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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IRENILSON DE JESUS BARBOSA
AUSÊNCIA DE ÁLIBI:
VOZES E TRAJETÓRIAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
NO MUNDO DO TRABALHO EM SALVADOR
Salvador
2004
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IRENILSON DE JESUS BARBOSA
AUSÊNCIA DE ÁLIBI:
VOZES E TRAJETÓRIAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
NO MUNDO DO TRABALHO EM SALVADOR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientador: Profa. Dra. Theresinha Guimarães Miranda
Salvador
2004
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Barbosa, Irenilson de Jesus
Ausência de álibi: vozes e trajetórias de pessoas com deficiência visual no
mundo do trabalho em Salvador/Irenilson de Jesus Barbosa. – Salvador: I. J.
Barbosa. 2004.
190 f.
Orientadora: Profa. Dra. Theresinha Guimarães Miranda.
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Educação, 2004.
1. Deficiência visual – Inclusão. 2. Trabalho – Educação. 3. Linguagem.
I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. II. Miranda,
Theresinha Guimarães. III. Título.
CDU:
TERMO DE APROVAÇÃO
IRENILSON DE JESUS BARBOSA
AUSÊNCIA DE ÁLIBI:
VOZES E TRAJETÓRIAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO
MUNDO DO TRABALHO EM SALVADOR
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação,
Universidade Federal da Bahia, pela seguinte Banca Examinadora:
Prof. Dr. Miguel Angel Garcia Bordas: ___________________________________________
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Prof. Dr. Paulo Ross: __________________________________________________________
Universidade de São Paulo – USP
Profa. Dra. Theresinha Guimarães Miranda – Orientadora:____________________________
Universidade Federal da Bahia- UFBA
Prof. Dra. Dora Leal Rosa: _____________________________________________________
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Salvador, 2004.
Aos que não leram essas linhas, privados pelo analfabetismo.
Aos que são os mesmos na luz e na penumbra.
A todos os que nunca desistem dos sonhos.
Aos que não se vendem e não se entregam.
Aos que levam sempre consigo os seus corações.
Aos que têm uma causa digna e honrosa pela qual morrer
e por isso não podem desistir de viver.
Àqueles para os quais a inclusão e o respeito à diferença
não compõem apenas um discurso,
mas são a causa das suas próprias vidas.
AGRADECIMENTOS
A Deus, o meu Deus, a quem tateando, sempre encontro, chamo de meu Senhor e tributo a
glória e o louvor de todas as horas. Presença constante desde a primeira estrela até o ocaso do
sol de cada dia, em que se realizam as minhas lutas e vitórias, alvo de um sentimento que a
ciência não pode perscrutar, diante do qual meu álibi é sempre ausente.
A Irênio e Benedita, meus pais queridos, mestres da simplicidade e de valores que me fizeram
um filho, um irmão e um homem – esse último, sem ainda poder afirmar que sou.
A Luciene, minha esposa, minha amiga e companheira, testemunha das minhas ausências,
cúmplice de algumas poucas lágrimas e dos meus melhores sorrisos.
Aos meus filhos, Talita Gracille e Tarcísio Emannuel, bênçãos e bálsamos da minha
existência, amores do meu viver, riquezas que desafiam a minha pretensiosa ambição de ser
um educador.
À minha orientadora, Theresinha Guimarães Miranda, mestra dos rigores da jornada,
exigências e saberes que me ajudaram a chegar até aqui.
À professora Iracy Picanço, que um dia me fez crer que eu seria capaz, ela também não tem
álibi: esteve ao meu lado, mesmo quando distante.
Aos meus irmãos, que me deram sobrinhos companheiros, dentre os quais, dois presentes
sempre nos dias desta jornada: Rogério e Francisco.
Aos meus amigos, sujeitos da cena inteira deste estudo, Marilza, Jádson, Gessi, Adriana,
Melissa, João, José e Audair: vozes sem álibi, vozes que dão humanidade a este trabalho e
me fazem crer que ele valeu a pena.
A todos, e a tantos que não posso mencionar: A MINHA GRATIDÃO.
RESUMO
Esta dissertação teve por objetivo estabelecer uma compreensão sobre o fenômeno da
inclusão/exclusão da pessoa com deficiência visual no mundo do trabalho na cidade de
Salvador a partir de depoimentos de 8 trabalhadores deficientes visuais cujas trajetórias
profissionais se desenvolveram nessa cidade. O estudo buscou compreender as vozes e
trajetórias dos trabalhadores com deficiência visual no meio produtivo local, analisou o
movimento que resulta em sua inclusão/exclusão profissional no contexto soteropolitano e
ainda verificou os fatores que interagem, bem como as relações que concorrem para isso
dentro do modo de produção capitalista. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja
metodologia consistiu na análise de conteúdo de entrevistas de 8 pessoas com deficiência
visual, todas residentes e atuando profissionalmente em Salvador. A pesquisa deu
proeminência às vozes dos sujeitos à luz do referencial teórico baseado nos estudos de
Bakhtin e de Vygotsky sobre a importância da linguagem na constituição social do sujeito e
destacou que a reflexão produzida pelos trabalhadores com deficiência visual sobre sua
inclusão no mundo do trabalho evidencia que suas vozes refletem um mundo concreto de
primazia da visão, se reconhecem como gritos contra a exclusão, se alimentam das
expectativas de inclusão e recusam o lugar da acomodação que o contexto vigente parece lhes
impor. A pesquisa concluiu que a ênfase dada pela sociedade à limitação dos trabalhadores
por causa da sua deficiência visual e o não-reconhecimento de sua diferença, associados a
problemas relativos ao não cumprimento de parte da legislação, promovem a negação ou o
desconhecimento de suas potencialidades profissionais, ocasionando sua exclusão no mundo
do trabalho. Ademais, esta dissertação favoreceu a inserção da pessoa com deficiência visual
no centro do diálogo acadêmico sobre a questão da sua inclusão no mundo do trabalho, dentro
do que foi possível observar em Salvador, e oportunizou desvelar parte da potencialidade que
cada pessoa entrevistada revela, para muito além de limitações ou diferenças visuais.
Palavras-chave: Deficiência visual; Inclusão; Trabalho – Educação; Linguagem; Mundo do
trabalho
ABSTRACT
This dissertation aimed to establish a comprehension about inclusion/exclusion phenomenon
of a person with visual deficiency in labour world in Salvador city based on depositions of
eight visual deficient workers, whose professional ways have began in this city. The study
tried to understand voices and ways of workers with visual deficiency in the local productive
environment, analyzed the movement that results in their inclusion/exclusion professional in
the Salvador context and also verified factors that interact, as well relations that contribute for
this situation within the capitalist way of production. This is a qualitative research, whose
methodology consisted on analysis of interviews content of eight individuals with visual
deficiency, all of them living and working in Salvador. The research emphasized persons
voices referring to the theoretical reference based on Bakhtin and Vygotsky studies about the
importance of the language in the social individual constitution; it also pointed out that the
meditation produced by visual deficiency workers about their inclusion in the world labour
evidences that their voices reflect a real world of vision priority, recognize themselves as
shouts against exclusion, supply themselves of expectations of inclusion and refuse
accommodating themselves from the probable imposition of actual context. The research has
concluded that the emphasis given by the society to the limitation of workers due to their
visual deficiency and the no recognition of their difference, associated to problems concerning
to no compliment of part of legislation, promote the denial or no understanding of their
professional potentialities, causing their exclusion of the labour world. Moreover, this
dissertation helped the insertion of the individual with visual deficiency in the academic
dialogue center about the question of their inclusion in the labour world, as it was possible to
observe in Salvador, and gave a chance to show a potentiality part that each interviewed
person reveals, forward to limitations or visuals differences.
Key-words: Visual deficiency; Inclusion; Labour – Education; Language; World labour
SUMÁRIO
PRÓLOGO: IMPLICAÇÕES DE UM DESAFIO PESSOAL DE
ESCREVER E DE CHEGAR .................................................................... 11
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 20
2. A DEFICIÊNCIA VISUAL E O MUNDO DO TRABALHO NUMA
PERSPECTIVA INCLUSIVA ..................................................................................... 27
2.1. Os desafios para uma sociedade inclusiva e a importância de pesquisas
sobre deficiência e trabalho ....................................................................................... 27
2.2. Deficiência visual e mundo do trabalho: categorias em análise ............................. 35
2.2.1. A deficiência visual ................................................................................................... 35
2.2.2. O mundo do trabalho ............................................................................................... 39
2.3. Relações conceituais e estatísticas entre deficiência e trabalho .............................. 45
2.4. A legislação relativa ao trabalho de pessoas com deficiência .................................. 48
3. A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NA CONSTITUIÇÃO SOCIAL DO
SUJEITO ....................................................................................................................... 57
3.1. O sujeito com deficiência visual e sua ausência de álibi no contexto
da ideologia capitalista ................................................................................................ 58
3.2. A palavra como signo ideológico por excelência ....................................................... 66
3.3. A importância da linguagem e a voz como expressão de muitas vozes ................... 67
4. A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA E SEUS PRESSUPOSTOS
EPISTEMOLÓGICOS ................................................................................................. 73
4.1. A natureza qualitativa do trabalho ............................................................................. 73
4.2. Os sujeitos da pesquisa e os depoimentos orais à luz dos pressupostos
epistemológicos ............................................................................................................ 76
4.3. Os procedimentos de análise de conteúdo .................................................................. 79
5. AS VOZES DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL:
TRAJETÓRIAS, INCLUSÃO E EXCLUSÃO NO MUNDO DO TRABALHO..... 84
5.1. A CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS ENTREVISTADOS ............................ 85
5.2. AS VOZES DOS SUJEITOS EM SEUS DEPOIMENTOS ..................................... 100
5.2.1. Vozes que refletem um mundo concreto de primazia da visão ............................ 102
5.2.2. Vozes que se reconhecem como gritos contra a exclusão ...................................... 104
5.2.3. Vozes que se alimentam das expectativas de inclusão ........................................... 109
5.2.4. Vozes que recusam o lugar da acomodação ............................................................ 115
6. CONCLUSÃO: ÁLIBI AUSENTE ................................................................................ 120
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 130
APÊNDICES ....................................................................................................................... 138
11
PRÓLOGO
IMPLICAÇÕES DE UM DESAFIO PESSOAL DE ESCREVER E DE CHEGAR
De perto, ninguém é normal.
(Caetano Veloso, Vaca profana, 1990)
Escrever esta dissertação é um empreendimento desafiador, ao menos para mim mesmo. Esse
desafio, consiste, inicialmente, no compromisso de produzir um trabalho que não se descuide
do criterioso cuidado científico capaz de estabelecer um diálogo acadêmico a respeito do
problema específico de que trata. E, além disso, consiste na tentativa de oferecer ao leitor
ainda não incorporado à discussão acadêmica a possibilidade de entender e refletir sobre o
mesmo fenômeno estudado.
Desejo oferecer ao leitor um texto que fale de vida acadêmica e de humanidade, de
fazer científico e de respeito pelo outro. Quero um texto que fale em ciência, educação,
método, mas também fale em cidadania e em emancipação do sujeito social e condene a
subalternização e a tutela de quem deveria ser emancipado.
Ambiciono escrever em reciprocidade e em amor ao próximo, mesmo na ausência ou
no desuso dessas expressões. Quero um texto que pense em igualdade e em diversidade, em
diferença e em inclusão.
Desejo que o leitor se encontre neste texto, com uma dissertação de mestrado, mas que
se encontre sobretudo com um texto – textus, do verbo têxere: trançar, tecer – que denota
aquilo que está trançado, entrelaçado, interligado. Quero uma produção acadêmica
entrelaçada, interligada com a vida de dentro e de fora da academia.
Reconheço que a empreitada é das mais difíceis e que a pretensão de dar conta dela
revela-se sinuosa e arriscada. Mas corro os riscos a ela relacionados, tendo a refletir no
espelho da minha memória alguns percursos, sentimentos e características pessoais que me
trouxeram a esta estrada com alguma implicação pessoal.
Neste texto, esforço-me para não promiscuir meu trabalho científico com indesejáveis
colapsos emotivos, mas cada linha traz a traição a que fui submetido pelo desejo de tentar
dizer o que realmente queria dizer. Escrevi em perene ausência de um álibi. A sensação é a
12
de que ”... graças à escrita, o mundo do texto pode fazer explodir o mundo do autor”
(RICOEUR, 1990, p. 53).
Tudo o que já disse ou vier a dizer neste texto está relacionado a três aspectos que
tenho como indissociáveis do desafio de escrever sobre a trajetória profissional de pessoas
com deficiência visual no mundo do trabalho, em Salvador, quais sejam: 1) Os caminhos da
minha vida acadêmica; 2) O modo como encontrei um tema para pesquisar e 3) A ambição de
escrever com a própria mão sobre algo socialmente relevante.
A forma como me relaciono com o conteúdo que vem a seguir de modo algum
expressa descuido com a linguagem científica em favor de uma abordagem literária. A
despeito disso, Richardson (1999) considera um preconceito a idéia de que trabalhos de
pesquisa tenham que abdicar de um texto agradável ao leitor:
“(...) Acreditam alguns que a literatura vai por um lado e o texto científico
segue por outro. Formidável engano: existe uma literatura científica boa,
confiável, aceita e credenciada não só pela informação, invento ou
descoberta veiculados, mas também pelas qualidades de estilo,
acessibilidade e limpidez de que é portadora. Não se pretende, com isso, que
o pesquisador se torne um artista da palavra e das frases, um literato. O
objetivo maior é de caráter utilitarista: dotar os relatórios de pesquisa de
maior alcance, isto é, que não se limitem a transitar junto a um pequeno
número de iniciados ou junto a pessoas tão necessitadas de lê-los que sejam
capazes dos sacrifícios que implicam leitura penosa. Existe ainda um outro
aspecto que merece atenção (...) o falso prestígio da linguagem hermética
(RICHARDSON, 1999, p. 297).
O que segue é, portanto, a maneira pessoal que encontrei de declarar minhas
implicações com o objeto de estudo deste trabalho fazendo notar a presença de vozes e
experiências que me trouxeram até aqui.
1) Os caminhos da minha vida acadêmica
A demarcação dos meus caminhos começa por uma constatação: tenho pais que ainda
estão sendo alfabetizados.
Duas horas antes de voltar a este texto vi meu pai chegar, à sombra de seus oitenta
anos, encharcado sob uma chuva forte que molhou, inclusive, seus documentos. Enquanto ele
foi à casa de um outro filho, eu fiquei tentando secar seus pertences com o auxílio de um
secador, pois ele gostaria de voltar para sua casa, no Recôncavo Baiano, no mesmo dia.
13
Enquanto secava seus documentos, me deparei com sua assinatura em um deles. Essa
assinatura significa quase tudo o que ele pôde aprender ao longo da vida como estudante. Ele
voltou e está me olhando, sentado no sofá da minha casa. Deve estar pensando em algo do
tipo: “Esse menino é danado de inteligente!” – coisa que só os pais pensam ou dizem
gratuitamente...
Ele chegou de sua cidadezinha, no Interior, à beira-mar, velho navegante aposentado
que é, onde passa a maior parte de seus dias com a sua companheira. Essa mulher é a minha
mãe, e de pai e de mãe não se fala sem emoção.
Cresci ouvindo-a dizer, a onze filhos nascidos e nove que conseguiu criar, que
precisávamos estudar, para sermos diferentes dela e daquele pai que, por falta de
oportunidades, nunca haviam adentrado a uma sala de aula.
Lembro dela, manuseando papéis e dizendo: “O que tem aqui... pra mim ... é o mermo
que mostrar a uma cega.” E completava: “... Minha mãe nunca pôde me dar estudo... mas
me deu amor e isso eu posso dar aos meus filhos” – dizia, se referindo à minha avó, que
morreu analfabeta. Essa mulher simples concebia a educação que oferecia aos seus filhos
como um ato de amor.
Minha mãe entrou, muitas vezes, em escolas públicas ou comunitárias onde sempre
estudei, para matricular filhos e participar de reuniões, das quais voltava feliz, contando as
proezas e elogios que ouvia dos profissionais de educação a respeito de seus filhos. Mas, para
estudar, em São Roque do Paraguaçu, Distrito de Maragojipe, numa escola comunitária onde
a professora de jovens e adultos não recebia salário, ela só entrou pela primeira vez aos 73
anos de idade, e meu pai só pode fazer o mesmo, ao seu lado, aos 79, quando eu já estava
fazendo o Mestrado em Educação na melhor universidade da Bahia.
Pai e mãe – a despeito da importância de tantos professores – foram meus primeiros e
maiores mestres, responsáveis pelo que de mais humano este trabalho contém. Pelas mãos
deles e por suas orações cheguei à Universidade Federal da Bahia, acreditando em educação
como ato de amor e, na minha vida, como um milagre de Deus e penso que sairei com a
mesma certeza.
Cheguei à Universidade Federal da Bahia pela apertada porta do vestibular, em 1994.
A essa altura já era um ministro de confissão religiosa da denominação batista. Através da
Igreja Batista do Lobato, na periferia de Salvador, fui recomendado aos estudos teológicos, fiz
um curso de Bacharelado em Teologia, de 1987 a 1990, em regime de internato no Seminário
14
Teológico Batista do Sul do Brasil – STBSB. Apesar do nome, o STBSB localiza-se no
Bairro da Tijuca, na Cidade do Rio de Janeiro. Este curso não era reconhecido pelo MEC,
àquela época. Após quatro anos atuando como pastor batista, trabalhando com pessoas de
comunidades carentes, minha vocação religiosa e as demandas do trabalho que realizava me
fizeram crer que eu precisava de melhor formação, para ser mais útil ao segmento ao qual o
meu exercício pastoral se reportava e a toda a sociedade.
Escolhi o curso de Pedagogia e graduei-me em 2001, usufruindo o privilégio de ser o
orador da minha turma. Naquele ano, fui também presenteado com o desafio e a oportunidade
de ser o primeiro aluno da história do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade
Federal da Bahia a apresentar publicamente uma monografia de conclusão de curso, sendo
aprovado perante uma banca examinadora formada por professores da Faculdade de Educação
- FACED.
Tive como orientadora a professora Iracy Silva Picanço e apresentei a monografia
intitulada “O debate e algumas ações sobre a educação profissional no Brasil veiculados na
revista Boletim Técnico do SENAC nos anos de 1995 a 2000.” Um trabalho de pesquisa
bibliográfica que buscava compreender a discussão e as ações sobre a educação profissional
na segunda metade da última década do século vinte, a partir da análise de artigos veiculados
naquele conhecido periódico.
A convivência com a professora Iracy Silva Picanço, então coordenadora do Núcleo
de Pesquisa Trabalho e Educação (NUTE), ao longo do processo de orientação e produção da
monografia de graduação, serviu também para me desafiar a participar do processo de seleção
do Programa de Pós-graduação em Educação da FACED. Através dessa seleção obtive o
ingresso no Mestrado em Educação na Linha de Pesquisa de Filosofia, Linguagem e Práxis
Pedagógica.
2) O modo como encontrei um tema para pesquisar
Sempre tive interesse na área de educação para o trabalho. Dentro das possibilidades
oferecidas na FACED, vinculei o meu projeto à área de Educação Especial, mais
especificamente, às relações existentes entre educação e trajetória profissional de pessoas com
deficiência visual.
15
Meu interesse pela deficiência visual surgiu desde a adolescência, quando fiz cursos
profissionalizantes, no SENAI, de Programador Visual Gráfico e Técnico em Impressão Off
Set.
O então pavilhão de Cursos de Artes Gráficas do SENAI era uma espécie de galpão
dividido pela disposição do mobiliário, máquinas e equipamentos de linha de produção
gráfica, onde funcionavam diferentes cursos e eram produzidos livros, revistas, folders,
cartazes, quase sempre para o próprio SENAI. Da prancheta onde fazia a parte prática do meu
curso profissionalizante de Programador Visual Gráfico, acompanhava, à distância e com
muita curiosidade, os movimentos de um casal de cegos que também estudava na instituição.
Eles faziam o curso de Tipografia.
Eram hábeis compositores de textos, manejando minúsculos caracteres metálicos com
letras em relevo em uma das extremidades. Aquelas letras eram de diferentes fontes ou
famílias, implicando a necessidade de combinar tamanhos, formatos, espaços e pontuação
distintos para a composição de textos, ora simples, ora complexos. Estes textos eram
montados em posição inversa ou espelhada em relação à que teriam em sua forma final,
depois de impressos nas máquinas tipográficas. Era um trabalho que demandava muita
perícia, atenção e acuidade, e ver aqueles cegos trabalhando me impressionava. Eu tinha entre
dezesseis e dezoito anos.
Concluí os cursos na instituição e trabalhei alguns anos com a formação ali obtida. Já
era adulto quando encontrei um daqueles deficientes visuais, ex-estudante da Tipografia no
SENAI, vendendo canetas em ônibus coletivos.
Nunca tive amizade com ele, mas senti o desejo de entender por que eu estava
ganhando meu sustento e ajudando a minha família através da atuação profissional na área
gráfica, com a formação recebida no SENAI, enquanto aquele colega, deficiente visual, estava
desempregado e, aparentemente, sem perspectivas.
Já na graduação em Pedagogia, conheci a Dra. Theresinha Guimarães Miranda, então
professora de Introdução à Educação Especial. Durante um trabalho dessa disciplina, tive a
oportunidade de estudar o tema da educação de pessoas com deficiência visual para a
apresentação de um seminário em classe. Isso renovou e ampliou o meu interesse pelo tema.
Vencido o processo seletivo, já no contexto da pós-graduação, com a ajuda de minha
orientadora, cheguei à atual delimitação da pesquisa e realizei o percurso que culminou no
presente trabalho.
16
3) A ambição de escrever sobre algo relevante no marco da minha chegada
É fato, e motivo de inúmeras críticas, que alguns trabalhos de pesquisa se perdem na
poeira das bibliotecas pela ausência de relevância social em suas conclusões ou na própria
temática estudada.
Escolhi estudar o fenômeno da inclusão da pessoa com deficiência visual no mundo do
trabalho, em Salvador, porque creio ser socialmente relevante e julgo estar dando uma
contribuição também para a reflexão sobre a inclusão das pessoas com outras deficiências no
meio produtivo. Ademais, estou implicado com a relação educação-trabalho, porque, além de
ser o trabalho um elemento ou categoria estruturante do homem na sociedade contemporânea,
tenho acompanhado a reincidência do discurso capitalista de que a educação para o trabalho é
o meio pelo qual os países empobrecidos hão de reverter as condições de miserabilidade da
população com que travo relações.
Sou oriundo de uma família de baixa renda; resido em um bairro da periferia de
Salvador. Há cerca de 20 anos, atuo em comunidades evangélicas, onde as classes e
segmentos sociais subalternizados afloram suas dores e vicissitudes. Sempre estudei em
escolas públicas e comunitárias e nunca olvidei a necessidade de contribuir para minimizar as
mazelas da realidade de trabalhadores que chegam à beira do desespero quando não têm um
emprego para manter as famílias e igualmente se desalentam quanto se apercebem que, após
décadas de sacrifícios, sua trajetória profissional é pífia.
Estou me referindo aqui a pessoas ditas normais. E o que se dirá de pessoas com
necessidades especiais oriundas de deficiências físicas ou sensório-motoras?
Há um potencial transformador embutido na reflexão de que se ocupa esta dissertação
e isso a faz socialmente relevante, não apenas para as pessoas com deficiência visual, mas
para muitos que não convivem bem com os preconceitos e atitudes discriminatórias, que vêm
marcando as relações entre os homens através dos tempos.
Acredito, sobretudo, que entrar pela porta aberta da academia com essa discussão seja
mais uma oportunidade para repensar condutas e atitudes, fazendo ressoar a polifonia das
vozes dos que têm algumas coisas a dizer e vão aproveitar umas folhas em branco que estão à
espera de que elas sejam ditas.
Deste modo, optei por um texto sem tentativas de atenuar o meu envolvimento pessoal
com as questões relacionadas à inclusão e, mais especificamente, com as vozes e trajetórias de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho em Salvador.
17
Apesar de inicial hesitação, acabei cedendo ao desejo de escrever este texto na
primeira pessoa do singular. Se uso a primeira pessoa, não o faço por modismo, necessidade
ou provocação tola. É a equação de um problema.
Diante de atentas e pertinentes observações de minha orientadora, quanto à alternância
indevida de variadas pessoas verbais em diferentes versões de meu projeto de pesquisa,
compreendi o desafio de abandonar a impessoalidade ou o uso insistente do plural.
Escrevo esse relatório reconciliada com o uso da primeira pessoa do
singular, sublinhando mesmo a palavra singular, que expressa a minha real
singularidade, meu olhar completamente contaminado por minha experiência
particular, pelas coisas, acontecimentos, que julgo importantes de fato. Sem
nenhuma preocupação com o estatuto não-científico possível de minhas
observações. É uma espécie de liberdade que experimento. (SAMPAIO,
1997, p. 39 apud AZEVEDO, 2000, p. 14).
Este texto igualmente exprime e registra uma reconciliação comigo mesmo, com as
pessoas, com a história e com os caminhos que me trouxeram até aqui. Escrevo sem álibi.
Escrevo com a sensação de quem está chegando, tendo na lembrança momentos alegres,
laboriosos, de luta e de vitórias que fizeram esta porta se abrir.
Escrevo pensando na liberdade de revirar, em qualquer tempo, essas páginas e ver as
impressões digitais de todos os colaboradores, dos que escreveram antes e me deram suas
vozes em empréstimo, da minha orientadora, dos meus amigos cegos, de meus pais, de minha
mulher, de meus filhos, de minha igreja, de meu Deus...
Escrevo, hoje, desejando um dia olhar para trás, localizar todas as letras, as que
permanecerem e as que sucumbirem, e, bem ali do meio das minhas lembranças, revendo esta
página, sussurrar para mim mesmo, agradecido: Vali-me de todos, apropriei-me de tantos...
mas, ainda assim, escrevi em completa ausência de álibi.
Escrevo sem pretensão de originalidade ou de ineditismo, mas nutrindo a certeza de
que ainda há muito e outras formas por dizer e por se descobrir, mas este é o texto
momentaneamente ao meu alcance.
Este prólogo, marco de saída, é também o texto comemorativo da chegada. Porque
chegar ainda é um sonho impossível para muitos que saíram e jamais chegaram.
Chegar aqui significa olhar para trás e lembrar que paguei o preço da jornada, e
também constatar que ainda resta muito chão a percorrer. Chegar aqui é ter sobrevivido às
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crueldades do sistema educacional brasileiro, com suas práticas das cavernas vestidas de
modernidade.
Chegar é ter a oportunidade de celebrar a vida, a persistência, a tenacidade. É reviver a
coragem de quem desafia a calamidade, é alcançar o alvo e ainda continuar a persegui-lo.
Chegar é ser relevante tanto para si mesmo quanto para o outro. É poder abrir o sorriso
mesmo diante da lágrima insistente.
Chegar é chorar com os que choram, sem esquecer de rir com os que se alegram. É ter
uma palavra de gratidão para oferecer a alguém. Alguém que saiba ouvir a palavra ‘ obrigado’
e achar que ela faz sentido. Chegar é entregar-se à festa, tendo ouvido a severa crítica. É
gritar: EU CHEGUEI.
Chegar é manter a disposição de abdicar das ilusões, mas nunca das utopias. É sonhar
sempre, mas sempre acordado. Chegar é assumir o desafio de reconstruir, de refazer. É
renunciar à hipocrisia dos que fazem de conta que chegam, enquanto traem a si mesmos, seus
ideais e às esperanças dos que pensaram que haviam chegado com eles. É nunca se vender por
um prato de lentilhas ou fazer concessões aos defensores da exclusão.
Chegar é avisar na chegada que os ideais não estão à venda. É desprezar, com atitudes,
as exclusões, mesmo quando são feitas em nome da normalidade. Chegar é entoar um
lamento pelos que desistiram da luta, mas jamais desistir até alcançar a sonhada vitória.
Chegar é transitar entre as muitas letras através das madrugadas, bafejadas pelo hálito
das noites e das manhãs rotineiras. É sussurrar entre as lágrimas e os sorrisos, entre o pranto e
a euforia. É encontrar um lugar de equilíbrio entre os sonhos e o temor de sucumbir ao medo
ou ter que fugir da luta.
Chegar é perceber a paisagem sem a ingenuidade de outrora, imbuído de reter toda a
sua ternura e de não perdê-la jamais.
Chegar agora é pedir licença aos que negam um lugar a Deus na academia para dizer
que Ele também chegou aqui comigo. Ele esteve velando a cada noite e ouvindo cada prece,
enquanto todos dormiam. Leu cada linha desta escrita e compartilhou de cada pensamento.
Chegar é dizer que Deus me afagou a fronte cansada e renovou minhas forças com
benfazejas gotas diárias do seu amor. Ele chegou comigo, mesmo quando a vista turva se
perdeu no infinito ou a densa treva O quis negar. Dele veio a última centelha de luz de cada
noite sem estrelas, e os mais fulgentes raios do sol majestoso, mesmo quando só contemplei
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as nuvens mais densas. Suas misericórdias se renovaram a cada manhã. Cheguei dizendo para
muitos: Parece pouco, mas não foi fácil.
Cheguei implicado com as maravilhosas pessoas com deficiência visual, co-autores na
chegada, que me emprestaram suas trajetórias e suas vozes recheadas de lucidez, de cidadania
e de humanidade.
Cheguei com amigos, colegas e irmãos que também caminharam o meu caminho.
Cheguei com a orientadora exigente, sempre solícita, cobrando e refazendo percursos para
que eu logo chegasse.
Cheguei, ouvindo a esposa generosa e paciente, e os filhos, ternos e amáveis, dizendo
que eu conseguiria chegar. Eu acreditei, corri, e, enfim, cheguei com o desafio de continuar
correndo. Mas não cheguei sozinho. Cheguei junto com você. Muito obrigado.
20
1. INTRODUÇÃO
O que garante a conexão interior entre os elementos constituintes de uma
pessoa? Apenas a unidade de responsabilidade. Eu tenho de responder com a
minha própria vida por aquilo que eu experimentei e compreendi na arte, de
maneira que tudo o que eu tenha experimentado e compreendido não
permaneça inativo na minha vida. Mas a responsabilidade vincula-se à culpa,
ou ao risco de culpa. Não é apenas a responsabilidade mútua que a arte e a
vida devem assumir, mas também o risco mútuo da culpa. O poeta deve
lembrar que é a sua poesia que suporta a culpa pela prosa vulgar da vida,
enquanto o homem da vida cotidiana deve saber que a esterilidade da arte se
deve a pouca exigência e à falta de seriedade com relação à sua vida. O
indivíduo deve se tornar responsável totalmente: todos os seus momentos
constituintes devem não apenas ajustar-se uns aos outros na seqüência
temporal da sua vida, mas também se interpenetrarem uns nos outros na
unidade da culpa e da responsabilidade. (BAKHTIN, 1990, p. 1-2)
As minhas implicações pessoais com o tema desta dissertação exprimem minha
filiação à discussão sobre a inclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho.
Essa discussão está situada no contexto de um amplo debate que vem se estabelecendo
nas últimas décadas, no Brasil e no mundo, em face às diversas transformações ocorridas nas
áreas econômicas, sociais, tecnológicas e políticas, em proporções mundiais. Tais
transformações determinaram novas perspectivas paradigmáticas para a relação capital-
trabalho, com reflexos nas políticas públicas e nos diversos processos de educação,
qualificação e adaptação do trabalhador para enfrentar os desafios emergentes no mundo do
trabalho.
Em meio às mudanças, deram-se a criação e a familiarização da sociedade com uma
personalidade quase metafísica – por vezes fantasmagórica: O MERCADO. Assim o
descrevo, visto que os analistas de economia e política passaram a atribuir-lhe emoções e
faculdades humanas, tais como satisfação, apreensão, nervosismo e agitação, ao sabor do
atendimento, ou não, dos interesses, às vezes inconfessáveis, das elites mais vorazes. Alguns
dos seus humores são entendidos apenas pela admissão de uma onipresença hegemônica de
especuladores, fomentadores ávidos da lógica da acumulação a qualquer preço, o que bem
identifica o espírito capitalista hodierno.
Esse movimento que, muitas vezes, abstêm-se de examinar a luz de suas causas e
efeitos, desembocou e deixou-se embalar no discutido e, aparentemente, inexorável fenômeno
da globalização, anunciando a todos que o mundo ficou pequeno.
21
Entre incontáveis novidades no novo mundo da comunicação, que se tornou
imperiosa, a agora denominada sociedade da informação exacerba, em níveis mundiais, as
discussões, dantes regionalizadas, sobre economia, política, educação, trabalho, saúde. Isso
deixa abertas, entre muitas outras, as portas da discussão a respeito dos novos lugares e dos
papéis que devem representar empresários, trabalhadores e educadores diante dos novos
cenários das relações Capital – Trabalho, Trabalho – Educação, Economia – Educação, e afins
conhecidos ou a serem instituídos.
Têm sido significativos os esforços de educadores, governantes, organizações
governamentais e não-governamentais, sindicatos e empresários, através de encontros e
documentos, largamente divulgados, tanto para entender as transformações ocorridas e seus
desdobramentos quanto para estabelecer os novos parâmetros em que hão de se dar as novas
relações sociais e trabalhistas, advindas das circunstâncias deste mundo em mudança.
Emergem, porém, de todos os debates, quase que invariavelmente, a constatação da
escassez do emprego em escala mundial, a demanda pela flexibilização das relações
trabalhistas, a forte segmentação da força de trabalho em excluídos/incluídos,
qualificados/não qualificados, e a crescente exigência mercadológica de profissionais tão
polivalentes quanto especializados e afeitos às nuanças desse mundo em efervescência.
Atrelados a essas condições, os trabalhadores ainda se ressentem do enfraquecimento
crescente dos seus sindicatos.
Esses debates e constatações, que caracterizam a atual sociedade dominada pelo
capitalismo, se realizam tendo ainda como referência um movimento paralelo em torno da
necessidade de respeito às diversidades culturais, ecológicas, étnicas e de tantos matizes
quantos sejam os das identidades e diferenças entre os homens e seus cenários no mundo,
apesar dos tipos macabros que se reconhecem ou se negam o título de terroristas.
No bojo desses movimentos, se inserem os debates sobre a questão da inclusão de
segmentos dantes explorados, marginalizados, discriminados e até exterminados – como as
pessoas portadoras de deficiências, os indígenas, os negros, os trabalhadores, etc. – que agora
precisam instituir, conquistar ou retomar direitos e mecanismos de sobrevivência no exercício
de uma cidadania ativa.
Já há algumas décadas, o movimento a favor da inclusão de pessoas com necessidades
especiais na educação regular e no mundo do trabalho vem contando com uma ação
organizada em escala mundial, com a adesão de importantes expoentes do pensamento
22
sociológico, econômico e educacional de vários países e com a pressão legal, oriunda de
documentos que detalham os princípios norteadores da inclusão para as diversas nações
signatárias de tratados internacionais, especialmente as vinculadas à ONU.
É quase consensual a idéia de que, nos últimos anos, devido à pressão advinda de
movimentos sociais representativos e à farta legislação daí oriunda, os direitos das pessoas
com deficiência, incluindo a igualdade de oportunidades de trabalho, vêm sendo
reconhecidos.
Todavia, para além da regulação do Estado e das conquistas dos movimentos sociais e
de classes, há uma necessidade de escuta da pessoa deficiente, do sujeito que emerge para
além da categorização que lhe é imposta com o excesso de ênfase em sua limitação.
O tratamento dado às pessoas com deficiência
1
parece realçar mais o seu
enquadramento na categoria deficiente do que as relações complexas que envolvem o ser
pessoa com deficiência, em sua identidade, sua individualidade e seu lugar social, político,
econômico, etc.
Há uma necessidade de compreensão da pessoa com deficiência visual, respeitando-
se o contexto de sua diferença, mas não pela primazia da ênfase em sua limitação, a ponto de
despersonalizá-la ou desumanizá-la, primando por uma descrição estigmatizante que lhe
ignore a condição de pessoa ao atribuir-lhe o rótulo: DEFICIENTE.
Considero imperioso lembrar que “esses indivíduos, rotulados na literatura
especializada como ‘deficientes’, ‘excepcionais’, etc., têm nome e sobrenome e estão situados
geográfica e historicamente” (BIANCHETTI e FREIRE, 1998, p.13).
À vista disso, ao afirmar neste texto que a inclusão das pessoas com necessidades
especiais, especificamente as portadoras de deficiência visual, no mundo do trabalho, se
inscreve como um tema de magna importância, endosso a perspectiva dos esforços na direção
da construção de uma sociedade inclusiva.
1
Neste texto, optei por designar os sujeitos da pesquisa pelas expressões pessoa com deficiência visual ou
pessoa deficiente visual ou ainda pessoa portadora de deficiência visual, considerando que essas designações
destacam a pessoa, colocando a deficiência como apenas uma característica, referindo-me ao que comumente se
chama cego e/ou pessoa portadora de baixa visão, reconhecidas as distinções entre ambas. Esse uso, porém, não
implica em rejeição de outras designações, considerando a controvérsia terminológica que se dá entre os
estudiosos da área. No decorrer do estudo, portanto, poderão ocorrer usos de outros termos desde que
preservados o sentido e o caráter específico de cada referência ou ainda por estar no contexto de uma citação ou
referência a outro autor.
23
Nessa perspectiva, esta dissertação tem como objeto de estudo as vozes e trajetórias
de pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho, na cidade de Salvador, Bahia,
através de depoimentos dos sujeitos entrevistados, considerando como se deu a sua formação
para o exercício profissional, seu desempenho e suas perspectivas diante da realidade ou
potencialidade de sua inclusão profissional, em processo no contexto da sociedade capitalista,
em seu viés atual, denominado neoliberal.
Tendo por base uma reflexão fundada em pressupostos epistemológicos dialéticos
enunciados no capítulo que trata da metodologia, apresento um estudo que considera alguns
aspectos do problema da inclusão das pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho.
A problematização se insere, inicialmente, no esforço para entender como vem se dando essa
inclusão, em Salvador, em um corte transversal no tempo em que se realiza a pesquisa através
dos seus depoimentos.
Ao longo deste trabalho, busco compreender o objeto estudado em particular, em suas
conexões com os fenômenos universais, em relações objetivas dentro do modo de produção,
tendo em mente a noção de que tudo está em pleno movimento e que as conclusões ou
inferências não são estáveis. Presumo relações de causa e efeito entre a estrutura sócio-
econômica capitalista e o problema abordado e procuro refletir sobre as possibilidades de
transformação da realidade observada.
Entre as questões iniciais que problematizam e orientam o desenvolvimento deste
trabalho, estão:
1) Como se caracteriza o processo de inclusão de trabalhadores deficientes visuais no
mundo do trabalho, na cidade de Salvador, sob a perspectiva dos próprios sujeitos da
pesquisa?
2) Que fatores interagem e contribuem para determinar a inclusão ou a exclusão de
pessoas deficientes visuais no meio produtivo no contexto soteropolitano?
3) De que forma os relatos de experiências vividas pelos sujeitos deficientes visuais,
desde a sua formação profissional até a condição atual, podem me ajudar a entender o
processo de sua inclusão ou exclusão profissional?
O presente trabalho se justifica pelo fato de haver necessidade de se compreender a
nova realidade profissional das pessoas com deficiências visuais em contextos locais,
nacionais e mundiais e, ao mesmo tempo, de estimular o desenvolvimento de propostas
inclusivas para o trabalhador deficiente visual no meio produtivo. Ademais, acredito que o
24
trabalho se justifica pela importância da análise do fenômeno estudado em si mesmo e a partir
das seguintes constatações:
- A necessidade de compreender as novas relações e constantes transformações no
mundo do trabalho, a partir da perspectiva e da voz dos próprios sujeitos implicados, quais
sejam, as pessoas com deficiência visual na cidade do Salvador .
- A possibilidade de sistematizar uma discussão relevante para os que atuam e/ou
pretendem atuar no segmento da educação especial e da educação para o trabalho, ou se
interessam pelo estudo das relações entre trabalho e educação especial.
- A oportunidade de reflexão a respeito de como o sujeito com deficiência visual
reflete sobre sua realidade de trabalhador e sobre o contexto que consubstancia sua inclusão
ou a sua exclusão no mundo do trabalho.
- O desejo de estimular o desenvolvimento de novos estudos, ações e políticas de
atendimento às demandas e questões levantadas em favor da inclusão do trabalhador com
deficiência visual.
Pretendo, pois, através da análise de conteúdo do material coletado nos depoimentos e
amparado por uma fundamentação teórica compatível, auferir os objetivos a seguir
delineados.
Tenho como objetivo geral compreender o movimento de inclusão/exclusão da pessoa
com deficiência visual no mundo do trabalho, na cidade de Salvador, a partir da análise e
perspectiva dos próprios trabalhadores deficientes visuais implicados.
A este objetivo geral se vinculam os seguintes objetivos específicos:
- Compreender como as pessoas com deficiência visual entrevistadas analisam as suas
próprias trajetórias profissionais em Salvador.
- Analisar o movimento de inclusão do trabalhador deficiente visual no meio produtivo
soteropolitano.
- Verificar que fatores interagem e que relações concorrem para que o trabalhador com
deficiência visual se considere incluído ou excluído no mundo do trabalho.
- Identificar as questões, expectativas ou impasses relativas ao mundo do trabalho que se
apresentam como relevantes para as pessoas com deficiência visual na cidade de Salvador.
25
Busco alcançar os objetivos já mencionados, valendo-me desta pesquisa para
possibilitar também aos entrevistados um canal de interlocução sobre como interpretam o seu
lugar no processo de produção da existência nesta época em que o “deus” atende pelo nome
de capital eo pecado da religião do capital é não ser produtivo” (BIANCHETTI &
FREIRE, 1998, p. 15).
Neste estudo, portanto, tenho como fulcro central a reflexão sobre o problema da
inclusão da pessoa com deficiência visual no mundo do trabalho, realizada pelos próprios
deficientes visuais. Essa reflexão se revela em seus depoimentos orais a respeito de suas
experiências como trabalhadores que se alternam em empregos ou subempregos, em postos
de trabalho ou em suposta ociosidade. Condições que lhe emprestam a adjetivação ora de
incluídos, ora de excluídos do meio produtivo local.
Tenho como fundamento uma epistemologia com base dialética que analisa o
fenômeno particular da inclusão do trabalhador com deficiência visual no mundo do trabalho
em Salvador, compreendendo-o no contexto geral de instabilidade do capitalismo em escala
mundial, tendo em vista seus paradigmas e condicionantes históricos em perene mobilidade.
Para isso, entrevistei 8 pessoas com deficiência visual (7 com cegueira total e uma
com baixa visão) em diferentes situações profissionais no meio produtivo formal e informal
em Salvador e dei proeminência aos seus depoimentos, suas análises e impressões sobre o
processo de inclusão/exclusão no mundo do trabalho, que resulta na condição em que eles
mesmos se inscrevem.
O presente trabalho apresenta a seguinte estruturação: após uma introdução geral neste
primeiro capítulo, busco, no capítulo 2, situar esta pesquisa no contexto do movimento em
favor de uma sociedade inclusiva e dos estudos sobre a inclusão profissional de pessoas com
deficiência visual. Aponto para a necessidade de compreensão das principais categorias
presentes na pesquisa: deficiência visual e mundo do trabalho, tendo como cenários as
perspectivas advindas tanto da nova realidade mundial quanto do movimento a favor da
inclusão da pessoa deficiente na sociedade contemporânea.
A seguir, no capítulo 3, estabeleço o referencial teórico que se baseia na contribuição
dos estudos de Bakhtin e de Vygotsky a respeito da linguagem, especialmente as noções de
dialogia e de constituição social do sujeito, respectivamente, buscando entender como se
constituem as vozes dos sujeitos sociais com deficiência visual ao produzirem uma reflexão
sobre um tema que lhe é específico.
26
No capítulo 4, apresento as bases da construção metodológica e os pressupostos
epistemológicos da pesquisa, descrevendo como se deram a coleta, o tratamento e a análise
dos dados, bem como as possíveis inferências.
No capítulo 5, apresento a análise de conteúdo dos depoimentos dos trabalhadores
com deficiência visual sobre suas trajetórias no mundo do trabalho, numa perspectiva
qualitativa, e concluo o trabalho, apresentando as considerações finais, à luz da análise dos
dados obtidos, do referencial teórico, dos objetivos e da própria experiência no fazer da
pesquisa.
Meu desejo é que este estudo responda às questões propostas e forneça prospecções
para novas incursões e contribuições que excedam a que ora apresento, nesta dissertação, sob
a forma de um diálogo com pessoas interessadas.
27
CAPÍTULO 2
A DEFICIÊNCIA VISUAL E O MUNDO DO TRABALHO
NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA
Da exclusão social total passando para o atendimento especializado
segregado e depois para a integração social, o segmento dos portadores de
deficiências está agora lutando por sua inclusão social. A inclusão social é o
processo pelo qual a sociedade e o portador de deficiência procuram adaptar-
se mutuamente, tendo em vista a emancipação de oportunidades e,
consequentemente, uma sociedade para todos (SASSAKI, 2002, p. 167).
