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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
ATANDO E DESATANDO OS NÓS:
A AUTO-ECO-ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES CHEFES
DE FAMÍLIAS MONOPARENTAIS
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para obtenção do grau de Doutor
em Serviço Social.
KELINÊS CABRAL GOMES
Orientadora: Profª. Dra. Maria Isabel Barros Bellini
Porto Alegre, janeiro de 2006.
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Dedicatória
Ao Kleber e ao Lorenzo
Pelo significado que possuem na minha vida;
Pelo o que juntos construímos e estamos
construindo;
Por acreditarem nas minhas idéias e em meus
ideais;
Por serem a minha família.
AMO MUITO VOCÊS!
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AGRADECIMENTOS
Á Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa
de estudos que me proporcionou durante os
quatros anos do curso de doutorado e que foi
de suma importância para a realização deste.
Às mulheres chefes de famílias monoparentais,
pela disponibilidade e colaboração na
realização desta pesquisa.
Á professora Drª Jussara Mendes, diretora da
Faculdade de Serviço Social, coordenadora do
Núcleo de Estudo e Pesquisa em Saúde e
Trabalho - NEST, pela sua forma peculiar com
que me acolheu possibilitando o meu
desabrochar e permitindo o exercício da
diferença.
A Belinha, minha orientadora, minha grande
incentivadora, sempre acreditando no meu
potencial; de forma muito especial orientou esta
tese, permitindo meu exercício de auto-eco-
organização. Obrigada!
Ao meu grupo de estudo, Café com Morin, que
vem me proporcionando a imersão na teoria da
complexidade, e me instigando “reaprender a
aprender”.
Á Marininh@, minha amiga, coordenadora do
grupo Café com Morin, pela imersão que me
proporcionou no paradigma da complexidade,
me fazendo perceber muitas vezes, meus erros
e minhas ilusões. Meu muito obrigada!
Á minha mãe e meu pai, que mesmo distantes
sempre estão presentes na minha vida.
A Gislaine e a Ana, duas pessoas
maravilhosas, que fazem parte da minha rede
de apoio, e foram fundamentais para esta
caminhada.
Á Fabi e a Andréia pelos momentos que
vivenciamos no decorrer do curso, nos
apoiando e nos fortalecendo.
A todos integrantes do (NEST), pela acolhida, e
possibilidade de interações e aprendizagens
durante meu estágio de pesquisa e para além
dele.Josi, Gabi, Rosangela, Fabi, Andréia,
Paola, Claudia, Simone, Cláucia, Jorge, Carine
e Pâmela
Enfim, a todas aquelas pessoas que direta e
indiretamente contribuíram para a realização
desta tese.
SUMÁRIO
INTRODUÇÂO..........................................................................................................11
PARTE I ....................................................................................................................19
1 REDE DE PESQUISA............................................................................................20
1.1 Introdução ao Problema ...................................................................................21
2 OS NÓS DA REDE DE PESQUISA.......................................................................35
2.1 Hipóteses ...........................................................................................................35
2.2 Objetivos............................................................................................................37
2.2.1 Geral.................................................................................................................38
2.2.2 Específicos.......................................................................................................38
3 NÓS METODOLÓGICOS ......................................................................................40
3.1 O caminho da Pesquisa ...................................................................................40
3.2 Pressuposto Epistemológico ...........................................................................44
3.3 Articulando os nós da pesquisa ......................................................................49
3.4 Procedimentos ..................................................................................................52
3.4.1 Natureza da Pesquisa .....................................................................................52
3.4.2 Foco da Pesquisa.............................................................................................53
3.4.3 Técnicas e Instrumentos ..................................................................................57
3.4.4 Análise dos Dados ...........................................................................................59
3.4 Singularidades da Pesquisa.............................................................................63
6
4 IMPORTÂNCIA DA PESQUISA ............................................................................67
PARTE II ...................................................................................................................71
1 FAMÍLIA MONOPARENTAL CHEFIADA POR MULHER: PRIMEIRO NÓ...........72
1.1 Os nós da Família através dos tempos ...........................................................73
1.2 Os nós da família monoparental chefiada por mulheres...............................83
1.3 Atar e Desatar os Nós: O desafio das mulheres chefes de família
monoparentais.........................................................................................................92
1.4 Nós Internos e Externos: A complexidade do conceito de rede...................97
2 A COMPLEXIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS: Segundo Nó .........................105
2.1 A Política Social e sua Evolução Histórica ...................................................106
2.2 As Políticas Sociais voltadas à Família.........................................................115
2.3 A Centralidade da Família: Política Nacional de Assistência Social ..........130
2.4 A descentralização dos Programas Sociais voltados à Família .................135
3 A AUTONOMIA E A DEPENDÊNCIA DO ASSISTENTE SOCIAL: TERCEIRO
...........................................................................................................................151
3.1 O Serviço Social frente à exigência de práticas complexas........................152
3.2 A Auto-eco-organizadorasem rede das mulheres chefes de famílias
monoparentais: O desafio do Assistente Social ................................................163
PARTE III ................................................................................................................187
CONSIDERAÇÕES FINAIS: RECOMPONDO OS NÓS ........................................188
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................200
ANEXOS .................................................................................................................210
RESUMO
O fenômeno da monoparentalidade não é um fenômeno novo. Entretanto, este tipo
de organização familiar cresce a cada dia. Frente a este movimento o Estado
também se reorganiza passando a propor políticas capazes de atender às famílias
monoparentais chefiada por mulheres. Como assistente social, inserida em meio à
complexidade destas mudanças nas organizações familiares, me dispus, nesta tese,
a problematizar a auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de famílias
monoparentais que passam a demandar políticas sociais complexas. Esta pesquisa
foi realizada entre agosto de 2004 e agosto de 2005, em quatro regiões de Porto
Alegre: Navegantes, Sarandi, Agronomia e Lomba do Pinheiro. O objetivo foi dar
visibilidade à complexidade do fenômeno social da auto-eco-organização em rede
das mulheres chefes de famílias monoparentais que passam a demandar políticas
sociais que atendam às demandas familiares atuais. A rede de pesquisa foi
construída com base no paradigma da complexidade, nas idéias de Edgar Morin. A
complexidade tenta conceber a articulação, a identidade e a diferença dos aspectos
físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais que constituem os
fenômenos sociais. Para tanto, reconstituo a organização familiar monoparental
chefiada por mulheres. Esta organização familiar, constituída pelas mães e seus
filhos, enfrentam um cotidiano adverso que demanda estratégias para darem conta
8
do dia a dia. Nesse sentido, criam-se as políticas como a Política Nacional de
Assistência Social, que aponta um novo tempo de efetivação do direito. Mas, ainda
tensionamentos entre o que é demandado pela auto-eco-organização em rede
das mulheres chefes de famílias monoparentais e a fragmentação das políticas
públicas. Sendo assim, cabe também ao assistente social propor novas alternativas
de ações que contemplem a complexidade das mulheres chefe de famílias
monoparentais.
PALAVRAS CHAVES: Mulheres Chefes de Famílias Monoparentais. Paradigma da
Complexidade. Políticas Sociais. Assistente Social.
ABSTRACT
The phenomenon of the monorelative is not a new phenomenon. However, this type
of familiar organization grows to each day. Front to this movement the State also is
reorganized starting to consider politics capable to take care of to the monorelative
families commanded by women. As social assistant, inserted amid complexity of
these changes in the familiar organizations, form up, in this thesis, to question the
self-eco-organization in network of the women head of monorelative families who
start to demand complex social politics. This research was carried between August of
2004 and August of 2005, in four regions of Porto Alegre: Navegantes, Sarandi,
Agronomia and Lomba do Pinheiro. The objective was to give visibility to complexity
of the social phenomenon of the self-eco-organization in network of the women head
of monorelative families who start to demand social politics that take care the current
familiar demands. The research net was constructed on the basis of the paradigm of
the complexity, in the ideas of Edgar Morin. The complexity tries conceive the
articulation, the identity and the difference of physical, biological, social, cultural,
psychic and spirituals aspects that constitute the social phenomena. So that, I
reconstitute the monorelative familiar organization headed by women. This familiar
organization, consisting of the mothers and your children, faces an everyday life
adverse that demand strategies to give day-to-day account. In this case, the politics
10
are created as the National Politics of Social Assistance that points a new time to
effective the Law. But, still it has the intend between what it is demanded by the auto-
eco-organization in network of the women heads of monorelative families and the
fragmentation of the public politics. Therefore, compete to the social assistant to set
out new alternatives of actions that contemplate the complexity of the women head of
monorelative families.
KEY WORDS: Women Heads of Monorelative Families. Paradigm of the Complexity.
Social Politics. Social Assistant.
INTRODUÇÂO
A família sempre esteve muito presente na minha vida. Apesar de, aos 18
anos, eu ter saído do interior para morar na capital em busca do conhecimento, da
carreira profissional, meus pais e meus irmãos mesmo distantes, estiveram comigo,
incentivando-me, acreditando em mim e torcendo por minhas escolhas.
Cresci valorizando a família, a princípio, no único modelo que conhecia a
partir da perspectiva de filha, que foi planejada, amada e cuidada. Depois, com o
tempo, e imersa nas práticas de estágio, o mundo se foi descortinando, e fui
conhecendo outras formas de família. Chegou a formatura e, com ela, um mundo de
possibilidades profissionais que se foram concretizando no decorrer daquele ano de
1991. Aí sim, dentro dos hospitais onde trabalhei, dentro da comunidade onde
implantei um dos programas sociais, a família se movia como um caleidoscópio, e,
de acordo com cada mulher, homem ou criança que me procuravam, uma
configuração se apresentava.
Optei por buscar aperfeiçoamento na área da família, quando realizei a
especialização em terapia de família, que me trouxe grande subsídio teórico e uma
visão mais ampliada das relações familiares, a partir daí, vistas como um sistema.
12
Com meu casamento e com o nascimento do meu filho Lorenzo a reflexão a
respeito das mulheres que chegavam ou tinham chegado nos hospitais, em busca
de ajuda para as doenças dos filhos, visto que trabalhei em hospitais infantis, bem
como na comunidade em busca de recursos para atendimento das necessidades
familiares. Nesta época, eu estava realizando minha dissertação de mestrado.
Refletindo sobre minha organização familiar, infra-estrutura que me permitia
dar conta das minhas questões cotidianas, pensava naquelas mulheres sozinhas no
enfrentamento de um mundo de tanta adversidade. Isso me instigou a estudar esse
cotidiano. Perturbada, procurei investigar como estas mulheres chefes de famílias,
faziam para cuidar sozinhas dos filhos. Cuidado que, para mim, é a base da relação
que eu estabeleço com meu marido e com meu filho.
O cuidado é algo extremamente importante na constituição do ser humano,
pois é a partir dele que dispensamos tempo e atenção aos nossos entes. Isso passa
por um reconhecimento de um olhar, de cuidado
1
, de zelo, de guardar, palavras
essas, que dão significado ao vocábulo, ultrapassando a representação do senso
comum apenas focado na atenção para o desvelo, como salienta Walz: “[...] o senso
comum nos faz pensar que cuidar significa apenas os preparativos ou atividade
prática do zelo. Mas na origem da palavra este é apenas um dos elementos”
(2004:32).
1
A origem da palavra cuidar, vem do latim cogitare, que tem como significado: Imaginar, pensar,
meditar; cogitar, excogitar, Julgar, supor; Aplicar a atenção, o pensamento, a imaginação; atentar,
pensar, refletir; ter cuidado, tratar (DICIONÁRIO AURÉLIO – SÉC. XXI).
