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GEOGRAFIAS PORTÁTEIS: arte e conhecimento espacial
Renata Moreira Marquez
Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Pós-graduação em Geograa
Instituto de Geociências
Belo Horizonte, 2009
GEOGRAFIAS PORTÁTEIS: arte e conhecimento espacial
Renata Moreira Marquez
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Renata Moreira Marquez
GEOGRAFIAS PORTÁTEIS: arte e conhecimento espacial
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia
do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial à obteão do título de Doutor em Geografia.
Área de Concentração: Organização do espaço
Linha de Pesquisa: Teoria, métodos e linguagens em Geografia
Orientador: Dr. Cássio Eduardo Viana Hissa
Coorientador: Dr. Horacio Capelez
Belo Horizonte
Instituto de Geociências da UFMG
2009
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M357g
2009
Marquez, Renata Moreira.
Geografias portáteis [manuscrito] : arte e conhecimento espacial /
Renata Moreira Marquez. – 2009.
248 f. : il., fots.(algumas color.).
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais,
Instituto de Geocncias, 2009.
Orientador: Cássio Eduardo Viana Hissa.
Co-orientador: Horacio Capel Sáez.
Área de concentração: Organização do espaço.
Bibliografia: f. 243 – 248.
1. Geografia na arte – Teses. 2. Epistemologia – Arte – Teses. 3.
Paisagens na arte – Teses. I.Hissa, Casio Eduardo. II. Sáez, Horacio
Capel. III. Título. IV. Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto
de Geociências.
CDU: 910.1:7.01
Agradecimentos
Ao orientador Cássio Eduardo Viana Hissa, pela partilha,
presença, inteligência e sensibilidade.
A Horacio Capel Sáez, pelo carinho nos meses de hospital
e pela acolhida como coorientador no estágio de doutorado
na Universidade de Barcelona, em 2007.
A Maria Ivone dos Santos e a Luis Alberto Brandão, pela amizade
e proximidade no decorrer do processo de pesquisa.
Ao Lou.
Sumário
005 Lista de figuras
007 Resumo
008 Abstract
009 Resumen
010 Alteridades do espaço
025 Cidades em instalação
038 Índice de miopia
050 Global Safari (powered by Google)
053 Retratos em Tóquio
065 Expedições: corógrafos, antropólogos, artistas
077 O mapa como relato
089 Carta a Vermeer
093 Paisagem mídia
107 Coleção Particular
111 Contra-geografia: Ursula Biemann
123 Artesania científica: Mark Dion
139 Naturalia Artificialia: Alberto Baraya
158 Ciência-ficção: Joan Fontcuberta
176 Manuais de Navegão: Julio Cortázar, Cildo Meireles, Janet Cardiff
200 Os fusos da frase: Angela Detanico e Rafael Lain
212 Letras topográficas: Joan Brossa
221 Máquinas sensórias: Michael Wesely, Trevor Paglen
237 Geografias Portáteis
243 Referências Bibliográficas
Lista de figuras
011 Fig. 01: Guillermo Kuitca. Sem título. 1992.
013 Fig. 02: Claudio Parmiggiani. Pellemondo. 1968.
015 Fig. 03: Joan Brossa. Taquilla. 1982.
029 Fig. 04: Robert Smithson. Fragmento de mapa. 1967.
030 Fig. 05: Robert Smithson. Spiral Jetty. 1970.
031 Fig. 06: Gordon Matta-Clark. Splitting. 1974.
034 Fig. 07: Lara Almarcegui. Construindo minha horta urbana. 1999-2000.
034 Fig. 08: Lara Almarcegui. Três semanas restaurando uma cabana de jardim. 2000.
040 Fig. 09: Kees Boeke. Cosmic View. 1957.
041 Fig. 10: Charles e Ray Eames. Filmagem de Powers of ten. 1977.
042 Fig. 11: Charles e Ray Eames. Powers of ten. 1977.
045 Fig. 12: Google Earth. Nuvem artificial, nuvem natural (Mato Grosso, Brasil). 2008.
048 Fig. 13: Antoni Muntadas. Aqua Quo Vadis? 2008.
048 Fig. 14: Google Earth. Vista do local de Aqua Quo Vadis? 2008.
054 Fig. 15: Henri Cartier-Bresson. Mexico. 1964.
072 Fig. 16: Frederic Edwin Church. Cotopaxi. 1862.
073 Fig. 17: Alexander von Humboldt. Planta, topografia e mapa de altitude do Monte Chimborazo.
1807.
080 Fig. 18: Guntherus Ziner. Mapa T-O. 1472.
081 Fig. 19: Beatus. Mapa do mundo. Alta Idade Média.
085 Fig. 20: Mapa do Mundo na Época dos Surrealistas. 1929.
086 Fig. 21: Joaquín Torres García. América Invertida. 1943.
092 Fig. 22: Johannes Vermeer. Moça de azul lendo uma carta. ca. 1664.
097 Fig. 23: Jardim com plantas e pássaros. Casa del Bracciale d’Oro, Pompéia. Séc. I d.C.
098 Fig. 24: Ambrogio Lorenzetti. Alegoria do bom governo. ca. 1339.
103 Fig. 25: Nelson Felix. Mapa de Mesa e Grande Budha. 1985-2000.
104 Fig. 26: Nelson Felix. Mesa (desenho). 1997-1999.
105 Fig. 27: Nelson Felix. Grande Budha (desenho). 1985-2000.
106 Fig. 28: Nelson Felix. Mesa. 1997-1999.
106 Fig. 29: Nelson Felix. Grande Budha. 1985-2000.
112 Fig. 30: Ursula Biemann. Mobilidade contida. 2004.
117 Fig. 31: Ursula Biemann. Europlex. 2003.
120 Fig. 32: Ursula Biemann. Arquivos do Mar Negro. Arquivo nº4. 2005.
124 Fig. 33: Mark Dion. Estúdio de Alexander Wilson. 1999.
126 Fig. 34: Mark Dion. Toys ‘R’ U.S. (Quando os dinossauros controlavam a Terra). 1994.
126 Fig. 35: Mark Dion. Grupo de ação urbana ecológica de Chicago. 1993.
127 Fig. 36: Mark Dion. Sobre a Natureza Tropical. 1991.
131 Fig. 37: Mark Dion. Viagens de William Bartram – Reconsideradas. 2008.
133 Fig. 38: Mark Dion. O delírio de Alfred Russel Wallace. 1994.
134 Fig. 39: Mark Dion. Conservas de Floresta Tropical. 1989.
135 Fig. 40: Mark Dion. Conservas de Floresta Tropical (versão móvel). 1989.
136 Fig. 41: Mark Dion. Sobrevivência do mais fofinho. 1990.
142 Fig. 42: Charles e Ray Eames. Philosophical Gardens. 1974.
143 Fig. 43: Lâmina do herbário do Jardim Botânico Nacional da República Dominicana. Expedição à
Sierra de Bahoruco, 1993.
144 Fig. 44: Lâmina do herbário do Museu de História Natural da Suécia. Expedição ao Peru, 1930.
147 Fig. 45: Alberto Baraya. Herbario de Plantas Artificiales (lâmina). Início em 2001.
148 Fig. 46: Alberto Baraya. Herbario de Plantas Artificiales (lâmina). Início em 2001.
149 Fig. 47: Alberto Baraya. Herbario de Plantas Artificiales (lâmina). Início em 2001.
150 Fig. 48: Alberto Baraya. Herbario de Plantas Artificiales (detalhes). Início em 2001.
151 Fig. 49: Alberto Baraya. Categoria taxonômica: Hotéis. 2002.
151 Fig. 50: Alberto Baraya. Categoria taxonômica: Duas cadeiras uma planta. 2002.
154 Fig. 51: Alberto Baraya. Greenhouse. 2007.
157 Fig. 52: Alberto Baraya. Mapa de La Habana Vieja. 2003.
162 Fig. 53: Joan Fontcuberta. Giliandria escolforcia (Herbarium). 1984.
163 Fig. 54: Joan Fontcuberta. Guillumeta polymorpha (Herbarium). 1982.
164 Fig. 55: Joan Fontcuberta. Barrufeta godafreda (Herbarium). 1983.
165 Fig. 56: Karl Blossfeldt. Adiantum pedatum. 1928.
166 Fig. 57: Karl Blossfeldt. Knoblauchpflanze. 1928.
169 Fig. 58: Joan Fontcuberta e Pere Formiguera. Centaurus Neandertalensis (Fauna Secreta).
1986.
170 Fig. 59: Joan Fontcuberta e Pere Formiguera. Alopex Stultus (Fauna Secreta). 1986.
171 Fig. 60: Joan Fontcuberta e Pere Formiguera. Sem identificação (Fauna Secreta). 1986.
172 Fig. 61: Joan Fontcuberta e Pere Formiguera. Solenoglypha polipodida (Fauna Secreta). 1986.
173 Fig. 62: Ulisses Androvandi. Ilustrações de Monstrorum historia cum Paralipomenis historiae
omnium animalium. 1658.
184 Fig. 63: Carol Dunlop. Mini-acampamento em zona hostil: Fafner-muralla, Os Horrores Floridos,
a micro-mesa e o galão de água potável. 1982.
185 Fig. 64: Carol Dunlop. Às vezes Fafner se põe solene e quase monumental. 1982.
185 Fig. 65: Carol Dunlop. Recontagem de observações científicas que leva o Lobo a um êxtase
musical que faz pensar em Glenn Gould. 1982.
185 Fig. 66: Carol Dunlop. Frente à inclemência do tempo, os exploradores se exercitam em diversas
manobras destinadas a provar o equipamento e as instalações de bordo. 1982.
190 Fig. 67: Cildo Meireles. Cruzeiro do Sul. 1969.
191 Fig. 68: Cildo Meireles. Estudo para espaço/tempo. 1969.
192 Fig. 69: Cildo Meireles. Inserções em circuitos ideológicos. Projeto Coca-cola. 1970.
192 Fig. 70: Cildo Meireles. Inserções em circuitos ideológicos. Projeto cédula. 1975.
197 Fig. 71: Janet Cardiff. Münster Walk. 1997.
197 Fig. 72: Janet Cardiff. Drogan’s nightmare. Audio walk. 1998.
198 Fig. 73: Janet Cardiff. Her long black hair. 2004.
198 Fig. 74: Janet Cardiff. Villa Medici Walk. Audio walk. 1996.
199 Fig. 75: Janet Cardiff. The telephone call. 2001.
199 Fig. 76: Janet Cardiff e George Bures Miller.Ghost machine. 2005.
202 Fig. 77: Angela Detanico e Rafael Lain. Pilha [Sens figure]. 2008.
202 Fig. 78: Angela Detanico e Rafael Lain. Helvetica Concentrated. 2004.
205 Fig. 79: Angela Detanico e Rafael Lain. Zulu Time (réguas). 2007.
205 Fig. 80: Angela Detanico e Rafael Lain. Zulu Time. 2007.
206 Fig. 81: Angela Detanico e Rafael Lain. O mundo justificado, alinhado à esquerda, centralizado,
alinhado à direita. 2004.
208 Fig. 82: Angela Detanico e Rafael Lain. Flatland. 2003.
211 Fig. 83: Angela Detanico e Rafael Lain. Ma. 2008.
211 Fig. 84: Angela Detanico e Rafael Lain. Braille Ligado (La existencia en suspenso de las cosas
sin nombre). 2007.
216 Fig. 85: Joan Brossa. Burocracia. 1967.
216 Fig. 86: Joan Brossa. Guant correu. 1967.
220 Fig. 87: Joan Brossa. Lletres gimnastes. 1997.
220 Fig. 88: Renata Marquez. Papeles, cartones y sus anexos. 2007.
225 Fig. 89: Michael Wesely. 4.4.1997 - 4.6.1999. Potsdamer Platz. 1997-1999.
225 Fig. 90: Michael Wesely. 27.3.1997 - 13.12.1998. Potsdamer Platz. 1997-1999.
228 Fig. 91: Michael Wesely. Der Orinoco bei Puerto Ayacucho. 1999.
228 Fig. 92: Michael Wesely. Abbendmmerung am Orinoco am Camp Orinoquia. 1999.
231 Fig. 93: Trevor Paglen. Chemical and Biological Weapons Proving Ground/Dugway, UT.
Distance: 22 miles/11:17 am (Limit Telephotography). 2006.
