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No entanto, a impossibilidade da ordem total não torna as suas
tentativas menos essenciais. Perec, que sempre jogou com as
ordenações, com regras rígidas – que soam até mesmo absurdas em
seus livros
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–, se lança, de maneira irônica, a classificações
totalizantes e ri de suas impossibilidades.
Quão tentador é o afã de distribuir o mundo inteiro
segundo um código único: uma lei universal regeria
o conjunto dos fenômenos: dois hemisférios, cinco
continentes, masculino e feminino, animal e
vegetal, singular plural, direita e esquerda, quatro
estações, cinco sentidos, cinco vogais, sete dias,
doze meses, vinte e nove letras.
Lamentavelmente não funciona, nunca funcionou,
nunca funcionará.
O que não impedirá que durante muito tempo
sigamos classificando os animais por seu número
ímpar de dedos ou por seus chifres ocos.
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Borges também fala a respeito das tentativas incansáveis de
distribuir o mundo dentro de um utópico quadriculado de ordem,
onde cada coisa possui seu lugar, e esse lugar relaciona cada
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Georges Perec pertencia ao OuLiPo (Ouvroir de Littérature Potentielle),
grupo fundado em Paris, 1960, liderado por François Le Lionnais e
Raymond Queneau, do qual faziam parte escritores, matemáticos, artistas.
O OuLiPo buscava inventar novas formas de escrever através do encontro
e transferência entre literatura e matemática. Criavam jogos, impunham-se
regras rígidas para escrever, forçando assim a criação de estratégias
engenhosas para criar obras inteiras dentro dos obstáculos estabelecidos.
Por exemplo, Perec escreveu um romance inteiro ( e grande), em francês,
intitulado La disparition (1969), sem utilizar a vogal mais comum da
língua: a letra “e”. Do grupo também fizeram parte, entre outros, Marcel
Duchamp e Ítalo Calvino.
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PEREC. Pensar/ clasificar, p. 110. (tradução minha)