13
E foi na busca da multidimensionalidade que embasa o exercício do cuidado
que procurei investigar a auto-eco-organização
2
em rede das mulheres chefes de
famílias monoparentais, pois as mulheres chefes de famílias monoparentais, além de
desempenharem as funções de prover e proteger as necessidades sicas e
primordiais de seus filhos, também necessitam de um respaldo para poderem
enfrentar e se apoiar na resolução de situações cotidianas. E isso requer a utilização
de uma gama de recursos físicos, emocionais, mentais, sociais, culturais, para
poder, de fato, servir de base para o núcleo familiar.
Segundo Morin, a partir do momento em que um ser vivo se torna uma
exigência existencial para um outro ser vivo, criam-se interações complementares e
ou antagônicas, e a eco-organização desenvolve-se (1999:41). Neste sentido se
estabelece à auto-eco-organização das mulheres chefe de famílias monoparentais,
num circuito de autonomia e dependência, estabelecido para o cuidado de si e para
o cuidado dos filhos.
Como assistente social implicada com a prática, como mulher que identifica
as questões de gênero, como mãe cuidadosa é que passo a conceber o fenômeno
das mulheres chefes de famílias monoparentais em rede, pois, não escrevo do alto
de uma torre que me afasta da vida, mas no centro de um turbilhão que me implica
na minha vida e na vida (MORIN, 1999: 276).
Nesta tese, ao assumir a escrita na primeira pessoa, assumo a
responsabilidade do meu discurso (MORIN, 1999). Assim como assumo meus erros
2
Um dos princípios da complexidade de autonomia e dependência. São múltiplas as dependências
que nos permitem construir nossa organização autônoma. (MORIN, 2003: 36).
14
e minhas ilusões ao conceber a teoria e o fenômeno estudado, visto que todo
conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão (MORIN, 2000 b: 19).
Compreendo o pressuposto da complexidade: o conhecimento é, ao mesmo
tempo, tradução e reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do
erro na subjetividade do conhecedor. Também somos levados pela cegueira
paradigmática, uma vez que somos impulsionados ao conhecimento, ao pensamento
e à ação através dos paradigmas que nos induzem à visão de mundo que
possuímos. E por esta somos possuídos (MORIN, 1999).
Deste modo, imersa nesta tese, ao mesmo tempo em que a fui construindo,
eu também me construí, pensando, refletindo, analisando, pontuando e sentindo,
porque a emoção não está deslocada do conhecimento. Neste sentido, Arruda
aponta que:
A raiva, a frustração, a mágoa, a alegria contém incertezas
perturbadoras que refletem oportunidades importantes de
capacitação e reconhecimento [...] A emoção é antes de tudo uma
forma rica de expressão que pode revelar pontos de vistas e
informações úteis para fomentar a formação do assistente social
(2004:168).
Estimulada pela emoção, eu sentia quanto esta tese fazia parte do meu
universo enquanto assistente social, enquanto mulher, enquanto mãe, enquanto
sistema vivo que se organiza/ desorganiza/ reorganiza. Em meio a todo esse
movimento, veio-me a metáfora de atar e desatar nós e os nós cujo movimento da
rede possibilitou a construção do pesquisador/ concebedor/ ator/ observado, o que
15
diz respeito à dinâmica estabelecida pela própria pesquisa, e, assim como pesquiso
e observo o fenômeno, sou observada por mim e pelos outros.
A auto-eco-organização desta tese que está distribuída em três partes, cada
uma delas interdependentes e complementares, mas que permite múltiplas entradas
e, por isso, possuem numeração própria.
A primeira parte é intitulada de Rede da pesquisa. Neste item, vou delineando
os desdobramentos das etapas percorridas nesta tese, ao mesmo tempo em que
explicito a utilização da metáfora dos nós que ajuda a compreensão deste estudo.
Considerando que a metáfora, nas organizações sociais, tem o poder de uma
“figura de linguagem” usada freqüentemente para dar um toque criativo à nossa
maneira de falar, penso que elas sejam fundamentais por tratar-se de: (...) uma força
primária através da qual os seres humanos criam significados usando um elemento
de sua experiência para entender o outro (MORGAN, 2000:21).
O primeiro item desta parte, denominado de Introdução ao problema, é onde
pesquiso sobre as mudanças que vêm-se sucedendo nas organizações familiares,
entre elas a família monoparental chefiada por mulheres, que apesar de não ser um
fenômeno novo, é uma manifestação da organização humana que vem ganhando
destaque pelo crescente número de famílias que se vêm configurando dessa forma e
pela complexidade que envolve essa questão junto às políticas sociais, sendo que o
assistente social é um dos profissionais capacitados para a gestão de tais políticas.
16
No segundo item, Os nós da rede de pesquisa, são os nós epistemológicos
que elegi para compreender o fenômeno da auto-eco-organização das mulheres
chefes de famílias monoparentais. Para tanto, apresento as hipóteses desdobradas
em questões chamadas de nó dialógico, bem como os objetivos que fundamentam a
investigação.
O terceiro item, s metodológicos, trata das possibilidades e dos entraves
da pesquisa, de modo que, nele, percorro o caminho da pesquisa, aprofundando a
respeito do pressuposto epistemológico, o paradigma da complexidade, cujo fio
conduz esta tese. O item Articulando os s da pesquisa refere-se à forma gráfica,
ao movimento efetuado pela pesquisadora, no qual ela separa os nós da rede, para
imediatamente articulá-los (MORIN, 2000), mostrando assim, a tessitura da rede. Os
procedimentos, assim como sua caracterização quanto à natureza da pesquisa,
quem são os participantes, as técnicas e instrumentos, a proposta de análise dos
dados e a importância da pesquisa vão delineando a constituição da tese.
A segunda parte é reservada à análise dos dados e apresenta o
desdobramento de cada uma das hipóteses que foram desmembradas em nós
dialógicos tratados na primeira parte da tese em três capítulos, ou melhor, em três
nós.
O primeiro capítulo é o primeiro e se refere às mudanças ocorridas em
todos os segmentos da sociedade, inclusive na família, sugerindo uma gama variada
de novas tipologias para a família no século XXI, como a família monoparental
chefiada por mulheres. Para dar vistas à forma como a família se vem organizando
17
ao longo dos séculos, faço uma breve retomada histórica, intitulada Os nós da
família através dos tempos, nos quais focalizo a família monoparental chefiada por
mulheres, representada pelas mulheres, em um item chamado “Os nós da família
monoparental chefiada por mulheres”. Ato e desato os s, estabelecendo o desafio
das mulheres chefes de famílias. Para finalizar, entrelaço os nós internos e externos,
apresentando a complexidade do conceito de rede e a concepção de rede utilizada
ao longo da tese.
O segundo nó ou segundo capítulo, mostra a complexidade das políticas
sociais e se desdobra em A política social e sua evolução histórica, fio que assegura
uma retrospectiva histórica das políticas sociais, enfocando a política de assistência
social. Na seqüência, apresento As políticas sociais voltadas à família. E ainda, a
Centralidade da Família na Política Nacional de Assistência Social. Para finalizar o
tema, descrevo como se estabelece a organização dos programas sociais através de
uma gestão descentralizada, tendo como título A descentralização dos programas
sociais voltados à família.
No terceiro , trato da autonomia e dependência do assistente social,
divididas em o serviço social ante a exigência de práticas complexas e dou vistas ao
contexto do serviço social, que não fica imune ao processo de transformações
sociais ocorrido em nível mundial e que, com isso, precisa abarcar a complexidade
das questões emergentes do contexto contemporâneo. A seguir, esquadrinho a
auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de famílias monoparentais, a
qual se constitui em um desafio para o assistente social, através da análise da
representação gráfica da organização/desorganização/reorganização de sua rede.
18
A terceira parte é dividida em Considerações Finais, intitulada Recompondo
os nós, pois ao mesmo tempo em que recomponho a pesquisa vou me recompondo.
Aqui destaco os achados, as descobertas que sintetizam as hipóteses e os nós
dialógicos, assim como os tensionamentos e proposições para as políticas sociais e
para os assistentes sociais, entre os quais me incluo. Destaco sua provisoriedade,
pois ao abordar-se sistema vivo, tem que ser levado em conta o ambiente na qual
este se encontra, reforçando que, se houver alguma alteração nos fios que
compõem a rede mudam–se os nós, o contexto e as mulheres e as famílias. Essa
parte também é composta pelas Referências Bibliográficas, importante base de
sustentação teórica desta discussão. E ainda, pelos anexos que servem de apoio ao
corpo do trabalho, por tornarem perceptivo o instrumento que embasou a
investigação, assim como o consentimento livre e os esclarecimentos que
acompanha a postura ética desta pesquisa.
1 REDE DE PESQUISA
Denominei Rede de pesquisa a primeira parte desta tese em que faço um
delineamento de como ela está organizada. Para tanto, também se faz necessária a
compreensão da metáfora
3
dos nós que utilizo neste estudo. E por que usar a
metáfora dos nós? Essa metáfora foi escolhida por simbolizar a complexidade do
fenômeno da auto-eco-organização da rede de mulheres chefes de famílias
monoparentais. Essa metáfora também condensa os nós do
pesquisador/observador/concebedor/ator/observado, termos que se associam e se
distinguem de forma dinâmica e ininterrupta, pois, ao mesmo tempo em que
pesquisamos, observamos e concebemos, somos também atores observados por
nós e pelos outros.
De outra parte, a metáfora foi escolhida por possibilitar a visualização do
movimento das mulheres chefes de famílias monoparentais ao constituírem sua rede
de apoio para o enfrentamento de seu cotidiano. Nesse sentido, elas fazem um
movimento incessante de atar e desatar os nós, toda vez que sua rede é constituída.
Com isso, a entrada e saída de membros ou instituições neste processo são
dinâmicas. Entretanto, o se trata de um movimento linear, pois o entrelaçamento
3
Metáfora se refere ao uso da palavra num sentido que não é próprio, mas baseado numa relação de
semelhança. Segundo Morin (2000:92), a metáfora fornece freqüentemente precisões que a língua
puramente denotativa não pode fornecer. Assim, quando falamos da roupa, do corpo [...]
compreendemos melhor sua qualidade do que por meio de referências físico-químicas.
21
dos nós, tanto pode estrangular como potencializar as relações estabelecidas na
composição de uma rede. Esses movimentos foram considerados, na medida do
possível, uma vez que, um único olhar não conta de um todo articulado. Os
múltiplos sentidos da metáfora dos nós pode simbolizar o paradigma
4
da
complexidade, por incluir movimentos contraditórios, concorrentes e, por vezes,
também complementares, como nos diz Morin (1990). Os s de fios entrelaçados
tanto podem potencializar uma rede, irrigando-a e sustentando-a, como podem
também isolá-la fragmentando as partes deste todo.
1.1 Introdução ao Problema
As mudanças que vêm ocorrendo nos padrões de organização das famílias
coincidem com a dinâmica que se estabelece no contexto global, mostrando a
“complexidade das inter-relações entre mudanças econômicas, culturais e sociais”
(SEGALEN, 1999:24). Dessa forma, ambas recebem influência e são influenciadas,
numa mesma medida, pelos acontecimentos históricos, econômicos, sociais e
culturais que movimentam o mundo.
Esta interação dá visibilidade à recursividade
5
existente nos fenômenos, e o
pesquisador não tem como deixar de contemplá-la no processo de estudo da
realidade social. Assim sendo, os inúmeros acontecimentos ocorridos no decorrer
4
A complexidade diz respeito não apenas à ciência, mas também à sociedade, à ética e à política. È,
portanto, um problema de pensamento e de paradigma que envolve uma epistemologia geral
(MORIN, 2003:52). Sendo assim, ao longo do texto me refiro tanto ao pensamento complexo, como
ao paradigma da complexidade, ao abordar as questões epistemológicas desta tese.
5
Para Morin, o princípio de recursividade é um processo cujos produtos são necessários para a sua
produção. É uma dinâmica autoprodutiva e auto-organizacional (2003: 35).Neste caso, a sociedade
produz a família através da cultura e da linguagem assim como a família produz a sociedade nas
interações e pelas interações (2000:95).
