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fotográfico, a pose, a produção, a composição, elementos próprios à linguagem da pintura
figurativa, são subvertidas, dão lugar também ao efêmero, ao flagrante, à espontaneidade
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“No dia em que a fotografia foi inventada, a humanidade obteve uma
vitória valiosa sobre o tempo, seu inimigo mais terrível. Poder perpetuar,
ainda que em uma eternidade relativa, os aspectos mais efêmeros da
humanidade; não era esta uma forma de paralisar o tempo – um pouco que
fosse – dentro de seu curso assustador? O primeiro instantâneo tornou a
vitória decisiva. Na fotografia posada, o tempo ainda mantinha-se porque
sua colaboração benevolente era solicitada. Mas o instantâneo voa a
despeito do tempo, viola-o” (Carlo Rim In: Phillips: 1989, 38).
Durante o século XIX, a fotografia buscou ancorar-se na estética própria à
pintura para almejar sua entrada no panteão das Belas-Artes, em um movimento chamado
pela historiografia de pictorialismo. Como bem analisou Walter Benjamin, em sua Pequena
História da Fotografia, de 1931, esse movimento se revelou improdutivo, já que os
fotógrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrões de valoração estética que foram
subvertidos com a invenção da fotografia
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O discurso sobre a fotografia no século XIX ainda estava contaminado por
valores estéticos que consideravam a técnica em oposição à arte, ou na melhor das
hipóteses, como uma mera serviçal da arte. Mas a própria invenção da fotografia, primeira
forma de produzir imagens completamente mediada pela técnica, na qual o “lápis da
Natureza”
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age sozinho, sem a ajuda da mão do homem, estava subvertendo
completamente os valores vigentes, instaurando uma estreita ligação entre técnica e arte.
É nesse sentido que a análise arguta de Benjamin conclui que
“o pedante conceito de ‘arte’ ao qual é estranha qualquer consideração de
ordem técnica, com o provocador surgimento da nova tecnologia, sente ter
soado o seu fim. Apesar disso, é com uma tal concepção fetichista de arte,
concepção radicalmente antitécnica de arte, que os teóricos da fotografia
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O conceito de “instante pregnante” na pintura já demonstra que, embora o instantâneo só se torne possível, do ponto de
vista técnico, com a fotografia, do ponto de vista conceitual ele já estava sendo amadurecido no interior da própria
linguagem da pintura. Há exemplos de quadros na história da pintura que remetem à linguagem do instantâneo fotográfico
muito antes da invenção deste. Penso, por exemplo, em A Ronda Noturna (1642), de Rembrandt, As Meninas (1656), de
Velazquéz, Fuzilamentos de Três de Maio (1814), de Goya, e grande parte das cenas de interior de Veermer.
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Análises detalhadas sobre o desenvolvimento da fotografia no século XIX estão em Fabris (1998), Scharf (1994) e no
primeiro capítulo do livro O Ato Fotográfico (Dubois: 1993).
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Esse é título do primeiro livro ilustrado com fotografias, publicado por Henry Fox Talbot, um dos inventores da nova
técnica, em 1844. Na introdução, ele fala um pouco das fotografias que apresenta, advertindo que são obras feitas pela
mão da Natureza, por intermédio da ótica e da química. Trata-se de uma obra curiosa, cujas inusitadas interconexões entre
fotos e suas legendas trazem questões essenciais para pensar o nascimento da imagem fotográfica e suas implicações no
campo da arte e da estética (Talbot: 1969)