Neste capítulo, analiso o contexto do movimento em favor da construção de uma
sociedade inclusiva e dos estudos que vêm sendo produzidos sobre a inclusão de pessoas com
deficiência visual no mundo do trabalho. Em seguida, são destacadas as relações existentes
entre deficiência visual e mundo do trabalho, considerando os novos cenários e as
perspectivas mundiais, diante das proposições de uma sociedade para todos. Apresento ainda
uma perspectiva sintética das relações conceituais, estatísticas e legais vinculadas ao objeto de
estudo, visando apresentar o pano de fundo histórico-conceitual subjacente ao trabalho.
2.1. Os desafios para uma sociedade inclusiva e a importância de pesquisas sobre
deficiência e trabalho
Este trabalho se insere num contexto de crescente produção a respeito da inclusão
social de pessoas com deficiências em todo o mundo e diante do surgimento do conceito de
sociedade inclusiva.
Segundo Sassaki (2002), o uso do conceito de sociedade inclusiva é bastante recente
nos meios especializados em assuntos de deficiência, e passou a ser mencionado no Brasil a
partir de 1995 em traduções, textos originais, palestras e reuniões, visando o estudo e a
implementação das 22 normas de equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência
(Nações Unidas, 1996).
28
A ONU lançou o gérmen do conceito de sociedade inclusiva em 1981, ao realizar o
Ano Internacional das Pessoas Deficientes, apregoando o pleito da população com deficiência
em seu lema: “Participação Plena e Igualdade” (SASSAKI, 2002, p. 165).
Desde a resolução 45/91 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1990, os
documentos da ONU vêm relembrando a meta de uma sociedade inclusiva que garanta seus
espaços, possibilidades e oportunidades a todas as pessoas, sem prejuízo dos méritos próprios
dos indivíduos. Essa sociedade inclusiva deve-se pautar na aceitação das diferenças
individuais e de valorização da diversidade humana, com ênfase na importância do
pertencimento, da convivência, da cooperação e da contribuição que todas as pessoas podem
dar para uma construção social mais justa, saudável e satisfatória. Assim, a ONU esperava,
em 1990, que esse processo pudesse se concretizar em cerca de 20 anos (SASSAKI, 2002, p.
163-164), mas isso tende a demandar muito mais tempo, a julgar pelo ritmo atual.
Em 1993, a ONU afirmou que as pessoas com deficiência “devem receber o apoio de
que necessitam dentro das estruturas comuns de educação, saúde, emprego e serviços sociais”
(Nações Unidas, 1996, § 26). Em junho de 1994, a UNESCO registrou o termo sociedade
inclusiva no documento que ficou conhecido como Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994, p. ix, 6-7).
Alguns autores utilizam o termo sociedade para todos com sentido idêntico ao de
sociedade inclusiva. JÖNSSON acredita que a “sociedade para todos” é “uma sociedade que
se empenha para acolher as diferenças de todos os seus membros. Isto significa que temos que
focalizar nossos esforços não mais em adaptar as pessoas à sociedade, e sim em adaptar a
sociedade às pessoas”(JONSSON, 1994, p. 63, 68).
Para Sassaki, a inclusão social é o processo pelo qual a sociedade e a pessoa com
deficiência procuram adaptar-se mutuamente, tendo em vista a equiparação de oportunidades
e, por conseqüência, uma sociedade para todos (SASSAKI, 2002, p. 167) .
A inclusão social, segundo Sassaki (1995), é um imperativo, resultante de fatores e
tendências irreversíveis. Considero tais fatores e tendências como desafios que precisam ser
enfrentados para a realização da transição de uma sociedade que ostenta os ranços de muitos
preconceitos e atitudes discriminatórias em relação à diversidade e à diferença das pessoas
com deficiências para a desejável sociedade inclusiva. Eis, a seguir, os desafios:
1) A solidariedade humanitária - que implica a aceitação aparentemente simples de
que as pessoas com deficiência são seres humanos e devem ser tratadas solidariamente.
29
2) A consciência de cidadania – que equivale saber que todos devem estar cônscios de
seus direitos e deveres como cidadãos nos aspectos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais.
3)A necessidade de melhoria da qualidade de vida indo além de produtos e serviços
necessários à reabilitação, à educação, ao trabalho e ao lazer, disponíveis às pessoas com
deficiência.
4) O investimento econômico – visto que as pessoas deficientes, ativas e saudáveis,
custam menos para si mesmas, para sua família e para sua comunidade, sua inclusão social
tem um retorno econômico significativo.
5) A necessidade de desenvolvimento da sociedade – na medida em que todos os seus
membros forem atendidos em suas necessidades essenciais, uma sociedade terá
desenvolvimento cada vez mais justo e saudável.
6) A pressão internacional – em todos os países, há um consenso a respeito de
medidas de equiparação de oportunidades para todas as pessoas com deficiências, inclusive as
mais severas.
7) O cumprimento da legislação – cada vez mais, melhores leis, em âmbitos federal,
estadual e municipal, visam garantir os direitos das pessoas com deficiência; urge, portanto,
que toda essa legislação seja cumprida e sempre aperfeiçoada.
8) O combate à crise no atendimento – parcerias e atividades desenvolvidas por
governos e outras organizações vêm combatendo a má qualidade do atendimento de serviços
essenciais prestados à população em geral, especialmente, às pessoas com deficiências.
9) O crescimento do exercício da autonomia e emancipação
2
pessoal do cidadão um
processo pelo qual uma pessoa ou um grupo de pessoas utiliza o seu poder pessoal, inerente à
sua condição, para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle de sua vida, em casa,
no trabalho, na escola, no lazer e em todas as situações que se apresentam.
Nesta via da sociedade inclusiva, especialmente nos últimos anos, tem crescido a
produção bibliográfica sobre a inclusão de pessoas com deficiência nas mais diferentes
instâncias sociais.
2
Estou denominando de emancipação ao que alguns autores, inclusive Sassaki, chamam de empowerment e que,
em português, seria o mesmo que “empoderamento”.
30
Sassaki (2002) afirma que, em 1995, foi presenteado por Ana Maria Frapolla com um
exemplar da publicação “Bibliografia Especializada: Discapacidad, Políticas sociales,
Bienestar Social, Planificación, Educación, Integración, Inclusión”, elaborada por um projeto
de parceria entre organizações interamericanas. Segundo ele, os temas integração e inclusão,
juntos, foram contemplados com 196 referências bibliográficas, àquela época, o que revela
uma amostra da significativa discussão que tem sido travada a respeito desses assuntos em
todo o mundo.
Apesar do crescimento da produção bibliográfica em nível mundial, ainda há carência
de material específico sobre a inclusão da pessoa com deficiência visual no mundo do
trabalho, especialmente no contexto local de Salvador.
Dentre as publicações periódicas que veiculam estudos sobre deficiência e trabalho em
nível nacional, aparecem, com destaque, tanto pela sua importância particular quanto pelas
referências feitas às mesmas em recentes relatórios de pesquisas, a Revista Integração, a
Revista Brasileira de Educação Especial e a extinta Temas em Educação Especial.
Esses periódicos enfocam temas relativos às diversas deficiências – não apenas à
deficiência visual – e discutem a questão da inclusão em vários contextos sociais e educativos
– não apenas no mundo do trabalho.
A Revista Integração é uma publicação informativa da Secretaria de Educação
Especial, veiculada gratuitamente, desde 1988, nas instituições especializadas e entre os
profissionais da área e prioriza os relatos de experiências afins. Já a Revista Brasileira de
Educação Especial é publicada pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação
Especial e tem por objetivo divulgar as pesquisas e estudos científicos sobre a educação
especial no Brasil.
31
Por sua vez, Temas em Educação Especial, recentemente extinta, era uma publicação
que acompanhava o Ciclo de Estudos sobre Deficiência Mental, desde 1990, cuja organização
cabe ao Programa de Pós-Graduação em Educação Especial do Centro de Educação e
Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, há cerca de 20
anos. Nesta publicação, foram divulgados os trabalhos e discussões de diversos
pesquisadores, estudantes e profissionais, promovendo atualização na área.
Lancilloti (2000) utiliza as três publicações citadas como base de sua análise sobre as
relações entre trabalho e deficiência. Sua pesquisa teve como objeto de estudo a
profissionalização de pessoas com deficiências auditiva, física, mental, múltipla e visual, e
assinala:
Trata-se de problemática relevante, particularmente no momento histórico
em que a sociedade se vê afligida pela crise do trabalho. O debate é
importante para o campo da educação especial, porque a profissionalização
figura dentre seus objetivos e tem sido pouco discutida. Além disso, tende-
se a desconsiderar o contexto amplo no qual a questão se
insere.(LANCILLOTTI, 2003, p.1)
A autora supracitada procurou estabelecer uma análise da questão singular da inclusão
de pessoas deficientes no mundo do trabalho em Mato Grosso do Sul através dos artigos
publicados sobre a questão, no período compreendido entre 1988-1998, nos três periódicos
(Revista Integração, Revista Brasileira de Educação Especial e Temas em Educação
Especial). Em seguida, observou a questão em seu aspecto prático, através de um
levantamento do mercado de trabalho formal de Mato Grosso do Sul, buscando constatar
como se encontrava o trabalhador com deficiência, e de que forma vinha sendo utilizada a
legislação criada no período, para assegurar seu acesso ao trabalho formal.
Lancillotti estabeleceu o referencial teórico-marxista que dá sustentação à sua análise,
e que permitiu a compreensão da questão particular, profissionalização da pessoa com
deficiência, a partir de uma perspectiva de totalidade, ou seja, entendendo o movimento
contraditório da sociedade capitalista atual, em que essa questão tem lugar. E, finalmente,
procurou analisar e debater, a partir do referencial teórico que adotou, a relação entre
educação e o trabalho de pessoas com deficiência.
32
O trabalho de Lancillotti confirma uma tendência da maior parte dos estudiosos da
área de educação especial: considerar a questão da inclusão da pessoa com deficiência visual,
quase sempre no âmbito de um debate que abarca outras deficiências.
Alguns estudos voltados para a pessoa com deficiência visual têm sido publicados,
mas poucos se referem às questões de deficiência visual e mundo do trabalho
especificamente. A maioria desses trabalhos, ora realça a necessidade de intervenção precoce
na infância, ora enfatiza as potencialidades ou características específicas dos portadores de
baixa visão, do ponto de vista clínico, ou ainda aspectos mais voltados para ações educativas.
Poucas pesquisas, porém, têm procurado dar relevo às trajetórias que percorrem os
trabalhadores deficientes visuais no meio produtivo. Costa (2001), por exemplo, em tese de
doutorado em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, examinou as
experiências de trabalhadores deficientes visuais do Serviço Federal de Processamento de
Dados, destacando a sua formação na perspectiva da teoria crítica da sociedade e apontando
como vem sendo feita sua inclusão no mundo do trabalho através dos recursos
computacionais disponíveis.
A Universidade Federal do Mato Grosso do Sul tem sido prolífera em trabalhos na
área de deficiência, inclusive visual, e, além do trabalho de Lancillotti, já mencionado, tem
revelado algumas pesquisas que passo a relacionar, apresentando suas sínteses:
O primeiro exemplo é o de Anache (1991), que analisa e discute a Educação Especial
em Mato Grosso do Sul e, em particular, o atendimento oferecido ao indivíduo portador de
"deficiência" visual.
Anache considera que a Educação Especial está inserida no bojo da Educação Geral, e
que se busca entendê-la em uma totalidade histórica. Apresenta um panorama da história da
Educação Especial no Brasil, onde se constata que medidas fragmentárias fazem parte do
cenário educacional e que as preocupações em relação a "deficiência" mudam de acordo com
as condições socioeconômicas e políticas do País. Analisa os conceitos, bem como alguns
princípios norteadores da Educação Especial, pois verifica que esses são abrangentes e
incoerentes, se constituindo em um dos entraves ao processo de integração do portador de
"deficiência", por não expressarem mais este novo momento da história. Num terceiro
momento, aborda a Educação Especial em Mato Grosso do Sul. Nessa abordagem, fica
patente a ausência de política e estratégia de atendimento ao "deficiente". A seguir, ressalta o
atendimento oferecido ao indivíduo portador de "deficiência" visual, em que se discute a
33
prática de sua integração. A autora procura mostrar que discurso e prática não se dissociam e
constituem-se unidades em processo, em conflito. Assim, esses indivíduos vivenciam o
paradoxo do binômio segregação-integração.
Neres (1999) realizou investigação sobre a Educação Profissional do Portador de
Necessidades Especiais – PNE
3
, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Para apreensão do
objeto desse estudo, Neres (op. cit.) buscou reconstituir historicamente as diferentes formas de
atendimento às pessoas com necessidades especiais, com o objetivo de desvelar as
necessidades que estariam determinando a existência desses atendimentos, neste momento, na
sociedade. Segue, fazendo uma análise das políticas de atendimento aos portadores de
necessidades especiais, especialmente as que privilegiam a educação profissional, bem como
os programas de profissionalização desenvolvidos em Campo Grande – Mato Grosso do Sul.
O objetivo era o de apontar algumas funções que cumprem esses programas, que, em sua
teoria, têm como finalidade integrar a pessoa com deficiência na sociedade, via mercado de
trabalho.
Tocando em aspectos relativos ao referencial teórico deste trabalho, que reafirma as
noções de constituição social do sujeito, está também o trabalho de Brunetto (1999), que
busca analisar como o deficiente é visto pelos outros, seus semelhantes, e, sobretudo, pelo
professor e técnico de Educação Especial que com ele trabalha.
Partindo de uma abordagem psicanalítica, Brunetto (op. cit.) acredita que a
constituição do sujeito se faz pela alteridade e que a forma como é visto pelo outro, pelo
professor, e pela cultura, determina como o deficiente mesmo se vê. A autora elabora um
perfil de duas instituições de Educação Especial nas quais trabalha, e analisa a dicotomia entre
integrar ou institucionalizar o deficiente: freqüentar ensino regular ou serviços especializados.
A partir dos relatos de discriminação aos deficientes, tanto na cultura contemporânea,
como na exposição que, na Antigüidade Clássica, os gregos faziam com as crianças que
nascessem com alguma deficiência observável no corpo, Brunetto analisa por que o
deficiente é o estranho, o diferente. Questiona sobre uma possível tentativa de negar a
deficiência, e quais as suas razões e define o sujeito psicanalítico como essencialmente um
deficiente pulsional, desamparado, estrangeiro e manco. Posteriormente, procede a uma
relação entre o deficiente, o feminino e a castração.
3
Terminologia preferida e/ou utilizada por aquele autor em seus trabalho.
34
Um trabalho apresentado por Dorneles (2002) discute a contribuição das novas
tecnologias no processo de ensino e aprendizagem do deficiente visual, buscando explicitar a
análise da contribuição das novas tecnologias computacionais no processo de ensino e
aprendizagem desse aluno.
Dorneles se propõe a levantar dados históricos sobre a tecnologia na educação e,
principalmente, na educação do deficiente visual em Campo Grande, no período de 1994 a
2001. Sua análise é feita através da descrição dos sujeitos pesquisados, inclusos nos níveis de
ensino Fundamental e Médio. Sua pesquisa adota o enfoque qualitativo descritivo, ancorada
na concepção fenomenológica, apoiada em pesquisa bibliográfica e empírica. A autora
realizou sua pesquisa de campo em três escolas da rede pública estadual, com serviço de
apoio ao deficiente visual. Os resultados obtidos na análise explicitaram a mediação na
construção da aprendizagem, exercida pelos professores e/ou pais e pelos colegas de classe,
bem como o uso dos recursos didáticos e computacionais.
A conclusão de Dorneles foi que os investimentos em novas tecnologias digitais, com
interfaces de acesso ao deficiente visual, proporcionam ganhos no processo educacional e que
se deve contemplar, em instituições de ensino, maiores investimentos para a implementação
de recursos tecnológicos computacionais. Esses recursos viabilizam a aprendizagem dos
alunos, a formação inicial e continuada dos professores e a orientação pedagógica aos pais na
área educacional, contribuindo para uma inserção verdadeira e igualitária dos deficientes
visuais.
Em Salvador, espaço em que se localiza a nossa pesquisa, há indícios de raros
trabalhos históricos ou na área de serviço social, e ainda outros que tratam das relações entre
educação, trabalho e deficiência, mas ainda em fase de produção ou de localização imprecisa.
Melissa Bahia (2001), que também é uma de nossas entrevistadas, realizou um
trabalho de conclusão de curso de graduação em Ciências Sociais na UNIFACS, em que
tratou da relação entre deficientes visuais e mercado de trabalho; analisando a questão a partir
da perspectiva da reintegração e da reabilitação dos trabalhadores, concluiu, ressaltando as
dificuldades observadas para a qualificação do trabalhador com deficiência visual. Salientou,
porém, que os obstáculos para que o trabalhador com deficiência visual se insira no mundo do
trabalho são muito mais acentuados pela desconfiança do empregador quanto ao potencial da
pessoa deficiente do que propriamente por sua limitação para ocupar os postos de trabalho.
35
2.2. Deficiência visual e mundo do trabalho: categorias em análise
Ao tempo em que proponho o estudo da inclusão da pessoa com deficiência visual de
forma produtiva no mundo do trabalho, impõe-se a definição dos conceitos e categorias
relacionados ao tema. Assim, pretendo estabelecer um entendimento das concepções adotadas
para os termos que ocupam as categorias principais deste trabalho: primeiro, estabeleço o que
é deficiência visual e, posteriormente, o que este trabalho denomina pessoa com deficiência
visual, para, mais adiante, adentrar a exposição sobre o que vem a ser entendido como mundo
do trabalho.
2.2.1. A Deficiência Visual
Conforme Omote (1994), a deficiência é um fenômeno socialmente construído:
A deficiência não é algo que emerge com o nascimento de alguém ou com a
enfermidade que alguém contrai, mas é produzida e mantida por um grupo
social na medida em que interpreta e trata como desvantagens certas
diferenças apresentadas por determinadas pessoas. Assim as deficiências
devem, a nosso ver, ser encaradas também como decorrentes dos modos de
funcionamento do próprio grupo social e não apenas como atributos
inerentes às pessoas identificadas como deficientes (OMOTE, 1994, p.67).
Essa perspectiva coaduna-se com os estudos desenvolvidos por Vygotsky, tendo em
vista a constituição social do sujeito, presente neste trabalho, como referencial teórico
fundante.
Para fins de clareza, é importante não ignorar que a deficiência visual, em nenhum
momento, terá neste texto a acepção de algo que confere anormalidade à pessoa ou ao
comportamento do deficiente visual, só pelo fato do mesmo não usufruir completa ou
parcialmente sua visão.
“O fato essencial é que o comportamento desviante é produzido pela
sociedade, na medida em que esta estabelece suas regras de funcionamento,
cuja infração configura ‘o desvio’, mas, inversamente, o estabelecimento da
diferença vem confirmar o estado de normalidade” (TOMASINI,1994, p.29).
36
Diversos estudiosos têm insistido em que a delimitação do grupamento de deficientes
visuais, cegos e portadores de baixa visão se dá por duas escalas oftalmológicas: acuidade
visual, que se refere ao que se enxerga a determinada distância, e campo visual, que se
refere à amplitude da área alcançada pela visão.
Há uma clara evolução das discussões em torno das várias tentativas de cunhar uma
definição que parecesse apropriada aos que laboraram junto a este segmento de deficiência.
Assim, em 1966, a Organização Mundial de Saúde (OMS) registrou 66 diferentes definições
de cegueira, utilizadas para fins estatísticos em diversos países.
Para simplificar o assunto, um grupo de estudos sobre a Prevenção da Cegueira da
OMS, em 1972, propôs normas para a definição de cegueira e para uniformizar as anotações
dos valores de acuidade visual com finalidades estatísticas.
De um trabalho conjunto entre a Academia Americana de Oftalmologia e o Conselho
Internacional de Oftalmologia, vieram extensas definições, conceitos e comentários a respeito,
transcritos no Relatório Oficial do IV Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira (1980,
p. 427-433). Na oportunidade, foi introduzido, ao lado de cegueira, o termo visão subnormal
ou baixa visão (low vision, em inglês).
Diversamente do que alguns poderiam supor, o termo cegueira não é absoluto, pois
reúne indivíduos com vários graus de visão residual. O termo designa o prejuízo da aptidão
visual a níveis incapacitantes para o exercício de tarefas rotineiras.
O relatório supracitado fala em cegueira parcial (também dita legal ou profissional).
Nessa categoria, estão os indivíduos apenas capazes de ver à curta distância e os que só
percebem vultos. Mais próximos da cegueira total estão os indivíduos que só têm percepção e
projeção luminosas. No primeiro caso (percepção), há apenas a distinção entre claro e escuro;
no segundo (projeção), o indivíduo é capaz de identificar também a direção de onde provém a
luz.
A cegueira total, ou simplesmente amaurose, pressupõe completa perda de visão. A
visão é nula, isto é, nem a percepção luminosa está presente. No jargão oftalmológico, é usada
a expressão visão zero para descrevê-la.
A partir dos documentos da Organização Mundial da Saúde, uma pessoa é considerada
cega se corresponder a um dos critérios seguintes: a visão corrigida do melhor dos seus olhos
é de 20/200 ou menos, isto é, se ela só pode ver a 20 pés (6 metros) o que uma pessoa de
visão normal pode ver a 200 pés (60 metros), ou se o diâmetro mais largo do seu campo visual
37
subentende um arco não maior de 20 graus, ainda que sua acuidade visual nesse estreito
campo possa ser superior a 20/200. Esse campo visual restrito é muitas vezes chamado "visão
em túnel" ou "em ponta de alfinete", e a essas definições chamam alguns "cegueira legal" ou
"cegueira econômica". Nesse contexto, caracteriza-se como portador de visão subnormal
aquele que possui acuidade visual de 6/60 a 18/60 (escala métrica) e/ou um campo visual
entre 20 e 50º.
Segundo Haddad (2004), O Conselho Internacional de Oftalmologia, reunido em
Sidney em 2002, considerou os seguintes conceitos para designar as deficiências visuais:
Cegueira - a ser usado somente para perda total da visão e para condições nas quais os
indivíduos precisam contar predominantemente com habilidades de substituição da visão.
Baixa visão - a ser usado para graus menores de perda de visão, quando os indivíduos
podem receber auxílio significativo por meio de aparelhos e dispositivos de reforço da visão.
Visão diminuída - quando a condição de perda visual é caracterizada por perda de
função em nível de órgão. Muitas das funções podem ser medidas quantitativamente
(acuidade visual, campo visual, etc.).
Visão funcional - capacidade da pessoa em usar a visão nas atividades diárias da vida.
Muitas dessas atividades podem ser descritas qualitativamente.
Perda da visão - termo geral, inclusive para perda total (cegueira) e perda parcial
(Baixa visão), caracterizada ou baseada em visão diminuída ou perda de visão funcional.
O Conselho Internacional de Oftalmologia apresentou também as faixas de perda de
visão, assim designadas:
- Visão normal - maior ou igual a 0,8
- Perda leve da visão - < 0,8 e >=0,3
- Perda moderada da visão - <0,3 e >= 0,125
- Perda grave da visão - <0,125 e >= 0,05
- Perda profunda da visão - <0,05 e >=0,02
- Perda quase total da visão (próximo à cegueira) - <0,02 e >= SPL
- Perda total da visão (cegueira total) – SPL
38
A OMS considera que possui baixa visão o indivíduo que apresenta, mesmo após
tratamentos clínico/cirúrgico pertinentes, acuidade visual corrigida no melhor olho for menor
ou igual a 6/18 ou campo visual menor ou igual a 10 graus no seu maior eixo. Potencialmente,
é capaz de planejar e executar uma tarefa. E deficiente visual – para efeitos legais – aquele
cuja acuidade visual, quando corrigida no melhor olho, for menor ou igual a 20/200 ou o
campo visual for menor que 20 graus.
Pedagogicamente, delimita-se como cego aquele que, mesmo possuindo baixa visão,
necessita de instrução em Braille (sistema de escrita por pontos em relevo) e como portador
de visão subnormal, aquele que lê tipos impressos ampliados ou com o auxílio de potentes
recursos ópticos.
A partir dessas definições, o termo deficiência visual, neste trabalho, pretende
subsumir ambas as delimitações sob um mesmo termo, para nomear os diversos níveis de
limitação visual, compreendidos entre a visão subnormal (baixa visão) e a cegueira total. Mas,
quando me refiro aos sujeitos entrevistados e nomeados, cujos depoimentos registro neste
estudo específico, as expressões pessoas com deficiência visual, deficiente visual ou
equivalente, se reportam precisamente a pessoas com cegueira total ou parcial. São 7 pessoas,
sujeitos da pesquisa, que não enxergam mesmo com o auxílio dos mais potentes recursos
óticos e 1 pessoa com a chamada cegueira legal.
A concepção que apresento de pessoa trabalhadora com deficiência visual, em
diversos momentos pressupõe o reconhecimento total do exercício de sua cidadania ativa.
Trata-se da apresentação da pessoa com deficiência visual a partir de uma aceitação plena de
sua cidadania por considerar que:
a) cidadania é uma das noções mais elementares e necessárias à vivência e à convivência na
sociedade contemporânea e institui, para o homem, uma compreensão de si mesmo,
vinculada a uma compreensão do outro e da diversidade que o cerca;
b) a noção de cidadania é central tanto nas questões sobre inclusão de pessoas com
deficiência quanto nos diversos debates envolvendo aspectos do mundo do trabalho;
c) numa tentativa de compreensão do sujeito como constituído nas relações sociais, o
cidadão se apresenta como o produto destas relações, resguardadas sua individualidade e
subjetividade, na busca de sua crescente emancipação.
Entretanto, claro está que não endosso a tese neoliberal de que à cidadania cabe
responder a todas as demandas indesejáveis do capitalismo em crise. Acredito que a tese é
39
apenas parcialmente válida, se não se considerar a necessidade de mudanças estruturais no
modo de produção vigente, em que a falta de cidadania tem sido usada apenas como
instrumento para explicar e até justificar a exploração das classes menos favorecidas pelas
mais abastadas economicamente. Isso significa que a cidadania se faz muitas vezes falaciosa
se não consegue operar movimentos coletivos de radical transformação social quando estes se
fazem exigir.
Santos (2004) observou que a incorporação, pelo mercado de trabalho, de pessoas com
deficiência depende de condicionantes históricos e é determinada pelas condições materiais de
uma dada sociedade, em um dado momento. Na conjuntura atual, os trabalhadores com
deficiência são absorvidos à medida que se mostram capazes de promover vantagens
econômicas para o capital e deixam de ser aproveitados à medida que a oferta de mão-de-obra
se amplia, por avanços tecnológicos ou pelas condições materiais distintas de cada momento
histórico. (SANTOS, 2004, p. 27).
2.2.2. O Mundo do trabalho
No modo de produção capitalista, a idéia de mundo do trabalho tem sido recorrente.
Para entender o que vem a ser mundo do trabalho, considero apropriado, inicialmente, situar o
que é trabalho na sociedade capitalista para, a partir dessa relação com o significado geral,
entender o que vem a ser mundo do trabalho neste texto.
Karl Marx reservou para a categoria trabalho um lugar central em sua formulação
teórica, pois vê o trabalho como fundamental na definição e caracterização humanas (MARX,
1988). Ele é o pensador que, até hoje, forneceu as melhores contribuições para se
compreender a sociedade capitalista em suas contradições e movimentos. Esse autor entende
que o trabalho
[...] é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso,
apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição
universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural
eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa
vida, sendo antes igualmente comum a todas as formas sociais. (MARX,
1988, p. 146)
40
O trabalho era considerado por Marx como uma atividade essencial à manutenção da
vida, a despeito de sua crítica à forma como o modo de produção capitalista se apropriou da
força de trabalho e explorou a classe trabalhadora:
O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a
história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder
“fazer história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter
habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é,
portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas
necessidades, a produção da própria vida material (MARX & ENGELS,
1993, p. 39)
Marx denunciou que a atividade humana para produzir a sua própria existência foi-se
transformando, paulatinamente, na sociedade capitalista, até se constituir em trabalho
alienado, com a divisão entre trabalho e propriedade privada, como faces de uma mesma
totalidade contraditória, tendo, de um lado, a alienação do trabalhador e de outro, a
apropriação do seu produto. Daí se conclui que o capitalismo não apenas promoveu uma
divisão social a partir da cisão entre trabalho material e trabalho espiritual, trabalho manual e
trabalho intelectual, mas, principalmente, reduziu o homem à condição de mercadoria, que
vende a força de seu próprio corpo em forma de trabalho, como única forma de satisfazer as
suas necessidades e produzir a própria existência. O capitalismo, ao comprar a força de
trabalho do homem, “incorporou o próprio trabalho, como fermento vivo, aos elementos
mortos constitutivos do produto que lhe pertencem igualmente.” (MARX, 1988, p. 142).
Assim, o trabalho é comprado pelos que detêm a propriedade privada, a quem
pertence, então, o produto da atividade do homem, e, atendendo às necessidades do
proprietário, o trabalhador recebe o salário que transforma sua atividade em capital e que
atribui valor de coisa estranha a si mesmo, e não de uma manifestação pessoal. Nisso, se
observa que “com a valorização do mundo das coisas, em proporção direta, dá-se a
desvalorização do mundo dos homens” (LANCILLOTTI, 2003, p. 55).
A reflexão sobre o que vem a ser o trabalho tem encontrado no pensamento marxista
um importante fundamento; desenvolvimentos posteriores do tema, levando em conta as
mudanças históricas ocorridas, têm estimulado amplo debate na contemporaneidade e
revelado que as mudanças sociais não diminuíram ou, quando muito, apenas mudaram o
modo de compreender a centralidade da categoria trabalho na compreensão do homem no
mundo capitalista.
41
Frigotto (1995) indica que, nos últimos setenta anos, o capital viveu um longo período
de acumulação, revolucionando a tecnologia do processo produtivo e gerando transformações
na divisão, conteúdo, qualidade e quantidade do trabalho. Isso se deu, exacerbando-se a
exclusão social com o aumento do desemprego e a aceitação do subemprego pelo trabalhador,
especialmente nos países mais pobres.
Em função de mudanças ocorridas, com o incremento tecnológico e inovações na
forma de gestão da produção, que diminuem o trabalho produtivo industrial, enquanto
aumentam o movimento no setor de serviços e tornam precária a condição do trabalhador com
a flexibilização da legislação trabalhista (ANTUNES, 1995, p. 41,42), há quem indique,
porém, que a sociedade capitalista se encaminha para o “não-trabalho” (GORZ, 1987, apud
LANCILLOTTI, 2003, p. 59).
Esse, porém não me parece ser um destino plausível, pois é da própria lógica
capitalista a apropriação do trabalho do homem para sua subalternização e enriquecimento da
propriedade privada. O que se vê é a extinção gradual do emprego e o surgimento de noções
como empregabilidade, emprego temporário, terceirização, etc. a indicarem que trabalho
existe, o que tende a faltar é o emprego, em sua concepção tradicional.
Marx analisa a categoria trabalho dentro da dupla dimensão que o trabalho ocupa na
sociedade capitalista, ora como trabalho abstrato, ora como trabalho concreto, e esclarece:
Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no
sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho
humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado,
dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente
adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho concreto útil produz
valores de uso. (MARX, 1988, p. 53).
Na presente investigação, mundo do trabalho é entendido como o conjunto de
processos relacionados às atividades materiais, produtivas, econômicas e culturais que se
geram em torno da reprodução da vida (HOBSBAWM, 1987) e está ligado às necessidades
humanas e às condições materiais e políticas de cada época em que são engendradas as
mediações objetivas que respondem a essas necessidades.(CIAVATTA, 2002, p. 121).
Reitero a centralidade do trabalho como uma categoria estruturante da existência
humana e da produção do conhecimento (LUKÁCS, 1978), tendo-a como historicamente
construída pelas relações de produção capitalistas, tornando-se componente fundamental das
42
condições de desenvolvimento desigual, de empobrecimento e marginalização de dois terços
da humanidade (CIAVATTA, 2002, p. 120).
Neste texto, a noção de mundo do trabalho assume um lugar fundamental e está aqui
situada em detrimento da idéia de mercado de trabalho, expressão mais usual no contexto de
produção capitalista e que considero estreitamente vinculada à sua lógica e estrutura de
exploração do trabalho humano em favor da sustentação de seus princípios, em especial à
aquisição de bens e troca de mercadorias, para acumulação do lucro por uns e a venda da
força de trabalho, geralmente alienado, por outros. Tal distinção de termos nem sempre
aparece nas citações ou em comentário dos autores citados.
Vários autores têm se debruçado sobre as questões que dizem respeito às relações
entre o capitalismo, o trabalho e a educação e os conceitos ou transformações que as
circundam e essas relações, embora não sejam partes do marco principal deste trabalho,
ajudam a entender os cenários em que aparecem, ao longo do exame do problema da pesquisa,
quanto à inclusão ou a exclusão da pessoa com deficiência visual em relação ao meio
produtivo local.
Ao analisar a relação trabalho-educação, Gentili (2002) propõe três teses, que acredita
sejam fundamentais para compreender essa relação no contexto dos processos de reforma
educacional promovida por governos neoliberais na América Latina.
Estas teses ajudam a localizar a presente reflexão proposta sobre a inclusão de pessoas
com deficiência visual dentro de um arcabouço teórico que se transforma junto com o modo
de produção.
Inicialmente, Gentili afirma, como primeira tese, que, na sua formulação clássica, a
Teoria do Capital Humano está esgotada e que isso, infelizmente, não parece ser uma boa
notícia (GENTILI, 2002, p. 47).
Ao comentar a recente ascensão do conceito de empregabilidade, apresenta a segunda
tese, indicando que empregabilidade é o eufemismo da desigualdade estrutural que caracteriza
o mercado de trabalho e que sintetiza a incapacidade – também estrutural – da educação em
cumprir sua promessa integradora numa sociedade democrática” (GENTILI, op. cit., p. 52).
A terceira tese indica que a desintegração social promovida pelos regimes neoliberais,
em contextos marcados por um aumento significativo dos índices de escolarização, demonstra
que a educação e o desenvolvimento se relacionam e influenciam, mas não necessariamente
de uma forma positiva, visto que é fácil constatar, por exemplo, que os pobres latino-
43
americanos são hoje mais pobres e mais “educados”. Isso significa que, ao contrário do que a
Teoria do Capital Humano continua a apregoar, o aumento nos índices de escolarização não
cumpriu a promessa de ocasionar o aumento da renda dos mais pobres, diminuindo a
disparidade econômica endêmica que caracteriza a desigual distribuição da riqueza na região,
antes, a consolidou (GENTILI, id., p. 56, 59, 58).
Ao tratar do que denomina “Fundamentos da relação trabalho e educação”, Frigotto
(2002) alinhava questões importantes para subsidiar a discussão quanto aos marcos adotados
pelo capitalismo para a mencionada relação.
O autor parte do pressuposto de Marx de que o fundamento ou a raiz do homem é o
próprio homem, buscando situar, primeiro, a questão da relação entre estrutura e
determinações, e o sujeito, sua liberdade e possibilidade de escolhas (FRIGOTTO, 2002, p.
63-66).
Num segundo aspecto, Frigotto argumenta que a contradição entre o trabalho social,
criador de valores de uso – condição da produção e reprodução da existência humana, eterna
necessidade natural – e as relações sociais de produção, radicaliza-se na atual fase do
capitalismo, ao qual denomina de capitalismo tardio e “ampliam-se a alienação e o trabalho
supérfluo e fantasmagórico.” (FRIGOTTO, op. cit., p. 66-69). Por fim, o autor assinala
questões decorrentes dos pontos citados na página anterior e que se referem às pesquisas
atuais relacionadas aos processos educativos e formativos com (ou como??) a questão do
desemprego e do subemprego e, mais amplamente, situando o debate das reformas educativas
no Brasil.
Em reflexão em que recorre a vários outros textos de sua autoria, Kuenzer (2002)
analisa as novas relações do mundo do trabalho, e denuncia a nova forma de dualidade
estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho, considerando suas
contradições dentro do capitalismo. Kuenzer enfatiza que os processos de inclusão
pretendidos pela educação ainda assim se revelam excludentes pela lógica do capital no
mundo do trabalho, numa relação dialética que ora aponta para uma inclusão excludente, ora
para uma exclusão includente. Essa lógica capitalista indica que, ao mesmo tempo em que são
identificadas várias estratégias para excluir o trabalhador do mercado formal, no qual ele tinha
direitos assegurados e melhores condições de trabalho, são também colocadas estratégias de
inclusão no mundo do trabalho, mas sob condições precárias (KUENZER, 2002, p. 92).
44
Tedesco (2002) parece refletir na mesma direção, quando postula que está havendo
uma redefinição da relação entre educação e trabalho e observa que a incapacidade dos novos
modos de produção para incorporar toda a população de maneira relativamente estável
modifica substancialmente não só a situação dos que ficam de fora, mas também a dos que
são incorporados (TEDESCO, 2002, p. 52,53). E complementa:
Nesse sentido, numerosos estudos evidenciam que as novas tecnologias de
produção e os modelos de gestão que as acompanham, implicam, pelo
menos, dois fenômenos que afetam diretamente a situação dos trabalhadores
que atuam nos setores-chaves da produção: a redução significativa de postos
de trabalho estáveis e a utilização total das pessoas que ocupam esses postos.
Quanto à redução dos postos de trabalho, todas as evidências indicam que as
empresas de tecnologia avançada só podem garantir postos estáveis a uma
reduzida parcela de seu pessoal, gerando – além de um significativo
aumento do desemprego – um fenômeno de precarização das condições do
restante dos trabalhadores (TEDESCO, 2002, p. 53).
Ao lado destas constatações, aparece uma outra, feita por diversos autores e tamm
enumerada por Tedesco, que diz respeito à contratação e à forma de manutenção do
trabalhador nos postos de trabalho já precarizados:
As empresas estão se orientando para formas flexíveis de contratação tanto
de caráter externo como interno. A flexibilidade externa refere-se à
subcontratação de partes do processo produtivo a outras empresas, enquanto
a flexibilidade interna refere-se à polivalência de seu pessoal, que deve
adaptar-se a condições de trabalho em mudança. Esta exigência de
polivalência e de adaptação permanente, unida às exigências de trabalho em
equipe e de criatividade na solução de problemas variáveis, gera,
potencialmente, um clima desestabilizador muito forte, tanto no plano
individual quanto no institucional. Uma das formas de resolver essa situação
de instabilidade é dotar as pessoas que ocupam esses postos de trabalho de
condições de seguridade muito altas, como contrapartida a uma entrega total
às exigências da empresa (TEDESCO, 2002, p. 53).
Ferretti (2002), em texto que trata dos diferentes olhares sobre as relações trabalho e
educação no Brasil nos anos recentes, comenta e analisa as diferentes perspectivas reveladas
por empresários, trabalhadores e educadores sobre as relações e sobre as transformações da
relação trabalho e educação no Brasil, no final da década de 1990 e início da década de 2000,
revelando o que já se poderia deduzir: embora discutam e negociem sobre o mesmo problema,
são muito distintos os pontos de vista. (FERRETI, 2002, p.97-118)
Este panorama da reflexão sobre trabalho e educação serve para delinear a
complexidade das relações que estão engendradas na trama de qualquer discussão em relação
45
à inclusão de qualquer trabalhador no mundo do trabalho e não se dá de forma diferente em
relação à inclusão da pessoa com deficiência visual no mundo do trabalho em Salvador.
As observações dos autores citados e de outros, por sua vez, indicam que o debate se
amplia a ponto de exceder os interesses desta pesquisa, obrigando-me a restringir a discussão
àquilo que se refere à abordagem do tema proposto: a inclusão das pessoas com deficiência
visual no mundo do trabalho em Salvador, a partir de seus depoimentos.
2.3. Relações conceituais e estatísticas entre deficiência e trabalho
Em um trabalho como este, considero pertinente estabelecer as relações existentes
entre os conceitos de deficiência – especialmente deficiência visual – e trabalho, bem como
atentar para os dados estatísticos disponíveis que indicam como essas relações vêm se dando.
De acordo com o Censo Demográfico de 2000, o Brasil possui 24,5 milhões de
pessoas com algum tipo de deficiência, isso equivale a 14,5% da população. Os números do
Censo 2000 superam a estimativa da Organização Mundial da Saúde, que é de 10% em cada
país em todo o mundo, desde 1980. O Censo revelou ainda que 57,16 % dos brasileiros
alegam ter alguma dificuldade para enxergar e 10,5% têm grande dificuldade para enxergar,
enquanto 0,6% considera-se incapaz de enxergar. (IBGE, 2000).
De acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas 2,5% dos deficientes revelam
percepção de incapacidade e apenas 0,1 % afirma ter incapacidade visual (Haddad, 2004)
Em texto que trata sobre as Oportunidades de trabalho para portadores de
deficiência, Miranda (2004) afirma que são poucos os portadores de deficiência que trabalham
no mercado formal e destaca que a baixa participação dos portadores de deficiência no
mercado de trabalho constitui-se hoje num dos mais graves problemas sociais do Brasil. Ele
estima que cerca de 56%, aproximadamente 13 milhões das pessoas com deficiência, estão em
idade de trabalhar. Destes, apenas 2% trabalham no mercado formal, enquanto nos países
mais avançados essa proporção fica entre 30% e 45% (PASTORE, 2001 apud MIRANDA,
2004).
Em diversos documentos, a título de esclarecer alguns aspectos conceituais, do ponto
de vista médico, a OMS descreve deficiência como “a incapacidade de uma ou mais funções
46
do indivíduo”, ou seja, refere-se à perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica. Mas a própria Organização Mundial de Saúde vem promovendo,
desde 1999, a revisão e a ampliação deste conceito estritamente médico, incorporando agora
uma dimensão social, e passando a considerar que uma pessoa é deficiente quando tem
restrições de estrutura ou funções corporais não compensadas por providências sociais. Com
base nessa definição, levando em conta apenas as pessoas que têm limitações para o trabalho,
é que a OMS estima que 10% da população mundial são portadores de deficiência
(WHO/OMS, 1999).
De acordo com a Convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT,
1983), ratificada pelo Brasil, em 1991, através do Decreto n.º 129, a pessoa portadora de
deficiência, do ponto de vista do trabalho, foi definida como aquela cuja possibilidade de
conseguir, permanecer e progredir no emprego é substancialmente limitada em decorrência de
uma reconhecida desvantagem física ou mental.
Com base nessa definição, a OIT estima que cerca de 8% da população
economicamente ativa do mundo são constituídos por portadores de deficiência. A legislação
brasileira, adota como paradigma a Convenção 159 da OIT, e também considera pessoa
portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anomalias de
sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano, conforme
estabelecido na Lei n.º 7.853/89 e no Decreto n.º 3.298/99 (BRASIL, 1999).
Nem todos os números envolvendo deficiência e trabalho são precisos. Um
cruzamento das estimativas da OMS, dados do censo 2000 e outros dados do governo, indica
que o Nordeste concentra 40% dos portadores de deficiência do país, o Norte, 14%; o
Sudeste, 12%; o Sul, 18%; e o Centro Oeste, 16% (BRASIL/MPAS, 1998).
Dos cerca de 13 milhões de pessoas com deficiência, em idade de trabalhar,
aproximadamente 260.000 trabalham no mercado formal. Incluindo os que atuam no mercado
informal, o total de trabalhadores com alguma deficiência é pouco superior a 1 milhão de
pessoas.
Não obtive dados precisos sobre a realidade dos trabalhadores com deficiência visual
em Salvador, e mesmo os dados do Censo não parecem absolutamente seguros quanto à
deficiência visual, pois incluem, nessa categoria, desde pessoas que declararam ter alguma
dificuldade de enxergar até aquelas que são incapazes de enxergar. Todavia, considerando a
47
realidade soteropolitana, no contexto dos dados da Bahia e do Brasil e em comparação com
expectativas da OMS, pode-se chegar às estimativas constantes nas seguintes tabelas:
Tabela 1. Número de Portadores de deficiência, por tipo de deficiência, segundo
estimativa da OMS* no Brasil, na Bahia e em Salvador.
DEFICIÊNCIA BRASIL BAHIA SALVADOR
Deficientes Mentais (5% da população) 8.000.000 650.000 120.000
Deficientes Físicos (2% da população) 3.200.000 260.000 48.000
Deficientes Auditivos (1,5% da população) 2.400.000 195.000 36.000
Deficientes Múltiplos (1,0% da população) 1.600.000 130.000 24.000
Deficientes Visuais (0,5% da população) 800.000 65.000 12.000
Total (10% da população) 16.000.000 1.300.000 240.000
* Com base em dados populacionais do Censo Demográfico 2000 - IBGE
Tabela 2. Número de Portadores de deficiência para o trabalho, segundo estimativa da
Organização Internacional do Trabalho (OIT)*, Salvador, Bahia e Brasil
BRASIL 11.000.000
BAHIA 800.000
SALVADOR 160.000
* Com base em dados populacionais do Censo Demográfico 2000 - IBGE
Tabela 3. Número de Portadores de deficiência, por tipo de deficiência, segundo o Censo
Demográfico 2000 (IBGE), Brasil e Bahia
Região
Total Deficiência
Mental
Deficiência
Física
Deficiência
Visual
Deficiência
Auditiva
Brasil 24.600.256 2.844.937 1.416.060 16.644.842 5.735.099
Bahia 2.046.326 223.815 112.402 1.427.638 477.270
Tabela 4. Comparação entre estimativas sobre o número de portadores de deficiência
para Salvador, Bahia e Brasil
Região
Organização
Internacional do
Trabalho – OIT*
Or
g
anização Mundial de
Saúde – OMS*
Censo Demográfico 2000
- IBGE
Brasil
11.000.000 16.000.000 24.600.256
Bahia
800.000 1.300.000 2.046.326
Salvador
160.000 240.000 Não disponível
* Com base em dados populacionais do Censo Demográfico 2000 - IBGE
48
2.4. A legislação relativa ao trabalho de pessoas com deficiência
A partir da década de 1970, as organizações internacionais passaram a desenvolver
esforços legislativos no sentido de ampliar a integração dos portadores de deficiência no
mercado de trabalho, sendo que tal esforço teve grande impacto na elaboração e
implementação das legislações nacionais de inúmeros países.
Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a “Declaração dos
Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência”, que estabeleceu que as pessoas portadoras de
deficiência têm o direito de ter as suas necessidades especiais levadas em consideração em
todos os estágios de planejamento econômico e social.
Em 1994, na Declaração de Salamanca (Espanha), os países membros da ONU
firmaram um compromisso de estruturar e executar serviços de educação, formação e
reabilitação dos portadores de deficiência em todo o mundo, adotando como princípio que os
portadores de deficiências são membros da sociedade e têm o direito de permanecer nas
comunidades e ali receber os serviços de educação, saúde e emprego como os demais
habitantes. Cumpre destacar que todos esses instrumentos de âmbito internacional foram
ratificados pelo Brasil.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1983, aprovou a Convenção 159
que definiu a pessoa portadora de deficiência para o trabalho como aquela cuja possibilidade
de conseguir, permanecer e progredir no emprego é substancialmente limitada em decorrência
de uma reconhecida desvantagem física ou mental. Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil,
em 1991, através do Decreto n.º 129.
No Brasil tem sido dada grande ênfase à dimensão jurídica da inserção dos portadores
de deficiências no mercado de trabalho. A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo
7º, incisivo XXXI, “a proibição de qualquer tipo de discriminação no tocante a salários e
critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. O artigo 227, por sua vez,
obriga o Estado a “criar programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do
adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e
a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e
obstáculos arquitetônicos”.
49
No âmbito da legislação ordinária, a Lei n.º 7.853/89 estabeleceu as normas gerais que
asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de
deficiência, e sua efetiva integração social. Essa lei criou a Coordenadoria Nacional para
Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência (CORDE) e atribuiu ao Poder Público o
dever de assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos
básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social,
entre outros.
Neste sentido, a Lei n.º 7.853/89 prevê a adoção de legislação específica que discipline
a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas
entidades da administração pública e do setor privado. Além disso, essa lei estabelece, em seu
artigo 8º, que constitui crime punível com multa e reclusão de 1 a 4 anos, negar, sem justa
causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho.
Em 1990, a Lei n.º 8.112 assegurou às pessoas portadoras de deficiência o direito de
se inscreverem em concurso público para provimento de cargo, cujas atribuições sejam
compatíveis com a deficiência de que são portadoras, reservando para tais pessoas até 20%
(vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.
Em 1991, a Lei n.º 8.213 (Plano de Benefícios da Previdência Social), em seu artigo 93,
estabeleceu o sistema de cotas em que a empresa, com 100 ou mais empregados, está obrigada
a preencher de 2 a 5% dos seus cargos com trabalhadores reabilitados ou pessoas portadoras
de deficiências, habilitadas, na seguinte proporção:
- até 200 empregados - 2%
- de 201 a 500 empregados - 3%
- de 501 a 1000 empregados - 4%
- de 1001 empregados em diante - 5%
Os sistemas de reserva de mercado ou cotas para emprego de portadores de deficiência
foram desenvolvidos na Europa, no início do século vinte (1923), para integrar os feridos da
Primeira Guerra Mundial, por recomendação da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), visando empregar os portadores de deficiências causadas pela guerra.
Em 1944, essa recomendação da OIT foi estendida para os portadores de deficiências
não-combatentes. Nas décadas seguintes, vários países adotaram o sistema de cotas, com o
objetivo de ampliar as oportunidades de trabalho para os portadores de deficiências.
50
O sistema tem sido objeto de muitas controvérsias e tanto exige uma boa definição de
quem é o portador de deficiência para saber quem é seu beneficiário como, no caso brasileiro,
requer que sejam comprovadas a qualificação e a capacidade produtiva do portador de
deficiência.
O fato é que, no campo do trabalho, os portadores de deficiência continuam sendo
vistos como geradores de custos, e sua inserção no mercado de trabalho depende não só da
superação de preconceitos, mas também da viabilização econômica de sua adaptação.
Os empregadores, em geral, têm sido críticos das medidas legais que os obrigam à
admissão dos portadores de deficiências. As grandes empresas alegam haver falta de
candidatos qualificados. As pequenas e médias argumentam que a obrigatoriedade legal as
obriga a assumir despesas arquitetônicas e de equipamentos.
Em meio a essa discussão, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)
realizou, em 1999, um estudo nacional envolvendo 516 empresas e constatou que apenas 30%
declararam considerar a questão dos portadores de deficiência dentro da política geral da
empresa, sendo que somente 7% afirmaram possuir programas específicos de emprego ou
convênios com associações representativas e de assistência (SENAI, 2000).
Embora o sistema de cotas tenha sido adotado e persista em vários países, parece
existir uma forte tendência de mudança na sua concepção, com a ênfase sendo colocada na
combinação de leis anti-discriminação, sistemas de cotas e esquemas de contribuição, dentro
do conceito de “rede de apoio”
4
(PASTORE, 2001 apud MIRANDA, 2004).
Isso equivale dizer que a experiência mundial tem revelado pouca eficiência no
sistema de cotas e na regulação compulsória do emprego, a menos que atividades
complementares sejam realizadas de forma articulada e com a participação das entidades de
portadores de deficiência.
O Decreto n.º 914, de 1993, considera a pessoa portadora de deficiência nos mesmos
moldes já citados da OIT, e a Portaria n.º 4.677, de 1998, define como pessoas portadoras de
deficiências habilitadas aquelas não vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social
(RGPS), que se tenham submetido a processo de habilitação desenvolvido pelo Instituto
4
Rede de apoio é uma expressão que designa a articulação de instituições públicas e privadas que atuam no
sentido de educar, formar, reabilitar, informar, intermediar e criar estímulos para inserir, reter e recolocar os
portadores de deficiência no mercado de trabalho. Essas redes de apoio podem ser tanto formais como informais.
51
Nacional do Seguro Social (INSS) ou por entidades reconhecidas legitimamente para esse
fim.
Nesse mesmo ano de 1998, a Ordem de Serviço Conjunta n.º 90 estabeleceu critérios
médicos para o enquadramento da pessoa portadora de deficiência, considerando as seguintes
categorias: deficiência física (motora), deficiência sensorial (auditiva e visual), deficiência
mental e deficiências múltiplas.
Em 1999, o Decreto n.º 3.298 estabeleceu a Política Nacional para a Integração de
Pessoas Portadoras de Deficiência no mercado de trabalho e na sociedade em geral, adotando
como princípio o fato de que a integração dos portadores de deficiência no meio em que
vivem depende da ação conjunta do Estado e da sociedade civil. Esse Decreto criou o
Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE) e definiu
uma série de responsabilidades dos órgãos públicos nos campos da educação, saúde, trabalho,
cultura, lazer, habilitação e reabilitação profissionais.
Em relação ao mercado de trabalho, o Decreto n.º 3.298/99 mantém o sistema de
cotas, conforme previsto na Lei n.º 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social),
além de prever várias modalidades de inserção dos portadores de deficiência, incluindo o
trabalho em oficina protegida, de produção ou terapêutica, e a promoção do trabalho
autônomo, realizado no domicílio ou em cooperativas. Vale observar, porém, que em nenhum
desses casos é possível às empresas incluir essas modalidades de trabalho dentro de suas
cotas. De acordo com o artigo 30 do Decreto n.º. 3.298, a pessoa portadora de deficiência,
beneficiária ou não do Regime Geral de Previdência Social, tem direito às prestações de
habilitação e reabilitação profissional para capacitar-se a obter trabalho, conservá-lo e
progredir profissionalmente.
Em seu artigo 36, parágrafo 5
o
, o mesmo Decreto em apreço prevê que compete ao
Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer sistemática de fiscalização, avaliação e
controle das empresas, bem como instituir procedimentos e formulários que propiciem
estatísticas sobre o número de empregados portadores de deficiência e de vagas preenchidas.
O Decreto n.º 3.298/99, considera deficiência o que já foi dito no Decreto n.º 914, mas
definiu com mais detalhes as diversas deficiências, considerando como pessoa portadora de
deficiência visual a que possui acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho,
após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º (tabela de Snellen), ou ocorrência
simultânea de ambas as situações.
52
A ONU admite a existência de 500 milhões de pessoas portadoras de deficiência no
mundo, 80% dessas nos países em desenvolvimento. Para a OMS, 180 milhões de pessoas
possuem alguma deficiência visual, e de 40 a 45 milhões são cegas. De 135 a 140 milhões
apresentam baixa visão. Deste contingente, cerca de 40% estariam nos países em
desenvolvimento e 60% na África, Ásia e Índia (WHO/OMS, 1999).
Além disso, os organismos internacionais reconhecem que 80% da cegueira poderiam
ser evitados com prevenção ou tratamento e que sua prevalência seria variável nas diversas
regiões do mundo, de acordo com fatores sociais, econômicos e culturais.
Refazendo os vínculos entre conceitos, estatísticas e legislação sobre deficiência e
trabalho, o leitor facilmente observa que a legislação é cuidadosamente elaborada, prevendo,
inclusive, fiscalização de seu cumprimento, mas, até agora, não surtiu o efeito prático
esperado.
Em recente estudo realizado na região metropolitana de São Paulo, Ribas constatou
que apenas 16,6% das empresas obedeciam à legislação relativa ao trabalho das pessoas
portadoras de deficiência (RIBAS, 2000).
É consensual que o Brasil possui, hoje, um conjunto de leis avançadas para assegurar
direitos, mas isso ainda não garante o trabalho para pessoas com deficiência. Os problemas
relacionados à deficiência e ao mundo do trabalho têm raízes muito profundas nas mazelas do
modo de produção capitalista e sua economia de mercado.
Na verdade, a inclusão de pessoas deficientes, bem como de outros excluídos, é
principalmente uma questão que aponta para a necessidade de transformação da sociedade
capitalista, cujo modelo, na prática, se alimenta mesmo é da exclusão, em todas as formas e
matizes conhecidos. A essa idéia, Miranda acrescenta:
As informações estatísticas sobre as atividades dos portadores de deficiência
não são confiáveis e as estimativas existentes são bastante desencontradas.
No entanto, é evidente a distância entre o prescrito pela lei e o praticado na
realidade. As políticas públicas, em nosso país, têm sido incapazes de
motivar a maioria das empresas e o mercado de trabalho a abrir mais espaço
para os portadores de deficiência. Em conclusão, a fraca participação dos
portadores de deficiência no mercado de trabalho brasileiro decorre, então,
não da falta de leis, mas sim de uma fiscalização insuficiente e da carência
de ações, estímulos e instituições que viabilizem, de forma concreta, a
formação, habilitação, reabilitação e inserção dos portadores de deficiência
no mercado de trabalho. (MIRANDA, 2004)
O desencontro entre a legislação e a prática dá indicação da necessidade de uma
53
postura mais emancipada da cidadania, para fazer valer os seus direitos já garantidos por lei.
Quando trata das relações entre cidadania, emancipação e subjetividade, o sociólogo
português Boaventura Sousa Santos (1999) faz uma importante análise, considerando o
capitalismo atual, onde afirma que o projeto da modernidade é caracterizado por um
equilíbrio, em sua matriz, entre os pilares da regulação e da emancipação que sustentam a
transformação radical proposta à sociedade pré-moderna. Aponta, porém, a ocorrência de um
desequilíbrio entre regulação e emancipação, resultando em excesso de regulação e em
detrimento da emancipação.
Ao tratar do desequilíbrio no pilar da regulação, Santos declara que este “consistiu
globalmente no desenvolvimento hipertrofiado do princípio do mercado em detrimento do
princípio do Estado e de ambos em detrimento do princípio da comunidade.” (SANTOS,
1999, p. 278)
O sociólogo português aponta a teoria política liberal como expressão mais sofisticada
do referido desequilíbrio, quando tenta compatibilizar a subjetividade coletiva do Estado
centralizado com a subjetividade atomizada dos cidadãos autônomos e livres, sob as regras
da propriedade e do mercado.
Santos (1999) acrescenta ainda que a teoria liberal concebe a sociedade civil de forma
monolítica, como o mundo do associativismo voluntário, onde todos representam de igual
modo o exercício da liberdade, da autonomia dos indivíduos e seus interesses. Destaca, nesse
item, a exclusão que o capitalismo faz de sua unidade econômica básica, a empresa, negando-
lhe caráter político, certamente temendo que a cidadania ali chegue como lugar de
associativismo, inclusive no aproveitamento dos lucros. Firmado neste pressuposto, Santos
também faz a crítica ao “esquecimento” da teoria liberal do domínio das relações domésticas
e familiares, com as desigualdades que nele se registram, deixando-o de fora de qualquer
contrato social (SANTOS, 1999, p. 277).
Após analisar e confrontar idéias de cidadania em Marx, Marshall, Marcuse, Foucault
e Habermas, bem como nos novos movimentos sociais, apontando suas contradições com a
subjetividade, Santos propõe sua visão de cidadania para a atualidade:
A nova cidadania tanto se constitui na obrigação vertical entre os cidadãos e o
Estado, como na obrigação política horizontal entre os cidadãos. Com isto,
revaloriza-se o princípio da comunidade e, com ele, a idéia da igualdade sem
mesmidade, a idéia de autonomia e a idéia de solidariedade. (SANTOS, p.277-
278).
54
No Brasil atual, a despeito das expectativas de mudanças, dado o contexto de
capitalismo na sociedade brasileira, a cidadania vem sendo entendida, com raros momentos de
exceção, como resultado da regulação do Estado sobre a prática social. Isso se dá em meio ao
realce das prerrogativas dos cidadãos de instituir direitos e deveres, para si e para os demais,
através de seus representantes, no âmbito de uma consciência política onde todos são tidos
como iguais perante a lei.
A cidadania da pessoa com deficiência visual precisa ser entendida, respeitando-se o
contexto de sua diferença sem despersonalizações e rotulações.
Ao mesmo tempo deve ser alvo de crítica qualquer concepção destes sujeitos como
se fossem a-históricos ou atemporais. Daí a importância de se salientar, neste trabalho, a
construção da consciência do ser cidadão com deficiência visual em um tríplice processo que
envolve a linguagem, o trabalho e a ação recíproca (MARCONDES, 2001, p. 25-26).
Interessa ao presente trabalho a compreensão de que o social e o subjetivo se
constituem mutuamente, sendo que o social se faz da interação entre os sujeitos e o sujeito se
constitui do social. Isso, entretanto, não permite ao pesquisador nem ao leitor ignorar a
realidade e a validade da afirmação de que “as idéias da classe dominante são, em cada
época, as idéias dominantes” e que as elites econômicas pensam poder manter a alienação dos
cidadãos enquanto consola os desalentados com sua ideologia, desde que tudo mude, sob sua
tutela, mas permaneça exatamente como está (MARX e ENGELS, 1979, p. 72).
Urge que a cidadania seja emancipada e não apenas regulada, ou regulamentada, para
instituir seus direitos e deveres. É necessário um fazer político social que permita à cidadania
a inspiração de tomar as rédeas da vida em comunidade, com todas as diferenças que lhe são
próprias, inclusive com as peculiaridades das pessoas com deficiência visual.
É preciso não alimentar grandes ilusões em relação ao exercício da cidadania
emancipada, diante da constatação de que a economia mundial atual, formatada pelo
neoliberalismo, conduz o proletariado ao imobilismo letárgico da falta de perspectivas nas
lutas de classe, diante da crise mundial do emprego. Necessário é que se tenha em mente que
a mesma teoria que regula, através do mercado, a vida dos cidadãos, manipula o Estado e
instaura a sociedade do consumo e da informação com suas variáveis de alta tecnologia e de
miséria em absurda convivência – com a minoria, possuindo tudo que o corpo pode possuir,
enquanto a maioria quase não possui nem mesmo o seu próprio corpo.
55
Contudo, fazendo o movimento contrário a isso, na esteira da tentativa de
descoisificação do outro, impõe-se a adoção de gestos e atitudes individuais que endossem a
proposição de uma cidadania que conceba o sujeito homem, pessoa, ser que se cidadaniza,
com suas particularidades, sua diversidade e seus anseios para se constituir comunidade e
viver em sociedade. O ser–sendo-cidadão, sem se surpreender com a factibilidade de a
deficiência ser apenas um marco da diferença no outro.
Convém sempre lembrar que, na obra de Vygotsky, e em toda a reflexão sócio-
histórica da constituição social do sujeito e de sua consciência, o indivíduo humano não se
limita à ordem do biológico e nem se localiza na ordem do abstrato, mas se reporta ao sujeito
que é constituído e é constituinte de relações sociais. Neste sentido, o homem sintetiza o
conjunto das relações sociais e as constrói.
Na reflexão vygotskyana, pensar o homem como um agregado de relações sociais
implica não apenas considerar também o sujeito com deficiência visual em uma perspectiva
de polissemia, pensar na dinâmica, na tensão, na dialética, na estabilidade instável, na
semelhança diferente (MOLON, 1999), mas também significa acreditar que a história pode
ser mudada a partir da transformação dos sujeitos que a constróem.
Não há de ser esquecido o fato de que a experiência contemporânea indica que a vida
humana tem sido banalizada num mundo de desiguais, em termos de condições de
desenvolvimento humano, e onde a diferença é medida na base de um princípio hegemônico e
linear, que é o mesmo que tomar a diferença como princípio de desigualdade (GALEFFI,
2002, p. 73), mas alguns ousarão querer subverter esse princípio.
A ousadia consiste em propor uma noção de vida mais humana, que entenda e aceite a
realidade do indivíduo em sua subjetividade: a de conviver no meio social não
necessariamente sob a regência de um Estado monumental ou da crueldade mercadológica, e
sob a lógica do mercado, nem tutelado por movimentos de classes ou partidários.
Isso, certamente, alimentará a idéia da inclusão de todos os indivíduos, inclusive
pessoas deficientes visuais, no meio educativo e no mundo do trabalho em suas faces
distintas, sem que signifique um ato de caridade ou uma concessão sacrificial com base na
regulação que estabelece um sistema de cotas.
Antes, impõe-se a visão da diversidade em meio aos que se reconhecem iguais. Isso
implica mudar condutas sociais e práticas educativas. É uma construção para uma nova
56
sociedade feita para pessoas e levada a efeito por pessoas, que se igualam no trato com suas
diferenças.
Historicamente, o deficiente vem sendo compreendido à margem dessa noção de
igualdade entre os homens, visto como pessoa incompleta, dentro de uma excepcionalidade, e
o deficiente visual nisso também se inscreve. Todavia, declara Ross:
Se aceitarmos, por outro lado, a desigualdade existente no real como
‘natural’, ‘irreversível’ e ‘imutável’, como produto das limitações
individuais, isso alimenta uma relação de verticalidade entre as pessoas, ou
seja, uns superiores e outros, inferiores.” (ROSS, 1998, p. 69).
A cidadania embutida nas entrelinhas deste trabalho é uma cidadania do ser que é
solidário. E o é, porque é ser vivente e convivente. Sendo mesmo uma utopia, mas como
sonho que se sonha para concretizar. É o “não lugar”, ou mesmo o “outro lugar”, que ainda é
desejável que se faça.
57
CAPÍTULO 3
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NA CONSTITUIÇÃO SOCIAL DO SUJEITO
A história dos signos nos leva a uma lei muito mais geral que governa o
desenvolvimento da atividade humana (...) A essência dessa lei é que, no
processo de desenvolvimento, as crianças começam a usar as mesmas formas
de comportamento em relação a si mesmas que os outros inicialmente
usaram com elas(...) Um signo é sempre originalmente um meio usado para
fins sociais, um modo de influenciar os outros e só posteriormente vem a ser
um modo de auto-regulação.
Todas as funções mentais superiores são relações sociais internalizadas (...)
A função mental da palavra só pode ser explicada por um sistema que vai
além do indivíduo. A primeira função da palavra é a função social e, se
quisermos traçar como ela funciona no comportamento do indivíduo,
devemos considerar como ela é usada e funciona no comportamento social.
(VYGOTSKY, 1994)
Todo trabalho acadêmico revela o endividamento do seu autor com muitos teóricos
visitados, alguns cujas idéias toma por empréstimo, outros com os quais discorda, alguns que
usa apenas como contraponto ou ainda os que são ignorados na composição do texto. O
presente texto não é uma exceção.
As principais referências teóricas deste trabalho estão diretamente relacionadas aos
estudos socioculturais que tratam da constituição social dos sujeitos e que dão proeminência
ao uso e à importância da interação e da linguagem na formação dos indivíduos, tendo por
base uma filosofia dialética e dialógica da linguagem.
A escolha de uma base teórica para este trabalho, nos estudos de Mikhail Bakhtin
(1895-1975) e Lev Semionovic Vygotsky (1896-1934), está vinculada a duas exigências deste
trabalho. A primeira exigência está relacionada com o objetivo geral deste estudo, que é
compreender o movimento de inclusão/exclusão da pessoa com deficiência visual no mundo
do trabalho na cidade de Salvador, a partir da análise e perspectiva dos próprios trabalhadores
deficientes visuais implicados. Inicialmente, admito que o sujeito se constitui nas relações
com o meio em que está inserido, tendo a linguagem como principal instrumento de interação
entre o sujeito e o meio social, e depois destaco que a reflexão e a fala dos sujeitos
entrevistados só podem ser realmente compreendidas se forem situadas no contexto social
econômico e ideológico do qual os falantes são participantes, nele constituídos e dele
58
constituintes. A segunda exigência está relacionada à importância que Bakhtin e Vygotsky
dão à mediação dos signos lingüísticos nas relações sociais e à sua utilidade para a
compreensão de como o sujeito socialmente construído refaz o caminho da reflexão a respeito
de sua condição e se expressa, fazendo uso da linguagem verbal e tendo-a como mediadora
entre a sua voz, as vozes dos outros e todas as relações sociais a ela interligadas, em
constante diálogo.
A fim de explicitar e esclarecer o referencial teórico adotado neste trabalho, recorro a
um breve histórico de conceitos que subsidiam a noção de sujeito conforme alguns autores,
para, em seguida, considerar as perspectivas de Bakhtin e Vygotsky sobre a constituição
social dos sujeitos. Apresento as noções de palavra como símbolo ideológico por excelência e
como expressão de muitas vozes de si mesmo e dos outros, encontradas em Bakhtin e, ainda,
a situação da pessoa com deficiência visual como ser-evento dentro de um contexto histórico-
cultural-social do qual não se pode abster por total ausência de um álibi.
Não ter um álibi é o mesmo que ser acusado de um crime e não ter como provar ou
demonstrar que estava em lugar diverso daquele em que o delito foi cometido. Por analogia,
neste trabalho, a ausência de álibi equivale à constatação de que o sujeito social, com uma
deficiência visual, só pode ser compreendido sem abstração em relação a si mesmo e ao
contexto concreto que o cerca, pelo simples fato de que ele não poderia ser outro ou estar em
outro lugar senão naquele em que vive de forma histórica, social, política e economicamente
implicada. Por outro lado, nenhuma análise do fenômeno da inclusão/exclusão da pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho pode abstrair dessa discussão o próprio sujeito que a
esse mesmo fenômeno constitui. Sujeito e contexto coexistem em cumplicidade.
3.1. O sujeito com deficiência visual e a ausência de álibi no contexto da ideologia
capitalista
Mikhail Bakhtin, tanto quanto Vygotsky, exibe em suas formulações sobre a ideologia
as bases de uma teoria marxista da criação ideológica e sustenta que um produto ideológico
faz parte de uma realidade natural ou social, como todo corpo físico, instrumento de produção
ou produto de consumo. Mas também reflete e refrata uma outra realidade que lhe é exterior.
59
Isso significa que tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de
si mesmo. Tudo o que é ideológico é um signo.
Sob esse referencial, o sujeito com deficiência visual é visto neste trabalho com duas
características básicas: 1) é um sujeito constituído nas relações sociais e essas relações se dão
no contexto de uma sociedade que lhe atribui sentido, conforme a ideologia que a sustenta;
2) apresenta-se em completa ausência de álibi em relação à sua presença no contexto
ideológico, histórico, social e econômico do modo de produção capitalista vigente e, portanto,
precisa ser ouvido com prioridade por qualquer pessoa que pretenda compreender a sua
inclusão no mundo do trabalho ou ainda perceber como este sujeito analisa seu papel nas
cenas da inclusão ou exclusão que lhe são impostas no meio produtivo.
Em outras palavras: o sujeito trabalhador com deficiência visual é compreendido,
neste trabalho, à luz da teoria que o analisa como constituído e constituinte no conjunto das
relações e interações sociais, bem como situado em contexto e determinantes históricos
próprios do capitalismo contemporâneo, dos quais não pode desvincular-se por não ter
qualquer explicação que justifique uma análise diferente, pelo que recorro à imagem
bakhtiniana da ausência de álibi para os protagonistas. Essas noções estão subjacentes a tudo
que é dito a seguir, mesmo quando implicitamente.
Inicialmente, saliento que a idéia de sujeito com deficiência visual está ligada às
acepções do conceito de indivíduo. É no período do Renascimento que o conceito de
indivíduo assume o significado de homem singular, diferenciado dos interesses alheios.
Em textos desse período, fica evidente que, a partir da segunda metade do século XIV,
ganha projeção “um espírito de liberdade, pelo qual o homem reivindica a sua autonomia de
ser racional e se reconhece como intimamente ligado à natureza e à história”
(ABBAGNANO, 1984, p. 332).
Com as mudanças sociais e ideológicas ocorridas nos séculos seguintes, o retorno ao
conhecimento clássico e certa destituição da leitura de homem feita pelo cristianismo
medieval, também emerge a idéia de homem livre, independente, autônomo, dono de si.
O delineamento dos primeiros passos da ciência moderna, a busca de um
conhecimento e de uma racionalidade “natural”, desvinculados da religião, corroboram para
estabelecer esse conceito.
Chegando no século XVIII, o Iluminismo reforça a idéia do homem como indivíduo,
com o ideal do ser humano único, capaz e livre para desenvolver suas potencialidades inatas,
60
fundamentado na ciência e se estendendo até o âmbito político. Tal discurso é acolhido por
declarações emergentes e aspirantes de uma nova ordem social, como estas proferidas por
Rousseau em 1757:
O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros (...) A ordem
social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal
direito, no entanto, não se origina na natureza: funda-se, portanto, em
convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas
(ROUSSEAU, 1983, p. 62).
O modo de conceber o homem modifica-se com o passar dos anos e em meio aos
movimentos de organização social e as mudanças das relações de produção, conforme a
realidade ideológica e material de cada período histórico.
Com isso, nos fins do século dezenove e no limiar do século vinte, surgem Karl Marx
(1818-1883), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Sigmund Freud (1856-1939), dando
importantes contribuições sobre a categoria indivíduo e a noção de sujeito. Assim,
possibilitam um questionamento radical deste conceito, desconcertando e problematizando o
sujeito como “penhor de si” para submetê-lo “à ideologia, à linguagem, ao inconsciente”
(SMOLKA, 1997, p. 33,34 apud KASSAR, 1999, p. 66).
Ao analisar o pensamento marxista de indivíduo, Adam Schaff (s.d.) destaca que
Marx considera três fundamentos básicos para a compreensão do homem.
Primeiro, Marx o compreende como “um exemplar da espécie biológica”, como parte
da natureza. Segundo, o ser humano distingue-se dos outros animais não em razão de suas
propriedades biológicas, mas sim por suas propriedades histórico-culturais, pois ocorre na
evolução humana uma mudança na qualidade das relações. Neste ponto, Schaff destaca que
“no pensamento marxista, o homem só existe no conjunto das condições sociais” (MARX &
ENGELS, apud SCHAFF, s.d., p.67).
O terceiro fundamento é a constitucionalidade social do sujeito: “Em outras palavras, a
evolução humana tornou-se possível pelo próprio trabalho humano: O homem se transforma e
se cria ao modificar as condições de existência” (SCHAFF, op. cit., p. 77,78).
Essas “condições de existência para o desenvolvimento humano” se referem a
determinadas condições sociais, condições ideológicas e materiais, ou, em outras palavras,
relações de superestruturas e base – infra-estrutura (KASSAR, 1999, p. 68).
61
A metáfora da construção (infra-estrutura e superestrutura) é utilizada por Marx e
Engels para apresentar a idéia de que a estrutura econômica da sociedade condiciona o
processo da vida social, política e intelectual em geral (superestrutura), logo a superestrutura
encontra seus fundamentos nas relações sociais de produção (BOTTOMORE, 1988 apud
KASSAR, 1999. p. 68).
Vygotsky, assim como Bakhtin, analisa o indivíduo, sua constituição e linguagem, a
partir e no contexto das relações sociais sobre as quais exercem grande influência os
fundamentos ideológicos do modo de produção que lhe é hegemônico.
Os escritos de Vygotsky estabelecem possibilidades de entender que as pessoas com
deficiência apresentam especificidades em relação ao processo de sua constituição como
indivíduos no meio social. Por isso, após a Revolução Russa de outubro de 1920, Vygotsky
revelou especial interesse pelo estudo da defectologia e a imaginava como uma ciência
ocupada em estudar as deficiências, suas relações com as demais ciências e com a educação.
Para Vygotsky, a defectologia, em seu tempo, estava realizando um trabalho de
elaboração de idéias similar ao que realizaram em outros tempos a pedagogia e a psicologia
infantil, quando defenderam a tese de que a criança não é um adulto pequeno. Vygotsky
estava se referindo à sua constatação de que “a criança cujo desenvolvimento está complicado
por uma deficiência não é simplesmente uma criança menos desenvolvida que seus coetâneos
normais, mas sim uma criança cujo desenvolvimento se dá de outro modo.” (VYGOTSKY,
1983, p. 12)
5
Criticando uma concepção puramente quantitativa, que ainda predomina em algumas
análises das deficiências, Vygotsky declara:
Assim como a criança, em cada etapa do desenvolvimento, em cada uma de
suas fases, apresenta uma peculiaridade quantitativa, uma estrutura
específica do organismo e da personalidade, de igual maneira a criança
deficiente apresenta um tipo de desenvolvimento qualitativamente distinto,
peculiar. Disse R. Guntler [sic] que, assim como do oxigênio e o hidrogênio
não surge uma mescla de gases, mas sim água, de igual modo a
personalidade da criança débil mental é algo qualitativamente distinto da
simples soma das funções e propriedades pouco desenvolvidas
(VYGOTSKY, 1983, p. 12).
Segundo Vygotsky, a tese central da defectologia é que toda deficiência cria os
estímulos para elaborar uma compensação. Daí, afirma que o estudo dinâmico da pessoa com
5
As citações desta obra foram traduzidas livremente por mim da versão em Espanhol.
62
deficiência, especialmente a criança, não pode se limitar a descrever o nível de gravidade da
insuficiência, mas deve incluir obrigatoriamente a consideração dos processos
compensatórios, isto é: os substitutivos sobreestruturados e niveladores no desenvolvimento e
conduta da criança (VYGOTSKY, 1983, p. 14).
Deste modo, ele acreditava que a reação do organismo e da personalidade da pessoa
com deficiência é o fato central e básico, a única realidade com que opera a defectologia.
Assim, a insuficiência de uma capacidade se compensa, por completo ou em parte, com o
intenso desenvolvimento de outra.
Isso equivale a dizer, por exemplo, que a pessoa com deficiência visual compensa sua
dificuldade ou impossibilidade de enxergar com um desenvolvimento das capacidades tátil,
auditiva, olfativa, senso de orientação e mobilidade e afins para suprir a falta da visão. A
deficiência visual não a torna, portanto, inferior ou menos importante que ninguém.
Ocorre, porém, que as relações sociais estão estabelecidas com base em uma realidade
de videntes e, por vezes, as próprias pessoas com deficiência interiorizam a avaliação de si
mesmas que lhes foi imputada, a partir da falta ou dificuldade de visão, ignorando o potencial
de desenvolvimento advindo da compensação por outras capacidades.
A criança cega ou surda pode alcançar o mesmo desenvolvimento que a
normal, porém as crianças com deficiência o alcançam de modo distinto, por
um caminho distinto, com outros meios, e para o pedagogo é importante
conhecer a peculiaridade do caminho pelo qual deve conduzir a criança. A
chave da peculiaridade é brindada pela lei de transformação do menos da
deficiência no mais da compensação.
(VYGOTSKY, 1983, p. 17).
Vygotsky, porém, salienta que, como qualquer processo de superação e de luta, a
compensação pode ter diferentes desenlaces: a vitória e a derrota, entre os quais se situam
todos os graus possíveis de transição de um para o outro. Ele lembra que esse processo
depende de muitas causas, mas destaca como fundamental a correlação entre o grau da
deficiência e a riqueza do caudal compensatório. (VYGOTSKY, 1983, p. 16).
Embora fascinante, o detalhamento da explicação vygotskyana acerca do processo
compensatório excede ao foco deste estudo. A síntese, ora apresentada, objetiva apenas
fornecer uma noção de que ser um indivíduo com uma deficiência pode significar também ser
um indivíduo em constante possibilidade de realizar, de modo diferente, através da
compensação, o que outros realizam pela via dita normal.
63
É uma premissa deste trabalho, porém, que a deficiência visual além de ser
determinada por fatores biológicos, é também constituída no grupo do qual o indivíduo que a
possui faz parte, já que é este grupo que dá significado àquilo que é considerado como
deficiência. Dessa forma, o sujeito deficiente visual tem a sua identidade determinada pelas
concepções presentes no grupo social ao qual pertence.
Do mesmo modo, as pessoas que com ele convivem, como pais e profissionais que lhe
dão apoio e atendimento, dão significado à deficiência e às possibilidades dos sujeitos por ela
acometidos em função do grupo social no qual estão inseridos.
Por sua vez, as atitudes, reivindicações, desejos e expressões dos sujeitos com
deficiência também influenciam, e constituem, as concepções dos sujeitos com os quais eles
se relacionam.
Segundo Bakhtin (1997), as pessoas vão se constituindo como sujeitos nas sucessivas
interações, nos diversos espaços discursivos, podendo-se presumir que a subjetividade se
forma pelos “olhos dos outros”.
É só ocupando o lugar do outro, o lugar “de fora”, que o homem consegue ver a si
mesmo e iniciar sua constituição como sujeito.
Ao tempo em que diz isso, Bakhtin procura extrapolar a noção kantiana do
“imperativo ético”, dando relevo à presença do sujeito no que ele chama de ser-evento, ou
evento do ser ou ainda o ser como evento: “O evento do ser é um conceito fenomenológico,
por estar presente ele mesmo em uma consciência viva como um evento [em processo], e uma
consciência viva orienta-se ativamente e vive nele como em um evento [em processo]”
(BAKHTIN, 1990, p.78).
Isso alimenta a idéia que se apresenta neste trabalho, da “ausência de álibi” do sujeito,
isto é:
O reconhecimento de que não temos “álibi” na existência. O nosso “não-
álibi”, isto é, o fato de que não podemos “estar em outro lugar” (em cuja raiz
se entrevê a desconfiança de Bakhtin com relação a toda abstração filosófica
incapaz de incluir o sujeito); e a exotopia, o “estar do lado de fora” como
momento inseparável tanto do objeto estético quanto da própria constituição
do sujeito, para ele inexistente fora de uma relação dialógica (só podemos
ser “completados” de fora). (TEZZA, 2003, p. 181).
Fica evidente no pensamento de Bakhtin que o sujeito só existe nas relações com as
pessoas, e tendo em vista que as relações são sucessivas e infinitas, não se tem nunca um
64
sujeito absoluto. Este sujeito é sempre resultante de uma experiência vivida num passado e
uma expectativa do que poderá vir a ser no futuro (BAKHTIN, 2002, p. 36).
Desse modo, pode-se dizer que sempre há um inacabamento constituinte, que é dado
pelo lugar que os outros ocupam nas interações que se sucedem.
É importante mencionar aqui que este inacabamento do sujeito está relacionado
objetivamente ao conceito desenvolvido por Bakhtin sobre o excedente de visão, que seria o
que os outros vêem dele e ele não vê, como se fosse uma paisagem de fundo (CAMARGO &
TOREZAN, 2004).
Camargo e Torezan comentam, neste ponto, a aproximação do pensamento de Bakhtin
com a teoria das representações sociais em Vyon:
Vyon (1992) também discute a questão da intersubjetividade e se refere a
ela como “... universos de conhecimentos ou imagens a que os protagonistas
reagem, sejam imagens deles mesmos, de seus parceiros ou da situação. A
comunicação se desenrola dessa forma sobre um fundo imaginário que as
ciências sociais se esforçam em entender através do conceito de
representação” (VYON, 1992:47). Assim, o indivíduo não reage à situação
objetiva em si, mas à representação que faz dela e que decorre de
conhecimentos precedentes, ou seja, pressupostos culturais. A representação
está relacionada à imagem que o sujeito faz de si, dos outros, da situação e,
por último, das regras e normas de comportamento do grupo social ao qual
pertence. (CAMARGO & TOREZAN, 2004, p. 2)
Nesta linha de entendimento, os conceitos de subjetividade, intersubjetividade,
representação e indeterminação do sujeito indicam que as pessoas vão se constituindo e se
reconstituindo nas interações que ocorrem ao longo da história de cada um.
Os indivíduos (re)fazem seus percursos a partir dos muitos contatos que estabelecem
ao longo da vida, e as interações que se estabelecem entre eles, certamente, tamm
interferem na constituição da subjetividade de cada um. No decorrer dessas interações,
emerge sempre a possibilidade de que novas significações e ressignificações sobre o sujeito,
inclusive a pessoa com deficiência visual, possam surgir. (CAMARGO & TOREZAN, 2004,
p. 3)
Segundo Vygotsky (1987), é imprescindível direcionar o olhar para o
desenvolvimento como processo que se estabelece nas relações sociais. Todas as funções
especificamente humanas são constituídas através da vida social, envolvendo, portanto, a
linguagem e a dimensão histórico-cultural. Dentro dessa perspectiva, a linguagem tem uma
65
importância crucial no desenvolvimento humano, sendo seu aparecimento um “marco” no
desenvolvimento da criança (VYGOTSKY , 1987).
A linguagem é um sistema semiótico privilegiado que, conjuntamente com outros
sistemas de signos (as diferentes formas de numeração, os dispositivos mnemotécnicos, o
simbolismo algébrico, a escrita, entre outros), tem origem na vida social e, modificando
globalmente a evolução e a estrutura das funções psíquicas, transforma-se em instrumento
psicológico.
O homem passa a ver o mundo e a percebê-lo de acordo com a cultura em que está
inserido. Esse recorte do mundo é elaborado para ele pelas outras pessoas do seu grupo social
através da linguagem, nas diferentes, sucessivas e infinitas interações sociais que vão
constituindo o sujeito ao longo de sua história.
Com respeito à questão da deficiência, Vygotsky (1995) discorre sobre a importância
do recorte do mundo feito para a criança e para o jovem “deficiente” por seus pais e pela
sociedade como um todo. São as significações e ressignificações feitas pelos seus pares
sociais que os constituem enquanto sujeito.
Dessa maneira, um indivíduo com limitações e com um potencial biológico diferente
dos demais pode ter os rumos de seu desenvolvimento alterados em função do modo como o
seu meio social o encara e em função das expectativas existentes em relação a ele.
A sociedade tem restrições em relação ao que é diferente, àquilo a que não está
habituada e muitas vezes manifesta-se de forma absurdamente cruel. Portanto, a constituição
da pessoa com deficiência pode ser prejudicada pela quebra da expectativa de seu grupo
social, pelo estranhamento em relação à inteligência desse indivíduo, pelos preconceitos e
estigmas presentes na sociedade frente às diferenças.
Assim, o “olhar” da sociedade irá influenciar o desempenho da pessoa deficiente
visual, inclusive como profissional e no modo como concebe a si mesma como trabalhadora.
Se o “olhar” voltado para ela for de incapacidade, provavelmente ela se tornará incapaz.
(CAMARGO & TOREZAN, 2004, p. 4).
Daí a importância dada, neste estudo, à percepção dos próprios indivíduos com
deficiência visual sobre sua inclusão/exclusão no mundo do trabalho. Este esforço visa uma
apropriação do que estes sujeitos consideram como relevante na sua constituição, como
pessoas com uma deficiência visual, diante dos desafios que lhe impõe o momento histórico
social em que se inserem.
66
No pensamento de Bakhtin, a única definição objetiva possível da consciência é de
ordem sociológica, pois esta consciência não pode derivar diretamente da natureza ou de
aspectos puramente biológicos. Logo, a consciência de ser uma pessoa com deficiência visual
é uma construção sociológica, à luz de condicionantes históricos e ideológicos específicos.
A ideologia não pode derivar da consciência, como pretendem o idealismo e
o positivismo psicologista. A consciência adquire forma e existência nos
signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais.
Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu
desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência
é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo
social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico,
não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem
seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico
não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe
conferem.(BAKHTIN, 2002, p. 35,36).
3.2. A palavra como signo ideológico por excelência
Embora fizesse ressalvas aos rumos do marxismo em seu tempo, Bakhtin associa o
problema das relações entre a infra-estrutura e as superestruturas aos problemas da filosofia
da linguagem, em seus principais aspectos. Assim, contribui para o entendimento da questão
ao analisar as relações entre infra-estrutura e superestrutura, apontando especificamente para
o material semiótico-ideológico da superestrutura, argumentando sobre o papel do signo em
refletir e refratar a realidade em movimento. (BAKHTIN, 2002, 39).
Bakhtin considera que
a explicitação de uma relação entre a infra-estrutura e um fenômeno isolado
qualquer, destacado de seu contexto ideológico completo e único, não
apresenta nenhum valor cognitivo. Antes de mais nada, é impossível
estabelecer o sentido de uma dada transformação ideológica no contexto da
ideologia correspondente, considerando que toda esfera ideológica se
apresenta como um conjunto único e indivisível, cujos elementos, sem
exceção, reagem a uma transformação da infra-estrutura. (BAKHTIN, op.
cit.)
Bakhtin afirma que “o problema da relação recíproca entre a infra-estrutura e as
superestruturas (...) pode justamente ser esclarecido, em larga escala, pelo estudo do material
verbal.” (BAKTHIN, 2002, p. 41). Ele tem por certo que as características da palavra como
67
signo ideológico a transformam em um instrumento de manifestação ideológico-social. E
continua:
Não é tanto a pureza semiótica da palavra que nos interessa na relação em
questão, mas sua ubiqüidade social. Tanto é verdade que a palavra penetra
em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de
base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de
caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os
domínios (BAKHTIN, 2002, p. 41).
Tais expressões apontam para a idéia de que,
no movimento da sociedade, base material e superestrutura
ideológica vão se constituindo mutuamente. No cerne dessa
relação, está o homem, produzindo e também sendo produzido
por sua própria produção: a história (KASSAR, 1999, p. 69).
Contudo, Kassar (op. cit.) considera importante assinalar que o sujeito não é apenas
influenciado ou controlado numa relação causa-efeito pelo contexto social, e sim que, ao
participar do processo de constituição tanto da sociedade quanto de sua particularidade, o
homem se constitui, pois traz em sua própria individualidade aspectos da mesma sociedade.
No entendimento de Marx “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu
ser social que, inversamente, determina sua consciência” (MARX, 1983, p. 24).
3.3. A importância da linguagem e da voz como expressão de muitas vozes
Os trabalhos de Vygotsky e Bakhtin, bem como os de Luria, discutem e indicam
caminhos para a compreensão de como se dá a constituição do sujeito, referindo-se com
freqüência à importância da criação e da utilização dos signos na constituição da
especificidade humana.
Vygotsky exalta a importância da linguagem para o surgimento e o desenvolvimento
do pensamento que caracteriza o homem e vincula definitivamente os signos à origem do
pensamento: “O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que
ele passa a existir” (VYGOTSKY, 1987, p. 108).
68
Na opinião de Luria, o aparecimento da linguagem foi de suma relevância para o
desenvolvimento da consciência, pois, ao denominar um objeto, o homem cria a possibilidade
de discriminá-lo e conservá-lo na memória, posto que as palavras abstraem as propriedades
dos objetos que nomeiam, relacionando-os e formulando categorias e essa possibilidade
garante a transição do sensorial ao racional na representação do mundo (LURIA, 1979, p. 80).
Bakhtin reforça essa concepção, argumentando que a própria consciência humana
constitui um fato sócio-ideológico e dá relevo à idéia de que o pensamento individual é
constituído nas práticas sociais, na linguagem e pela linguagem, através da apropriação do
pensamento socialmente produzido.