231 Fig. 94: Trevor Paglen. Chemical and Biological Weapons Proving Ground/Dugway, UT.
Distance: 42 miles/10:51 am (Limit Telephotography). 2006.
232 Fig. 95: Trevor Paglen. Control Tower/Cactus Flat, NV. Distance: 20 miles/11:55 a.m (Limit
Telephotography). 2006.
232 Fig. 96: Trevor Paglen. Canyons and Unidentified Vehicle/Tonopah Test Range, NV. Distance:18
miles/12:45 pm (Limit Telephotography). 2006.
236 Fig. 97: Trevor Paglen. Four Geostationary Satellites Above the Sierra Nevada
(The Other Night Sky). 2007.
236 Fig. 98: Trevor Paglen. LACROSSE/ONYX IV Near Alfirk, USA 152 (The Other Night Sky).
2008.
Resumo
Geografias portáteis é uma proposta de leitura crítica da arte contemporânea sob o
ponto de vista de uma leitura crítica da ciência geográfica. A partir da segunda metade do
século XX, vemos emergir investigações artísticas que, cada vez mais, interceptam as
questões epistemológicas do espaço sico e fomentam as suas possibilidades de
transformação. Os escritos, as expedições, os mapeamentos e o traslado de matéria
empreendidos por Robert Smithson (1938-1973), por exemplo, introduziram na arte a atenção
à dinâmica das paisagens entrópicas e a portatibilidade teórico-prática dos sites e dos non-
sites. Ao mesmo tempo em que a prática artística aproxima-se de outros campos do
conhecimento, operam-se também aberturas metodogicas e revisões históricas da produção
da ciência. Tendo o espaço como ponto central, podemos confluir arte e ciências e indagar os
pressupostos da ciência moderna e a sua ruptura com outras formas de conhecimento. Ao
engajar uma ideia de arte que refuta o romantismo das obras autônomas e desconectadas do
mundo vivido, esta tese é também uma proposta curatorial que entende a arte como veículo
epistemológico, como meio de estudo e identificão do mundo. Neste contexto, o cabe à
crítica de arte a tarefa de explicar a obra ao blico, mas principalmente de propor leituras do
mundo a partir do dispositivo da obra, estabelecendo interfaces da arte com a produção da
cidade, do território, da cartografia e do espaço global. A ideia de geografia portátil surgiu
através de uma série de obras que m em comum o fato de veicularem um certo vetor de
mutação do espaço e dos seus conceitos e de gerarem um certo conhecimento espacial, uma
geografia coexistente à disciplina científica. A geografia portátil promove a capacidade de
construção da qualidade poética e política da prática cotidiana, percebendo o que chamamos
de alteridades do espaço: tudo aquilo que escapa ou é negligenciado como experiência de
conhecimento pela objetividade científica. Os artistas apresentam práticas de travelogue ou
diálogos audiovisuais de viagem, oferecendo manuais de navegação para a prática espacial
cotidiana. Essas experiências permitem que, através de categorias e conceitos geográficos
típicos a expedição, a paisagem e o mapa –, a prática artística contemporânea seja encarada
como forma de produção do espaço e a geografia seja expandida como prática cultural. Se
descobrir algo é, inevitavelmente, ignorar algo mais, a arte ocupa um lugar na incompletude
epistemológica da tecnociência revelando alteridades do espaço e desmantelando folclores
científicos e folclores artísticos.
Palavras chave: crítica da arte contemporânea; arte e geografia; arte e epistemologia; arte e
ciência; expedições, paisagens e mapas de artistas.
Abstract
Portable geographies is a proposal for a critical reading of contemporary art from the
point of view of a critical reading of geographical science. From the second half of the twentieth
century, we see emerging artistic investigations that, increasingly intersect epistemological
questions of physical space and promote possibilities of its transformation. The writings,
expeditions, mappings and transfer of matter made by Robert Smithson (1938-1973) introduced
in the art the attention to the dynamics of entropic landscapes and theorichal and practical
portability of the sites and non-sites. At the same time that the artistic practice approaches of
other fields of knowledge, also we notice methodological openings and historical reviews of the
production of science. Putting the space as a central point of analysis, we conflate art and
science and investigate the assumptions of modern science and its break with other forms of
knowledge. By engaging an idea of art that rejects the romanticism of the autonomous work,
disconnected from the real world, this thesis is also a curatorial proposal that considers art as
epistemological vehicle, a means of identification and study of the world. In this context, it is not
the task for art criticism to explain the work to the public, but mainly to propose interpretations of
the world from the work device, establishing interfaces between art and production of the city,
territory, mapping and global space. The idea of portable geography came about through a
series of works that have in common the fact that they transmit a certain vector of change in
space and its concepts and generate a certain spatial knowledge, a co-existing geography to
scientific discipline. Portable geography promotes the ability to build poetic quality and politics of
everyday practice, realizing what we call the otherness of space: all that escapes or is
neglected as an experience of knowledge by scientific objectivity. The artists present
travelogues or visual dialogues of travel, offering navigation manuals for everyday spatial
practice. These experiences allow, through typical geographical categories and concepts the
expedition, the landscape and the map that the contemporary art practice appears as a form
of production of space and geography is expanded as a cultural practice. If to find something is
inevitably to ignore something else, the art has a place in the epistemological incompleteness of
technoscience revealing otherness of space and dismantling scientific and artistic folklores.
Key words: contemporary art critique; art and geography; art and epistemology; art and
science; expeditions, landscapes and artists' maps.
Resumen
Geografías portátiles es una propuesta de lectura crítica del arte contemporáneo desde
el punto de vista de una lectura crítica de la ciencia geográfica. Desde la segunda mitad del
siglo XX, vemos surgir investigaciones artísticas que, cada vez más, interceptan las cuestiones
epistemológicas del espacio físico y promoven posibilidades de su transformacn. Los escritos,
las expediciones, los mapas y la transferencia de materia hecha por Robert Smithson (1938-
1973), por ejemplo, introdujeron en el arte la atención a la dinámica del paisaje entrópico y la
portabilidad teórica y práctica de los sites y non-sites. Al mismo tiempo en que la práctica
artística camina para otros campos del conocimiento, también se operan aperturas
metodológicas y revisiones históricas de la producción de la ciencia. Dado el espacio como
punto central de análisis, podemos convergir arte y ciencia e investigar los supuestos de la
ciencia moderna y su ruptura con otras formas de conocimiento. Al participar de una idea de
arte que rechaza el romanticismo de la obra autónoma y desconectada del mundo real, esta
tesis es también una propuesta curatorial, que considera el arte como vehículo epistemológico,
como medio de identificación y estudio del mundo. En este contexto, a la crítica de arte no cabe
la tarea de explicar la obra al público, sino proponer interpretaciones del mundo desde el
dispositivo da la obra, favoreciendo la interrelacn entre el arte y la producción de la ciudad, el
territorio, la cartografía y el espacio global. La idea de geografía portátil nació a través de una
serie de obras que tienen en común el hecho de que transmiten un cierto vector de cambio en
el espacio y sus conceptos y generan un cierto conocimiento espacial, una geografía
coexistente a la asignatura científica. Geografías portátiles promueve la capacidad de construir
la calidad poética y política de la práctica cotidiana, dándose cuenta de lo que llamamos
alteridad del espacio: todo aquello que escapa o se desprecia como experiencia de
conocimiento por la objetividad científica. Los artistas presentam travelogues o prácticas de
diálogo visual de viaje, que ofrecen manuales de navegacn para la práctica del espacio
cotidiano. Estas experiencias permiten, a través de categorías y conceptos geográficos picos
la expedición, el paisaje y el mapa que la pctica del arte contemporáneo sea considerada
una forma de producción del espacio y la geografía se amplíe como una práctica cultural. Si
mientras se encuentra algo, inevitablemente, se ignora algo más, el arte tiene un lugar en lo
incompleto de la epistemoloa de la tecnociencia, revelando alteridades del espacio y
deshaciendo folclores científicos y artísticos.
Palabras clave: crítica del arte contemporáneo; arte y geografía; arte y epistemología; arte y
ciencia; expediciones, paisajes y mapas de artistas.
10
Alteridades do espaço
I
São dezenas de colchões sobre camas com s de madeira, dispostos lado a lado,
formando uma grande planície. Nos colchões estão pintados nomes de lugares, pontos, limites
e linhas sinuosas. Em alguns deles, as novas grafias e cores da pintura se confundem com as
antigas estamparias do tecido que revestia, desde sempre, os colchões: xadrez, florais,
geometrias e personagens do imaginário infantil. Logo percebemos que se trata de pintura
sobre tela, mapas sobre colchões, uma modalidade bastante instigante. Guillermo Kuitca
1
, o
autor, diz que a obra é sobre ocupação de espaço em diversas escalas: “um jogo entre algo
muito pequeno e algo muito grande, […] a localização de um elemento ínfimo em um contexto
maior”
2
. A convivência entre conhecimentos díspares a projeção do mapa e a prática do
corpo gera interseções inusitadas. Por um lado, a informação consolidada da cartografia, o
seu poder científico de abstração, o seu visível invisível à banalidade do olho nu, a sua
familiaridade de imagem didática. Por outro lado, as camas: espaços da intimidade, da
subconsciência solitária, o espaço exato na medida do corpo que descansa do mundo, o lugar
primeiro da habitação. A cama é pois o espaço individual por excelência, o espaço elementar
do corpo (a cama-mônada), que inclusive o homem mais crivado de dúvidas tem o direito de
conservar: os juízes não podem levar a sua cama […]”
3
, como descreveu Georges Perec. Na
obra de Kuitca, a superposição proposta é ao mesmo tempo acertada e desproporcional. A
cama como objeto móvel de ocupar espaço e guardar corpos e o mapa como a sua linguística.
O colchão como superfície longínqua e o mapa inesperadamente acolhedor. Domesticidade e
estranhamento. A cama e a casa. A casa e o mundo. Confrontos constantes entre o meu
espaço e o espaço dos outros.
1
Guillermo Kuitca nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1961. O trabalho discutido é Sem Título, de 1992.
2
KUITCA, 2007, s/p. Tradução nossa.
3
PEREC, 2007, p. 38. Tradução nossa.
Fig. 01 – Guillermo Kuitca. Sem título. 1992.
Fonte: KUITCA, 2007.
11
12
II
É um globo preso a um suporte, como todos aqueles mapas-mundi que tivemos um dia.
Giramos o globo para ler o mundo tal como nos é ensinado, para esquadrinhar os nossos
desejos geográficos de fuga e para nos localizarmos na miríade de continentes-ilhas. Mas as
informações contidas ali não se distribuem nas esperadas linhas que escrevem as conhecidas
e as desconhecidas palavras que batizam cada lugar; uma outra camada de informação
cutânea que reveste aquele globo terrestre. Em Pellemondo, obra de 1969 de Claudio
Parmiggiani
4
, o globo apenas apresenta esboços de continentes. Ao girá-lo, ainda que na
imaginação, percebemos a textura da pele do cavalo
5
. Animalizado, o globo tem o grafismo
natural acesvel ao olhar próximo e horizontal de quem se encontra na superfície terrestre, em
vez de imprimir na sua geodésia os traçados avistados somente através dos satélites. Para
além do visual, Pellemondo apresenta a propriedade sensitiva do mundo tátil. Atenta à
recordação matérica da lisura do mapa, a mão pensa em deslizar de um lado para o outro
sobre os micropêlos bicolores. O cavalo tinha manchas pretas sobre fundo branco, agora
transmutadas em continentes negros sobre oceanos brancos. A situão ambígua do globo
que encarna simultaneamente a presença e a ausência do animal une-se à abstração
totalizante da ideia de mapa, arquétipo do espo. Em Pellemondo, são desenhadas trajetórias
simultâneas de exclusão e de inclusão do corpo: movimentos de remodelação,
redimensionamento das escalas, reacomodamento. A proximidade súbita do animal traz o
desejo da supressão do abismo entre a experiência e a imagem desértica.