22
dos séculos vêm modificando o cenário social e a vida humana. Esses
acontecimentos instauram transformações no mercado, na economia, na cultura, na
educação, nas relações sociais, etc. Uma dessas transformações diz respeito às
organizações familiares monoparentais chefiadas por mulheres.
O fenômeno da auto-eco-organização em rede, das mulheres chefes de
famílias monoparentais, constitui-se hoje no foco desta pesquisa, no entanto, a
minha prática profissional de assistente social inclui a experiência com
organizações familiares, mesmo antes de iniciar meu aprofundamento teórico a
respeito do tema.
Durante três anos trabalhei em uma ONG
6
de Porto Alegre, com grupos de
famílias
7
, constituídos, na sua maioria, por famílias monoparentais chefiadas por
mulheres. Mas o fenômeno da monoparentalidade só foi vislumbrado por mim,
quando me havia distanciado da prática e regressado aos grupos para coleta de
dados da minha dissertação de mestrado.
Esse fenômeno, que passou despercebido por mim vem, retratar também a
forma como ele é visto pela sociedade. As organizações familiares se
constituem/reconstituem de forma tão dinâmica que sequer percebemos essas
reorganizações sociais, deixando-as à margem de qualquer discussão que abra
possibilidades dentro do nosso sistema de proteção social. Leite refere que:
6
Organização-Não-Governamental.
7
Estes grupos foram denominados por mim como grupos multifamiliares, estudo que constituiu
minha dissertação de mestrado.
23
Na realidade a monoparentalidade sempre existiu se levarmos em
consideração a ocorrência de mães solteiras, mulheres e crianças
abandonadas. Mas o fenômeno não era percebido como uma
categoria específica, o que implica sua marginalidade no mundo...
(2003:21).
A marginalidade, nesta discussão decorrente da falta de
atenção/investimentos adequados, reitera que o fenômeno da família monoparental
deveria receber um maior estudo pela própria sobrecarga de papéis de um dos
cônjuges, no caso deste estudo, a mulher. Na França, por exemplo, a
monoparentalidade foi considerada um problema político do campo social (MARTIN-
PAPINEAU, 2001): o Estado concede um abono Allocation de Parent Isolé (Abono
de Genitor ), também conhecido pela sigla API, para garantir uma renda mínima
para as famílias monoparentais (LEITE, 2003). Esse abono é considerado de
reparação imediata e fornecido apenas por um período transitório. Outro abono que
compõe o auxílio às famílias monoparentais é o Allocation de Soutien Familial
(Abono de Sustento Familiar) conhecido como ASF. Esse abono pode ser recebido
independemente da renda familiar (LEITE, 2003).
A preocupação em relação a monoparentalidade, na França, decorre em
função de a família necessitar um apoio para compor situações cotidianas,
principalmente no aspecto econômico, o que acarreta uma queda no rendimento
familiar. Quando a mãe é que fica com os filhos, esta situação tende a se
complexificar ainda mais, devido também à situação de gênero que envolve esta
dinâmica: “a remuneração que a mulher consegue obter pelo seu trabalho é
significativamente menor que a do homem” (LEITE, 2003:176).
24
As mudanças de configuração, de relação e de papéis que vêm ocorrendo
nos padrões de organizações sociais, entre eles a família, mostram um mundo que
funciona de forma articulada, em rede. CASTELLS (1999: 85) aponta que “a única
organização capaz de crescimento sem preconceitos e aprendizagem sem guias é a
rede”
8
, todas as outras topologias são restritivas pois a rede se configura com
acessos múltiplos, sempre abertos para todos os lados, sendo capaz de se expandir
de maneira ilimitada, integrando ou excluindo nós na medida em que isso se faz
necessário. No caso da família monoparental chefiada por mulheres, esta dinâmica é
capaz de captar o movimento da família, ao integrar ou excluir os nós, que podem
ser membros, instituições, vizinhos, amigos, etc. que compõem o seu dia-a-dia.
“Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico
suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio” (CASTELLS, 1999: 498).
Esta nova forma de organização social se configura na rede de famílias
monoparentais e surge no bojo das transformações socioculturais deste início de
século. Canevacci (1984:63), ao se referir à família destaca que:
Nenhuma instituição humana jamais teve uma história mais
surpreendente e rica de eventos, nem condensa os resultados de
uma experiência mais prolongada e diversificada. Ela exigiu os mais
altos esforços mentais e morais no curso de inúmeras épocas para
se conservar em vida e para se transformar através dos estágios
diversos até sua forma atual.
Os escritos de Canevacci, após mais de duas décadas, continuam
confirmando que a família, ao longo da história, vem fazendo parte de vários estudos
e aprofundamentos, e quanto ainda requer pesquisas não como uma maneira de
8
Neste primeiro momento, apóio-me na definição de Rede baseada em Castells é um conjunto de
nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta” (1999:498).
25
enquadrá-la em determinado tempo e espaço, mas como forma de compreensão de
sua reorganização e de acompanhamento das novas organizações que esta
assume. Segundo Morin (2000 d: 19), “vivemos uma era histórica em que os
desenvolvimentos, científicos, técnicos e sociológicos estão cada vez mais em inter-
retroações estreitas e múltiplas”.
É importante pensar os problemas da humanidade de forma integrada, de
forma global. Este é um grande desafio da época contemporânea, denominada por
Morin de época planetária:
O mundo encontra-se cada vez mais uno e cada vez mais
particularizado, digamos cortado em pedaços. Uno no sentido de que
cada parte do mundo faz parte cada vez mais do mundo em sua
globalidade. E que o mundo em sua globalidade encontra-se dentro
de cada parte (MORIN, 2001:46).
Essa globalidade aponta a interligação dos problemas planetários, não
podendo mais ser separados os problemas econômicos, dos religiosos, dos sociais.
Os episódios antes debatidos em países ou regiões específicas, hoje tomam um
novo alcance e alimentam debates no mundo - como é o caso dos episódios
ocorridos no dia 11 de setembro de 2001 e no dia 11 março de 2004 - que apontam
possíveis rupturas em valores que fundamentavam as relações sociais constitutivas
da humanidade.
Terroristas atacam por ideais religiosos, culturais, sociais, etc. Sendo assim, a
morte de milhares de pessoas inocentes se constitui em indignação e se traduz
em forma de protesto, por diferentes organizações que emergem da sociedade civil,
não importando o Continente em que estejam localizadas. As repercussões dos
26
fatos são inúmeras, desde o choque emocional ao assistir em tempo real aos
ataques terroristas, até a instabilidade financeira gerada pelo ato em si.
Em meio à complexidade das mudanças sociais, a dinamicidade das
organizações e a imprevisibilidade das demandas atuais, é que foi pensada a atual
Política Nacional de Assistência Social 2004 (PNAS), que se articula a uma rede
de proteção social voltada à garantia de direitos e de condições dignas de vida,
destacando a importância da família o no âmbito da sociedade, mas também
no âmbito das políticas públicas nos quais ela se torna central. Trata-se de uma
concepção inédita: a família ganha centralidade na organização da política, pois o
que até então se tem visto, é o tema ser relegado ao segundo plano “na evolução
das lutas sociais no país” (COSTA, 2002: 21).
Ao apresentar a PNAS, buscarei discuti-la como uma política dialógica
9
que,
como tal, apresenta situações antagônicas, complementares e concorrentes no que
se refere ao atendimento das famílias monoparentais chefiadas por mulheres.
Essa Política Nacional de Assistência Social -PNAS refere-se a matricialidade
sociofamiliar:
Por reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão
sócio-cultural geram sobre as famílias brasileiras, acentuando suas
fragilidades e contradições, faz-se primordial sua centralidade no
âmbito das ações da política de assistência social, como espaço
privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias,
provedoras de cuidados aos seus membros, mas que precisa
também ser cuidada e protegida (PNAS, 2004:29).
9
A dialógica é um dos princípios da complexidade, o qual permite assumir racionalmente a
associação de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno. Une dois princípios ou
noções que deveriam excluir-se um ao outro, mas são indissociáveis na mesma realidade.
27
O referido documento apresenta uma discussão atualizada no que diz
respeito à importância do cuidado dentro da relação familiar, levando em
consideração que família e membros necessitam desta atenção. Até então, a família
não vinha sendo protagonista das políticas sociais, pois estas estavam pautadas em
políticas fragmentadas, dividindo a família em situações como educação, habitação,
assistência, etc., assim como, fracionando seus membros em atendimentos
específicos para mulher, crianças e adolescentes, idosos. Com isso, a família sai
em busca de recursos, peregrinando entre instituições que possam ajudar a
enfrentar suas situações cotidianas. Nesse sentido:
É fundamental dar à família um papel protagônico reforçando a
possibilidade da mudança, da emancipação, rompendo com práticas
profissionais que produzem discursos carregados de verdades que
não consideram seu impacto na vida dos sujeitos, não fortalecem a
autonomia e perpassam as políticas sociais se estabelecendo como
prática (GOMES, BELLINI e TRINDADE, 2005:5).
A atualização de conceitos, no âmbito da Política Nacional de Assistência
Social PNAS, não garante uma mudança nas práticas e ações É necessário a
consolidação efetiva dessa política, através das várias esferas do governo e da
sociedade civil como previsto no Sistema Único da Assistência Social (SUAS),
através de um sistema descentralizado e participativo, bem como também por
intermédio de uma mudança na concepção da organização dos programas e dos
gestores que materializam esta política, pois, como o próprio documento refere, “a
realidade tem dado sinais cada vez mais evidentes de processos de penalização e
desproteção das famílias brasileira” (PNAS, 2004:35).
28
E essa desproteção não é em nível macrossocial em termos econômicos,
é também uma desproteção no que diz respeito a concepções e valores dos
profissionais responsáveis pela execução dos serviços que classificam as famílias
em estruturadas/desestruturadas, normais/anormais, capazes/incapazes, e é nesta
perspectiva que executam os programas. Estes termos eram utilizados para “rotular
as famílias que fugiam ao modelo-padrão descrito pela escola estrutural-
funcionalista” (MIOTO, 2004:53), o que leva a perceber que, apesar de os
profissionais se referirem a diversas configurações familiares existentes neste inicio
de século, a assimilação da diversidade de famílias, por vezes não acontece. Ao se
tratar das funções familiares (MIOTO, 2004), estas seguem pautadas no mesmo
padrão de funcionalidade, sem levar em conta as idiossincrasias de cada núcleo
familiar (MIOTO, 2004).
Por outro lado, pontuo o avanço ocorrido na elaboração da PNAS, tendo
como pressuposto um sistema descentralizado e participativo da assistência social e
propondo a constituição de um conjunto de ações de responsabilidade da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com seus níveis de
atuação, de maneira complementar e cooperativa, como estabelecido pela Lei
Orgânica da Assistência - 1993 (LOAS), assim como, abrindo a discussão da política
para a contemplação de novas referências que sirvam de base para a implantação e
implementação de programas voltados às famílias:
O trabalho com famílias deve considerar novas referências para a
compreensão dos diferentes arranjos familiares, superando o
reconhecimento de um modelo único baseado na família nuclear [...]
(PNAS, 2004:29).
29
O reconhecimento das diversas organizações
10
familiares, por parte das
políticas públicas, é um avanço, no sentido de estar captando as diferenças, sejam
elas sociais, culturais, organizacionais, que se constituem no bojo da sociedade. E
com isso, a possibilidade de reconhecimento das famílias monoparentais chefiadas
por mulheres. Mas para que isso de fato ocorra, o reconhecimento da diversidade
social tem que ir além da elaboração da Política e se constituir em práticas através
dos programas sociais e dos gestores desses programas que, em muitos casos, são
assistentes sociais, profissão que abraço.
