
45
Alguns Tribunais já tem reconhecido que a falta de condições econômicas
para sustento dos filhos não pode levar à destituição do poder familiar, o que não
ocorre com a falta de afeto, conforme se vê do seguinte julgado do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais
62
,
EMENTA: DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. POSSIBILIDADE.
INTELIGÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE MÁXIMA
PROTEÇÃO À CRIANÇA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A
destituição do poder familiar é algo sempre perturbador e traumático
para o juiz, pois envolve o poder de declarar desfeitos os vínculos de
filiação e parentescos entre os pais e os filhos. Por ser algo tão sério e
relevante, o legislador trata a destituição do poder familiar como algo
excepcional e enfatiza, no artigo 23 do Estatuto da Criança e
Adolescente, que a falta ou carência de recursos materiais não
constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder
familiar. Tal medida é de suma relevância num contexto de um país tão
miserável economicamente como o Brasil. Evita- se, assim, a
possibilidade de os pais, apenas por serem carentes de recursos
materiais, serem destituídos de seus filhos. Contudo, se a falta de
recursos materiais não é motivo para destituição do poder familiar, o
mesmo não ocorre acerca da carência de amor, afeto, atenção,
cuidado, responsabilidade, compromisso e proteção, pois tais
sentimentos são imprescindíveis para o pleno e integral
desenvolvimento da criança. Sem amor, afeto, atenção, cuidado,
responsabilidade, compromisso e proteção dos pais, a criança será
imensamente prejudicada, tendo, seriamente, ameaçados seus valores
maiores, como, dignidade, respeito, saúde, vida, lazer, alimentação,
cultura, liberdade e educação. O abandono afetivo, evidenciado no
desinteresse de criar, educar, orientar e formar os filhos, transferindo
tal responsabilidade para terceiros, que culmina na ausência de
cuidados e falta de comprometimento, impõe a perda do poder
familiar. Entender o contrário é fazer pouco caso dos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e de proteção integral
à criança, que asseguram a ela o direito à vida, à dignidade, ao amor,
ao afeto, ao cuidado, à proteção, ao carinho e ao respeito, pois, como
pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de
direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis,
tem ela direito de ser acolhida por uma nova família que lhe conceda
uma relação de parentesco afetiva. Em todos os litígios em que uma
criança esteja envolvida, notadamente aquelas que envolvam pedido
de adoção e de destituição de poder familiar, o julgador deve ter em
vista, sempre e primordialmente, o interesse da criança. (original sem
grifo)
Assim, inúmeras já são as decisões que privilegiam o afeto em detrimento da
verdade biológica, reconhecendo-se que a filiação, atualmente, está mais vincada no
princípio da afetividade do que nos vínculos sanguíneos, reconhecendo como pais
verdadeiros, aqueles que demonstram afeto pelo filho.
62 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. AC 1.0024.02.619286-4/001(1). 5ª C. Cív. Des. ELZA, M. (Rel.). 05mai.05