4
Claudio Parmiggiani nasceu em Luzzara, Itália, em 1943.
5
controvérsias sobre o animal que forneceu a pele que reveste o globo. Encontramos referência a vaca, bezerro
e cavalo. Mantivemos a informação contida no texto de Laura Safred (KOSCEVIC, 1997).
13
Fig. 02 – Claudio Parmiggiani. Pellemondo. 1969.
Fonte: KOSCEVIC, 1997.
14
III
É uma reprodução elementar do mapa da Europa que recebe um desenho incomum
sobre as suas conhecidas linhas geográficas: os traços de uma janela de bilheteria. O olhar
vertical e longínquo da concepção geométrica do plano, da planta e do planejamento recebe a
intrusão do olhar próximo por meio da elevação frontal representativa da bilheteria. Mas, em
vez de impertincia, dá-se uma coincidência. A superposição das duas escalas e dos dois
pontos de vista m um referente comum que consiste na ideia de coletividade, cara a todo
mapa e inerente à imagem ordenadora da bilheteria. Historicamente, um mapa elementar é um
mapa a mais: construído sob o desafio da instável delimitação dos países, torna-se
frequentemente obsoleto, numa coleção infinita de uma mapoteca impossível. Taquilla, poema
visual de 1982 de Joan Brossa
6
, discute essa obsolesncia. Os limites são linhas autoritárias
abstratas que amuralham as relações e congelam as dinâmicas coletivas. Um mapa com
entrada sinalizada (quem nunca se perguntou por onde se entra em um mapa?), um
continente-espetáculo à espera das filas de turistas, expedicionários movidos basicamente pelo
capital frenético da internacionalizão cultural. Mas, a despeito dos paradisíacos cartazes
turísticos, não se caminha livremente pelo espaço do mapa; vários e particulares são os
protocolos e as senhas de acesso. Dois propósitos aparentemente inconciliáveis: ver e entrar,
observar e fazer parte de, contemplar e atravessar. O que um mapa pode dizer? O que se
pode ler? Como escrever as estratégias particulares para habitá-lo, para atravessar o espaço?
No debate sobre os fluxos migratórios internacionais, a bilheteria é, ao mesmo tempo, a
possibilidade de acesso e a restrição da passagem. As fronteiras, zonas de desbravamento,
têm a sua origem nos limites, projetos autoritários de restrição.
6
Joan Brossa nasceu em Barcelona, Espanha, em 1919 e faleceu em 1998.
Fig. 03 – Joan Brossa. Taquilla. 1982.
Fonte: BORDONS, 2005.
15
16
O que têm em comum essas três obras? Uma pintura, um objeto, um poema visual: três
mapas. Aparentemente deslocados, tais mapas são inexatos quanto à informação científica na
medida em que são absolutamente precisos quanto ao discurso da complexidade territorial,
numa sobreposição da cartografia com a geografia intimamente humana. O conflito de escalas
posto em operação nesses três mapas mobiliza a clássica fixidez do olhar vertical que mede o
território de fora dele, num o seguro e supostamente imparcial. O novo olho móvel que
experimentamos não encontra conforto, permanece numa condição sempre vagueante. A sua
mobilidade desafia a formação de um conhecimento estável e estático e propõe a construção
de redes de conhecimento fundamentado em suas relações subjetivas. Nota-se um esforço de
habitar o mapa, de invadir as suas linhas geometrizadas com o ímpeto do corpo, com as suas
histórias de reconhecimento dos espos, com a sua capacidade performativa cotidiana.
A partir desse prólogo de imagens, vem a pergunta que direção a esta pesquisa:
como a arte pode contribuir na formação de um conhecimento espacial? Milton Santos refletiu
sobre a condição de incompletude da revolução tecnocientífica em cujo contexto histórico, que
coincide com o fim da Segunda Guerra Mundial, a geografia foi operacional. A escolha pelo
cálculo dos valores quantitativos imaginados no espaço em detrimento da diversidade das
traduções das suas experiências e necessidades locais capacitou a disseminação de um
modelo produtivo que logo se fez hegenico, concebido a partir dos centros de poder
mundial. “A serviço desse tipo de crescimento, a geografia tinha que se tornar quantitativa para
poder ser utilitarista”
7
. Sob a bandeira da modernização” e do “crescimento econômico”,
aplicável indiscriminadamente aos lugares de interesse, a análise científica serviu de estratégia
para justificar e manter certas práticas de dominação e expansão desigual do poder.
Apesar do desejo de ser imparcial e assim incontestável, a ciência quantitativa, no seu
rastro utilitarista e na sua incompletude epistemológica, demonstra total falta de inocência e de
neutralidade. Ao formular uma linguagem matemática inexpugnável, ela reprimiu os
sentimentos não-quantificáveis, as diferenças locais e as constrões do conhecimento
relativas às alteridades do espaço.
Se o espaço geográfico é um híbrido, como escreveu Milton Santos, “[…] um resultado
da inseparabilidade entre sistemas de objetos e sistemas de ões
8
, como reduzi-lo a índices
numéricos e a fatores econômicos? Como deixar impensada a imprevisível rede de ões e as
criativas interseções entre as ações e entre as ões e os objetos? O conhecimento espacial é
obrigatoriamente socioespacial e desafia a disciplina que nega tal constituição essencial. Sob o
conceito do espaço geográfico brido, propomos pensar uma geografia que se encarregue das
alteridades do espaço, dos seus microssistemas particulares e fugidios. Uma geografia que
seja também uma prática cultural crítica e não exclusivamente um caminho de
7
SANTOS, 2004, p. 102.
8
SANTOS, M. 2002, p. 100.
17
instrumentalização do espaço e do mapeamento de recursos a servo dos interesses
produtivistas.
Como prática cultural crítica, a geografia se dispersa nos campos de produção da
literatura e das artes visuais, permitindo-nos pensar outras formas de conhecimento do espaço
através de um conjunto de artesanias de práticas, termo proposto por Boaventura de Sousa
Santos. O imaginário da artesania incorpora a portatibilidade do saber, a pequena escala da
produção e a interseção obrigatória com um ponto de vista e um modo de fazer
personalizados. Assim, a artesania é capaz de aproximar a ciência e a arte interessadas no
estudo do espaço e discutir os seus mecanismos de expressão e disseminação.
Boaventura de Sousa Santos emprega o termo artesania das práticas para designar os
saberes que podem ser detectados através da sociologia das ausências e da sociologia das
emerncias
9
, ou seja: aqueles saberes que não fazem parte do conhecimento hegemônico
exalado pelos centros mundiais de poder poder científico excludente, poder de dominação
econômica, poder de colonização cultural. A artesania das práticas localiza-se em campos o
epistemológicos no sentido convencional do termo, ou seja, em lugares distintos daqueles tais
como universidades e centros de pesquisa científica.
Ao pensar o encontro de interesses da geografia e da arte sob a ideia da artesania de
práticas, temos que especificar a relação entre arte e artesania conforme Santos define o
termo. Inicialmente, pode aparecer uma impossibilidade de enquadramento da arte na
categoria de artesania, uma vez que a arte não deixa de ser institucional, disciplinar e portanto
integrada ao sistema ecomico global (tanto no campo da sua produção como no campo da
sua difusão e legitimação). Entretanto, se apresentamos com precisão a prática que nos
interessa no campo da arte com relação ao sistema científico global, entendemos a arte
enquanto artesania da prática geográfica uma vez que ela, nessa hibridizão, produz um
saber o hegemônico, um saber geográfico coexistente (quando não de oposição), ampliando
o ato ou os espectros de dizer cientificamente.
A partir do século XIX, porém, e com a crescente transformação da ciência em
força produtiva do capitalismo, ocorreu uma dupla redução nesta complexa
relação entre saberes. Por um lado, a hegemonia epistemológica da ciência
converteu-a no único conhecimento válido e rigoroso. Com isto, os problemas
dignos de reflexão passaram a ser apenas aqueles a que a ciência pudesse
dar resposta. Os problemas existenciais foram assim reduzidos ao que deles
pudesse ser dito cientificamente, o que implicou uma dramática reconversão
conceptual e anatica. Assim se criou o que, na esteira de Ortega y Gasset,
designo como pensamento ortopédico: o constrangimento e o empobrecimento
causado pela redução dos problemas a marcos analíticos e conceptuais que
lhes são estranhos. Com a crescente institucionalização e profissionalização da
9
“A ‘epistemologia do Sul’ que tenho vindo a propor visa a recuperação dos saberes e práticas dos grupos sociais
que, por via do capitalismo e do colonialismo, foram histórica e sociologicamente postos na posição de serem tão só
objecto ou matéria-prima dos saberes dominantes, considerados os únicoslidos. Os conceitos centrais da
epistemologia do Sul são a sociologia das ausências, a sociologia das emergências, a ecologia de saberes, e a
tradução intercultural. Não se trata verdadeiramente de uma epistemologia, mas antes de um conjunto de
epistemologias. Ao contrário das epistemologias do Norte, as epistemologias do Sul procuram incluir o máximo das
experiências de conhecimentos do mundo” (SANTOS, 2008a, p. 11).
18
ciência concomitante da passagem, assinalada por Foucault, do “intelectual
universal” ao “intelectual específico a ciência passou a responder
exclusivamente aos problemas postos por ela
10
.
Enquanto Milton Santos reivindica as qualidades do espaço em detrimento da sua
quantificão no âmbito da disciplina geográfica, Boaventura de Sousa Santos nos permite
imaginar traços e recortes de uma ecologia dos saberes que claramente se contrae ao que
ele denomina de pensamento ortopédico e razão indolente. Quando dizemos alteridades do
espaço perseguimos um pensamento geográfico coexistente embora ausente cientificamente,
imbuído dos problemas existenciais, e que pode ser encontrado em algumas práticas artísticas
contemporâneas, algumas das quais reunidas na coleção particular que esta pesquisa abriga.
A partir da situação de geografia coexistente ou de artesania da prática geográfica, o
inventário e a análise da arte propostos pretendem deslocar o ponto de vista da reflexão,
deixando a história canônica da representão artística ocidental para buscar conceitos e
figuras científicas, ocupando um lugar conceitual diverso da filosofia da arte, disciplina
frequentemente alheia ao mundo e ainda herdeira da sua dimensão romântica. Entendida
como geografia coexistente, nada mais natural do que investigar a arte e suas artesanias de
produção do espaço a partir de categorias geográficas ou de outras ciências sociais que
podem ser detectadas numa concepção hibridizada do espo.
Nessa estratégia, há um duplo movimento. Suzi Gablik, em conversa com Richard
Shusterman, relaciona o distanciamento que a estética impõe frente à experncia da vida
cotidiana com a diferenciação que a ciência constrói frente ao senso comum. Shusterman diz
que “[…] a arte foi definida pelos filósofos com o objetivo de estabelecer a superioridade da
filosofia
11
: se Aristóteles separou a poesis da praxis, o criar do fazer, Então, ele foi capaz de
remover efetivamente a arte do domínio da ação e da ética”
12
.
Na verdade, pode-se dizer que o subjetivismo estético é o outro lado do
objetivismo científico. E se você quiser ir mais fundo, você pode ver tanto a arte
como a ciência como emergências da lógica geral da modernidade, que es
preocupada com a liberação do sujeito do vínculo opressivo da tradição e da
limitação agreste da natureza.
13
A estética romântica é baseada em um isolamento social, uma disfunção no mundo
funcional, uma “satisfão desinteressada” e uma “finalidade sem fim”
14
que conduz à
experiência do sublime; a ciência moderna persegue a neutralidade e a objetividade e portanto
esforça-se em separar o investigador do mundo que investiga por meio de um “olhar
desincorporado”, um olho de um corpo que utopicamente o faz parte do mundo, que se situa
à distância, com o privilégio de ver uma suposta totalidade e de não se deixar distrair.
10
Ibidem, p. 14-15.
11
GABLIK; SHUSTERMAN, 1997, p. 253. Tradução nossa.
12
Ibidem, p. 254. Tradução nossa.
13
Ibidem, p. 256. Tradução nossa.
14
CAUQUELIN, 2005.
