estabelece
entre crianças pequenas e crianças mais velhas e adolescentes não foi, ainda,
suficientemente estudada no âmbito da psicologia do desenvolvimento moral; 5) A maioria
42
dos estudos atuais sobre o desenvolvimento moral tem enfocado quase que exclusivamente
a justiça distributiva.
O modelo organísmico do desenvolvimento implica uma orientação universal, no
qual a generalização de um conceito ou estágio seqüencial do desenvolvimento é testado.
Embora essa orientação seja particularmente encontrada nos estudos transculturais iniciais
sobre desenvolvimento cognitivo, Eckensberger e Zimba (1996) chamaram a atenção para
o fato de que o próprio Piaget (1947/1998) tomou uma posição diferente e atual no campo
do desenvolvimento moral. Ele fez uma distinção entre sociedades modernas e
tradicionais, nas quais o mesmo comportamento pode ter diferentes significados.
Segundo Piaget (1947/1998), a diferença principal entre o desenvolvimento moral
do indivíduo nas sociedades modernas e nas sociedades tradicionais está relacionado à
liberdade e à autonomia do sujeito no que se refere “às regras morais e às crenças
obrigatórias impostas pelo grupo social, pela tradição e pelas gerações anteriores sobre as
jovens gerações” (p.161). A partir desta distinção entre sociedades modernas e tradicionais,
é plausível pensar-se que os valores dos adolescentes podem variar de um grupo social a
outro, dentro de uma mesma sociedade.
Como pôde ser visto, em muitas famílias, os irmãos mais velhos participam
ativamente do cuidado de seus irmãos mais novos. Assim, pode-se pensar que sancionar
atos e dar castigos é algo que faz parte da vida desses adolescentes, na medida em que
desempenham o papel de cuidadores de seus irmãos.
Assim sendo, o objetivo deste trabalho é: 1) investigar como é o cotidiano dos
adolescentes de famílias de baixa renda, especialmente daqueles que cuidam de seus
irmãos menores e 2) estudar suas concepções de justiça retributiva, ou seja, o que eles
pensam sobre as sanções que devem ser utilizadas quando se comete uma transgressão.
As questões norteadoras desta pesquisa são: É possível identificar-se um tipo de
sanção predominante entre os adolescentes participantes deste estudo? Qual o tipo de
sanção preferida por estes adolescentes?
43
CAPÍTULO II: MÉTODO
2.1 Participantes
Participaram deste estudo 20 adolescentes
2
, dezesseis do sexo feminino e quatro do
sexo masculino, com idades entre doze e dezesseis anos (média de idade 14,4), em situação
de vulnerabilidade social. Todas as famílias dos adolescentes entrevistados são atendidas
pelo Programa Família Apoio e Proteção da Fundação de Assistência Social e Cidadania
(FASC) da Prefeitura de Porto Alegre.
O Programa Família Apoio e Proteção atende famílias que possuam crianças,
adolescentes, pessoas portadoras de deficiência e idosos em situação de vulnerabilidade
social e renda per capita mensal de até meio salário mínimo. Ele é integrado por três
programas sociais: o Núcleo de Atenção Sócio-Familiar (NASF), o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Programa de Atenção Integral à Família
(PAIF).
O NASF atende famílias com crianças e adolescentes que se encontram em
situação de vulnerabilidade social e que apresentam dificuldades para manter e proteger
seus membros. O PETI é um programa de transferência direta de renda do Governo
Federal para famílias de crianças e adolescentes em situação de trabalho. As famílias
atendidas por este programa têm o compromisso de retirar a criança ou adolescente das
atividades de trabalho e de mantê-las na escola. O PAIF é uma iniciativa do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome executado em Porto Alegre pela União Sul-
Brasileira de Educação e Ensino (USBEE) em parceria com a FASC. Todas as famílias
atendidas pelo PAIF são necessariamente acompanhadas pelo NASF ou pelo PETI.
A peculiaridade do PAIF é o fato de que ele atende famílias específicas
(acompanhadas pelo NASF ou pelo PETI) cujas situações de vulnerabilidade não tenham
sido superadas. O PAIF atende, aproximadamente, 400 famílias através do acesso à rede de
assistência para atendimentos nas áreas de saúde e educação, bem como de intervenções
que visem à autonomia e à independência financeira destas famílias. A equipe do PAIF é
composta por dois psicólogos e dois ou três educadores sociais. Em Porto Alegre, existem
sete núcleos do PAIF em regiões distintas da cidade. Essas regiões são: 1) Centro,
Navegantes Humaitá e Ilhas, 2) Eixo Baltazar e Nordeste, 3) Leste, 4) Lomba do Pinheiro e
Partenon, 5) Glória, Cruzeiro e Cristal, 6) Sul e Centro Sul e 7) Restinga e Extremo Sul.
2
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei federal 8.069/1990) é considerado adolescente
toda a pessoa entre doze e dezoito anos de idade.
44
Na medida em que o trabalho realizado pelo PAIF acontece através de atendimentos e
visitas domiciliares semanais, os psicólogos podem visualizar o funcionamento e a
estrutura de cada família acompanhada, possibilitando, assim observar a situação de
cuidado entre irmãos na própria residência da família.
Nem todos os adolescentes entrevistados cuidam de seus irmãos e, dentre aqueles
que o fazem, há graus diversos de responsabilidade. Assim, em função da análise dos
resultados da entrevista semi-estruturada sobre o dia de vida (ver capítulo III, categoria
atividades de cuidado dos irmãos menores) os participantes foram divididos em três
grupos: Grupo 1 adolescentes que são responsáveis pelo cuidado de seus irmãos
menores; Grupo 2 adolescentes que ajudam suas mães nas atividades de cuidado de seus
irmãos menores e Grupo 3 adolescentes que não realizam qualquer atividade relacionada
ao cuidado de seus irmãos menores. Foram excluídos da amostra adolescentes que o
compreenderam as perguntas da entrevista. A tabela 1 apresenta uma descrição dos
participantes da amostra, divididos nesses três grupos.
45
Tabela 1
Descrição dos participantes da amostra
3
Grupo 1
Participante Sexo Idade
(anos;meses)
Escolaridade
A F 12;8 2ª EF
B F 12;9 4ª EF
C M 13;6 2ª EF
F F 14;11 5ª EF
G M 14;11 4ª EF
I F 16;7 5ª EF
J F 16;9 6ª EF
Grupo 2
Participante Sexo Idade Escolaridade
K F 12;2 5ª EF
L F 12;6 5ª EF
N F 13;0 6ª EF
D F 13;10 5ªEF
Q M 13;11
5ª EF
E F 14;7 6ª EF
O F 15;4 8ª EF
P F 15;7 7ª EF
H F 16;0
7ª EF
Grupo 3
Participante Sexo Idade Escolaridade
M M 13,2 5ª EF
R F 15;10 8ª EF
S F 16;9 6ªEF
T F 16,10 8ª EF
2.2. Instrumentos
Foram utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa:
Ficha de dados sociodemográficos (Anexo A): esta ficha teve como objetivo
possibilitar uma melhor descrição da amostra e foi preenchida pelos psicólogos que
acompanham cada uma das famílias dos participantes. Foram coletados os seguintes dados:
data de nascimento, idade e escolaridade do adolescente, número total de irmãos, renda
familiar e programa social ao qual a família participa.
Genograma familiar (Anexo B): seu objetivo foi verificar diferentes aspectos da
configuração familiar, como número total de irmãos, lugar que o participante ocupa em
relação aos seus irmãos, número de pessoas que moram na mesma casa, situação
ocupacional dos membros da família e relacionamento com a mãe e com o pai/padrasto. O
3
A partir desta tabela, os participantes do sexo masculinos estarão em negrito para facilitar a visualização
destes adolescentes em cada grupo.
46
genograma também foi importante para o entrevistador, pois possibilitou uma maior
compreensão da próxima fase da entrevista.
Entrevista semi-estruturada sobre o dia de vida
4
(Anexo C): teve como objetivo
investigar a rotina de um dia de vida do adolescente, desde o momento em que acorda até o
momento em que vai dormir. Foram investigados aspetos em relação à higiene pessoal,
alimentação, cuidado dos irmãos menores, momento das refeições, atividades escolares,
atividades do turno inverso à escola, lazer e tempo livre.
Histórias sobre justiça retributiva
5
(Anexo D): foram utilizadas três histórias sobre
justiça retributiva. Primeiro, foram apresentadas aos adolescentes duas histórias sobre
diferentes tipos de sanção (histórias I e II). Perguntou-se ao participante o que ele achava
que a mãe/professora deveria fazer e sua resposta foi anotada. A seguir, foi dito que a mãe/
professora pensou em três possibilidades, mas ficou em dúvida. Foram apresentados três
diferentes tipos de sanção e perguntou-se qual ele achava que era a mais justa. A seguir,
apresentou-se um par de histórias (histórias III e IV), sendo que em uma delas a criança foi
punida e na outra a mãe se contentou em repreender e explicar ao filho (filha) o alcance de
seus atos. Em seguida, perguntou-se ao adolescente qual das crianças reincidiria, a que foi
punida ou aquela que não foi. Todas as histórias foram baseadas naquelas que Piaget
(1932/1977a) criou e adaptadas à realidade dos participantes do estudo, abordando
situações hipotéticas vivenciadas por adolescentes na escola e/ou na família.
2.3. Delineamento e procedimentos gerais
Foi realizado um estudo descritivo (Colin, 1993) sobre adolescentes que cuidam de
seus irmãos mais novos e sobre suas concepções de justiça retributiva. A abordagem
utilizada foi a qualitativa, uma vez que esta permite uma análise mais profunda dos
participantes, o que possibilita a observação, a descrição e a análise das inter-relações entre
os aspectos abordados (Godoy, 1995). O projeto de pesquisa foi apresentado a toda a
equipe do PAIF a fim de informá-la sobre o estudo e solicitar a indicação de possíveis
participantes. Posteriormente, foram agendadas reuniões com os sete núcleos do PAIF de
Porto Alegre para conversar sobre os possíveis participantes.
A pesquisadora e um ou mais componentes da equipe (psicólogo ou educador
social) agendaram uma visita domiciliar para ir à casa do participante solicitar a
4
Alguns temas da entrevista estruturada sobre o dia de vida foram inspirados nas categorias geradas pela
entrevista semi-estruturada do estudo realizado por Poletto, Wagner e Koller (2004).
5
Segundo Delval (2002), a entrevista clínica com histórias parece o método mais adequado para estimular
respostas relacionadas ao conhecimento sobre o mundo social. Além disso, o uso de histórias como recurso
para investigar o desenvolvimento moral representa uma tradição dentro e fora da abordagem construtivista.
47
autorização dos pais. Os adolescentes foram convidados a participar da pesquisa e uma vez
confirmado o interesse de participação foi lido e assinado o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (Anexo E) tanto pelo participante quanto por seu responsável legal. Nesse
momento, foi agendado um encontro para a realização da coleta de dados.
Todos os participantes foram entrevistados individualmente no Módulo de
Assistência Social ou na entidade conveniada à prefeitura mais próxima de sua residência.
Entretanto, quando o participante morava muito longe destes locais, a pesquisadora
forneceu-lhe vales-transporte para o seu deslocamento.
Antes de dar início à coleta de dados propriamente dita, foi realizado um estudo
piloto com oito jovens entre doze e dezesseis anos: quatro adolescentes que cuidam
regularmente dos irmãos menores e quatro adolescentes que não realizam esta função
foram entrevistados individualmente. Os resultados mostraram que além de cuidar dos
demais irmãos, os filhos cuidadores também tomam conta da casa, realizando tarefas
domésticas de toda ordem (Dellazzana & Freitas, 2007a, 2007b). Além disso, o estudo
piloto possibilitou a revisão e a reformulação dos instrumentos.
Em relação aos procedimentos de coleta de dados, inicialmente, foi construído um
genograma familiar. Em segundo lugar, realizou-se a entrevista semi-estruturada sobre o
dia de vida, e, por fim, foi realizada uma conversa sobre as três histórias sobre justiça
retributiva.
2.4. Procedimentos de análise dos dados
Para a análise de todos os instrumentos do estudo foram considerados,
primeiramente, os dados gerais de todos os 20 participantes. A seguir, os dados foram
analisados considerando-se a divisão dos participantes em três diferentes grupos de acordo
com o cuidado em relação aos irmãos menores. Em relação à ficha de dados
sociodemográficos e às oito primeiras perguntas do genograma familiar foi realizado um
levantamento, uma vez que estes dados possuem características quantitativas. Para a
análise das duas últimas questões do genograma familiar, dos dados referentes à entrevista
sobre o dia de vida e dos dados das histórias sobre justiça retributiva foi utilizada uma
análise de conteúdo.
Segundo Laville e Dione (1999), o princípio da análise de conteúdo é demonstrar a
estrutura e os elementos do conteúdo “para esclarecer suas diferenças e extrair sua
significação” (p. 214). A análise de conteúdo estuda minuciosamente palavras e frases, a
fim de: procurar o sentido, captar as intenções, comparar, descartar o acessório e
48
reconhecer o essencial de um determinado conteúdo. De acordo com Flick (2004), esse
tipo de análise é considerado um dos procedimentos clássicos para a análise de material
textual, independentemente da sua origem. Assim, a análise de conteúdo é adequada para
analisar dados de entrevistas.
Conforme assinalam Laville e Dione (1999), a análise de conteúdo não apresenta
procedimentos gerais de análise, ela estabelece, antes, “um conjunto de vias possíveis nem
sempre claramente balizadas, para a revelação... do sentido de um conteúdo” (p. 216). Uma
das principais tarefas da análise de conteúdo é a definição de categorias (Flick, 2004;
Laville & Dione, 1999) sob as quais são agrupados os elementos de conteúdos por
parentesco de sentido. As categorias podem ser definidas de modos distintos quanto às
intenções, aos objetivos e ao conhecimento da área que está sendo estudada (Laville &
Dione, 1999). Levando em consideração as características deste estudo, a análise de
conteúdo escolhida foi a mista. Através do modelo misto é possível selecionar categorias a
priori, que poderão ser modificadas ao longo do processo, em função dos aportes da
análise.
Assim, para a análise das duas últimas questões do genograma familiar, bem como
para a análise dos dados sobre a entrevista do dia de vida foram construídas categorias a
partir de elementos com significados comuns. A análise das histórias foi realizada de
acordo com as categorias estabelecidas por Piaget (1932/1977a), quanto ao que
caracteriza um tipo de sanção expiatória ou por reciprocidade. Além disso, a análise desta
parte da entrevista foi realizada tanto por histórias quanto por grupos, para verificar se
existe um padrão de respostas intragrupos e/ou intergrupos.
2.5. Considerações éticas
Os princípios éticos da pesquisa concernem à proteção dos direitos, bem-estar e
dignidade dos participantes. Este estudo obedeceu às diretrizes e normas da resolução
número 196/1996 do Ministério da Saúde, bem como a resolução 016/2000 do Conselho
Federal de Psicologia, a qual dispõe sobre a realização de pesquisas em psicologia com
seres humanos e destaca a importância da observação desses mesmos aspectos.
O projeto de pesquisa foi apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto
de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o qual foi aprovado sob o
número 2007/010 (Anexo F), garantindo os direitos e deveres relativos à comunidade
científica e aos participantes. Foi realizado contato com a direção da União Sul-Brasileira
de Educação e Ensino (USBEE), bem como com a Fundação de Assistência Social e
49
Cidadania (FASC), para a exposição do projeto e solicitação de sua autorização para a
realização do estudo em suas instituições (Anexo G). Essa autorização foi elaborada em
três vias: uma para a direção de cada uma das instituições e a outra arquivada pela
pesquisadora responsável por esta pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido foi elaborado em duas vias e foi assinado pelos participantes, bem como por
seus pais ou representantes legais.
Foi assegurado a cada um dos adolescentes o direito de escolher participar ou não
da pesquisa, bem como de interromper a entrevista, caso eles julgassem necessário ou não
quisessem continuar participando, ainda que seus pais ou responsáveis legais tivessem
consentido em sua participação. As histórias utilizadas neste estudo foram elaboradas com
o intuito de não causar nenhum dano ou prejuízo aos participantes. Para garantir o seu
anonimato, os nomes dos participantes da pesquisa foram trocados por letras.
Uma vez que a pesquisadora, autora desta dissertação, fez parte da equipe técnica
do PAIF enquanto psicóloga social, os adolescentes das famílias por ela acompanhadas não
foram convidados a participar do estudo. Somente foram convidados adolescentes cujas
famílias são acompanhadas por outros psicólogos do PAIF. Ao final da pesquisa, foram
disponibilizados os resultados deste estudo às instituições participantes.
50
CAPÍTULO III: RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em primeiro lugar, são apresentados os resultados em relação ao conjunto dos
participantes; a seguir, as diferenças e as semelhanças entre os três grupos são
consideradas. Os temas são apresentados na seguinte ordem: 1) dados sociodemográficos,
2) dados referentes ao dia de vida, 3) dados referentes ao relacionamento com a família
nuclear, e 4) dados referentes às concepções de justiça retributiva dos participantes. Por
fim, os dados são relacionados e interpretados à luz da literatura.
3.1. Dados Sociodemográficos
Os dados referentes à configuração familiar, situação ocupacional dos pais, renda e
motivos de encaminhamento para os programas sociais foram diretamente transcritos e
tabelados. Através do levantamento destes dados chegou-se aos seguintes resultados:
Configuração familiar
Em relação à configuração, as famílias foram agrupadas de acordo com a seguinte
caracterização: 1) família nuclear: formada por pai, mãe e filhos, 2) família reconstituída:
formada por mãe, padrasto e filhos e 3) família monoparental: chefiada por somente um
progenitor em função da ausência do outro. Levando em consideração o número total de
participantes do estudo, 11 famílias são monoparentais, sendo 10 formadas pela mãe e
pelos filhos e uma formada pelo pai e pelos filhos, seis famílias são nucleares e três
famílias são reconstituídas.
A idade das es variou entre 30 e 56 anos e a média foi 38,7 anos. A idade dos
pais e companheiros variou entre 19 e 58 anos e a média foi 39,9 anos. Os dados a seguir
referem-se à tabela 2.
51
Tabela 2
Descrição das características das famílias dos adolescentes
O número de filhos por família variou entre três e nove. Foi observado que, em
algumas famílias, alguns filhos que não moram mais na casa dos pais. Em relação ao
número de filhos que moram na casa dos pais, a variação foi de dois a nove. Em relação à
ordem de nascimento, os adolescentes ocupam entre o primeiro e o oitavo lugar da prole.