Como assistente social, trabalhei em um programa municipal
11
voltado para a
família e, desde então, por estar gerindo-o e procurando estratégias que dessem
conta da emancipação das famílias, comecei a analisar os programas sociais,
programas de proteção implementados pelo Estado e pude perceber que estes,
embora elaborados para o atendimento familiar, voltavam-se de maneira especial,
para a mulher, chefe de família ou não.
As mulheres acabavam responsabilizadas pelo fracasso ou sucesso da
família. Isto porque é através delas que os programas sociais adentram as famílias,
seja através das reuniões que elas freqüentam, dos grupos que integram, das visitas
domiciliares que recebem, ou mesmo, através das entrevistas individuais de que
elas participam junto às instituições gestoras dos programas. Como pontua Mioto:
10
Passo a utilizar o termo organização familiar por considerar que a organização é tipicamente
considerada como um sistema aberto e em constante interação com o seu contexto, transformando
entradas em saídas como meio de criar condições necessárias à sobrevivência (MORGAN, 1996).
11
Trabalhei durante três anos (1997-2000) no programa Rede de Apoio e Proteção à Família, um
programa da Prefeitura Municipal de Porto Alegre que faz o repasse de uma bolsa-auxílio para
famílias em situação de vulnerabilidade social. Desse trabalho resultou minha Dissertação de
Mestrado.
30
[...] os serviços continuam se movimentando a partir de expectativas
relacionadas aos papéis típicos de uma concepção funcional de
família, em que a mulher-mãe é responsável pelo cuidado e
educação dos filhos [...}. Assim o desempenho dessas funções está
fortemente vinculado a julgamentos morais, principalmente em
relação à figura materna (2004:53).
No encaminhamento destas idéias, impõe-se a reflexão sobre a questão de
gênero, Para Scott (1995 p. 86):
O gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas
nas diferenças percebidas entre os sexos. O gênero é uma forma
primária de dar significados às relações de poder. As mudanças na
organização das relações sociais correspondem a mudanças nas
relações de poder, mas isto não se dá de forma unidirecional.
A partir das idéias de Scott, passo a problematizar sobre gênero, não
fechando a discussão nesse conceito, mas tomando-o por base, o que me possibilita
inter-relacionar aspectos pertinentes do contexto atual e da complexa trama de
relações envolvendo os papeis de homem / mulher como uma forma de entender
como se estabelece o papel da mulher neste início de século que certamente difere
de outros tempos, pois cada época traz características sociais, culturais,
econômicas, relacionais, etc. próprias, ajudando a construir os papéis
homem/mulher na sociedade. Como afirma Victora e Knauth:
A construção social e cultural do sexo, ou seja, o gênero de uma
pessoa, tem sido descrito na literatura socioantropológica como algo
que não surge por acaso, mas algo que se constitui nos diferentes
tempos e espaços sociais. (2004:81)
Não obstante toda a evolução, no contexto atual continuamos pontuando
papéis e características que são definidas a partir do gênero. Ainda vivemos numa
perspectiva de paradigma clássico: uma sociedade machista na qual o mundo
31
privado, os problemas da casa são problemas de mulher. Olinto e Oliveira (2004:31)
referem que “[...] as funções domésticas e os cuidados dos filhos permanecem
sendo vistos como a atribuição primeira da vida das mulheres”. Ao passo que o
espaço público fica a cargo do homem, ao sair para trabalhar sendo ele o provedor
do lar (OLINTO E OLIVEIRA, 2004).
Apesar das transformações significativas que redesenham o papel da mulher
nesta era, como o ingresso da mulher no mercado de trabalho ou a mesmo no
âmbito das relações familiares, assumindo a responsabilidade total da família pelo
desemprego ou pela ausência do njuge (DIEESE, 2001), caso da família
monoparental chefiada por mulheres, distribuição desigual no que diz respeito ao
controle, à hierarquia, à qualificação, à carreira e ao salário, baseados na divisão de
tarefas entre homens e mulheres (OLINTO E OLIVEIRA, 2004).
Refletindo sobre as questões tão intimamente ligadas ao gênero foi que
percebi que minhas ações profissionais não estão deslocadas de minha condição de
mulher, assistente social implicada na profissão, em busca de um mundo melhor.
Como salienta Morin (2000: 36) “abrir-se para vida é abrir-se também para nossas
vidas”. E é neste sentido que estas categorias socioculturais (mulher, assistente
social) “readquirem sentido vivo quando as conceituamos em nossa vida privada”
(MORIN, 2000:36).
Essas questões me perturbam enquanto mulher, assistente social atuante em
um século permeado por relações de incertezas, de acasos, de imprevistos,
considerados na dinâmica das interações sejam sociais, profissionais, econômicas,
32
culturais, relacionais. “Minha vida intelectual é inseparável de minha vida” (MORIN,
1997:9).
Em meio a essas idéias, reafirmo que as mulheres chefes de famílias
monoparentais acabam por dar um novo contorno à organização familiar que,
embora exista tanto tempo, recentemente ganha destaque por ser uma das
configurações familiares que mais vem crescendo, segundo dados da PNAD 2004
(Pesquisa Nacional de Amostra por Domicilio) que referem um aumento dessa
organização familiar, em torno de 18 % no período em que foi realizado o
levantamento desses dados. Como aponta a síntese do documento, há “aumento do
número das famílias com pessoas de referência do sexo feminino e filhos” (PNAD,
2004:153).
Neste sentido, a família monoparental chefiada por mulheres, por ser
constituída pela mãe e seus filhos, passa a buscar a articulação da rede social,
através de auto-eco-organização. Segundo Morin trata-se de:
É um princípio de autonomia/dependência. Para manter sua
autonomia, qualquer organização necessita da abertura do eco-
sistema do qual se nutre e no qual se transforma. Todo processo
biológico necessita da energia e da informação do meio. Não
possibilidade de autonomia sem múltiplas dependências. Nossa
autonomia como indivíduos não depende da energia que
captamos biologicamente do ecossistema, mas da informação
cultural. (2003:36)
Essa relação de dependência e autonomia está contida em todas as
organizações sociais, pois a autonomia também gera dependência, no sentido de
que as informações pertinentes a essa organização são abastecidas pelo ambiente
no qual as mulheres chefes de famílias estão inseridas. Trata-se de uma relação que
33
serve como estratégia para que elas possam dar conta de situações vividas no dia-
a-dia, as chamadas redes sociais. A auto-eco-organização não é um movimento que
fica centrado em si próprio, mas uma perspectiva complexa que agrega também o
contexto na organização do todo, é uma proposta aberta de retroalimentação.
Em qualquer organização complexa, não a parte está no todo, mas
também o todo está na parte. No caso do objeto deste estudo, a família está nos
seus membros, a partir dos valores, crenças, posturas, ritos, mitos, etc, assim como
os membros estão na família nas interações e pelas interações à medida que estas
vão permitindo reorganizações o que, muitas vezes, pode acontecer através da
articulação de uma rede de suporte, em função de inúmeras situações de
vulnerabilizações cotidianas.
Neste cenário de vulnerabilidades, surge a necessidade de implementar
mudanças, rupturas paradigmáticas, desafios, que passam pelo papel das políticas
sociais e dos assistentes sociais, profissionais capacitados para a gestão de tais
políticas, o que me faz pensar, como assistente social que trabalha nos processos
singulares, antagônicos e contraditórios estabelecidos pelas políticas e pelas
famílias monoparentais chefiadas por mulheres, no quanto minha prática como
pesquisadora assistente social, mulher, mãe [...] está presente neste universo de
emoções (ARRUDA, 2004).
Com isso, busco um caminho e um paradigma que não fragmentem os
fenômenos, vendo-os na sua multidimensionalidade. Assim predisposta, procurei
investigar de forma mais profunda as mudanças ocorridas nas políticas sociais que
34
também provocam mudanças na organização dessas famílias e, conseqüentemente,
mudanças no agir profissional do assistente social.
O movimento realizado pelas mulheres chefes de famílias monoparentais que
buscam a auto-eco-organização em rede para suprirem suas demandas cotidianas é
o foco deste estudo. Diante deste cenário de nós entrelaçados e articulados, busquei
investigar, através do seguinte problema: Como as mulheres chefes de famílias
monoparentais se auto-eco-organizam em rede passando a demandar políticas
sociais complexas?
2 OS NÓS DA REDE DE PESQUISA
Neste item examinarei os nós epistemológicos que elegi para compreender o
fenômeno da auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias monoparentais.
Apresentarei as hipóteses e os objetivos deles decorrentes, como forma de
estabelecer uma rede de pesquisa. O desdobramento das hipóteses em questões,
que denomino de nós dialógicos, procura mostrar o movimento de atar e desatar os
nós para a compreensão do fenômeno.
2.1 Hipóteses
Partindo do pressuposto de que a auto-eco-organização em rede, das
mulheres chefes de famílias monoparentais, passa a demandar políticas sociais
complexas, esta investigação busca, na teoria da complexidade, subsídios para a
compreensão deste fenômeno. Para tanto, supõe-se que:
Hipótese 1:
As mudanças estruturais e descontínuas deste início de século o
visibilidade a uma gama variada de organizações familiares, tais como a
36
singularidade da família monoparental chefiada por mulheres. Essa organização
familiar constituída pelas mães e seus filhos enfrentam um cotidiano adverso que
demanda estratégias para dar conta do dia-a-dia. Desta forma, as mulheres chefes
de famílias monoparentais se vêem desafiadas a se auto-eco-organizar em rede.
1º nó dialógico:
Como as mulheres chefes de famílias monoparentais buscam estratégias de
auto-eco-organização em rede para assegurarem demandas cotidianas?
Hipótese 2:
As políticas governamentais fragmentadas são incapazes de contemplar a
diferença e a particularidade de cada família. Neste tensionamento entre o que é
oferecido pelos órgãos blicos e o que é demandado pela auto-eco-organização
em rede das mulheres chefes de família monoparental é que surge a possibilidade
de ruptura apresentada pela Política Nacional de Assistência Social de 2004, que
aponta para um novo tempo de efetivação do direito através de políticas sociais
complexas.
2º nó dialógico:
Como a Política Nacional de Assistência Social aponta para a efetivação do
direito e para a possibilidade de encaminhamento de políticas sociais complexas,
capazes de atender as mulheres chefes de famílias monoparentais?
37
Hipótese 3:
As mudanças ocorridas no contexto social deste início de culo se refletem
no cenário das profissões, desafiando o Serviço Social a repensar suas práticas.
Neste sentido, cabe aos assistentes sociais propor novas alternativas de ações que
contemplem a complexidade da auto-eco-organização em rede, das mulheres chefes
de famílias monoparentais.
3º nó dialógico
Como o assistente social pode repensar sua prática e propor novas
alternativas de ações que possam atender ao fenômeno da auto-eco-organização
em rede das mulheres chefes de famílias monoparentais?
2.2 Objetivos
Ao considerar os objetivos como possíveis resultados que se espera alcançar
no decorrer da investigação, os que estão sendo esperados nesta tese estão
relacionados abaixo, divididos em geral e específicos.
38
2.2.1 Geral
Dar visibilidade à complexidade do fenômeno social da auto-eco-organização
em rede das mulheres chefes de famílias monoparentais que passam a requerer
políticas sociais que atendam as demandas familiares atuais.
2.2.2 Específicos
1. Destacar dentre as novas formas de organizações familiares, a família
monoparental chefiada por mulheres;
2. Mostrar como as mulheres chefes de famílias monoparentais se auto-eco-
organizam em rede, levando em conta três aspectos: Conteúdo da interação, com
quem interagem, densidade da interação.
3. Averiguar as práticas construídas para a auto-eco-organização, bem como
as políticas sociais implantadas nessa perspectiva.
4. Destacar a ruptura com práticas tuteladoras propostas pela Política
Nacional de Assistência Social que demanda políticas sociais complexas.