19
A ideia de arte que nos interessa não se refere aos meios de representação que
poderiam, de maneira instrumental, incrementar a apresentação de informações e dados sobre
o conhecimento espacial; não se trata de uma expressividade de apoio. Tomando uma direção
totalmente distinta, entendemos a arte como veículo epistemológico, parceiro de outros
saberes na formação de um conhecimento espacial. A arte inscreve na cultura modos de olhar
o mundo, discursos que trabalham na infinita tarefa de indagação, tradução e imaginação do
espaço. Anna Maria Guasch fala da presença inegável do prefixo geo na prática artística
contemporânea e o seu desafio epistemológico à história da arte e aos estudos culturais; Lucy
Lippard por sua vez disse que, na última década, escreveu menos sobre arte e mais sobre o
lugar e suas especificidades
15
.
Assim, o conhecimento da geografia coexistente procede em oposão à ideologia
científica dominante que, como escreveu criticamente o etnólogo Eduardo Viveiros de Castro,
proclama que quanto mais se desanimiza o mundo, mais se conhece.
Conhecer é desanimizar, retirar subjetividade do mundo, e idealmente até de si
mesmo. […] Esta é a ideologia corrente, que está na universidade, que está no
CNPQ, que está na velha distinção entre ciências humanas e ciências naturais,
que esna distribuição diferencial de verbas e de prestígio
16
.
Embora a subjetividade o seja privilégio da prática artística – sendo inerente a
qualquer prática de sujeitos é no âmbito das artes que ela se desenvolve sem restrições.
Apesar da neutralidade perseguida pela ciência, podemos argumentar que toda enunciação
científica é uma construção e que o real não existe por si só, sem que haja alguém ou alguma
conveão capaz de percebê-lo como tal. Como argumentou o neurobiólogo Humberto
Maturana, tudo é dito por um observador.
A palavra percepção é habitualmente ouvida como se conotasse uma operação
de captação de uma realidade externa, mediante um processo de recepção de
informações dessa realidade. Isso, todavia, é constitutivamente impossível,
porque seres vivos são sistemas dinâmicos determinados estruturalmente, e
tudo o que acontece neles é determinado a cada instante por sua estrutura.
17
Os seres vivos produzem, em sua interação com o meio, uma rie de acoplamentos
estruturais que poderíamos denominar de aprendizagem. Assim, a construção dimica de
uma experiência de percepção equivale à adaptação ajustada entre o meio e o observador, ao
contrário de ser uma operação de captação passiva e unilateral de dados.
15
Aprofundando nas ideias do breve depoimento dado por Lippard a Guasch (GUASCH, 2006, p. 93),
complementamos com a crítica feita por Miwon Kwon em relação ao conceito de lugar concebido por Lippard o
componente geográfico da necessidade psicológica de pertencimento. Para Kwon, Lippard reproduz um modo
sedentário de existência, um sentimento nostálgico de falta de lugar, em contraposição às possibilidades e aos
itinerários do movimento nomádico e global do artista atual (KWON, 2004).
16
Depoimento de Eduardo Viveiros de Castro a Renato Sztutman, Silvana Nascimento e Stelio Marras, em 1999
(SZTUTMAN, 2008, p. 41).
17
MATURANA, 2002, p. 67.
20
Para esse itinerário incansável de aprendizagem encarnada, Edgar Morin escreveu
sobre a importância de estudar arte, concebendo-a como um eixo fundamental formador do
sujeito. Para o autor, o estudo da arte ensina a viver, pois ela funciona como escola de
expressão do sujeito, escola da qualidade poética da vida, escola da descoberta de si, escola
da consciência da complexidade da vida e escola da compreensão da natureza humana
18
. A
aprendizagem animada através do saber artístico ramifica as dimensões da experiência
cotidiana para além dos ritmos da vida utilitarista, estimulando o sujeito a ser capaz de
subverter continuamente a função do tempo-máquina e de manejá-la a favor de outras
categorias de produtividade. O saber artístico constitui um lugar potencial da artesania do
cotidiano, traçando os registros das alteridades do espaço.
Outros espaços é o título de uma conferência de Michel Foucault de 1967 na qual
detecta os dois tipos de lugares-outros: as utopias (espaços irreais correspondentes à ideia de
uma sociedade aperfeiçoada) e as heterotopias (espaços existentes que funcionam como
contra-lugares, utopias realizadas). As heterotopias são lugares existentes que abrigam as
situações de crise ou de desvio, nas quais os indivíduos ou grupos afastam-se das regras e
das normas sociais convencionais. o lugares “[…] que têm a curiosa propriedade de estar
em relação com todos os outros posicionamentos, mas de um tal modo que eles suspendem,
neutralizam ou invertem o conjunto de relações que se encontram por eles designadas,
refletidas ou pensadas
19
. As heterotopias, espaços de representação de lugares de uma dada
cultura, são “[…] uma espécie de contestação simultaneamente mítica e real do espaço em que
vivemos”
20
. Entre os seus exemplos estão o cemitério, o hospital, a prisão e finalmente as
bibliotecas e os museus, os quais incluem uma heterocronia correspondente, necessária ao
seu funcionamento: colões, acervos, museografias, curadorias, ambiências
Mas as heterotopias encarnam uma ambiguidade: passada a sedução inicial de lugar
de liberdade e contestação da lógica vigente que sugere o texto de Foucault, as heterotopias
são exemplificadas através de espaços convertidos em lugares de poder e de controle, que
apenas dão abrigo, como estratégia de exclusão, às contestações e às relações de suspensão,
neutralização ou inversão, sem que elas possam ser revertidas em poder criativo, mas
simplesmente reprimidas.
Por outro lado, Foucault também fala do teatro, do cinema e da composição
paisagística dos tapetes e dos jardins o jardim como heterotopia feliz e o tapete como um
jardim que pode ser deslocado através do espaço – como exemplos de heterotopias que
sobrepõem em um espaço real, simultaneamente, vários outros espaços. Nesse contexto,
podemos localizar os espaços produzidos pela arte, aqueles que propõem uma ruptura do
homem com a sua tradição temporal e espacial.
18
MORIN, 2002.
19
FOUCAULT, 2001, p. 414.
20
Ibidem, p. 416.
21
A política e a arte, tanto quanto os saberes, constroem ficções”, isto é,
rearranjos materiais dos signos e das imagens, das relações entre o que se vê
e o que se diz, entre o que se faz e o que se pode fazer. [...] As ficções da arte
e da política são, portanto, heterotopias mais que utopias
21
.
Jacques Rancière acrescenta a política à arte no conjunto das heterotopias e convalida
o poder dos processos de ficção como prospectivos e transformadores da realidade. Pela sua
condição de rearranjo material, as alteridades do espaço, imprevistas sob o ponto de vista do
conhecimento regulado e desveladas pelo lugar heterotópico da arte, distinguem-se das
utopias pela sua experiência encarnada. Entretanto, como podemos perceber, as alteridades
do espaço o são exclusividade dos espaços produzidos pela arte e encontram-se livremente
nos contextos cotidianos apenas em dependência de um observador que lhes desenhe a
cartografia apropriada, geografias portáteis que são.
A aprendizagem das alteridades do espaço pressupõe uma epistemologia estética,
termo usado por Viveiros de Castro ao apresentar os índios como seres estéticos. A forma
coexistente da geografia nas artes é um modo de prodão e disseminação que abrange
experiências múltiplas, muito am da moldura da objetividade. Reivindicando poder de saber à
arte, Viveiros de Castro escreveu:
No caso do Ocidente, é como se o pensamento selvagem tivesse sido
oficialmente confinado à prisão de luxo que é o mundo da arte; fora dali ele
seria clandestino ou ‘alternativo’. Para nós, a arte é um contexto de fantasia,
nos ltiplos (inclusive pejorativos) sentidos que poderia ter a expressão: o
artista, o inconsciente, o sonho, as emoções, a estética… A arte é uma
‘experiênciaapenas no sentido metafórico. Ela pode até ser emocionalmente
superior, mas não é epistemologicamente superior a nada, sequer ao ‘senso
prático’ cotidiano. Epistemologicamente superior é o conhecimento científico: é
ele quem manda. […] É justamente essa distinção que parece não fazer
nenhum sentido no que eu estou chamando de epistemologia xamânica, que é
uma epistemologia estética
22
.
Uma epistemologia estética emprega a arte como experiência de conhecimento, como
operação não dicotômica referente à bipolaridade ocidental e positivista que envolve a arte e
a ciência – necessária ao estudo dos fenômenos da vida. Para os índios, os rituais e as
pinturas correas o são adorno, e sim rede de comunicação dos códigos de compreensão
ambiental. A indistinção entre imagem pintada e ciência escreve as pautas da enciclopédia
indígena, onde coisas, animais e humanos frequentemente mudam entre si de papéis num
mundo sem a hierarquia da dominação colonizadora: uma ecologia cotidiana corpos-a-corpos.
A experiência das expedições, dos mapas e das paisagens dos viajantes das ciências
naturais contamina as práticas artísticas que investem no retorno ao site, à experiência
cotidiana e na ruptura com uma ideia de arte autônoma. Essas três imagens historiográficas do
pensamento geográfico o contextos de análise que oferecem pistas históricas que
21
RANCIÈRE, 2005, p. 59, 62.
22
SZTUTMAN, 2008, p. 42-43.
22
atravessam transversalmente a prática artística, tanto como referência e diálogo com o
passado quanto como diretrizes críticas para o futuro.
Sistemas de poder, sistemas econômicos, situações de exílio e desterritorialização,
solidão e coletividade, traçados de infraestruturas territoriais, trânsitos globais de pessoas e
produtos ou registros de microhistórias inaudíveis ocupam os temas desenvolvidos pelos
artistas. As suas expedições, mapas e paisagens salientam na geografia o relevo das
alteridades do espaço, transportando o conhecimento espacial para territórios culturais onde
ele passa a atuar sem um rótulo disciplinar.
Na expedição, comparecem corógrafos, colecionistas, antropólogos e artistas. A
corografia prática que data de milênios e é definida como uma descrição do orbe conhecido
incluindo abundantes dados históricos, mitológicos, físicos, etnográficos, etc.
23
pode ser
verificada como procedimento de rias propostas artísticas. A prática da arte como corografia
agencia tentativas de estudo e compreensão do mundo perversamente globalizado, onde as
lacunas e desigualdades explodem num território que não se apresenta nos mapas, nas
paisagens e nas políticas oficiais.
Se a artista Ursula Biemann investiga que tipos de mundos visuais são criados nesse
processo de globalização, perguntamos: que categorias de paisagem redefinem as bases de
uma corografia atual? Alargando a trilha traçada por Robert Smithson e Gordon Matta-Clark, a
atuação de Biemann pressue o hábito, a vivência do campo. Enquanto a corografia de
Smithson é intertextual, Biemann retoma a tradição da descrição como prática de campo
desenvolvendo-a como linguagem dialética site e non-site, um meio simbólico de redesenho do
espaço: Eu não estou em busca da realidade uma noção que provou ser uma ficção em si
mesma – mas estou interessada em produzir um construto artificial.”
24
Corolário das expedições, o colecionismo praticado pelos artistas Alberto Baraya, Joan
Fontcuberta ou Mark Dion discutem o acúmulo, a constrão da taxonomia e os processos
culturais que dão legitimidade ao sistema científico e ao circuito da arte. Plantas de plástico
Made in China, animais inventados, folhas secas e souvenires fazem parte de coleções
advindas e ao mesmo tempo endereçadas ao cotidiano urbano entendendo que a noção de
exótico sempre pode ser encontrada dentro mesmo de casa. Assim, no entendimento do
colecionismo como experiência remota da paisagem, o ponto crucial da coleção não é a sua
possibilidade de completude, mas simplesmente o seu início.
O travelogue ou diálogo de viagem transformado em manual de navegação do escritor
Julio Cortázar e sua companheira Carol Dunlop e dos artistas Cildo Meireles e Janet Cardiff
são propostas, diversamente entre si, de ocupão do espaço. A apropriação dos espos é o
que oferecem esses manuais de navegação, registros de geografias portáteis, em detrimento
da experiência muda de vencer disncias. Seja na rodovia que conecta Paris a Marseille
23
MELA, 1989.