Das famílias dos adolescentes do grupo 1, cinco são monoparentais. Destas, quatro
são chefiadas pela mãe e uma é chefiada pelo pai (que é viúvo). As duas famílias restantes
são reconstituídas. A idade das mães variou de 35 a 40 anos e a média foi de 38,3 anos. A
idade dos companheiros e pai variou de 19 a 45 e a média foi 34 anos. O número de filhos
por família variou entre quatro e nove. Em relação ao número de filhos que moram na casa
dos pais, a variação foi de três a seis. Em relação à ordem de nascimento, todos os
adolescentes do grupo 1 ocupam entre o primeiro e a terceiro lugar da prole.
Grupo 1
Participantes Nº. de Filhos Quantos moram
em casa
Ordem de
nascimento
A 4 3
B 7 4
C 6 6
F 5 4
G 6 6
I 9 6
J 6 5
Grupo 2
Participantes Nº. de Filhos Quantos moram
em casa
Ordem de
nascimento
K 5 4
L 3 3
N 5 5
D 7 7
Q 8 8
E 5 4
O 5 5
P 6 6
H 7 7
Grupo 3
Participantes Nº. de Filhos Quantos moram
em casa
Ordem de
nascimento
M 8 2
R 6 3
S 4 4
T 6 3
52
Entre as famílias do grupo 2, cinco são monoparentais (chefiadas apenas pela mãe)
e quatro são nucleares. A idade das mães variou de 30 a 42 anos e a média foi 34,8 anos. A
idade dos pais e companheiro variou de 26 a 46 anos e a média foi 39 anos. O número de
filhos por família variou entre três e oito, e o número de filhos que moram em casa variou
de três a oito. A ordem de nascimento dos participantes do grupo 2 variou entre o primeiro
e o terceiro lugar.
Entre as famílias do grupo 3, duas são nucleares, uma é monoparental e uma é
reconstituída. A idade das mães variou de 36 a 56 anos e a média foi 47,7 anos. A idade
dos pais e companheiro variou de 38 a 58 anos e a média foi 49 anos. O número de filhos
por família variou entre quatro e oito, e o número de filhos que moram em casa variou de
dois a quatro. A ordem de nascimento dos participantes que não realizam atividades de
cuidado em relação aos seus irmãos menores variou entre o primeiro e o oitavo lugar.
Situação ocupacional dos pais
Em relação ao desempenho de alguma atividade remunerada, das 19 mães, apenas 5
realizam algum tipo de trabalho, mesmo que informalmente. As atividades desempenhadas
por elas são fazer faxina e cuidar de carros. Todos os pais e padrastos dos participantes do
estudo, por sua vez, realizam alguma atividade remunerada. Estas atividades vão desde
cuidar de carros até sapateiro.
Dentre as famílias do grupo 1, apenas uma mãe realiza alguma atividade
remunerada (diarista). Quanto aos homens, todos eles desempenham algum tipo de
trabalho, mesmo que eventual. As atividades exercidas por eles são: pedreiro, carroceiro e
cuidador de carros. Entre as famílias do grupo 2, todos os homens exercem algum tipo de
trabalho. As atividades de trabalho são: pedreiro, biscateiro e sapateiro. Entre as mulheres,
quatro realizam algum tipo de atividade remunerada (faxina e cuidar de carros). Em
relação às famílias do grupo 3, nenhuma das mães trabalha e todos os homens trabalham.
As atividades executadas por eles são: mecânico, hidráulico e jardineiro.
Independentemente da configuração familiar, poucas mulheres exercem atividades
remuneradas, ao passo que todos os homens executam algum tipo de trabalho.
Renda familiar
Como todas as famílias dos adolescentes entrevistados estão sendo acompanhadas
através de programas sociais, todas elas recebem uma bolsa cujo valor máximo é R$
53
200,00. A renda extra que estas famílias recebem é proveniente de algum tipo de trabalho
realizado pelos progenitores destas famílias. Desta forma, a renda das famílias varia de R$
200,00 a R$ 500,00, sendo que a média de renda é R$ 292,50.
Em relação à renda familiar dos grupos, a média de renda das famílias do grupo 1 é
R$ 257,00. A média de renda das famílias do grupo 2 é R$ 316,00 e para as famílias do
grupo 3, a média de renda é: R$ 300,00. No grupo 1, cinco progenitores exercem algum
tipo de atividade remunerada, enquanto que no grupo 2 esse número aumenta para oito. No
grupo 3, três progenitores trabalham.
Motivos de encaminhamento para os programas sociais
Como as famílias fazem parte de um ou dois programas sociais, foram apenas
considerados os motivos de encaminhamento para o programa social mais recente, ou seja,
aquele que está acompanhando a família há menos tempo. Desta forma, foram
consideradas dezesseis famílias acompanhadas pelo Programa de Atenção Integral à
Família (PAIF), três acompanhadas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI) e uma atendida pelo Núcleo de Atenção Sócio-Familiar (NASF). Em relação às 20
famílias dos participantes deste estudo, os principais motivos de encaminhamento foram:
trabalho infantil, violência doméstica, miserabilidade, problemas de relacionamento entre
mãe e filho (a) e problemas de saúde mental de algum membro da família. No que diz
respeito à situação atual dessas famílias, as principais vulnerabilidades são: trabalho
infantil, problemas de saúde mental e dependência química.
Entre as famílias do grupo 1, os principais motivos de encaminhamento para o
PAIF foram: trabalho infantil, violência doméstica, miserabilidade, problemas de saúde
mental, negligência e trabalho infanto-juvenil doméstico. Embora algumas famílias tenham
melhorado alguns aspectos de sua situação inicial, as vulnerabilidades atuais são: violência
doméstica, trabalho doméstico, miserabilidade, problemas de saúde mental, situação
financeira e dependência química.
Das oito famílias dos adolescentes do grupo 2 que são acompanhadas pelo PAIF, os
principais motivos de encaminhamento foram: trabalho infantil, dificuldade de
relacionamento entre os membros do núcleo familiar, dependência química, violência
doméstica, evasão escolar, obesidade rbida e suspeita de abuso sexual. A família que
não é acompanhada pelo PAIF é atendida pelo PETI, em função de situação de trabalho
infantil e de miserabilidade. Quanto à situação atual das nove famílias do grupo 2, duas
delas, que são acompanhadas pelo PAIF, conseguiram vencer as dificuldades iniciais e
54
estão organizadas. As vulnerabilidades atuais das outras sete famílias são: dependência
química, trabalho infantil, violência doméstica, situação econômica e obesidade mórbida.
Das famílias do grupo 3, uma é acompanhada pelo PAIF, duas são acompanhadas
pelo PETI e uma é acompanhada pelo NASF. Os motivos de encaminhamento destas
famílias foram: dificuldades de comportamento e trabalho infantil. Todas estas quatro
famílias conseguiram superar suas dificuldades.
3.2. Dados referentes ao dia de vida
Os adolescentes foram solicitados a relatar todas as atividades que realizam desde o
momento em que acordam até o momento em que vão dormir. Através da análise do dia de
vida de cada um dos adolescentes dos três grupos, foi possível identificar atividades típicas
de um dia de semana comum destes adolescentes durante o período letivo do ano de 2007.
A partir do que foi relatado, foram construídas cinco categorias de atividades: 1) atividades
de cuidado pessoal e alimentação, 2) atividades escolares, 3) atividades de cuidado dos
irmãos menores, 4) atividades domésticas e 5) atividades de lazer.
Em relação à categoria atividades de cuidado pessoal e alimentação, foram listadas
todas as situações relacionadas à higiene pessoal e à alimentação dos adolescentes. Estas
atividades foram: tomar banho, escovar os dentes, tomar café da manhã, almoçar, tomar
café da tarde e jantar. Todos os adolescentes dos três grupos realizam em média quatro
refeições por dia. Em relação à higiene pessoal, a maioria dos adolescentes toma dois
banhos por dia, um pela manhã e outro à noite.
Em relação à categoria atividades escolares, foram listadas as seguintes situações: ir
à escola, realizar alguma atividade extraclasse, fazer os temas de casa
6
e estudar. Todos os
adolescentes, de ambos os grupos, freqüentam a escola. A manutenção de crianças e
adolescentes na escola é, aliás, um dos requisitos necessários para que as famílias que
participam de programas sociais continuem recebendo a bolsa do governo. Todavia, os
resultados mostraram que a escolaridade dos participantes é baixa, mesmo considerando-se
o número de reprovações. Em relação às reprovações, dezesseis participantes apresentam
entre uma e três repetências e apenas quatro participantes nunca reprovaram. Esse dado
indica que o índice de reprovações entre esses participantes é alto. Entre os adolescentes
que nunca reprovaram a relação entre a série que eles freqüentam atualmente e a idade que
6
Em Porto Alegre, a expressão “tema de casa” refere-se às atividades escolares realizadas pelos alunos em
casa.
55
eles têm não corresponde ao esperado. Isso sugere que muitos participantes entraram na
escola atrasados, ou seja, com mais de sete anos de idade.
As atividades extraclasse oferecidas às crianças e aos adolescentes das famílias de
baixa renda assistidas pelo Programa Família Apoio e Proteção da Prefeitura de Porto
Alegre são os programas: 1) Serviço de Apoio Sócio-Educativo (SASE), que atende
crianças e adolescentes de sete a 14 anos, que estejam em situação de vulnerabilidade
social e eminente risco pessoal ou social; 2) Programa Trabalho Educativo, que oferece aos
adolescentes de 14 a 18 anos, oficinas de preparação para o mercado de trabalho e 3)
Programa Agente Jovem, que é destinado a adolescentes de 15 a 18 anos, e acontece
através de oficinas, palestras e grupos de discussão, nos quais os temas tratados envolvem
questões da juventude, como sexualidade, trabalho, violência e cidadania. Em relação às
atividades extraclasse, quatorze participantes realizam alguma atividade no turno inverso à
escola e seis não realizam.
Em relação a fazer os temas de casa e estudar, apenas cinco participantes referem
que estudam ou fazem temas de casa em algum momento do dia. Entretanto, sabe-se que
uma das atividades que os adolescentes que freqüentam atividades extraclasse realizam é
fazer o tema de casa. Desta forma, é possível que os participantes que realizam algum tipo
de atividade extraclasse façam seus temas de casa enquanto estão lá.
A categoria atividades de cuidado dos irmãos menores englobou todos os afazeres
dos participantes em relação ao cuidado dos irmãos mais novos. Tais atividades incluíram
os afazeres relacionados a servir as refeições, assear, levar e buscar na escola e na
atividade extraclasse, cuidar dos irmãos para que eles não se machuquem e fazer dormir.
No que se refere à categoria atividades domésticas, foram incluídas todas as tarefas
realizadas pelos participantes em relação à manutenção da casa na qual moram. As
atividades domésticas foram: fazer as refeições, lavar a louça e o fogão, arrumar e limpar
as peças da casa (cozinha, quartos, banheiro, sala e pátio), lavar e estender as roupas.
Em relação à categoria atividades de lazer, foram consideradas: 1) as atividades de
lazer citadas pelos participantes ao descreverem um dia típico de suas vidas, 2) as
atividades que eles mais gostam de fazer ao longo do dia, e 3) as atividades que eles
realizam quando têm tempo livre. É importante esclarecer que as atividades que os
adolescentes mais gostam de fazer foram direcionadas ao dia de vida de semana e que a
pergunta referente ao que mais gostam de fazer quando têm tempo livre inclui o final de
semana. Foram listadas as seguintes situações: assistir televisão, ler, brincar com os
irmãos, jogar bola, escrever (no diário, poesia e música), desenhar, jogar videogame,
56
brincar com os irmãos, conversar e ir à casa de amigas, navegar na internet e visitar
parentes.
Embora tenham sido construídas cinco categorias em relação às atividades que os
participantes realizam, a análise das respostas da entrevista sobre o dia de vida mostrou
que algumas atividades são comuns aos três grupos e outras não. As particularidades em
relação a cada um dos três grupos são descritas a seguir.
Grupo 1
Apesar de, atualmente, todos os adolescentes do grupo 1 freqüentarem a escola,
nem sempre aconteceu desta forma. Alguns desses adolescentes, antes de participarem de
um programa social, não freqüentavam a escola, pois precisavam ficar em casa para cuidar
dos irmãos menores. A entrada dessas famílias nos programas sociais fez com elas
tivessem que se reorganizar para que todas as crianças e adolescentes pudessem freqüentar
a escola, pois caso contrário, elas poderiam perder o recurso da bolsa do governo.
Tabela 3
Descrição dos dados sobre escolaridade do grupo 1
Participantes Idade Série Reprovações Atividade
Extraclasse
A 12;8 2ª EF 3 Não
B 12;9 4ª EF 3 Não
C 13;6 2ª EF 2 Sim
F 14;11 5ª EF 3 Sim
G 14;11 4ª EF 3 Não
7
I 16;7 5ª EF 3 Não
J 16;9 6ª EF 3 Sim
Os dados da tabela 3 sobre a idade, a série e o número de reprovações dos
participantes do grupo 1 mostram que eles entraram na primeira série do Ensino
Fundamental atrasados, o aos sete, mas aos oito anos de idade. Isso indica que esses
adolescentes ficaram sem estudar por pelo menos um ou dois anos. Além disso, a tabela 3
mostra que, apesar de hoje em dia, todos os adolescentes do grupo 1 freqüentarem a escola,
a maioria deles apresenta um histórico de até três reprovações. Em função disso, uma
defasagem muito grande quanto à série que estes adolescentes estão freqüentando em
relação à série que eles deveriam estar cursando de acordo com a idade que têm. Conforme
explicou B (12; 9): Eu rodei mesmo, porque eu tinha que ficar em casa, cuidando dos
7
Durante o período em que foi cuidador não freqüentou, apenas antes.
57
meus irmão, porque, se não, tinha passado rapidinho. Rapidinho eu tinha passado, pelo
que a professora me falou,né”.
Três adolescentes realizam algum tipo de atividade extraclasse e cinco não
participam de nenhuma atividade extraclasse, permanecendo em casa durante o turno em
que não estão na escola. Nenhum dos adolescentes deste grupo relatou que realiza temas de
casa.
Embora as assistentes sociais e as psicólogas que acompanham estas famílias
orientem que os responsáveis busquem uma vaga para seus filhos em uma das atividades
extraclasse oferecidas pelos programas sociais, o ingresso nestes programas não é
obrigatório. Desta forma, é a família quem deve decidir se seus filhos irão ou não
freqüentar alguma atividade no turno inverso à escola.
Embora todos os adolescentes do grupo 1 freqüentem a escola e alguns deles
realizem algum tipo de atividade extraclasse, a análise do dia de vida indicou que a
assiduidade às atividades escolares está diretamente relacionada ao funcionamento de suas
famílias. Esta constatação pode ser exemplificada pelo relato de F (14;11), segundo o qual,
quando a mãe precisa sair de casa por algum motivo, a mãe lança mão de duas estratégias
em relação às duas filhas pequenas (que não podem ficar sozinhas em casa). Ou F vai junto
com a mãe e com as irmãs para cuidá-las, pois caso contrário “elas fazem muita bagunça e
a minha mãe não consegue fazer o que tem para fazer” ou F fica em casa cuidando das
irmãs. Em qualquer uma das situações, F falta à escola ou à atividade extraclasse,
dependendo do turno no qual a mãe precisa sair.
As atividades de cuidado dos irmãos menores relatadas pelos adolescentes do grupo
1 foram: servir o café da manhã, o almoço, o café da tarde, a janta, dar mamadeira, vestir e
pentear, levar e buscar na escola e na atividade extraclasse, dar banho, colocar os irmãos
para que eles assistam televisão, fazer dormir, trocar as fraldas, e cuidar dos irmãos
enquanto eles estão brincando para que eles não se machuquem. Os adolescentes deste
grupo executam atividades de cuidado em relação a todos os irmãos menores. No entanto,
o relato destes adolescentes indicou que os irmãos mais novos necessitam de mais atenção
e de mais tempo por parte dos irmãos mais velhos. A idade dos irmãos mais novos
(caçulas) dos adolescentes do grupo 1 variou entre um e seis anos.
A partir do relato do dia de vida dos participantes do grupo 1, foi possível
identificar que, na maioria das vezes, as atividades de cuidado dos irmãos menores são
acompanhadas de atividades domésticas. As atividades domésticas descritas pelos
participantes foram: fazer o café da manhã, lavar a louça do café da manhã, arrumar a
cozinha, varrer a sala, fazer o almoço, lavar a louça do almoço, limpar o fogão, limpar a
58
cozinha, fazer o café da tarde, varrer o chão da casa e o do pátio, limpar os quartos, lavar
as roupas, estender as roupas, arrumar as cobertas e arrumar as camas.
Os resultados mostraram que as tarefas de cuidado entre irmãos podem ser
divididas entre mais de um irmão e que a forma como o cuidado entre eles é desempenhada
depende do modo como cada família está organizada. A família de I (16;7) ilustra de forma
clara esta situação. Apesar da mãe de I não trabalhar, ela costuma sair muito de casa
durante as manhãs. Neste período, enquanto a mãe não está em casa, é I quem assume a
responsabilidade pelo cuidado dos oito irmãos menores. À tarde, quando I vai para a
escola, o irmão seguinte na ordem cronológica (15;0) assume o cuidado, junto com a mãe
que voltou para casa. Quando I retorna para casa, após a escola, ela assume novamente
os cuidados dos irmãos menores, desta vez, divididos com a mãe.
Como a mãe de A (12;8) trabalha, ela é a responsável pelo cuidado dos irmãos
menores e pelas tarefas domésticas enquanto a mãe não está em casa. Durante a manhã, A
relata: Dou café pras crianças elas ficam brincando no pátio... Depois eu arrumo a
casa. Tem que arrumar os sofás da sala, tem que arrumar os sofás e na cozinha... tem que
varrer, né? E na cozinha, eu tenho que lavar a louça e, e limpar o armário e arrumar a
mesa e o fogão. Daí no quarto, eu tenho que arrumar a minha cama e varrer. No quarto
da mãe, a mesma coisa”. Nesta família, a organização em relação às crianças pequenas é
um pouco diferente, pois uma vez que a mãe trabalha, ela pode pagar para que uma vizinha
cuide dos filhos menores enquanto A vai para a escola no turno da tarde. A explica: Eu
que faço a comida, dou almoço pra eles... deixo eles na vizinha e vou pro colégio... eu
tomo banho... e sempre faço a comida cedo, daí, é meio-dia,meio-dia... e eu saio 12h29...
Depois eu volto, pego as criança, dou banho neles, faço café pra eles, depois eu dou
café”. O relato de A indicou que mesmo que os irmãos menores fiquem na casa de uma
vizinha durante a tarde, no período em que ela está na escola, durante a manhã e depois
que volta da escola, A é responsável pelo cuidado dos irmãos.
