ações de revitalização urbana caracterizam-se por ações pontuais que, salvo exceções,
raramente alcançam, de fato, o imaginário da metrópole para a sua enorme e recentíssima
população. Dois exemplos em São Paulo, apontam com nitidez, as questões levantadas neste
trabalho. Na memória metropolitana, a Estação da Luz, porto de entrada de migrantes e
imigrantes e saída para o interior, mantém-se desde sempre e até hoje, uma forte referência
para a quase totalidade da população. O sentido integrador e identificador da rede ferroviária,
conectada agora às linhas do Metro e CPTM, apenas reforçará uma imagem metropolitana
simbolizada pela histórica Estação, independente do programa cultural lá instalado.
Dificilmente qualquer política popular da Pinacoteca do Estado, sua vizinha de frente,
conseguirá igual façanha.
Da mesma maneira, os acidentes geográficos e naturais, com exceção do mar ou de uma alta
montanha, não são suficientes por si só para qualificar um ambiente urbano. Na maior parte
das metrópoles contemporâneas ou nas cidades tradicionais, a geografia depende e sempre
dependeu da cidade – e não o contrário, ou o Rio Sena e os Rios Tietê e Pinheiros manteriam
um valor equivalente no espaço urbano, comparação chocante para dizer o menos. E diante
do ritmo acelerado da degradação urbana e ambiental, e da voracidade imobiliária, mesmo o
mar e a montanha não ficam imunes.
Assim, as metrópoles contemporâneas, especialmente as dos países em desenvolvimento,
geralmente carecem de um imaginário uno e sedimentado. Carecem de imagens legíveis que
possam ser associadas à sua totalidade.
No entanto, as infra-estruturas, mesmo quando problemáticas na sua relação com a cidade,
costumam configurar importantes referências nos cenários urbanos, dado o seu caráter
extraordinário, principalmente aquelas que são extensivas e não pontuais, como as avenidas
expressas, os canais fluviais e os trilhos urbanos, os quais costumam percorrer grandes
extensões da cidade.
Estas infra-estruturas não apenas marcam o tecido urbano, ao dividi-lo em dois lados, como
constituem a possibilidade de uma apreensão singular da paisagem urbana. Tanto pelas
largas perspectivas que costumam oferecer nas suas imediações, em função das suas
grandes dimensões e do espaço que requerem para sua implantação, como podem propiciar,
no caso dos sistemas de transporte de alta velocidade, uma apreensão do conjunto da cidade
em curtos espaços de tempo. Configuram, como um “macroscópio”, a única possibilidade
para a população obter, nas suas atividades usuais, um “instantâneo” da cidade como que
inteira.
Desse modo, sem prejuízo da valorização de pontos focais, com a construção de grandes e
importantes equipamentos urbanos, assim como dos nós de sistemas infra-estruturais, o
projeto urbano contemporâneo deverá valorizar as articulações, as linhas de ligação, onde se
dá o movimento, cada vez mais intenso e preponderante e o qual favorece uma leitura menos
fragmentada do conjunto da metrópole.
Os trilhos, os canais fluviais navegáveis, os grandes eixos viários, deverão, por um lado,
permitir uma ampla e contínua visualização da cidade a sua volta e, por outro, ter grande
visibilidade para quem está ao seu lado. Compreendidos como meios através dos quais se
atinge outros lugares, ao riscarem a paisagem transformam-se no fio condutor da
reconstrução mental da trama espacial da metrópole. No filme Dançando no escuro, quando a
personagem vivida pela cantora Börk perde a visão, ela encontra no tatear dos trilhos
ferroviários o caminho da sua casa, assim como, ao contrário, no filme Shall we dance, na sua
versão japonesa de 1997 ou na outra “hollywoodiana” de 2004, o personagem principal
descobre, no meio da imensidão urbanizada, a escola de dança que muda sua vida, ao
passar ao lado dela cotidianamente de trem metropolitano.
Nesta hipótese, a paisagem metropolitana deverá, então, ser cada vez mais tributária da
construção da geografia urbana, constituída por grandes artefatos humanos configurados nas
infra-estruturas, que poderão desempenhar, assim, papel paisagístico e referencial similar ao
desempenhado pela geografia natural quando esta se faz presente. As infra-estruturas