24
Depoimento extraído de <www.geobodies.org>. Acesso: 20 de mar. de 2008. Tradução nossa.
23
(Cortázar e Dunlop), na cidade alede Münster (Cardiff) ou ainda num outro lugar de nossa
prefencia (Meireles), esses viajantes descrevem a possibilidade de itinerários rumo às
alteridades do espaço.
O mapa oferece-se como campo narrativo para a complexa experiência do localizar-se.
Se estamos habituados à herança utilitária dos mapas técnicos clássicos, desenvolvidos a
partir do olhar distante e da projeção cilíndrica, reconhecemos a estaticidade e a rápida
obsolescência de tal representação e a aparição eloquente dos mapas performativos
25
. A
história da cartografia testemunha mapas que abrigavam tanto porções conhecidas da Terra
quanto os seus abismos: o mapa foi a morada dos monstros, dos mitos e dos medos,
abrindo lugar também para o desconhecido. Os artistas Joan Brossa, Alberto Baraya, Ângela
Detanico e Rafael Lain o continuidade à historiografia do mapa-como-relato, interrompida
com o mapa moderno, produzindo mapas que retomam a nossa convivência com os abismos
cotidianos. Depois da experiência histórica dos surrealistas belgas e do artista Joaquín Torres
García no esforço de reterritorializar o mapa, conferindo-lhe a forma de manifesto, os artistas
atuais transformam a análise sintática da cartografia existente em novas possibilidades
semânticas.
Categoria herdeira da cultura da visualidade, a paisagem fez-se sinimo de o que a
vista alcança. Com uma história ocidental que tem o seu icio na Roma Antiga, a pintura de
paisagem exclui da cena o sujeito que olha para que ele possa ver mais e melhor, à distância.
Entretanto, à maneira do esforço de habitar o mapa, os artistas que registram as alteridades do
espaço operam na paisagem entendendo-a como mídia material para armazenar (novos)
dados. Nessa operação, a paisagem pode resultar tão desmesurada quanto aquelas das terrae
incognitae visitadas e retratadas pelos exploradores do século XVIII. Os artistas Nelson Felix,
Antoni Muntadas, Michael Wesely e Trevor Paglen incorporam a dimensão do invisível e do
desconhecido da paisagem e trabalham a inserção de um discurso: a paisagem o é mais
coisa capturada para tornar-se um dispositivo elaborado de produção e comunicão.
A produção artística dos anos de 1960 e 1970 assistiu à criação de espaços expositivos
propostos pelos artistas que tinham como característica ser “[…] espaços expositivos
mimetizando uma museografia particular e uma museologia crítica e irônica”
26
. É o caso de
Marcel Broodthaers, Claes Oldenburg, Daniel Spoerri, Andy Warhol ou Joseph Beuys. A
museologia crítica transformou-se, a partir dessa época, num gênero artístico legítimo, uma
espécie de comentário crítico do próprio sistema que a abrigava, uma estratégia de
desnaturalizão do circuito
27
.
Como um importante precursor da museologia crítica como gênero artístico, Marcel
Broodthers dizia que “a ficção nos permite abarcar ao mesmo tempo a realidade e aquilo que
25
COSGROVE; MARTINS, 2001.
26
HUCHET, 2008, p. 46.
27
BASBAUM, 2008.
24
ela dissimula”
28
. Por isso construiu em 1969 o seu museu particular, o Museu de Arte Moderna.
Departamento de Águias, Setor do Século XIX instituição fictícia mas ativa e itinerante cujo
emblema era a águia e desativou as formas de legenda, autenticão, preservação e
produção da obra de arte e a sua inserção nos museus.
Esta tese é, antes de tudo, ela mesma um espaço expositivo, um museu que critica o
museu e uma tese que critica a tese, propondo-se enquanto forma aberta e enquanto lugar de
modos diversos de apresentação da informação. Projetos fragmentários se fazem presentes ao
longo do texto da pesquisa e, distintamente das ilustrações que respectivamente o seguem,
constituem formas possíveis de ntese, indagação e produção visual de conhecimento. Assim,
algumas vezes a reflexão se apresenta como proposição (artística?), que é também um
experimento (científico?). Assim, um filme e um ensaio fotográfico no Google Earth, uma
coleção particular e um projeto de exposição fazem parte do conjunto dos chamados capítulos
do volume, propostos como formas ampliadas de texto.
O projeto de exposão apresentado traz imagens colecionadas, classificadas e
expostas imaterialmente por meio da disponibilidade global dos dados. Uma coleção baseada
na posse democrática de imagens capturadas em fotografias in loco, livros e websites; Private
Collection sem museu, projeto de curadoria sem espaço expositivo específico. A presença
assumida da coleção é importante porque a coleção constitui a produção de um espaço
sempre aberto a novas incorporações e a novos recortes curatoriais.
O termo geografia experimental foi proposto pelo geógrafo e artista Trevor Paglen para
incorporar à geografia, simultanamente, o otimismo da existência de um mundo melhor e a falta
de garantias de tal mundo, significados acoplados à palavra experimento: “Geógrafos não
estudam geografia simplesmente, eles criam geografias. […] Quando essa ideia é incorporada
à prática, é o que chamo de ‘geografia experimental’”
29
.
Artistas sempre criaram geografias, se entendemos que a produção cultural é tamm
uma prática espacial. A geografia portátil é a compreensão da paisagem como construção
crítica e a geografia como prática cultural. Se o artista dispositivo de atuação é um “[…]
personagem em contínuo deslocamento através de práticas, saberes e discursos
30
, ele é em si
mesmo um agente de criação de geografias portáteis.
28
HUCHET, 2008, p. 47.
29
PAGLEN, 2008, p. 31.
30
BASBAUM, 2008, p. 63.
25
Cidades em instalação
Environment
Land art
Earthwork
Site-specific
Site
Non-site
Building cut
Campo expandido
Arte pública
Arte ambiental
São termos do vocabulário das artes visuais que vêm expandindo a prática artística a
partir da metade do século XX, dinamizando o objeto de arte e modificando o papel do artista.
Todos os termos listados fazem refencia ao espaço, ao lugar, ao ambiente ou ao território
categorias geográficas. O pensamento geográfico trata, justamente, de delimitar essas
categorias historicamente
31
, ora buscando a sua especificidade disciplinar, ora estudando as
suas interseções inegáveis com outras disciplinas.
Os fragmentos sempre podem ser recolhidos, mesmo no cenário da
modernidade, na emergência de muros e fronteiras. Conceitos sempre podem
escapar dos limites de uma disciplina e alojar-se no centro das preocupões
de outra. Desregulamentado, marginal ou periférico, (des)institucionalizado,
afastado das corporações, um conhecimento socioespacial espreita de
amplas e férteis planícies o movimento aprisionado da disciplina.
32
Ao provocarem a desintegração do objeto de arte tal como se conhecia, as práticas
artísticas da segunda metade do século XX produziram conceitos de espaço que se
apresentam, por sua vez, fragmentariamente, perifericamente, dispostos a serem transportados
até outros campos do conhecimento e a iniciar, ali, um diálogo. Se os artistas aplicam métodos
geográficos tais como a expedição, o mapeamento, a vista rea e o diagnóstico do território,
eles produzem, com a sua prática, conceitos sempre à espreita.
31
Com a publicação do primeiro volume de Antropogeografia do alemão Friedrich Ratzel, em 1882, inicia-se uma
tentativa de delinear a relação da ciência geográfica com os homens que escrevem essas grafias. Neste percurso, o
determinismo de Ratzel é seguido pelo pensamento possibilista do francês Paul Vidal de la Blache, na virada para o
século XX. Responsável pelo legado do pensamento sobre a unidade terrestre, Paul Vidal de la Blache escreve uma
obra na qual a geografia é feita de história natural, da sica da terra. Tal pensamento fundamenta o
desenvolvimento da geografia moderna. As chamadas geografias s-modernas, em menor escala do que as ainda
predominantes geografias modernas, investigam as relações da produção histórica do espaço e as suas implicações
políticas, econômicas e culturais, aproximando-se da antropologia, da sociologia, da filosofia, das artes.
32
HISSA, 2002, p. 286.
26
Mas a situação migratória dos conceitos existe apenas enquanto potência. É necessário
ativá-la. Ela fica à espera, prestes a se transformar em outra coisa, aos olhos de quem a
reconhece. Os conceitos migratórios frequentemente constroem-se sobre um conjunto de
contradições e ambiguidades, enfrentando a posão crítica que é característica das imprecisas
e férteis regiões de fronteira. Trabalhar no espaço blico, ocupar espaços desérticos, inserir-
se nas comunidades e nas suas dinâmicas, acoplar-se ou contrapor-se à arquitetura e ao
urbanismo da cidade implicam em fazer parte de um enredado sistema de agentes, de ões e
de contextos, e implicam em deixar de lado romantismos artísticos, heroísmos científicos e
inocências políticas.
Miwon Kwon escreveu que “[…] o espaço da arte não é mais percebido como um
quadro branco, uma tabula rasa, mas um lugar real.”
33
Assumindo que o real é sempre um
entendimento e que ele não existe por si só, isolado de uma tradução, encontramos, nesse
novo paradigma da arte, uma possibilidade de produzir e registrar conhecimentos sobre o
mundo, na sua aproximação com o que poderíamos denominar de cotidiano. Esse posto de
lugar real ou cotidiano tem uma história, o que nos permite ver a crescente aproximação da
pesquisa artística com as pesquisas do espaço, os seus constantes desafios e as suas
contradições indissolúveis.
Acionada com a falência do alto modernismo, habituado à autonomia dos objetos
abstratos e à idealizão do seu espo de concepção, contemplação e distribuição, a
conquista do cotidiano pela arte encarrega-se da discussão conceitual e plástica dos contextos
nos quais o artista se insere. Dos Environments dos anos de 1950, passando pelo Minimalismo
e pela Land Art dos anos de 1960 e pelas possibilidades do site-specific desdobradas até os
dias de hoje
34
, o espaço é, sem dúvida, o elemento redentor assumido pelas artes visuais a
partir da pós-modernidade.
Depois das experiências dos Environments de Allan Kaprow
35
, das instalações em
galerias fora do circuito comercial e ao lado das intervenções de Gordon Matta-Clark
36
em
edifícios abandonados, aparecem, no fim da década de 1960, as primeiras práticas de
Earthworks ou Land Art, consideradas o corolário dos Environments por alargar a sua escala
arquitetônica para a dimensão do território.
A Land Art corresponde à prática de artistas que, nas décadas de 1960 e 1970, no
contexto do debate da arte no campo expandido
37
, experimentam novos espaços físicos nas
artes plásticas incluindo aqueles isolados e distantes do circuito urbano dos museus e das
33
KWON, 2004, p. 11. Tradução nossa.
34
Miwon Kwon propõe três paradigmas para o site specificity: fenomenológico ou experimental, social/institucional e
discursivo (KWON, 2004).
35
O artista Allan Kaprow nasceu nos Estados Unidos em 1927 e morreu em 2006.
36
Gordon Matta-Clark nasceu em 1943 e faleceu em 1978, nos Estados Unidos.
37
Em texto de 1978, Rosalind Krauss propõe novas operações para dar conta das profundas transformações que
sofria a escultura que o podia mais ser descrita como moderna: “Na situação da s-modernidade, a prática não
se define em relação a um determinado meio a escultura mas em relação às operações lógicas sobre um
conjunto de termos culturais, nas quais pode ser utilizado qualquer meio fotografia, livros, linhas nas paredes,
espelhos ou a própria escultura” (KRAUSS, 1996, p. 301-302. Tradução nossa).
27
galerias. Nos anos de 1960, havia entre os artistas dos Estados Unidos uma atmosfera de
crítica ao mercado, às instituições e aos espaços convencionais de exposição, principalmente
os museus e os seus patrocinadores, alguns deles conectados ao financiamento da Guerra do
Vietnã. O tema do espaço e do tempo vinha sendo discutido pelos artistas da instalação, da
performance e dos happenings, mas com a Land Art começa uma reflexão que aproxima de
maneira mais radical a arte e as queses territoriais da geografia.