A análise do dia de vida mostrou que, assim como acontece em relação às
atividades de cuidado, a realização das atividades domésticas também depende de como a
família está organizada. Na família de F (14;11), por exemplo, as atividades domésticas
são divididas entre ela e a irmã de 11 anos, de forma intercalada entre os dias da semana.
Em relação às tarefas domésticas, F explica: Tem que limpar o nosso quarto, o da minha
mãe, o banheiro e a cozinha. Daí tem que lavar a louça e limpar o fogão, mas o fogão que
a minha mãe usa é o fogão à lenha, e passar pano na casa”. Porém, em relação às
atividades de cuidado das irmãs pequenas, as tarefas são responsabilidade somente de F:
Eu cuido pra elas não se machucar, o brigar, é que elas não tem brinquedo, né? Daí
59
elas brincam juntas, daí eu invento alguma coisa pra elas brincar”. Desta forma, no dia
em que F assume as atividades domésticas, ela precisa se organizar para, ao mesmo tempo
em que está realizando o trabalho doméstico, dar conta também de cuidar das irmãs
pequenas. Apesar da mãe de F não trabalhar fora, ela ajuda o companheiro a separar o lixo
que ele cata no pátio de casa para ser posteriormente vendido. Assim, F recebe ajuda da
mãe para cuidar das irmãs somente quando a mãe não está envolvida com o trabalho do
companheiro.
Os relatos do dia de vida mostraram que, quando os adolescentes do grupo 1 são do
sexo masculino, surgem algumas diferenças em relação ao desempenho das atividades de
cuidado e das atividades domésticas se comparados às adolescentes do mesmo grupo. C
(13;6) é responsável por levar e buscar os irmãos menores na creche e dar banho neles.
Todavia, a única atividade doméstica que ele desempenha é arrumar a própria cama. Todas
as outras atividades domésticas são desempenhadas pela mãe.
Mesmo sendo responsável por poucas atividades de cuidado, se comparado aos
demais participantes deste grupo, C pode ser considerado responsável por cuidar dos
irmãos menores, pois as atividades que ele desempenha são complexas e exigem muita
atenção para um menino de apenas 13 anos. Sobre levar os irmãos menores para a creche,
C relata: “Sou eu que levo porque eu sou o mais velho. Daí a mãe sabe que eu cuido deles.
Não andam atirado na rua... tenho que cuidar a faixa, porque a gente botemos eles parado
ali, eles não obedecem a gente. Daí a B. (3;0) tem mania, assim, de ficar girando, daí, se
escapa a mão, ela vai pra rua. Daí, um dia, ontem, ela viu a professora dela, largou
correndo pela faixa, peguei ela pela mão e dei uns tapa na bunda dela, pra ela não fazer
mais isso... Tem que ficar 24 horas de olho neles”.
G (14;11), o outro participante do sexo masculino do grupo 1, teve de assumir, por
aproximadamente três meses, o papel de responsável por seus irmãos menores, uma vez
que sua e precisou ser hospitalizada. Ao longo desse período, o padrasto de G
permaneceu em casa, mas em função de trabalhar durante todo o dia, ele não pode se
envolver nem nas atividades de cuidado das crianças nem nas atividades domésticas. Em
função disso, e por ser o filho mais velho, G foi designado pela mãe para assumir tanto e as
atividades domésticas como os cuidados referentes aos irmãos durante a sua ausência.
Entretanto, G ressaltou que, no período anterior à internação da e, quem a ajudava nas
tarefas domésticas era uma de suas irmãs, a terceira na ordem cronológica e a primeira
filha do sexo feminino.
Os momentos de lazer ao longo do dia dos adolescentes do grupo 1 são bastante
limitados. Esta constatação decorre do fato de que as atividades de lazer são as que menos
60
aparecem durante o relato do dia destes participantes, variando de nenhuma a três
atividades. A principal opção de lazer é assistir televisão. Seis participantes relataram que
assistem televisão uma vez ao dia, normalmente à noite. Conforme relata I (16;7): Depois
que todo mundo na cama, eu fico lendo um livro com calma, mais calma ainda, até
esfriar a cabeça da agitação do dia. Eu pego e leio um livro ou então fico com a televisão
ligada, desligo a TV e deito. Vou dormir e acordo no outro dia”. Para I, o momento
em que ela assiste televisão e lê pode ser considerado, além de um momento de lazer, a
forma que a adolescente encontra para descansar das atividades realizadas ao longo do dia.
A única participante que não assiste televisão refere que, além de não gostar, não
tem tempo. As outras atividades de lazer citadas pelos adolescentes foram: brincar no pátio
com os irmãos e jogar bola. É importante salientar que estas atividades foram citadas por
apenas três participantes, incluindo os dois adolescentes do sexo masculino da amostra.
Como estes adolescentes não ficam tão envolvidos com as atividades domésticas, pois no
caso de C a mãe assume a maioria delas, e no caso de G ele divide as atividades
domésticas com o irmão, eles têm mais oportunidades para realizar atividades de lazer,
principalmente, no final do dia, quando referem que jogam bola e brincam no pátio.
Quando questionados sobre o que mais gostam de fazer durante o dia, os
adolescentes do grupo 1 citaram as seguintes atividades: assistir televisão, olhar desenho,
conversar com as amigas, desenhar, escrever poesia, brincar, ler, jogar futebol, visitar
parentes, dar comida para as irmãs, cuidar do irmão mais novo, ir para o colégio e
trabalhar
8
. Apesar de a maioria dos adolescentes terem citado atividades de lazer, dois
deles mencionaram atividades diretamente relacionadas ao cuidado dos irmãos menores,
como dar comida e cuidar. Estes dados indicam que para estes adolescentes, cuidar dos
irmãos é uma atividade prazerosa.
Em relação ao momento do dia no qual os adolescentes realizam as atividades que
mais gostam, os dois participantes do sexo masculino relataram que encontram tempo em
todos os dias da semana. Entre as participantes do sexo feminino, encontrar tempo para as
atividades que mais gostam de fazer depende de uma série de fatores, tais como: a mãe
estar em casa, estar sozinha sem nenhum dos irmãos por perto, quando sai de casa e
quando todas as tarefas domésticas do dia foram realizadas. Segundo estes dados, pode-
se pensar que, para as adolescentes responsáveis pelo cuidado dos irmãos menores,
encontrar tempo para realizar uma atividade lúdica ou descomprometida de algum nível de
responsabilidade é uma tarefa difícil.
8
Este participante faz parte de uma família que tem histórico de trabalho infantil. Ele gosta de trabalhar para
ajudar no sustento da família, embora, atualmente, trabalhe raramente.
61
Neste sentido, J demonstrou em vários momentos da entrevista, que as tarefas que
assume em relação ao cuidado dos irmãos mais novos e das atividades domésticas são
muito pesadas para ela.
Ao contrário do que ocorreu com as famílias dos outros
participantes do grupo 1, J também é a responsável por todas as atividades da casa e de
cuidado dos irmãos, mesmo nos momentos em que sua mãe está em casa. O único
momento do dia no qual J não está desempenhando o papel de responsável, que deveria ser
de sua mãe, é à noite, quando a adolescente vai à escola. Não por acaso, a atividade que J
mais gosta de fazer é ir ao colégio. Para ela, é bom estar na escola, Porque, quando eu
vou pro colégio, pára um pouco o tempo pra mim, eu posso pensar, posso conversar em
paz, sem ter aquela correria, tem pessoas que gostam de mim, pessoas que me ajudam”.
Através do relato de J, pode-se pensar que o momento no qual ela está na escola é o único
no qual ela pode se desligar das tarefas domésticas e de cuidado que executa ao longo de
todo o dia. Além disso, o período em que está na escola parece ser o único no qual a
adolescente está voltada para si própria, realizando algo de cujo resultado ela mesma é a
única beneficiária.
I (16;7) relata que as atividades de que mais gosta de fazer são assistir desenho ou
filme na televisão e cuidar do irmão menor. Para conseguir fazer estas duas atividades ao
mesmo tempo, I organiza-se da seguinte forma: Eu primeiro faço o que tenho pra fazer,
minha obrigação. Aí termino, pego todo mundo (todos os irmão) e boto todo mundo
sentadinho no sofá e eu fico junto olhando também, eu fico com eles todos”. O relato
de I indica que a alternativa encontrada por ela para poder, ao mesmo tempo, assistir
televisão e cuidar do irmão menor é organizar todas as tarefas, de modo que ela consiga
conciliar o término das atividades domésticas com o banho dos irmãos. Assim, uma vez
que os irmãos estão todos de banho tomado e que todas as atividades domésticas
foram realizadas, I, finalmente, pode desfrutar de um momento de lazer.
Os adolescentes também foram questionados sobre o que gostam de fazer quando
têm tempo livre. As atividades em relação ao tempo livre foram: assistir DVD, escrever,
visitar a avó e conversar com amigos. F relatou que não tem tempo livre. Embora não
tenham sido questionados especificamente, alguns participantes relataram que realizam
mais atividades de lazer durante o final de semana.
A análise das atividades do dia de vida dos participantes do grupo 1 indica que o
grupo de cuidadores não é homogêneo. Alguns adolescentes desempenham tanto tarefas de
cuidado quanto tarefas domésticas, enquanto outros, apesar de desempenharam algumas
atividades domésticas, desempenham, sobretudo tarefas relacionadas ao cuidado.
62
Grupo 2
Assim como os adolescentes do grupo 1, todos os adolescentes do grupo 2 também
freqüentam a escola conforme indica a tabela X:
Tabela 4
Descrição dos dados sobre escolaridade do grupo 2
Participantes Idade Série Reprovações Atividade
Extraclasse
K 12;2 5ªEF 2 sim
L 12;6 5ª EF 2 não
N 13;0 6ª EF - sim
D 13;10 EF 1 sim
Q 13;11 7ª EF 1 sim
E 14;7 5ª EF 3 não
O 15;4 8ª EF - sim
P 15;7 7ª EF 1 sim
H 16;0 6ª EF 3 sim
Seguindo a tendência do grupo 1, os dados da tabela 4 mostram que a escolaridade
dos participantes do grupo 2 é baixa. Além disso, observando-se a idade, a série e o
número de reprovações é possível verificar que os participantes do grupo 2 também
entraram na primeira série do Ensino Fundamental atrasados, com mais de sete anos de
idade. Em relação ao número de reprovações, os adolescentes do grupo 2 têm um pouco
menos repetências do que os do grupo 1. Entre os participantes do grupo 2, as repetências
variam entre nenhuma e três reprovações. No que se refere às atividades extraclasse, sete
adolescentes deste grupo freqüentam SASE, Trabalho Educativo ou Agente Jovem. Apenas
dois adolescentes do grupo 2 não realizam atividades extraclasse. Quatro adolescentes
deste grupo referiram que estudam ou fazem temas de casa em algum momento do dia.
As atividades relacionadas à categoria atividades de cuidado dos irmãos menores
dos participantes do grupo 2 referem-se “a ajudar a mãe a reparar os irmãos” nas
seguintes situações: almoço, ida e volta da escola e da atividade extraclasse, cada tarde,
banho e quando os irmãos menores estão brincando. Apesar de realizaram essas atividades,
o cuidado que esses adolescentes desempenham em relação aos irmãos menores não
interfere nas outras atividades do dia de vida desses adolescentes. Por exemplo, L (12;6)
refere que ajuda a mãe somente quando a irmã mais velha ainda não chegou em casa.
Quando questionada se ajuda a mãe a servir o café da manhã para os irmãos menores, D
(13;10) responde que “Às vezes, sim, às vezes, sim, porque, dia de semana, não dá pra mim
ajudar a dar café porque eu tenho colégio de manhã. Quando não tem aula, eu fico em
63
casa, daí eu ajudo a minha mãe. Às vezes, quando me preguiça, eu não ajudo”. A
fala de D demonstra que o cuidado que ela dispensa aos irmãos menores acontece no
intuito de ajudar a mãe e não de realizar o cuidado dos irmãos menores no lugar da mãe.
Os demais participantes que relataram alguma atividade de cuidado estão
envolvidos com o deslocamento de alguns de seus irmãos menores para as atividades
escolares. Nestas famílias, a organização familiar acontece da seguinte forma: os irmãos
mais velhos levam os mais novos de acordo com o lugar para o qual cada um deve ir, ou
levam e buscam em um turno no qual estão disponíveis. Por exemplo, durante a manhã, P
(15;7) leva a irmã pequena para a creche enquanto está indo para sua atividade extraclasse,
pois as duas atividades acontecem em lugares muito próximos. À tarde, P (15;7) explica
que: “Daí 13h, até 13h30, eu levava ela (a irmã) pro colégio. Daí depois, quando eu levava
ela pro colégio...eu chegava em casa, eu ia na minha vó, ficava aqui em casa, jogando
vídeogame, fazendo alguma coisa em casa, depois, quando chegava o horário dela soltar
do colégio, eu ia, buscava ela e depois vinha em casa e me arrumava pro colégio. A fala
de P indica que levar e buscar a irmã caçula na escola não sobrecarregam seu dia, uma vez
que entre levar e buscar a irmã, P tem tempo para realizar outras atividades. Os exemplos
citados acima mostram que os adolescentes do grupo 2 exercem atividades de cuidado,
porém com intensidade muito menor do que as atividades realizadas pelos participantes do
grupo 1.
Além de ajudar a cuidar dos irmãos menores, os participantes do grupo 2 também
realizam atividades domésticas. As atividades citadas pelos adolescentes foram: lavar as
próprias roupas e ajudar a mãe a realizar alguma atividade em relação à arrumação da casa,
tais como lavar a louça e varrer o pátio. Conforme explica K (12,2): “Eu ajudo minha mãe
a cuidar dos meus irmãos ou eu arrumo a casa e ela cuida um pouco, daí eu ajudo ela a
lavar louça, cuidar das crianças, arrumar meu quarto, dobro as minhas roupas”. Q
(13,11) relata que realiza as seguintes atividades domésticas: “Eu ajudo a minha mãe a
lavar a louça, limpar o pátio, varrer o chão, arrumar as camas” e complementa dizendo:
ajudo a cuidar dos meus irmãos, pra eles não brigarem, não se machucarem”. A forma
como estes adolescentes relatam que realizam estas atividades indica que eles apenas
ajudam nas tarefas cotidianas ao invés de serem responsáveis pela execução delas, como é
o caso dos adolescentes do grupo 1.
Em relação às atividades de lazer os adolescentes do grupo 2 citaram: assistir
televisão, escrever poesias e músicas, desenhar, jogar videogame, brincar com os irmãos,
conversar com amigas e navegar na internet. Quando questionados sobre o que mais
gostam de fazer, os adolescentes do grupo 2 citaram: conversar com as amigas, ver clipe,
64
assistir televisão, ir para o colégio, ficar descansando e desenhar, fazer esportes, ir à casa
da avó, sair de ônibus, estudar e brincar com os irmãos. Todos os adolescentes deste grupo
relataram que realizam as atividades que mais gostam em todos os dias de semana. Quando
têm tempo livre, as atividades que os adolescentes do grupo 2 mais gostam de fazer são:
assistir televisão, escutar música, desenhar, sair para passear, navegar na internet,
conversar com amigas e dormir.
A análise de todas as categorias de atividades do dia de vida dos participantes do
grupo 2 indica que este grupo pode ser considerado homogêneo e possibilita a visualização
de perfil comum. Levando em consideração a diferença de idade entre os membros do
grupo (que varia entre doze e dezesseis anos), estes adolescentes freqüentam a escola,
realizam atividades extraclasse, ajudam a mãe a desempenhar tarefas relacionadas ao
cuidado dos irmãos menores e ou tarefas domésticas, além de realizarem, em média, duas
atividades de lazer por dia.
Grupo 3
Assim como os adolescentes dos grupos 1 e 2, todos os adolescentes do grupo 3
também freqüentam a escola conforme indica a tabela 5:
Tabela 5
Descrição dos dados sobre escolaridade do grupo 3
Participantes Idade Série Reprovações Atividade
Extraclasse
M 13;2 5ª EF 2 sim
R 15;10 EF - sim
S 16;9 6ªEF 2 sim
T 16;10 EF - sim
Apesar da escolaridade do grupo 3 ser a mais alta entre os três grupos, os dados
sobre idade, série e número de reprovações da tabela 5 indicaram que a escolaridade dos
participantes do grupo 3 também pode ser considerada baixa. Apenas M (13;2) freqüenta a
série esperada de acordo com a sua idade e com as suas repetências. Através dos dados
relativos à idade, à série e ao número de reprovações dos outros participantes pode-se
perceber que, assim como os adolescentes dos grupos 1 e 2, os do grupo 3 também
entraram na primeira série do Ensino Fundamental com um ano de atraso pelo menos. Em
relação ao número de reprovações, dois participantes não sofreram nenhuma reprovação e
dois deles reprovaram duas vezes. Todos os participantes do grupo 3 realizam atividades
65
extraclasse. Uma adolescente deste grupo referiu que estuda ou faz temas de casa em
algum momento do dia.
Em relação a atividades domésticas, alguns adolescentes deste grupo ajudam a mãe
em algumas tarefas específicas, tais como lavar a louça, varrer o pátio e lavar as próprias
roupas. Em relação a lavar as próprias roupas, é preciso deixar claro que esta tarefa não é
solicitada pela mãe, conforme exemplifica T (16;10): Lavar as minhas roupa, quem lava
sou eu, porque minha mãe, não gosto que ela lave no tanquinho e nem na máquina, porque
sempre enche de bolinha, né? Daí estraga as minhas roupa, ai, ou sai a cor... As minhas
roupa quem lava sou eu, mas, nas tarefas de casa, é difícil, lá de vez em quando, porque é
difícil eu ficar em casa, né? De vez em quando, eu varro, passo uma vassoura na casa,
assim, normal, mas nada pesado”.
Ainda em relação às atividades domésticas, R (15;10) relata que a mãe quase não
pede ajuda, eu que tenho que dizer pra ela que quando ela precisar é só chamar”. Através
do relato desta participante, pode-se pensar que ela entende que é importante que ela ajude
nas tarefas domésticas, embora não haja uma cobrança da mãe neste sentido. Pelo relato do
dia de vida de R pode-se pensar que ela consegue realizar atividades escolares e de lazer
sem nenhum prejuízo, mesmo que, eventualmente, ela ajude a sua mãe.
No que se refere às atividades de lazer, os adolescentes do grupo 3 relataram:
assistir televisão, escrever no diário, escrever músicas e poesias, visitar parentes, ir na casa
de amigas, jogar bola e ler. Quando questionados sobre o que mais gostam de fazer, os
adolescentes deste grupo citaram: jogar bola e jogar videogame, conversar com amigas,
escrever poesia e música e cantar na igreja. Todos os adolescentes deste grupo referem que
conseguem realizar estas atividades pelo menos duas vezes ao dia. Em relação ao que
gostam de fazer no tempo livre, os participantes citaram: jogar videogame e jogar bola,
escrever poesia e escrever no diário, conversar com amigas e escutar músicas e ficar
deitada lendo.