Daí decorre dizer que, para esses autores, o nascimento, o crescimento, o
desenvolvimento e a constituição do sujeito se dão no conjunto das relações sociais que se
estabelecem com o outro e com o mundo, dentro de seus condicionantes históricos,
ideológicos, políticos, econômicos – e eu acrescentaria espirituais – que são internalizados no
processo mesmo de sua constituição social.
Para Vygotsky, esse processo de internalização é a reconstrução interna de uma
operação externa. Ele explica que cada ser humano passa por processos de apropriação de
signos e, assim, a utilização desses signos externos, pela apropriação de cada indivíduo, vai-se
transformando em processos internos de mediação. (VYGOTSKY, 1987, p. 63)
Wertsch assinala que a análise de Vygotsky das funções mentais superiores
proporciona uma base para a aproximação sociocultural à ação mediada, e destaca como
importantes as suas investigações sobre as origens sociais das funções mentais individuais e
suas propostas sobre a mediação semiótica. Mas, considera que Vygotsky fez pouco para
decifrar como os cenários históricos, culturais e institucionais específicos se vinculam com
diversas formas de ação mediada (WERTSCH, 1993, p. 65).
De acordo com Wertsch, Vygotsky concentrou suas explicações dos processos
interpsicológicos na interação de pequenos grupos, especialmente entre adulto-criança, e suas
idéias sobre a lei genética geral do desenvolvimento cultural, a zona de desenvolvimento
proximal e as diversas formas de mediação semiótica tendiam a apoiar-se na análise desta
classe de interação interindividual (WERTSCH, op. cit.).
Para Wertsch, Bakhtin vai além de Vygotsky nos estudos socioculturais que se
ocuparam de esclarecer o papel da linguagem na constituição do sujeito, principalmente ao
centrar seus esforços analíticos no enunciado e considerá-lo “a verdadeira unidade da
69
comunicação verbal” e destaca nos escritos de Bakhtin que “a fala pode existir realmente só
na forma de enunciados concretos de falantes individuais, sujeitos da fala. A fala está sempre
moldada da forma de um enunciado que pertence a um determinado sujeito falante, e fora
desta forma não pode existir” (BAKHTIN, 1986, apud WERTSCH, 1993, p. 69)
6
.
Segundo a explicação de Bakhtin, a noção de enunciado está vinculada com a de voz,
principalmente porque um enunciado só pode existir se é produzido por uma voz. E voz para
Bakhtin não pode ser reduzida a uma explicação dos sinais auditivo-vocais. Essa noção de voz
se aplica tanto a comunicação oral como a escrita e abarca questões mais amplas da
perspectiva do sujeito falante, seu horizonte conceitual.
Ao longo de sua análise, Bakhtin destacou a idéia de que as vozes existem sempre em
um ambiente social e que não existe uma voz em total isolamento de outras vozes.
Neste trabalho, considero as vozes dos sujeitos entrevistados, bem como a dos autores
citados, ou ainda os que foram omitidos, tendo em mente essa perspectiva de que nenhuma
voz está isolada da outra.
Bakhtin denominou o estudo dos enunciados de metalinguística
7
, que, segundo ele, é
uma aproximação que transcende aos interesses das disciplinas individuais existentes para o
estudo lingüístico.
Para Bakhtin, a metalinguística é o estudo dos aspectos da vida da palavra, os quais
ainda não tomaram forma nas disciplinas distintas e específicas.
Mesmo reconhecendo que Bakhtin não proporcionou uma descrição precisa do que
essa disciplina (Metalinguística) deveria abranger, e de sua semelhança com o que atualmente
se denomina análise do discurso, neste trabalho não tomo por necessárias inferências ou
considerações sobre este campo do saber, tendo em vista que Bakhtin restringiu suas análises
às categorias de voz e dialogicidade (WERTSCH, op. cit., p. 70), tanto que alguns preferem
considerá-lo um estudioso da dialogia. A idéia de dialogicidade permeia todo o trabalho de
Bakhtin e ele tem como pressuposição básica que o enunciado está pleno de harmônicos
diálogos.
6
Todas as citações relativas a esta obra de Wertsch foram traduzidas livremente por mim diretamente do texto
espanhol disponível nas referências bibliográficas.
7
Preferi utilizar a expressão metalinguística’ em lugar detranslinguística”, por ser a primeira atribuída à
Bakhtin. Embora reconheça que o termo usado por Bakhtin era metalinguística, alguns autores, como Wertsch,
preferem translinguística, devido tanto à diversidade de significados atualmente atribuídos ao vocábulo
inicialmente dado, quanto ao que chama de banalização do prefixo meta na produção intelectual ocidental.
70
O uso de depoimentos orais neste trabalho está relacionado não apenas a uma
adaptação da pesquisa às características físicas dos sujeitos entrevistados, que, por serem
cegos, teriam maior dificuldade em dar depoimentos escritos, mas, principalmente, à
importância que Bakhtin e Vygotsky atribuem à palavra na formação da consciência
individual e na construção de conceitos ideológicos. Com base nestes autores, exploro, no
presente trabalho, a noção de que a palavra é o signo ideológico por excelência e que importa
compreendê-lo no contexto ideológico correspondente.
A natureza semiótica e ideológica da palavra estrutura o discurso interior do indivíduo
a partir das relações sociais em um dado contexto ideológico. Bakhtin destaca que
[...] a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as
transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda
não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas
ideológicos estruturados e bem formados. (...) A palavra é capaz de registrar
as frases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais.
(BAKHTIN, 2002, p. 41)
Acredito, portanto, que as palavras contidas nos depoimentos das pessoas
entrevistadas, com deficiência visual, são reveladoras tanto de uma realidade pessoal dos
entrevistados, através de um discurso interiorizado nas relações sociais cotidianas, como
também exprimem uma ideologia, vigente na sociedade capitalista, que confere às pessoas
com deficiência tais e tais características que refletem e refratam a realidade ideológica
vigente.
Em meio à ligação já mencionada que faz entre a teoria marxista da criação ideológica
e os problemas de filosofia da linguagem, onde observa que tudo que é ideológico é um signo
e que um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo
físico, instrumento de produção ou produto de consumo, refletindo e refratando uma outra
realidade, que lhe é exterior, Bakhtin acrescenta:
No entanto, todo corpo físico pode ser percebido como símbolo (...) e toda
imagem artístico-simbólica ocasionada por um objeto físico particular já é
um produto ideológico. Converte-se, assim, em signo o objeto físico, o qual,
sem deixar de fazer parte da realidade material, passa a refletir e a refratar,
numa certa medida, uma outra realidade. (...) Portanto, ao lado dos
fenômenos naturais, do material tecnológico e dos artigos de consumo,
existe um universo particular, o universo dos signos. (BAKHTIN, 2002, p.
31,32).
Neste trabalho, na fala dos sujeitos da pesquisa, em seus depoimentos, afloram signos
cujos significados devem ser entendidos à luz da consciência individual daqueles que
71
examinam o fenômeno da inclusão da pessoa com deficiência visual no mundo do trabalho
em Salvador, de uma percepção pessoal e sob uma trajetória profissional particular, mas
também à luz de um contexto ideológico, que tais signos refletem ou refratam, na sociedade
em que se dá esse fenômeno.
Daí, a constância em assinalar a importância da conclusão bakhtiniana de que a
consciência individual é um fato sócio-ideológico e que a única definição objetiva possível da
consciência é de ordem ideológica, onde a consciência adquire forma e existência nos signos
criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais.
É subjacente a esse uso que faço do referencial teórico bakhtiniano, a hipótese não
declarada, posto que só aparece em segundo plano neste trabalho, de que a terminologia, ou o
sistema de signos associados à deficiência na sociedade contemporânea, está situada em um
intrincado jogo de poder, ausência de políticas adequadas para fazer cumprir a moderna
legislação, preconceito, opressão e discriminação, todos ocultados por uma constante
necessidade de amenizar a realidade, afastando-a de como ela é.
Isso resulta em constantes reformulações dos termos e dos modos de dizer o que é a
deficiência ou o que são deficientes, em vez de quem são as pessoas com deficiência. Resulta
nas tentativas de dizer o que elas pensam em vez de deixá-las falar. Resulta num movimento
que se propõe inclusivo, mas que se realiza a partir de uma lógica social excludente, que
também as exclui previamente ao conjecturar e, depois, solidificar a idéia de que a discussão
sobre as mesmas pode se dar na ausência de suas vozes.
Resulta, ainda, em certa inculcação de conceitos, definidos por outrem, que devem ser
divulgados e aceitos por aqueles que vivem a realidade de ser uma pessoa com deficiência,
muitas vezes à revelia de sua própria opinião e sem que isso signifique qualquer mudança
objetiva em sua vida cotidiana.
As vozes que procuro ouvir e dar projeção neste trabalho são examinadas à luz da
premissa de que uma voz sempre será a expressão de muitas vozes e que o discurso interior é
também reflexo e refração de um discurso que é exterior ao indivíduo, construído nas relações
sociais, sob determinadas condições materiais, históricas e econômicas, por isso mesmo
ideológicas.
O presente trabalho ainda usa como referência as observações de Bakhtin quando
analisa os aspectos dialógicos da linguagem em suas incursões pela análise da prosa e da
poesia (BAKHTIN, 1987, 1992, 1992b).
72
Brotam, dessas incursões, os seguintes destaques realçados por Tezza (2003) e que
utilizo, mesmo nas entrelinhas deste texto:
1) O problema da separação entre o mundo da abstração cultural e científica e o mundo
concreto do ser-evento ou simplesmente da vida, numa linguagem mais popular
2) Os aspectos elucidativos da separação e abstração cultura/ciência versus mundo concreto
que incluem :
a) a unicidade do ato em seu próprio tempo e espaço na chamada ausência de álibi do
sujeito histórico;
b) a unicidade do ser que vai além de qualquer deficiência, que não é apenas passivo, mas
também ativo;
c) a percepção da vida como processo de responsabilidade ou respondibilidade, onde o
ser responde à vida, reivindicando que uma filosofia da vida só pode ser uma filosofia
moral que compreenda a vida como um processo e o humano, como seu centro
valorativo.
3) A concepção de natureza dialógica da linguagem e das relações dialógicas materializadas
no discurso pela enunciação, pela admissão de uma autoria pessoal ou da voz de um outro
na fala; como possibilidade de exprimir percepções de mundo diferentes e específicas.
O referencial teórico, ora exposto neste capítulo 3, subsidia a metodologia utilizada e se
afina com os pressupostos epistemológicos adotados, ambos apresentados no capítulo 4. Ao
mesmo tempo, fornecem o lastro para a análise qualitativa dos depoimentos, bem como para
as inferências e conclusões que proponho, a partir das vozes dos sujeitos entrevistados, nos
capítulos seguintes.
73
CAPÍTULO 4
A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA E SEUS PRESSUPOSTOS
EPISTEMOLÓGICOS
Um ato de nossa atividade, de nossa real experiência, é como um Jano
bifronte. Ele olha em duas direções opostas: ele olha para uma realidade
objetiva do domínio da cultura e para a unicidade irrepetível da vida
realmente vivida e experimentada. Mas não há um plano unitário e único,
onde ambas as faces poderiam mutuamente se determinar com relação a uma
única e singular unidade. É apenas o evento único do Ser no processo de
realização que pode constituir essa unidade única: tudo o que é teórico ou
estético deve ser determinado como um momento constituinte do evento
único do Ser, embora não mais, é claro, em termos teóricos ou
estéticos.(BAKHTIN, 1990, p. 80).
O caminho metodológico adotado neste trabalho valoriza as vozes dos sujeitos da
pesquisa em detrimento de qualquer perspectiva unívoca, por vezes classificatória, do
pesquisador. Julguei que as pessoas com deficiência visual têm mais a dizer sobre si
mesmas, suas trajetórias profissionais e questões afins, do que qualquer outro observador, por
mais privilegiado que seja.
4.1. A natureza qualitativa do trabalho
Reconhecendo que o drama da vida é maior e mais complexo do que o texto
produzido, (CAIADO, 2003, p. 41), optei por retratar o drama e a trama da vida dos sujeitos
abordados, através de uma análise qualitativa dos depoimentos orais fornecidos nas
entrevistas pelos próprios sujeitos .
Essa opção leva em conta tanto o referencial teórico apresentado, quanto a existência
de uma ampla literatura que retrata as possibilidades da utilização de depoimentos orais e da
análise de conteúdo de entrevistas na pesquisa social. Inicialmente, isso equivale a dizer que,
assim como histórias de vida, histórias temáticas, biografias, os depoimentos orais vêm sendo
utilizados em pesquisas que tentam re-introduzir a fala e a memória dos atores sociais em
investigações científicas.
74
Essa tendência atual contrasta com antigas tendências de atendimento à oficialidade
da história contada por quem tem ou pensa ter a prerrogativa ou o privilégio de formar
opinião, contando e relatando a partir de um ponto de vista que, via de regra, omite outras
vozes.
Assim, aqueles que são subalternizados econômica, social ou culturalmente tendem a
ser silenciados pelas vozes autorizadas de outros que desfrutam de uma perspectiva
supostamente mais privilegiada e, por vezes, oficial.
Após demonstrar que, no Brasil, as primeiras pesquisas qualitativas datam do período
em que vigorava o Regime Militar (década de 1970) e que só ao final dos anos 90 aparecem
trabalhos focados em grupos socialmente excluídos, como índios, imigrantes, favelados e
crianças de rua, Caiado procura salientar que o percurso metodológico em si mesmo, como
uma técnica, não está comprometido politicamente:
O compromisso político revela-se na concepção de mundo que o pesquisador
expressa, nas perguntas que faz, no diálogo que mantém com o conhecimento
socialmente produzido. Assim, a história de vida é um procedimento
metodológico que pode ser utilizado para dar voz aos oprimidos, ou continuar
dando voz aos opressores, como nos revelam numerosos trabalhos científicos
que utilizam essa metodologia (CAIADO, 2003, p. 44).
No presente trabalho, busquei evidenciar que tenho um compromisso com a
responsabilidade de dar prioridade às vozes dos entrevistados, me associando a essas vozes
contra qualquer posição explícita ou camuflada de legitimar o processo de exclusão a que
muitas pessoas com deficiência visual são submetidas.
Por isso, ao adotar a construção da pesquisa via depoimentos orais, colhidos em
entrevistas semi-estruturadas, busquei ir além da simples verificação das regularidades para
me dedicar à analise dos significados que os indivíduos dão às suas ações e ao meio em que se
constrói sua vida profissional e onde atuam ou já atuaram, buscando a compreensão do
movimento de inclusão/exclusão da pessoa com deficiência visual no mundo do trabalho na
cidade de Salvador, a partir da análise e perspectiva dos próprios sujeitos deficientes visuais
implicados.
Dizer que uma pesquisa é qualitativa implica lembrar que, sob essa designação,
abrigam-se correntes de pesquisa muito diferentes, mas que têm em comum uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma independência viva entre o sujeito e o objeto,
75
um vinculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito (CHIZZOTI,
1998, p. 77-78).
Essa abordagem qualitativa tem, na visão dialética, uma possibilidade filosófica que a
subsidia, mediante a sua insistência na relação dinâmica entre o sujeito e o objeto, no
processo do conhecimento. O pesquisador se faz, assim, um ativo descobridor do significado
das ações, a partir das relações que se revelam e se ocultam nas estruturas sociais
(CHIZZOTTI, 1998, pp. 79).
Na presente pesquisa, esforço-me para ouvir as vozes de pessoas com deficiência
visual como indivíduos reais, históricos, sociais, críticos e falantes. Desejo ouvir a voz do
trabalhador que se diz incluído ou excluído do mundo do trabalho, tentando compreender os
enunciados que compõem os textos que emergem da trama das relações sociais e conceituais
que estas pessoas configuram.
É uma tentativa de compreender o fenômeno da inclusão/exclusão do mundo do
trabalho de pessoas que vivem uma realidade diferente daqueles que discutem o problema de
modo puramente acadêmico a partir de seus próprios textos.
Proponho-me a um estudo dos homens e mulheres com deficiência visual e de suas
trajetórias no mundo do trabalho à luz da noção bakhtiniana de que as ciências humanas
dizem respeito ao estudo do homem como produtor de textos e dos estudos socioculturais
empreendidos por Bakhtin e por Vygotsky, a respeito das relações dialógicas mediadas pela
linguagem, e que permitem compreender os modos de dizer dos sujeitos numa perspectiva
semiótica e diante de condicionantes históricos.
Este estudo se realiza sem compromissos estritos com categorizações ou
generalizações. Todavia, considera sua importância e os requerimentos acadêmicos que
normalmente são feitos a respeito do uso de categorias nas pesquisas qualitativas.
Minayo(1999) estabelece dois tipos de categorias que são empregadas na abordagem
qualitativa para estabelecer classificações: as categorias analíticas e as categorias empíricas.
Para essa autora, as categorias analíticas são aquelas que retêm historicamente as relações
sociais fundamentais e podem ser consideradas como balizas para o conhecimento do objeto
de estudo nos seus aspectos gerais, enquanto as categorias empíricas
são aquelas construídas com a finalidade operacional, visando o trabalho de
campo (a fase empírica) ou a partir do trabalho de campo. Elas têm a
propriedade de conseguir apreender as determinações e as especificidades
que se expressam na realidade empírica a exemplo da consciência social, a
76
consciência de classe e a representação social, se situam como categorias de
análise, num nível elevado de abstração (MINAYO, 1999, p. 94).
As categorias analíticas utilizadas neste trabalho foram deficiência visual e mundo do
trabalho, enquanto que as categorias empíricas não ocupam um papel de destaque na
metodologia e sim como achados do labor da pesquisa. Assim, são apresentadas no conteúdo
da análise dos depoimentos não se justificando sua menção neste ponto.
Utilizei entrevistas semi-estruturadas para o trabalho de campo, considerando que a
entrevista “tomada no sentido amplo de comunicação verbal, e no sentido restrito de colheita
(sic) de informações sobre determinado tema científico, é a técnica mais usada no processo de
trabalho de campo”, pois, através dela, o pesquisador busca obter informações contidas na
fala dos atores sociais (MINAYO, 1999, p. 107).
A imersão do pesquisador nas vozes dos sujeitos investigados, a familiaridade com os
acontecimentos diários que embasam práticas e costumes supõem que os sujeitos da pesquisa
têm representações parciais e incompletas, mas construídas com relação à sua perspectiva e à
sua experiência.
Partindo desse ponto de vista, os dados não são vistos como coisas isoladas, nem os
acontecimentos fixos, captados em instantes de observação. Eles se dão em um contexto
fluente de relações: são fenômenos que não se restringem às percepções sensíveis e aparentes,
é preciso ultrapassar sua aparência imediata para descobrir sua essência (CHIZZOTTI, 1998,
p.85-88).
Neste trabalho, utilizei os encontros para entrevistar os sujeitos da pesquisa como
oportunidades para registrar ocorrências relacionadas aos depoimentos que, de alguma
maneira, pudessem ajudar na abordagem do objeto de estudo e seus desdobramentos.
4.2.Os sujeitos da pesquisa e os depoimentos orais à luz dos pressupostos epistemológicos
Considerando o objeto de estudo – as vozes e trajetórias de pessoas com deficiência
visual no mundo do trabalho em Salvador – e o contexto de singularidade em que a pesquisa
se realizou, vislumbrei a necessidade de compreender os sujeitos da pesquisa diante da
metodologia e dos pressupostos epistemológicos que tive por apropriados, baseado em uma
77
concepção dialética, tendo como referência os estudos de Bakhtin e de Vygotsky sobre as
relações dialógicas evidentes na constituição social dos sujeitos. Considero, assim, que o lugar
de onde o sujeito fala, olha, sente, faz, é sempre diferente e partilhado. Essa diferença
acontece na linguagem, em um processo semiótico, em que se evidencia a natureza complexa
da linguagem que precisa ser compreendida no movimento de apreensão da realidade que se
pesquisa. Na polifonia dos sujeitos da pesquisa, busquei ouvir as vozes dos trabalhadores com
deficiência visual que serviram para entabular a presente conversação, a qual se ampliará à
medida que o trabalho suscitar novas questões e diálogos sobre o tema.
Para Bakhtin “o sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa,
posto que, sendo sujeito, não pode, se quiser continuar a sê-lo, permanecer sem voz, portanto,
seu conhecimento só pode ter um caráter dialógico” (BAKHTIN apud FREITAS, 1996, p.
117).
A tentativa de compreender as relações do indivíduo com o social pode se inserir na
proposição esboçada por Bordas de mediação semiótica:
A sociedade é aqui entendida como o conjunto dos “outros” indivíduos, e o
outro, visto não apenas como indivíduo, mas como formas culturais e
simbólicas que entram em jogo através de instâncias de cultura individual e
formas de cultura coletiva – que configuram o que pode ser entendido como
vozes dos outros, vozes de si mesmo (...) a mediação semiótica entra no
espaço do entendimento do que seja esse outro e a sua dinâmica com o
sujeito, com o individual (BORDAS, 1999, p. 87).
Para Bakhtin, em sua concepção dialógica da linguagem, um tema constitui uma idéia
em constante devir, em movimento, e a ele interessam todas as vozes, inclusive a do leitor, no
momento em que apreende e reconstitui seu pensamento numa nova síntese.
Embora tanto Vygotsky quanto Bakhtin estejam baseados no referencial teórico do
materialismo histórico-dialético, o presente trabalho, a exemplo de ambos, não tem
compromissos estreitos ou dogmáticos com a visão marxista e materialista do homem.
Interessa-me, antes, a compreensão daqueles pensadores sobre o homem como ser histórico
(da e na história), que procura recuperar sua condição de sujeito social e o lugar que dão à
linguagem como constituinte da consciência, assim também a ênfase na importância do outro
a despeito de diferenças, neste caso particular, as diferenças relativas à pessoa com deficiência
visual.
Considero, neste trabalho, o entrelaçamento que se dá entre o fenômeno de
inclusão/exclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho e a ideologia que o
78
sustenta, bem como os pormenores que realçam a validade do entendimento do sujeito
portador de deficiência como a pessoa, o indivíduo, o humano que supera e se adapta às
limitações, vantagens/desvantagens desde o seu lugar de diferença sensório-visual como
profissional que tem uma trajetória, lutas e aspirações no mundo do trabalho.
Para a consecução dos objetivos desta pesquisa e a compreensão do fenômeno da
inclusão/exclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho em Salvador,
entrevistei 8 pessoas com deficiência visual, escolhidas dentro de um universo de 16 pessoas
previamente contatadas, como sujeitos possíveis de ser entrevistados na cidade de Salvador,
Bahia.
Para a seleção dos sujeitos entrevistados, utilizei como critérios a ocorrência das
seguintes características nas pessoas contatadas:
a) pessoas que apresentassem deficiência visual que implicasse cegueira total ou legal;
b)pessoas que revelaram, em contatos prévios ou por indicação, alguma formação ou
qualificação para o trabalho;
c)pessoas que tivessem uma trajetória de atuação profissional no mundo do trabalho em
Salvador.
Assim, todos os entrevistados cujos depoimentos estão registrados neste trabalho
atenderam aos critérios estabelecidos.
Embora utilizando um formulário de entrevista relativamente denso, com perguntas
previamente estruturadas, a abordagem que adotei permitiu não apenas a configuração do
mesmo com questões abertas, favorecendo respostas discursivas, como também a elaboração
das perguntas de modo que os entrevistados pudessem, inclusive, questioná-las ou sentir-se
estimulados a reverem pontos de sua fala anterior numa pergunta subseqüente ou ainda inserir
comentários que julgassem oportunos, no decorrer de seus depoimentos.
Para contatar as pessoas entrevistadas obtive informações e indicações de possíveis
interlocutores junto a representantes de algumas instituições que atuam em Salvador na
educação e/ou na inclusão de pessoas com deficiências visuais no mundo do trabalho, quais
sejam: a Associação Baiana de Cegos (ABC), o Centro de Apoio Pedagógico a Deficientes
Visuais da Bahia (CAP), o Instituto de Cegos da Bahia (ICB) e o Centro de Atendimento
Profissional de A a Z- Idosos e Pessoas Portadoras de Deficiências (CAPAZ ).
79
Os entrevistados são pessoas de variadas faixas etárias, sendo que o mais jovem tinha
26 anos à época da entrevista e ainda buscava o seu primeiro emprego, enquanto o mais idoso
estava aposentado e com 58 anos. Do ponto de vista do gênero, foram entrevistados três
deficientes visuais do sexo masculino e cinco do sexo feminino.
Todos os sujeitos entrevistados concordaram com a gravação em fitas cassete dos
depoimentos e autorizaram o uso de seus nomes neste trabalho. Todavia, reservei-me o direito
de usar combinações silábicas dos seus nomes e sobrenomes, visando preservá-los de
possíveis situações embaraçosas, quando julguei conveniente.
Todas as pessoas abordadas se mostraram desejosas de contribuir com seus
depoimentos para que este trabalho pudesse chegar a termo. Dentre os entrevistados, quatro
me receberam em suas casas para as entrevistas, dois deram seus depoimentos na biblioteca
do CAP, um me recebeu no seu local de trabalho, e um no Setor Braille da Biblioteca Pública
dos Barris, todos na cidade de Salvador.
Por razões éticas e de preservação dos entrevistados, decidi omitir os nomes das
empresas, instituições ou organizações citadas, onde trabalham ou trabalharam alguns dos
entrevistados, exceto quando a referência se impuser para o entendimento de algum aspecto
ou informação relevante.
4.3. Os procedimentos de Análise de Conteúdo
Em meio ao processo de consecução das entrevistas, procurei perceber aspectos
subjacentes às entrelinhas das falas dos sujeitos com a finalidade de apreender nos relatos os
fatos miúdos, os modos de dizer, as vozes e os silêncios que pudessem ensejar uma melhor
compreensão das relações implicadas no processo em estudo.
Busquei que a pesquisa se inserisse na observação da singularidade de cada pessoa
portadora de deficiência visual em estudo, relacionando essa individualidade com a
ocorrência da sua inclusão ou da sua exclusão no mundo do trabalho.
Pretendi ouvir os interlocutores entrevistados, procurando situar o trabalho e a análise
dos depoimentos, tendo em perspectiva que
80
“a ciência social é um produto do intelecto humano que responde a
necessidades concretas de determinado momento histórico. Logo ela é
também histórica, contextualizada na sua inspiração filosófica, teórica,
metodológica e heurística” (MACEDO, 2000, p.154).
Tendo registrado todos os depoimentos em fita cassete e preenchido as lacunas
existentes no roteiro escrito das entrevistas, fiz a transcrição de todas as gravações,
preservando, na íntegra, as falas dos sujeitos. As perguntas, tais como foram feitas, estão
disponíveis no questionário em anexo.
Procurei valorizar, além das frases e períodos com sentido completo, o uso de pausas
verbais, hesitações, reticências e repetições utilizadas pelos entrevistados. Registrei,
manualmente, as transcrições antes que fossem digitadas.
O exaustivo e minucioso trabalho de transcrição de todas as entrevistas consumiu
cerca de cinco horas de trabalho, por entrevista. O tempo total empregado na transcrição foi
de, aproximadamente, quarenta horas, alternadas em diferentes dias e períodos, sem contar o
tempo de digitação.
Depois de transcritas as entrevistas, todo o material coletado foi integralmente
digitado. Depois de digitadas as transcrições, revisei todo o material, ouvindo novamente as
gravações, para elucidar os trechos obscuros ou com excesso de reticências. Fiz correções de
concordância verbal e nominal sempre que isso não comprometia o conteúdo ou a idéia
pretendida pelo entrevistado. Também suprimi trechos das falas dos sujeitos onde a gravação
era dúbia ou apareciam expressões que poderiam expor a vida particular dos entrevistados.
A par de todo o material coletado, procedi à análise dos dados significativos para o
propósito estabelecido da pesquisa em busca de compreender como vem se dando a inclusão
profissional dos deficientes visuais em Salvador, a partir dos depoimentos orais e da trajetória
das próprias pessoas com deficiência visual.
Utilizei para a análise do material coletado em depoimentos orais a técnica da Análise
de Conteúdo.
Balau (apud SANTOS, 2004, p. 181) entende que a Análise de Conteúdo consiste
numa seqüência de operações pelas quais certas unidades são identificadas e classificadas, de
modo a permitir a descrição sistemática do conjunto, ou, também, a dedução dos princípios
que nortearam sua produção.
81
Minayo (2002) assevera que, do ponto de vista epistemológico, em relação à Análise
de Conteúdo, duas concepções de comunicação se conflitam.
De um lado, o modelo instrumental, que defende que, numa comunicação, o mais
importante não é o conteúdo manifesto da mensagem, mas o que ela expressa por meio do
contexto e das circunstâncias em que se dá e, do outro lado, o modelo representacional, que
defende a idéia de que através das palavras da mensagem pode-se fazer uma boa análise do
conteúdo sem que o pesquisador se atenha ao contexto e ao processo histórico. (MINAYO,
1999, p. 202).
Meu trabalho tende a uma posição intermediária, em que se dá importância ao que as
palavras usadas pelos entrevistados expressam e, ao mesmo tempo, se busca apreender o
contexto histórico, social, econômico e político determinante das circunstâncias em que as
vozes dos sujeitos são produzidas.
Conforme Bardin, a Análise de Conteúdo pode ser conceituada como
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas
mensagens. (BARDIN, 1977, p. 42)
Acredita Bardin, na seqüência do pensamento supracitado, que o campo de aplicação
da Análise de Conteúdo é extremamente vasto e que qualquer comunicação, isto é, qualquer
transporte de significações de um emissor para um receptor, controlado ou não por este,
deveria ser escrito e decifrado pelas técnicas de análise de conteúdo.
Bardin sugere que a análise de conteúdo deva organizar-se em três fases: 1) a pré-
análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação. Considera a pré-análise a fase de organização e que corresponde a um período
intuitivo, mas que objetiva tomar medidas operacionais e sistematizar as idéias iniciais, de
modo que isso conduza a um esquema preciso de um plano de análise visando o
desenvolvimento das operações sucessivas.
Nesta pesquisa, a pré-análise consistiu na audição das fitas cassete com os registros
das entrevistas, na transcrição e digitação do conteúdo das mesmas; a exploração do material
foi feita através da leitura do material coletado, buscando localizar os pontos de contato entre
os depoimentos, os objetivos e o referencial teórico adotados nesta pesquisa. O tratamento
82
dos resultados, a inferência e a interpretação se deram com o estabelecimento de relações
objetivas entre os depoimentos e as questões gerais relativas ao problema da inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho em Salvador e no contexto mais amplo
do modo de produção capitalista e de sua ideologia que, via de regra, legitima sempre a
exclusão de um segmento em favor do enriquecimento de outros.
Na exploração do material, busquei realizar uma gestão dos dados a partir das
conclusões das operações da pré-análise. No tratamento dos resultados, o material
selecionado foi estudado e comparado, de modo que o conteúdo a ser apresentado no relatório
final da pesquisa fosse significativo e válido para a reflexão pretendida sobre as vozes e
trajetórias de pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho em Salvador.
Bardin lembra que, conforme o modelo que estiver sendo utilizado, o analista pode
utilizar operações estatísticas simples – como percentagens – ou mais complexas – como a
análise fatorial – pois elas permitem a construção de quadros de resultados, diagramas,
figuras e modelos que sintetizam e dão relevo às informações fornecidas pela análise. Após
essa etapa, o analista pode propor, então, inferências e interpretar os resultados com base nos
objetivos previstos ou em relação a outras descobertas (BARDIN, 1977, p. 43).
Embora este trabalho apresente, no capítulo 5, os resultados da análise dos
depoimentos em forma de tabelas, registros quantitativos, estatísticas e algumas comparações
percentuais, estes recursos devem ser considerados apenas como referências enriquecedoras
da análise qualitativa a que se propõe o presente estudo.
Minayo (1999) considera que predomina, na abordagem quantitativa, a busca de
medidas para as significações, como critério de cientificidade, mas ressalta que, na abordagem
qualitativa, deve-se buscar uma interpretação mais profunda dos dados, tentando ultrapassar a
análise meramente descritiva do conteúdo. Para essa autora, a técnica utilizada adquire a sua
força e seu valor exclusivamente mediante o apoio de determinado referencial teórico, e a
análise de conteúdo não é uma exceção.
O conteúdo que emergiu dos depoimentos foi analisado, sempre à luz da valorização
das vozes dos sujeitos da pesquisa, dando proeminência às possibilidades de interpretação das
mesmas advindas dos estudos de Bakhtin a respeito da filosofia da linguagem, da excelência
da palavra como signo ideológico e da pluralidade de vozes na fala dos sujeitos. Em todo o
processo de análise, utilizei também conceitos e pressupostos oriundos dos estudos
socioculturais desenvolvidos por Vygotsky – estando este afinado com a mesma base
83
marxista de Bakhtin – nos quais buscava, sobretudo, esclarecer que todas as vozes, de algum
modo, se vinculam a um processo onde se evidencia a constituição social do sujeito nas
relações com os outros, sendo esse processo mediado pela linguagem.
Penso ser relevante declarar, especialmente ao leitor mais atento, que essa relação
direta do presente trabalho com a filosofia da linguagem e o discurso dos trabalhadores,
sujeitos da pesquisa, em seus depoimentos orais, não conferem à metodologia utilizada o
atributo de análise do discurso, mas sim o de análise do conteúdo das entrevistas e que, em
seu viés qualitativo, me permite ascender à análise do texto que ecoa das vozes destes sujeitos
com base na teoria já explicitada e que muito tem sido utilizada para a análise do discurso em
outros trabalhos.
Assim, passo à apresentação dos dados coletados nas entrevistas, mediante a análise
do conteúdo dos depoimentos das pessoas com deficiência visual, fazendo esforço para não
divagar no embevecimento que esses entrevistados me propiciaram no diálogo ativo e bem
engajado que me ofereceram, em palavras e silêncios que justificaram o esforço empreendido
para compreendê-los.
84
CAPÍTULO 5
AS VOZES DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL:
TRAJETÓRIAS, INCLUSÃO E EXCLUSÃO NO MUNDO DO TRABALHO
Deficiência é testemunho... Eu vim ao mundo para dar um testemunho!... Às
vezes eu vejo a cegueira como uma dádiva! (MARILZA, 2003, entrevista)
O presente capítulo, resultante da aplicação dos procedimentos metodológicos já
anteriormente delineados, apresenta os dados observados, as vozes e trajetórias de pessoas
com deficiência visual no mundo do trabalho em Salvador. Expressa, antes de qualquer
inferência do pesquisador, como os próprios sujeitos entrevistados consideram o problema da
inclusão ou exclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho, no contexto
soteropolitano. As inferências estabelecidas pelo pesquisador são ensejadas pelo referencial
teórico utilizado com ênfase em Bakhtin e Vigotsky, tendo em perspectiva os objetivos e a
própria natureza qualitativa da pesquisa.
Considerando a amostragem de apenas 8 pessoas, o referencial teórico e o enfoque
qualitativo da investigação, claro está que não pretendo que os dados ou condições observadas
sejam generalizados para o universo total de pessoas com deficiência visual na cidade de
Salvador. Porém, o estudo se faz relevante não apenas por dar voz aos sujeitos e à reflexão
que produzem sobre o tema da inclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do
trabalho, como também permite que sejam feitas inferências criteriosas que resultarão em
apreensão de uma realidade específica e que possibilitarão a compreensão das trajetórias dos
trabalhadores com deficiência visual à luz dos depoimentos dos sujeitos entrevistados.
A presente exposição da análise de conteúdo dos depoimentos dos sujeitos
compreende três aspectos distintos, porém interrelacionados: o primeiro se refere à descrição
e à caracterização de quem são os sujeitos da pesquisa quanto à idade, grau de escolaridade,
estado civil, profissão e ramo de atividade. O segundo aspecto se relaciona às trajetórias
desses trabalhadores e sua inclusão no mundo do trabalho, considerando como avaliam e
analisam sua qualificação, sua inserção e seu desempenho no mundo do trabalho. O terceiro
aspecto busca evidenciar que concepções ou discussões são dominantes ou recorrentes nos
relatos dos trabalhadores com deficiência visual e que relações são estabelecidas por eles
85
entre sua trajetória profissional e a deficiência visual, sua cidadania e a discussão sobre o
tema da inclusão de pessoas com deficiência visual no meio produtivo em Salvador.
5.1. A CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS ENTREVISTADOS
Para demonstrar a caracterização dos sujeitos entrevistados para este trabalho,
apresento, a seguir, uma série de tabelas com suas respectivas análises, as quais permitirão
uma compreensão sempre panorâmica dos dados coletados e em evidência:
Tabela 1. Caracterização dos sujeitos da pesquisa , segundo o estado civil e o gênero
Estado Civil Masculino Feminino Total
Solteiros 0 2 2
Casados 2 3 5
Viúvos 0 0 0
Divorciados 1 0 1
Observe-se, na tabela 1, que o grupo de entrevistados apresenta característica
heterogênea em relação ao estado civil e não registra nenhuma pessoa em estado de viuvez,
bem como evidencia a maior predominância de casados. Quanto ao gênero, também é
evidente que mais da metade dos trabalhadores entrevistados é composta por mulheres.
Tabela 2. Caracterização dos entrevistados por nível de escolaridade e gênero
Nível de escolaridade Masculino Feminino Total
Educação Básica
0 0 0
Fundamental
0 0 0
Médio
2 1 3
Superior
0 1 1
Superior c/ Pós-graduação
1 3 4
86
A tabela 2 revela que 62,5% dos entrevistados têm escolaridade em Nível Superior
(80% destes com pós-graduação), possuindo 15 anos de estudo ou mais. Esses dados, porém,
não refletem a realidade da maioria dos trabalhadores com deficiência visual em Salvador e
no restante do Brasil. Os dados do Censo 2000 (IBGE, 2000) indicam que, no Brasil, das
11.435.804 pessoas que se declararam incapazes ou com alguma dificuldade permanente de
enxergar, compreendidas na faixa dos 15 aos 64 anos de idade, bem menos de 4% possuem 15
ou mais anos de estudo. Na verdade, entre portadores de todos os tipos de deficiência, apenas
603.218 pessoas têm esse tempo de estudo no Brasil.
Isso, entretanto, não compromete a validade do presente estudo, visto que a
perspectiva de análise não pretende uma generalização dos dados observados a partir das
características particulares dos sujeitos entrevistados, antes, as principais inferências deste
trabalho advêm de como estas pessoas refletem sobre suas trajetórias profissionais e sobre as
questões afeitas à sua inclusão no mundo do trabalho. A titulação em nível superior e/ou o
tempo de escolarização não fizeram parte dos critérios de seleção dos sujeitos para as
entrevistas, mas estes se revelaram como dados relevantes verificados posteriormente no
trabalho de campo e na análise do conteúdo das entrevistas e depoimentos.
A tabela 2 indica também que 80% das mulheres entrevistadas, com deficiência
visual, possuem nível superior, enquanto que, em todo o Brasil, entre as 6.698.547 mulheres
na faixa etária entre 15 e 64 anos que se declararam deficientes visuais, o percentual é
inferior a 2% (incluindo todas as mulheres com algum tipo de deficiência, o total é de
293.626), de acordo com o Censo 2000.
Poderá ser observado na tabela 3, a seguir, que os entrevistados apresentam uma
titulação bem acima da média estimada, até mesmo em relação à população que não é
considerada portadora de qualquer deficiência. Embora, repito, este não tenha sido um critério
de seleção dos sujeitos para participação na pesquisa, evidencia a singularidade de cada
sujeito com deficiência visual e indica que nenhuma análise envolvendo pessoas, com
deficiência ou não, pode ser feita por atacado ou através de rotulação, exacerbando a ênfase
na limitação do indivíduo ou pretendendo a padronização de suas características.
Essa rotulação em relação à pessoa com uma deficiência é quase sempre perversa, pois ignora
ou oculta, à sombra da lógica da exclusão que a contagiou, as distinções particulares que se
deve ter em mente sempre que se fala de pessoas humanas em sua multiforme diversidade.
87
Tabela 3.Caracterização dos entrevistados por faixa etária, nome, titulação, profissão e
condição de emprego
Faixa
etária
Nome Titulação/Nível escolar Profissão Condição de Emprego
Melissa Graduada em Ciências
Sociais, Pós–graduada em
Gestão de Recursos Humanos
¾ Socióloga
¾ Instrutora de
Informática
Desempregada
(voluntária em ONG)
Até 30
anos
Adriana Graduada em Letras
Especialização em Teoria da
Literatura
¾ Professora
¾ Secretária
Secretária de uma ONG
(ficou desempregada logo
depois da entrevista)
Gessi Magistério –Ensino Médio ¾ Professora Desempregada
31 a 40
anos
Jádson Ensino Médio
(Formação Geral)
¾ Comerciante
¾ Massoterapeuta
Desempregado
João Graduado em Pedagogia com
especialização em Educação
Especial
¾ Professor Professor e Vice-diretor em
Centro especializado em
DV
41 a 50
anos
Audair Graduada em Letras
Graduada em Direito
Especialização em Educação
de Jovens e Adultos
¾ Professora
¾ Advogada
Professora em Centro
especializado em DV
Operadora de atendimento
de PABX (empresa de
telecomunicação)
José Ensino Médio ¾ Comerciante
¾ Massoterapeuta
Massagista em clínica e em
domicílio
Mais
de
50 anos
Marilza Tecnóloga em Processamento
de Dados
Licenciada em Filosofia
¾ Tecnóloga em
Processamento
de Dados
¾ Analista de
Sistemas
¾ Programadora
de
Computadores
¾ Supervisora de
Proc. de Dados
Atuou em áreas afeitas à
sua formação até se
aposentar, em 1999, numa
empresa pública federal,
onde trabalhou por 23 anos
(SERPRO)
Essa tabela 3, além de revelar a boa formação educacional da maioria dos
trabalhadores deficientes visuais entrevistados, demonstra também algumas situações
reveladoras da percepção ainda preconceituosa que opera no mundo do trabalho em Salvador
em relação à pessoa deficiente visual. Essa inferência se deve às seguintes constatações:
a) Entre os trabalhadores deficientes visuais que estão empregados, apenas um não está
trabalhando em centros especializados em deficiência visual, a metade dos entrevistados
não tem emprego e, do contingente de desempregados, mais da metade é do sexo
feminino;
88
b) Dentre os que trabalham em centro especializado para deficientes visuais, uma trabalha
também como operadora de atendimento de PABX, mesmo já tendo feito duas graduações
(Letras e Direito) e uma especialização lato sensu;
c) Todas as quatro pessoas entrevistadas nas faixas etárias de 20 a 30 e de 31 a 40 anos estão
desempregadas, sendo que duas delas têm formação em nível superior e uma delas nunca
teve emprego, mesmo já tendo uma pós-graduação lato sensu;
d) Dois entrevistados estão desempregados há mais de dois anos;
e) Apenas uma das entrevistadas se aposentou, após atuar e progredir profissionalmente
numa empresa de processamento de dados durante 23 anos, chegando ao cargo de
supervisora de uma equipe de dezenas de funcionários. Esse exemplo revela que o
trabalhador com deficiência visual, quando tem oportunidade, mostra-se capaz de fazer
uma trajetória vitoriosa no mundo do trabalho, mas esse caso ainda é exceção entre os
deficientes visuais contatados.
Essa entrevistada, hoje aposentada, foi vidente até os 28 anos de idade, quando perdeu
a visão totalmente, por causa de um glaucoma congênito, mas sua empresa se adequou para
incluir trabalhadores deficientes visuais, permitindo que ela lograsse o êxito profissional e
contribuísse para o desenvolvimento da organização.
Tabela 4. Caracterização quanto ao número dos entrevistados pelo ramo de atividade e
segmento do mercado em que atuam ou atuaram em sua trajetória profissional
Ramo de Atividade Mercado Formal Mercado informal Total
Comércio 0 1 1
Indústria 0 0 0
Serviços 6 3 9
Outros
(Voluntariado, ONG, etc)
0 1 1
Conforme essa tabela 4, a soma dos números de trabalhadores dos diversos ramos de
atividade e segmentos do mercado (11) é superior ao número de entrevistados (8), tendo em
vista que três dos trabalhadores entrevistados atuam ou atuaram, simultaneamente, no
mercado formal e no mercado informal e um deles tem sua trajetória profissional vinculada
tanto ao ramo de serviços quanto ao de comércio. Além disso, a tabela 4 demonstra que:
89
a) há predominância de trajetórias profissionais no ramo de serviços, seguindo uma tendência
mundial observada em anos recentes, sendo este o setor produtivo que mais emprega em todo
o mundo.
b) apenas um dos entrevistados atua no ramo de comércio e mesmo assim está na
informalidade;
c) nenhum dos entrevistados está empregado ou tem sua trajetória relacionada ao ramo
industrial.
Tabela 5. Caracterização da auto-avalição dos entrevistados quanto à sua qualificação
para o trabalho, por gênero
Auto-avaliação Homens Mulheres Total
Qualificado 3 4 7
Não-qualificado 0 0 0
Outra resposta 0
1
1
Conforme a tabela 5, quase a totalidade dos entrevistados se considera qualificada
para o trabalho. A única resposta diferente se encontra entre as mulheres e não representa uma
negativa de qualificação, mas um reconhecimento da necessidade de constante
aperfeiçoamento. A autora da resposta explica:
“Mais ou menos... porque eu preciso ainda me qualificar mais. Eu tenho habilidades e
potencialidades. Mas eu ainda preciso ser mais... é... profissional” (ADRIANA, 29 anos,
secretária/professora, desempregada).