Terras ignoradas e estranhas aos mapas, numa época na qual a distância não era de
modo algum um entrave tal como o era em séculos precedentes, são reconhecidas por Robert
Smithson
38
como paisagens entrópicas. A entropia é definida pela física como a quantidade de
energia de um sistema que não pode ser convertida em trabalho mecânico sem comunicação
de calor a algum outro corpo, ou sem alterão de volume. Tais paisagens arruinadas, fruto de
um fenômeno ao mesmo tempo natural e cultural, são marginais, testemunhas da parte não
utilizável da energia contida num sistema ou matéria. As paisagens excluídas dos cartões
postais. As paisagens ocultadas pelas mineradoras e pelas siderúrgicas. As paisagens
abandonadas e esquecidas.
Na paisagem obscura
Na montanha desolada
Na terra ressecada.
No deserto queimado.
No solo poeirento.
No monte de lixo.
No amontoado de esterco.
No terreno arruinado.
Na planície vazia.
Essa é a nossa herança
La Bas: rocas caindo sobre rocas
Pedras caindo sobre pedras.
Areia caindo sobre areia.
Pó caindo sobre.
39
Familiarizado tanto com a pintura expressionista como com a racionalidade do
pensamento científico da sica, química e botânica, Smithson introduziu a rota e o
deslocamento como pressupostos para a arte. Ele percorre os espaços, os fotografa, os
cartografa, os descreve e finalmente os reconfigura. Seu interesse pela temporalidade da
paisagem e pela temporalidade da atuação do artista, pelas expedições e pela representão
cartográfica o levou naturalmente a locar esculturas em situações exteriores ao contexto dos
museus e galerias. Mas o eram esculturas fabricadas fora e implantadas ali, e sim esculturas
híbridas, feitas com matéria da própria paisagem: Trata-se de uma catástrofe silenciosa da
mente e da matéria
40
. Os diários de bordo ilustrados, a narração de viagem e a confecção de
mapas aparecem como formas de discurso sobre o espaço tão eloquentes como as esculturas
38
Robert Smithson nasceu em Passaic, New Jersey, em 1938 e faleceu no Texas, Estados Unidos, em 1973.
39
Robert Smithson, To the Man of Ashes, 1961, extraído de: TSAI, 2004, p. 15. Tradução nossa.
40
SMITHSON, 1996, p. 194. Tradução nossa.
28
in situ. Num momento posterior, as mesmas paisagens distantes o inseridas no álbum de
imagens culturais por interdio da museificão da experiência do artista. Smithson nomeou
esse traslado: site e non-site.
Frente ao mundo um site –, entendido por Smithson como um texto sem edição,
constituido de complexidades abertas, é criada, através de suas instalações, uma forma de
discurso, um texto editado, uma espécie de foco non-site que o transporta fragmentaria e
momentaneamente da margem para o centro. “O meu sentido de linguagem é que ela é
matéria e não ideias isto é, matéria impressa’
41
. O território descontínuo da Land Art nunca
é somente a sua localização na terra, mas o sistema ecomico entrópico e o sistema cultural
que o torna possível e inteligível.
Walter de Maria
42
declarou que o isolamento é a essência da Land Art. Percursos,
registros fotográficos, cinematográficos, mapas e relatos são empregados na percepção e
documentação da Land Art, introduzindo na arte a grande escala, a tensão entre o olhar
vertical e o olhar horizontal e logo a crise do lugar do observador. Ao mesmo tempo em que ela
problematiza a observão da obra de arte, problematiza também a leitura do território. Este se
transforma em um tableau vivant repleto de informações que são lidas por contraste:
natureza/cultura, vazio/cidade, site/non-site. O isolamento que a Land Art busca é uma
construção teórica e territorial dessas dicotomias. Entretanto, o ato do deslocamento não
garante o aspecto de lugar externo à cultura. De fato, a premissa das dicotomias
vazio/ocupado, rural/urbano ou natureza/cultura soa frágil, tendo em vista o desenrolar do
pensamento ecológico. Mas, apesar disso, a noção de site e de non-site tem a hábil
capacidade, ao introduzir o mundo e seus sistemas como campo de trabalho, de desenvolver
uma conexão entre paisagem e intencionalidade e entre território e linguagem, tensionando as
linhas infraestruturais da relação in situ e in visu.
De cima, o território se apresenta sob o desejo da totalidade: macrospico, o olho
avista o desenho da terra e coleciona imagens do álbum de fotografias de Alex MacLean
43
. De
um avião, que causou a morte prematura de Smithson, a obra de Land Art é um trado
cultural como muitos outros. Embora os impactos de ocupação humana sejam frequentemente
resultado de desejos técnicos, de forças econômicas e de monoculturas destrutivas, a
visualidade aérea do território não distingue entre os seus vestígios de ocupação técnica,
histórica ou artística. se encontra um ensinamento da experiência da grande escala da Land
Art: uma estratégia de aproximação a uma escritura ampla e complexa do mundo. Uma grafia a
mais, um idioma a mais, um manuscrito a mais.
41
Ibidem, p. 61. Tradução nossa.
42
Walter de Maria nasceu em Albany, Estados Unidos, em 1935.
43
O fotógrafo Alex MacLean nasceu em 1947 nos Estados Unidos. Sua obra pode ser vista em
<http://www.alexmaclean.com>. Acesso em: 10 jul. 2009.
Fig. 04 – Robert Smithson. Fragmento de mapa. 1967.
Fonte: <http://www.robertsmithson.com>. Acesso: 10 de jul. de 2009.
29
Fig. 05 – Robert Smithson. Spiral Jetty. 1970.
Fonte: FLAM, 1996.
30
Fig. 06 – Gordon Matta-Clark. Splitting. 1974.
Fonte: LEE, 2001.
31
32
Gordon Matta-Clark aparece como exemplo fundamental da expedição urbana nos anos
de 1970. Interessado por construções abandonadas e condenadas, fez intervenções chamadas
de building cuts, executadas imediatamente antes que a construção fosse derrubada. Seus
trabalhos denunciavam uma mudança de interesse com relação à noção de isolamento em
direção à dinâmica de ocupação e transformação da cidade em suas áreas marginais.
Escolhi, em vez de me isolar da condão social, trabalhar diretamente com
condições sociais, seja por intermédio de implicações físicas, como em grande
parte de minhas construções, seja através de uma participação mais direta da
comunidade, que é como quero ver minha obra desenvolver-se no futuro.
Contextos diferentes é a minha principal preocupação e minha maior
separação da earth art. Na verdade, é a atenção ao específico, às áreas
ocupadas da comunidade
44
.
O lugar, tal como o descreve Matta-Clark, abrange a não do espaço brido de que
falava Milton Santos, o enredamento dos sistemas de objetos e dos sistemas de ações,
incorporando à experiência fenomenológica do lugar outros estratos de significação e de
cognição. Assim, vemos nas décadas seguintes, que a noção de espo público tende a ser
cada vez mais deslocada do território sico formal, delimitado e estanque, para assumir a
dinâmica do itinerário, da negociação entre grupos, do processo entre espaços, do espaço
globalizado, do safári na Internet.
A atuação no espaço blico lida com as questões que definem o caráter mesmo do
público a possibilidade da espontaneidade, da coletividade, do convívio, do aprendizado, da
criatividade. Se, no início da segunda metade do século XX, as obras site-specific estabeleciam
uma relação formal com o lugar
45
, quando estavam em jogo as condições sicas e
compositivas, hoje elas entendem a noção intertextualmente: expandem o espaço em queso
e articulam-se com uma gama de outras disciplinas e discursos. Kwon alarga a ideia do site-
specific que fazia referência ao lugar físico e fixo para uma concepção de lugar intertextual,
lugar fluido e virtual.
[…] o lugar é agora estruturado (inter)textualmente em vez de espacialmente, e
o seu modelo o é um mapa mas um itinerário, uma sequência fragmentária
de eventos e ações através dos espaços, ou seja, uma narrativa nomádica cuja
trajetória é articulada por meio da passagem do artista
46
.
Um exemplo: a artista Lara Almarcegui
47
faz um inventário dos espaços vazios, ociosos
ou esquecidos da cidade e consegue com que eles assim permaneçam por um certo período.
44
REISS, 1999, p.116. Tradução nossa.
45
A prática do site-specific inaugurou a frase “remover a escultura é destrui-la”, pronunciada por Robert Barry em
1969 e por Richard Serra em 1984. O sedentarismo da escultura que era concebida para interagir, segundo a sua
composição, especificamente com um contexto e suas características físicas foi gradativamente assumindo um
caráter migratório, tanto por meio das novas pesquisas e interesses artísticos como pela própria dinâmica da rede
internacional de colecionadores de arte, culminando nas pias site-specific, reconstrução ou remontagem de
obras em circuitos expositivos diversos daqueles que originalmente as abrigaram.
46
KWON, 2004, p. 29.
47
Lara Almarcegui nasceu em Zaragoza, Espanha, em 1972.
33
Ou, ainda, reativa uma função adormecida ao reformar, pintar e ocupar estruturas e abrigos
abandonados. O seu trabalho configura formas ainda que temporárias de uso da cidade
que sugerem e fomentam a qualidade poética, o devir público e a vida comunitária.
Um volkstuin é um terreno próximo às vias de trem ou rodovias onde os
habitantes da cidade cultivam hortaliças e flores. Numa situação onde a casa, o
espaço de trabalho e o espo recreativo foram massivamente planificados, os
volkstuin o uma contestação do estado das coisas porque o um dos
poucos lugares da cidade que o foram projetados por urbanistas e
arquitetos, mas por seus usuários. Com a finalidade de aprofundar no estudo
dos volkstuin e, depois de refletir sobre a minha postura como artista, decidi
fazer parte da comunidade dos volkstuin. Este projeto é um experimento
desenvolvido em tempo real, num lugar específico (três anos trabalhando num
quintal de uma associação de hortas de Rotterdam) e consiste em iniciar um
jardim, construir uma casinha e passar horas trabalhando ali com todas as
implicações que isso possa ter.
48
As paisagens de Almarcegui o têm a planura da imagem fotográfica, apesar de se
apresentarem como uma série de fotografias e textos, mas possuem a profundidade do vácuo,
da fresta de ocupação, frente à fachada veloz das transformações urbanas. Não resultam
paisagens contemplativas, mas operativas. Ela propõe cartografias (com a consciência de sua
efemeridade) da anacronia, como fez no Guia de Terrenos Baldios, apresentado na 27ª Bienal
de Arte de São Paulo, em 2006, no qual reuniu os lotes vagos de algumas regiões da cidade.
As suas interveões, que consistem muitas vezes simplesmente na descoberta e na
sinalizão desses lugares, deslocam a paisagem temporal para a frente da cena, mas ao
contrário: é a permanência do vazio em vez da velocidade de transformação e ocupação
responsável por acelerar o esquecimento dos espaços. Almarcegui discute o domínio
econômico do turismo e a evidência com que ele escreve o futuro da cidade e esquadrinha a
situação da paisagem instrumentalizada através do crescente domínio fundiário sob a ótica
compulsiva do mercado que negocia belas vistas” ou – imperdível!a “vista definitiva”.
alguma incompatibilidade na aplicão prática da estratégia artística dos terrenos
baldios, da ocupação de construções abandonadas e do cultivo das hortas urbanas de
Almarcegui? Com essas propostas atuando em larga escala, sem dúvida a cidade seria um
lugar melhor. Entretanto, a arte encarna o fato ambíguo dentro do paradigma do lugar real
de ser um dispositivo de pensamento e ação simbólica, mesmo quando aparentemente é
bastante prática e promissora como quando cultiva uma horta ou esforça-se em dificultar a
compulsão construtiva imobiliária.
48
ALMARCEGUI, 2006. Disponível em <http://habitat.aq.upm.es/boletin/n38/alalm.html>. Acesso: 01 dez. 2008.
Tradução nossa.
34
Fig. 07 – Lara Almarcegui. Construindo minha horta urbana, Rotterdam 1999-2000.
Fonte: ALMARCEGUI, 2006.
Fig. 08 – Lara Almarcegui. Três semanas restaurando uma cabana de jardim, Falsburgo 2000.
Fonte: ALMARCEGUI, 2006.