A análise de todas as categorias de atividades do grupo 3 sugerem que este grupo
pode ser considerado homogêneo, indicando que os adolescentes deste grupo possuem um
perfil comum. Considerando a diferença de idade entre os membros do grupo (que varia
entre treze e dezesseis anos), estes adolescentes freqüentam a escola, realizam atividades
extraclasse, ocasionalmente ajudam a mãe em alguma tarefa doméstica, além de
realizarem, em média, três atividades de lazer por dia.
3.3. Dados referentes ao relacionamento com a família nuclear
66
Os dados sobre o relacionamento com a família nuclear referem-se à relação dos
participantes com os integrantes de suas famílias. A partir dos dados sobre este tema,
foram construídas três categorias: 1) Figura importante do núcleo familiar, 2) Relação com
mãe, e 3) Relação com o pai ou padrasto.
Figura importante do núcleo familiar
Foi considerado como figura importante do núcleo familiar o membro da família
indicado pelos participantes quando questionados sobre a pessoa com quem se relacionam
melhor entre os que moram na mesma casa. Em relação ao número total de participantes,
onze indicaram algum dos seus irmãos e nove indicaram um adulto (sete a mãe, um o pai e
um a tia).
Entre os participantes do grupo 1, seis elegeram um dos irmãos como pessoa de
referência e um elegeu a mãe. Entre os participantes do grupo 2, cinco indicaram um
adulto (mãe, pai e tia) e quatro indicaram um dos irmãos. Entre os participantes do grupo
3, três participantes indicaram a mãe e um indicou um dos irmãos. A partir destes dados,
foram identificados três tipos de escolhas em relação ao membro da família nuclear com
quem os adolescentes dos três grupos melhor se relacionam no que diz respeito à escolha
de um irmão: 1) com irmão mais novo bebê, em função do nculo que têm com ele, 2)
com o irmão imediatamente mais velho e 3) com o irmão imediatamente mais novo. Nos
dois últimos casos a escolha do irmão com idade próxima está relacionada à relação de
parceria e ajuda mútua entre os irmãos.
A seguir são descritas as indicações dos participantes do grupo 1 em relação a
escolha de um dos irmãos. As duas adolescentes que indicaram o irmão mais novo,
justificaram que são muito apegadas a este irmão em especial e que estão acostumadas a
cuidar dele desde que ele nasceu. Pode-se pensar que, estas adolescentes recebem um
retorno afetivo importante destes irmãos mais novos, já que mais do que as próprias mães,
elas são a referência deles. Os adolescentes (um de cada sexo) que indicaram o irmão que
vem imediatamente após fazem parte do grupo familiar no qual as tarefas domésticas são
divididas entre os dois irmãos mais velhos. É interessante destacar que estes adolescentes
possuem uma diferença de idade muito pequena, o que pode favorecer para que o papel de
filho responsável não tenha sido delegado a apenas um deles. Desta forma, além de se
ajudarem mutuamente em relação às tarefas da casa, eles também são parceiros para
conversar e para realizar atividades de lazer.
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Entre os que indicaram (um de cada sexo) o irmão mais velho também ficou clara a
relação de parceria e amizade que existe entre eles. Nos dois casos o irmão indicado é do
mesmo sexo do que o indicou. Ambos referem que não podem contar com a ajuda dos
irmãos menores, pois eles não se envolvem nas tarefas da casa. Além disso, os dois
consideram o irmão (ã) mais velho (a) tanto como amigo como confidente. É necessário
ressaltar que nenhum dos irmãos mais velhos indicados por estes participantes habita a
mesma casa que eles. Um deles visita a família repetidamente e a outra, mora perto da casa
da irmã. Em função disso, as duas duplas de irmãos se vêem com bastante freqüência.
Relação com a mãe
No que se refere ao mero total de participantes, doze consideram a sua relação
com a mãe como sendo boa, cinco referem que a relação é boa apesar de algumas
dificuldades e dois referem que a relação é ruim. Em relação aos adolescentes do grupo 1,
três participantes percebem a relação com a mãe como boa, duas referem que a relação é
boa apesar de algumas dificuldades e uma participante relata que sua relação com a mãe é
ruim. As dificuldades em relação ao relacionamento com a figura materna podem ser
expressas através do relato de I (16,7), segundo o qual nossa relação é boa, a única coisa
entre nós é que falta bastante diálogo, a gente conversar, trocar nossas idéias, é que
nunca dá tempo prá nós, é muita confusão lá em casa, é muito difícil pra nós”.
J (16;9) refere que sua relação com mãe é ruim, pois não é uma relação de trocar
idéias, é uma relação como se ela fosse minha irmã, é bem diferente das que eu vejo por
aí. Até tem alguma atenção comigo, mas não daquele jeito que a gente quer ter confiança
numa mãe, quer conversar, não dá, porque ela não leva a sério, porque eu preciso
conversar com alguém, é como se eu não tivesse problema”. Este relato indica que J não se
sente respaldada pela mãe nem em relação ao cuidado dos irmãos e da casa nem
emocionalmente.
Entre os participantes do grupo 2, seis classificaram a relação com a mãe como boa,
dois referiram que a relação é boa apesar de algumas dificuldades e um relatou que sua
relação com a e é ruim. Para esta adolescente (H,16;0), a relação é ruim, pois “ela não
me ouve, ela bate em mim por causa que os outros (os irmãos mais novos) querem. Ela
ouve só os outros e eu não. Me xinga, coisa assim, de mãe”.
Para a maioria dos participantes do grupo 3, a relação com a mãe é percebida como
boa. Somente T (16;10) referiu que não conversa muito nem com a mãe nem com pai: “A
gente não se fala quase, é que eles são lá de fora, ela é muito quieta ela é bem diferente do
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meu tipo, meu pai também é quieto, eles não gostam de falar, de beijinho de abraço, isso
não existe entre a gente. Daí eu não falo com eles, só algumas coisas, mas não de
amizade, de amigos de coisas íntima”.
Relação com o pai ou padrasto
Em relação ao número total de participantes, no que se refere ao relacionamento
com o pai ou com o padrasto, oito consideram a relação boa, seis referem que a relação é
muito distante e um refere que a relação é ruim. Em relação ao grupo 1, nenhum dos
participantes mora com o pai, apenas duas moram com o padrasto. Para estas duas
adolescentes, a relação com o padrasto é percebida de formas diferentes. Para F (14;11), a
relação com o padrasto é mais ou menos, às vezes a gente briga, porque ele é muito chato
comigo”. J (16;9) relata que: me dou melhor com meu padrasto do que com meu pai. É
porque ele ajudou a gente muito... cuida de todos nós e é o único que trabalha dentro de
casa”. Os outros cinco participantes referem que, apesar da falta de contato e da distância,
a relação é boa.
Entre os participantes do grupo 2 que têm pai, todos referem que o relacionamento
com ele é bom. De acordo com o relato destes participantes, a figura paterna parece estar
mais envolvida com a rotina destes adolescentes, conforme exemplifica o relato de K
(12,2): ele sempre me lembra que eu tenho que tomar remédio”. Do mesmo modo, os
participantes cujas famílias são monoparentais também mencionaram que sua relação com
o pai é boa, apesar da falta de contato. Para os participantes do grupo 3, assim como ocorre
no que se refere ao relacionamento com a mãe, a relação com o pai ou padrasto também é
percebida como positiva para a maioria dos participantes.
3.4. Dados referentes às concepções sobre justiça retributiva
Quando Piaget (1932/1977a) estudou o problema da sanção e da justiça retributiva
ele sabia que simplesmente interrogar as crianças sobre as punições não seria uma
alternativa viável, em função das dificuldades técnicas do interrogatório. Tais dificuldades,
segundo Piaget (1932/1977a), referem-se ao fato de que um problema moral submetido à
criança está muito mais afastado de sua prática moral do que um problema intelectual de
sua prática lógica. Além disso, no que se refere às regras morais que a criança recebe do
adulto, nenhuma investigação direta é concebível através de interrogatório. Isto ocorre,
pois a criança é “muito mais levada a dar à pessoa que a interroga uma pequena lição de
69
moral usual e familiar” (p. 175) do que mostrar-lhe o que realmente pensa. Assim, Piaget
decidiu estudar as sanções indiretamente, através de pequenas histórias, a partir das quais é
possível apresentar à criança formas diferentes de sanção e questionar qual é a mais justa.
História 1
Em primeiro lugar, analisaram-se as respostas dos participantes à pergunta “O que a
tia do recreio deve fazer para corrigir o Márcio (Márcia)?”, à luz das categorias propostas
por Piaget (1932/1992). Constatou-se que os participantes utilizaram quatro tipos de
respostas: 1) castigar o ofensor, 2) encaminhar o ofensor para uma autoridade 3) buscar a
reconciliação entre o ofensor e o ofendido, e 4) explicar ao ofensor porque não se deve
ofender. A seguir são mostrados exemplos de cada um dos tipos de respostas.
São exemplos do primeiro tipo, as respostas dos dois participantes que sugeriram o
castigo: “Eu acho que ela tem que dar um castigo nela, deixar ela sem recreio” (L, 12;6) e
“dar uma suspensão pra ele” (Q, 13,11). No segundo tipo de respostas incluíram-se as
respostas dos três participantes que sugeriram que a tia do recreio deveria usar a sua
autoridade ou encaminhar o ofensor para uma autoridade, conforme demonstram os
exemplos: Mandar ela pro diretor e dizer pra não fazer mais isso” (H, 16;0) e “Mandar
ela pra secretaria, que é o que as tia faz sempre, por que lá, elas vão conversar direito”
(E, 14;7).
O terceiro tipo de respostas reuniu as respostas dos seis participantes que sugeriram
a busca da reconciliação entre os personagens da história, conforme demonstram os
seguintes exemplos: Conversar com eles e fazer os dois virar amigo. É legal os dois
serem amigos” (G, 14;11); “Dizer prá Márcia pedir desculpa, acho que é a melhor
maneira. Botar de castigo, acho que essas coisa assim não adianta. uma conversa,
perguntar por que que ela falou aquilo, qual é o motivo, fazer as duas se entenderem,
né?”(J, 16;9).
O quarto tipo de respostas reuniu as respostas dos nove participantes que afirmaram
que a tia do recreio deveria explicar ao ofensor por que não se deve ofender o outro. São
exemplos desta categoria as respostas de B (12;9) Conversar com ela, dizer pra ela que
não é certo chamar as pessoas de baleia porque, quando ela crescer, ela pode ser gorda
também” e de P (15;7) A tia do recreio dizer pra menina que chamou a guria de baleia,
de gorda, dizer pra ela não fazer mais isso, que fica chato chamar uma, chamar a outra
menina, falar apelido pra outra menina. Porque magoou a, a outra menina”.
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No que se refere à distribuição das respostas sugeridas pelos participantes entre os
três grupos do estudo, os resultados mostraram que os tipos predominantes no grupo 1
foram buscar a reconciliação entre o ofensor e o ofendido e explicar ao ofensor porque não
se deve ofender. Em relação ao grupo 2, os quatro tipos de respostas foram citados,
todavia, o tipo mais sugerido foi explicar ao ofensor porque não se deve ofender. Quanto
ao grupo 3, o tipo de resposta predominante foi explicar ao ofensor porque não se deve
ofender. Nenhum participante do grupo 1 e do grupo 3 respondeu dizendo que o castigo
seria a melhor opção.
Quando as três sanções foram oferecidas aos adolescentes para que eles
escolhessem qual delas seria a melhor maneira de corrigir o ofensor, um participante
escolheu a alternativa Dizer para o Carlos (Carla) chamar o Márcio (Márcia) de algo que
o Márcio (Márcia) não goste”; dois participantes escolheram a alternativa “Mandar Márcio
(Márcia) para a direção”, e 17 participantes escolheram a alternativa “Não se deve chamar
os outros daquilo que a gente não gostaria de ser chamado”.
Após escolherem a sanção que consideravam a melhor forma de corrigir o ofensor,
todos os adolescentes foram solicitados a justificar suas escolhas. Independentemente da
sanção escolhida como a melhor forma de corrigir o ofensor, constatou-se que os
participantes justificaram suas respostas de três formas: 1) para corrigir o ofensor: 2) para
ensinar o ofensor; e 3) para fazer com que o ofensor se coloque no lugar do personagem
ofendido.
Os participantes que escolheram a sanção “Mandar Márcio (Márcia) para a direção”
utilizaram como justificativa a correção do ofensor, conforme ilustram os exemplos de K
(12;2) Porque eles vão conversar com ela e com a mãe dela sobre essas atitudes que
ela está tendo com os outros” e de L (12;6), Porque a Márcia é errada de ter chamado a
Carla de quatro-olhos... pra ela aprender que não se deve chamar as pessoas assim”.
Os participantes que escolheram a sanção “Não se deve chamar os outros daquilo
que a gente não gostaria de ser chamado” justificaram suas escolhas de duas formas. A
primeira, dizendo que a tia do recreio deveria ensinar ao ofensor que o que ele fez não está
certo, conforme relata G (14,11): “Porque conversar com ele é a melhor maneira. Acho
que entrar na mente dele, conversar com ele. Saber que ele ia pensar no que ele falou
falar, falar com ele bem, trovar ele pra ver que ele não vendo os negócio, xingando
os outros. Daí ele vê, ele pensa “bah, tô errado”, aí pede desculpa”.
A segunda forma de justificar a escolha da sanção “Não se deve chamar os outros
daquilo que a gente não gostaria de ser chamado” foi para fazer com que o ofensor se
colocasse no lugar do personagem ofendido, conforme demonstram os seguintes exemplos:
71
... se alguém chamar ela da mesma coisa, ela não ia gostar... Tipo, se alguém chegar e
dizer assim pra ela tu é feia”, ela não ia gostar...” (D, 3;10), e Porque, assim como a
gente não quer ouvir uma coisa ruim, a gente também não deve falar pros outros... quem
fala o que quer, ouve o que não quer né? Acho que é bem isso. Pra ela não falar mais, pra
ela pensar assim como ela não gostaria de ser chamada de uma coisa feia, né? Coisa que
ela não gosta de ouvir”. (J, 16;9).
Em relação à distribuição das sanções escolhidas pelos três grupos todos os
participantes do grupo 1 e do grupo 3 optaram pela alternativa “Não se deve chamar os
outros daquilo que a gente não gostaria de ser chamado”. No que se refere ao grupo 2,
embora os resultados tenham evidenciado uma preferência pela alternativa “Não se deve
chamar os outros daquilo que a gente não gostaria de ser chamado”, dois participantes
optaram pela alternativa “Mandar Márcio (Márcia) para a direção” e um escolheu a
alternativa “Dizer para o Carlos (Carla) chamar o Márcio (Márcia) de algo que o Márcio
(Márcia) não goste”.
História 2
Em primeiro lugar, analisaram-se as respostas dos participantes à pergunta “O que a
professora deve fazer para corrigir Mário (Maria)?”, à luz das categorias propostas por
Piaget (1932/1992). Foram sugeridos três tipos de respostas pelos participantes: 1) castigar
o personagem que roubou, 2) dizer ao personagem que roubou que ele devolva o objeto
roubado, e 3) explicar ao personagem que roubou que o que ele fez foi errado. A seguir são
mostrados exemplos de cada um dos tipos de respostas.
São exemplos do primeiro tipo de resposta, constituída pelas respostas dos três
participantes que sugeriram o castigo, os seguintes exemplos: Deixar a Maria sem
recreio ou sem uma merenda do colégio ou chamar o pai ou a mãe” (I, 16;7), e Dar uma
ocorrência prá ele” (C, 13,6).
No segundo tipo de respostas incluíram-se as respostas dos três participantes que
sugeriam que a professora deveria dizer ao personagem que roubou que ele devolva o
objeto roubado, conforme demonstram os exemplos: “Pedir pra ela devolver a caneta” (J,
16;9), e Eu acho que ela tinha que devolver pra professora pra ver de quem é a
caneta” (N, 13;0.).
O terceiro tipo de respostas reuniu as respostas dos quatorze participantes que
sugeriram que a professora deveria explicar ao aluno que roubou que o que ele fez foi
errado, conforme demonstram os seguintes exemplos: Falar prá ela devolver a caneta e
72
pedir desculpa é o certo, porque nunca deve se pegar as coisas dos outro” (D, 13;10), e
Acho que é falar pra ela que não deve, que não pode ver uma coisa bonita, que não é
tua, e pegar, porque não é tua” (A, 12;8).
Também são exemplos deste tipo de resposta os exemplos de K (12;2):Que ela
entregasse a caneta e pedisse desculpa, porque ela achou tão bonita, mas pedir desculpa
pra dona, pois foi um erro... acho que ela tinha que se desculpar com todos, não com
um, se desculpar com a professora e com a menina que comprou a caneta” e de F (14;11)
“Dizer pra ela não fazer mais isso, porque isso é feio, e, quando ela achar alguma coisa,
entregar pra quem é o dono, procurar saber de quem era ou perguntar pra professora de
quem era, começar a perguntar”.
No que se refere à distribuição das respostas sugeridas pelos participantes entre os
três grupos do estudo, os resultados mostraram que o tipo predominante no grupo 1 foi
explicar ao personagem que roubou que o que ele fez foi errado. Entretanto, ao contrário
do que ocorreu com a história 1, na história 2 foram encontradas respostas que sugeriram o
castigo do personagem infrator. Em relação ao grupo 2, embora todos os três tipos de
respostas tenham sido sugeridos, o tipo mais citado foi explicar ao personagem que roubou
que o que ele fez foi errado. Quanto ao grupo 3, todos os participantes sugeriram o tipo de
resposta segundo o qual a melhor foram de corrigir o personagem infrator é explicar a ele
que o que ele fez foi errado.
Quando as três sanções foram oferecidas aos participantes, todos optaram por “Não
se deve pegar as coisas dos outros sem pedir”. Embora todos os adolescentes tenham
escolhido o mesmo tipo de sanção, foram encontradas formas distintas de justificá-las. A
primeira englobou as respostas dos adolescentes que justificaram suas escolhas dizendo
que, ao falar para o aluno que não se deve pegar as coisas dos outros sem pedir, a
professora estaria ensinando porque não se deve roubar: Porque daí ela vai aprender que
não se deve pegar nada de ninguém. Se ela tivesse alguma coisa bonita e eu achasse
bonita e pegasse, ela não ia gostar” (A, 12;8).