Entre os que se consideram qualificados, três salientaram a dificuldade de prática em
razão da falta de oportunidade de emprego; uma dessas pessoas afirmou:
Considero-me qualificada. Como eu já lhe falei, eu sou formada em Ciências
Sociais, já tenho curso de Inglês, sei informática... Então, assim... eu tenho
um aparato teórico que me possibilita estar no mercado. Mas eu não tenho...
eu tenho uma certa dificuldade de prática, entendeu? (MELISSA, 26 anos,
socióloga, instrutora de informática, desempregada)
Em questão relativa à capacidade profissional, anterior a que motivou as respostas
acima, incluí um item que oferecia aos entrevistados a possibilidade de responder sobre sua
capacidade para o trabalho. Todos se disseram capazes de exercer uma atividade profissional
90
e recusaram a idéia de incapacidade para o trabalho pelo fato de serem pessoas com
deficiência visual.
Esses dados estão de acordo com o que refere Sassaki (2002) ao tratar do que chama
o novo perfil dos candidatos a emprego”:
Diferentemente do que acontecia no passado, em termos de qualidades
pessoais, hoje os candidatos portadores de deficiência apresentam um perfil
mais completo. Por exemplo, eles são:
1. Mais escolarizados (inclusive com nível superior).
2. Mais autônomos (com ou sem dispositivos tecnológicos).
3. Mais independentes (pelo uso do poder pessoal para tomar decisões).
4. Mais politizados (com consciência de seus direitos e deveres).
5. Mais informados (sobre a vida social em geral).
6. Mais preparados psicossocialmente (sobre relacionamentos no trabalho).
7. Mais socializados (expostos à experiência de grupos formais e
informais).
8. Mais capacitados profissionalmente (em funções específicas).
9. Portadores de deficiências de nível mais severo, seja qual for o tipo de
deficiência (física, mental, visual, auditiva ou múltipla) [sic].
(SASSAKI, 2002, p. 76-77).
A qualificação para o trabalho, referida por Sassaki e também apresentada pelos
sujeitos entrevistados nesta pesquisa, nos leva à indagação sobre onde essas pessoas teriam
recebido formação para o trabalho, como se observa na tabela 6.
Tabela 6. Caracterização dos entrevistados quanto ao local de formação para o trabalho
Cursos ou instituições para
alunos especiais
Cursos profissionalizantes com
colegas videntes
Na própria
empresa
Na universidade
5
1 2 1
A soma dos números (9) excede ao de entrevistados (8), porque uma pessoa obteve
formação para o trabalho em classes regulares quando ainda era vidente, mas, ao perder a
visão, precisou passar por um processo de reabilitação em classes especiais. Neste caso, foram
marcadas as duas alternativas mencionadas.
Embora cinco pessoas, dentre os entrevistados, tenham curso superior, apenas um
indicou a universidade como seu local de formação para o trabalho, o que parece evidenciar
um certo distanciamento da idéia de universidade como local de formação para o trabalho no
segmento do qual fazem parte os entrevistados.
91
Por outro lado, mais da metade dos entrevistados indicaram cursos ou instituições para
alunos especiais como locais onde se deu a sua formação profissional, enquanto 2 dos demais
trabalhadores indicaram a própria empresa como seu local de formação.
A baixa incidência de trabalhadores deficientes visuais formados em cursos
profissionalizantes regulares, ou seja, numa perspectiva inclusiva, me remete à questão da
inclusão da pessoa com deficiência visual na escola regular e, por extensão, nos cursos
profissionalizantes. Essa questão se insere num contexto mais amplo que diz respeito a todos
os tipos de deficiência e ao modo como as pessoas com deficiência visual têm sido tratadas no
Brasil e mais especificamente na Bahia e em Salvador.
A respeito de sua educação para o trabalho, uma das entrevistadas nesta pesquisa
relatou:
Avalio como sendo excelente... estudei no Colégio Taylor Egídio, em
Jaguaquara e isso foi a coisa mais importante que aconteceu na minha vida.
Lá eu estudei latim, francês, inglês... tudo no Ginásio. Aprendi valores éticos
e lembro muito dos meus professores, principalmente do Prof. Mário
Moreira... (MARILZA, 59 anos, aposentada).
Observe que a questão diz respeito à formação para o trabalho, mas a entrevistada fez
questão de salientar a importância da escola e da educação oferecida, que lhe permitiram
obter uma formação útil para o trabalho e para a vida.
Dados do Ministério da Educação revelam, inclusive, uma involução da matrícula de
pessoas com deficiência visual nas escolas brasileiras, no ano de 2000 em relação a 1999. Em
2003, ocorre uma recuperação e o número de matriculados supera o dobro da quantidade
verificada em 1996, como se observa na tabela 7.
Tabela 7. Evolução da Matrícula de Alunos com deficiência visual no Brasil, entre 1996
e 2003
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Tipo de
deficiência
Número
de
Alunos
Número
de
Alunos
Número
de
Alunos
Número
de
Alunos
Número
de
Alunos
Número
de
Alunos
Número
de
Alunos
Númer
o de
Alunos
Deficiência
Visual
8.081 13.875 15.473 18.629 8.019 8.570 9.622 20.521
Fonte: MEC/INEP/SEEC
Apesar destes dados reveladores de que a pessoa com deficiência visual, praticamente,
não dispõe de acesso à formação profissional em cursos ou instituições de ensino regular na
92
cidade de Salvador, ficando dependente das instituições de ensino especializadas e de órgãos
de apoio aos deficientes visuais, os entrevistados avaliaram positivamente a formação para o
trabalho que receberam, como mostra a tabela 8.
Tabela 8. Avaliação dos entrevistados quanto à qualidade da formação que receberam
para o trabalho
Fraca/Ruim/Insuficiente Regular Boa Muito boa Excelente Não soube avaliar
0 2 1 1 3 1
Na avaliação referida na tabela 8, mais da metade dos entrevistados considerou sua
formação para o trabalho entre boa e excelente, e ninguém se avaliou em classificação inferior
a regular. Há, inclusive, uma predominância da resposta que indica avaliação da formação
para o trabalho recebida como excelente.
Apesar disso, considero importante relatar o comentário de uma delas sobre a questão
do tempo de aprendizagem do deficiente visual que precisa ser considerado em sua formação
para o trabalho e também na avaliação do seu desempenho profissional:
(...) Foi suficiente... só que as pessoas ainda não entenderam a questão do
tempo, entendeu? As pessoas que coordenam, mesmo as pessoas que
trabalham com projetos para deficientes não entendem a questão do tempo: o
tempo para o deficiente é diferente.
O tempo de aprendizado, o tempo de execução... é diferente! Você fazer um
trabalho no computador é diferente de eu fazer um trabalho no computador.
E isso as pessoas não entendem. Tempo de execução propriamente dito... pra
você digitar um texto, formatar esse texto, colocar...
Digamos assim: um texto para empregar no seu Mestrado... são diferenças
pra fazer o mesmo trabalho. Embora, em geral, o cego tenha uma digitação
muito mais ágil.
Mas a gente tem que ter todo um preparo pra saber entrar nos arquivos, nos
menus, não sei o que... entendeu? Essa ponte é que é complicada por que não
existem cursos... é uma questão até que eu coloco muito: tem que começar a
existir cursos que façam a interação do deficiente visual no meio da mídia
em geral, e da informática também, e com os nossos leitores de telas, porque
esse é o grande problema... O grande nó é o leitor de tela, que a gente não
sabe mexer.
Eu não sabia mexer... Não sei se você já ouviu falar dos leitores de tela que a
gente usa: Jaws, não sei o quê....?! Eu não sabia, e eu me bato muito. Hoje
eu já tenho uma desenvoltura muito maior e melhor, mas ainda tenho muitas
deficiências com ele, porque eu não sei... eu não conheço o ambiente
Windows. (ADRIANA, 29 anos, secretária, professora, desempregada)
93
Há um caso em que a entrevistada não soube avaliar a qualidade de sua formação, pois
a mesma observou que embora considere boa a sua formação, não a classifica como formação
para o trabalho:
Olha só... Na verdade, eu não tive educação “para o trabalho”, entendeu?
Eu fiz uma graduação, eu fiz um curso de inglês, eu fiz um curso de
informática, mas isso não foi voltado para o trabalho, entendeu? Então eu
não posso nem classificar.”(MELISSA, 26 anos, socióloga, instrutora de
informática, desempregada).
Tabela 9. Avaliação dos entrevistados quanto à sua condição de emprego e inclusão
profissional
Condição Incluído Excluído Parcialmente incluído
Empregado 4 0 1
Desempregado 0 2 0
Aposentada 1 0 0
A tabela 9 demonstra que 63% dos entrevistados se consideram incluídos no mundo do
trabalho, e todos estes se encontram empregados ou aposentados. Entre os que estão
empregados, apenas uma pessoa se considera parcialmente incluída, indicando que, para a
maioria destes trabalhadores deficientes visuais, emprego é sinônimo de inclusão. Mas são
significativas as ressalvas à natureza desta inclusão, como se observa no depoimento a seguir.
Bem, eu me considero incluída. Embora eu ache que a empresa em que eu
trabalho... Eu não me sinto, assim... valorizada naquilo que eu faço.
Porque.... eu fiz dois cursos superiores, fiz uma pós-graduação e, no entanto
continuo na mesma função há 22 anos. Não houve um progresso, não houve
maior atenção porque... simplesmente pelo fato de eu não enxergar. Então é
como se eles dissessem: contente-se com o que você tem... que nós já te
demos uma oportunidade, não é?
E não é falta de luta ... (AUDAIR, 48 anos, professora, advogada, operadora
de PABX).
Essa condição, exposta e vivida pela entrevistada, evidencia que, embora estejam
empregados ou trabalhando informalmente, os deficientes visuais podem não estar sendo
incluídos de fato no mundo do trabalho, do ponto de vista do reconhecimento de sua
cidadania e de sua capacidade profissional.
Adriana, embora estivesse empregada na época da entrevista, afirmou como percebia a
sua condição de trabalhadora com deficiência visual:
94
Parcialmente incluída. Porque... a questão do tempo mesmo... As pessoas
ainda estão se adaptando a ter deficiente visual no seu ambiente de trabalho,
entendeu?... De modo diferente. Antigamente as pessoas tinham um cego...
mas o cego ficava ali, contando biscoitos, empacotando um negocinho, e tal.
Hoje o cego está ali... está chefiando empresas; o cego está trabalhando com
softwares e está lidando mesmo!... Está secretariando uma entidade, como
no meu caso. E as pessoas ainda não estão aptas a trabalhar com esse tipo de
serviço com o cego, entendeu?! Então... é por isso que eu falo parcialmente
incluído. Até que a gente prove que a gente está ali... que as pessoas
entendam que nós também estamos dentro, lá... daquele processo..., é difícil.
(ADRIANA, 29 anos, secretária/professora, desempregada)
Evidentemente, essas percepções distintas sobre estar ou não incluída no mundo do
trabalho, estão relacionadas a diferentes concepções sobre o que significa inclusão social, e
conseqüentemente, inclusão no mundo do trabalho. Sassaki afirma que
conceitua-se a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se
adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com
necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir
seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo
bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em
parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a
equiparação de oportunidades para todos” (SASSAKI, 2002, p. 41).
É preciso que se diga, reiteradamente, à sociedade contemporânea, pretensamente
inclusiva, que a prática da inclusão social, de pessoas com deficiência de qualquer natureza ou
tipologia, incluindo sua dimensão relativa ao mundo do trabalho, se firma em princípios tais
como a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência
dentro da diversidade humana e a aprendizagem através da cooperação (SASSAKI, 2002, p.
41,42).
Esse processo inclusivo vai muito além de oferecer ocupações aos trabalhadores com
deficiência visual como se fossem cidadãos de categoria inferior, o que já contrariaria, em
tese, o contexto vigente, onde também vicejam os discursos de cidadania da sociedade
inclusiva nesta nova investida do neoliberalismo capitalista.
Tedesco (2002), ao tratar da redefinição da relação educação e mercado de trabalho,
observa, inicialmente, que, no capitalismo tradicional, a formação do cidadão e a formação
para o trabalho tinham um grau relativamente alto de dissociação, ao menos do ponto de vista
dos conteúdos, para, em seguida, dizer :
95
Nos novos cenários da produção capitalista intensiva em conhecimentos, ao
contrário, a dissociação do ponto de vista do conteúdo das capacidades tende
a diminuir e a atividade produtiva reclama um compromisso mais integral.
Mas, como contrapartida dessa maior articulação individual em termos de
competências e capacidades, produz-se um aumento considerável da
distância entre os que trabalham em atividades intensivas em conhecimento
e os que atuam nas áreas tradicionais ou, pior ainda, os que são excluídos do
trabalho. Segmentação e exclusão são os dois fenômenos sociais mais
importantes que acompanham a expansão da economia intensiva em
conhecimento (TEDESCO, 2002, p. 52).
É fato que, na sociedade capitalista, a acirrada competição também acaba por legitimar
a idéia de que uns devem ser incluídos no meio produtivo em detrimento da exclusão de
outros.
Tendo anteriormente já comentado a respeito da centralidade do trabalho como
instrumental humano de produção de sua existência, sob um referencial sócio-histórico
identificado com o pensamento marxista, e em mente o fato de que esta pesquisa se dá em
marcos do capitalismo contemporâneo, implica-me reportar agora que a ocorrência da
exclusão do trabalhador equivale também à ocorrência da exclusão da pessoa como útil à
sociedade, haja vista que só é possível, ao modo de produção capitalista, uma concepção do
sujeito trabalhador com deficiência visual dentro dos paradigmas do mundo do trabalho
capitalista.
No modo de produção capitalista, a idéia de concorrência é acirrada e até mesmo
incentivada. Exigem-se cada vez mais competências para uma melhor colocação no mercado
de trabalho. E a idéia de mercado de trabalho é tão proeminente quanto aparentemente
indecifrável, já quem no mais das vezes, é usada para se referir a qualquer relação onde
estejam implicadas a venda da força de trabalho e a produção de mercadorias de troca por uns
e sua apropriação e consumo da produção por outros. Estes últimos são os que ditam as suas
normas e dizem que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
É certo que o trabalho engendra a vida social e esta o determina, pois, para transformar
a natureza, foram constituídas entre os homens as relações de produção, que mudam no tempo
e no espaço, assim como os meios e os modos de produção que adquirem historicamente
outras conotações.
A produção de bens refere-se ao próprio modo de vida em uma determinada sociedade
e em um determinado momento histórico, e isso não se resume à produção e reprodução das
condições materiais de existência, mas tamm às condições espirituais.
96
Desta maneira, a ação que modifica a natureza não se limita à produção de bens
materiais, mas a condições que permitam os relacionamentos dos homens entre si e com a
própria natureza.
O sujeito ocupa seu lugar no social através da profissão que desempenha ou diante da
exclusão profissional que lhe é imposta, pois a ela se agregam valores. Não trabalhar é abdicar
do progresso pessoal e social.
BOHOSLAVSKY (1998) afirma que a identidade ocupacional está diretamente
relacionada à pessoal, e que definir o que fazer agora ou futuramente é decidir sobre o que se
é ou se poderá vir a ser, e também o que não será, pois, quando se escolhe algo, deixa-se de
escolher todas as demais opções ou por elas é preterido, como se dá na exclusão da pessoa
com deficiência visual
Ser ou não ser incluído tem também uma relação direta com o ser ou não ser bem
sucedido e o modo como se pensa o ser bem-sucedido ou o ser exitoso no mundo do capital.
Ser bem-sucedido em uma sociedade capitalista significa ter acesso aos bens de
consumo, ser alguém respeitado pelo que possui de bens materiais e o fracasso, nesse
contexto, é exatamente o seu contrário: não ter acesso e não possuir os mesmos bens, e ainda
viver sob a perene ameaça de nunca vir a ser ninguém na vida, dentro de dada lógica
econômica.
A aspiração ao sucesso não é somente uma questão de pressão social, mas se torna
uma busca do próprio sujeito, que dela se ressente, em uma sociedade cujos valores
predominantes se relacionam ao poder financeiro. Portanto, esta pressão da sociedade vai se
cristalizar em um sintoma específico, de acordo com a singularidade de cada um.
Se o sujeito não está profissionalmente incluído, provém de um meio sociocultural
desfavorecido, seu investimento cultural é limitado, o problema tende a se acentuar. Ainda é
mais agravante se o sujeito é portador de deficiências, sem atrativo físico ou pobre. Os efeitos
da exclusão social geram a sensação de fracasso e se manifestam sob a forma de desprezos,
humilhações e rejeições sociais.
Um aspecto diretamente relacionado a sentir-se ou não incluído, desempenhando bem
ou sendo obrigado a mudar de profissão na busca de êxito profissional, é revelado ao se
observar a caracterização dos entrevistados em relação às profissões exercidas em sua
trajetória profissional, antes e depois da cegueira. Também é importante notar a causa da
97
deficiência e a idade que cada sujeito tinha quando se deu a perda da sua capacidade visual;
isso é observável na tabela 10.
Tabela 10. Caracterização dos entrevistados em relação aos nomes, profissões exercidas
em sua trajetória profissional antes e depois da cegueira, idade e causa do
indivíduo quando se deu a perda visual
Profissões exercidas Nomes
Antes da cegueira Depois da cegueira
Idade e causa da perda
visual
Adriana
Nenhuma Professora, secretária 14/15 anos, por glaucoma
congênito
Audair
Nenhuma Operadora de PABX,
professora, advogada
8 anos, glaucoma congênito
Gessi
Nenhuma Professora e
massoterapeuta
Toxoplasmose no ventre
materno (baixa visão)
Jádson
comerciante,
proprietário de oficina
mecânica de
automóveis,
massoterapeuta 25 anos, causada por má
formação do nervo ótico
que progrediu para
glaucoma neo-vascular com
descolamento de retina.
João
Nenhuma Professor e vice-diretor de
centro especializado
De nascença, glaucoma
congênito
José
Comerciário Vendedor de seguros,
vendedor de esquadrias de
alumínio, vendedor de
produtos de limpeza em
geral, massoterapeuta
Aos 12 anos perdeu a visão
do olho direito e aos 23
anos, a visão do olho
esquerdo por deslocamento
de retina e hemorragia
interna
Marilza
Auxiliar de contabilista,
fiscal da Campanha
Contra a Febre Aftosa
do Ministério da
Agricultura
Estagiária processamento
de dados, programadora de
computadores
28 anos, glaucoma
congênito
Melissa
Nenhuma Instrutora de informática,
voluntária em ONG
15 anos, glaucoma
congênito.
A tabela 10 permite que se observe que a trajetória dos trabalhadores entrevistados,
com deficiência visual, é heterogênea. Isso se deve ao fato de que 5 dentre os entrevistados
foram acometidos de deficiência visual antes que alcançassem uma idade de inserção no
mundo do trabalho. Dois deles têm deficiência visual desde o nascimento e três se tornaram
deficientes visuais ainda na adolescência.
98
Nos demais, se observa uma breve trajetória no mundo do trabalho, posto que suas
deficiências visuais atingiram níveis limitantes para o exercício profissional antes que os
mesmos completassem trinta anos de idade.
Nessa tabela 10, pode-se notar que, após a perda de visão, todos os três trabalhadores
que já exerciam atividade profissional tiveram que mudar de profissão e até mesmo de ramo
de atividade. Observa-se também que todos se direcionaram para o ramo de prestação de
serviços.
Suas trajetórias revelam não apenas a necessidade de adaptação que a deficiência
visual impõe ao trabalhador, como tamm a dificuldade que os trabalhadores que são
acometidos por ela, em suas diversas formas, enfrentam para que os empregadores entendam
que todo um conhecimento adquirido não se esvai com a perda visual, transformando o
trabalhador deficiente visual em uma pessoa desqualificada para o exercício profissional.
À luz dos exemplos observados entre os entrevistados, fica patente que a perda ou
redução significativa da visão obriga o trabalhador a uma necessidade que não deveria ser
naturalizada: a de mudar subitamente de profissão. Esse é um processo penoso que, entre
outras coisas, irá deixá-lo fora do meio produtivo por um longo período, ocasionará uma
defasagem do seu conhecimento na profissão anterior em que atuava, devido aos ágeis
processos de evolução tecnológica, típica do mundo do trabalho contemporâneo e, por fim, o
conduzirá ao desemprego ou ao não-aproveitamento adequado de sua mão-de-obra.
Este é um problema para o qual os governantes devem atentar. Não apenas pelo fato
de alijar do processo produtivo um trabalhador que se supõe competente e qualificado para o
exercício profissional, contrariando a legislação que visa a sua inclusão, mas também, mercê
da reivindicação da pessoa com deficiência, irá implicar em ônus para o Estado.
Ressalte-se que o Estado terá que assistir ao trabalhador com os benefícios que lhe são
devidos até que o mesmo possa voltar ao exercício de uma profissão no mundo do trabalho
formal. E é bom lembrar que muitos jamais retornarão e ficarão sob a tutela do Estado durante
toda a sua vida. Isso sem contar o prejuízo para as carreiras dos trabalhadores, antes em pleno
andamento, e para sua realidade socioeconômica, abruptamente modificada para pior com a
perda de um posto de trabalho.
A tabela 10 apresenta a exceção de uma trabalhadora que, apesar de mudar de
profissão, conseguiu dar seguimento à sua atuação no mundo do trabalho de modo formal,
sem uma expressiva solução de continuidade, depois de perder a visão. Para ela foram feitas
99
as adaptações necessárias na empresa em que trabalhava, permitindo que continuasse atuando
até a aposentaria. Isso é algo que, infelizmente, não acontece com a maioria dos
trabalhadores com deficiência visual.
A mesma tabela 10 demonstra, ainda, que a trajetória dos trabalhadores entrevistados
tende a ser complicada também pelo fato de que, quando não encontram vagas de trabalho em
ONGs ou centros especializados para deficientes visuais, os trabalhadores com deficiência
visual são obrigados a enveredarem pela aprendizagem de profissões manuais ou de
complexidade leve, ou são subalternizados em empresas que não lhes reconhece, via de regra,
o valor profissional.
A exclusão é uma máquina geradora do empobrecimento e da dependência desses
trabalhadores. Ora são dependentes dos benefícios sociais (LOAS), ora são dependentes de
familiares. Tal condição permite dizer que o trabalhador com deficiência visual, no contexto
atual de Salvador, é um cidadão com elevada probabilidade de pauperização, a depender das
oportunidades de inserção no mundo do trabalho que vem tendo, mesmo que já tenha uma
profissão quando da perda visual.
Assim, a trajetória da pessoa com deficiência visual está comprometida por práticas e
circunstâncias excludentes, que geram uma compreensão de sua deficiência no mundo do
trabalho a partir da ausência da visão, e não a partir de suas potencialidades profissionais.
Está comprometida também pelo pouco investimento em adaptações para receber
trabalhadores com deficiência visual no meio produtivo em Salvador e ainda pelo não
reconhecimento da capacidade dos trabalhadores com deficiência visual de se adaptarem e
realizarem suas tarefas profissionais a contento.
Os depoimentos dos entrevistados revelam que a pressa pelo desempenho em grau
quantitativo e a comparação do rendimento da pessoa com deficiência visual com os
profissionais ditos normais são causas de grandes dificuldades para as pessoas com
deficiência permanecerem atuando no meio produtivo de forma satisfatória.
Associado a esse problema, com exceção da entrevistada que se encontra aposentada e
dos que atuam em centros especializados, os trabalhadores com deficiência visual,
entrevistados neste estudo, não revelaram ter conhecido, ao longo de suas trajetórias
profissionais, programas dentro de suas empresas com a finalidade específica de adaptação do
ambiente ou do processo produtivo a fim de facilitar a inclusão, a atuação e a construção de
uma trajetória profissional exitosa das pessoas com deficiência visual.
100
Fica evidente, na tabela 10, que a maior causa observada de deficiência visual entre os
sujeitos da pesquisa é o glaucoma congênito, que atinge cerca de 65% dos entrevistados.
Considerando que um dos trabalhadores entrevistados teve sua perda de visão causada por má
formação do nervo ótico que progrediu para glaucoma neovascular, pode-se mesmo concluir
que o glaucoma é a causa da deficiência visual de 80% dos entrevistados.
Devido à sua alta incidência como causa de deficiência visual, tanto entre os
entrevistados quanto na maioria dos portadores de deficiência em geral, convém explicar,
brevemente e em linhas gerais, do que se trata e como perceber os sintomas do glaucoma.
O glaucoma é uma doença que tem como característica principal a perda progressiva
do campo visual, associada com atrofia também progressiva do nervo óptico. Esses sinais
podem estar ou não associados com um aumento da pressão intra-ocular. Além disso, o
paciente pode ou não referir dor ocular. Quando não há dor ocular, a maioria dos pacientes só
percebe que há alguma coisa errada com sua visão quando a doença já está avançada.
São várias as causas do glaucoma, mas as mais comuns são aquelas onde existe um
aumento na produção do humor aquoso ou uma dificuldade no seu escoamento. Dependendo
da causa e do estágio em que a doença é detectada, o tratamento pode ser feito com remédios,
laser ou cirurgia.
Apesar da gravidade do glaucoma e de todas as seqüelas que essa e outras moléstias
podem deixar no corpo físico da pessoa com deficiência visual, os depoimentos dos sujeitos
entrevistados exprimem que nada é mais pernicioso para a vida profissional dos trabalhadores
com deficiências visuais do que a verificação de que uma série de outros fatores, de natureza
social, concorre para sua predominante exclusão no mundo do trabalho.
As vozes dos entrevistados, apresentadas a seguir, podem denotar a reflexão realizada
por eles em seus depoimentos, especialmente se considerados à luz do referencial teórico e da
análise sociocultural empregada neste trabalho.
5.2. AS VOZES DOS SUJEITOS EM SEUS DEPOIMENTOS
As declarações já citadas em comentários anteriores referentes a dados e tabelas dão
relevo a um aspecto importante deste trabalho: o de perceber como se apresentam as vozes
dos sujeitos em seus depoimentos ao longo das entrevistas que concederam. Essa percepção
de vozes aparece neste trabalho sempre sob o já mencionado referencial teórico.
101
Cabe, entretanto, explicitar aqui que a noção de voz para Bakhtin vai além de uma
explicação dos sinais auditivo-vocais. Sua explicação da consciência falante é extensa e se
aplica tanto à comunicação oral como à escrita e engloba questões mais amplas da perspectiva
do sujeito que fala, seu horizonte conceitual, sua intenção e sua visão do mundo.
Para Bakhtin, as vozes existem sempre em um ambiente social e não existe uma voz
totalmente isolada de outras vozes. Em sua análise do significado das enunciações, ele o
concebeu como um processo ativo e insistiu que uma enunciação só pode existir se é
produzida por uma voz. Ao mesmo tempo, só existe significação no enunciado quando duas
ou mais vozes se encontram, ou seja, quando a voz de um ouvinte responde à voz de um
falante (BAKHTIN, 2002, p.131-132).
Para cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender,
fazemos corresponder uma série de palavras nossas como resposta. Quanto
maior seja seu número e sua importância, mais profunda e real deverá ser a
nossa compreensão. (...) compreender é opor à palavra do locutor [falante]
uma contrapalavra [entendendo-se ‘contrapalavra’ como uma palavra
alternativa do repertório do ouvinte] ( BAKHTIN, 2002, p. 132)
Cada voz dirige-se a uma outra, e essa direcionalidade ou responsabilidade (ou ainda
respondibilidade)
8
reflete o interesse de Bakhtin pelo construto teórico mais básico de seu
enfoque nos estudos da filosofia da linguagem: a dialogicidade.
A dialogicidade em Bakhtin é um conceito muito geral e seus princípios abarcam
desde a relação entre as vozes do autor e do personagem no discurso novelístico, a natureza da
interação entre o analista e o analisado, em psicanálise, e a história das vozes na fala indireta.
Para Bakhtin, o dialogismo primordial do discurso se dá à medida que os enunciados
concretos de um falante se põem em contato com os enunciados de outro, ou se ‘interanimam
(cf. WERTSCH,1993, p. 74). Uma forma dessa interanimação [ou interação] dialógica é a
comunicação verbal direta face a face, entre as pessoas, mas o diálogo se processa, não apenas
nessas circunstâncias, e sim em toda comunicação verbal falada, escrita ou de qualquer tipo
possível.
8
Na tradução do inglês “answerability”, Tezza (2003) prefere a palavra responsabilidade em vez de
respondibilidade, alegando que seu uso corrente em português conserva etimologicamente a idéia de “resposta”,
num sentido mais amplo e concreto, moralmente enraizado, mantendo-se, portanto, fiel à idéia fundamental do
termo bakhtiniano. Considero que respondibilidade confere à expressão um sentido mais específico, portando
mais adequado, porém não julgo que isso tenha relevância maior que a que expõe essa nota para compreender-se
o pensamento de Bakhtin.
102
Cabe considerar também, agora, que Bakhtin recomenda cuidados no trato com o
discurso de outrem e lembra que
o discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas
é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a
enunciação (...) Ainda mais, a enunciação citada tratada apenas como um
tema do discurso, só pode ser caracterizada superficialmente. Para penetrar
completamente no seu conteúdo, é indispensável integrá-lo na construção do
discurso. Se nos limitarmos ao tratamento do discurso citado em termos
temáticos, poderemos responder às questões “Como” e “De que falava
Fulano?”, mas “ O que dizia ele? ” só pode ser descoberto através da
transmissão de suas palavras, mesmo que só soube a forma de discurso
indireto (BAKHTIN, 2002, p. 144).
É importante atentar para o dado de que o sentido da palavra é totalmente determinado
pelo seu contexto e que há, de fato, tantas significações possíveis quantos contextos possíveis.
(BAKHTIN, 2002, p. 106)
A análise das vozes das pessoas com deficiência visual deve atentar também para o
fato de que toda expressão comporta duas faces: o conteúdo que lhe é interior e sua
objetivação exterior para outrem ou também para si mesmo (op. cit., p. 144), não estando livre
de equívocos em sua compreensão nesse processo de interação verbal.
Tendo esses princípios ao alcance da memória, é que proponho a consideração das
vozes, enunciações e diálogos possíveis com os interlocutores entrevistados neste trabalho.
5.2.1. Vozes que refletem um mundo concreto de primazia da visão
Na fala de Melissa e em outros depoimentos, tamm afloram vozes de um mundo que
não se refere à especificidade de sua realidade visual particular, fazendo brotar um discurso
típico do vidente na enunciação de um chamado que pode ser revelador de que seu
depoimento se dá na certeza de estar em permanente diálogo com um mundo feito para quem
enxerga: Olha só... Na verdade, eu não tive educação ‘para o trabalho’, entendeu?”
(MELISSA, 26 anos, socióloga, instrutora de informática, desempregada)
Olha só...”. Seria uma expressão corriqueira e mereceria pouca atenção se não
estivesse sendo dita por uma pessoa cega total, no contexto de uma entrevista para uma
pesquisa sobre deficiência visual.
103
Essa expressão ganha proeminência em um contexto de deficiência visual, à luz do
referencial teórico já explicitado. Esse referencial, que tem a palavra como o material
privilegiado da comunicação na vida cotidiana e que admite que é nesse domínio que a
conversação e suas formas discursivas se situam de fato (BAKHTIN, 2002, p. 37), tamm
tem a palavra como fenômeno ideológico por excelência, modo mais puro da relação social
(Op. cit. p. 36).
Neste caso, a pessoa com deficiência visual remete o interlocutor a considerar que o
contexto em que se situa ainda é o que concede à visão uma primazia, como estruturante da
compreensão de si mesma e do mundo ao seu redor: um mundo visual.
Isso não significa a negação, pela entrevistada, de sua condição de deficiente visual,
antes, revela o seu esforço e sua capacidade de adaptar a sua fala à realidade visual que lhe é
exterior e que se manifesta na linguagem comum dos videntes.
Masini (1994), ao tratar do modo como se percebe e se relaciona a pessoa com
deficiência visual, também destaca a linguagem como um objeto cultural que tem um papel
importante na relação com o outro, e afirma:
Na experiência do diálogo entre um ser e o outro, é constituído um terreno
comum, um único tecido – ambos colaboradores numa reciprocidade onde as
perspectivas de um deslizam na do outro e coexistem num mesmo mundo.
No diálogo cada um libera os pensamentos do outro, trazendo nova
dimensão a esse pensamento. A objeção clareia e traz ângulos que o próprio
indivíduo não sabia possuir. (...) Comunico-me com o D.V. e leio nele o
significado do gesto, do comportamento, do que diz, mas sua experiência me
é inacessível, porque eu não sou o D.V. O fato, porém, de não ser ele e de
não poder viver como ele, não elimina o estar no mesmo mundo físico e
cultural, percebendo-o de diferentes maneiras.” (MASINI, 1994, p. 88-89).
Na seqüência do pensamento onde pretende expor como se dá o diálogo entre o “eu e
o outro” em meio à deficiência visual, invocando conceitos associados também à
fenomenologia de Merleau-Ponty, Masini lembra que, mesmo no diálogo, há meandros de
incompreensão: o que escapa, o desencontro, reiterando que isso faz parte do viver com o
outro.
A respeito do significado diferente que o olhar adquire num outro que dele está
privado, devo destacar que
no caso do D.V., por exemplo, o significado do olhar para ele se faz pela
ausência, por estar num mundo onde o olhar está presente. A importância da
visão é da experiência do vidente e se faz pelo convívio com ele, onde a
comunicação é predominantemente fundada no visual. Nesta situação, a
104
identidade do D.V. é a ausência da visão, ao invés de ser a presença dos
sentidos de que dispõe. Assim, o não vidente (ou portador de deficiência
visual) pode transformar-se em objeto, pois a presença do outro é tão
marcante que o rouba da sua própria. Se a comunicação se estabelece a partir
do visual, não se poderá saber do D.V. daquilo que lhe é próprio. O que se
terá acesso é a seu comportamento e ao que ele diz do mundo, adquirido do
vidente. (MASINI, 1994, p. 89)
Está claro, pois, que o sujeito deficiente visual revela ter internalizado o modo de
pensar do vidente com que se relaciona, interage e de quem toma emprestadas as falas em
movimento contínuo de ressignificação, resultando na evidência da palavra como o signo
ideológico por excelência que media todas as situações, transitando no universo da linguagem
e da formação do pensamento.
5.2.2. Vozes que se reconhecem como gritos contra a exclusão
Os depoimentos revelaram que, embora todas as pessoas entrevistadas apresentem
qualificação para o trabalho e desenvolvam algum tipo de atividade laborativa, mesmo
quando desempregadas, algumas se consideram excluídas do mundo do trabalho.
Audair, por exemplo, faz ressalvas que denunciam circunstâncias e ações
discriminatórias mesmo quando se diz ou admite estar havendo a inclusão do deficiente visual
nas empresas:
Todas as pessoas que tem a minha qualificação não estão onde eu estou, é
isso que eu estou querendo salientar. É que se não houvesse a deficiência,
certamente eu não estaria exercendo a função que eu exerço hoje que é a de
operadora de atendimento. Eu estaria exercendo... talvez tivesse no meu
departamento jurídico, não é? Ou tem outra função que fosse compatível
com a formação que eu tenho. (AUDAIR, professora, advogada, trabalhando
como operadora de PABX).
Não fosse o preconceito e a negligência quanto à formação de Audair e ela,
provavelmente, jamais estaria ocupando a função que exerce na empresa onde está
empregada, visto que possui qualificação que transcende à que se exige para ser uma
operadora de PABX.(telefonista).
105
A mesma entrevistada também alega ter sido vítima do preconceito que gera a
exclusão de trabalhadores com deficiência visual em Salvador ao considerar o modo como
chegou ao cargo de professora numa instituição especializada para deficientes visuais:
E quanto ao Estado, eu também lamento. Porque eles só vêem a gente
trabalhando numa escola especial; eles não vêem a gente trabalhando numa
escola comum; trabalhando com pessoas videntes, entendeu. Eu quando
passei no concurso... há três anos... e só depois de três anos foi que eu
consegui trabalhar numa escola. E no CAP, que é uma escola especial.
Simplesmente porque eles alegaram que não podia trabalhar numa escola
comum. E como eu já trabalhava durante o dia, só tinha o Instituto de Cegos
da Bahia que só funciona em horário comercial... só me restava o CAP... e
no CAP não tinha vaga. Só depois de muita insistência, só depois de muito
trabalho foi que eu vim trabalhar depois disso... Embora eu tenha passado
em 13° lugar, portanto, uma ótima colocação, fiquei esperando quase três
anos... Enquanto pessoas com classificação muito distante vieram a trabalhar
antes de mim. (AUDAIR, 48 anos, professora, advogada, operadora de
PABX)
A análise do conteúdo dos depoimentos revelou que as pessoas entrevistadas viram,
neste trabalho, uma oportunidade de bradar contra a exclusão que lhes agride na sociedade em
que estão vivendo.
Indagada sobre a importância de trabalhos de pesquisa como este para a construção de
um conhecimento sobre a realidade da pessoa com deficiência visual, sua trajetória e inclusão
no mundo do trabalho, bem como a valorização do seu próprio discurso sobre o tema, uma
das entrevistadas declarou:
Eu acho uma iniciativa muito boa, porque não deixa de ser uma... um grito,
não é? Um grito... um apelo para que haja sensibilidade dos Órgãos... eu
acho que é muito válido por isso. De qualquer forma, esse trabalho seu,
muitas pessoas vão ter acesso, entendeu. Então já é uma maneira de chamar
a atenção pra isso. De se alertar para as dificuldades, e essa pesquisa é feita
justamente com as pessoas que estão precisando... Você está fazendo um
levantamento das dificuldades, entendeu, dos empecilhos que ocorrem para
que o deficiente ingresse no mundo do trabalho. (AUDAIR, 48 anos,
professora, advogada, operadora de PABX)
Quando consideram o modo como a questão da deficiência vem sendo discutida por
pesquisadores, técnicos e governantes, uma entrevistada salienta:
Eu acho ainda muito paternalista, por que as pessoas ainda estão olhando a
deficiência como se fosse assim. Coitadinho... com todo o esforço para não
ver como coitadinho, eles ainda vêem como coitadinho. Mesmo
inconscientemente. E a gente não é coitado de nada... entendeu? Eu acho que
tem um resultado. Eu acho que só o fato de você estar inquietando a
academia, de você estar levando essa discussão pra academia, é muito
106
construtivo. Isso é muito positivo. (ADRIANA, 29 anos, secretária/ graduada
em Letras, desempregada)
Os sujeitos entrevistados reconhecem a importância da legislação para a inclusão do
trabalhador com deficiência no mercado de trabalho, através do sistema preconizado na lei de
cotas, mas questionam a sua prática. Sobre a importância da lei de cotas e a mediação para a
colocação nos postos de trabalho, alguns declaram:
“Isso aí, eu acho que só tem pela lei, não é? Porque isso não existe...” (GESSI, 31
anos, professora/massoterapeuta, desempregada).
“Isso aí só está no papel...porque não é cumprida. Essa legislação é só mesmo na
teoria”(JÁDSON, 33 anos, comerciante, massoterapeuta, desempregado).
GESSI acrescenta uma experiência pessoal como trabalhadora, que revela não só o
descumprimento da legislação, quanto o preconceito intervindo para a exclusão do deficiente
visual no mercado de trabalho em Salvador:
Eu estava trabalhando no Abrigo... Não fizeram as adaptações necessárias...
Ai com quinze dias eles me disseram que eu não poderia ficar lá mais...E o
mais curioso é que eu estava cumprindo a Lei de cotas naquela empresa que
varia de 2% a 5% conforme a quantidade de empregados da empresa.
(GESSI, 31 anos, professora)
As observações destes entrevistados exprimem o que também está na mídia, à época
do fechamento desta pesquisa. O site http.www.saci.org.br publicou notícia com comentário
de Taís Bahov (8/09/2004), no qual destaca a distância entre a legislação e sua prática.
A autora menciona que, em relatório divulgado recentemente pela Organização das
Nações Unidas (ONU), o Brasil é apresentado como país com legislação mais avançada da
América para pessoas com deficiências, seguido pelos Estados Unidos e pelo Canadá.
Entretanto, estudiosos do meio alertam para o fato de haver uma grande distância entre a
legislação e o dia-a-dia dos deficientes.
"O Brasil estar em primeiro lugar não significa, necessariamente, que a qualidade de
vida de um deficiente aqui seja melhor do que nos Estados Unidos, por exemplo", pondera
Ana Maria Barbosa, funcionária da Rede Saci.
Seguindo essa mesma tendência, comenta Audair, se reportando à necessidade de
emancipação da pessoa com deficiência para bradar ou simplesmente agir contra a exclusão:
107
Sim. Não adianta você criar leis e não preparar a clientela pra que ela possa
ser beneficiada com essas leis. E não adianta também você criar leis e não
cumpri-las. Se o Estado faz essas leis, ele tem que oferecer as condições para
que as pessoas que são beneficiadas... que deveriam ser beneficiadas com
essas leis possam ser beneficiadas de uma maneira perfeita, qualitativa
mesmo. Porque não adianta você ter leis e chegar lá fora as pessoas não
desempenharem bem as suas funções, porque não têm qualificação. Acho
que tem que haver a criação das leis, a qualificação, a boa vontade... e o
cumprimento dessas leis.” (AUDAIR, 48 anos, professora, advogada,
operadora de PABX)
O referido documento apresentado na ONU foi baseado unicamente na legislação e
não analisou as condições de acessibilidade para um deficiente em edifícios e meios de
transporte no Brasil..
Para Maria Elisabete Lopes, arquiteta do programa USP Legal, emo Paulo, outro
grande problema brasileiro é o fato das leis não seguirem critérios técnicos adequados.
Segundo ela, a adaptação dos prédios na universidade acontece, em alguns casos, para atender
a uma necessidade específica, geralmente um usuário do prédio que precisa de acessos
especiais e então é feita a adaptação. O problema, nestes casos, é que a reforma acaba saindo
mais cara do que se as adaptações fossem feitas já na construção do edifício e nem sempre as
mudanças servem para todos os tipos de deficiência.
Neste ponto, considero importante salientar que fazer Mestrado em Educação
Inclusiva no prédio da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, sem
nenhum demérito quanto à excelência do curso, chega a soar irônico, pois o edifício não
possui qualquer adaptação para pessoas com deficiências, inclusive visual, o que chega às
raias do absurdo.
O artigo citado ainda expõe uma outra face do problema, que é a tentativa de resolver
o problema do não cumprimento legal através de medidas pontuais:
"Já vi casos em que uma escola construiu uma rampa especialmente para um
aluno deficiente. Depois de um tempo uma outra aluna sofreu um acidente e
ficou paraplégica, mas ela não conseguia usar a rampa construída na escola,
que era muito íngreme e exigia maior força nos braços do que ela era capaz
de suportar" (LOPES, 2004, apud BAHOV, 2004, www.saci.org.br)
Segundo Lopes (2004), o custo de adaptação de um edifício em fase de construção é
de 1% de acréscimo no valor da obra. Com o prédio já pronto, a despesa com reforma sairia
em torno de 3% do valor da obra pronta (BAHOV, Op. cit.).
108
O texto ainda apresenta uma importante indagação: Mas se a lei existe, por que ela
não é cumprida?
Para Cláudia Regina Pires, do programa USP Legal, falta fiscalização por parte do
governo. Já Maria Elisabete Lopes, a arquiteta, defende que é preciso mudar a cultura da
sociedade, que acredita que "deficiente tem de ficar em casa". Segundo ela, algumas leis são
apenas normativas, indicam o que deve ser feito, mas não propõem punição para o caso de
não serem cumpridas. "Quando se estabeleceu multa para estabelecimentos comerciais que
não oferecessem vagas especiais para deficientes, todas as grandes redes trataram de fazer a
adaptação rapidamente", afirma a arquiteta.
O artigo de Bahov lembra que, mesmo nos casos em que a lei não prevê punição, é
possível entrar com ação no Ministério Público, denunciando irregularidades nas instalações e
obrigando os edifícios a se adaptarem para deficientes.
Este tipo de ação funciona muito bem na relação dos deficientes com universidades,
por exemplo, mas não é muito efetivo quando se trata de obrigar as empresas empregadoras a
mudarem suas instalações. "Já houve o caso de uma pessoa que passou em concurso público,
mas, antes dela, foram chamados candidatos com notas menores do que as dela para
preencher as vagas. Esta pessoa poderia fazer uma denúncia no Ministério Público, mas ela
preferiu o silêncio a enfrentar uma ação judicial contra a empresa que a empregava", conta
Ana Maria.
Outro fator que encarece e dificulta a adaptação dos edifícios e transportes é
exatamente a diversidade de deficiências e de detalhes para oferecer a acessibilidade correta.
Ana Maria e Elisabete concordam que, quando se fala em deficientes, é preciso pensar em
pessoas com deficiência visual, auditiva, de locomoção e até algum tipo de distúrbio cerebral.