5. Possibilitar a discussão sobre a complexidade das ações e práticas do
Assistente Social sobre o fenômeno que ora busco investigar.
39
6. Propor o exercício do pensamento complexo como forma de compreensão
da auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de famílias monoparentais.
3 NÓS METODOLÓGICOS
Apresento como s metodológicos as possibilidades e os entraves desta
pesquisa, conforme anunciei ao explicar a metáfora dos nós. Dentro desta
perspectiva, busco dar vistas ao caminho da pesquisa; ao pressuposto
epistemológico no qual embaso esta tese; à articulação dos nós da pesquisa, o que
é uma forma gráfica de dar visibilidade à construção da pesquisa; aos
procedimentos que utilizo no decorrer da investigação, situando a natureza da
pesquisa; ao foco da pesquisa no qual explicito quem são os participantes e onde a
mesma foi realizada; às cnicas e instrumentos utilizados e, por fim, à proposta de
análise dos dados.
3.1 O caminho da pesquisa
Como nos versos de Antonio Machado (1973), Caminhante não caminho,
o caminho se faz ao andar, faço a minha reflexão sobre a complexidade da vida e
dos fenômenos sociais, na qual, cada etapa percorrida para compor este estudo
delineia o método. Esta perspectiva também aponta para a ciência que se faz
(LATOUR, 2000), uma das formas de construção do conhecimento despertada pela
“ciência em ação” que vem sendo instigada pelas demandas emergentes do
41
contexto complexo da sociedade contemporânea, na qual o pesquisador é um
observador/concebedor/ator/observado (MORIN, 2000), evidenciando sua
implicação, o seu olhar e a sua noção de mundo, assim como sua formação, seus
grupos de referência, seus gostos, as modas, enfim, seu contexto (BORBA,
1997:69).
A necessidade de romper com a linearidade de meu olhar, processo que vem
acontecendo à luz de um paradigma reducionista que fragmenta e mutila, desafia-
me ao estudo de fenômenos complexos inseridos em rede. Este esforço tem
requerido a construção de um pensamento novo, capaz de articular e juntar o que
antes se pensava separadamente.
Para compreender o fenômeno da auto-eco-organização da rede de mulheres
chefes de famílias monoparentais, destaco que Morin aponta a inseparabilidade
entre sujeito e objeto
12
deste estudo; concebo objeto como referenciado por Morin,
tendo em vista que cada sujeito humano pode considerar-se, ao mesmo tempo,
como sujeito e como objeto (MORIN, 2002:80) estabelecendo uma relação dialógica,
antagônica, complementar e concorrente. Nesse sentido, estarei então considerando
as redes de relações nas quais este fenômeno se insere e se retroalimenta.
Perseguindo o pensamento de que "mais vale uma cabeça bem feita que bem
cheia” (MORIN, 2000-a: 21), adoto a proposta de reforma do pensamento
apresentada pela teoria da complexidade na qual, ao invés de fragmentar e
dissociar, sou desafiada a ligar os conhecimentos (MORIN, 2000). Assim, ao invés
12
Esses termos são ao mesmo tempo inseparáveis... existe objeto em relação ao sujeito (que
observa, isola, define, pensa, e sujeito em relação a um meio ambiente objetivo (que lhe
permite reconhecer-se, definir-se, pensar-se, etc., mas também existir) (MORIN, 2005:41).
42
de uma cabeça bem cheia de saberes acumulados que não fazem sentido para a
própria vida, proponho-me a construir saberes que, devidamente articulados,
possam ampliar minha visão sobre o fenômeno escolhido para este estudo.
Distinção, conjunção e implicação formam o tecido da complexidade,
podendo esta ser compreendida, se considerado um belo exemplo citado por
Morin:
Tomemos uma tapeçaria contemporânea. Ela comporta fios de linho,
de seda, de algodão, de lã, com cores variadas. Para compreender
esta tapeçaria, seria interessante conhecer as leis e os princípios
respeitantes a cada um destes tipos de fios. Entretanto, a soma dos
conhecimentos sobre cada um destes tipos de fios componentes da
tapeçaria é insuficiente, não apenas para conhecer esta realidade
nova que é o tecido (quer dizer, as qualidades e as propriedades
próprias desta textura), mas, além disso, é incapaz de nos ajudar a
conhecer sua forma e configuração (2005:85).
Para melhor compreender a complexidade, Morin (2005:57) sugere que
possamos debruçar-nos sobre a vida cotidiana onde ela parece, em geral ausente.
Este é o desafio para perceber o que é tecido junto como tapeçaria. Assim, para
além do pensamento dual e maniqueísta que endossa o "sim ou o não, o bom ou o
ruim, o certo ou errado" estarei assumindo uma postura dialógica
13
, fundamento da
complexidade, que atribui aos fenômenos elementos "concorrentes, antagônicos e
complementares".
13
O princípio dialógico une dois princípios ou noções que deviam excluir-se reciprocamente, mas são
indissociáveis em uma mesma realidade. A dialógica permite assumir racionalmente a
inseparabilidade de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo (MORIN,
2000-a: 95-6). No caso deste estudo a organização/desorganização da família monoparental
chefiada por mulheres e este movimento não exclui nem um momento nem outro, pelo contrário,
para a família organizar-se, ela precisa desorganizar-se retroalimentando-se.
43
Outra forma que utilizo para evidenciar o caminho da pesquisa é de, num
primeiro momento, separar as partes para melhor leitura e compreensão do percurso
da pesquisadora a fim de, num segundo momento, imediatamente religar o que foi
separado. Como diz Morin (2000:24), o processo de construção de conhecimento é
circular, passando da separação à ligação, da ligação à separação [...].
Este movimento oportuniza o conhecimento todo/partes, partes/todo além de
ser uma forma didática de apresentar o fenômeno estudado e a implicação entre
sujeito e objeto. Jaques Ardoíno (1992) refere-se à implicação como noções de
interações, processos e alterações que postulam o reconhecimento de um registro
histórico e temporal. Por isso, como observadora/concebedora/ator/observado
implicada, sou perturbada pelo fenômeno que, conseqüentemente, perturba-me, e, a
partir dessa interação, passo a dar vistas também aos meus nós internos que
ajudam a compor a pesquisa. Este movimento diz respeito ao princípio de
reintrodução do conhecimento em todo conhecimento
14
, ou melhor, reintrodução do
sujeito cognoscente em todo conhecimento:
É preciso reintroduzir o papel do sujeito
observador/computador/conceituador/ estrategista em todo
conhecimento. O sujeito não reflete a realidade. O sujeito constrói a
realidade [...]. Trata-se de uma construção que é certamente sempre
incerta, porque o sujeito encontra-se inserido na realidade que
pretende conhecer (MORIN, 2003:37).
Sendo assim, imersa neste estudo, passo a apresentar o pressuposto
epistemológico que norteia esta tese, que não trata simplesmente de um referencial
epistemológico, mas da forma como venho concebendo a complexidade do mundo
atual.
14
Um dos princípios da complexidade.
44
3.2 Pressuposto epistemológico
A presente pesquisa tem como referencial epistemológico o paradigma da
complexidade
15
que vem acompanhando a minha construção pessoal e como
pesquisadora, desde a dissertação de mestrado, quando iniciei meu estudo baseado
nas idéias de Edgar Morin e respaldado pelo Código de Ética dos Assistentes
sociais, mais precisamente nos princípios fundamentais, que pressupõem:
Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais
democráticas existentes e suas expressões tricas, e compromisso
com o constante aprimoramento intelectual. (COLETÂNIA DE LEIS,
sd: 31).
Busquei, então, um referencial teórico que me permita tecer o fenômeno da
auto-eco-organização em rede de mulheres chefes de famílias monoparentais,
através de uma visão multidimensional. Como salienta Delgado “o mundo vem
deixando de ser um conjunto de objetos isolados para apresentar-se à mente e ao
conhecimento como realidade de interações, emergências e devir” (2003:9).
Minha trajetória profissional e acadêmica me impulsionou para a busca de
um aprofundamento teórico dos estudos da família, que fosse além da visão
compartimentada do fenômeno, pois eu não podia mais trabalhar com o núcleo
familiar focando apenas um aspecto da questão. A especialização em terapia de
familia me oportunizou o referencial sistêmico, ampliando meu olhar e o estudo a
respeito do tema família.
15
A complexidade não está na espuma fenomenal do real. Está em seu próprio princípio. O
fundamento físico que denominamos realidade não é simples, mas complexo. A incerteza, a
aleatoriedade, as contradições aparecem não como resíduo a eliminar pela explicação, mas como
ingredientes que alimentam daqui em diante a explicação complexa (MORIN, 2000d:272).
45
E mais tarde, de volta à academia, encontro-me com uma teoria que tem
como um dos princípios, o sistêmico e, a partir de então, dedico-me a um
aprofundamento do referencial que contemple as múltiplas interações familiares e
complexas que acompanham as mudanças ocorridas no cenário atual.
Diante do mundo e da ciência, surge a necessidade de um pensamento que
além da compartimentação e fracionamento dos fenômenos, exigindo um outro
olhar, um olhar que substitua o paradigma simplificador que acompanhou a ciência
clássica moderna, por outro que contemple as múltiplas interações originárias do
atual contexto cada vez mais complexo, carregado de incertezas, do acaso, das
imprevisibilidades (MORIN, 2000).
A base do paradigma da complexidade vem de seu próprio termo, tendo sua
origem na palavra latina “complectere”, com raiz “plectere, que tem como significado:
trançar, enlaçar (MORIN, 2003:43). Em Francês ”complexidade“ vem do latim
“complexus”, que significa entrelaçado, abraçado, contido.
E, é no sentido do tecer junto, abraçando muitos aspectos, que alicerço o
estudo da rede de mulheres da família monoparental, o qual, por ser de extrema
complexidade exige sua reconstituição a partir de vários elementos essenciais para
sua auto-eco-organização, tais como: a reorganização familiar, com a saída ou a
ausência de um dos cônjuges; os papéis familiares, que não são estáticos, mas
estabelecidos à medida de suas necessidades, como um filho ser o provedor da
casa, e a entrada de novos integrantes que fazem parte da rede de apoio da família,
entre outros.
46
Descrevo a seguir os sete princípios que servem de guia metodológico para
pensar a complexidade e embasar este estudo, apesar de não abordá-los todos ao
longo da tese, mas que, por serem complementares e interdependentes, estão
inseridos no estudo:
Princípio sistêmico ou organizacional Religa o conhecimento das
partes ao conhecimento do todo e vice-versa, segundo a forma de
Pascal: “é impossível conhecer o todo sem conhecer as partes e
conhecer as partes sem conhecer o todo”. (2000c, p.209), assim como,
do ponto de vista sistêmico organizacional, o todo é mais que a soma
das partes. Essa referência do mais que diz respeito aos fenômenos
qualitativos novos, às emergências - efeitos organizacionais, o produto
da disposição das partes no seio da unidade sistêmica (MORIN,
2003:33).
Princípio hologramático - Coloca em evidência os paradoxos dos
sistemas complexos, nos quais não somente a parte está no todo,
como o todo se inscreve na parte, inspirado no holograma em que
cada ponto contém quase a totalidade da informação do objeto
representado (MORIN, 2000).
Princípio do círculo retroativo Introduzido por Norbert Weiner,
permite o conhecimento dos processos auto-reguladores. Ele rompe
com o princípio da causalidade linear: a causa age sobre o efeito e
este sobre a causa (MORIN, 2000).
47
Princípio do círculo recursivo - Supera a noção de regulagem com a
de autoprodução e auto-organização. Os produtos e os efeitos são
produtores e causadores do que produzem (MORIN, 2000).
Princípio da auto-eco-organização Este princípio salienta que os
seres vivos são capazes de serem auto-organizadores no processo,
autoproduzem-se incessantemente através da relação com o outro.
