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Eu estou falando de a gente ir buscar a nossa... nossa... nossa auto-sustentabilidade. E ai eu
falo na questão financeira, na questão profissional, na questão da qualificação... e não você
ficar contando papel numa empresa. Entendeu? Você ser colocado no... [nome de
supermercado] pra ficar contando papel que vai enrolar biscoito. Isso é emprego?! Está se
anulando. Tirando um trocado no final do mês, pra você ficar de biquinho calado... dizer que
está trabalhando... Você não está trabalhando, você não está mexendo com sua mente, você
não está questionando nada. Ninguém te questiona, ninguém se mete, ninguém te inquieta,
você também não inquieta ninguém e fica tudo por isso mesmo... Isso não é trabalho.
20. Se desejar, cite resumidamente 3 (três) momentos, positivos ou negativos, que considera
marcantes na sua trajetória profissional:
“... Eu sou mulher, negra, cega, nordestina... Eu acho que existem várias questões: Existe a
questão da adaptação, não é? Da pessoa à profissão que ela está desempenhando; existe a
adaptação das pessoas que estão em volta desta pessoa que está trabalhando na ONG com
outras pessoas, pessoas de outros projetos... Pessoas que nunca tiveram como colega de
trabalho uma pessoa cega. E isso é enriquecedor para eles, não é. E tem algumas questões,
assim... no sentido do desempenho... Que existe ainda um questionamento e uma vontade de
adaptação do mercado de trabalho pra gente. Mas na medida que o tempo passa há
adaptação... É tudo caro, tudo dispendioso e tudo demanda uma coisa que hoje a gente tá
trabalhando contra ela, que é o tempo.
A gente está trabalhando no tempo e contra ele. Porque a adaptação para o deficiente visual
num trabalho como o meu demanda uma série de coisas, como por exemplo uma boa
habilidade com a informática e com o computador. Se agente não tem essa habilidade prévia
e se as pessoas não têm uma certa paciência acontecem coisas muito... muito complexas
aparentemente ... e complicadas, como por exemplo o atraso. Atraso o relatório e se agente
não sabe digitar o texto, entrar no Word, fazer aquelas modificações todas... trabalhar, não
é? No ambiente é... de informática... é... você tem essa complicação... Eu tive... eu passei por
esse período muito trágico de adaptação com alguns ambientes, de alguns aplicativos não é...
e o trabalho me exigia isso : fazer tabelas, construir gráficos é... essas coisa. E ai eu tive um
pouquinho de trabalho. Mas, tirando essa questão... é... principalmente no meu caso, não
é?... no meu caso foi muito tranqüilo... visto que a ... [ONG] trabalha com minorias, não
é?...minorias sociais, e com minorias economicamente falando também, e trabalha muito com
a questão do deficiente. Eles se importam muito com o deficiente. Então, pra mim, isso foi
muito enriquecedor.
21. Nesta pesquisa, trato da relação entre a prática da regulação dos direitos dos cidadãos
pelo Estado, através de leis, e a necessidade de emancipação desse cidadão para instituir e
fazer cumprir seus direitos e deveres. Considera importante para a inclusão a pessoa com
deficiência visual no mundo do trabalho, a compreensão desse fenômeno?
Sim. Visto que o que o Estado está regulando. digamos assim, em termos de direito, está
muito mais no âmbito do deficiente físico, principalmente no mercado do trabalho. Eles estão
preocupados em colocação no mercado de trabalho para portadores de necessidades
especiais físicas e para deficientes auditivos quando se trata de... daquele subemprego de
mercadinho e não sei que... Mas pra uma legislação, pra uma regulação de trabalho, pra
garantir que a gente tenha bolsa de mestrado, no doutorado... pra que a gente concorra de
igual pra igual com você que vai ser professor na Universidade, com outros que vão
sobressair, não temos visto. E é isso que eu, que sou deficiente visual, que fui pra
Universidade, que trabalhei não quero me... me desculpe a expressão se estou sendo
preconceituosa, eu não quero ir pra o mercado contar papel, eu sou muito mais que isso.
Entendeu?