35
A institucionalização da arte e do artista, bem como a sua aplicação publicitária na
estratégia de marketing de cidades, reforçam a contradição do comprometimento do artista
com contextos comunitários: a arte frequentemente se liberta de supostas responsabilidades
ou capacidades sociais uma vez que, como escreveu Martí Peran, a arte tem o direito de poder
fracassar.
A arte, como é sabido, tem licença para fracassar, de modo que a delegão
das políticas sociais ao âmbito cultural tem um benefício duplo para a
instituição envolvida: não essubmetida à pressão de obter efeitos tangíveis
e, além disso, torna publicitário o seu apoio à arte contemporânea e os seus
desejos manifestos de utilidade pública.
49
A relão entre o que Nicolas Bourriaud chamou de representão artística
50
, tranquila
e legitimamente distanciada das estatísticas e dos efeitos tangíveis, e a produção efetiva do
espaço gera graus variados de intersão da arte com o cotidiano vagueando de uma
aplicabilidade anti-commodity a uma teatralizão da experiência vivida num evento onde
espectadores convertidos em atores voluntários encenam, conscientes do espetáculo, o
momento legitimado ao mesmo tempo como “cotidiano” e como “história da arte”.
Essa situação deixa evidentes as limitações da prática da arte blica que, em direção
oposta ao embelezamento esteticista das cidades, prefere inserir-se nas redes sistêmicas do
contexto que extrapolam as dimensões físicas e fazem emergir os seus vetores sociais,
culturais, econômicos, poticos e resolve conferir ao artista o papel de hacker urbano
51
,
invadindo e desconstruindo as suasgicas.
Kwon classifica os modelos de interação com a comunidade praticados pela arte desde
os anos de 1960 como: unidade mítica ou a comunidade como uma categoria social
relativamente distante, teórica; apropriação de comunidades locais com organização e
identidade já existentes; e produção de comunidades inventadas, novas, que podem ser
temporárias ou contínuas e sustentáveis. Deixando de lado o conforto retórico do mítico e
tomando o desafio das incertezas das comunidades, tanto existentes como propostas, são
formulados experimentos de campo que justaem promissoramente o processo ao resultado.
49
PERAN, 2007, p. 50. Tradução nossa.
50
A representação artística é uma operação de transferência: ela recorta, transporta ou desloca um fato escolhido e
o seu espaço-tempo correspondente para esse lugar ambíguo da arte. Nicolas Bourriaud escreveu que, embora
disfarçado na sua forma expandida, não nos iludamos quanto à superação de paradigmas: ainda que se ocupe
inteiramente do espaço praticado, a arte é uma zona offshore, agindo à distância, por diferenciação, “[…] nem
integrada totalmente na sociedade, nem limitada totalmente a um papel de observação neutra […]” (BOURRIAUD,
2008, p. 18. Tradução nossa).
51
O termo hacker urbano foi desenvolvido na minha dissertação de mestrado, elucidando a capacidade do artista
em penetrar nas redes informacionais da cidade e subverter o conteúdo publicitário da mensagem. Nos últimos anos
da década de 1990, ocasião em que escrevi o ensaio, a arte pública experimentava a desmaterialização e a
efemeridade, apresentando novas imagens e textos em projeções e impressões sobre a superfície matérica da
cidade, inflitrados em painéis informativos, mega-projeções ou outdoors. A efemeridade discutia a memória da
paisagem urbana e propunha a vivência de uma cidade crítica, à maneira dos situacionistas. Uma possibilidade de
cidade, uma experiência de outras formas de viver: cidades em instalação, em vias de nascer para cumprir funções
simbólicas obscurecidas pela vida funcionalista. Essa espécie de urbanismo temporário mostrava-se como eventual
e pedagógico, distinto daquele urbanismo autoritário e supostamente seguro de seu futuro pragmático (MARQUEZ,
2000).
36
Bourriaud, assim como Kwon, falam desde dentro do sistema da arte, onde a exposão
ainda é tida como o dispositivo fundamental de operação do artista e acaba sendo o lugar
privilegiado de convergência e discussão desses experimentos, numa relação tipicamente
site/non-site. Bourriaud escreveu: Quando tenho respostas sobre algo, posso escrever um
livro; quando fo perguntas, sou curador de uma exposição.”
52
A exposição como um lugar de
perguntas encarna o papel do museu como laboratório e como lugar de encontro e pesquisa,
também ele uma produção específica de espaço.
Em vez de apresentar a arte pública como supostamente transformadora do espaço,
protagonista privilegiada de um tipo de urbanizão geradora de cidades em instalação
53
,
agora imaginamos a arte como veículo de estudo e criação de um repertório cognitivo sobre o
espaço. Das cidades em instalação às geografias portáteis, a interão da arte com o que
Cássio Hissa chamou de conhecimento socioespacial realiza-se agora de novas maneiras. A
relação site/non-site tem a sua noção de site violentamente atualizada. Após tantas operações
de institucionalizão e domesticão esterilizante, o espaço urbano não é mais o lugar
estratégico de comunicação da arte, ou a ambiência preferida do site-specific. Outros contextos
urbanos expandidos para além da fisicalidade da rua, da praça e do edifício o utilizados
pelos artistas: os museus de história natural, as bibliotecas, endereços na Internet, instituições
científicas, fronteiras geográficas, zonas francas, Google Earth, Google maps. Do site-specific
passamos ao site genérico: o lugar global, o ambiente dos macrossistemas econômicos, o
território das infraestruturas internacionais.
No site gerico global atuam artistas investigadores, coletores, colecionadores,
espiões, estrategistas. Conscientes das ficções culturais a que fomos submetidos, desde a
modernidade, que se conectam tanto às estratégias do colonialismo quanto à memória
científica, os artistas envolvidos com as questões sociais preferem hoje tratar essa herança
como uma espécie de folclore científico. O artista-etc “[…] quando o artista questiona a
natureza e a função de seu papel como artista […]”
54
termo que Ricardo Basbaum usa para
reconhecer o artista que se vê, cada vez mais, como um dispositivo de atuação
55
, desenvolve
instrumentos críticos que agenciam mobilidades não espaciais mas também mobilidades
nas diversas formas do saber.
Esses artistas praticam, cada um da sua maneira, a ideia de epistemologia estética,
entendida como uma rede de pensamentos e ões acerca da prática de conhecer o mundo a
partir de sensibilidades ampliadas. Isso se torna possível no contexto de um pensamento que,
tanto do lado da arte como do lado da ciência, é capaz de lidar com o outro em termos de
sujeitos e não da relação sujeito-objeto, típica do positivismo. A proposta de geografias
52
Entrevista em vídeo com Nicolas Bourriaud, sobre os argumentos da exposição Altermodern. Tate Triennial.
Londres, Tate Britain, de 3 de fevereiro a 26 de abril de 2009. Disponível em:
<http://www.tate.org.uk/britain/exhibitions/altermodern/videointerview.shtm>. Acesso: 01 mar 2009.
53
Cidades em instalação: arte contemporânea no espo urbano é o título da minha dissertação de mestrado
desenvolvida entre 1997 e 2000 (MARQUEZ, 2000).
54
BASBAUM, 2005. p. 21.
55
Ibidem, 2008.
37
portáteis desloca a experiência da localidade do site-specific das cidades em instalação para
os itinerários da prática espacial através dos sites genéricos globais.
237
Geografias portáteis
“O peso do sujeito na noção do objeto”
363
é uma linha singela da enorme lista de frases
perfeitas que, infiltradas em diálogos de eternos forasteiros, compõem o livro Rayuela de Julio
Cortázar. O autor é, a cada conto, um arguto observador/protagonista da geografia humana e
os seus desencontros, traçando o mapa do naufrágio da cultura e do extravio do homem
364
.
Rayuela é um quase-diário de observão das relações geográficas de um grupo de quase-
amigos: Deixávamos as bicicletas na rua e nos internávamos pouco a pouco, parando para
observar o céu porque essa é uma das poucas zonas de Paris onde o céu vale mais do que a
terra”
365
. Cortázar reconheceu Rayuela como um texto demasiadamente intelectual mas
explicou, justificando, que saber e viver são atividades cujas ilimitadas combinações devem ser
cultivadas.
Rayuela peca, como tantas coisas minhas, de hiperintelectualismo. Não posso
nem quero renunciar a essa intelectualidade na medida em que posso
entroncá-la com a vida, fazê-la retumbar a cada palavra e a cada ideia. Utilizo-
a à maneira de um guerrilheiro, atirando sempre desde os ângulos mais
insólitos possíveis. o posso nem devo renunciar ao que sei, por uma espécie
de preconceito, em favor do que meramente vivo. O problema está em
multiplicar as artes combinatórias, em conseguir novas aberturas.
366
Entroncar a intelectualidade com a vida, a arte com a vida e a arte com a ciência é
ramificar a experiência de mundo rumo às suas formas guerrilheiras e rizomáticas, atirando
desde os ângulos mais insólitos. Cortázar elaborou um saber espacial que coincide com a
produção do seu espaço artístico e do seu espaço cotidiano. O entroncamento ciência, arte e
vida produz uma série de artesanias da prática geográfica, o artesão cotidiano na tarefa de
investigação e entendimento do mundo. É claro que essa disposição cartográfica o é
exclusividade do artista ou da arte, mas o artista-etc bem sabe como isso é importante para a
produção de um conhecimento antipositivista e pós-abissal e para a produção de uma
coletividade mais democrática.
Como geografias outras, o saber espacial produzido através das heterotopias da arte
apresenta maneiras de ver e de fazer que se relacionam criticamente com as maneiras com as
quais estávamos habituados. As heterotopias da arte estudam as infraestruturas e os
sistemas do mundo não para mapeá-los, reconhecendo-os, classificando-os e dominando-os,
mas para traçar o alcance do seu rastro até bem próximo do nosso espaço mais íntimo; para
enxergar a sua pregnância na microscopia do nosso cotidiano. O mecanismo de pesquisa
363
CORTÁZAR, 1988, p. 20. Tradução nossa.
364
Como escreveu Jaime Alazraki no prólogo da edição de 1988 de Rayuela, editado na Venezuela pela Ayacucho.
365
CORTÁZAR, 1988, p. 12. Tradução nossa.
366
Depoimento de Cortázar publicado no Prólogo de Jaime Alazraki ao livro Rayuela. Venezuela: Ayacucho, 1988, p.
XXX-XXXI.
238
empregado por tais geografias compreende a investigação vigilante, a identificão política de
alteridades do espaço e, finalmente, a invenção de geografias-motor de novas formas de vida.
Pensar a geografia portátil é justapor, num mesmo corpo, sujeito e paisagem,
experiência e conhecimento, espaço e prática espacial. A condição portátil desencadeia a
autonomia de ão e a liberdade de criação de novas ficções vitais, praticando uma
micropolítica “[…] uma analítica das formações do desejo no campo social […]”
367
de
entendimento e de proposição de formas de coexistência.
O portátil é aquilo que se pode transportar com facilidade. E se pode ser transportado,
algo portátil pode ser também compartilhado, distribuído, disponibilizado. Por isso, as
geografias portáteis são uma espécie de produção cultural e intelectual que se encaixa na
categoria de geografia experimental, como a definiu Trevor Paglen: os geógrafos, ao invés de
simplesmente estudar a geografia, criam geografias que são, por sua vez, geografias
compartilháveis. As geografias portáteis comportam uma produção de espaço que reflete
criticamente sobre os mecanismos da ppria produção do espaço.
A geografia experimental compreende práticas que assumem a prodão do
espaço de forma autorreflexiva, práticas que reconhecem que a produção
cultural e a prodão do espaço não podem estar separadas e que a produção
cultural e intelectual é uma prática espacial
368
.
Trata-se de um movimento de exteriorizão da subjetividade, entendendo-a não como
um traço interior e construído subcutaneamente, mas antes a subjetividade como uma
espacializão, uma prática espacial. Em vez de associar à subjetividade noções de
introspecção e isolamento, incorpora-se a ela a prática do deslocamento e do trânsito.