Isso faz com que despendam energia para proteger sua própria
autonomia. Como esses seres têm necessidade de extrair energia,
informação e organização do próprio ambiente, sua autonomia é
inseparável da dependência do meio, por isso, são denominados seres
auto-eco-organizadores. Como explica Morin, “os comportamentos
serão aptos a se modificar em função das mudanças externas,
sobretudo das aleatoriedades, das perturbações, dos acontecimentos,
e serão aptos igualmente a modificar o ambiente imediato” (2000-d:
303).
Vejo a família como um sistema complexo, capaz de se auto-organizar e de
estabelecer relações, interações com o meio, com os indivíduos, com instituições,
com a sociedade na qual está inserida, e é nessa relação que a família se encontra
em constante transformação, superando-se, modificando e interferindo no seu meio,
num processo de auto-eco-organização.
Princípio dialógico - A dialógica ajuda no pensamento de lógicas que
se complementam e se excluem ao mesmo tempo. É uma associação
48
complexa, complementar, concorrente e antagônica de instâncias
conjuntamente necessárias à existência, ao funcionamento e ao
desenvolvimento de um fenômeno organizado (MORIN, 2003).
Nesse sentido, a família não pode mais ser pensada como um lugar de
conciliação, de ordenamento, de síntese, de dialética, mas como um entrelaçamento
de dialógicas, dualidades, pluralidades, interações, retroações e retroalimentações.
A família é o verdadeiro de subjetividades e objetividades. Organiza-se em e por
processos constantes de desorganização.
Princípio da reintrodução do conhecimento em todo
conhecimento - Reflexão sobre o conhecimento do conhecimento que
necessariamente implica integração do sujeito - aquele que conhece -
em todo conhecimento.
Esses são os princípios que, segundo Morin, guiam as marchas cognitivas do
pensamento complexo. Mas destaco, ao longo da tese, dois princípios, que são o
princípio da auto-eco-organização e o princípio dialógico, pois, é através deles
que dou vistas à estratégia utilizada pelas mulheres chefes da família monoparental
para dar conta de seu dia-a-dia. Como se trata de princípios autônomos e
interdependentes, os sete princípios se constituem como tecidos juntados no
decorrer da investigação, apesar de não terem sido todos destacados ao longo do
texto.
49
Com esta perspectiva, a pesquisa é edificada envolvendo doses de
incertezas, de ordens e desordens (MORIN, 2002 a), capturando os movimentos
contidos no real. Assim, é possível apreender a dinâmica que constitui o fenômeno.
Nesse sentido, passo a expor a problemática da pesquisa apresentada, através do
sistema da pesquisa, que é uma forma gráfica de revelar as imbricações dos
elementos característicos do fenômeno pesquisado substanciado pelas hipóteses.
Num primeiro momento, distinguindo os fios da rede para melhor compreender a
proposta desta tese e, no segundo momento, articulando os nós que dão sustento
ao estudo da rede de mulheres das famílias monoparentais.
3.3 Articulando os nós da pesquisa
Neste primeiro momento, faço um desenho gráfico no qual passo a dar vista à
forma como se vem constituindo a pesquisa. Num movimento incessante de
separação e articulação. Sendo assim, passo a apresentar duas figuras que
demonstram esse movimento.
50
A figura abaixo é a representação gráfica do isolamento dos nós para fins de
estudo. Como salienta Morin (2000), separando os nós da rede:
Hipótese
1
Hipótese
3
Hipótese
2
Pressuposto
Teórico
Problema
de
Pesquisa
Figura 1
Para depois articulá-los. Destaco o que representa a figura 2: a reconstituição
do movimento num todo organizado.
Passo, então, a dar vistas à complexidade do fenômeno pesquisado, através
de um pensamento articulado em rede.
Problema
Como as
mulheres chefes de
famílias monoparentais
se auto-eco-organizam
em rede passando a
demandar políticas
sociais complexas?
Pressuposto
A família “como um
sistema vivo, pode ser
vista como um
processo auto-eco-
organizador que
comporta permanente
processo de
desorganização
transformando
processo permanente
de reorganização”
(MORIN, 2000:200)
Hipótese 1
As mudanças estruturais e descontínuas deste início
de século dão visibilidade a uma gama variada de
organizações familiares, como a singularidade da família
monoparental chefiada por mulheres. Esta organização
familiar constituída pelas mães e seus filhos enfrentam um
cotidiano adverso que demanda estratégias para darem
conta do dia a dia. Desta forma, as mulheres chefes de
famílias monoparentais se vêem desafiadas a auto-eco-
Hipótese 2
As políticas governamentais fragmentadas são incapazes de
contemplar a diferença e a particularidade de cada família. Neste
tensionamento entre o que é oferecido pelos órgãos públicos e o que é
demandado pela auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de
família monoparental é que surge a possibilidade de ruptura apresentada pela
Política Nacional de Assistência Social de 2004 apontando para um novo
tempo
de efetivação do direito através de
políticas
sociais
complexas
.
Hipótese 3
As mudanças
ocorridas no contexto
social deste início de
século se reflete no
cenário das profissões
desafiando o Serviço
Social a repensar suas
práticas. Nesse sentido,
cabe aos assistentes
sociais propor novas
alternativas de ações que
contemplem a
complexidade da auto-
eco-organização em rede
das mulheres chefes de
famílias monoparentais.
Figura 2
52
3.4 Procedimentos
A seguir, passo a descrever os procedimentos adotados para a realização
desta pesquisa, detalhando os passos e o modo como a mesma foi realizada,
dando, assim, visibilidade à tessitura da rede de pesquisa.
3.4.1 Natureza da pesquisa
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa e, como tal,
proporciona uma imersão em aspectos da realidade que o são quantificáveis por
tratarem de experiências de vida que envolvem emoções, valores, crenças, etc.
Esses sentimentos são vivências singulares e únicas de cada um e podem ser
captados quando há uma sintonia entre o pesquisador e o sujeito pesquisado. Este é
um fundamento da pesquisa qualitativa (MARTINELLI, 1994).
Martinelli salienta que:
A pesquisa qualitativa é, de modo geral, participante, nós também
somos sujeitos da pesquisa. Não podemos pensar que chegamos a
uma pesquisa como um “saco vazio”. Não! Temos vida, temos
história, temos emoção! (1994 p.15).
Como seres carregados de emoções, não podemos desprender-nos desse
sentimento, carregamos as emoções em todas as ações que fazem parte de nosso
cotidiano, principalmente quando envolvem o outro com quem estabeleço uma
relação, uma troca. É o caso das mulheres chefe de famílias monoparentais, que
53
estabelecem uma rede de relações como forma de auxiliar o seu dia-a-dia. E assim
vou delineando a ciência que se faz (LATOUR 2000).
um outro pressuposto metodológico que fundamenta a abordagem
qualitativa referente ao reconhecimento da experiência social do sujeito
(MARTINELLI, 1994), pois o conhecimento do sujeito é possível levando-se em
conta o seu contexto, a cultura a que pertence, seu rito, seus mitos, enfim, o modo
como interage com o mundo e com os membros da família, no caso do fenômeno
aqui pesquisado.
Assim, a pesquisa qualitativa reforça sua pertinência em relação a este
estudo por ser também uma cnica metodológica que proporciona ao pesquisador
aguçar a sensibilidade e exercitar a escuta, ambos de extrema importância para a
captação do real imbricado nas relações e interações familiares. Cabe salientar que
a pesquisa qualitativa traz consigo um princípio dialógico e, como tal, evidencia
noções antagônicas, concorrentes e complementares.
3.4.2 Foco da pesquisa
A presente pesquisa foi desenvolvida em quatro microrregiões de Porto
Alegre, baseada na divisão dos Conselhos Tutelares. Dentre os bairros ou vilas
pertencentes a cada microrregião, elegi um para a coleta de dados. São estes:
microrregião 1- bairro Navegantes; microrregião 2 - bairro Sarandi; microrregião 3 -
bairro Agronomia, e microrregião 4 - bairro Lomba do Pinheiro.
54
A escolha dos bairros para a coleta dos dados foi intencional e não aleatória.
Foram microrregiões que eu conhecia por realização de trabalhos anteriores.
Duas delas, Lomba do Pinheiro e Agronomia, faziam parte da área de abrangência
do trabalho que realizei na Rede de Apoio e Proteção à Família, do qual decorreu
minha dissertação de mestrado. Com isso, eu sabia da realidade e das inúmeras
famílias monoparentais chefiadas por mulheres que ali residiam. Mas, em todos os
bairros, procurei por instituições ou pessoas de referência na comunidade para
contato prévio e posterior coleta de dados.
Antes de iniciar a descrição dos procedimentos de pesquisa, vou caracterizar
os bairros pesquisados, pois, apesar da escolha ter sido intencional, em muitos
momentos me surpreendi com aspectos característicos
16
de cada microrregião.
Agronomia - o bairro foi criado pela Lei 4166 de 21/09/76, com limites alterados
através da Lei 6720 de 21/11/90 e, posteriormente, através da Lei 7954 de 08/01/97.
Têm uma população de 10.681 moradores, divididos em 5.327 homens e 5.354
mulheres. Tem uma área de aproximadamente 1.241 ha, uma densidade de 9
hab/ha e conta com 2.893 domicílios. O rendimento médio mensal dos responsáveis
pelo domicílio/2000 é de 3,98 salários mínimos, sendo que o rendimento médio
mensal do chefe do domicílio/Censo de 1991 era de 3,33 salários-mínimos.
Navegantes Este bairro foi criado pela Lei 2.022 de 7/12/59, com limite norte
alterado pela Lei 6.218 de 17/11/86 (parte do bairro foi incorporada com a criação
dos bairros Humaitá e Farrapos). Possuem uma população/2000 de 4.475
16
Dados retirados da pagina da prefeitura - http://www.portoalegre.rs.gov.br/
55
moradores, divididos em 2.064 homens e 2.411 mulheres, numa área de 174 ha,
com densidade: 26 hab/ha. Existem 1.592 domicílios. O rendimento médio mensal
dos responsáveis pelo domicílio/2000: 7,07 salários-mínimos. Comparado com o
rendimento médio mensal do chefe do domicílio/1991, que era de 4,41 salários -
mínimos.
Sarandi O bairro Sarandi foi criado pela Lei 2.022 de 7/12/59. No Censo 2000,
tinha uma população de 60.403 moradores, divididos em 28.978 homens e 31.425
mulheres: Área: 944 ha, com uma densidade de 64 hab/ha. O número de domicílios
é de 18.39. O rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicílio é de 5,01
salários-mínimos.
Lomba do Pinheiro - Criado pela 7.954 de 8 de Janeiro de 1997 que alterou as leis
4.166/76 e 2.022/59. No Censo de 2000, apresentou uma população de 30.388
moradores, divididos entre 14.795 homens e 15.593 mulheres. Possui uma área de
2.455 ha, com densidade de 12 hab/ha. Conta com 8.434 domicílios. O rendimento
médio mensal dos responsáveis pelo domicílio é de 2,92 salários - mínimos. O
rendimento médio mensal do chefe do domicílio/1991: 2,88 salários-mínimos.
Nas regiões Navegantes e Lomba do Pinheiro, o contato foi com Assistentes
Sociais de ONGS responsáveis pelos Programas Núcleo de Apoio Sociofamiliar, em
parceria com a prefeitura de Porto Alegre, Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil, do governo federal e Programa Família Cidadã, do governo do Estado.