Os participantes também justificaram suas escolhas dizendo que a professora
deveria mostrar para a aluna que pegou a caneta da colega, que a mesma situação poderia
acontecer com ela também: conforme exemplificam K (12;2)“... porque ela não está livre
de amanhã ou depois alguém pegar alguma coisa da mochila dela daí ela também não iria
gostar” e J (16;9): Assim como ela também tem as coisas que ela gosta, a guria também
tinha as coisas que ela gostava, né? Então, ela deveria pegar e pensar, e pedir
emprestado, alguma coisa assim, não pegar pra ela, né?”.
73
A escolha da alternativa “não se deve pegar as coisas dos outros sem pedir”
também foi justificada por alguns participantes como uma forma de evitar as outras duas
sanções. Para estes participantes, a punição, principalmente, poderia trazer conseqüências
severas demais ao aluno que roubou, conforme verbaliza G (14;11): Dizer que não se
deve pegar as coisas dos outros sem pedir é mais certa, como é que tu vai ali e pegar um
negócio dos outros sem pedir?É a melhor maneira. Suspender por quê? Por causa de uma
caneta só? Aí... tu faz um negócio, na hora, assim, sem pensar e te suspendem na hora.
o guri vai fica sem ir pro colégio, podendo rodar, perder as provas” e Suspender? Não,
ela pode perder um ano de aula por causa de uma caneta... então tinha que conversar com
ela (B, 12,9).
Como todos os participantes optaram pela mesma sanção (não se deve pegar as
coisas dos outros sem pedir) quando as três alternativas foram oferecidas, não foram
encontradas diferenças quanto aos três grupos em relação à história 2.
História 3
Na análise da terceira história, foram consideradas as respostas dos adolescentes à
pergunta “Uma (um) das meninas mentiu e a (o) outra (o) não. Qual foi a (o) que mentiu de
novo: Andréia (André), que a mãe bateu, ou Luciana (Luciano), que a mãe explicou?”. O
objetivo desta história foi verificar qual das sanções os adolescentes consideram que seja a
mais eficaz, a sanção expiatória bater ou a sanção por reciprocidade explicar. Seis
participantes acham que Luciana (Luciano) reincidiu e 13 pensam que Andréia (André)
reincidiu. Para uma das adolescentes nenhuma das participantes voltou a reincidir.
Foram encontrados quatro tipos de justificativas para as respostas da terceira
história: 1) eficácia do castigo físico, 2) ineficácia do castigo físico, 3) eficácia da
explicação, e 4) ineficácia da explicação. Treze participantes acham que Andréia reincidiu
por causa da ineficácia do castigo físico e/ou da eficácia da explicação, e seis participantes
pensam que Luciana reincidiu em função da ineficácia da explicação e/ou da eficácia do
castigo.
Apenas um participante defendeu claramente o castigo físico como sendo eficaz:
“... ele não apanhou. Se ele apanhasse, ele não ia mentir. Porque, se ele apanhasse, ele ia
aprender, ele ia aprender a lição. Daí o outro apanhou e aprendeu a lição(C, 13,6).
Quatro participantes defenderam a ineficácia da explicação, conforme ilustram os
seguintes exemplos: “Porque a e dele não bateu nele, não, a mãe dele explicou prá
74
ele. Eu acho que ele não fez (o tema) e mentiu de novo” (M, 13;2), e Porque a mãe
conversou, aí ela pensou: a minha mãe não vai me bater, só vai me dizer” (O, 15;4).
Seis participantes defenderam a ineficácia do castigo físico: “... a mãe dela não
explicou e bateu nela. Isso, eu acho, que não é um jeito de ensinar uma criança” (L, 12;6),
“Porque bater não adianta nada, a mãe tinha que explicar para ela e não bater” (B, 12;9)
e “Porque a mãe bateu nele e não explicou, então ele não aprendeu nada” (Q, 13;11).
Três participantes defenderam a eficácia da explicação, por exemplo: “Por causa
que a Luciana tinha aprendido a lição, eu acho. Ah, porque a mãe dela conversou com
ela e invés de bater nela, ela conversou” (A, 12,8) e Por causa que a mãe dela não
aconselhou ela igual a mãe da Luciana, não explicou” (P, 15;7).
Nas respostas de três participantes apareceu tanto a crença na ineficácia do castigo
físico, quanto a crença na eficácia da explicação: “Porque o certo não era bater, o certo
era sentar e conversar, não teria por que mentir” (I, 16;7) e “Porque a mãe dela não
explicou, a mãe dela bateu nela e então, não adiantou nada, né? Ela acabou mentindo de
novo e a Luciana não, a mãe dela explicou por que que não deve mentir, então, ela falou a
verdade, né? É isso” (J, 16,9).
Um dos participantes defendeu tanto a crença no castigo físico quanto a crença na
ineficácia da explicação: “Porque a mãe dela não deu uma lição nela, a mãe dela
explicou e, se ela, a mãe dela não bater nela, ela vai fazer a mesma coisa, ela ia ver que a
mãe dela não ia bater nela de novo” (D, 13,10).
Em relação à distribuição dos participantes entre os grupos do estudo, houve um
predomínio de adolescentes que defenderam a ineficácia do castigo físico e/ou a eficácia
da explicação nos três grupos.
3.5. Síntese dos resultados e discussão
Configuração familiar
As famílias de baixa renda, diferentemente das famílias de classes sociais mais
favorecidas, tendem a ser afetadas por fatores sociais multiproblemáticos, que podem gerar
uma associação de vulnerabilidades emocionais, sociais e de saúde (Silveira, Falcke &
Wagner, 2000). Os resultados em relação aos motivos de encaminhamento para os
programas sociais confirmam esta tendência, mostrando que as famílias deste estudo
sofreram e, em menor ou maior grau, ainda sofrem em função de toda ordem de
vulnerabilidades. Em função das privações sofridas pela falta de dinheiro e de recursos ao
75
longo do tempo, a preocupação predominante destas famílias é com a sobrevivência dos
membros do grupo.
Alguns estudos mostram que a configuração familiar predominante em famílias de
baixa renda é a monoparental e não mais a nuclear (Silveira et al., 2000). O fato de mais da
metade das famílias dos participantes deste estudo serem monoparentais confirma as
expectativas da literatura. Entre as famílias com esta configuração específica, a maioria é
chefiada por mulheres. Tal constatação leva a supor que as mulheres vêm desempenhando
cada vez mais funções na família, consideradas fundamentais para a manutenção e a
organização da mesma (Amazonas et al., 2003). Esta tendência encontrada na totalidade
das famílias em relação à monoparentalidade também foi observada nos grupos 1 e 2,
que a maioria das famílias do grupo 1 e mais da metade das famílias do grupo 2 são
monoparentais. Não por acaso, estes são os grupos nos quais a situação de cuidado entre
irmãos está presente de alguma forma.
Assim, a ausência do pai nas famílias monoparentais pode exigir que irmãos mais
velhos assumam o cuidado dos irmãos mais novos, independentemente do vel de
responsabilidade dispensado para tal função. Isto ocorre, pois quando a mãe mora sozinha
com os filhos e não tem uma rede de apoio com a qual contar, a disponibilidade de
cuidadores é severamente limitada. Desta forma, assim como propuseram Weisner e
Gallimore (1977), a composição familiar é um fator determinante para que o cuidado entre
irmãos se torne formal.
Em relação à renda média das famílias, podem ser feitas algumas considerações.
Embora a diferença entre a média de renda das famílias dos três grupos seja pequena e
levando em consideração que o grupo 3 possui um número menor de participantes do que
os grupos 1 e 2, pode-se pensar que: 1) o fato da renda mensal ser maior entre as famílias
dos grupos 2 e 3 está relacionado ao fato de que, nestas famílias, a presença de mais
companheiros (que trabalham aumentando a renda familiar) e; 2) o fato das famílias do
grupo 2 e 3 terem, atualmente, uma condição financeira um pouco melhor evita que elas
passem por situações de miserabilidade, trabalho infantil e fome.
Assim, a configuração familiar é importante não só para avaliar a situação de
cuidado entre irmãos, mas também, para entender como a família está organizada no que se
refere ao seu sustento. Neste sentido, os dados deste estudo indicam que as famílias
formadas por apenas um progenitor possuem uma renda mensal menor do que aquelas nas
quais os dois progenitores estão presentes. Isto ocorre, pois nas famílias monoparentais, a
mãe precisa dar conta de todas as demandas da família, o que a impede de realizar alguma
atividade remunerada sistematicamente. Os dados do estudam apontam nesta direção, uma
76
vez que entre as 19 mães, apenas cinco exercem alguma atividade remunerada. Por outro
lado, quanto aos pais ou padrastos, todos trabalham.
A configuração das famílias estudadas também chama atenção pelo número de
filhos. Em relação à totalidade das famílias a média do número de filhos é 5,9. Quando são
consideradas as médias do número de filhos dos grupos 1 e 2, os dados aumentam
respectivamente para 6,1 e 5.6 filhos. Estes dados vão ao encontro da literatura, segundo a
qual o número de filhos é um fator determinante para que a situação de cuidado entre
irmãos aconteça (Dunn, 1983; Poletto, Wagner & Koller, 2004; Weisner & Gallimore,
1977). Entretanto, o número de filhos não pode ser considerado o único fator determinante
para esta situação, uma vez que a média do número de filhos do grupo 3 também foi alta
(6,0) e neste grupo não há cuidado entre irmãos.
Os dados mostram que para entender a situação de cuidado entre irmãos é
necessário investigar não o número de filhos de uma determinada família, mas também,
o número de filhos que moram em casa no momento em que a situação de cuidado iniciou.
Estabelecer esta diferença é fundamental, pois em muitas famílias com uma prole
numerosa, foi observado que, por diferentes razões, muitos filhos não moram mais na casa
dos pais. Desta forma, a média do número de filhos que moram em casa é maior nos
grupos 1 (M= 4,8) e 2 (M= 5,4) do que no grupo 3 (M= 3,0).
Outra característica a ser estudada em relação à situação de cuidado entre irmãos é
a posição que o irmão indicado como cuidador ocupa na prole. Assim, os adolescentes
indicados como cuidadores no grupo 1 ocupam em média a segunda posição na ordem de
irmãos, variando entre a primeira e a terceira posição da prole. Em relação a esta questão
algumas considerações são necessárias. Os dados do grupo 1 indicaram que: 1) apenas dois
participantes são primogênitos (um de cada sexo), 2) três participantes ocupam a segunda
posição, mas são as filhas mais velhas entre os que moram em casa e 3) duas participantes
ocupam a terceira posição. No caso das famílias destas duas participantes, os filhos mais
velhos que moram em casa são do sexo masculino e ambos trabalham. Por isso, o papel de
cuidador nestas casas passou para a terceira filha na ordem de nascimento.
Estes dados indicam que além do primogênito, outros filhos podem assumir o papel
de cuidador quando o filho mais velho não mora mais em casa. Para saber se o filho que irá
assumir o papel de cuidador é o segundo ou o terceiro da prole é necessário estudar a
configuração de cada família individualmente, levando em consideração o gênero desses
filhos. A partir destes dados, pode-se pensar também, que nas famílias nas quais a situação
de cuidado formal entre irmãos acontece uma tendência para que o papel do filho
77
cuidador passe de um irmão para o outro, na medida em que o mais velho sai de casa para
constituir sua própria família.
Por outro lado, apesar dos participantes indicados como cuidadores do grupo 2
também variarem entre a primeira e a terceira posição, não foram encontradas tendências
quanto ao que determina o motivo desta variação. Isto parece estar relacionado ao fato de
que no grupo 2, embora os filhos indicados ajudem no cuidado no irmãos menores, a
situação de cuidado formal entre irmãos não acontece.
Em relação ao gênero, os resultados mostraram que entre os 16 adolescentes
indicados como cuidadores dos irmãos menores (grupos 1 e 2) treze são do sexo feminino
e três são do sexo masculino. Estes dados confirmam a literatura (Cicirelli, 1994; Dunn,
1983; Ember, 1973; Lordelo & Carvalho, 1999; Silveira, 2008), segundo a qual, o cuidado
dos irmãos menores é realizado predominantemente por meninas. Embora os resultados
tenham mostrado que três adolescentes do sexo masculino cuidam de seus irmãos mais
novos, a situação na qual meninos tomam conta de irmãos mais novos não é a norma
(Tudge, 2008).
Dia de Vida
A análise das categorias de atividades geradas pelos resultados sobre o dia de vida
dos participantes revela que algumas categorias são comuns aos três grupos e outras não.
As categorias atividades de cuidado pessoal e alimentação, atividades escolares, atividades
domésticas e atividades de lazer foram encontradas nos três grupos do estudo. No entanto,
a forma como cada uma destas atividades acontece varia de acordo com as características
específicas de cada um dos grupos. A categoria atividades de cuidado dos irmãos menores,
como era possível supor, somente foi encontrada entre os participantes dos grupos 1 e 2.
As semelhanças, bem como as diferenças entre os grupos no que se refere a cada uma das
categorias são discutidas a seguir.
Atividades escolares
Em relação à categoria atividades escolares, os dados revelam que todos os
adolescentes do estudo freqüentam a escola e cursam o Ensino Fundamental. Este
resultado confirma a pesquisa do IBGE (2007), segundo a qual o Ensino Fundamental está
quase universalizado no país. Todavia, embora os participantes deste estudo freqüentem a
escola, o número de reprovações é alto, o que explica o baixo nível de escolaridade da
78
amostra. Neste sentido, muitos dos participantes que ainda estão no Ensino Fundamental já
deveriam estar cursando o Ensino Médio.
Assim, os resultados desta pesquisa apontam na mesma direção de um estudo da
UNICEF (2002), segundo o qual o índice de distorção entre a idade e a série que os
adolescentes freqüentam é alto. Quando estes dados são relacionados com a classe social
dos adolescentes, fica evidente que aqueles com maior defasagem escolar pertencem às
classes sociais mais baixas (UNICEF, 2002). Os dados mostram que, mesmo entre os
poucos participantes que nunca reprovaram, a relação entre a série que eles freqüentam
atualmente e a idade que eles têm não corresponde ao esperado. Isso sugere que muitos
participantes entraram na primeira série do Ensino Fundamental com mais de sete anos de
idade. Desta forma, pode-se pensar que o nível socioeconômico das famílias deste estudo é
um fator determinante para a defasagem escolar dos participantes. Estes dados confirmam
pesquisas segundo as quais, o rendimento das famílias está relacionado tanto ao acesso das
crianças à educação infantil, quanto ao dos adolescentes no momento de ingressar no
Ensino Médio (IBGE, 2007).
No que refere ao grupo 1, os dados mostraram que quase todos os participantes
possuem um histórico de três reprovações. De acordo com os critérios do IBGE (2007),
todos os adolescentes deste grupo são considerados defasados em relação a sua
escolaridade, o que confirma as expectativas da literatura de que o trabalho realizado no
ambiente domiciliar prejudica o rendimento escolar dos estudantes (Bezerra, 2006).
Segundo Kosminsky e Santana (2006), atividades como tomar conta da casa
(limpar, lavar, passar, cozinhar) e cuidar dos irmãos menores são exercidas por meninas na
ausência da e, em famílias de baixa renda. O fato destes adolescentes serem os
responsáveis pela realização das tarefas domésticas e das de cuidado dos irmãos na
ausência de suas mães, pode trazer conseqüências. Uma destas implicações, de acordo com
Chermond (n.d.), é que as crianças e os adolescentes que ultrapassam os limites da mera
colaboração nas tarefas domésticas sofrem prejuízo em seu desenvolvimento educacional.
Marshall et al. (1997) salientam que, quando as demandas de cuidado sobre o primogênito
se tornam muito excessivas, elas podem interferir no tempo que ele gasta fazendo o tema
de casa ou no seu envolvimento com as atividades escolares. Todavia, os dados
evidenciam que não apenas o primogênito, mas o irmão mais velho que mora em casa,
assume a responsabilidade pelo cuidado dos demais irmãos.
Em relação às atividades no turno inverso à escola, três adolescentes realizam
algum tipo de atividade extraclasse e quatro não. Segundo a pesquisa de Poletto et al.
79
(2004), tanto a escola quanto o centro de atendimento à criança
9
são referências
importantes, pois são fontes de recursos para a promoção de atividades próprias da idade.
Além disso, todas as meninas demonstraram gostar das atividades oferecidas,
principalmente as recreativas, nas quais podiam brincar com outras crianças. Apesar de três
adolescentes estarem matriculados em alguma atividade extraclasse, os dados deste estudo
mostraram que isso não significa que eles consigam efetivamente freqüentá-la. Assim,
pode-se pensar que as atividades extraclasse por si não se configuram como um espaço
de proteção para estes adolescentes, pois em função da responsabilidade pelos cuidados
dos irmãos menores e das tarefas domésticas, alguns nem estão matriculados, e os que
estão muitas vezes não conseguem freqüentar as atividades. Tais resultados corroboram os
achados da pesquisa de Poletto et al. (2004), segundo a qual algumas meninas precisaram
parar de freqüentar o centro atendimento à criança, no qual estavam matriculadas, para
cuidar dos irmãos e realizar tarefas domésticas. Assim, os resultados sobre escolaridade
apontam que as responsabilidades de cuidado durante a infância e a adolescência
comprometeram o desempenho escolar e a adaptação comportamental dos irmãos
indicados como cuidadores do grupo 1.
Através dos resultados deste estudo, pode-se pensar que a defasagem escolar
encontrada em todos os participantes do grupo 1 ocorre, pois: a) estes adolescentes
tiveram, e ainda tem, que faltar muitos dias de aula em função da responsabilidade pelo
cuidado de seus irmãos menores e de tarefas domésticas, b) muitos adolescentes evadiram
da escola, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental pelo mesmo motivo,
c) em função das atividades de cuidado e das domésticas que realizam diariamente, estes
adolescentes não tem tempo para se dedicar as tarefas escolares como temas de casa,
realização de trabalhos extraclasse e estudo para provas e d) em função da baixa
escolaridade dos seus pais e das suas mães.
Em relação à escolaridade, os participantes do grupo 2 apresentam menos
reprovações do que os do grupo 1 (dos nove participantes quatro estão defasados) e os
adolescentes do grupo 3 apresentam menos reprovações do que os do grupo 2 (dos quatro
participantes, dois estão defasados). Em relação aos motivos para as reprovações, nenhum
participante do grupo 2 ou do grupo 3 referiu o cuidado dos irmãos ou a realização de
atividades domésticas, ao contrário do que aconteceu no grupo 1. De qualquer forma, o
número de repetências dos adolescentes dos três grupos chama atenção. Esta informação
9
O centro de atendimento à criança referido por Poletto, Wagner e Koller, (2004) equivale a um local onde
são realizadas atividades extraclasse.
