evidente. O ornamento deveria ser sutil, só para valorizar a estrutura do rosto de
forma discreta: “ele não deve ser visto, mas fazer ver; ele deve mostrar sem se
mostrar”.
166
O exagero no uso do ornamento seria uma espécie de máscara que
desvia o olhar para a irrealidade.
167
Efêmera, artificial, momentânea, a maquiagem
se associa à „devassidão‟, designa aquilo que „ultrapassa a medida‟, o „excesso
moral‟, „à desordem‟, à „fonte de um prazer ilegítimo‟ que é capaz de enfeitiçar,
166
LICHTENSTEIN, J., A Cor Eloquente, p. 162-168. Remetendo à discussão ocorrida entre
pintores italianos no século XVI e franceses no século XVII, que se dividiam entre „desenhistas‟ e
„coloristas‟, Lichtenstein identifica um debate sobre aqueles que defendiam o caráter
representativo do desenho como o signo mimético capaz de produzir, através da forma, a
semelhança do real e ser, assim, o único capaz de se submeter a regras, exercer um duplo controle
sobre a representação – pedagógico e estético; e aqueles que defendiam ser a cor a única capaz de
traduzir o „invisível‟, “o lugar privilegiado para os encontros da estética com o prazer”, com a
finalidade “não de instruir, mas sim de transformar”. Toda a retórica pictórica desenvolvida pelos
„coloristas‟ nessa discussão apoia-se na eloquência do colorido, uma vez que este seria sempre a
base da emoção do espectador diante do quadro: “A pintura colorista pede ao público outras
disposições, diferentes das que são necessárias para que ele goste do desenho. Antecipando a
estética das Luzes, [os coloristas] invocam um novo tipo de espectador: não mais o „conhecedor‟
que se compraz no infinito jogo de deciframentos, e sim o amador que tem prazer em olhar um
quadro” (...). Ao relacionar o desenho à ordem tátil e, assim, à escultura, os pintores coloristas
afirmam que o desenho é feito para se olhar de perto. Já a cor permite o “prazer do olho” e,
somente através dele, “o prazer do desejo de tocar a carne”. Por isso, o espectador fica à distância
para se deixar melhor seduzir: “Diante dos quadros dos grandes coloristas o espectador tem a
impressão de que seus olhos são dedos” (...). Essa percepção do prazer associada à cor lembra a
concepção de Benjamin do novo sensorium que estaria em jogo na obra de arte na época da
reprodutibilidade técnica. Um debate mais atual sobre o uso da cor ou não foi travado na imprensa
brasileira, no final da década de 1970. Quando os primeiros jornais americanos com uso de cor nas
fotos, gráficos, tabelas e títulos chegaram ao Brasil, houve uma discussão acalorada entre os que
achavam que a introdução da cor deturpava a informação, fazendo com que o prazer estético
conduzisse muito mais o leitor do que o conteúdo da notícia ou artigo; e os que acreditavam que a
cor também informava, acrescentava conteúdo à leitura e, portanto, não só despertava o prazer da
beleza, mas também o da melhor compreensão. Parece que os últimos convenceram mais, porque
hoje são raros os jornais (da grande imprensa ou mesmo tablóides) que não utilizam cor na
impressão.
167
A noção da maquiagem „camuflando‟ a sinceridade, remete ao trabalho de Lionel Trilling,
Sincerity and Authenticity, no qual o autor observa que esses dois conceitos – sinceridade e
autenticidade – adquirem conotações diversas em sociedades e épocas diferentes. A sinceridade,
entendida inicialmente como a congruência entre a declaração franca e o sentimento real, o
impedimento do homem de ser falso por meio da verdade do seu próprio self, foi perdendo o seu
status no mundo contemporâneo, individualista, onde „ser sincero‟ significa a exibição do self para
reconhecimento público. A sociedade exige a sinceridade do indivíduo, mesmo que não seja
autêntica. Agimos sinceramente de forma que sejamos reconhecidos por nossa sinceridade, mas
não autenticidade. Esta seria uma experiência moral mais árdua, “a sentiment of being”, uma
concepção do self mais exigente em que ser verdadeiro vai além da percepção do outro. O autor
lembra ainda que a palavra sinceridade vem do latim “sincerus”, que significa puro, limpo. Era
usado inicialmente para coisas e não para pessoas: um “vinho sincero” denota qualidade, pureza,
sofisticação, ou seja, não foi adulterado nem falsificado. Já o conceito de autenticidade foi usado
originalmente nos museus, para se atestar um objeto de arte. Passou a ser aplicado na vida moral
diante de nossa perda de credibilidade no mundo contemporâneo. Pode-se, assim, aproximar a
ideia de que a maquiagem, vista como adulteração, é algo que não permite a sinceridade do self.
TRILLING, L., Sincerity and Authenticity: The Charles Eliot Norton Lectures, passim.
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