Nestas microrregiões, procurei selecionar famílias monoparentais chefiadas por
56
mulheres, em diferentes estágios nos programas. Considerando que a
responsabilidade da família monoparental recai sobre a mulher, de acordo com os
dados do IBGE 2000 pontuados anteriormente, selecionei da seguinte forma: 1
mulher chefe de família que estivesse entrando em um dos programas, 1 mulher
chefe de família que estivesse em um dos programas, 1 mulher chefe de família
que estivesse saindo dos programas, 1mulher chefe de família que estivesse por
entrar em um dos programas e 1 mulher chefe de família que não se incluísse nos
critérios de ingresso para os programas.
Nas outras microrregiões, a escolha das mulheres chefes de famílias
monoparentais foi através de lideranças comunitárias Como elas não estavam
vinculadas a programas sociais, solicitamos apenas que fossem famílias
monoparentais chefiadas por mulheres. Isso fez com que naturalmente se
constituíssem com famílias sem vínculo empregatício e famílias com vínculo
empregatício.
Portanto, esta pesquisa busca uma interlocução com 20 mulheres chefes de
famílias, representantes de famílias monoparentais das 4 microrregiões acima
descritas. Foram, então, entrevistadas 5 mulheres de cada região. Para preservar a
identidade delas adotei nomes fictícios.
57
3.4.3 Técnicas e instrumentos
A coleta de dados foi baseada nos instrumentos abaixo relacionados, que
possibilitaram o conhecimento da realidade cotidiana do fenômeno pesquisado.
Entrevista aberta, que proporcionou ao entrevistado um relato amplo de suas
questões cotidianas, podendo falar de assuntos vivenciados e pouco refletidos no
seu dia-a-dia.
As entrevistas foram gravadas com prévio consentimento das entrevistadas.
Utilizamos essa técnica por se tratar de relatos subjetivos nos quais a entrevistada
discorre sobre seu dia-a-dia, ou seja, sua rotina diária, a forma como provê a casa,
como se deu a ausência do pai na família morte/ separação/ viuvez, isso para
aquelas famílias em que a monoparentalidade se constituiu após alguma etapa de
vida. Para aquelas famílias em que a monoparentalidade vem desde sua
constituição, foi suprimida a pergunta. Outros aspectos relevantes foram abordados,
tais como recreação e o modo como se dava o suporte familiar; quem costumava
ajudar em caso de doença, na falta de recursos econômicos, no auxilio com as
crianças, em situações sentimentais, no compartilhamento de alegrias e tristezas,
como forma de verificar a construção da rede, pois, com freqüência, a mãe recorre
aos parentes, vizinhos, amigos, escola, a instituições, e, ainda, que tipos de
instituições fazem parte da sua rotina, e com que objetivo essas são procuradas.
Fui, então, compreendendo o universo de cada família entrevistada, e o que
as mulheres chefes de famílias monoparentais faziam para dar conta de situações
58
cotidianas e, muitas vezes, adversa. Isso revela a multidimensionalidade existente
nos fenômenos - mais especificamente no fenômeno humano - que apresentam um
encadeamento de fatores, de natureza e de peso variáveis, que se conjugam e
interagem (LAVILLE, 1999, p.41). E, mais, entendi que, como pesquisadora, não
posso deixar de salientar a importância desses fatores para a compreensão do
fenômeno pesquisado.
A observação foi também um procedimento usado para coletar informações
em relação às mulheres chefes de família. Aqui está contido um dos princípios da
complexidade: o hologramático salientando que, em qualquer organização
complexa, não a parte está no todo como também o todo está na parte (MORIN,
2003). Sendo assim, a partir da observação de uma parte de mulheres chefes de
famílias monoparentais da cidade de Porto Alegre, passam a observar o fenômeno
como um todo.
Esta estratégia possibilita ao entrevistador o olhar atento para a mulher em
situação de interações familiares: para a forma de tratamento dispensado aos filhos
quando estes estavam juntos; para o tom da voz quando ela respondia as questões;
para a expressão corporal que acompanhava cada questão; para a forma como a
entrevistada se expressava; para a maneira como ela exprimia significados em
relação a questões familiares e, por fim, para constituição de sua rede de relações.
Durante a entrevista, muito mais que ficar atenta apenas às palavras que
eram emitidas, eu estava igualmente atenta a todo entorno do local onde estava
sendo realizada a entrevista. É oportuno referir que, ao contatar com as mulheres
59
chefes de famílias monoparentais, eu as deixava à vontade para escolherem o lugar
onde seria realizada a entrevista, o que lhes deu a oportunidade de conhecer outros
lugares além de suas residências, muitas vezes lugares que faziam parte de sua
rede, como instituições com programas de bolsa-auxílio.
Minha observação o foi movida por mera curiosidade, mas foi uma forma
de me apropriar melhor de meu fenômeno de pesquisa. Como salienta Laville (1999
p.176), a observação se revela certamente nosso privilegiado modo de contato com
o real. É observando que nos situamos, orientamos nossos deslocamentos,
reconhecemos as pessoas, emitimos juízo sobre elas. Isso porque o observador/
concebedor/ator/observado, como dito anteriormente, está implicado com seu
fenômeno de pesquisa.
3.4.4 Análise dos Dados
A análise dos dados é baseada na técnica de redes de relações que são
conjunto de vínculos e interações estabelecidos por mulheres chefes de famílias
(caso desta pesquisa) constituídos ao longo da vida. Essa cnica pode ser usada
para interpretar a forma como se constituem as relações estabelecidas (VÍCTORA,
KNAUTH & HASSEN, 2000), como suporte para situações cotidianas.
No caso da presente pesquisa, a reconstituição da rede de relações das
mulheres chefes de famílias monoparentais se dará a partir dos relatos das próprias
mulheres, pois meu objetivo é verificar como elas constroem suas redes sociais para
60
darem conta de situações do dia-a-dia, além de possibilitar um olhar do fenômeno,
capaz de captar o movimento produzido pelas famílias e que deve ser considerado
na elaboração de políticas de proteção destinadas às famílias monoparentais.
Também parto da construção do mapeamento gráfico das redes (VÍCTORA,
KNAUTH & HASSEN, 2000), observando três aspectos pertinentes que ajudam a
compor os nós estabelecidos pelo fenômeno que busco investigar. São eles: o
conteúdo da interação, que pode ser relações de amizade, uma instituição de
assistência social de onde provém um benefício, um posto de saúde onde fazer
tratamento, as chamadas redes de serviços; relações de trabalho, relações
comunitárias (SLUZKI, 1997) com quem interagem, ou seja, as relações que são
estabelecidas ao longo da vida, denominadas de horizontais e verticais. As
horizontais são interações que se estabelecem com pessoas da mesma geração ou
status, como os vizinhos e amigos, irmãos, etc. As verticais são as interações
realizadas entre pais e filhos, usuário e assistente social, patrão e empregado. A
densidade da interação, que representa a intensidade e a profundidade desses
vínculos estabelecidos pode ser: estreitos, fluídos, contínuos e eventuais (VÍCTORA,
KNAUTH & HASSEN, 2000). Para tanto, faz-se necessária uma metodologia
fortemente centrada nas ações cotidianas, nas práticas concretas, naquilo que é
feito, de fato, pelos sujeitos que lá se encontram.
Para dar visibilidade à auto-eco-organização da rede estabelecida pelas
mulheres chefes de famílias monoparentais, a qual constituiu este estudo, elegi
quatro mulheres chefes de família representantes de famílias monoparentais, uma
de cada região pesquisada. Também considerei a particularidade de cada mulher
61
ante a possibilidade de se auto-eco-organizar, exercício que se constituiu da
seguinte forma: uma mulher chefe de família com vinculo empregatício, uma mulher
chefe de família sem vínculo empregatício, uma mulher chefe de família inserida em
um programa social e uma mulher chefe de família que não fosse mais integrante de
um dos programas sociais.
Isso permitiu entender o movimento de auto-eco-organização das redes
formadas pelas mulheres chefes de famílias monoparentais, estando elas em
diferentes momentos de vida, como estruturas abertas e dinâmicas, capazes de
inovar-se e de se auto-organizar ao estabelecer comunicação com novos nós, um
processo dinâmico porque permite observar o movimento incessante de ingresso e
saída de pessoas e instituições.
Esta técnica de rede de relações acima mencionada esteve articulada à idéia
de auto-eco-organização por apresentar a forma em que as mulheres iam
constituindo o seu dia-a-dia. Este movimento mostrava que, ao mesmo tempo em
que elas constituíam a rede de relações, também iam-se construindo em redes e
complexificando o seu olhar em face das políticas sociais. Esta articulação buscarei
mostrar na análise dos dados.
Minha metodologia de analise é permeada pelos princípios da complexidade,
que serão retomados à medida que eu buscar dar vistas ao fenômeno: auto-eco-
organização das mulheres chefes de famílias monoparentais em rede. Para focalizar
a auto-eco-organização dessas mulheres, utilizo as seguintes estratégias: com quem
elas interagem, o conteúdo dessas interações e a densidade das mesmas.
62
O desenho abaixo (fig.3) visa mostrar a auto-eco-organização das mulheres
chefes de famílias monoparentais em rede, bem como, a proposta de análise dos
dados desta pesquisa.
Fenômeno
Dialógico
Conteúdo da
Conteúdo da
interação
interação
Densidade das
interões
fig. 3 Esta rede mostra a auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias
monoparentais, focando os aspectos importantes para a análise dos dados.
63
3.5 Singularidades da pesquisa
Apresento aqui o detalhamento das entrevistas e observações realizadas
durante a coleta de dados que, muitas vezes, ocorrem de forma imprevisível,
levando-me a organizar estratégias que pudessem dar conta das situações adversas
que fizeram parte do meu cotidiano de pesquisa. Como aponta Morin:
Devemos conceber os limites biológicos, os limites cerebrais, os
limites antropológicos, os limites sociológicos, os limites culturais de
todo o conhecimento, o que nos permitirá ao mesmo tempo conhecer
o nosso conhecimento, fazê-lo progredir em novos territórios e
confrontar-nos com a indizibilidade e a indecidibilidade do real
(1990:32).
Os limites que se apresentaram no decorrer da pesquisa levaram-me a uma
reflexão profunda do paradigma da complexidade do qual hoje estou impregnada.
Através deste exercício, encaminho minhas discussões que podem evidenciar a
complexidade do olhar deste pesquisador/observador/ator/observado.
As entrevistas foram realizadas entre agosto de 2004 e agosto de 2005,
respeitando a organização, tanto da assistente social que realizou o contato prévio
para a seleção das famílias quanto das lideranças comunitárias que ajudaram a
selecionar as famílias nas comunidades, posteriormente ao primeiro contato com a
realidade das mulheres chefes de famílias como representantes dessas famílias
monoparentais.
Um dos motivos que me levou a essa escolha foram as primeiras entrevistas
realizadas no bairro Navegantes, micro 1, onde a maioria das famílias estava
64
vinculada a programas sociais, e aquelas famílias que estavam por entrar nesses
programas tinham seus filhos inseridos em um Serviço de Apoio Socio-educativo
SASE, um dos critérios para o recebimento da bolsa-auxílio. Este serviço era
oferecido no turno inverso ao da escola. Com isso, era dificultada a presença de
toda a família no momento da entrevista, pois ficavam em casa as crianças
pequenas.
Os filhos pequenos, na sua grande maioria, participaram das entrevistas e,
como não poderia ser diferente, tratando-se de sistemas vivos, essas entrevistas
foram de extrema importância na observação realizada, pois permitiram que eu
pudesse observar as interações familiares.
Em média, as entrevistas duravam de 40 e 45 minutos, e, neste período, pude
observar situações cotidianas, aparentemente sem importância, mas que, no
conjunto das ações familiares, compunham a dinâmica estabelecida pelos membros.
Nesse sentido, pude perceber as contradições que permeiam o cotidiano das
famílias.