Cada um destes casos tem necessidades específicas e é difícil pensar na adaptação de forma
geral e indistinta. Segundo a arquiteta, existem muitos detalhes técnicos específicos para cada
caso, desconhecidos pela maioria da população, o que acaba dificultando a adaptação das
instalações. (BAHOV, 2004, www.saci.org.br)
A maioria dos que discutem o problema da inclusão relacionado à prática da lei,
aponta o preconceito e o desconhecimento como as principais causas do problema e refletem,
em declarações, que a maioria das pessoas associam à pessoa que possui uma deficiência um
conjunto de deficiências .
109
Para muitos, não se trata de preconceito, e sim de desconhecimento, pois acreditam
que as pessoas não sabem como tratar um deficiente. Adriana parece corroborar com esse
pensamento ao avaliar a sua própria experiência como trabalhadora:
Eu sinto muita surpresa. Não é discriminação; é surpresa. Porque eu lido
muito com as pessoas pelo telefone, não é?... Telefone, e-mail, essas coisas,
não é... Então quando essas pessoas chegam lá... é... por exemplo: quando as
pessoas ligam querendo saber onde é a ...[ONG], então eu pergunto assim:
sabe onde é o quartel ... quando você estiver de frente para o quartel a
[ONG] vai estar do seu lado... Aí a pessoa chega lá. Quando chega lá e
pergunta “mas quem é Adriana?” – Eu digo: sou eu... Ah! Foi você que falou
comigo?! As pessoas ficam surpresas... Mas discriminação, não. Não sei se
é por que também eu trabalho num ramo que já é com deficiente também e
com... e sobretudo com pessoas que já estão, não é?... excluídas... Então...
não sei se é por isso... mas eu nunca me senti discriminada, não.
(ADRIANA, 29 anos, secretária/professora, desempregada).
O comentário final de Adriana revela que a entrevistada, no fundo, reconhece que a
ausência de discriminação em sua experiência de trabalho parece ter relação direta com o fato
de que as pessoas com as quais lidas já se sentem ou são excluídas: “Não sei se é por que
também eu trabalho num ramo que já é com deficiente também e com... e sobretudo com
pessoas que já estão, não é... excluídas...? Então... não sei se é.”
5.2.3. Vozes que se alimentam das expectativas de inclusão
Nos depoimentos dos trabalhadores entrevistados, posso notar a expectativa que
alimentam de verem solucionados os problemas que os obrigam às condições desfavoráveis a
que estão submetidos no mundo do trabalho:
Eu acho que é necessária uma reforma, uma reforma interior, onde o ser
humano olhe para um irmão ao lado como um igual, com as mesmas
oportunidades... E aqueles que mais têm ofereçam condições àqueles menos
favorecidos para que estes também tenham condições de chegar, de vencer,
de se estabelecer, ser um cidadão, uma pessoa... Eu não concordo com o
sistema de cotas... parece uma coisa totalmente egoísta e justamente o meu
pensamento é de união, na qual realmente melhore o ensino público, melhore
as condições de trabalho, melhore a participação das pessoas na sociedade,
para que haja uma melhor divisão de renda e com isso há crescimento, não
só do ser humano, o crescimento do país da sociedade, uma evolução”.
(JOSÉ, comerciante e massoterapeuta)
Apesar das dificuldades experimentadas em suas trajetórias profissionais, os
depoimentos dos trabalhadores com deficiência visual parecem indicar claramente uma
expectativa comum de inclusão:
110
Acho que deficiente visual não vai ser uma pessoa que vai sempre querer ser
o coitadinho. Eu acho que deficiente visual deve ser tratado como cidadão
comum. Tem que ser respeitado pele sociedade e tem que ser dadas a ele as
oportunidades.
Todo cidadão deseja ter um dia sua casa, sua família, sua vida normal, eu
acho que essa expectativa gira em torno de todo cidadão e não só do
deficiente visual. (JOÃO, 43 anos, professor)
As expectativas de inclusão, porém, não ignoram as dificuldades que ainda terão que
ser superadas para que se dê a desejada inclusão destes trabalhadores no mundo do trabalho.
Melissa, por exemplo, ao responder sobre as maiores dificuldades que o deficiente
visual enfrenta no mundo do trabalho, salienta que, no contexto da sociedade que ainda resiste
à inclusão, há problemas de qualificação e de desemprego. Se, por um lado, estes problemas
não podem ser ignorados, por outro lado, não devem ocultar expectativas positivas em favor
da inclusão:
É... olha só... varias dessas... a qualificação inadequada é um problema
seríssimo. Não adianta a gente ficar dizendo: porque a empresa não coloca
se a empresa não tem um profissional qualificado. Isso é um problema muito
sério. Eu acho que o preconceito com relação à capacidade profissional é
assim: é como se toda hora você precisasse mostrar que você pode. Isso é
também muito sério. O tempo inteiro você tem que mostrar que pode, que dá
pra fazer... e a necessidade de adaptações. Eu colocaria o excesso de
cuidados e depois a falta de emprego. O aumento de desemprego é um
problema geral. Ter deficiência agrava um pouco, mas eu acho que essas
outras são mais importantes. (MELISSA, socióloga, instrutora de
informática, desempregada).
Esse pensamento de Melissa está afinado com as crescentes exigências do mundo do
trabalho apontada por diversos autores quando analisam a necessidade de qualificação e re-
qualificação dos trabalhadores para ocuparem os escassos postos de trabalho ainda existentes.
Há uma demanda por trabalhadores polivalentes e altamente qualificados que advém da
reestruturação do mundo produtivo em razão dos avanços tecnológicos e das mudanças
paradigmáticas e tem a seu favor, inclusive, como instrumento de barganha e imposição de
condições, um enorme contingente de reserva de trabalhadores afetados pelo desemprego e
que disputam acirradamente cada vaga, impelidos a aceitarem a flexibilização de seus direitos
trabalhistas, antes tão garantidos.
111
Atualmente, com o aumento dos índices de desemprego, fica cada vez mais difícil
encontrar e manter o emprego, portanto, também pode ocorrer um maior índice de
insatisfação profissional, o que se reflete no pessoal.
O mundo capitalista está cada vez mais competitivo, exigindo cada vez maior
conhecimento e qualificação profissional, maior flexibilidade do funcionário em trabalhar em
equipe e em acumular várias funções distintas, enfim, exige-se muito mais do perfil e da
produtividade do trabalhador, pois este precisa se adaptar às regras econômicas.
ROSS (1998) menciona que a exigência de qualidade e produtividade se acentuou a
ponto de tornar os sujeitos escravos da competição. Neste aspecto, a pessoa com deficiência
visual entra na luta do mercado de trabalho em desvantagem, assim como qualquer outro que
possua maiores limitações.
FERRETTI (1997) lembra que, sendo o objetivo principal do capitalista produzir
bens para gerar mais riquezas, mais dinheiro, pois o que confere interesse econômico aos
objetos e produtos é seu valor de troca e não o de uso, isso ocorre com a exploração desta
vertente na criação contínua de necessidades através da propaganda, a fim de fazer com que
haja crescimento e valorização do capital, preferencialmente de forma rápida.
PIMENTA (1981) afirma que esta é a realidade brasileira, onde o modo de produção
capitalista condiciona as pessoas em relação às atividades produtivas, de acordo com a classe
social à qual pertencem e que os fatores socioeconômicos são os mais decisivos para a escolha
profissional.
A situação ainda se agrava com os elevados encargos sociais que dificultam ainda
mais a admissão, e aquele que possui qualquer deficiência física ou mental é classificado
como incapaz e inválido.
Conseguir um emprego neste contexto se torna uma tarefa quase impossível, mesmo
com o Decreto n.º 3.298, de 1999, regulamentando a lei que obriga as empresas brasileiras,
com mais de cem funcionários, a possuírem entre 2% a 5% de deficientes em seus quadros.
Isto não tem melhorado a situação destes sujeitos, sendo que a desinformação por parte dos
empresários é uma das “barreiras”, segundo entrevista concedida pelo Instituto Ethos, cujo
objetivo não é a filantropia, mas sim a responsabilidade social.
Ser trabalhador com uma deficiência visual, para muitos, representa ser portador de
obstáculos a mais a serem transpostos. Neste sentido, para não ser excluído, afirma ROSS
(1998), o trabalhador com deficiência visual precisa esforçar-se mais para mostrar sua
112
capacidade e potencialidade. A deficiência visual aparece neste contexto social como um
impedimento geral do sujeito desenvolver suas outras capacidades, de gestão, de tomada de
decisão e criatividade, mas isso não afeta a sua produção intelectual.
Não é de assistencialismo e protecionismo que o trabalhador com deficiência visual
necessita, pois, frente à competitividade no mercado de trabalho atual, ele pode ficar em
situação desfavorável se não forem desenvolvidos instrumentos mais efetivos que dêem
acesso ao progresso tecnológico.
Por outro lado, as falas dos entrevistados revelam a internalização de um discurso já
engendrado no meio social e que se enquadra na já mencionada explicação sustentada tanto
por Bakhtin quanto por Vygotsky quando se referem à relação entre linguagem e pensamento.
De acordo com Lukianchuki (2004), para ambos – Bakhtin e Vygotsky – a
consciência individual é um fato social e ideológico. A realidade da consciência é a
linguagem e são os fatores sociais que determinam o conteúdo da consciência – do conjunto
dos discursos que atravessa o indivíduo ao longo de sua vida, é que se forma a consciência.
O mundo que se revela ao ser humano se dá pelos discursos que ele assimila,
formando seu repertório de vida. Pelo fato de a consciência ser determinada socialmente, não
se pode inferir que o ser humano seja meramente reprodutivo, o que se ressalta é, portanto, a
criatividade do sujeito humano: é influenciado pelo meio, mas se volta sobre ele para
transformá-lo.
Sob a forma de signos é que a atividade mental é expressa exterior e internamente para
o próprio indivíduo. Sem os signos, a atividade interior não existe. A palavra não é só meio de
comunicação, mas também conteúdo da própria atividade psíquica.
A idéia de que a consciência humana é determinada historicamente é o núcleo das
pesquisas de Vygotsky. Seu interesse consistia em estudar a linguagem como constituidora
do sujeito com o enfoque na relação pensamento e linguagem, chave para a compreensão da
natureza da consciência humana.
Partindo do pressuposto de que pensamento e linguagem têm raízes diferentes,
constatou que o pensamento e a palavra, apesar de não serem ligados por um elo primário,
não podem ser considerados como dois processos independentes.
Para compreender o pensamento verbal, Vygotsky identifica que essa unidade é o
significado das palavras, que é o seu aspecto intrínseco. Para ele, apesar de a natureza do
113
significado não ser clara ainda, sua certeza é a de que, no significado da palavra, o
pensamento e a fala se unem em pensamento verbal.
No significado, também, estão as respostas às questões sobre a relação entre
pensamento e fala. Embora o significado de uma palavra represente "um amálgama tão
estreito do pensamento e da linguagem", suas pesquisas revelaram que o significado, critério
da palavra e componente indispensável, é um fenômeno do pensamento e não da fala, uma
vez que são generalizações ou conceitos, ou seja, atos do pensamento.
Por isso, a fala dos sujeitos entrevistados significa mais do que a sua linguagem neste
trabalho, significa, antes, o que pensa a pessoa com deficiência visual, explicitado num
discurso socialmente construído e que se acha em amálgama estreito com a linguagem que
constrói e que também manifesta um modo de pensar. Entretanto, convém lembrar que
o significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida
em que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da
fala na medida em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele.
É um fenômeno do pensamento verbal, ou da fala significativa — uma união
da palavra e do pensamento (VYGOTSKY, 1989, p.4).
Se o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala, então é nele que está
a unidade do pensamento verbal.
A partir das investigações de Vygotsky, chegou-se a um outro resultado igualmente
importante: o significado das palavras evolui.
E, nos estudos sobre a deficiência, se observa claramente uma tentativa de fazer
evoluir os termos para que deixem de significar algum sentido anterior que revelava ou
suscitava idéias que sustentassem a exclusão, a discriminação ou afins.
As pessoas com deficiências visuais, como todas as demais, estão sujeitas a este
processo e, ao discutirem as questões que lhe são afeitas, revelam a internalização de outras
vozes, por exemplo: a) ao se referirem à sua condição de deficiente visual na terceira pessoa;
b) ao invocar o olhar como forma de compreender; ou ainda c) ao aderir às nomenclaturas
formuladas por terceiros para designá-los (como PPD, DV e outros).
A própria salada terminológica criada para se referir a estes sujeitos dá mostra de que
as palavras são formações dinâmicas e não, estáticas: sua modificação percebe-se não apenas
com o desenvolvimento da criança, como sustentava Vygotsky, mas também com as várias
114
formas pelas quais o pensamento funciona e até seus contextos históricos e sociais. As
palavras e vozes estão, assim, em constante movimento dialógico.
Retomando a questão do dialogismo, em Bakhtin e, ainda com relação à palavra
diálogo, além do seu sentido estrito — o ato de fala entre duas ou mais pessoas —, pode-se
tomá-la também em seu sentido amplo, a saber: qualquer tipo de comunicação verbal, oral ou
escrita, exterior ou interior, manifestada ou não.
O depoimento - ou o texto escrito - por exemplo, é ato de fala impresso.
O discurso escrito é, de certa maneira, parte integrante de uma discussão
ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma,
antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio etc. (BAKHTIN,
1978, p.123).
A idéia aqui é não conferir à fala dos entrevistados um aspecto robotizado ou de
negação da capacidade reflexiva dos mesmos com autonomia de outras vozes, mas a
lembrança de que todas as vozes interagem nos discursos em diálogo. Tudo está em constante
comunicação. À idéia de diálogo agrega-se um outro elemento que não se refere apenas à fala
em voz alta de duas pessoas, mas a um discurso interior, do qual emanam as várias e
inesgotáveis enunciações, que são determinadas pela situação de sua enunciação e pelo seu
auditório.
A situação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se em uma
expressão exterior definida, que se insere diretamente no contexto não
verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela ação, pelo gesto ou pela
resposta verbal dos outros participantes na situação de enunciação
(BAKHTIN, 1978, p.125).
A toda essa questão está relacionada a formação de repertórios, que, no dizer de
Bakhtin, são formas de vida em comum relativamente regularizadas, reforçadas pelo uso e
pela circunstância.
Dessa maneira, as formas estereotipadas no discurso da vida cotidiana respondem por
um discurso social que as consolida, ou seja, possuem um auditório organizado que mantém a
sua permanência, refletindo, assim, ideologicamente, a composição social do grupo, evidência
da afirmação de Bakhtin ao dizer que "a palavra é o fenômeno ideológico por excelência" ou
"todo signo é ideológico".
Por essa razão, é que, mesmo em uma aparentemente simples anedota que se conta
sobre o negro, o judeu, o nordestino, a mulher etc., os preconceitos que se afloram nada mais
115
são do que exercício constante dos elementos culturais desse grupo social. (LUKIANCHUKI,
2004, p. 2).
O sujeito que acolhe as vozes em diálogo – o enunciatário – no entanto, pode oferecer
obstáculos à realização ou manutenção de preconceitos, exclusões e coisas do mesmo gênero,
provocando rupturas que vão infiltrando sensíveis mudanças iniciais, mas que podem ganhar
corpo. Daí o entendimento de que todos são sujeitos da enunciação – enunciador e
enunciatário – porque o caráter interativo nada mais é do que a possibilidade de
transformação, seja pelo enunciador, seja pelo enunciatário, passando a refletir e refratar a
realidade dada.
O que ganha relevo aqui é a idéia da palavra em movimento, o poder da palavra na
construção e na manifestação do pensamento. Através dela, os sujeitos são postos em ação
para reproduzir ou mudar o social. E isso está ao alcance de todos, inclusive da pessoa com
deficiência visual ao pensar e discutir a sua inclusão no mundo do trabalho em Salvador.
5.2.4. Vozes que se recusam ao lugar da acomodação
O presente trabalho, comprometido com o exercício da cidadania emancipada da
pessoa com deficiência visual, tem, como idéia subjacente a todas as etapas de sua realização,
a premissa de que o cidadão não pode abrir mão de ter suas conquistas asseguradas, muito
mais por sua emancipação do que pela tutela ou regulação do Estado como vem ocorrendo na
sociedade capitalista em detrimento da solidariedade e da idéia de vida em comunidade
(SANTOS, 1999).
Ao comentar sobre uma discussão em torno da emancipação do cidadão para instituir
seus direitos em vez de esperar que o Estado se manifeste no atendimento das necessidades
da cidadania, em particular dos cidadãos com uma deficiência, uma das entrevistadas do
presente trabalho observou:
E isso não é uma mão única. Tem que ter a parte do governo, mas também o
investimento do deficiente. O conceito de tutelados e mentecaptos precisa
acabar. Precisa acabar o preconceito social; criar paradigmas para além dos
instituídos, ouvindo e percebendo desenvolver as habilidades de cada pessoa.
(MARILZA, 59 anos, aposentada)
116
Por sua vez, Adriana revelou inquietação pelo fato de que a discussão acadêmica sobre
a inclusão de deficientes, no mundo do trabalho ou na vida social em geral, muitas vezes se dê
sem escutar as vozes dos próprios deficientes, que são os principais implicados:
Agora, eu acho também que é uma questão, até que eu coloque: Quando
fizerem debates que chamem o próprio deficiente pra falar por si. Eu acho
que a gente ainda está muito acostumado a ver o pesquisador e o
coordenador discutindo. É...os técnicos discutindo... Tem que chamar o
deficiente que dirige, o deficiente que é dirigido pra também estar ali dentro
daquela discussão... e levar pra academia. Por que a gente sente muito a
ausência do cego, sobretudo na academia. Seja pra discutir, seja pra
reclamar, seja pra falar. Pra ir na universidade já é difícil, entendeu? E isso
se tem que incluir... (ADRIANA, 29 anos, secretária/professora,
desempregada, 29 anos)
Devo salientar o risco de se continuar excluindo esses sujeitos, mesmo
inconscientemente, da reflexão acadêmica sobre o problema da inclusão. Isso para que nessa
geração não se repitam os brutais comportamentos discriminatórios de outros tempos. Ou
tanto pior, apenas civilizemos os preconceitos, enquanto se pensa que se estão extinguindo os
equívocos.
Na Idade Média, os portadores de necessidades especiais, em particular as pessoas
com deficiência visual, eram vistos como seres demoníacos. Não havia um reconhecimento
destes sujeitos que, segundo os religiosos, eram rejeitados por “Deus” e pelos homens
“normais”, retirados do contexto público para serem esquecidas suas “deficiências” (ROSS,
1998).
Na sociedade atual, mesmo as pessoas que realizam uma atividade aparentemente
isolada, dependem de outras e o único trabalho isolado é o do náufrago solitário em uma ilha
deserta (FERRETTI, 1997). É, portanto, de grande importância que se ouçam as vozes que se
recusam ao silêncio neste debate, posto que não aceitam o lugar da omissão nem da
acomodação em questão, que lhe é tão pertinente.
Um outro dado importante revelado nas entrevistas é que, nem mesmo os
desempregados, vêem com bons olhos os benefícios da Lei Federal n.º. 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS, que dispõe sobre a
organização da Assistência Social e dá outras providências. Essa lei garante no seu artigo
segundo, item V, que faz parte dos objetivos da assistência social “a garantia de 1(um) salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la promovida por sua família ”.
117
Uma das críticas se refere à acomodação que esse benefício tende a produzir na pessoa
com deficiência:
Eu acho que é de péssima influência. Eu acho. Eu tenho uma posição meio
radical em relação a isso: Eu digo... porque eu acho que tem gente que sabe a
esse respeito mais do que eu. Pelo pouco que eu sei e já estudei, e por
conhecer outras pessoas, acho que as pessoas se acomodam muito recebendo
esse beneficio. E aí eu ouço gente até falar: “Ah, e eu vou trocar o certo pelo
duvidoso? Você é besta?... Eu começo a trabalhar hoje, aí eu tenho que
suspender o benefício e depois sou demitida!” E essas pessoas que se
acomodam, entendeu, não batalham, não se qualificam, não procuram um
emprego... Eu acho que é isso de péssima influência. (MELISSA, 26 anos,
socióloga, instrutora de informática, desempregada)
E um outro entrevistado complementa o que avalia como resultado do benefício da
LOAS para o deficiente visual: “Gera acomodação na maioria...” (João, 43 anos, professor).
Outra crítica ao benefício da LOAS revela uma insatisfação mais ampla com as
políticas públicas que situam o deficiente visual no rol de pessoas acomodadas que precisam
de benefícios ou favores para a sua sobrevivência.
Sou contra essas bolsas que existem. Eu considero isso como esmola...
pessoas jovens que estão aí recebendo esse benefício... Senão eu ia.... tudo
bem que eu entendo que existe essa questão da necessidade... eu tenho que
comprar minhas coisas, eu tenho que comprar minhas bengalas, eu tenho que
comprar meu reglete, eu tenho que comprar meu papel, eu tenho que dar
comida à minha mãe, eu tenho que ajudar meu irmão a comprar... mas tem
também uma questão que é mais importante que essa. Tem a questão de que
eu não quero esmola, eu quero trabalho, entendeu? Eu não quero que o
governo Lula facilite que eu tenha bolsa-alimentação, bolsa-diabo, bolsa-
calcinha... Não! Eu quero é que o governo Lula me dê oportunidade de eu
entrar na universidade, estudar... E aí ele tem que me dar aparato pra eu ter
escolha na minha universidade, pra ter meu computador à disposição, minha e
de meus colegas, entendeu? Pra que eu possa entrar na Internet, passar meus
textos, digitar meus textos, fazer minhas provas; passar para o professor
minhas provas, discutir com os meus colegas, de igual pra igual, ter tempo pra
ler meus textos, entendeu? Eu quero isso! Eu não quero ficar... sinceramente...
eu... eu fiz o meu curso na boa vontade de meus colegas e de meus
professores, por que eu não tinha computador na minha casa. E aí... [palavrão]
...? E aí.. minhas colegas ditavam os textos pra mim. Eu ficava até 2, 3 horas
da manhã copiando textos pra no outro dia entregar os meus trabalhos. Não
pode isso, ...!? (ADRIANA, 29 anos, secretária/professora, desempregada)
Nenhum dos entrevistados teve acesso ao depoimento de outrem ao longo da pesquisa,
mas a marca dominante em todas as declarações e em todas as vozes é que eles se recusam ao
lugar da acomodação, diante de suas potencialidades para o provimento de sua própria
existência, através do trabalho, desde que lhes sejam oferecidas as condições pleiteadas em
118
inúmeros movimentos em direção a uma sociedade inclusiva. Veja a semelhança da
declaração de Audair com a que antecedeu a este parágrafo:
Olha, eu sou contra isso aí, essas bolsas que existem. Eu considero isso como
esmola, isso aí é esmola... Eu acho que o que o governo tem que oferecer é
educação de qualidade e oportunidade de trabalho, não ficar oferecendo
bolsinha, dinheirinho aqui e acolá para as pessoas... [fala com trejeitos
irônicos]. Se o deficiente for realmente incapaz, tudo bem... Deve ser aceito.
Mas como a gente vê aí, pessoas jovens que poderiam trabalhar... que
poderiam estudar estão aí recebendo benefícios e se acomodam com esses
benefícios. Não crescem, não procuram estudar, não procuram adquirir uma
profissão, porque se contentam com o salário que o governo oferece. Sou
contra isso. Eu acho que os benefícios devem ser oferecidos pra quem
realmente precisa. Quem não tem condição nenhuma de trabalhar, mas uma
deficiência como, no caso, a deficiência visual, não é motivo para as pessoas
não trabalharem, não... não é motivo para as pessoas não estudarem, não.
(AUDAIR, 48 anos, professora, advogada, operadora de PABX)
Mas, surpreendente, é notar que já no início do século vinte, Henry Ford, o grande
ícone capitalista que revolucionou o mundo do trabalho, dando-lhe grande parte das
referências paradigmáticas de produtividade e aproveitamento alienado da mão-de-obra do
trabalhador na linha de produção industrial, já observava:
Nas seções das indústrias há postos para todos, e se a indústria estiver
devidamente organizada, haverá nela mais lugares para cegos, do que cegos
para lugares. O mesmo se pode dizer em relação aos outros deficientes
físicos (...) se o trabalho fosse convenientemente dividido, não faltaria lugar
onde homens fisicamente incapacitados pudessem desempenhar
perfeitamente um serviço e receber, por conseguinte, um salário completo.
Economicamente, fazer dos fisicamente incapacitados um peso para a
humanidade é o maior despautério, como também ensiná-los a fazer cestos
ou qualquer outro mister pouco rendoso, com o fim de preveni-los contra o
desânimo (texto de Henry Ford, de 1925, transcrito por Tereza Costa
d’Amaral em publicação no jornal o Globo, 03/09/99 apud MENDONÇA,
2003, p. 1).
O trabalhador com deficiência visual não quer acomodar-se recebendo pequenos benefícios
governamentais, antes ele quer o reconhecimento de suas potencialidades e que lhe sejam
oferecidas as mesmas oportunidades, consideradas as especificidades da sua condição, para
que trabalhe, seja produtivo e se mantenha com dignidade. Os próprios deficientes visuais
entrevistados abominam a idéia de ficarem na dependência de qualquer que seja a tutela do
Estado: “Realmente, precisamos acabar com os tutelados e mentecaptos. O tutelamento é o
descrédito na capacidade das pessoas”(MARILZA, 58 anos, aposentada).
Jádson também reflete a sua inconformidade com medidas paliativas:
119
Na verdade é muito fácil para o sistema, criar um benefício e dar ao
portador de deficiência, e ficar isento do papel dele de querer
capacitar, de querer abrir o campo de mercado de trabalho. Mas não...
É muito mais fácil... ‘Eu dei um benefício a ele, agora ele vai ficar no
cantinho dele, quieto’. Isso não quer dizer que esse benefício impede o
portador de deficiência de arrumar um emprego, porque a partir do
momento que você arruma um emprego, você vai dar baixa nesse
benefício... Você é obrigado a receber esse benefício, senão você vai
morrer de fome... Agora, é claro que toda regra tem exceção. (Jádson,
33 anos, massoterapeuta, desempregado).
Observa-se claramente na fala de Jádson as vozes de outros sujeitos falantes a quem ele
atribui personalidade enquanto reflete e refrata o discurso já internalizado. O deslocamento
dos papéis de si mesmo para um você, um outro simultaneamente presente e imaginário, e o
próprio discurso na terceira pessoa, ou ainda a fala consigo mesmo, no papel de outro
interlocutor, dão conta dessa construção fabulosa que a linguagem realiza na constituição
social do sujeito e que se faz revelar nas vozes e enunciados dos sujeitos entrevistados em
múltiplos, harmônicos e múltiplos diálogos como já cogitava Bakhtin.
A revelação prática e objetiva, porém é a de que o trabalhador deficiente visual refrata a
exclusão, negando-lhe rendição e, ao mesmo tempo, se alimentando da esperança utópica de
superá-la, ainda que seja em semeaduras insólitas como a desse texto que se encaminha para a
conclusão.
120
6. CONCLUSÃO
ÁLIBI AUSENTE
Tudo que é realmente experimentado é experimentado como algo dado e
como algo-ainda-a-ser-determinado, é entonado, tem um tom emocional-
volitivo e entra em relação efetiva comigo dentro da unidade do evento em
processo que nos abrange. (...) Tudo que tem a ver comigo me é dado em um
tom emocional-volitivo, porque tudo é dado a mim como um momento
constituinte do evento do qual eu estou participando. Se eu penso em um
objeto, eu entro numa relação com ele que tem o caráter de um evento em
processo (BAKHTIN, 1990, p. 33).
Na perspectiva apresentada por Bakhtin, ao discutir o dialogismo e a polifonia como
implicados em questões de técnica e de ética, deve-se fazer uma crítica a todas as correntes
filosóficas que, pela abstração sistemática, desconsideram o sujeito concreto e o que ele
denomina de unicidade do ato, representada na metáfora da ausência de álibi ou da unicidade
do ser-evento.
Essa metáfora da ausência de álibi refere-se ao fato de que ninguém pode estar em
outro lugar que não seja aquele que se manifesta em sua realidade concreta e que o tempo e o
espaço que se interpõem entre sua vida e sua morte são as medidas de todas as coisas.
Bakhtin afirma que toda abstração teórica, ao entrar na vida, torna-se parte integrante
e inseparável do ser-evento, um momento dele, e não algo que o substitui. Diz ainda que,
quando o mundo teórico substitui a realidade concreta do evento, “o que acontece em todos
esses casos é que a unicidade viva, necessária e inescapável de nossa vida real se dilui na água
da possibilidade vazia meramente pensável” (BAKHTIN, 1920/21, p. 51).
No presente trabalho, essa concepção teórica enseja a consideração de que o problema
da inclusão da pessoa com deficiência visual não pode ser abordado fora do tempo e do
espaço de sua ação concreta como ser único e atuante.
A experiência vivida e a realidade concreta do ser-evento deficiente visual,
concretizando sua existência no mundo dos viventes, que dá primazia a uma ética e a uma
estética estritamente visual, não pode ser substituída por pura e simples teoria que negue essa
realidade.
121
Este estudo confirma, através da análise dos depoimentos de trabalhadores com
deficiência visual, o que já afirmava, em princípio, sobre a constatação de que nos últimos
anos os direitos das pessoas com deficiências vêm sendo reconhecidos, ou, ao menos,
admitidos.
Isso se deve, como se sabe, tanto à pressão advinda de movimentos sociais
representativos quanto à farta legislação daí oriunda, inclusive no que diz respeito à pleiteada
igualdade de oportunidades de trabalho para todos.
O presente trabalho cumpre seu papel de alinhar-se aos esforços pela construção de
uma sociedade para todos e que tenha como premissas a inclusão e a tolerância entre os
diferentes, bem como o respeito aos componentes de sua diversidade social.
Assim, as vozes dos sujeitos entrevistados exprimem a trajetória de pessoas com
deficiência visual no mundo do trabalho na cidade de Salvador, enfocam como se deu a
formação dos mesmos para o exercício profissional e avaliam seu desempenho e suas
perspectivas diante da realidade ou potencialidade de sua inclusão profissional.
A análise do problema da inclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do
trabalho em Salvador, abordado nesta pesquisa através dos depoimentos, fez-se associada à
proposição de se compreender o objeto estudado em conexão com os fenômenos sociais mais
amplos e com suas relações objetivas dentro do modo de produção vigente, que prioriza o
capital, a circulação de mercadorias e a exploração da capacidade produtiva do trabalhador.
A conclusão deste estudo realça as questões iniciais que problematizaram e
orientaram o seu desenvolvimento para, em seguida, apresentar as respostas encontradas.
Acerca de como se caracteriza o processo de inclusão de trabalhadores deficientes
visuais no mundo do trabalho na cidade do Salvador, na perspectiva dos deficientes visuais, o
presente trabalho destaca que este processo está diretamente relacionado, inicialmente, a um
problema de compreensão de dois aspectos que a ele se relacionam: uma compreensão do que
seja a inclusão do trabalhador com deficiência e uma compreensão do que vem a ser o lugar
ou papel do trabalhador em relação à legislação e ao exercício de sua cidadania.
Isso significa que as pessoas com deficiência visual, e a sociedade que as cerca,
carecem de uma aproximação a respeito de como compreendem a inclusão de um trabalhador
com deficiência visual no mundo do trabalho. Observa-se que há um distanciamento entre os
modos de enfocar a questão.
122
Para o trabalhador com deficiência visual, sua inclusão está relacionada com o
reconhecimento de suas potencialidades e a aceitação de suas diferenças em relação às
pessoas videntes, como um direito relativo à sua condição de cidadania.
Para parte da sociedade, entretanto, mesmo alguns que defendem a necessidade de
inclusão de pessoas com a especificidade da deficiência visual, a inclusão pode ser entendida
como um processo de aceitação e reconhecimento da fragilidade destes trabalhadores ou da
superação da falta da capacidade visual a que estão submetidos, e que isso deve levar
empresários, legisladores, educadores, governantes e cidadania em geral a conceder-lhes
benefícios sociais e oportunidades de produção da sua própria existência, ou ainda usufruir de
programas, sistema de cotas e/ou reservas de mercado para o seu aproveitamento profissional.
O segundo aspecto relativo à compreensão se reporta à distância entre o direito e o
papel social das pessoas com deficiência visual, estabelecido na legislação, e à prática da
inclusão da pessoa com deficiência visual no mundo produtivo concreto.
A maioria dos entrevistados salientou que a legislação brasileira é realmente elogiável,
mas o processo de efetivação da pessoa deficiente no meio produtivo ainda está impregnado
de preconceito e de discriminação.
Ademais, à luz dos depoimentos dados, é digno de destaque que o processo de
inclusão de trabalhadores deficientes visuais no mundo do trabalho na cidade de Salvador se
caracteriza por uma série de ausências:
1) Ausência de cumprimento da legislação referente à lei de cotas nas empresas;
2) Ausência de uma mediação satisfatória para promover a colocação e o acesso da pessoa
com deficiência visual aos postos de trabalho, quando as empresas oferecem vagas;
3) Ausência de dados estatísticos confiáveis para se estabelecer relações que permitam
observar a quantidade de pessoas qualificadas, os tipos e a natureza da qualificação recebida e
sua inserção ou não no meio produtivo local;
4) Ausência de reconhecimento da capacidade da pessoa com deficiência visual para ocupar e
desenvolver funções profissionais complexas, além das instituições especializadas, mesmo
quando aprovadas em concursos públicos.
5) Ausência de eficiência nas políticas públicas para promoverem o acesso e a manutenção no
mercado de trabalho das pessoas com deficiência visual, exceto em subempregos ou em
123
funções subalternizadas, mesmo quando a qualificação do trabalhador vai além da exigida
para essas funções.
Do mesmo modo que caracterizam o processo de inclusão do trabalhador com
deficiência visual no mundo do trabalho, as ausências citadas são fatores que interagem para
estabelecer a exclusão da maioria dos entrevistados, posto que, para a quase totalidade deles,
o desemprego é visto como exclusão.
No caso das pessoas com deficiência, desemprego se confunde com exclusão, porque
existe uma legislação que lhes garante as vagas proporcionais ao porte das empresas e o
número de vagas parece ser superior ao número dos que as pleiteiam, com base nos relatos.
Os caminhos e/ou itinerâncias trilhadas e relatadas pelos sujeitos deficientes visuais,
desde a sua formação profissional até a condição em que se encontram à época das
entrevistas, podem ajudar a entender o processo de inclusão ou exclusão do trabalhador
deficiente visual se for considerado que:
a) os dados fornecidos devem permitir uma reflexão sobre o fenômeno da inclusão ou
exclusão das pessoas entrevistadas, tendo-se em mente as características próprias da
amostra pesquisada, não devendo ser feita uma generalização para todos os trabalhadores
deficientes visuais existentes na cidade de Salvador.
b) há uma importante reflexão produzida pelos próprios sujeitos entrevistados que extrapola o
âmbito da discussão legal, política ou acadêmica e que precisa ser ouvida a fim de que se
construa uma sociedade verdadeiramente inclusiva e para todos.
O presente trabalho, cuja justificativa inicial já acenava para o fato de haver uma
necessidade de se compreender a nova realidade profissional das pessoas com deficiências
visuais em contextos locais, nacionais e mundiais e, ao mesmo tempo, de estimular o
desenvolvimento de propostas inclusivas para o trabalhador deficiente visual no meio
produtivo, de fato permite – ressalvados os limites de qualquer produção deste gênero – que
se perceba uma realidade onde existem profissionais qualificados e cônscios dos desafios do
mundo do trabalho contemporâneo e com capacidade para discutir os problemas e contribuir
para o entendimento e a consecução do seu lugar no processo que objetiva a sua inclusão no
meio produtivo em Salvador.
O presente estudo realiza, ao menos parcialmente, o seu objetivo geral de estabelecer
uma compreensão sobre o movimento de inclusão/exclusão da pessoa com deficiência visual
no mundo do trabalho na cidade de Salvador a partir da análise e perspectiva dos próprios
124
trabalhadores deficientes visuais implicados. E, talvez, a mais importante contribuição esteja
em que o trabalho permite que os sujeitos mais vivencialmente implicados exponham sua
reflexão, fazendo com que suas vozes sejam ouvidas no ambiente e no contexto de uma
produção acadêmica em nível de pós-graduação.
O estudo também alcança seus objetivos específicos. Primeiro, porque busca
compreender como vem se dando a trajetória profissional das pessoas com deficiência visual
em Salvador e o faz, não através de uma explicação do pesquisador, mas permitindo que o
leitor se posicione dialogicamente diante dos sujeitos entrevistados, percebendo as
particularidades de sua formação e as especificidades de suas trajetórias, explicitadas em seus
depoimentos.
Neste ponto, é importante que se tenha em mente que as trajetórias profissionais das
pessoas com deficiência visual que estão contidas neste trabalho não atendem a uma
cronologia, mas sim a um percurso da existência do trabalhador com deficiência visual em
relação ao mundo do trabalho e refere-se ao modo como este sujeito lhe dá significado nos
depoimentos.
Deste modo, o trabalho permite também uma análise do movimento de inclusão do
trabalhador deficiente visual no meio produtivo soteropolitano e ainda uma verificação dos
fatores que interagem e das relações que concorrem para que o trabalhador com deficiência
visual se considere incluído ou excluído no mundo do trabalho em Salvador.
A respeito disso, observam-se que as dificuldades de qualificação para o trabalho, os
problemas de mediação para o acesso e permanência no emprego, o descumprimento da
legislação e, sobretudo, uma percepção da deficiência como ausência de capacidade para
atividades complexas se revelam como fatores operantes para que a maioria dos trabalhadores
com deficiência visual seja excluída do meio produtivo ou ocupe posições artesanais ou
subalternizadas no mundo do trabalho.
A rejeição da tutela do Estado, por parte dos sujeitos entrevistados, visto que resulta
em prejuízo das oportunidades igualitárias ou preferenciais de trabalho, é um dado marcante
dos depoimentos. Esse dado, entremeado pelo relato de experiências vividas pelos sujeitos
entrevistados, se destaca dentro de um conjunto de questões, expectativas ou impasses
relativos ao mundo do trabalho que se apresentam como relevantes para as pessoas com
deficiência visual na cidade de Salvador.
125
A pesquisa também possibilita aos entrevistados um canal de interlocução sobre como
interpretam o seu lugar no processo de produção, da existência, nesta época, de inúmeras
transformações no mundo do trabalho, sua participação ou alienação, e serve como
oportunidade de sua crítica à sociedade capitalista soteropolitana.
Neste estudo, pondero sempre o problema da inclusão ou exclusão da pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho a partir da reflexão realizada pelos sujeitos
entrevistados, sem pretender elevar essa reflexão à posição de opinião ou condição geral de
todos os deficientes visuais em Salvador. Julgo, entretanto, que a amostra é qualitativamente
importante para entender que as vozes de todos os sujeitos externam muitas particularidades
do pensamento de um expressivo contingente.
A metodologia, associada à epistemologia que alicerça esta pesquisa em bases
dialéticas e dialógicas, permitiu que a análise do fenômeno particular da inclusão do
trabalhador com deficiência visual no mundo do trabalho em Salvador, buscasse compreendê-
lo no contexto geral de instabilidade do capitalismo em escala mundial, tendo em vista seus
paradigmas e condicionantes históricos em mobilidade, o que confere à pesquisa um viés de
atualidade, mas também de instabilidade quanto à perenidade de seus achados ou conclusões.
Assim, utilizo a análise de conteúdo dos depoimentos dos trabalhadores com
deficiência visual sobre suas trajetórias no mundo do trabalho, numa perspectiva qualitativa e
arremato o trabalho, apresentando as conclusões e considerações finais à luz da análise dos
dados obtidos, do referencial teórico, dos objetivos e da própria experiência no fazer da
pesquisa.
A perspectiva qualitativa do trabalho ressalta, mais uma vez, que os dados encontrados
refletem antes, de qualquer coisa, a qualidade da reflexão que pessoas com deficiência visual
capacitadas para o exercício profissional fazem da situação de inclusão e exclusão, permitindo
ao pesquisador referir-se a um modo próprio do deficiente visual pensar as questões que lhe
são afeitas, em relação à sua realidade no mundo do trabalho, com a autoridade de quem a
experimenta cotidianamente e ao longo de sua vida.
Os dados obtidos permitem que seja questionado o mito de que o problema que resulta
na exclusão dos trabalhadores deficientes visuais em Salvador está diretamente relacionado à
ausência de qualificação deste trabalhador. Isso se percebe facilmente ao conferir a elevada
qualificação de parte dos entrevistados e a ineficácia dessa qualificação em reduzir a situação
126
de exclusão ou discriminação a que esses trabalhadores estão ou foram submetidos ao longo
de suas vidas profissionais.
O referencial teórico firmado em proposições de Vygotsky e Bakhtin possibilitou ao
trabalho explicitar tanto a construção social dos sujeitos através da linguagem e da
internalização de conceitos, inclusive sobre si mesmos, como também permitiu uma
exploração dos depoimentos em busca de evidenciar as vozes das pessoas com deficiência
visual que emergiram de suas falas em consonância com outras vozes, reiterando que a
palavra é o signo ideológico por excelência e que adquire seu significado no diálogo com o
outro.
O estudo em apreço favorece a inserção da pessoa com deficiência visual no centro do
diálogo acadêmico sobre a questão da inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho,
dentro do que foi possível observar em Salvador, e me oportunizou, na condição de
pesquisador, descobrir parte da indizível potencialidade que cada pessoa entrevistada revela,
para muito além de suas limitações visuais.
Apesar de realçar que os sujeitos entrevistados também estão sujeitos a uma percepção
do problema que os cerca no mundo do trabalho a partir do modo como os videntes os
concebem, visto que o seu mundo está estruturado sobre uma ideologia que dá total primazia
à visão, este texto diz respeito, principalmente, às vozes que se emancipam e emitem seu
protesto contra as práticas e concepções excludentes.
Este texto se reporta às vozes que se alimentam das expectativas de que
acontecimentos e conquistas atuais e vindouras redundarão em sua inclusão e vitória sobre o
preconceito em todos os níveis sociais e também no mundo do trabalho.
Este é um estudo que revela, sobretudo, a busca das pessoas com deficiência visual
pela conquista de uma cidadania emancipada que usufrua muito mais do que direitos abstratos
que a regulação possa lhes oferecer.
Trata-se de trabalho realizado em total cumplicidade e solidariedade com os sujeitos
entrevistados e que se dá ao sonho da construção de um mundo do trabalho que se refaça de
sua selvagem busca pelo lucro e atente para um sentido humano de instrumento visando a
produção da existência de pessoas solidárias e que não se pretendem explorar mutuamente.
Ainda há muito que se construir para a real emancipação e inclusão da pessoa com
deficiência no mundo do trabalho, posto que o mundo dito moderno ainda tem muito o que
127
melhorar para adentrar na pós-modernidade, longe da sensação de que está vivendo apenas
uma ilusão.
A ilusão se consubstancia sempre que alguém julga possível considerar o
desenvolvimento tecnológico e científico em convivência com a miserabilidade, longe do
desenvolvimento das relações humanas e da convivência com a diversidade, sem ouvir as
vozes dos outros ou aceitando como natural a autorização para falar em nome de outrem, ou
ainda a opressão e a discriminação de uns sobre os outros.
O mundo da exclusão é o que Chico Anísio (2001), embora não se refira
especificamente à pessoa deficiente, denunciou através do monólogo intitulado Mundo
Moderno:
Mundo moderno, marco malévolo, mesclando mentiras,
Modificando maneiras, mascarando maracutaias...
Majestoso manicômio.
Meu monólogo mostra mentiras, mazelas, misérias, massacres,
Miscigenação, morticínio, maior maldade mundial.
Madrugada, matuto magro, macrocéfalo, mastiga média,
Monta macuco malhado.
Munindo machado, margeia mata maior.
Manhãzinha, move moinho moendo macaxeira, mandioca.
Meio-dia, mata marreco... manjar melhorzinho.
Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria Morena, momento maravilha,
Motivação mútua, mas monocórdica mesmice.
Muitos migram.
Macilentos, maltrapilhos, morarão modestamente:
Malocas metropolitanas, mocambos miseráveis.
Menos moral, menos mantimento, mais menosprezo... metade morre.
Mundo maligno, misturando mendigos, maltratados,
Menores metralhados, militares mandões.
Meretrizes, marafonas, mocinhas... meras meninas.
Mariposas, mortificando-se moralmente.
Modestas moças malucadas, mercenárias, mulheres marcadas...
Mundo medíocre!
Milionários montam mansões magníficas, melhor mármore,
Mobília mirabolante... máxima megalomania.
Mordomo, mercedes, motorista, mãos magnatas manobrando milhões.
Mas... maioria morre minguando. Moradia mei'água, menos: marquise.
Mundo maluco!
Máquina mortífera!
Mundo moderno melhore.
Melhore mais.
Melhore muito... melhore mesmo!
Merecemos...
Maldito mundo moderno.
Mundinho de merda.
