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RESUMO
A doença de Chagas é um dos principais problemas médico-sociais do Brasil. A
morte súbita é um dos fenômenos clínicos característicos da doença de Chagas desde suas
descrições iniciais. Mais de 50% da mortalidade nos pacientes com doença de Chagas são
atribuíveis à morte súbita cardíaca. O cardiodesfibrilador implantável (CDI) tornou-se a
principal estratégia terapêutica para prevenção de morte súbita. Contudo, a eficácia e a
segurança de se tratar o paciente chagásico com o CDI foi avaliada em poucos estudos
observacionais. O objetivo do presente trabalho foi comparar a evolução pós-implante do
CDI em chagásicos e não-chagásicos. Delineamento, população e métodos: estudo
observacional, longitudinal, retrospectivo. A população consistiu de pacientes chagásicos e
não-chagásicos com indicação de CDI para profilaxia secundária, atendidos em hospital
universitário de referência. Os desfechos analisados foram: terapia apropriada (choque
apropriado ou terapia antitaquicardia), terapia inapropriada, mortalidade geral, choque
inapropriado e sobrevida livre de eventos (terapia apropriada ou óbito). Resultados: foram
avaliados 136 pacientes, sendo 65 (54,6%) chagásicos, com tempo mediano de seguimento
de 266 dias (Q
1
=72,25 e Q
3
=465,75). A mediana da idade foi de 60 (50-67) anos e 96
pacientes (71%) eram do sexo masculino. Os dois grupos eram semelhantes quanto à
distribuição de sexo, idade, FEVE e tempo de seguimento. Observou-se terapia apropriada
deflagrada pelo CDI em 32 (62,7%) pacientes chagásicos e 19 (37,3%) não-chagásicos
(p=0,005). A cardiopatia chagásica aumentou em 2,7 vezes (IC 95% 1,3–5,6) o risco de o
paciente receber terapia apropriada. Os pacientes chagásicos com e sem disfunção
ventricular apresentaram a mesma taxa de terapia apropriada (p=0,65). Terapia
inapropriada ocorreu em apenas cinco (3,7%) casos e sem diferença entre os grupos
(p=0,23). Verificaram-se 16 óbitos (11,8%), sem diferença entre os grupos (p=0,82). Os
pacientes chagásicos apresentaram significantemente menos sobrevida livre de eventos
quando comparados aos não-chagásicos (p=0,004). A única variável independente
preditora de eventos foi ser portador de cardiopatia chagásica (p=0,01; HR=2,24; IC 95%=
1,2-4,2). Conclusões: a maior frequência de pacientes chagásicos com registro de terapia
apropriada e a diferença da sobrevida livre de eventos entre os grupos são consistentes com
a presença de um substrato arritmogênico mais grave na cardiopatia chagásica. O CDI
parece fornecer proteção efetiva aos pacientes chagásicos, constituindo procedimento
seguro, com baixa frequência de terapia inapropriada e complicações. A ausência de
diferença na taxa de terapia apropriada entre os chagásicos com e sem disfunção
ventricular sugere que a FEVE não deveria ser usada como critério preponderante e
decisivo de indicação do cardiodesfibrilador nesses pacientes. Considerando-se que a
doença de Chagas foi o único preditor independente de terapia apropriada e óbitos,
questiona-se a eticidade de se submeterem pacientes chagásicos com indicação de
prevenção secundária contra morte súbita a estudos randomizados nos quais um dos grupos
não venha a receber esse tratamento.
Palavras chave: Tripanossomíase americana. Doença de Chagas. Arritmia. Morte Súbita.
Cardiodesfibrilador Implantável.