O escritor Adriano González León
369
, em sua novela de 1968 País Portátil, associa a
portatibilidade do espo (o país) à noção de utopia política de democracia no contexto da
Venezuela dos anos de 1960. A utopia é, por sua vez, tamm compartilhável e passível de
distribuição. No livro, o portátil é a metáfora daquilo que existe em desejo, no campo das
possibilidades, ou seja: daquilo que não existe na topia do mundo para se localizar em algum
ponto mental das representações e dos desejos espaciais. Mas o propomos o portátil como
metáfora ou como utopia e sim entendemos a geografia portátil como heterotopia, coexistência
efetiva, espaço em construção e disposto às relações.
A correspondência cognitiva entre site e non-site proposta por Robert Smithson na
década de 1960 abriu possibilidades para o trabalho de campo na arte. A prática da expedição
levou o artista a criticar os conceitos clássicos de paisagem e a construir outras formas de
entendimento, visualidade e discurso da paisagem. Os non-sites são finalmente paisagens que
esculpem, sintetizam e representam a própria condição portátil original do site.
367
GUATTARI; ROLNIK, 2008, p. 149.
368
PAGLEN, 2008, p. 31. Tradução nossa.
369
Adriano González León nasceu em 1931, na cidade de Valera, Venezuela, e faleceu em Caracas, em 2008.
239
As reverberações dos impactos da infraestrutura e do sistema ecomico depositados
sobre o território eram alvo de Smithson que, naquela época e à revelia da noção de
isolamento, percorreu as áreas afetadas, imaginando um diálogo com as figuras do industrial
ou do minerador. Seu interesse pelos territórios pós-industriais, ruínas ao reverso, vazios
urbanos, áreas mineradas e áreas de esria confere complexidade à noção de paisagem,
distintamente da ideia presente em alguns earthworks de outros artistas da mesma época.
Nossa consciência ecológica indica que a produção industrial não pode mais
permanecer cega à visualidade da paisagem. O artista, o ecologista e o
industrial devem desenvolver-se um em relação aos outros, em vez de
continuar a trabalhar e produzir no isolamento. Os valores visuais da paisagem
têm sido tradicionalmente de domínio daqueles envolvidos com as artes. Até o
momento, arte, ecologia e indústria, tal como existem, são na sua maioria
abstraídos das realidades físicas específicas de certos lugares ou paisagens.
370
Meio século depois, as questões presentes nas preocupações de Smithson relativas
à infraestrutura global ocupam, junto às dimicas do mercado internacional, a categoria de
site de maneira diferente. Ursula Biemann percorre, estuda e registra as reverberações da
instalação de um oleoduto transnacional, mas o non-site que apresenta o é um fragmento
matérico e escultórico do território, mas o que a artista chamou de sua contra-geografia, ou o
que preferimos continuar chamando de geografia, nas suas amplas conformações minoritárias
– em vez de contraposição, a coexistência em fluxo.
Biemann cartografa os movimentos e as microhistórias que suspendem e atravessam
como parênteses a linearidade projetual do oleoduto. O seu non-site abriga um trânsito ainda
maior de linguagens, disciplinas e discursos incorporando, no contexto do sujeito-paisagem, as
vozes das pessoas que conformam essas paisagens antropologicamente complexificadas.
Enquanto Smithson ainda se dedicava às queses compositivas e de certa maneira sublimes
da paisagem desolada, Biemann explode o território em suas múltiplas narrativas.
Mark Dion faz a noção de site oscilar entre o campo das viagens dos desbravadores de
séculos precedentes e entre a historiografia da ciência. Através de um conjunto de artesanias
científicas, inventa uma historiogeografia para a ciência. O site para Dion é sempre histórico no
sentido de que estabelece uma relação do atual com o virtual, do espécime com o seu habitat.
sempre uma temporalidade em crise, um intervalo de suspensão entre dois lugares que
criava originalmente a dialética site/non-site. A temporalidade da prática do artista, observada
nos procedimentos de Smithson, expande-se com Dion para uma temporalidade discursiva.
Dion cartografa itinerários na história dos mecanismos científicos e proe site-specifics
discursivos, instalações sobre os trajetos de cientistas que se dedicaram ao mapeamento e à
taxonomia.
370
SMITHSON, 1996, p. 379. Tradução nossa.
240
[…] fazer arte o é mais confinar-se aos espaços institucionais que
concebemos para tal atividade. Agora, está mais no campo”. O foco está nas
relações e nos processos uma ecologia da arte, se quiserem e não
exclusivamente em objetos descontextualizados que acabam funcionando
como espécimes naturais.
371
Alberto Baraya pratica a coleção como estratégia de reclassificação do sistema dos
objetos. Através do dispositivo da lâmina botânica, ele cria um non-site do mercado neoliberal
Made in China. Do site-specific passamos ao site genérico, precisamente reconhecível mas
sem identidade localizável. A questão o é a transposição do mundo para o museu, e sim a
criação de uma infraestrutura cognitiva e estética ou, como disse Dion, uma ecologia da arte,
para se percorrer os sites genéricos do mundo. On line e off-line, os sites atuais se apresentam
sem o sublime singular da paisagem e, em vez disso, com a premissa da repetão e da
disseminação. O site genérico refere-se tanto à produção industrial das plantas de plástico e de
tecido, quanto aos locais cotidianos onde encontramos os seus modos de uso. As lâminas
botânicas tornam-se esse espaço escultórico do non-site, a elucidação de um discurso
imagético e taxomico que requalifica o site e propõe desenvolvimentos em relão, dentre os
componentes do sistema global e de consumo.
Joan Fontcuberta retoma as imagens prémodernas do mapa-como-relato, faz
reencarnar o caráter histórico do espaço desconhecido e faz emergir os tempos da terra
incognita. Infiltrado na categoria de legibilidade das ciências naturais, o fotógrafo também atua
no site discursivo da historiogeografia, criando propositadamente mais dúvidas e desconfianças
do que certezas apaziguadoras e verdades aritméticas. Safáris fictícios põem em pauta a
existência de outros mundos, outros seres, outras taxonomias, numa artesania do
conhecimento científico que, o sem ironia, demonstra o seu inerente e imenso poder de
credibilidade e proliferação cultural.
Se passamos pela experiência, no final dos anos de 1950, da deriva situacionista e
suas interseções com o espaço urbano no esforço do antiespetáculo, hoje vivenciamos o
desenho dos códigos de uma geografia que provoca interseções com o espaço global,
gigantemente enredado. Do urbanismo unitário e da psicogeografia dos situacionistas
passamos à semiogeografia, à deriva com jet lag, como disse Angela Detanico: O
situacionismo é uma das grandes referências artísticas da nossa geração, com a diferença que
em Zulu time e no Mundo justificado, estamos nos apropriando de um espaço não mais local,
mas global. Deriva com jet lag
372
.
Os mapas situacionistas propunham estruturas de cidades dicas, plataformas
giratórias de sentidos, enquanto os mapas de Detanico e Lain aprofundam-se nos sentidos
rizomáticos da superfície mesma da linguagem cartográfica, despregando-a de qualquer
esforço de localização. Numa mesma estratégia lógica de escritura e leitura, distintamente das
371
Entrevista de Mark Dion a Miwon Kwon publicada em: BRYSON; CORRIN; KWON, 1997, p. 22. Tradução nossa.
372
Depoimento de Angela Detanico à autora, em 21 de abril de 2008. Disponível em: <www.geografiaportatil.org>.
Acesso: 12 de jul. de 2009.
241
relações aleatórias e psicológicas que o situacionista estabelecia individualmente com o
território, eles propõem novas lógicas que, uma vez aprendidas, tornam-se, como todas as
outras lógicas úteis que conhecemos e aplicamos quase sem pensar, indiscutíveis.
Assim, o significado da geografia portátil, que estava embrionariamente presente na
psicogeografia enquanto cidade local ambulante, pode se referir, hoje, também à subjetivação
das expedições empreendidas com os mecanismos das mídias locativas. Quando se viaja sem
sair do lugar através do espaço global, as noções de distância e proximidade o se limitam às
questões numéricas ou geométricas. Outros digos tornam-se operativos na geografia portátil,
aqueles que incorporam nas precisas coordenadas de localização um vetor de desorientação e
fuga do território.
Vilém Flusser fala da existência das medidas engrenadas. Ele entende a noção de
proximidade como uma tática de deslocamento, uma rota ao mesmo tempo personalizada e
compartilhada: em vez de uma posão fixa, uma movimentão comunitária, uma
transubjetividade. A geografia portátil como o espaço de trânsito da subjetividade e, ao mesmo
tempo, como o compartilhamento de espaços, incorpora obrigatoriamente as relações com o
outro: espaço engrenado e espaço engrenagem.
A proximidade tem a ver, claro, com os cm/sec, mas ela os existencializa. Ela
mede minhas esperanças, minhas crenças, meus projetos. Ela mede meu
“estar-no-mundo”, logo minha realidade concreta. Mas ela o é “subjetiva”.
Porque o pesquisador não é um sujeito solipsista que plana sobre o mundo.
Sempre outros com ele no mundo. Eles também medem sua circunstância
pela dimensão da proximidade. E como estas circunstâncias engrenam com a
minha, as medidas engrenam com as minhas por influência recíproca
373
.
Trevor Paglen existencializa, politizando, a noção de proximidade através de uma
estratégia de ataque visual. Ele desvela uma geografia paralela, uma geografia em buraco
negro, uma geografia potencialmente invisível, escondida nas profundezas das distâncias em
centímetros. Mas a assumida micropolítica da proximidade estabelece o ggrafo como um
espião. Se os cientistas das décadas de 1960 e 1970 lutavam contra os fins exclusivamente
políticos das expedições lunares, em detrimento do seu caráter científico promissor, Paglen
aplica a ideia da astrogeologia, inaugural naquela época,
374
de uma maneira desconcertante.
Podemos falar de uma geologia do visível na paisagem?
Quando a paisagem se faz estrategicamente encoberta, falamos então de
astrogeologia, investigão de uma paisagem invisível a olho nu. Camadas de informação
secreta da paisagem dia são reveladas por meio de recursos óticos astronômicos. O site de
Paglen é um black site e o seu non-site é a disponibilizão e a construção imagética de um
arquivo de dados.
373
FLUSSER, Vilém. Parágrafo extraído da tradução ainda não publicada de Roberto Andrés do artigo Le geste de
chercher, do livro Les Gestes. Paris: Cergy, 1999.
374
Eugene M. Shoemaker (1928-1997), pesquisador da NASA, foi o criador da astrogeologia, ciência dedicada a
estudar a geologia de outros corpos celestes que não a Terra.
242
Michael Wesely também cria uma visibilidade do imperceptível promovendo a
personalização da máquina fotográfica. Todo mecanismo é passível de transformação,
subversão e inversão, em prol do desenho de uma paisagem mídia. O site estudado por
Wesely tem uma temporalidade que compreende e sobrepõe dois termos: a velocidade da
paisagem e a permanência imóvel do artista. Seja o espaço histórico das construções
compulsivas em Berlim depois da queda do muro, seja a paisagem mareante visitada por
Humboldt em 1799, Wesely explicita o site como o espaço de uma duração de paisagem. Em
Berlim, o non-site é escultura em processo; nas margens do Orenoco, o non-site é uma
geografia da deslocalização da experiência estética sublime e singular do século XVIII. O
desconhecido do espaço retoma assim a sua existência, embora o mais cartografado sob o
mapa abissal do Novo Mundo.
Por serem compartilháveis, as geografias portáteis contêm em si um caráter
pedagógico. Os artistas produzem travelogues que se confundem com um manual de
navegação para a imersão nas alteridades do espaço, bem como para a criação de novas
geografias. Se, como escreveu Edgar Morin, estudar arte ensina a viver (melhor), ler a poesia
de Joan Brossa torna-se um exemplo de aprendizado sobre o espaço e sobre a prática
espacial, na qual se enxerga uma aplicabilidade cotidiana, quando o próprio abecedário não é
mais um lugar de trânsito inocente. Praticar uma geografia portátil é, finalmente, uma
disposição – que pode partir de qualquer pessoa, e quando menos se espera – à revisão crítica
dos inúmeros folclores científicos e artísticos, ao reconhecimento das muitas ecologias
cotidianas e à imaginação e fabricação de saberes insuspeitados.
243
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