(ANÍSIO, 2001)
,
128
A presente pesquisa deixa abertas várias portas investigativas que excederam ao foco
proposto para esta dissertação ou que possam ter sido suscitadas ao longo deste trabalho, às
quais outros estudos poderão vir a explorar. Entre essas, destacam-se:
a) O ponto de vista do empresariado sobre a questão da inclusão de pessoas com deficiência
visual no mundo do trabalho;
b) Uma avaliação mais específica sobre como os órgãos governamentais ou não-
governamentais de mediação para inclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do
trabalho em Salvador vêm realizando o seu trabalho;
c) O estabelecimento de dados precisos que favoreçam conhecer a realidade da inclusão ou da
exclusão em Salvador em termos quantitativos e com referenciais estatísticos mais
específicos à cidade;
d) Uma investigação sobre a instabilidade ou não permanência dos cursos de formação de
pessoas com deficiência visual para o trabalho nas escolas profissionalizantes existentes
em Salvador;
e) Uma exploração das diferenças e semelhanças entre os conceitos de mercado de trabalho e
mundo do trabalho no discurso e na prática de trabalhadores, empresários, educadores e
poderes públicos em Salvador. E tantas outras questões afins.
Concluo este trabalho com a pretensão de que o mesmo possa ocupar um lugar entre os
instrumentos possíveis e disponíveis para ajudar outros a compreenderem as vozes e os
silêncios que se dão em favor da inclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do
trabalho em Salvador.
Subjacente à cada linha, está a idéia de que a discussão em torno desse problema jamais
poderá prescindir da escuta daqueles que são os principais implicados e interessados em
avaliar soluções para os impasses constatados e na viabilização das soluções possíveis.
O presente trabalho jamais renuncia à idéia de que seu autor esteja em cumplicidade com
os sujeitos entrevistados em sua luta a favor de uma emancipação cada vez maior da cidadania
da pessoa com deficiência visual, de sua participação política e também discursiva já que a
palavra é vista, neste texto, como o signo ideológico por excelência.
Ao concluir este trabalho, como cúmplice da mesma realidade analisada pelos
entrevistados, tenho na memória a afirmação de Bakhtin de que a palavra isolada do contexto
129
e dos interlocutores é neutra, porém, na relação social, ela assume seu caráter ideológico ao
integrar diferentes papéis em diferentes domínios, indo desde o cotidiano até a estética, a
ciência, a moral, a religião, a política. E, de Vygotsky, renovo a afirmação de que, na busca
por um espaço de convivência social, a pessoa cega compensa a ausência de visão pela
palavra. Em outras palavras, posso dizer que a palavra é própria da humanidade constitutiva
do ser homem, tendo ou não alguma deficiência. É por isso que, diante de cada palavra deste
texto, me declaro totalmente responsável, pelo dito e pelo não dito, pois, como todos os
entrevistados ou os que fazem o contexto da inclusão e, mais ainda, o da exclusão, aqui estou
na mais completa ausência de álibi.
130
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APÊNDICES
139
APÊNDICE A – ENTREVISTAS TRANSCRITAS
9
1. ENTREVISTA DE MARILZA, realizada em 16/09/2003 em sua residência no Bairro
de Amaralina.
Dados pessoais(questões de 1 a 6)
Marilza é natural de Maracás, Bahia, reside em Salvador desde 1960, tem 59 anos, é solteira e
não tem filhos. É cega total desde os 28 anos de idade e sua deficiência visual foi causada por
um glaucoma congênito. Tem uma prima com deficiência visual com a mesma causa.
Marilza aposentou-se como Tecnóloga em Processamento de Dados e sua profissão inicial foi
a de Contabilista, tarabalhando num escritório de contabilidade mas atuou na maior parte de
sua trajetória profissional como Programadora de Computador e Analista de Sistemas. Após
sua aposentadoria fez seu curso universitário em Salvador, obtendo recentemente a
Licenciatura em Filosofia.
7.Você se considera um profissional...
Sim, me considero bem qualificada.
8.Onde obteve formação para o trabalho:
Eu obtive minha formação tanto em cursos ou instituições para alunos especiais quanto em
cursos profissionais com classes regulares, principalmente porque fui vidente até os 28 anos
de idade. Passei por uma reabilitação na Secretaria de Educação do Estado da Bahia e fiz
recentemente Licenciatura em Filosofia na Universidade Católica de Salvador no período de
1997 a 2003.
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu:
Avalio como sendo excelente, além do que já informei, estudei no Colégio Taylor Egídio, em
Jaguaquara e isso foi a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Lá eu estudei
latim, francês, inglês... tudo no Ginásio. Aprendi valores éticos e lembro muito dos meus
professores, principalmente do Prof. Mário Moreira...
10. Como chegou ao mercado de trabalho:
Sempre por esforço pessoal. Aos 17 anos comecei a procurar trabalho e comecei a trabalhar
no Ministério da Agricultura, na Campanha Contra a Febre Aftosa, inicialmente como
estagiária. Depois fiz um concursos para o SERPRO e obtive a aprovação em concurso ou
processo seletivo
11. Que fator considera Ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho:
Todos. Contei com a ajuda de amigos, o reconhecimento de minha capacidade profissional e
a mediação do Senai, que ajudou na promocão e acesso para a minha colocação profissional.
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho?
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais:
Sim. Foram feitas poucas adaptações.
9
Confira questionário em Apêndice A
140
No SERPRO não houve grandes investimentos adaptativos, a empresa acreditou no meu
trabalho... A SERPRO se adequou para incluir o deficiente visual... a divisão, a partilha... o
trabalho em equipe... Eu motivei a empresa a aceitar os desafios.
A lei das cotas é um rito de passagem, obriga mais as empresas na colocação do deficiente
visual... Sobre as cotas... acho que precisa de conscientizar as empresas e não apenas
valorizar os números das estatísticas...
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
Sim, e muito. Acho que cada caso é um caso mas considero necessárias...
15. Quais as adaptações que você recomendaria?
A mudança de pensamento em relação deficiente visual... que as pessoas não me vejam como
um E.T. (extraterrestre). As demais dependem dos casos específicos: rampa, sanitários, pista
tátil... Atualmente há várias vantagens através de softwares, Dosvox, Virtual Vision, etc.
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera:
Eu me considero incluída no mundo do trabalho.
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual:
Não. ... Eu consegui, mesmo sendo deficiente visual total, nunca ser discriminada na
empresa. O grande problema é a empresa desconhecer o potencial do deficiente visual e
dificultar o acesso ao trabalho. Algumas pessoas usam a deficiência como mote... criam
caso.Outra sofrem discriminação, mas não foi o meu caso.
18. Como avalia o seu desempenho profissional:
Avalio como muito bom. Cumpri minha função. Tudo o que me foi delegado, eu cumpri.
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho:
Eu acho que são: primeiro, o preconceito em relação à sua capacidade profissional e também
a qualificação inadequada.
20. Se desejar, resumidamente, cite 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional:
Fui contratada como profissional do SERPRO, desenvolvi a percepção e aprendi durante
vários cursos, 27 linguagens de programação de computadores.
...Os colegas me consultavam.. eu, naturalmente passei a fazer parte dos projetos e a
coordenar a formação dos estagiários...
Em 1990 o SERPRO me convidou para ser Supervisora da Área de Desenvolvimento,
coordenando o trabalho de 17 pessoas e ali eu atuei até 14 de janeiro de 1999, quando me
aposentei...
21. Nesta pesquisa, menciono a relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos
pelo Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e
fazer cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Sim. E isso não é uma mão única. Tem que ter a parte do governo, mas também o
investimento do deficiente. O conceito de tutelados e mentecaptos precisa acabar. Precisa
acabar o preconceito social; criar paradigmas para além dos instituídos, ouvindo e
percebendo desenvolver as habilidades de cada pessoa.
141
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência?
Não. Estou pedindo agora a Isenção de Imposto de Renda, pois soube que tenho esse direito.
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
Interfere muito. Gera grande acomodação e insegurança para investir no mundo do trabalho
através de qualificação. Deveriam Ter critérios mais rígidos para bneficiar alguns e evitar
acomodações. Deveriam incentivar o deficiente visual a estudar, dar algo como uma bolsa e
cobrar depois o retorno... Não dar por dar.
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
Pressão internacional através de movimentos e documentos reconhecidos pela ONU. A OIT
obrigou o governo a instituir a lei de cotas e há pouca emancipação dos deficientes visuais.
Ainda há jogos de poder... foi a pressão internacional.
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
Fundamental. O próprio censo não nos dá a situação real da deficiência. Um entrevistado do
Censo 2000 relatou que o formulário do entrevistador do IBGE não indagava sobre a
deficiência visual.
As universidades deveriam incentivar mais pesquisas sobre o tema da deficiência visual e sua
inclusão no mundo do trabalho...
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho?
Que você divulgue as boas experiências no Brasil. Pouca gente sabe que no SERPRO hoje
tem cerca de 50 pessoas [com deficiência] empregadas.
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
Muita. Desde que seja consistente e bem fundamentada.
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
O pesquisador teria fundamento para dizer: realmente precisamos acabar com os tutelados e
mentecaptos. O tutelamento é o descrédito na capacidade das pessoas.
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode Ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
Deficiência é testemunho... Eu vim ao mundo para dar um testemunho!... Às vezes vejo a
cegueira como uma dádiva!
Destaco dois fatores: Primeiro, o sujeito com deficiência visual pode transformar e dar o seu
testemunho para a sociedade. Segundo, os poderes sociais e públicos fundamentarem melhor
os seus programas, sem apadrinhamentos.
Comentários:
142
Marilza é uma senhora culta e de personalidade marcante, de nível sócio econômico médio
(classe média). Conta que logo após perder a visão totalmente aos 28 anos em razão de um
glaucoma congênito, convidou o chefe para participar de um treinamento com ela afim de que
ele pudesse avaliar a sua capacidade de trabalho. O treinamento era, segundo ela, um grande
desafio para uma pessoa cega, pois abordava Técnicas de Apresentação em Público e tratava
do uso de retroprojetores e outros recursos audiovisuais. “Ao final do curso ele ofereceu as
mãos à palmatória”... conta com satisfação.
2. ENTREVISTA DE JÁDISON, realizada em Março de 2004, na biblioteca do CAP.
Dados pessoais (questões de 1 a 6)
Jádison é natural de Salvador, tem 33 anos, é casado com Gessi, também deficiente visual, é
cego total desde 1996. A sua deficiência visual é causado por má formação do nervo ótico que
progrediu para glaucoma neo-vascular com descolamento de retina. Não possui outros
familiares com deficência visual e seu nível de escolaridade é de Ensino Médio. Quando ainda
era vidente exercia a profissão de comerciante, e foi proprietário de oficina mecânica de
automóveis, depois que perdeu a visão tornou-se também massoterapeuta, mas está
desempregado à época da entrevista.
7.Você se considera um profissional:
Eu me considero qualificado para o trabalho, mas nunca trabalhei em empresa de terceiros.
As pessoas não confiam que você é capaz, que você pode desenvolver uma função. Eu botei aí
Massoterapeuta mas eu sou capacitado em várias áreas, entendeu? Eu sou capacitado em
telefonia, informática, telemarketing ...
8.Onde obteve formação para o trabalho:
Em cursos ou instituições para alunos especiais e em cursos profissionais com classes
regulares. Nos dois... É.. no CAP e na Associação Baiana de Cegos. Antes de ficar cego,
estudei em cursos e escolas regulares.
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu:
Regular
10. Como chegou ao mercado de trabalho:
Eu não cheguei...
11. Que fator considera Ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho:
Esforço pessoal. Isso aí só está no papel...porque não é cumprida. Essa legislação é só
mesmo na teoria.[referindo-se à lei de cotas e à mediação para o acesso/colocação
profissional]
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho?
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais:
Não.
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
Acho.
143
15. Quais as adaptações que você recomendaria?
Eu acho assim, as adaptações que teriam que ser feitas são em relação às barreiras
arquitetônicas, .... Ou seja é preciso se ter dentro de uma empresa: pista tátil ... a localização
dos lugares para o portador de deficiência visual, porque muitas vezes você está num
ambiente muito extenso... sinalizações táteis. Acho que só isso mesmo...Você adaptar
programas de computador que seja adequado para o portador de deficiência... Dosvox,
Virtual Vision... no meu caso o Dosvox... ainda não trabalhei com o Virtual Vision. O meu
computador não comporta.
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera:
Excluído.
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual:
Eu acho que em todo o momento... Já que eu nem consegui entrar mais no mercado de
trabalho, não é...?
18. Como avalia o seu desempenho profissional:
Excelente.
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho:
Pode assinalar o primeiro e o segundo... o aumento do desemprego não é problema porque se
tem a lei de cotas, sempre está tendo algumas vagas que não são preenchidas. Ainda tem um
problema: muitas vezes eles pegam a pessoa que tem deficiência leve, ou seja: só porque
puxa da perna, assim, uma besteirinha, eles pegam e botam lá, entendeu? E acham que já
cumpriram a cota de deficiência...
20. Se desejar, resumidamente, cite 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional:
Não... eu só tenho uma decepção... assim... quando eu fui fazer estágio no ... do Canela, eu ...
eu tinha certeza que eu era um dos melhores ou até o melhor de todos que estavam lá, da
turma. E uma pessoa que era menos capacitada do que eu ficou lá colocada no lugar, por
amizade ... e eu fiquei de fora...
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos pelo
Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e fazer
cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Sim. Eu acho que sim pelo seguinte: Se tem uma legislação voltada para o portador de
deficiência já desperta a sociedade... acorda a sociedade pra se mostrar que eles chegam lá...
Na verdade é uma dívida que o sistema tem com o portador de deficiência... e a partir disso,
acorda a sociedade...
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência?
Sim. Eu recebo o da LOAS.
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
144
Na verdade, é muito fácil para o sistema criar um benefício e dá ao portador de deficiência e
ficar isento do papel dele de querer capacitar, de querer abrir o campo de mercado de
trabalho. Mas não... É muito mais fácil... eu dei um benefício a ele, agora pra ele vai ficar no
cantinho dele quieto. Isso não quer dizer que esse benefício impede o portador de deficiência
de arrumar um emprego, porque a partir do momento que você arruma um emprego, você vai
dar baixa nesse benefício. ... Você é obrigado a receber esse benefício senão você vai morrer
de fome... Agora, é claro que toda regra tem exceção.
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
Eu acho que é da pressão internacional através de movimentos e documentos reconhecidos
pela ONU. Porque na verdade o Brasil nunca deixou de ser colônia...? O Brasil é...
manipulado; quem manda aqui é o imperialismo norte-americano, apesar de as pessoas não
terem essa consciência.
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
Rapaz, eu acho assim muito importante. Eu vejo assim, que caminha assim, a passos lentos,
ainda, mas já está caminhando pra uma evolução em que a sociedade como um todo não vê
mais o portador de deficiência como um coitadinho... um pedinte... um esmolé, mesmo... Mas
é muito importante que existam pessoas, os intelectuais estejam dentro da universidade já
discutindo isso, já despertando... até porque a gente sabe que o novo é interessante pra
todos... Mas independente do novo, a gente que sente que há ...incomoda as pessoas...
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho?
Eu tenho, assim, uma pergunta: Como é que você como pastor, como líder de uma igreja
evangélica vê isso, e se isso já está sendo discutido dentro da igreja? Por que eu acho que a
igreja exerce um poder muito grande ainda, muito grande. Você não botou, assim, nada
relacionado...Você bem sabe que a Igreja Batista é bem conceituada e exerce um poder
assim muito grande na sociedade... então é bom que você expresse isso com os líderes...
porque vocês podem contribuir muito pra mudar o curso da história, entende?
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
Essa pesquisa que você está fazendo ainda vai ter grande repercussão. Por que só você ser
um dos líderes evangélicos e se interessar por isso... Porque como a gente vê... Ah, não... o
pastor quando vê um cego vai dizer: “Puxa, eu vou orar por você... que tem uma maldição
que caiu sobre você”... (risos) E você ser um líder de uma igreja ... me tocou muito. Por que
eu vejo que a igreja não tem mais aquele pensamento... aquele assistencialismo de “vamos
correr a sacolinha pra ajudar o ceguinho” .
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
Eu gostaria assim que diante das barreiras arquitetônicas e urbanísticas, o portador de
deficiência visual... ele é um verdadeiro vencedor. Porque é difícil. É muito difícil você estar
numa cidade como Salvador que não aceita nem uma pessoa dita normal, imagine um cego?
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
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Minha expectativa é que clareiem as coisas... que o empresário, de uma forma geral, entenda
e compreenda que o portador de deficiência visual é capaz, ele tem seu potencial.
3. ENTREVISTA DE GESSI, realizada em março de 2004 na Biblioteca do CAP.
Dados pessoais (questões de 1 a 6)
Gessi é natural de Salvador, casada com Jádson, possui baixa visão, proveniente de
toxoplasmose ainda no ventre materno, não tem filhos. Tem um irmão por parte de pai com o
mesmo problema visual. Gessi é professora com escolaridade em Nível Médio (Magistério)e
massoterapeuta. Está desempregada à época da entrevista.
7.Você se considera um profissional (quanto à qualificação)
Eu me considero qualificada. Mas falta oportunidade... porque eles pedem assim, por
exemplo: Não sei quantos anos na carteira... Aí, como é que a gente vai ter tantos anos de
carteira?...Se nunca trabalhou, nunca teve carteira assinada. Nunca teve oportunidade pra
trabalhar... Mas eu também sou capacitada em Telefonia, informática... entendeu?
8.Onde obteve formação para o trabalho:
Em cursos profissionais com classes regulares e também em instituições para alunos
especiais como aqui no CAP e também em escolas com pessoas videntes.
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu:
A gente toma um curso... a gente se torna um.. um capacitado para o trabalho, entendeu?
Porque quem estuda... assim, que se interessa pelo curso que está fazendo é capacitado...
Mas se não tem oportunidade... então a gente não pode colocar aquele curso que a gente
recebeu em prática...
10. Como chegou ao mercado de trabalho:
Por esforço pessoal...mas não cheguei ainda ao que eu quero.
11. Que fator considera Ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho:
Isso aí, eu acho que só tem pela lei, não é? Porque isso não existe... [referindo-se à lei de
cotas e à mediação para o acesso/colocação profissional] Foi só pelos meus esforços. Pra
você conseguir alguma coisa, tem que se esforçar...
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho?
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais:
Não.
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
Sim. O ambiente é que tem que receber o deficiente... e não o deficiente receber o ambiente.
15. Quais as adaptações que você recomendaria?
Sinalização tátil, sinalizações em Braille também... em som também. Você sabe que agora, em
prédios tem médicos que usam sinalizador de sala, não é?...
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera:
146
Excluída, não é?... com todas as letras... maiúsculas [risos].
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual:
Com certeza, em todos os lugares. Eu estava trabalhando no Abrigo... ai por eu ter uma
deficiência, a chefia lá disse que eu não poderia trabalhar. Não fizeram as adaptações
necessárias... Ai com quinze dias eles me disseram que eu não poderia ficar lá mais...E o
mais curioso é que eu estava cumprindo a Lei de cotas naquela empresa que varia de 2 a 5%
conforme a quantidade de empregados da empresa. Nós temos o CAPAZ... a gente se inscreve
lá e não... eles... é que quando você emprega uma pessoa, a pessoa que está empregando, no
caso o CAPAZ tem que ir lá com a pessoa, apresentar ao empregador... não é isso? ...Eles
não fazem isso. Só que eles não estão preparados pra isso.. eles não estão preparados para
atender o portador de deficiência visual e ir na empresa esclarecer o problema. Porque
muitas vezes, nem todo deficiente é esclarecido. Sua carta já esta batida... quando eu ia no
CAPAZ pedir a alguém que fosse lá [na empresa] explicar... eles me demitiram.
18. Como avalia o seu desempenho profissional:
Olhe, eu trabalhava... eu sempre chegava primeiro, antes de todo mundo...meu desempenho
era muito bom.
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho:
O preconceito em relação à sua capacidade profissional e as necessidades de adaptação no
ambiente de trabalho
20. Se desejar, resumidamente, cite 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional:
O início do trabalho no abrigo...só isso...
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos pelo
Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e fazer
cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Eu acho que sim. A sociedade não cumpre a legislação. ...Não adianta fazer, fazer, fazer e
não cumprir... Vai ficar lá cheio de papel e...(risos).
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência?
Não.
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
Eu acho que na verdade tinha que ter era emprego...
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
Eu acho que é da pressão internacional através de movimentos e documentos reconhecidos
pela ONU.
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
Eu acho ótimo. Muito importante.
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26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho?
Nenhum
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
Essa pesquisa que você está fazendo... levar isso pra dentro da faculdade... isso é muito
importante. É super importante pra gente.
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
Os deficientes já lutam pra ter aquilo que querem... Não são mais aqueles que ficam lá nas
suas cadeirinhas sentados... e as pessoas: “tomem isso”, “tomem aquilo”... “vão tomar
banho”... eles não estão mais assim.. “Não sai não que você tem que ficar quietinho ai”...não
ficam mais esperando que as pessoas lhe digam o que fazer.
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
Já que tem a lei de cotas... que as empresas cumpram. Já que tendo a lei de cotas, os
empresários sempre vão ver que nós somos capazes... Porque eles[órgão de mediação]
mandam assim: Tome aqui entregue a sua carta e a gente nem sabe onde é o lugar... a gente
tem que sair com o endereço se batendo...
4. ENTREVISTA DE ADRIANA, realizada em 24/03/2004, no Setor Braille da
Biblioteca Central dos Barris.
Dados pessoais (questões de 1 a 6)
Adriana é natural de Salvador, Bahia, tem 29 anos, é casada e tem 2 filhos. (O esposo
também é deficiente visual). Graduada em Letras pela UFBA, com pós-graduação em Teoria
da Literatura. “Eu sou das Letras...” (diz com satisfação). Sua deficiência visual foi originada
por Glaucoma, atingindo cegueira total aos quatorze anos. Professora, atuando como
secretária de uma ONG, em Salvador, à época da entrevista. Já exerceu a função de professora
autônoma, dando aulas particulares de Português. Atua tanto no mercado formal quanto no
informal (aulas particulares) e está vinculada ao setor de Serviços.
7.Você se considera um(a) profissional:
Mais ou menos porque eu preciso ainda me qualificar mais. Eu tenho habilidades e
potencialidades. Mas eu ainda preciso ser mais... é... profissional.
8.Onde obteve formação para o trabalho:
Eu aprendi lá mesmo ( no próprio local de trabalho) eu aprendi fazendo... fui fazendo
cabeça, aprendendo fazendo uma ato... duas... três, na décima deu certo... foi dentro da
prática mesmo...
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu:
Não... lá foi suficiente... só que as pessoas ainda não entenderam a questão do tempo
entendeu? As pessoas que coordenam, mesmo as pessoas que trabalham com projetos para
deficientes não entendem a questão do tempo: o tempo para o deficiente é diferente.
148
O tempo de aprendizado, o tempo de execução... é diferente! Você fazer um trabalho no
computador é diferente de eu fazer um trabalho no computador e isso as pessoas não
entendem. Tempo de execução propriamente dito... pra você digitar um texto, formatar esse
texto, colocar... Digamos assim: um texto para empregar no seu mestrado... são diferenças
pra fazer o mesmo trabalho. Embora, em geral, o cego tenha uma digitação muito mais ágil.
Mas a gente tem que ter todo um preparo pra saber entrar nos arquivos, nos menus, não sei o
que, entendeu? Essa ponte é que é complicada por que não existem cursos... é uma questão
até que eu coloco muito: tem que começar a existir cursos que façam a interação do
deficiente visual no meios da mídia em geral e da informática também e com os nosso leitores
de telas, porque esse é o grande problema. O grande nó é o leitor de tela, que a gente não
sabe mexer.
Eu não sabia mexer... Não sei se você já ouviu falar dos leitores de tela que a gente usa:
Jaws, não sei o quê....?! Eu não sabia, e eu me bato muito. Hoje eu já tenho uma desenvoltura
muito maior e melhor, mas ainda tenho muitas deficiências com ele porque eu não sei... eu
não conheço o ambiente Windows. Quando eu perdi a visão... e ai eu vou contar um
pouquinho para você a minha história, não é?... minha perda de visão.
Eu enxergava e perdi a visão catorze pra quinze anos. Eu nunca tinha visto a tela do
computador. Eu conheço a tela do computador pelo que eu prático hoje, também nunca vi de
perto o computador... a tela... ligada.
Então não sei a posição que as coisas estão na tela. Isso para o deficiente visual é muito
trabalhoso... ele trabalha com coisas que ele nunca viu, entendeu? Eu tenho muita coisa com
exemplo: se você fala da Estação da Lapa, eu cheguei a ter noção da Estação da Lapa, então
eu tenho uma desenvoltura. Quando eu nunca vi, é mais difícil...mesmo. Isso é uma questão
trabalhista... eu tenho que desenvolver isso. Eu tenho que aprender isso; eu tenho que saber
isso. E é isso que não me permite saber... porque eu não vejo. E isso é mais complicado.
Então, o meu tempo, por causa disso tudo, é diferente do seu tempo.
Até ir no menu, iniciar, programas, entrar no Word, digitar o texto, ir em fonte, botar a fonte
que eu quero, ir em cor, botar a cor que eu quero, tamanho de letra e depois eu dar um enter
e o texto ficar todo arrumadinho e imprimir e entregar ao professor... o tempo que eu gasto
pra isso é maior do que o seu, a menos que eu tenha bastante, muito, muito tempo de
experiência nisso. E isso no meio dos programadores de tela. Esse é o nó.
Eu considero a educação para o trabalho que recebi como suficiente, regular. Eles querem
que a gente aprenda em uma semana a fazer, entender, mas isso não é deles, é o tempo. o
tempo da ONG é diferente do tempo de um setor do Estado.
Num setor do Estado você pode levar ano pra aprender uma coisa, mas ONG você tem que
aprender e lidar com aquilo durante um mês e muito rápido. Pra gente é muito rápido. E a
gente que é cego não tem essa habilidade toda, não é?
10. Como chegou ao mercado de trabalho?
Eu participei de um processo seletivo
11. Que fator considera ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do
trabalho?
149
O reconhecimento de minha capacidade. Eles abriram o edital, eu levei o meu currículo e
uma carta de proposta salarial... que agora as ONGs trabalham muito com isso, não é? E
fiquei... acho que... entre 8 ou 10 [candidatos]
10
pra fazer a parte prova escrita.
A prova escrita foi [fazer uma] carta e ouvir um vídeo, tipo documentário e fazer meu
comentário sobre aquele documentário. O documentário dentro do questionamento social,
não é!?. O vídeo era sobre quem está dentro e quem está fora; era mais ou menos isso. É a
gente redigia um pequeno texto. Eu fiz essa redação e junto com outras pessoas, entre as
quais Melissa, que também estava na seleção. Fomos três selecionados para a entrevista: Eu,
Melissa e Edmundo que você conhece. E eu fiquei...
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho?
Sim, no computador... só.
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais?
... Porque o local é absolutamente acessível. Não pra cadeirante, mas pra deficientes visuais,
sim. Meu local de trabalho é acessível. Lá cada tem um computador de trabalho, isso é muito
bom, não é? E o meu computador tem adaptação de tela, programas com voz e tal...
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
Sim. Mas você precisa ter dinheiro pra comprar o Jaws que custa 4 mil dólares, você tem que
ter dinheiro pra comprar o Virtual Vision que custa hoje 750 reais. Se você tem conta no...
[nome de Banco] você tem de graça, mas se não tem, pelo fato de ser uma empresa a
empresa tem que pagar pelo licenciamento do produto. Você tem que ter dinheiro pra
comprar outros produtos como [nome de software], como tantos outros. E se você não tem
dinheiro você tem que financiar. E... no caso, a empresa não pode , não é? A gente que tem
em casa, tem financiado numa boa e tal... tudo bem. Mas se as empresas e... não tem dinheiro
também, pra que...? na vida ...[ONG] tem o meu, mas quando eu sai de lá eu vou ter que
levar tudo, e o meu não é licenciado, só o [nome de software] que é licenciado, mas... mas aí
é meu, não é da... [ONG].
15. Quais as adaptações que você recomendaria?
Adaptação na área da informática. Computador tem que ter... porque a gente tem que fazer
ata, a gente tem que fazer relatório, tem que retirar... é... tem uma série de documentação...
tem atividades e tal... E a gente tem que ler, a gente não vai ter
disponível a todo momento uma impressora Braille pra imprimir nossas coisas. E a gente
também precisa fazer comunicações internas. Tem circulares que a gente tem que digitar, e
tal. Então, a coisa básica é o computador.
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera?
Parcialmente incluída. Porque... a questão do tempo mesmo... As pessoas ainda estão se
adaptando a ter deficiente visual no seu ambiente de trabalho, entendeu? De modo diferente.
Antigamente as pessoas tinham um cego... mas o cego ficava ali, contando biscoitos,
empacotando um negocinho, e tal. Hoje o cego está ali... está chefiando empresas; o cego
está trabalhando com softwares e está lidando mesmo!... Está secretariando uma entidade,
como no meu caso. E as pessoas ainda não estão aptas a trabalhar com esse tipo de serviço
com o cego, entendeu?!
10
Acrescentei as expressões entre colchetes para tornar mais claro o sentido de algumas frases ou para indicar
alguma supressão de nome a fim de preservar os entrevistados ou entidades mencionadas. Entretanto, o leitor
pode, ao desconsiderá-las ir direto ao sentido original da declaração do entrevistado, a seu critério particular.
150
Então... é por isso que eu falo parcialmente incluído. Até que a gente prove que a gente está
ali... que as pessoas entendam que nós também estamos dentro, lá... daquele processo..., é
difícil.
É difícil... Por exemplo: Lá na ... [ONG onde trabalha], que é uma entidade que trabalha
com portadores de deficiências, e várias deficiências... volta e meia deixam cadeiras foras do
lugar, vassouras... e isso é o que se sabe...! É uma questão de educação mesmo. As pessoas...
deixam café... aí a gente pode bater com a mão... derramar o café...
Não digo nem assim: Ah, Adriana! você tem que tomar cuidado!... É pra você mesmo. Você
não pode deixar determinadas coisas fora do lugar por que é prejudicial para você... e
melhor pra mim também. As pessoas ainda não entendem isso.
Eu acho também que a gente que não tem que ficar dando uma de coitadinho... esperando...
Eu acho que a gente tem que abrir a boca e falar mesmo, e é isso aí!... A gente também não
pode cruzar os braços e deixar de ser secretária, nem deixar de ser... nem deixar de esperar
que cheguem os softwares, como eu tenho meu colega que é matemático... uma hora alguém
vai ter que quebrar isso... e que tem que quebrar é a gente!
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual?
Eu sinto muita surpresa. Não é discriminação é surpresa. Porque eu lido muito com as
pessoas pelo telefone, não é?... telefone, e-mail, essas coisas, não é... então quando essas
pessoas chegam lá... é... por exemplo: quando as pessoas ligam querendo saber onde é a
...[ONG], então eu pergunto assim: sabe onde é o quartel [suprimido]...? quando você
estiver de frente para o quartel a [ONG] vai estar do seu lado [suprimido]... Ai a pessoa
chega lá. Quando chega lá e pergunta “mas quem é Adriana?” – Eu digo: sou eu... Ah! Foi
você que falou comigo?! As pessoas ficam surpresas... mas discriminação, não. Não sei se é
por que também eu trabalho num ramo que já é com deficiente também e com... e sobretudo
com pessoas que já estão, não é?... excluídas... Então... não sei se é por isso... mas eu nunca
me senti discriminada não.
18. Como avalia o seu desempenho profissional:
Regular...
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho:
Agente pode assinalar mais de uma?[respondi afirmativamente]
Eu acho que o 2º, [necessidade de adaptações no ambiente de trabalho] ...o terceiro também
[qualificação inadequada]. Eu acho que a dificuldade está muito mais na formação do que
no desempenho em si. Não acho desemprego. O emprego nem chega pra gente, não tem nem
parâmetro de desemprego dos cegos pra dizer como é isso... Você está entendendo?... A gente
nem entra no mercado de trabalho, então eu acho que essa questão do desemprego nem
importa tanto. Porque o desemprego está pra todo mundo também. A gente é só um... a gente
é um pedaço do todo... Então, eu acho que o desemprego não. O desemprego afeta mais pra
quem já trabalhou e está desempregado. Mas nem tem... você não tem uma gama de cegos
que já trabalharam e estão desempregados. E quem já trabalhou é que era de... [nome de
supermercado] e não sei que... não sei que... não sei que... Mas não é... eu não considero
como um tipo de trabalho em si.
Não era uma coisa... Primeiro que era uma colocação no mercado de trabalho... não era o
emprego que ele ia buscar, era o emprego que ele era levado... E, segundo, que era
subemprego. Não era emprego. E eu estou falando de emprego.
151
Eu estou falando de a gente ir buscar a nossa... nossa... nossa auto-sustentabilidade. E ai eu
falo na questão financeira, na questão profissional, na questão da qualificação... e não você
ficar contando papel numa empresa. Entendeu? Você ser colocado no... [nome de
supermercado] pra ficar contando papel que vai enrolar biscoito. Isso é emprego?! Está se
anulando. Tirando um trocado no final do mês, pra você ficar de biquinho calado... dizer que
está trabalhando... Você não está trabalhando, você não está mexendo com sua mente, você
não está questionando nada. Ninguém te questiona, ninguém se mete, ninguém te inquieta,
você também não inquieta ninguém e fica tudo por isso mesmo... Isso não é trabalho.
20. Se desejar, cite resumidamente 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional:
“... Eu sou mulher, negra, cega, nordestina... Eu acho que existem várias questões: Existe a
questão da adaptação, não é? Da pessoa à profissão que ela está desempenhando; existe a
adaptação das pessoas que estão em volta desta pessoa que está trabalhando na ONG com
outras pessoas, pessoas de outros projetos... Pessoas que nunca tiveram como colega de
trabalho uma pessoa cega. E isso é enriquecedor para eles, não é. E tem algumas questões,
assim... no sentido do desempenho... Que existe ainda um questionamento e uma vontade de
adaptação do mercado de trabalho pra gente. Mas na medida que o tempo passa há
adaptação... É tudo caro, tudo dispendioso e tudo demanda uma coisa que hoje a gente tá
trabalhando contra ela, que é o tempo.
A gente está trabalhando no tempo e contra ele. Porque a adaptação para o deficiente visual
num trabalho como o meu demanda uma série de coisas, como por exemplo uma boa
habilidade com a informática e com o computador. Se agente não tem essa habilidade prévia
e se as pessoas não têm uma certa paciência acontecem coisas muito... muito complexas
aparentemente ... e complicadas, como por exemplo o atraso. Atraso o relatório e se agente
não sabe digitar o texto, entrar no Word, fazer aquelas modificações todas... trabalhar, não
é? No ambiente é... de informática... é... você tem essa complicação... Eu tive... eu passei por
esse período muito trágico de adaptação com alguns ambientes, de alguns aplicativos não é...
e o trabalho me exigia isso : fazer tabelas, construir gráficos é... essas coisa. E ai eu tive um
pouquinho de trabalho. Mas, tirando essa questão... é... principalmente no meu caso, não
é?... no meu caso foi muito tranqüilo... visto que a ... [ONG] trabalha com minorias, não
é?...minorias sociais, e com minorias economicamente falando também, e trabalha muito com
a questão do deficiente. Eles se importam muito com o deficiente. Então, pra mim, isso foi
muito enriquecedor.
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos
pelo Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e
fazer cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Sim. Visto que o que o Estado está regulando. digamos assim, em termos de direito, está
muito mais no âmbito do deficiente físico, principalmente no mercado do trabalho. Eles estão
preocupados em colocação no mercado de trabalho para portadores de necessidades
especiais físicas e para deficientes auditivos quando se trata de... daquele subemprego de
mercadinho e não sei que... Mas pra uma legislação, pra uma regulação de trabalho, pra
garantir que a gente tenha bolsa de mestrado, no doutorado... pra que a gente concorra de
igual pra igual com você que vai ser professor na Universidade, com outros que vão
sobressair, não temos visto. E é isso que eu, que sou deficiente visual, que fui pra
Universidade, que trabalhei não quero me... me desculpe a expressão se estou sendo
preconceituosa, eu não quero ir pra o mercado contar papel, eu sou muito mais que isso.
Entendeu?
152
Eu fiquei cinco anos numa universidade federal, eu sou negra, sou mulher, sou nordestina,
sou pobre, eu tive dois filhos durante o tempo que estava na universidade pra me conformar
em ir pra ...[nome de supermercado] contar papel... você está entendendo? Eu tenho que
inquietar o ...[nome de supermercado] pra que ele propicie coisas, pra que ele coloque cegos
nos seus departamentos de chefia mesmo. Pra que a gente possa lá secretariar o ...[nome de
supermercado], pra que a gente possa fazer leituras assim a nível mesmo de fazer com que o
...[nome de supermercado] mude a sua cabeça em relação ao deficiente, e não ele colocar o
deficiente ali, que pra ele não vai ter nenhum agravo... Eles não vão pagar isso, não é? Serão
impostos atenuados e tudo o mais, não é? E vai ficar por isso mesmo: todo mundo vai pro
céu, não é? Pois afinal de contas, todo mundo quer uma vaguinha no céu, não é? E o cego
está trabalhando... entendeu? Mas não está trabalhando... O cego está vendendo sua mão-de-
obra barata por nada. Ele está pagando pra trabalhar. Não está pensando.. Isso é o que o
estado não quer: que a gente pense. E fica tudo assim. Eu acho essa discussão produtiva.
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência?
Graças a Deus, não! Graças a Deus, não!
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
Acomodando as pessoas. Sou contra essas bolsas que existem. Eu considero isso como
esmola... pessoas jovens que estão ai recebendo esse benefício... Senão eu ia.... tudo bem que
eu entendo que existe essa questão da necessidade... eu tenho que comprar minhas coisas, eu
tenho que comprar minhas bengalas, eu tenho que comprar meu reglete, eu tenho que
comprar meu papel, eu tenho que dar comida à minha mãe, eu tenho que ajudar meu irmão a
comprar... mas tem também uma questão que é mais importante que essa. Tem a questão de
que eu não quero esmola, eu quero trabalho, entendeu? Eu não quero que o governo Lula
facilite que eu tenha bolsa-alimentação, bolsa-diabo, bolsa-calcinha... Não! Eu quero é que o
governo Lula me dê oportunidade de eu entrar na universidade, estudar... E aí ele tem que me
dar aparato pra eu ter escolha na minha universidade, pra ter meu computador à disposição,
minha e de meus colegas, entendeu? Pra que eu possa entrar na Internet, passar meus textos,
digitar meus textos, fazer minhas provas; passar pro professor minhas provas, discutir com
os meus colegas, de igual pra igual, ter tempo pra ler meus textos, entendeu? Eu quero isso!
Eu não quero ficar... sinceramente... eu... eu fiz o meu curso na boa vontade de meus colegas
e de meus professores, por que eu não tinha computador na minha casa. E aí... [palavrão]
não é? E aí.. minhas colegas ditavam os textos pra mim. Eu ficava até 2, 3 horas da manhã
copiando textos pra no outro dia entregar os meus trabalhos. Não pode isso, não é!?
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
Nessa ordem: o 1º. [Um movimento de emancipação originado no exercício da cidadania das
pessoas com deficiência visual], o 2º. [Uma intervenção do Estado, exercendo seu poder
regulador na vida social], e o 3º. [a pressão internacional através de movimentos e
documentos reconhecidos pela ONU]...
A gente tem tido consciência da responsabilidade muito grande. Embora o grupo seja ainda
muito pequeno, quando você parte pra o Sul e pra o Sudeste você vê que os meninos estão
muito mais danados...e mais: a gente está já, já chegando lá.
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
153
Eu acho que ainda é muito recente. É muito novo ainda e ainda está muito no campo do
paternalismo. É... (neste momento um colega cego interrompe e ela explica que está dando
uma entrevista e logo fala com ele, ele se desculpa e sai).
Eu acho ainda muito paternalista, por que as pessoas ainda estão olhando a deficiência como
se fosse assim. Coitadinho... com todo o esforço não ver como coitadinho, eles ainda vêem
como coitadinho. Mesmo inconscientemente.
E a gente não é coitado de nada... entendeu?
Eu acho que tem um resultado. Eu acho que só o fato de você estar inquietando a academia,
de você estar levando essa discussão pra academia, é muito construtivo. Isso é muito positivo.
Agora, eu acho também que é uma questão, até que eu coloque, quando fizerem debates que
chamem o próprio deficiente pra falar por si. Eu acho que a gente ainda está muito
acostumado a ver o pesquisador e o coordenador discutindo. É...os técnicos discutindo... Tem
que chamar o deficiente que dirige, o deficiente que é dirigido pra também estar ali dentro
daquela discussão e levar pra academia. Por que a gente sente muito a ausência do cego,
sobretudo na academia. Seja pra discutir, seja pra reclamar, seja pra falar. Pra ir na
universidade já é difícil, entendeu? E isso se tem que incluir...
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho?
Eu acho que tem que ter um pouco da questão da legislação da educação do deficiente...
Você poderia buscar o que é que a legislação garante para o deficiente e colocar isso como
inquietação, como pergunta, como questionamento e... procurar profissionais que trabalham
com educação especial pra saber um pouco mais... o que ser feito...
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
Levar o resultado pra deficiente, pra que ele saiba, pra que ele saiba, pra que ele leia mais. E
eu acho que é muito... A união com o terceiro setor. Eu acho que o terceiro setor é a grande
luz. A existência da terceiro setor e a visão de diferencial que você está aí pra o mundo do
trabalho, pra coisas relativas ao mercado de trabalho... sobre colocação... e tudo. eu acho
que o terceiro setor é muito fundamental nisso ai. Então tem que ter muita discussão ainda
das Universidades, da academia em si com o terceiro setor. Isso vai dar o diferencial. Tem
um setor ai... um mundo a explorar que é o mundo do terceiro setor, como a gente citou...
Principalmente o governo. Acho que o governo também... se a gente der o aval o governo
vai... O governo só não vai sozinho. Mas se a gente inquietar, se a gente reclamar. Não... tem
quem ter leis e tem que cumprir a lei! ... aí o governo propõe.
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
Não tem que ter cota, tem que ter capacitação do deficiente para ser equiparado aos outros
concorrentes... Não foi o que eu achei mais importante não, mas essa eu destacaria.
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode Ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
Eu não tenho muito boas expectativas não. Eu não tenho, eu estou sendo muito realista.
Existe muito trabalho, muito texto, muita gente falando sobre esse problema mais não tem...
não existe trabalho. E é com isso... mesmo com o sistema de cotas... Ora o sistema de cotas é
uma furada histórica!
154
Não adianta a gente colocar as cotas se a gente não tem capacidade pra ir até essas cotas.
Eu digo... capacidade intelectual... Eu vou fazer um concurso pra gestor do Estado, vou usar
as cotas, não é? Mas eu não tenho aparato, eu não tenho... Se eu não tenho...?! Só vai fazer
esse curso de gestor quem tem o nível superior. Agora, quantos cegos têm nível superior para
ir se inscrever e concorrer...? Você está entendendo o que eu quero dizer? Não adianta você
botar... O número ainda é muito pequeno... Eu não sou contra as cotas, mas eu sou a favor de
que se aparate ao deficiente e não fique dando cotas. Porque se a empresa tem seus
empregados duas tem que ser deficientes... O diabo! Eu quero que a gente presa não tinha
isso mas que a gente tenha oportunidade de chegar ali, levar o nosso currículo também
executar, executar aquelas tarefas também, você está entendendo?
É isso que eu acho... Eu acho que enquanto tiver dando cotinha disso, cotinha daquilo... cota
de a gente ir ali buscar um quilo de feijão, não sei que... vai continuar nisso.
Comentários
Adriana me deu essa entrevista no Setor de Braille da Biblioteca Pública Central nos Barris.
Sentamos junto a uma mesa, de onde eu podia observar seus colegas, ambos com deficiência
visual, que a esperavam para uma reunião que teriam logo após a entrevista. A entrevistada
parecia apressada e, antes de começar seu depoimento, explicou aos colegas que deveriam
esperá-la informando-lhes sobre seu compromisso previamente marcado comigo. Melissa,
que posteriormente seria entrevistada por mim, era uma das colegas que participariam da
reunião. Ela me perguntou se poderia ficar ouvindo a entrevista de Adriana, mas antes que eu
respondesse, Adriana se antecipou dizendo que preferia ser entrevistada sozinha. Concordei
com Adriana. Melissa dirigiu-se à mesa onde estavam seus amigos. Naquele grupo, todos
tinham baixa visão em diferentes estágios, exceto Melissa que tem cegueira total. Um deles,
ficou um tanto indignado pelo fato de não entrevistá-lo já que minha pesquisa prioriza
depoimentos de pessoas cegas totais.
Adriana revelou maturidade e uma boa dose de indignação com as condições que são
oferecidas às pessoas com deficiência visual no contexto em que vivem em Salvador, e em
todo o Brasil. Assinalou a necessidade de adaptações arquitetônicas, mobiliárias e
computacionais e chamou à atenção para o problema do “tempo” de aprendizagem e de
adaptação da pessoa com deficiência visual ao ritmo da empresa ou organização onde
trabalha.