80
confirma os dados do IBGE (2007), segundo o qual a defasagem escolar é um dos
principais problemas do sistema de ensino brasileiro.
Embora não tenha sido possível identificar os motivos para as reprovações dos
participantes dos grupos 2 e 3, pode-se pensar que, em função de fazerem parte de uma
população específica, na qual a preocupação principal é a sobrevivência dos membros do
grupo, incentivar os filhos para que eles alcancem o sucesso escolar não faz parte do dia a
dia destas famílias. Além disso, soma-se o fato de que os progenitores dos adolescentes
entrevistados possuem um nível muito baixo de escolaridade, sendo que alguns deles nem
são alfabetizados. Estes dados corroboram a pesquisa realizada por Kassouf (2001),
segundo a qual quanto maior o nível de escolaridade dos progenitores maior a
probabilidade de que seus filhos estudem. Assim, a baixa escolaridade dos progenitores
pode estar relacionada ao número de reprovações sofridas pelos adolescentes nos três
grupos. Considerando o fato de que muitas famílias dos adolescentes deste estudo são
monoparentais chefiadas por mulheres, é importante salientar que a escolaridade da mãe
tem um efeito maior do que a do pai sobre a escolaridade das crianças (Kassouf, 2001).
Em relação às atividades extraclasse, pode-se dizer que os adolescentes do grupo 2
conseguem aproveitar melhor os recursos da comunidade na qual estão inseridos, pois sete
dos nove participantes freqüentam alguma atividade no turno inverso à escola. Além disso,
quase metade dos participantes refere que estuda ou faz temas de casa em algum momento
do dia. Estes dados indicam que o fato dos adolescentes deste grupo ajudarem a cuidar de
seus irmãos menores não interfere na realização das suas atividades escolares diárias.
Entretanto, mesmo que estes adolescentes não assumam a responsabilidade pelo cuidado
de seus irmãos menores, eles não estão na série em que deveriam estar de acordo com a
idade que têm.
Quanto ao grupo 3, este é o grupo que mais usufrui os recursos da comunidade em
relação a atividades extraclasse, pois todos os participantes estão inseridos no Programa
Agente Jovem. O fato de quase todos os participantes dos grupos 2 e 3 freqüentam uma
atividade no turno inverso à escola é positivo, uma vez que o objetivo dos programas
sociais é desenvolver oficinas, palestras e grupos de discussão sobre temas pertinentes à
adolescência. Assim, as instituições escolares estimulam não apenas a aprendizagem, mas
também, o reforço de habilidades sociais e emocionais, fundamentais para o
desenvolvimento (Poletto et al., 2004).
Atividades de cuidado dos irmãos menores e tarefas domésticas
81
Os resultados deste estudo mostram que alguns participantes do grupo 1 que são
responsáveis pelo cuidado dos irmãos menores, mas que não realizam atividades
domésticas e alguns participantes que ajudam a cuidar dos irmãos sem serem os
responsáveis pelo cuidado (grupo 2). Por estas razões optou-se por separar atividades de
cuidado e atividades domésticas em dois grupos distintos. Estes dados diferem da
literatura, uma vez que os estudos sobre trabalho infantil doméstico e sobre situações
formais de cuidado entre irmãos encontrados não fazem uma distinção clara entre estes
dois tipos de atividades (Bezerra, 2006; Kosminsky & Santana, 2006; Poletto et al., 2004).
Entretanto, apesar de constituírem dois grupos distintos de atividades, os dados sobre
atividades de cuidado dos irmãos mais novos e tarefas domésticas são discutidos na mesma
seção.
Em relação às atividades de cuidado exercidas pelos participantes do grupo1 foi
possível observar que, entre todos os irmãos menores, são os mais novos (média de idade
3;2 anos) que necessitam de mais atenção. Além disso, é cuidando deles que os
adolescentes gastam a maior parte de seu tempo. Estes resultados corroboram os achados
de pesquisas realizadas tanto em sociedades não industrializadas (LeVile et al., in Tudge,
2008) como em sociedades industrializadas (Furman, Rahe & Hartup, 1979). Em Gusii, no
Quênia, local no qual as tarefas de cuidados das crianças pequenas o bem definidas, o
principal cuidador de um bebê recém-nascido é a sua irmã mais velha (LeVile et al., in
Tudge, 2008).
De acordo com Cicirelli (1994), nas sociedades industrializadas, o cuidado entre
irmãos acontece informalmente, não como parte estabelecida do sistema. Nessas
sociedades, o número e o espaçamento entre irmãos variam entre uma família e outra, e
uma tendência para que o número de filhos e a distância entre eles sejam menores. Em um
país como o Brasil, considerado não industrializado por Cicirelli (1994), a situação de
cuidado entre irmãos faz parte do cotidiano de muitas famílias, mesmo que esta não seja a
regra. Assim, é preciso salientar que podem ser encontradas formas diferentes de
organização familiar e de cuidados dispensados à criança, como uma adaptação da família
às exigências do grupo social mais amplo dentro da mesma sociedade (Ferreira & Mettel,
1999).
Conforme mencionado anteriormente, os resultados indicaram que, além das
atividades de cuidado, os adolescentes do grupo 1 também realizam atividades domésticas.
O desempenho de tais tarefas por irmãos mais velhos que cuidam de irmãos mais novos
também foi descrito em estudos realizados em diferentes culturas (Bezerra, 2006; Ferreira,
1991; Kosminsky & Santana, 2006; Poletto et al., 2004; Rios-Gonzáles, 1994; Wenger, in
82
Tudge, 2008; Zukow, 2002). No entanto, as tarefas domésticas realizadas pelos
adolescentes do grupo 1 chamam atenção pelo fato de que vão além de ajudar em simples
tarefas do dia a dia como lavar a louça ou arrumar a cama. Estes participantes executam
tarefas que, além de exigirem esforço físico, também exigem bastante atenção, como por
exemplo, fazer o almoço, lavar toda a cozinha, limpar toda a casa e lavar e estender as
roupas.
Os dados revelaram que existe uma diferença quanto ao gênero no que se refere à
realização das atividades de cuidado dos irmãos menores e das tarefas domésticas.
Enquanto as participantes do sexo feminino realizam tanto atividades de cuidado como
atividades domésticas, os do sexo masculino desempenham apenas atividades de cuidado
dos irmãos menores. Nestes casos, as tarefas domésticas ficam por conta de uma irmã
menor ou da própria mãe. O estudo realizado por Kosminsky e Santana (2006) também
encontrou diferenças em relação ao gênero. Quando os filhos mais velhos são do sexo
masculino, o primeiro fica responsável pelo cumprimento das tarefas domésticas e pelo
cuidado dos irmãos menores. Entretanto, quando o segundo filho é do sexo feminino, é a
menina ou a adolescente que fica incumbida dessas atividades.
Estes dados indicam que, ao assumirem o cuidado dos irmãos menores, os filhos do
sexo masculino estão realizando uma das tarefas considerada tipicamente de meninas.
Entretanto, os resultados mostraram que não são eles que realizam as atividades
domésticas. Isto indica que, apesar de filhos do sexo masculino também assumirem a
responsabilidade por algumas atividades de cuidado em relação aos irmãos menores, as
atividades domésticas ainda são preferencialmente desempenhadas por outra integrante da
família do sexo feminino, freqüentemente uma irmã. Tal constatação confirma a pesquisa
de Bezerra (2006), cujos resultados indicam que, em função da cultura de que atividade
doméstica é uma tarefa feminina, os efeitos do trabalho realizado no próprio domicilio são
mais vivenciados pelas meninas do que pelos meninos mais velhos.
A análise do dia de vida dos participantes do grupo 1 mostra que as tarefas de
cuidado dos irmãos mais novos podem ser divididas entre mais de um irmão de acordo
com a forma na qual a família está organizada. Estes dados vão ao encontro dos estudos de
Zukow (2002), segundo os quais um filho específico pode ser responsável pelo cuidado de
um irmão menor e ao mesmo tempo acatar e receber orientação de um irmão ainda mais
velho do que ele. Pode-se pensar que este tipo de organização familiar ocorra em função
das modificações socioeconômicas e culturais que vêm alterando os vínculos familiares na
sociedade contemporânea. Deste modo, os membros das famílias estão sendo levados a
83
assumir novos papéis e posições e a conviver com novos arranjos familiares (Amazonas et
al, 2003).
Os participantes do grupo 2 também realizam atividades de cuidado dos irmãos
menores. Todavia, a intensidade e o nível de responsabilidade do cuidado realizado por
eles difere totalmente daqueles em relação aos participantes do grupo 1. Isto acontece
porque, para os participantes do grupo 1, cuidar dos irmãos mais novos é a prioridade,
enquanto que os adolescentes do grupo 2 simplesmente ajudam a mãe a “reparar os
irmãos” em alguns momentos do dia. Desta forma, alguns adolescentes do grupo 2 referem
que não ajudam a mãe nos períodos em que estão se arrumando para ir à escola, assim
como também não ajudam quando estão com preguiça. Além disso, comparando as tarefas
que os participantes dos dois primeiros grupos desempenham, pode-se observar que: 1) os
afazeres realizados pelos adolescentes do grupo 2 são mais amenos que os realizados pelos
do grupo 1 e; 2) por não serem consideradas uma obrigação, estas tarefas não interferem
nas outras atividades do dia de vida desses adolescentes. Estes dados vão ao encontro do
estudo de Lamarão (2002), segundo o qual as tarefas domésticas realizadas por crianças e
adolescentes compatíveis com seu desenvolvimento físico e psicossocial, que são
complementares ao trabalho adulto, são uma forma de mostrar reciprocidade, respeito e
obediência ao grupo familiar.
Os resultados indicaram que o modo como os participantes do grupo 2 realizam as
atividades de cuidado em relação aos irmãos menores é bastante semelhante à forma como
as atividades domésticas são feitas. Assim, pode-se dizer que tanto em relação às tarefas
domésticas como em relação às de cuidado, os adolescentes do grupo 2 são apenas
coadjuvantes, se comparados aos participantes do grupo 1. Nesse sentido, os resultados
apontam que a principal diferença entre os dois grupos quanto à realização destas
atividades é que, no primeiro grupo, tanto o cuidado dos irmãos menores quanto as tarefas
domésticas são responsabilidades do adolescente cuidador. No grupo 2, por outro lado, os
resultados indicam que os participantes desempenham estas tarefas no intuito de ajudar a
mãe e não com a finalidade de realizá-las no lugar dela. Isto mostra que nas famílias do
grupo 2, a figura de um adulto, a mãe, que assume o controle da casa solicitando ajuda
aos filhos apenas quando necessário. Assim, entre as famílias do grupo 2, as fronteiras
entre os membros parecem estar claras e os papéis bem delimitados, uma vez que não
sobreposição nem inversão entre os papéis de mãe e de filho.
Em relação ao grupo 3, os resultados mostram que, assim como ocorre nos grupos 1
e 2, os adolescentes deste grupo também realizam atividades domésticas. Contudo, os
participantes do grupo 3 citaram bem menos atividades domésticas do que os dois
84
primeiros grupos. Além disso, algumas adolescentes relataram que realizam tarefas
domésticas por iniciativa própria, sem que a mãe precise solicitar. Assim, foi possível
observar que se a mãe não costuma pedir ajuda, os próprios participantes oferecem auxílio
à mãe.
Os resultados em relação ao desempenho das atividades de cuidado dos irmãos e
das atividades domésticas revelam que: 1) no grupo 1, as atividades de cuidado em relação
aos irmãos menores são realizadas tanto por meninas quanto por meninos, enquanto que as
atividades domésticas são realizadas predominantemente pelas meninas; 2) os adolescentes
do grupo 2 ajudam suas mães tanto nas atividades de cuidado dos irmãos como nas
atividades domésticas, independentemente do sexo e; 3) os adolescentes do grupo 3 não
realizam nenhum tipo de atividade de cuidado em relação aos irmãos, porém, realizam
algumas atividades domésticas.
Diante destes resultados, evidencia-se que, independentemente da ocorrência ou
não de cuidado entre irmãos, os participantes do estudo ajudam, em alguma medida, na
realização das tarefas domésticas. Esta constatação confirma o estudo de Amazonas et al.
(2003), segundo o qual é preciso que todos os membros da família participem da
manutenção do grupo para garantir a qualidade de vida de cada um. De acordo com
Amazonas et al. (2003), este movimento típico das famílias de baixa renda é o que
caracteriza a lógica da solidariedade, que garante a existência da família mesmo diante de
um contexto que, muitas vezes, oprime seu desenvolvimento. Assim, a lógica da
solidariedade opõe-se à lógica do individualismo, na medida em que, tanto os valores
quanto as realizações pessoais são deixadas em segundo plano, em prol de necessidade ou
de interesses do grupo familiar como um todo.
As fronteiras entre o grupo 1 e o grupo 2 não são fixas. G (14;11), por exemplo,
participante do grupo 1, normalmente seria incluído no grupo 2, pois ele apenas ajuda a
mãe a cuidar dos irmãos sem ser o responsável por esta função. Entretanto, embora ele não
tenha sido sempre um irmão cuidador, G (14;11) assumiu durante aproximadamente três
meses o papel de responsável por todos os seus quatro irmãos mais novos em função da
mãe estar hospitalizada. Como no período no qual a entrevista foi realizada
10
a mãe de G
ainda estava internada e, portanto, ele estava assumindo o cuidado dos irmãos menores, ele
foi incluído no grupo 1. Esta situação mostra que pode haver uma flutuação entre os papéis
dos adolescentes em função das circunstâncias da vida, que podem ser mais ou menos
duráveis.
10
G foi indicado pela psicóloga que atende a família dele como um adolescente com perfil para o grupo 1.
85
De acordo com teóricos que estudam o sistema familiar (Minuchin & Fishman,
1990), irmãos mais velhos que assumem funções de criação dos demais irmãos como
representantes de seus progenitores são denominados filhos parentalizados. As obrigações
parentais são assumidas pelo filho parentalizado na ausência temporária, prolongada ou
permanente dos progenitores (Britto, 2002). Assim, os resultados em relação às atividades
diárias desempenhadas pelos participantes do grupo 1 indicam que estes adolescentes
podem ser considerados filhos parentalizados. É necessário esclarecer, entretanto, que a
maioria dos participantes do grupo 1 não é formada por primogênitos, mas por filhos que
ocupam entre o primeiro e a terceiro lugar na prole.
A literatura indica que se as responsabilidades do filho parentalizado são
claramente definidas por seus progenitores e são apropriadas à sua capacidade,
considerando seu nível de maturidade, este fenômeno pode ser positivo (Minuchin &
Fishman, 1990). Para definir se as conseqüências do fato dos participantes do grupo 1
serem filhos parentalizados são positivas ou não, é preciso prestar atenção ao
relacionamento entre cada um dos adolescentes e seus progenitores particularmente.
Embora investigar esta relação não tenha sido o objetivo deste estudo, algumas
considerações podem ser feitas neste sentido.
Os resultados mostram que quase todos os adolescentes do grupo 1 estão muito
mais envolvidos com as atividades práticas do dia a dia - cuidado dos irmãos menores e
tarefas domésticas - do que com o apoio emocional para as suas mães. Além disso, nas
famílias estudadas, os irmãos que cuidam de irmãos parecem assumir esta função em prol
da manutenção do grupo, tanto no que se refere ao provimento das necessidades básicas,
quanto ao cuidado com os irmãos pequenos. Estas informações confirmam as expectativas
de Ferreira e Mettel (1999), segundo as quais o fenômeno do filho parentalizado é uma
forma de adaptação às condições da vida familiar. Pode-se entender, ainda, que nas
famílias de baixa renda, principalmente as monoparentais, os filhos parentalizados são uma
estratégia de sobrevivência compatível com as condições de existência da família
(Amazonas et al., 2003). Nesse contexto, estes filhos podem ser considerados como
agentes de socialização competentes, podendo ser uma fonte de recursos para a família,
orientando, estimulando e facilitando a participação dos irmãos menores nas atividades da
rotina familiar (Ferreira & Mettel, 1999).
Todavia, assim como o fenômeno do filho parentalizado pode ser considerado uma
fonte de recursos para a família, ele também pode ser prejudicial, na medida em que
mudanças na estrutura familiar podem provocar uma falta de clareza nas fronteiras e uma
intensificação dos vínculos entre progenitores e adolescente (Preto, 1995). Isto pode
86
ocorrer quando 1) estes adolescentes assumem papéis adultos numa tentativa de substituir
o cônjuge ausente e apoiar o que ficou e; 2) mães (principalmente as de famílias
monoparentais), que não contam com uma rede social de apoio, dependem
inadequadamente dos filhos.
Neste sentido, ao analisar os participantes do grupo 1 à luz da literatura sobre o
fenômeno do filho parentalizado (Jurkovic, in Stratton, 2003; Miermont, 1994; Minuchin
& Fishman, 1990; Penso & Sudbrack, 2004; Stein, Riedel, & Rotheram-Borus, 1999), uma
das participantes (J, 16;9) chamou a atenção. Esta constatação foi possível graças aos
relatos de J, segundo os quais: 1) ela é a responsável por todas as atividades da casa e de
cuidado dos irmãos mesmo nos momentos em que sua e está em casa; 2) ela refere que
sua relação com a mãe parece mais com o tipo de relação que se estabelece entre duas
irmãs; 3) ela refere que não se sente respaldada pela mãe nem em relação ao cuidado dos
irmãos e da casa e nem emocionalmente; e 4) ela demonstra que as tarefas que assume em
relação ao cuidado dos irmãos mais novos e as atividades domésticas vão além do que ela
pode suportar.
Estes dados sobre a rotina e sobre o relacionamento com a e indicam que ser
uma filha parentalizada traz prejuízos à J. Pode-se pensar que a mãe de J na filha uma
mulher adulta capaz de dar conta de todas as tarefas que, na realidade, seriam dela própria
(mãe). É possível perceber que uma falta de clareza nas fronteiras desta família, pois, se
as responsabilidades de J fossem nitidamente definidas por sua mãe e fossem realizadas
apenas quando a mãe dela não está em casa, provavelmente, J não se sentiria tão
sobrecarregada.
Atividades de lazer
Os resultados indicam que, de modo geral, os participantes deste estudo realizam
atividades de lazer pouco diversificadas, e que assistir televisão é a principal opção de
lazer. Estes dados confirmam pesquisas segundo as quais adolescentes de baixa renda têm
poucas alternativas de lazer e pouca diversificação do uso do seu tempo livre (UNICEF,
2002; Sarriera, Tatim et al., 2007). Em relação ao momento no qual os adolescentes
realizam mais atividades de lazer, os resultados mostraram que, embora existam diferenças
entre os grupos, é durante os finais de semana que os participantes costumam realizar mais
atividades de lazer fora de casa. Estes resultados também confirmam a literatura sobre o
assunto (Sarriera, Tatim et al., 2007), segundo a qual, adolescentes destinam mais tempo
87
do fim de semana para atividades fora de casa na companhia de amigos realizadas,
sobretudo, na própria comunidade.