Adriana é oriunda de classe média baixa, casada com um deficiente visual que também é
professor e pós-graduado em História. Antes da edição final deste relatório de pesquisa, ela
deixou o emprego na ONG em que trabalhava à época da entrevista e mudou-se para uma
cidade do interior do Estado da Bahia. Ficou de disponibilizar por e-mail um texto de sua
autoria para ser anexado a este trabalho mas, até a data em que conclui o mesmo, tal material
não foi recebido.
5. ENTREVISTA DE MELISSA, realizada em 25/03/2004, em sua residência.
Dados pessoais (questões de 1 a 6)
Melissa é natural de Salvador, tem 26 anos, é solteira, sem filhos, não tem familiares com
deficiências visuais, graduada em Ciências Sociais pela Unifacs, com pós-graduação em RH e
155
em Gestão Social (em curso à época da entrevista). Socióloga, desempregada, servindo como
voluntária em ONG. Em 2002, atuou como Instrutora de Informática em uma fundação
ligada a um banco. Ligada ao ramo de serviços, e enquanto desempregada não está no
mercado formal.
Apresenta cegueira total, causada por Glaucoma congênito, tendo ficado totalmente cega aos
15 anos de idade.
7.Você se considera um(a) profissional ...
Me considero qualificada. Como eu já lhe falei eu sou formada em Ciências Sociais, já tenho
curso de Inglês, sei informática... Então, assim eu tenho um aparato teórico que me
possibilita estar no mercado. Mas eu não tenho... eu tenho uma certa dificuldade de prática,
entendeu?
Então, como eu lhe disse, todos os trabalhos que eu venho fazendo atualmente estão sendo de
forma voluntária; porque foi a forma que eu encontrei de estar colocando a cara na rua.
Precisava começar de alguma forma e a forma que foi colocada pra mim foi essa. Então, não
é, é o que eu venho fazendo pra encarar o mercado de trabalho.
8.Onde obteve formação para o trabalho:
Eu acho que foi na universidade, é... e cursos fora da universidade, como curso de idiomas,
curso de informática, mas na universidade. Em classes regulares.
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu:
Olha só: Na verdade, eu não tive educação “para o trabalho”, entendeu? Eu fiz uma
graduação, eu fiz um curso de inglês, eu fiz um curso de informática, mas isso não foi voltado
para o trabalho, entendeu? Então eu não posso nem classificar.
10. Como chegou ao mercado de trabalho?
(Risos) Ai como é que eu digo isso... nesse estado. Eu acho que cheguei, porém não de forma
formal, entendeu? Eu estou no mercado, eu... por exemplo: atualmente eu venho fazendo um
monte de coisas, assim: palestras, organizando eventos, seminários, congressos, escrevendo
textos, mas não de forma remunerada. Até então eu não recebi por isso. Hoje eu faço parte de
uma associação do ABRH, que é a Associação Brasileira de Recursos Humanos, onde eu sou
Diretora de Responsabilidade Social, mas é um trabalho não remunerado. Então, de uma
certa forma eu estou realizando atividades, porém não remunerada.
Eu me classifico ai por duas coisas: uma, pelo meu esforço pessoal e o outra por encontrar
pessoas que acreditassem no meu trabalho.
11. Que fator considera ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho?
Eu acho que é o reconhecimento da capacidade da gente. E uma coisa assim que não está
listada mas está direcionada a isso que é a qualificação da pessoa com deficiência.
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho?
Não. Aliás, só quando eu fui instrutora de informática, por que também eu fui instrutora de
informática pra outros deficientes. Então aí, ó é que os computadores estavam preparados...
Mas só. Nessas outras entidades que eu venho trabalhando, e tal não... nada foi modificado
pela minha presença lá.
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais?
Só a adaptação no micro, que é um programa de voz. Um programa sintetizador de voz, um
software utilizado pelos deficientes visuais. E neste caso específico foi o “Virtual Vision”.
156
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
Imprescindível. Imprescindível. Imprescindível. Por que a gente não pode trabalhar num
lugar que não está preparando a nos receber. Por que a limitação existe, é fato, a gente não
pode negar. Então você precisa ter uma estrutura que lhe possibilite você exercer o que você
tem de potencial. Então, assim: eu preciso ter numa empresa um computador com um
software desse. Eu preciso ter numa empresa pessoas que se conscientizem de que, por
exemplo, o mouse no meio do caminho é ruim pra mim. Pessoas que se conscientizem que, de
repente, por exemplo uma localização, um aviso sonoro pode me facilitar. Então eu acho que
é imprescindível. Sem adaptação não dá pra trabalhar.
15. Quais as adaptações que você recomendaria?
Então pronto: O micro, por que hoje em dia a gente não faz nada sem ele. Uma localização
fácil, não é? Pode ser uma pista fácil no local. A questão dos móveis, do mobiliário ou então
que esse mobiliário seja sempre colocado num lugar, tenham uma arrumação adequada no
local. Que as pontas dos móveis sejam abaloadas, é melhor do que um coisa pontiaguda...
É...que as pessoas tenham uma noção de Braille, que a gente não acha isso em lugar nenhum.
Acho que é isso ai.
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera?
Parcialmente incluído... por isso... por que eu não estou sendo remunerada. Então eu só vou
me sentir totalmente incluída quando eu passa a ser remunerada. A dificuldade de ingressar
no mundo trabalho eu atribuo a falta de visão. A minha (física) e a de quem não me emprega
(as duas ultimas frases foram estimuladas por perguntas que não constam no roteiro da
entrevista). Eu sinto isso! As pessoas sentem muito receio... na verdade as pessoas não sabem
lidar com as pessoas com uma deficiência. Isso gera muito... muito melindre, as pessoas
ficam sem saber como lidar, sem saber o que perguntar, sem saber como fazer e isso gera
uma série de conseqüências, entre as quais eu acho a dificuldade de ingresso no mundo do
trabalho.
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual?
Teve uma vez... assim eu achei complicado... eu soube que uma empresa estava fazendo um...
tendo uma política de integração da pessoa com deficiência. Ai eu liguei e falei: olha, eu sou
deficiente visual, formada, pá, pá, pá... eu queria saber como eu posso fazer pra participar de
um processo seletivo ou enviar um currículo ou alguma coisa assim... “A é?... que deficiência
você tem?” Visual, repondi. “Ah, a gente só trabalha com deficiente físico e auditivo...A
gente tem um convênio com a APADA que é de deficiente auditivo e com a ABADEF que é
deficiente físico.” Ai eu fali: “Bom, mas e aí? Eu tenho uma deficiência e quero trabalhar...!”
Como? Ah... não dá, assim não dá. Então assim... Em momento nenhum, nem deixaram eu
levar o meu currículo. Nem... sabe? Vê se dava pra fazer alguma coisa. Ela me barrou dali!
18. Como avalia o seu desempenho profissional
Muito bom.. eu avalio. Eu estou bem... assim: eu estou muito satisfeita com que eu venho
fazendo. Eu me policio bastante; eu sou muito crítica comigo mesmo, muito exigente mas eu
estou muito satisfeita com que eu venho fazendo.
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho?
É... olha só... varias dessas... a qualificação inadequada é um problema seríssimo. Não
adianta a gente ficar dizendo: a porque a empresa não coloca se a empresa não tem um
profissional qualificado. Isso é um problema muito sério. Eu acho que o preconceito com
157
relação à capacidade profissional é assim: É como se toda hora você precisasse mostrar que
você pode. Isso é também muito sério. O tempo inteiro você tem que mostrar que pode, que
dá pra fazer... e a necessidade de adaptações. Eu colocaria o excesso de cuidados e depois a
falta de emprego.
O aumento de desemprego é um problema geral. Ter deficiência agrava um pouco, mas eu
acho que essas outras são mais importantes.
20. Se desejar, cite resumidamente 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional
[Não citou]
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos pelo
Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e fazer
cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Acho sim. Tem muita relevância, porque eu acho que partir do momento que você começa a
ver a pessoa com deficiência, nesse caso, como um cidadão como outro qualquer, ai você vai
começar a entender que ela é uma pessoa apta pra trabalhar, apta pra administrar uma casa,
apta... como cidadã. Que tem uma limitação física – isso eu enfatizo bastante. Porque a gente
não pode nunca negligenciar isso, é um fato, é uma limitação, entendeu? Mas que existem
várias outras formas de estar vencendo está luta. Eu acho que isso é de fundamental
importância.
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência?
Não recebo e nunca recebi.
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
Eu acho que é de péssima influencia. Eu acho. Eu tenho uma posição meio radial em relação
a isso: eu digo um pouco, porque eu acho que tem mais gente que sabe a esse respeito mais
do que eu. Pelo pouco que eu sei e já estudei, e por conhecer outras pessoas, acho que as
pessoas se acomodam muito em recebendo esse beneficio. E ai eu ouso gente até falar: “Ah, e
eu vou trocar o certo por duvidoso: você é besta... eu começo a trabalhar hoje, ai eu tenho
que suspender o benefício e depois sou demitida! E essas pessoas se acomodam entendeu,
não batalham, não se qualificam, não procuram um emprego. Eu acho que é isso de péssima
influência.
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
Eu acho que hoje é assim... Entre a questão do movimento [de emancipação] e da
intervenção do estado. Eu acho que a benevolência, no iníciozinho começou... a questão do
ofício do assistencialismo... lá... aqui no Brasil, lá na era de Vargas e tal. Hoje eu acho que a
proposta já é outra, embora ainda exista muito está questão do ser bonzinho: mas acho que
hoje o movimento já fala auto... as próprias políticas do estado... acho que já mudou
consideravelmente.
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
Eu acho fantástico. Fantástico porque eu sofri horrores na universidade quando decidi
estudar isso. Porque a gente não acha quem oriente. As pessoas não sabem, não tem
158
conhecimento e, sincera e honestamente eu acho que se interessou. Até encontrar uma
professora que disse, “ Vamos lá, eu vou e vou estudar junto com você”... Sabe, eu me sentia
assim, sem norte. Mas foi uma coisa que eu tinha certeza, quando eu entrei na Faculdade que
eu soube que é ter que fazer um trabalho de conclusão de curso eu falei: Eu vou discutir a
questão da deficiência em um mercado de trabalho. Eu não quero nem saber, mas vou
discutir. Então eu acho isso fantástico porque de uma certa forma a gente vai criando
literatura, você vai divulgando o tema, as pessoas vão passando a se interessar, vai sendo
discutido. Eu acho imprescindível.
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho?
Eu acho que a questão da família seria um pouco relevante. Você sabe como é que a família
atua nessa questão de educação e de trabalho. Como é que a pessoa com deficiência vê isso
perante a família. E... eu acho que é isso mesmo... a questão da família.
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
Antes de qualquer coisa a informação, que eu acho que é que a gente carece na verdade: é da
informação. Que é como aquilo que eu estava lhe dizendo: eu acho, eu acredito muito nisso,
que as pessoas não sabe lida com as pessoas com deficiência por não ter informação e por
não conviver com essas pessoas. Então ,eu digo muito isso, que a gente precisa informar a
sociedade de que existe, de que esta ai e é um percentual considerável da população, eu tinha
uns dados aqui, acho que foi o... que divulgou que a deficiência visual acha atinge 48% da
população. Sendo que ai você coloca subnormal, quem usa óculos, não constam cegos, mas
entre as deficiências é o maior números, é deficiência.
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
Eu acho que o deficiente visual assim como todo portador de algum tipo de deficiência é um
ser humano, sabe, como outro qualquer. Agora, é uma pessoa que sua limitações físicas é que
busca – deveria ao menos buscar – formas de está vencendo suas limitações. É uma pessoa
capaz; é um ser humano então ele erra, ele acerta; ele tem bom humor, e ele tem mal humor;
hoje ele está assim, amanhã ele já não está; como outro ser humano qualquer. Eu acho que
isso, no mundo do trabalho tem que ficar muito claro. Porque assim- eu vou até usar a 3º do
plural – nós vivemos de uma forma assim a gente vai de um pólo ao outro; nós vamos de um
pólo a outro: ou é o gênio ou é o coitadinho. Então é muito complicado ,... eu mesma sinto
muita dificuldade de lidar com a expectativa do outro com relação a mim. Então se vai
mesmo nesses pólos se não faz – porque não faz, é um coitadinho. Se faz – Ah, meu Deus,
fulano é maravilhoso, fulano é um gênio!
E, de certa forma, nós temos que estar sempre mostrando isso. Ah, eu faço aquilo que dá. E
aí a gente fica se...[cobrando]. Eu mesma me cobro... porque é aquela coisa da expectativa
da outra pessoa em relação a mim. E isso é bem complicado. Então, eu acho que isso tem que
ficar bem notado em relação ao mundo do trabalho... E é um trabalhador. Eu posso dar certo
numa empresa, de repente, outra deficiente pode não dar. Não é por conta da deficiência,
entendeu? É por termos habilidades e competências peculiares a cada um de nós. Então eu
acho que é isso aí...
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode Ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
159
Eu acho que... eu prefiro ter uma visão otimista: eu acho que a gente tem que pensar sempre
que vai melhorar. Agora, é claro que eu não posso viver na ilusão de que tudo vai ser
simples, de que tudo vai ser tranqüilo. Sabe? Eu acho que não... mas eu acho... porque eu
acredito que as coisas estão mudando, bem lentamente mas estão. Eu acho que dá pra gente
ter uma perspectiva, nem que seja – eu falei na questão da qualificação, não é? – Antes eu
pensava assim: Pôxa, eu estou na Faculdade... e depois, quando eu sair e tal – até hoje eu
penso.
Aí eu dizia assim: Você quer saber de uma: no mínimo, o meu diploma vai me garantir um
concurso público. Ah, vai, entendeu? No mínimo! Então, assim, eu acho que se tem
perspectiva, sabe, eu, prefiro acreditar assim: que se tem perspectiva. A reserva de mercado
está ai, é uma realidade de que eu acho que deveria ser trabalhada porque não precisa você
dizer: Ah, eu tenho vaga para o deficiente. Existe toda a questão, a gente discutiu ai da
adaptação, do profissional qualificado... não é simplesmente contratar. Mas é uma porta eu
de certa forma já está se abrindo.
6.. ENTREVISTA DE AUDAIR, realizada em sua residência em 20/06/2004.
Dados pessoais (questões de 1 a 6)
Audair é natural de Feira de Santana, Bahia, tem 48 anos, casada, 2 filhos, apresenta
deficiência visual (cegueira total) causada por Glaucoma congênito, enxergava até os 8 anos
de idade quando ficou cega. Tem um irmão deficiente visual e seu esposo também apresenta
cegueira total. Audair é professora no CAP, graduada em Letras e em Direito (UEFS/
Católica), com pós-graduação em andamento em Educação de Jovens e Adultos (UNEB),
também atua como operadora de atendimento ao PABX numa empresa de telefonia, onde é
funcionária há 22 anos.
7.Você se considera um(a) profissional...
Sim, me considero qualificada para o trabalho.
8.Onde obteve formação para o trabalho?
A empresa (...) oferece treinamento para os funcionários, não é? E quando a gente é admitida
a gente passa por um treinamento ... E sempre há reciclagem, outros treinamentos...
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu?
Eu vou responder no meu caso, mas nem sempre funciona assim, entendeu. No meu caso foi
uma qualificação excelente. Eu sempre procurei aproveitar tudo que eu me propus a fazer,
entender. Eu vejo isso de uma forma bem positiva, no meu caso.
10. Como chegou ao mercado de trabalho?
Com relação à [nome da empresa] foi numa época... eu tenho 21 anos... vou fazer 22 anos
agora, em julho, dia 30 [na empresa]. Houve uma campanha com um programa similar a
esse Criança Esperança (Rede Globo) para ajudar deficientes. Então fizeram um
programa...uma campanha pra colocar os empregadores, ofereciam oportunidades pra
pessoas deficientes trabalharem, não é? E nessa época a ... [empresa de telefonia] atual
[nome da empresa], se sensibilizou e colocou duas vagas para pessoas deficientes. E então, a
pessoa que estava responsável na época, pra colocar deficientes visuais no mercado de
trabalho aí, me indicou e indicou a uma outra colega. E nós fomos submetidas aos exames
160
que a própria empresa oferece, não é, passamos por eles e fomos admitidas. E no Estado,
você já sabe que é concurso, não é?
11. Que fator considera ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho?
Bem no meu caso... falando da .... Eu acho que o órgão que coloca como última alternativa
sua, influenciou, mas também o reconhecimento, claro, isso aí também está envolvido, porque
se eu não tivesse capacidade eu não teria sido... E houve também, como eu já falei antes, o
processo seletivo da empresa, não é. Não existia sistema de cotas nessa época. E hoje,
falando logo sobre isso, esse sistema de cotas pouco funciona, pelo menos aqui na Bahia, eu
não tenho ouvido falar que ele tenha beneficiado alguém... não sei se já foi, mas eu não tenho
notícias de que esse sistema de cotas tenha ajudado alguém a ser admitido aqui na Bahia. Se
a gente está falando em Salvador, que é mais evoluída, que a gente tem essa dificuldade,
imagine nas outras cidades.
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho?
Sim. Eu trabalho no PABX,... a mesa é adaptada.
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais?
Eles colocaram uma mesa que tem um visor em Braille e me dão todas as informações e o
computador que eu utilizo também tem instalado um programa especifico que é o Jaws, pra
deficientes visuais. Então são essas duas adaptações.
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
Sim, claro. É imprescindível porque a gente pode fazer muita coisa mas a gente precisa ter o
apoio necessário.
15. Quais as adaptações que você recomendaria?
Bem, aí já vai depender da necessidade da empresa. Da profissão que a pessoa deficiente
visual vai exercer. Aí depende... computadores... é necessário que haja os sintetizadores de
voz, os programas específicos pra que ele desenvolva suas atividades e tenha bom
desempenho, não é. E a depender do que ele vai exercer, talvez outras adaptações necessitem
ser feitas.
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera?
Bem, eu me considero incluída. Embora eu ache que a empresa que eu trabalho... eu não me
sinto assim... valorizada naquilo que eu faço. Porque.... eu fiz dois cursos superiores, fiz uma
pós-graduação e, no entanto continuo na mesma função há 22 anos. Não houve um
progresso, não houve maior atenção porque... simplesmente pelo fato de eu não enxergar.
Então é como se eles dissessem: contente-se com o que você tem... que nós já te demos uma
oportunidade, não é. E não é falta de luta. Todas as pessoas que tem a minha qualificação
não estão onde eu estou, é isso que eu estou querendo salientar. É que se não houvesse a
deficiência, certamente eu não estaria exercendo a função que eu exerço hoje que é a de
operadora de atendimento. Eu estaria exercendo... talvez tivesse meu departamento jurídico,
não é? Ou tem outra função que fosse compatível com a formação que eu tenho.
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual?
Sim. Como eu te falei a pouco, não é? Isso aí já não deixa de ser uma discriminação. Através
de tudo isso... de não me valorizarem por aquilo que eu sou, que eu busquei. E isso não
acontece comigo só, não. Acontece com muitas e muitas pessoas que estão na mesma
situação. Eu conheço pessoas deficientes visuais que estão na mesma coisa... como uma
161
colega que trabalha na Embratel que também acontece a mesma coisa. Tem várias pessoas aí
que trabalham e que têm nível superior e que exercer função de nível médio, por ser
deficiente.
18. Como avalia o seu desempenho profissional?
Eu me considero uma boa profissional, eu exerço a minha profissão com o melhor que eu
posso fazer... eu não diria excelente, porque a gente está sempre melhorando, mas depois de
excelente qual é o próximo grau?! ( Ah, muito bom!)
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho?
Preconceito... pode ir assinalando (...). Não tem excesso de cuidados, eles me deixam livre.
Eu ando pela empresa sozinha... Eu acho que precisa haver maior qualificação... porque com
toda a qualificação que a gente tem já encontra dificuldades, imagine se não tivesse, não é?
Então é necessário que haja (qualificação)... na realidade o que falta é as pessoas
acreditarem na capacidade do deficiente.
20. Se desejar, cite resumidamente 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional
Três momentos... Positivos eu considero a própria oportunidade que eu tive de trabalhar na
..., não é? E negativo que eu considero é em relação a essa não ascensão e também em
relação a... eu já trabalhei muito pra que eles dessem oportunidade a outras pessoas
deficientes visuais e isso não ocorreu. Eu acho... não é por falta de exemplo.. Tanto eu quanto
minha colega... nós fizemos o melhor que pudemos... ela já saiu, mas eu continuo e faço da
melhor maneira possível... então não é um exemplo negativo para que eles não... eu acho que
é simplesmente falta de vontade de colocar outras pessoas pra trabalhar. Porque uma
empresa grande como a... tem condições de não só apenas colocar pessoas deficientes visuais
pra atendimento, mas em outras áreas... se tiver um pouco de boa vontade, não é? Então isso
é uma coisa que posso lamentar. E quanto ao Estado, eu também lamento porque eles só
vêem a gente trabalhando numa escola especial; eles não vêem a gente trabalhando numa
escola comum; trabalhando com pessoas videntes, entendeu. Eu quando passei no concurso...
há três anos... e só depois de três anos foi que eu consegui trabalhar numa escola. E no CAP,
que é uma escola especial. Simplesmente porque eles alegaram que não podia trabalhar
numa escola comum. E como eu já trabalhava durante o dia, só tinha o Instituto de Cegos da
Bahia que só funciona m horário comercial... só me restava o CAP... e o CAP não tinha vaga.
Só depois de muita insistência, só depois de muito trabalho foi que eu vim trabalhar depois
disso... Embora eu tenha passado em 13° lugar, portanto uma ótima colocação, fiquei
esperando quase três anos... Enquanto pessoas com classificação muito distante vieram
trabalhar antes de mim.
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos pelo
Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e fazer
cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Sim. Não adianta você criar leis e não preparar a clientela pra que ela possa ser beneficiada
com essas leis. E não adianta também você criar leis e não cumpri-las. Se o Estado faz essas
leis ele tem que oferecer as condições para que as pessoas que são beneficiadas... que
deveriam ser beneficiadas com essas leis possam ser beneficiadas de uma maneira perfeita,
qualitativo mesmo. Porque não adianta você ter leis e chegar lá fora as pessoas não
desempenharem bem as suas funções porque não tem qualificação. Acho que tem que haver a
criação das leis, a qualificação a boa vontade... e o cumprimento dessas leis.
162
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência?
Não.
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
Olha, eu sou contra isso aí, essas bolsas que existem. Eu considero isso como esmola, isso ai
esmola... eu acho que o que o governo tem que oferecer é educação de qualidade e
oportunidade de trabalho não ficar oferecendo bolsinha, dinheirinho aqui e acolá para as
pessoas... se o deficiente for realmente incapaz, tudo bem, deve ser aceito. Mas como a gente
vê aí, pessoas jovens que poderiam trabalhar... que poderiam estudar estão aí recebendo
benefícios e se acomodam com esses benefícios não crescem, não procuram estudar, não
procuram adquirir uma profissão porque se contentam com o salário que o governo oferece.
Sou contra isso. Eu acho que os benefício devem ser oferecido pra quem realmente precisa.
Quem não tem condição nenhuma de trabalhar, mas uma deficiência como no caso a
deficiência visual não é motivo para as pessoas não trabalharem, não... não é motivo para as
pessoas não estudarem, não.
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
Não... a última está fora. É o resultado de muita luta. O Estado exerce relativamente... mas
pressionado pelos próprios deficientes porque de livre e espontânea vontade ele não faz
nada. Também [há] a influencia de pressão internacional...
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
Eu acho uma iniciativa muito boa, porque não deixa de ser uma... um grito, não é? Um
grito... um apelo pra que haja sensibilidade dos órgãos... eu acho que é muito válido por isso.
De qualquer forma, esse trabalho seu, muitas pessoas vão ter acesso, entendeu. Então já é
uma maneira de chamar a atenção pra isso. De se alertar para as dificuldades e essa
pesquisa é feita justamente com as pessoas que estão precisando... Você está fazendo um
levantamento das dificuldades, entendeu dos empecilhos que ocorreu para que o deficiente
ingresse no mundo do trabalho.
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho?
Eu acho que você abrangeu tudo. Pelo menos agora eu não estou lembrando de nenhuma
outra.
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
É... como eu disse é um acréscimo. Esse trabalho vai chamar a atenção das pessoas para a
realidade das pessoas com necessidades especiais, e qualquer deficiência.
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
Eu diria que a deficiência não representa uma falta de capacidade, pelo contrário, eu acho
que deveriam dar oportunidade para que as pessoas com deficiência mostrassem seu
potencial.
163
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode Ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
Expectativa de melhora de conscientização das pessoas. Que as pessoas se conscientizem que
o deficiente é uma pessoa como outra qualquer. Com limitações, mas essas limitações são
superadas se lhes for oferecido o necessário para que eles possam trabalhar com
desenvoltura, ter um bom desempenho no seu dia-a-dia.
“Talvez seja o sonho da gente, pensar que pode melhorar tudo, mas dá pra melhorar
bastante”. (AUDAIR, 48 anos, professora, advogada, operadora de PABX)
7. ENTREVISTA DE JOSÉ, realizada em 20/06/2004, em sua residência
Dados pessoais (questões de 1 a 6)
José é casado com Audair, é natural de Belmonte, Bahia, têm 51 anos, têm dois filhos, possui
deficiência visual (cegueira total) causada por deslocamento de retina e hemorragia interna,
tendo perdido inicialmente o olho direito em 1964 e o esquerdo em 1975. Foi alfabetizado e
terminou o ensino médio antes de perder a visão. Fez cursos profissionalizantes de
massoterapia e vendas após perder a visão. Tem na família, além da esposa, um irmão
deficiente visual.
7.Você se considera um(a) profissional qualificado(a) para o trabalho?
Sim.
8.Onde obteve formação para o trabalho?
Este curso de massoterapia foi uma experiência feita através da Associação Baiana de Cegos
(ABC), Associação Baiana de Medicina (ABN), Instituto Baiano de Reabilitação (IBR) e
Setor de Fisioterapia e Ortopedia do Hospital das Clínicas. Esse curso foi uma experiência
feita só para os deficientes visuais, no qual várias pessoas fizeram um teste e os aprovados
fizeram um curso com aulas teóricas e práticas.
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu?
Pra mim foi excelente.
10. Como chegou ao mercado de trabalho?
Eu, quando terminei o curso de massoterapia, graças a Deus consegui primeiro lugar e por
isso já saí empregado. Ganhei um emprego.
11. Que fator considera ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho?
Bem, nesse caso, foi o seguinte, houve... o próprio IBR ofereceu ao primeiro colocado o
emprego e devido a minha aprovação, à minha capacidade profissional, e o aproveitamento
que eu tive.
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho? Não.
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais?
[Não houve]
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
164
A depender do trabalho, sim.
15. Quais as adaptações que você recomendaria?
Local de fácil acesso, disposição do ambiente, dos móveis, de uma maneira que não
atrapalhe a circulação.
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera?
Incluído.
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual?
Eu acho que não. Em termos de trabalho nunca... embora sei que tem um preconceito grande.
18. Como avalia o seu desempenho profissional:
Veja bem, eu sou muito procurado... sempre sou indicado pelos médicos... creio que de bom
pra excelente.
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho?
Bem, eu acho que há um medo talvez de que o deficiente não vai se desenvolver, ele não vá
trabalhar mas sim dá trabalho. Acha que ele não tem capacidade, que é difícil, que é isso,
que é aquilo outro, como é que ele vai fazer isso, desempenhar o papel e tudo falta de
conhecimento, ignorância sobre as atividades do deficiente. Acham que ele tem dificuldade
de andar, de descer... então isso impede muito. Como é que eu vou botar ele pra trabalhar?
Vai fazer o que?... Então eu acho que é esse o maior empecilho.
20. Se desejar, cite resumidamente 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional:
Meu primeiro trabalho como massoterapeuta, como deficiente visual com carteira assinada;
a facilidade que a empresa me deu de fazer alguns cursos, ser um bom profissional, fazer
reciclagem...
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos pelo
Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e fazer
cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Sim.
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência?
Não.
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
Olha, sei lá, cada um pensa de uma maneira... quer agir de maneira diferente, outros se
aproveitam e simplesmente procuram se aquietar...
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
A primeira alternativa. Acho mais esse. Tem uma coisa interessante. Antigamente se você
pegasse um deficiente visual colocava assim; dentro de uma industria, o que é que o
deficiente visual pode fazer. Bem, eles podem fazer isso aqui... eles eram colocados assim.
Mas a partir dos anos 70, 75 pra cá, os deficientes começaram a lutar, a chegou junto. E
165
hoje... nós temos ai advogado, temos um bocado de... deficientes visuais vem sendo professor,
devido à procura, à existência...
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
Eu acho que é uma coisa inédita. No momento que seja publicado, divulgado, que a
sociedade tenha isso como é... que chegue as mãos da sociedade... o público lê... participe vai
ter mais facilidade em participar.
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho?
Tantas coisas que são necessárias ainda. Achei tudo interessante... não tem nada a
acrescentar.
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
A contribuição é a divulgação, é a participação, o interesse, a discussão...
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
Bem, perante Deus e a lei, todos nós somos iguais, com os mesmos direitos, deveres e
obrigações, a partir desse principio não deve ter discriminação, não deve ter...
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode Ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
Hoje está bem mais fácil à participação e a inclusão do deficiente visual na sociedade, no
caso do trabalhador. E depende mais dele, lutar para que isso aconteça. Ele estudar, ele
chegar junto mesmo, lutar e forçar, porque inclusive existem leis, e oportunidade, e facilidade
para isso...
“Eu acho que é necessário uma reforma, uma reforma interior, onde o ser humano olhe para
um irmão ao lado como um igual, com as mesmas oportunidades... E aqueles que mais têm
ofereçam condições àqueles menos favorecidos para que estes também tenham condições de
chegar, de vencer, de se estabelecer, ser um cidadão, uma pessoa...
Eu não concordo com o sistema de cotas... parece uma coisa totalmente egoísta e justamente
o meu pensamento é de união, na qual realmente melhore o ensino público, melhore as
condições de trabalho, melhore a participação das pessoas na sociedade, para que haja uma
melhor divisão de renda e com isso há crescimento, não só do ser humano, o crescimento do
país da sociedade, uma evolução”. (José, 52 anos, massoterapeuta)
7. ENTREVISTA COM JOÃO, realizada 17 de junho de 2004, em uma sala do CAP.
Dados Pessoais (questões de 1 a 6)
João é natural de São Felipe, Bahia, tem 43 anos, é divorciado e tem um filho. Sua deficiência
visual é cegueira total de nascença, causada por glaucoma côngenito. Não possui familiares
com deficiência visual. Ë Pedagogo, com especialização em Educação Especial. Atua como
professor e vice-diretor do Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP).
7.Você se considera um(a) profissional qualificado(a) para o trabalho...
166
Sim. Pelo menos para a minha função, me sinto qualificado.
8.Onde obteve formação para o trabalho:
Acho que o Instituto de Cegos da Bahia abriu as portas para isso que aconteceu, porque se
eu tivesse ficado lá, no interior, não teria tido as oportunidades que o instituto me
proporcionou. Primeiro que iria ser difícil a aprender o Braille, que naquele tempo há 30
anos atrás, não se ouvia dizer que cego estudava lá no interior, era pouco divulgado essa
questão de exame de integração, então se eu tivesse ficado por lá, não tivesse vindo para o
Instituto de Cegos da Bahia de repente eu poderia não ter hoje a formação que tenho e nem
exercer a profissão que exerço, talvez as oportunidades não tivesse aparecido, da
desinformação das dificuldades até de vir a salvador e também fatores que tornavam tudo
mais difícil, estar lá estudando lá, não tinha professores capacitados não tinha nenhum
programa de atendimento para educação especial em plena região hoje sim já existe mais na
época que eu era adolescente que eu era criança não tinha, e nem se ouvia dizer lá pela
região, que cego estudava e trabalhava.
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu:
Na verdade eu quis enveredar pelo caminho de educação... Eu fui aluno do Instituto de
Cegos da Bahia, e quis depois me referir aos meus companheiros deficientes visuais dando
um pouco de mim enquanto profissional acho que o caminho foi esse que eu encontrei, não
me arrependo gosto do que faço me realizo e acho que essa questão do mercado de trabalho,
da qualificação é importante para você tem que certificar aquilo que você faz, acontece muito
as pessoas terminarem o 2º grau e ter uma formação definida, ter uma formação geral enfim,
e ai a formação geral não defina profissão você vai ter que praticar para uma definição
profissional, o que você quer fazendo curso superior então talvez durante a razão é que
algumas pessoas não conseguem ingressar no mercado porque não tem uma profissão uma
qualificação profissional, um curso de pequena duração, um teste pequeno não vai capacitar
ninguém para o mercado de trabalho, que hoje é um mercado de gente um mercado na
verdade ruim para o candidato e o deficiente visual parque tem as suas limitações, por ser
mais vulnerável eu fiz um curso de magistério no 2º grau gostei e achei que foi ótimo fiz
depois adicionais em língua portuguesa que é uma extensão do 2º grau depois fiz também
educação especial de 840 horas, achei que foi bom e depois fiz um curso de pedagogia que
foi um curso normal no currículo da UNEB e depois na própria UNEB onde eu fiz a pós-
graduação e a educação especial e pra min foi muito importante, muito bom.
10. Como chegou ao mercado de trabalho?
Processos seletivos. E aí vem o esforço pessoal de me preparar para entrar no concurso,
numa seleção.
11. Que fator considera ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho?
Acho que ajuda de amigos... não é o caso, mas acho que é a segunda opção, porque o
processo de seleção... não iriam me aprovar numa seleção pelo fato de eu ser um deficiente
visual, o sistema era jogado e não existia na época sistema de cotas para deficientes. Agora...
para chegar até lá, é claro que tive que contar com ajuda de amigos, contei com ensino
fundamental, ensino médio, com estudos e universidade, porque para o deficiente visual na
escola... apesar de tudo sempre contei com amigos e colegas, tive muito apoio de amigos e
familiares.
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual? 15.
Quais as adaptações que você recomendaria?
Aqui tem... [é] um ambiente, um centro de educação especializado, um centro de educação
167
para deficientes visuais... Centro de Apoio Pedagógico aos Deficientes Visuais... já é um
ambiente preparado, apesar de ter muitas escadas... Mas escada não é barreira para
deficiente visual... as barreiras aéreas, extintores tem que ser colocados em um lugar
adequado para o deficiente visual não se bater, janelas que abrem pra dentro, esse tempo de
coisa foi visto na reforma do prédio e são situações que não devem acontecer.
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera?
Me considero incluído no trabalho.
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual?
Sim. Como eu trabalhei num laboratório de fotografia ouve situações que me senti
descriminado.
18. Como avalia o seu desempenho profissional?
Eu diria que bom, porque se não fosse bom eu não estaria exercendo a profissão de vice-
diretor; não seria aprovado pelos meus colegas. Eu não teria vários alunos passados pela
minha ajuda, que hoje estão ai no mundo, integrados nas escolas, então pra mim acho bom.
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho?
Acho que a desinformação dos empregadores é um fator assim preponderante nessa questão,
eu acho que ainda existe preconceito do deficiente visual usando a bengala, para a sociedade
a bengala represente uma barreira, enquanto para o deficiente visual ele representa a
liberdade a autonomia de ir e vir, a independência mais queira ou não a sociedade enxerga o
deficiente visual de uma forma que não é a ideal, a dificuldade ao acesso no mercado de
trabalho pela falta de capacidade também é outro fator então eu acho que entra bastante a
questão da discriminação e entra também a falta de formação profissional, o beneficio que o
governo da ao deficiente visual carente isso na verdade neutraliza qualquer interesse das
pessoas que recebem o beneficio, eles na verdade tem o direito de entrar no mercado formal
porque se ele entrar no mercado formal ele tem seu devido sustento.
20. Se desejar, cite resumidamente 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional
O meu 1º emprego era uma coisa que eu estava muito querendo e precisando de um emprego
por questão de sobrevivência então é uma coisa absoluta me deixou assim, de bem com a
vida porque sempre busquei minha independência. Outro momento que me marcou em termos
profissionais foi quando eu fui aprovado no vestibular que pra mim uma coisa que eu muito
queria. E uma outra que também me marcou muito foi poder concluir a especialização no
caso a pós-graduação que é uma coisa assim até então comum, e pra mim me senti muito
realizado porque a especialização me oportuniza outras chances de mercado, e outro instante
que me marcou foi quando assumi a vice-direção do CAP que sou o 1º deficiente visual a
assumir a direção de um cargo de porte desse tipo em Salvador na Bahia como vice-diretor.
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos pelo
Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e fazer
cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Eu acho sim importante que essa discussão aconteça com o Estado, com as organizações
sociais, com a sociedade civil organizada, que são as ONGs, os movimentos. Por exemplo: O
CAPAZ que é um órgão que surgiu de longas reuniões na SETRAS a respeito do mercado de
trabalho e incentivo do Estado... ONGs e instituições civis organizadas de deficientes... foi a
168
partir daí que surgiu esse setor que hoje intermedia a mão-de-obra para deficientes na
Bahia.
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência? Não
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência?
Gera acomodação na maioria.
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
De um trabalho feito nas ONGs, porém nos órgãos oficiais... aqui na Bahia já tivemos até
convênio do SENAI com Instituto de Cegos da Bahia e Secretaria de Educação do Estado que
gerou a criação de um setor no mercado de trabalho de intermediação de mão-de-obra onde
funcionou por quase 22 anos e ai empregou muita gente na industria e muita gente no
comércio.
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?
Toda a discussão que envolve o deficiente visual eu acho importante. Porque de uma
universidade, de uma escola, é onde vai sair os profissionais de amanhã; e tendo pelo menos
um pouco de conhecimento o deficiente visual pode ser uma pessoa que vai ser útil a sua
empresa ao seu trabalho. evidentemente que a visão das empresas vão começar a mudar é
diferente você sair de um cursa na universidade sem ter discutido nada sobre educação
especial , sobre o mercado de trabalho para o deficiente visual você vai ser um profissional
que vai ignorar essa questão, por isso as vezes os próprios empresários ignoram porque não
tiveram esse conhecimento, na universidade existem questões que já colocamos, da
discriminação da falta de consideração por parte das empresas, mais tem o outro lado
porque também desconhecem. O profissional que pesquisar certamente outro conceito sobre
o deficiente visual não mais um coitadinho, aquele que merece uma caridade, não é ser
tratado com privilegio não é isso ele vai ser visto com outros olhos.
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho? 27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a
inclusão de pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho?
Você poderia dar um enfoque na educação especial, na questão da formação profissional
porque o mercado de trabalho existe e está aberto, na minha opinião você deveria ter feito
algumas questões sobre a formação.
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
A visão maior não está no enxergar daquele que se oculta mais no sentir daquele que não
enxerga mais vai a luta. Acho que o deficiente visual não vai ser uma pessoa que vai sempre
querer ser o coitadinho. Eu acho que deficiente visual deve ser tratado como cidadão comum,
tem que ser respeitado pele sociedade e tem que ser dado a ele as oportunidades.
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
Todo cidadão deseja ter um dia sua casa, sua família, sua vida normal eu acho que essa
expectativa gira em torno de todo cidadão e não só do deficiente visual.
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APÊNDICE B - Questionário/Roteiro de Entrevista
1. DadosPessoais
Nome:______________________________________________________________________
Natural de: ___________________________ UF______ Data Nascimento_____________
Estado Civil: _________________________ Tem filhos ( )Sim ( )Não Quantos: ______
Tipo de Deficiência visual: ______________________ Há quanto tempo: ______________
Origem da deficiência: ________________________________________________________
Possui familiares deficientes visuais: _________ ( )pai ( )mãe ( )filho(a) ( )cônjuge
( )Outros: _________________________________________________________________
2.Escolaridade [ndicar formação adquirida antes (A) e/ou depois (D) da deficiência visual,
conforme o caso]
( )Não alfabetizado ( )Apenas Alfabetizado
( )Educação Básica – 1ª a 4ª séries
( )Educação Fundamental - 5ª a 8ª séries
( )Educação Média
( )Educação Superior - Graduação em:___________________________________________
( )Pós-graduação: ( )Mestrado ( )Doutorado
Titulação: __________________________________________________________________
3. Profissão: ________________________________________________________________
Essa profissão ( ) é anterior à deficiência visual ( )é posterior à deficiência visual
Já teve outra profissão? ( )Sim ( )Não Qual: ____________________________________
Atua no mercado: ( )Formal ( )Informal
Profissão que exerce atualmente: ________________________________________________
4. Está empregado(a): ( )Sim ( )Não ( )Aposentado ( )Outros: __________________
5. Ramo de Atividade: ( )Indústria ( )Comércio ( )Serviços ( )Outro: ______________
6. Que atividades profissionais ou funções já exerceu e quais as empresas onde já trabalhou:
Atividade/função: ____________________________Empresa:________________________
Atividade/função: ____________________________Empresa:________________________
Atividade/função: ____________________________Empresa:________________________
Atividade/função: ____________________________Empresa:________________________
Atividade/função: ____________________________Empresa:________________________
( )Nunca trabalhei
( )Nunca trabalhei em empresa
170
( )Considero-me incapaz para o trabalho
( )Outros: _________________________________________________________________
7.Você se considera um profissional:
( )qualificado para o trabalho ( )Desqualificado para o trabalho ( )Outra resposta:______
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8.Onde obteve formação para o trabalho:
( )Em cursos ou instituições para alunos especiais
( )Em cursos profissionais com classes regulares
( )Outros____________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
9.Como avalia a formação para o trabalho que recebeu:
( )Fraca/ruim ( )Insuficiente ( )Regular ( )Boa ( )Muito Boa ( )Excelente
Outra resposta:_______________________________________________________________
10. Como chegou ao mercado de trabalho:
( )Esforço pessoal ( )aprovação em concurso ou processo seletivo ( )Lei de cotas
( )Outros: __________________________________________________________________
11. Que fator considera ter sido o mais importante para seu ingresso no mundo do trabalho:
( )A ajuda de amigos
( )O reconhecimento de sua capacidade profissional
( )O sistema de reserva de vagas/cotas para deficientes nas empresas garantido pela lei
( )A mediação de órgãos/entidades que promovem o acesso/colocação profissional do DV
( )Outro: ___________________________________________________________________
Se possível, descreva o processo: ________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
12. Foram feitas adaptações específicas para você no seu local de trabalho? ( )Sim ( )Não
13. Caso tenham sido feitas, quais as principais: ____________________________________
___________________________________________________________________________
171
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
14. Considera necessárias as adaptações no local de trabalho para o deficiente visual?
( )Sim ( )Não ( )Outra resposta:_____________________________________________
Porque? ____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
15. Quais as adaptações que você recomendaria?____________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
16.Em relação à sua atividade profissional, como se considera:
( )Incluído(a) no mundo do trabalho ( )Excluído(a) do mundo do trabalho
( )Parcialmente incluído(a) no mundo do trabalho ( )Outra resposta: __________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
17. Em algum momento sentiu-se discriminado(a) profissionalmente por ser portador de uma
deficiência visual: ( )Sim ( )Não
Em caso afirmativo, acha importante relatar uma ocorrência: ( )Sim ( )Não
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
18. Como avalia o seu desempenho profissional:
( )Ruim ( )Regular ( )Bom ( )Muito Bom ( )Excelente
( )Outra resposta: ____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
19. Quais as maiores dificuldades que o deficiente visual enfrenta no mundo do trabalho:
( )Preconceito em relação à sua capacidade profissional
( )Necessidades de adaptação no ambiente de trabalho
172
( )Qualificação inadequada
( )Aumento do desemprego
( )Excesso de cuidados por causa da deficiência
( )Outras: __________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
20. Se desejar, resumidamente, cite 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos pelo
Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e fazer
cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno? ( )Sim ( )Não
Quer comentar essa resposta? __________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
22.Você recebe ou já recebeu algum tipo de benefício social específico para portadores de
deficiência? ( )Sim ( )Não ( )Outra resposta: _________________________________
__________________________________________________________________________
23. De que maneira o benefício social garantido pela LOAS interfere na vida profissional da
pessoa com deficiência? _______________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
24. Em sua opinião, os direitos dos deficientes visuais existentes no Brasil em relação ao
mundo do trabalho são resultado de:
( )Um movimento de emancipação originado no exercício da cidadania das pessoas com DV
( )Uma intervenção do Estado, exercendo seu poder regulador na vida social
( )Pressão internacional através de movimentos e documentos reconhecidos pela ONU
( )Uma atitude benevolente da sociedade e do Estado para ajudar o portador de DV
173
( )Outra: ___________________________________________________________________
25. Como você analisa a existência de pesquisas e de uma discussão acadêmica em torno da
inclusão do deficiente visual no mundo do trabalho?_________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
26. Que questões relativas ao tema você sentiu falta e introduziria para a discussão neste
trabalho? ___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
27. Que contribuições um trabalho de pesquisa como este poderia dar para a inclusão de
pessoas com deficiência visual no mundo do trabalho? _______________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
28. Se você fosse o(a) autor(a) desta pesquisa, que declaração ou frase gostaria que fosse
publicada para enriquecer a discussão ou simplesmente porque acha importante dizer?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
29. Na sua opinião, que expectativas a pessoa com deficiência visual pode ter em relação à
sua inclusão no mundo do trabalho?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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