Entre todos os participantes do estudo, são os do grupo 1, principalmente as
adolescentes do sexo feminino, os que verbalizam menos atividades de lazer. Esta
diferença em relação ao gênero foi constatada porque, por não ficarem tão envolvidos com
as atividades domésticas, os participantes do sexo masculino têm mais oportunidades de
realizar atividades de lazer. No que se refere às adolescentes, as atividades de lazer são
muito limitadas, e estão diretamente relacionadas às atividades de cuidado dos irmãos e às
tarefas domésticas. Estes dados estão de acordo com as conclusões da UNICEF (2002),
segundo a qual meninas envolvidas com tarefas domésticas se queixam mais de falta de
tempo para as atividades de lazer.
Em relação às adolescentes do grupo 1, o lazer parece confundir-se com o momento
no qual estas participantes descansam. Isto ocorre, pois uma vez que cuidar dos irmãos
menores e das atividades domésticas ocupa praticamente todo o dia, encontrar tempo para
o lazer, bem como para o descanso não é cil, e depende de uma série de fatores. Assim,
para que as participantes do grupo 1 consigam um momento para o lazer/descanso, é
preciso que, além de todas as tarefas domésticas do dia tenham sido realizadas, alguma
das seguintes situações aconteçam: 1) a mãe esteja em casa, 2) a participante esteja sozinha
sem nenhum dos irmãos por perto, ou 3) a participante saia de casa.
Os resultados em relação ao grupo 1 mostram que neste grupo existe uma diferença
importante entre as atividades de lazer citadas pelos participantes, ao descreverem um dia
típico de suas vidas, e as atividades de lazer que eles mais gostam de fazer. Enquanto
foram citadas - em média - apenas três atividades de lazer na descrição do dia de vida, os
participantes referiram trezes atividades como as que mais gostam de fazer. Estes dados
indicam que, apesar destes participantes demonstrarem interesse por várias atividades
lúdicas, na realidade, eles realizam muito poucas atividades de lazer ao longo de um dia
típico de suas vidas.
Algumas atividades citadas como atividades de lazer que os participantes do grupo
1 mais gostam de fazer , como brincar, olhar desenho e sair para visitar parentes, chamam
atenção, pois soam como se fossem respostas de crianças e não de adolescentes. Este
resultado leva a supor que, apesar de assumirem o papel que seria de outro adulto em
relação às atividades domésticas e de cuidado dos irmãos menores, estes adolescentes
(principalmente as do sexo feminino) ainda sentem falta de atividades que realizavam na
infância ou que, talvez, nem tenham tido a chance de realizar.
88
Outro aspecto importante refere-se ao fato de que algumas participantes do grupo 1
referiram como lazer atividades diretamente relacionadas ao cuidado dos irmãos menores,
como dar comida e cuidar simplesmente. Isto revela que, para estas adolescentes, cuidar
dos irmãos é uma atividade prazerosa. Este dado confirma os achados de Ferreira (1991),
segundo os quais, entre todas as tarefas domésticas que filhos responsáveis realizam, a
atividade na qual eles mais encontram satisfação é cuidar dos irmãos menores.
Os resultados indicam que alguns participantes têm mais tempo para o lazer durante
o final de semana. Pode-se pensar que isto acontece porque, aos finais de semana, os
adolescentes não precisaram ir à escola e também porque, suas mães assumem os cuidados
dos filhos e das tarefas domésticas, liberando o filho cuidador. Desta forma, parece ser
apenas aos finais de semana, quando as mães assumem o controle da casa, que os
adolescentes podem realizar atividades típicas e mais de acordo com sua faixa etária, tais
como sair com os amigos. Entretanto, é importante salientar que nem todos os participantes
do grupo 1 compartilham esta realidade.
Em relação aos participantes do grupo 2, os resultados sobre as atividades de lazer
levam a supor que mesmo que eles ajudem nas tarefas domésticas e no cuidado dos irmãos,
estes participantes não sofrem prejuízo em relação ao lazer, ao contrário do que acontece
entre os participantes do grupo 1. Isto ocorre porque, ao longo do dia dos participantes do
grupo 2, existem momentos de intervalo entre uma atividade e outra, os quais são ocupados
com alguma atividade de lazer.
Os resultados mostram que não muitas diferenças entre as atividades de lazer
citadas entre os participantes do grupo 2 e os do grupo 3 no que se refere às atividades de
lazer descritas em um dia típico de suas vidas e às atividades de lazer que mais gostam de
fazer. Isto ocorre porque, a maior parte das atividades de lazer citadas como as que os
participantes mais gostam também foram citadas como as que eles realizam em um dia
típico de suas vidas.
Em relação ao que mais gostam de fazer quando tem tempo livre, as respostas dos
participantes foram mais homogêneas entre os três grupos. Isto indica que, apesar da rotina
dos participantes apresentarem determinadas características em função da ocorrência ou
não da situação de cuidado entre irmãos, estes adolescentes se interessam e gostam de
atividades de lazer semelhantes. Desta forma, a principal diferença é que os adolescentes
dos grupos 2 e 3 conseguem realizar as atividades que mais gostam com mais freqüência,
pois eles dispõem de muito mais tempo livre do que os participantes do grupo 1.
Ao contrário dos dados da pesquisa da UNICEF (2002), que concluiu que as
atividades básicas de lazer dividem-se entre as realizadas nas escolas (oficinas e esporte) e
89
as que acontecem na rua (esportes e conversa com amigos), os resultados dos três grupos
demonstraram que as atividades de lazer dos participantes não incluem o espaço escolar.
Embora este dado não tenha sido investigado, pode-se pensar que isto ocorre porque, os
participantes dos três grupos estudam em escolas públicas, que, na maioria das vezes, não
oferecem atividades de entretenimento para seus alunos, ao contrário do que ocorre nas
escolas particulares. Além disso, por estarem situadas em regiões mais vulneráveis da
cidade, estas escolas apresentem problemas relacionados à violência e ao tráfico de drogas,
o que gera uma sensação de insegurança, cuja conseqüência principal é o afastamento dos
alunos.
Relacionamento com a família nuclear
O fato de que quase todos os participantes do grupo 1 e metade dos participantes do
grupo 2 indicaram algum dos irmãos como pessoa de referência (independentemente da
posição que este irmão ocupa na prole) confirma a literatura sobre interação entre irmãos.
Os resultados desses estudos (Azmitia & Hesser, 1993; Brody, 1984; Dunn, 1983; Ferreira,
1991; Ferreira & Mettel, 1999; Furman et al., 1974; Kosonen, 1996; Minuchin, 1990;
Minuchin & Fishman, 1990; Rios-Gonzáles, 1994; Silveira, 2002; Stewart & Marvin,
1984; Teti, 2001; Tucker et al., 2001) mostram que os irmãos são fontes fundamentais de
suporte, companheirismo e socialização e, por isso, influenciam positivamente no
desenvolvimento da brincadeira, da cognição e da linguagem uns dos outros.
A escolha de um dos irmãos como pessoa de referência, especialmente entre os
participantes do grupo 1, parece estar relacionada à configuração familiar, à idade e ao
espaçamento entre os irmãos. Desta forma, os resultados mostram que diferenças na
configuração da família podem estimular que o irmão cuidador se relacione melhor com:
1) o irmão imediatamente mais novo (se a diferença de idade entre eles for pequena); 2)
com o irmão caçula (se o caçula for bebê e necessitar de cuidados constantes) e; 3) com o
irmão mais velho (se o irmão mais velho for do mesmo sexo que o irmão cuidador, se eles
habitarem em lugares próximos e se a relação entre eles for de ajuda e de
companheirismo).
Estes resultados apontam que relações de cuidado formais entre irmãos
proporcionam o desenvolvimento de vínculos únicos, bem como a vivência de papéis
importantes para a vida adulta. Através destes dados, pode-se pensar que esta experiência
pode ser positiva para o irmão que cuida, pois através do desenvolvimento da cognição e
da responsabilidade, funções importantes para a vida adulta, são treinadas desde a infância
90
(Lordelo & Carvalho, 1989). Assim, além de exercerem um papel complementar ao dos
progenitores (Furman et al., 1979), os irmãos mais velhos têm muitas oportunidades,
talvez até mais do que os próprios progenitores, para servirem como fontes importantes de
suporte e companheirismo por toda a vida (Teti, 2001). Por outro lado, o fato de metade
dos participantes do grupo 2 e da maioria dos participantes do grupo 3 ter indicado a mãe,
o pai ou uma tia como pessoa referência indica que, apesar de terem irmãos, o
relacionamento mais importante dentro da família nuclear é com um adulto.
No que se refere ao relacionamento com a mãe, mais da metade dos participantes
da amostra classificaram a relação como boa. Entretanto, os resultados mostraram que,
considerando a diferença do número de participantes entre os três grupos, os participantes
do grupo 1 relataram mais dificuldades com a figura materna do que os dos grupos 2 e 3.
Tais dificuldades referem-se ao fato de que, por motivos diferentes, algumas
participantes não conseguem estabelecer momentos de diálogo com a mãe. Tal
constatação leva a supor que, muito embora as mães sejam fontes de apoio, em alguns
momentos, elas podem estar pouco receptivas (Poletto et al., 2004). Além disso, pode-se
pensar que, em função do excesso de tarefas que as adolescentes realizam ao longo do dia,
talvez elas próprias tenham dificuldade de encontrar tempo para conversar com suas mães.
Através destes dados, pode-se pensar que nas famílias nas quais situações formais de
cuidado entre irmãos uma tendência para que o relacionamento entre o irmão cuidador
e a mãe seja prejudicado pela falta de tempo para o diálogo.
Para analisar o relacionamento dos participantes com seus pais ou padrastos, é
preciso considerar que, em função de algumas famílias serem monoparentais - formadas,
sobretudo, pela e - alguns participantes têm muito pouco contato com seus pais. Esta é
situação do grupo 1, no qual a maior parte das famílias é monoparental. Ainda que tenham
falado muito pouco sobre seu relacionamento com a figura paterna, os adolescentes
provenientes destas famílias referiram que, apesar da falta de contato, a relação com o pai é
boa. Estes dados corroboram o estudo de Poletto et al. (2004) que indica que meninas que
foram questionadas a falar sobre a relação com seus pais trouxeram poucas informações
sobre sua relação com ele.
Em duas situações, nas quais as famílias são reconstituídas, as adolescentes moram
com o padrasto. Estas duas participantes vivenciam a relação com o padrasto de formas
distintas: para uma delas a relação simplesmente não é boa; para a outra, o padrasto é
considerado melhor do que o próprio pai, pois ele é a pessoa que sustenta os demais
membros da família.
91
Em relação ao grupo 2, foi percebida a mesma tendência encontrada no grupo 1 no
que se refere aos participantes cujas famílias são monoparentais. O fato destes adolescentes
referirem que sua relação com o pai é boa, mesmo que não convivam com ele, pode indicar
que estes participantes idealizam a figura paterna. Os participantes do grupo 2, cujas
famílias são nucleares, também classificam sua relação com o pai como boa, entretanto, ao
contrário dos participantes das famílias monoparentais, estes adolescentes conseguiram
falar mais sobre sua relação com o pai, mostrando que a figura paterna está efetivamente
envolvida na vida destes adolescentes.
No que se refere ao grupo 3, independentemente da configuração familiar, tanto a
relação com a mãe como a relação com o pai ou padrasto foi percebida como positiva para
a maioria dos participantes.
Concepções sobre justiça retributiva
História 1
Os resultados da história 1 mostram que dois dos quatro tipos de respostas
sugeridas pelos participantes à pergunta “O que a tia do recreio deve fazer para corrigir o
Márcio (Márcia)?” são exemplos de sanções descritas por Piaget (1932/1992). O tipo
castigar o ofensor caracteriza uma sanção expiatória e o tipo explicar ao ofensor porque
não se deve ofender é uma sanção por reciprocidade repreensiva. Em relação a estes dois
tipos de sanções, nove participantes sugeriram a sanção por reciprocidade repreensiva e
dois participantes sugeriram a sanção expiatória. Desta forma, em relação às sanções
espontâneas dos participantes, os dados indicam que uma predominância das sanções
por reciprocidade.
Os dados em relação à história 1 apontam que não há tanto uma preocupação com o
personagem que sofreu a agressão, mas sim com o personagem que cometeu a agressão.
Isto indica que o dano causado à vítima não foi tão considerado pelos participantes, pois
mais do que apontar a falta cometida, os resultados indicam uma busca por um bem-estar
através da reconciliação entre os dois personagens da história.
Em relação à escolha dos participantes quando as sanções foram oferecidas, os
dados indicam uma preferência pela sanção por reciprocidade repreensiva, seguindo a
tendência observada entre as respostas espontâneas dos adolescentes. As sanções por
reciprocidade repreensivas são, segundo Piaget (1932/1992), as que fazem compreender ao
92
culpado que o elo de solidariedade foi por ele rompido. Assim, através da fala, as
conseqüências do ato daquele que cometeu uma transgressão são explicadas.
Todavia, houve uma pequena variação entre as respostas espontâneas (primeira fase
da entrevista) e as sanções oferecidas (segunda fase da entrevista). A maioria dos
participantes que sugeriu os tipos “encaminhar o ofensor para uma autoridade” e “buscar a
reconciliação entre o ofensor e o ofendido” na primeira fase da entrevista escolheram
sanções por reciprocidade repreensivas quando as sanções foram oferecidas.
Os dados indicam que a escolha da mesma sanção pode ter justificativas diferentes.
Por exemplo, a sanção “mandar o ofensor para a direção” pode ser considerada como um
castigo, mas a direção também pode ser entendida como o local da escola cujas pessoas são
mais capacitadas para intervir naquela situação.
Embora a maior parte da respostas tenha sido de sanções por reciprocidade, a
punição sanção expiatória- também foi considerada por alguns participantes. Isto indica
que, mesmo em se tratando de adolescentes, fase na qual, segundo Piaget (1932/1992),
se espera que as sanções usadas sejam por reciprocidade, a expiação ainda é considerada.
Pode-se pensar que isto ocorre entre alguns participantes do estudo, pois a punição física
ainda é muito utilizada nos contextos das famílias estudadas.
História 2
Em relação às três sanções oferecidas aos participantes, duas delas foram sugeridas
por eles quando foram solicitados a responder a pergunta “O que a professora deve fazer
para corrigir Mário (Maria)?”. Assim como aconteceu em relação à história 1, as punições
sugeridas pelos participantes foram a sanção expiatória (castigar o personagem que
roubou) e a sanção por reciprocidade repreensiva (explicar ao personagem que roubou que
o que ele fez foi errado).
Embora o outro tipo de sanção sugerido pelos participantes não tenha sido
oferecido como uma alternativa aos participantes no segundo momento da entrevista, ele
foi descrito por Piaget (1932/1977a). Este tipo de sanção, “dizer ao personagem que
roubou que ele devolva o objeto roubado”, é considerado como uma sanção por
reciprocidade restitutiva. De acordo com Piaget (1932/1977a), as sanções por
reciprocidade restitutiva são aquelas nas quais a criança deve pagar ou substituir o objeto
roubado ou quebrado, no caso da história 2, devolver o objeto roubado.
Desta forma, os dados sobre as sanções espontâneas sugeridas pelos participantes
em relação à história 2 indicam que os dois tipos de sanção descritos por Piaget
93
(1932/1977a) foram mencionados: a sanção expiatória e a sanção por reciprocidade. Em
relação ao segundo tipo de sanção, foram identificadas duas variações, a sanção por
reciprocidade repreensiva e sanção por reciprocidade restitutiva. Entretanto, é preciso
salientar que a sanção por reciprocidade repreensiva foi a mais referida pelos participantes,
assim como ocorreu em relação às sanções espontâneas da história 1.
Em relação à escolha dos participantes quando as sanções foram oferecidas, todos
os participantes do estudo optaram pela sanção por reciprocidade repreensiva (Não se deve
pegar as coisas dos outros sem pedir). Pode-se pensar que o fato de que todos tenham
escolhido a mesma opção na história 2 ocorreu porque as outras duas opções de sanção
oferecidas aos participantes não foram boas alternativas. A primeira, “Tirar de Maria
(Mário) uma caneta que ela (e) gosta muito”, é segundo Piaget (1932/1977a), a
reciprocidade simples, que consiste em fazer à criança exatamente o que ela própria fez.
Embora Piaget (1932/1977a) tenha mencionado que este tipo de sanção é perfeitamente
autêntico, quando se trata de fazer entender à criança o alcance de seus atos, ele alertou que
a sanção por reciprocidade simples pode tornar-se vexatória e incoerente quando o objetivo
for apenas devolver o mal com o mal. Desta forma, os participantes podem ter entendido
esta alternativa quase como se ela fosse uma vingança. Além disso, uma vez que a situação
da história 2 acontece no contexto escolar, lançar mão da sanção por reciprocidade simples
não ensinaria nada nem ao personagem que roubou nem ao que foi roubado. Assim, pode-
se pensar que o fato de nenhum participante ter escolhido esta sanção indica que uma
preocupação educativa entre estes adolescentes.
Em relação à outra opção de sanção, Suspender Maria (Mário)”, pode-se pensar
que ela o foi escolhida por nenhum participante porque, ela não atende um principio
básico descrito por Piaget (1932/1977a) em relação à sanção expiatória que é a proporção
entre o ato e a sanção. Desta forma, mesmo que as sanções expiatórias sejam arbitrárias, é
necessário que haja proporcionalidade entre a punição imposta e a gravidade da falta. Em
relação a esta história, 15 participantes escolheram “Suspender Maria (Mário)” como a
pior das três sanções oferecidas.
História 3
Piaget (1932/1977a) acreditava que o questionamento sobre a reincidência, por ser
um procedimento mais indireto, poderia trazer dados mais próximos daquilo que realmente
crianças e adolescentes pensam sobre as sanções. Desta forma, seria menos provável que
94
suas respostas apenas reproduzissem aquilo que se espera que se diga, de acordo com a
moral vigente em um determinado grupo social.
Assim, a terceira história, considerada fundamental para entender qual sanção -
expiatória ou por reciprocidade - os adolescentes consideram mais eficaz, revela que a
maior parte dos participantes pensa que a explicação é mais eficaz do que o castigo físico.
Para estes adolescentes há duas razões principais que justificam suas respostas: a ineficácia
do castigo e a eficácia da explicação.
Nas respostas de metade dos participantes aparece a idéia de que o castigo físico
não é eficaz. Uma pequena parcela da amostra acredita que a explicação é uma boa forma
de prevenir a reincidência da mentira e apenas um participante defende claramente a
eficácia do castigo físico. Estes dados indicam que há uma descrença na eficácia do castigo
físico, mais do que na idéia de que o diálogo é educativo. Isto ocorre, pois, provavelmente,
a maioria dos participantes deve sofrer castigos físicos e, por experiência própria, sabe que
não é por isso que deixa de mentir.
Além disso, o fato da maior parte dos participantes não acreditar no castigo físico
também está relacionado à idade e ao contexto social mais amplo. No que se refere à idade,
estes dados corroboram os estudos de Piaget (1937/1977a) segundo o qual crianças mais
velhas (ou adolescentes) tendem a usar mais sanções por reciprocidade. Quanto ao
contexto, tanto a escola quanto a mídia enfatizam que o castigo físico não é aceito como
uma forma de educar, ao contrário do diálogo, que é plenamente estimulado. Entretanto, os
dados apontam que, para muitos participantes, o castigo ainda é a referência, seja pensado
como algo que deve ser feito ou como algo que deve ser evitado.
Em relação ao castigo é importante levar em consideração que, no período no qual
Piaget realizou sua pesquisa sobre o desenvolvimento moral da criança (1932/1977a), as
concepções sobre a educação infantil, bem como, sobre as formas de castigar crianças e
adolescentes, eram bem diferentes do que são atualmente. Naquele período, os castigos
físicos eram livremente aceitos como uma forma de punir alunos. Além disso, sabe-se que
esta prática também era socialmente aceita como uma forma de sancionar as faltas
cometidas pelas crianças e pelos adolescentes no âmbito familiar. Atualmente, ao
contrário, as normativas proíbem que qualquer tipo de castigo físico seja usado contra
crianças e adolescentes (Brasil, 1988; Brasil, 1991), embora se saiba que muitos pais ainda
castigam seus filhos com o uso da força física no contexto familiar.
95
CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação formal de cuidado entre irmãos está relacionada ao vel
socioeconômico, à configuração familiar e à cultura na qual a família está situada.
Observou-se que o número de filhos, a configuração familiar monoparental e o sexo do
filho mais velho são fatores importantes para que a situação de cuidado formal entre
irmãos aconteça. Entretanto, além do filho primogênito, o segundo e o terceiro na ordem
de irmãos também podem assumir o papel de irmão cuidador quando o primogênito não
mora mais em casa. Desta forma, não apenas o número de filhos deve ser considerado, mas
também, o número de filhos que efetivamente mora na casa dos pais. Em relação ao
gênero, as adolescentes do sexo feminino assumem tanto o papel de cuidadoras dos irmãos
menores quanto a realização das tarefas domésticas. Os do sexo masculino também podem
assumir tarefas domésticas, dependendo da situação específica da família. Todavia,
observou-se que eles ficam muito mais envolvidos com as tarefas de cuidado dos irmãos
menores.
A ocorrência de comportamentos de cuidado entre irmãos, bem como o
desempenho de tarefas domésticas, acarretam prejuízos importantes para o adolescente ao
qual é dada a função de cuidador em relação ao desempenho escolar. Por estarem
totalmente envolvidos com o cuidado dos irmãos e com as tarefas domésticas, não é raro
que estes adolescentes faltem aulas. Além disso, a rotina destes adolescentes não permite
que eles estudem ou façam temas de casa. A falta de tempo para o estudo também foi
percebida em relação à realização de atividades de lazer. Entretanto, para saber até que
ponto crianças e adolescentes envolvidos na situação de cuidados formais tanto o que
cuida como os que são cuidados - podem ser beneficiados ou prejudicados em seu
desenvolvimento, entende-se, em consonância com Ferreira (1991), que somente estudos
longitudinais que verifiquem as conseqüências desta prática a longo prazo podem
responder a esta pergunta.
Foram encontradas diferenças em relação ao dia de vida nos três grupos do estudo,
entretanto não foram encontradas diferenças entre as respostas dos três grupos no que se
refere às concepções sobre justiça retributiva. Observou-se que, os participantes dos três
grupos acreditam mais na sanção por reciprocidade do que na sanção expiatória. Contudo,
uma descrença na eficácia do castigo físico, mais do que uma crença na idéia de que a
conversa é educativa. Apesar da maior parte dos participantes acreditar na sanção por
reciprocidade, alguns ainda pensam que a expiação é uma boa forma de corrigir alguém
que fez algo errado. Em relação às concepções sobre justiça retributiva, é importante
96
salientar que elas estão relacionadas ao que os participantes pensam que é correto, mas,
através desta pesquisa, não meios possíveis de saber se o que o eles pensam é,
realmente, o que eles fazem na prática.
Quanto às questões metodológicas, os instrumentos utilizados tiveram uma boa
aceitação por parte dos participantes. O genograma familiar mostrou-se um instrumento
adequando para visualizar a família, bem como para investigar as relações familiares de
cada participante. Os participantes demonstraram interesse em falar sobre os membros de
suas famílias e em vê-los representados através de um desenho. Assim, na medida em que
a família estava sendo desenhada, esta fase da entrevista possibilitou uma aproximação
entre a pesquisadora e os participantes, o que facilitou a continuação da entrevista.
A entrevista semi-estruturada sobre o dia de vida possibilitou que os adolescentes
respondessem às perguntas preestabelecidas, e oportunizou a investigação de assuntos que
foram trazidos através da descrição da rotina particular de cada um dos participantes. Além
disso, a entrevista semi-estruturada sobre o dia de vida demonstrou ser um instrumento
fundamental, pois somente através dela foi possível confirmar se o adolescente indicado
como irmão cuidador era, efetivamente, um cuidador. A forma como a entrevista foi
organizada facilitou a análise dos dados, uma vez que as categorias de análise foram
divididas entre os diferentes grupos de atividades que os adolescentes realizam ao longo do
dia. Os participantes do grupo 1 demonstraram certa surpresa pelo fato de estarem sendo
questionados sobre as situações de cuidado entre irmãos, entretanto, aproveitaram o
momento da entrevista para compartilhar suas experiências e para refletir sobre o tema.
As histórias sobre justiça retributiva, embora tenham sido inspiradas em histórias
criadas para crianças (Piaget, 1937/1977a), também se mostraram adequadas para
adolescentes, pois eliciaram respostas dos mesmos. Além disso, as situações fictícias das
histórias mostraram-se familiares ao contexto dos participantes. Todavia, as alternativas da
história 2 precisam ser repensadas para futuros estudos.
Ao longo da realização das entrevistas, foi observado que muitos participantes
trouxeram aspectos relacionados à religião. Alguns participantes mencionaram que
freqüentam uma igreja específica e falaram sobre condutas esperadas que realizam de
acordo com a doutrina da religião na qual acreditam. Por estas razões, a religião precisa ser
um aspecto melhor investigado em estudos futuros.
Outra limitação desta pesquisa refere-se ao número de participantes do estudo.
Embora a literatura mostre que a ocorrência de comportamentos de cuidado entre irmãos
não é tão restrita como pode parecer em um primeiro momento, o acesso aos adolescentes
que vivenciam esta situação é bastante difícil. Isto ocorre, porque, para acessá-los é
97
necessário recorrer a profissionais da assistência social, sobretudo assistentes sociais e
psicólogos. Mesmo assim, outras dificuldades podem surgir em relação ao recrutamento
dos participantes, pois: 1) não é cil identificar a situação de cuidados formais entre
irmãos a não ser que haja um acompanhamento sistemático da família em questão e, 2)
grande parte dos profissionais que trabalham com famílias de baixa renda ainda não estão
atentos a este fenômeno.
O presente estudo procurou investigar como é o cotidiano dos adolescentes de
famílias de baixa renda, especialmente daqueles que cuidam de seus irmãos menores e
estudar suas concepções de justiça retributiva, ou seja, o que eles pensam sobre as sanções
que devem ser utilizadas quando se comete uma transgressão. É necessário salientar que os
resultados deste estudo são específicos às famílias que são atendidas pelo Programa
Família Apoio e Proteção da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Espera-se que os
resultados deste estudo possam ajudar os profissionais que trabalham com famílias a
entender um pouco mais sobre a situação de cuidado entre irmãos e a motivá-los a olhar
com atenção para as relações entre irmãos. Sugere-se que outros estudos sejam realizados
com famílias nas quais ocorre a situação de cuidado formal entre irmãos que consideram
não apenas o irmão cuidador, mas também os irmãos menores que são cuidados e suas
mães.
98
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105
ANEXOS
106
ANEXO A
Ficha de Dados Sociodemográficos
Nome do (a) adolescente:
Data de nascimento:
Idade:
Série:
Participa de algum programa social:
Qual?
Número de irmãos:
Posição que ocupa entre os irmãos:
Renda total da família:
Quantos vivem da mesma renda:
Motivo de encaminhamento para o PAIF:
Principal vulnerabilidade atual:
107
ANEXO B
Genograma Familiar
Para me ajudar a entender um pouco sobre ti, preciso saber quem é a tua família, as
pessoas que moram contigo. Para isso, vou fazer um desenho da tua família da seguinte
forma: os quadrados representam os homens; os círculos, as mulheres; quando essas
pessoas têm um relacionamento conjugal (de homem e mulher) eles são ligados por um
traço na horizontal e quando eles têm filhos, eles estão ligados por um traço vertical.
Alguma pergunta? Podemos começar?
1. Quantos irmãos tu tens?
2. Qual a idade deles?
3. Teus irmãos têm o mesmo pai e mãe que tu?
4. Teus pais já foram “casados” outras vezes? Já tiveram outros parceiros?
5. Tu tens irmãos que não morem contigo? Eles moram com quem?
6. Quem mora na mesma casa que tu?
7. Quem trabalha?
8. Qual o trabalho?
9. Dessas pessoas que moram contigo, com qual delas tu te dás melhor?
10. Como é a tua relação com a mãe?
11. Como é a tua relação com pai ou padrasto?
108
ANEXO C
Entrevista Semi-estruturada sobre o Dia de Vida
Agora, preciso saber tudo o que tu fazes durante um dia comum da tua vida, desde a
hora que tu acordas até a hora em que vais dormir. Alguma pergunta? Podemos começar?
1. Que horas tu acordas?
2. O que tu fazes logo quando acorda? (Higiene pessoal, café, cuidar dos irmãos-
vestir, alimentar, levar para a escola/creche, ir para a escola).
3. O que tu fazes na hora do almoço?
4. Tu tens alguma outra atividade além da escola?
5. O que tu fazes na hora de dormir?
6. O que tu mais gostas de fazer?
7. Quando tu (o que ele disse que gosta de fazer)?
8. Quanto tempo te sobra para fazer as tuas coisas (por exemplo, temas de casa)?
9. O que tu gostas de fazer durante teu tempo livre?
109
ANEXO D
Histórias sobre Justiça Retributiva
Não é fácil saber qual a forma mais justa de corrigir alguém que fez alguma coisa
errada. Muitas vezes, as pessoas não sabem o que fazer. Por isto decidimos perguntar aos
jovens o que eles pensam. Eu vou te contar algumas histórias. Ao final de cada uma delas,
vou te fazer algumas perguntas. São perguntas fáceis e tu deves responder aquilo que tu
achas. Não existe resposta certa ou errada. Vou te pedir que repita cada uma das histórias
para ver se ficou claro. Alguma pergunta?
História I A tia do recreio Carla (Carlos) chorando. Carla (Carlos) diz que Márcia
(Márcio) o chamou de baleia
11
(dumbo ou quatro-olhos).
Tu podes repetir a história?
1) O que a tia deve fazer para corrigir a Márcia (Márcio)?
2) A tia do recreio ficou em dúvida sobre o que deveria fazer e pensou em três
possibilidades:
* Dizer para o Carla (Carlos) chamar a Márcia (Márcio) de algo que a Márcia
(Márcio) não goste.
* Mandar Márcia (Márcio) para a direção?
* Dizer para Márcia (Márcio): “Não se deve chamar os outros daquilo que a gente
não gostaria de ser chamado”.
3) Qual destas alternativas tu escolherias para corrigir a Márcia?
4) Por que tu achas que essa é a maneira mais certa de corrigir a Márcia?
História II Maria (Mário) viu uma caneta muito bonita e guardou na sua mochila. A dona
da caneta disse à professora que sua caneta tinha sumido. A professora encontrou a caneta
na mochila de Maria (Mário).
Tu podes repetir a história?
1) Como seria a melhor maneira, a forma certa de corrigir a Maria (Mário)?
2) A professora ficou em dúvida sobre o que deveria fazer e pensou em três possibilidades:
* Tirar de Maria (Mário) uma caneta que ela (e) gosta muito;
* Suspender Maria (Mário)?
* Dizer a Maria (Mário): “Não se deve pegar as coisas dos outros sem pedir”.
3) Qual destas alternativas tu escolheria para corrigir a Maria?
11
A pesquisadora teve o cuidado de usar um dos três adjetivos cujo (a) adolescente não apresentasse.
110
4) Por que tu achas que essa é a maneira mais certa de corrigir a Maria?
História III Andréia (André) não fez o tema de casa. Ela (e) disse à professora que não fez
o tema, porque estava doente. A professora viu que ela (e) estava mentindo. A mãe ficou
sabendo disso, ficou furiosa e bateu em Andréia.
Tu podes repetir a história?
Agora, vou te contar uma outra história que é quase a mesma: Luciana (Luciano) não fez o
tema de casa. Ela (e) disse à professora que não fez o tema, porque estava doente. A
professora viu que ela (e) estava mentindo. A sua mãe também ficou furiosa. A mãe de
Luciana (Luciano) não bateu nela (e), mas explicou por que não se deve mentir.
Tu podes repetir a história?
Na semana seguinte a professora deu tema de casa novamente. Nenhuma das duas (dois)
meninas (meninos) fez o tema. Uma (um) das meninas (meninos) mentiu e a (o) outra (o)
não.
1) Qual foi a (o) que mentiu de novo: Andréia, que a mãe bateu, ou Luciana, que a e
explicou?
2) Por quê?
111
ANEXO E
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pelo presente consentimento, declaro que fui informado (a), de forma clara e
detalhada, sobre os objetivos do presente projeto de pesquisa, que busca investigar as
noções que os adolescentes e pré-adolescentes que tomam conta de seus irmãos mais novos
têm sobre quais as melhores formas de chamar atenção de alguém que fez algo errado. Para
tanto, será solicitado aos adolescentes que participem de uma entrevista, na qual irão,
primeiramente, ser solicitados (as) a contar como é composta sua família. Em segundo
lugar, serão solicitados (as) a contar como é um dia de suas vidas detalhadamente, e por
fim, após escutar quatro histórias, eles (as) serão solicitados a falar o que pensam sobre
elas. Todas as entrevistas serão gravadas em fita cassete e posteriormente transcritas para
análise. Esperamos que os resultados obtidos nesta pesquisa possam gerar conhecimento
sobre o desenvolvimento moral infantil e sobre a importância da família neste processo.
Tenho o conhecimento de que receberei resposta a qualquer dúvida sobre os
procedimentos e outros assuntos relacionados com esta pesquisa e que terei total liberdade
para retirar meu consentimento a qualquer momento.
Entendo que na apresentação dos resultados não serei identificado (a) e que se
manterá o caráter confidencial das informações registradas relacionadas com a minha
privacidade. Minha participação se restringe a realizar uma entrevista, na qual não se prevê
nenhum risco. Os dados provenientes da pesquisa serão utilizados apenas para fins de
pesquisa e ficarão depositados no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), por um período de cinco anos.
A pesquisadora responsável por este projeto de pesquisa é a Profª. Drª. Lia Beatriz
de Lucca Freitas, do Instituto de Psicologia da UFRGS e será executado pela mestranda
Letícia Lovato Dellazzana, Rua Ramiro Barcelos, 2600 sala 118, Porto Alegre RS,
Telefone: 3308-5314.
Nome completo do(a) adolescente:__________________________________________
Assinatura do(a) adolescente:_______________________________________________
Nome completo do(a) responsável:__________________________________________
Assinatura do(a) responsável:_______________________________________________
Grau de parentesco:______________________________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável:______________________________________
Data:__________________________________________________________________
113
ANEXO G
Autorização da Instituição
Estamos realizando uma pesquisa com o objetivo de conhecer o que adolescentes e
pré-adolescentes pensam sobre os castigos que devem ser dados para crianças menores do
que eles quando elas cometam uma transgressão. Esperamos que os resultados obtidos
nesta pesquisa possam gerar conhecimento sobre o desenvolvimento moral infantil e sobre
a importância da família neste processo.
Para atingir esses objetivos, será necessário realizar uma entrevista individual com
adolescentes e pré-adolescentes, as quais serão conduzidas nos Módulos de Assistência
Social mais próximo de suas residências. Cada entrevista terá uma duração média entre
quarenta e sessenta minutos. Durante a entrevista, será solicitado ao participante que nos
conte quem são os membros de sua família e que nos fale como é um dia de suas vidas
detalhadamente. A seguir, nós contaremos quatro pequenas histórias e conversaremos com
o adolescente sobre cada uma delas no que diz respeito a como ele acha que os
personagens das histórias devem agir. Asseguraremos a cada adolescente o direito de
escolher participar ou não das entrevistas, bem como de interrompê-las, caso ele julgue
necessário ou não queira continuar participando.
As entrevistas serão gravadas e, posteriormente, transcritas. Na apresentação e
divulgação dos resultados, os participantes não serão identificados e se manterá o caráter
confidencial das informações registradas relacionadas com a sua privacidade. Os registros
dos dados obtidos serão utilizados apenas para fins de pesquisa e depositados por um
período não inferior a cinco anos no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
As pesquisadoras responsáveis por este projeto são a Profª. Drª. Lia Beatriz de
Lucca Freitas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul e a mestranda Letícia Lovato Dellazzana, Rua Ramiro Barcelos, 2600
sala 118, Porto Alegre – RS, Telefone: 3308-5314.
Este documento foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 04/06/2007.
Instituição: União Sul-Brasileira de Educação e Ensino (USBEE)
Endereço: ______________________________________________________________
Telefone: ______________________________________________________________
CNPJ: _________________________________________________________________
114
Nome completo do(a) diretor(a):____________________________________________
Assinatura: _____________________________________________________________
RG: ___________________________________________________________________
Instituição: Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC)
Endereço: ______________________________________________________________
Telefone: ______________________________________________________________
CNPJ: _________________________________________________________________
Nome completo do(a) diretor(a):____________________________________________
Assinatura: _____________________________________________________________
RG: ___________________________________________________________________
Assinatura da pesquisadora: _______________________________________________
Data: __________________________________________________________________
115
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