Ao realizar as primeiras entrevistas, fomos com a assistente social
responsável por alguns programas sociais da região, visto que eu não conhecia
geograficamente a área pesquisada e, então, a colega de profissão se mostrou
bastante solícita, de modo que achei pertinente andar com alguém de referência na
comunidade. O fato de estar com ela, facilitou e ao mesmo tempo dificultou a
entrevista com as mulheres chefes de famílias, na medida em que estas tiveram que
65
relatar novamente sua história de vida, o que poderia levá-las a cair em contradão
quanto ao que já haviam mencionado antes, quando ingressaram no programa.
Como observei que algumas perguntas eram respondidas rapidamente, tentei
reformulá-las. Esta estratégia possibilitou que a entrevistada repassasse à assistente
social a palavra, com medo de cair em contradição na frente da mesma. Este limite
fez com que eu retomasse o objetivo da entrevista, salientando que, apesar de a
assistente social estar presente, não era ela quem iria falar sobre as questões
relacionadas ao dia-a-dia da família. Por causa dessa dificuldade, realizei sozinha
entrevistas seguintes.
Outro entrave ao meu trabalho disse respeito à realização de uma entrevista,
debaixo da sombrinha em dia de chuva torrencial. Este momento demandou muita
habilidade, seja na apresentação do termo de consentimento livre e esclarecido, seja
no uso do gravador, no equilíbrio da sombrinha e na explicação dos objetivos da
pesquisa. Tudo isso exigiu uma postura de complexidade frente a tal imprevisto, pois
a chuva aumentou, e o barulho da rua por onde passavam carros e alto-falantes
tornava quase inaudível a gravação, produzindo desconforto tanto em mim quanto
na entrevistada.
As entrevistas foram realizadas nos lugares mais variados tais como a
sombra de uma árvore, quando o sol estava muito quente, dentro da casa toda
fechada com um forte odor de mofo, para que ninguém pudesse ouvir a conversa;
no local de trabalho; sentadas às partes à beira da calçada, etc., mas muitas das
66
entrevistadas preferiram ser ouvidas nas dependências da instituição à qual estão
vinculadas pelos programas sociais.
Um fator que deve ser considerado é o da seleção das mulheres numa dada
região. Apesar de a assistente social ter explicado que a característica das mulheres
pesquisadas deveria ser de mães que criam sozinhas seus filhos, quando fui realizar
a entrevista as mães indicadas tinham maridos. Isto me fez adotar outra estratégia
para a seleção das mulheres naquela região: a de solicitar às próprias entrevistadas
que indicassem as outras mulheres chefes de famílias monoparentais.
Essas situações apontam para a realização da pesquisa, através da ciência
em ação (LATOUR, 2000), mostrando que é preciso abarcar o acaso, o imprevisto,
as eventualidades etc., na investigação do fenômeno.
4 IMPORTÂNCIA DA PESQUISA
As mudanças atuais em políticas sociais evidenciam a urgência de práticas e
ações voltadas para a complexidade da família monoparental chefiada por mulheres,
pois a forma como estão sendo estabelecidas as relações no panorama mundial no
qual a família está inserida, devem ser contempladas a complexidade social e a
diversidade como bases constitutivas da sociedade e, conseqüentemente, das
políticas sociais.
Assistimos hoje a uma revolução do paradigma que deu origem ao mundo
moderno (CAPRA, 2004), uma vez que a lógica moderna não consegue captar as
inter-relações, as desordens, os ruídos para a compreensão da realidade
contemporânea. O paradigma da simplificação separa e elimina elementos,
simplifica o real, não captando a multidimensionalidade existente nos fenômenos.
Isto tem implicações epistemológicas e éticas: “a mudança de paradigmas requer
uma expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas
também de nossos valores” (CAPRA, 2004:27) e de nossas práticas. Nessa medida,
é urgente ressignificar nossas ações, instaurando novas perspectivas em políticas
sociais voltadas às organizações sociais, em especial, às organizações familiares
chefiada por mulheres.
68
É função do intelectual fazer pensar, sacudir os hábitos, interrogar as
evidências problematizando-as. Nesta perspectiva, como Assistente Social procuro
dar vistas ao fenômeno da auto-eco-organização em rede, das mulheres chefes
famílias monoparentais, organização familiar esta que vem crescendo nas ultimas
décadas, segundo dados da PNAD/2004 (Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílio). Se considerarmos que a base das relações sociais se forma na família, o
grupo que se espera que seja capacitado para formar pessoas com vínculos
peculiares baseados no cuidado capaz de apresentar-se como a célula primordial de
toda e qualquer cultura, estaremos considerando as mulheres chefes de famílias
monoparentais como mola propulsora de estratégias para o estabelecimento de uma
rede social capaz de se organizar, em face das demandas decorrentes da
complexidade da vida.
Nesse aspecto, um trabalho que tem como foco dar visibilidade à auto-eco-
organização das mulheres chefes de famílias monoparentais pode, num movimento
mais geral, permitir aos profissionais do Serviço Social, entre os quais me incluo, o
desenvolvimento de projetos interventivos que colaborem com a discussão sobre a
proteção social fundamental para o exercício da cidadania, baseados em uma
política social que tem como propósito o rompimento de práticas tuteladoras, para
uma ação que, de fato, promovam os direitos.
Esta proposta de estudo sobre o fenômeno da auto-eco-organização em rede,
das mulheres chefes de famílias monoparentais, procura fugir do preconceito e da
incompreensão, por perceber a complexidade da questão. Ao discutir esta particular
organização, suas necessidades e demandas, instalo, como assistente social, a
69
busca de subsídios que embasem a efetivação da Política Nacional de Assistência
Social (2004), que prevê a centralidade da família e o atendimento da mesma
através de ações intersetoriais pressupostas pelo Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), procurando a consagração de direitos e a inclusão social.
Em meio a essa dinâmica, pretendo trazer à tona também, tensionamentos
que ocorrem no espaço onde se estabelecem as relações familiares das mulheres
chefes de famílias monoparentais, sua organização, a distribuição de papéis e a
instituição de novas formas associadas ao cuidado e ao estabelecimento de sua
rede de apoio, subsídios esses que poderão ser levados em consideração na
efetivação das políticas direcionadas para a família, como uma forma de acesso à
cidadania.
No entrelaçamento destas idéias espero refletir as práticas voltadas para a
diversidade da família monoparental chefiada por mulheres, na efetivação de
políticas públicas, não como uma forma de estigmatizá-la, mas como um movimento
que se abre ao exercício de efetivação de direitos. Da mesma forma, esta discussão
amplia e potencializa recursos construídos para o enfrentamento das questões
sociais.
Para além de meu aprendizado profissional, o meu interesse está também em
abrir possibilidades de desvelamento de um fenômeno cada vez mais expressivo e
complexo, que envolve os mais diversos segmentos sociais num processo de auto-
organização em rede.
70
Esta reflexão também tenta resgatar, nos profissionais do Serviço Social, a
idéia trabalhada por Mioto (2004:1) ao se referir que os processos de atenção à
família fazem parte da história da profissão, embora as ações dos assistentes
sociais sejam consideradas muito aquém das exigências que lhes são colocadas. As
atuais exigências do mundo pontuam a necessidade de qualificação das ações
profissionais nessa área, uma vez que, essa intervenção se refere ao campo do
atendimento direto, não levando em consideração a proposição, articulação e
avaliação das políticas sociais (MIOTO, 2004).
Por conseguinte, a atualidade e importância desta pesquisa se associam à
discussão que vem sendo feita em relação à intervenção do serviço social nos
trabalhos com famílias, assim como, à discussão proposta pela Política Nacional de
Assistência Social na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social, que
presume a articulação das políticas públicas, a fim de assegurarem ações que se
abrem ao protagonismo das famílias.
Nesta perspectiva, partindo do pressuposto de que a auto-eco-organização
em rede das mulheres chefes de famílias monoparentais passam a demandar
políticas sociais complexas, é que esta investigação buscou na teoria da
complexidade subsídios para a compreensão deste fenômeno do século XXI.
1 FAMíLIA MONOPARENTAL CHEFIADA POR MULHER: PRIMEIRO NÓ
Este capítulo diz respeito à primeira hipótese, que se refere às mudanças
estruturais e descontínuas deste início de século e dão visibilidade a uma gama
variada de organizações familiares como a singularidade das famílias monoparentais
chefiada por mulheres. Essa organização familiar constituída pelas mães e seus
filhos enfrentam um cotidiano adverso que demanda estratégias para darem conta
do dia-a-dia. Dessa forma, as mulheres chefes de famílias monoparentais se vêem
desafiadas a se auto-eco-organizar em rede.
O capítulo está norteado pelo seguinte nó dialógico: Como as mulheres
chefes de famílias monoparentais buscam estratégias de auto-eco-organização em
rede para assegurarem demandas cotidianas?
Para que possa atar e desatar este nó, passo a apresentar como está
organizado o capítulo que inicia com uma retrospectiva que visibilidade à família
na contemporaneidade, no qual faço um resgate histórico da família através dos
tempos. Após este item, foco a família monoparental chefiada por mulheres
apresentando um panorama de como se vem constituindo esta organização familiar,
o que vai permitir direcionar-me para o fenômeno das mulheres chefes de famílias,
assim como para a complexidade do conceito de rede num movimento em espiral,
73
pretendo, então, anelar o capítulo, em busca do próximo circulo que compõe o
capítulo seguinte. Durante todo o capítulo, as falas das mulheres chefes de famílias
monoparentais que fizeram parte desta pesquisa se fazem presente no corpo do
texto dando um suporte às questões teóricas.
1.1 Os nós da Família através dos tempos
Família é uma instituição bastante abrangente que envolve um olhar ampliado
do pesquisador, pois pela sua multidimensionalidade reflete, como em um
caleidoscópio, várias formas e organizações, bem como a interação que estabelece
com seus membros e com o contexto na qual está inserida. Este tema vem sendo
estudado por diversas áreas e sob diferentes paradigmas. Dentre as configurações
familiares que vêm compondo os diferentes estudos na área de família, aquela que
interessa para esta investigação é a família monoparental chefiada por mulheres.
Ao estar em interação com o meio de que faz parte, numa relação de
recursividade (MORIN, 2000), a família retrata os acontecimentos mundiais, pois
estes vêm contribuindo para o seu processo de mutação ao longo dos culos.
Mesmo quando ainda não se falava em globalização
17
, e as novas tecnologias não
davam a visibilidade aos fatos, em tempo real, o fenômeno dessa transformação
era experimentado. Nesse sentido, procuro fazer uma breve retomada histórica, a
fim de situar a inter-relação entre os processos mundiais e a organização familiar, no
decorrer dos séculos.
17
É um processo segundo o qual as atividades decisivas num âmbito de ação determinado (a
economia, os meios de comunicação, a gestão do ambiente e o crime organizado) funcionam como
unidades em tempo real no conjunto do planeta (CASTELLS, 1999:149).
74
Reportando-me ao século XVII, a dinâmica estabelecida pelas famílias era a
de que o público prevalecia na vida do casal, a família vivia em sociedade, ou seja, a
forma como eram estabelecidas as relações preponderava no convívio social, desde
o dia-a-dia da família, com muitas pessoas envolvidas no cotidiano, não havendo
espaço para a solidão. Ninguém ficava sozinho, “a densidade social proibia o
isolamento” (ARIÉS, 1981:264), e as relações do cotidiano (pares, parentes, criados)
impediam que se ficasse só. Nesta época, não havia intimidade familiar, no sentido
de que a privacidade da família não fazia parte dos valores da época, até mesmo os
cômodos da casa tinham ligação, e as camas eram dispostas na mesma sala, onde
dormiam vários casais, além de crianças e criados (ARIÉS, 1981).
no século XVIII, a família se tornou-se uma organização que dava maior
primazia a seu núcleo familiar, mantendo a sociedade a distância (ARIÉS, 1981),
alterando as formas de convívio social e familiar, instituindo regras que redefiniam,
tanto o cotidiano familiar quanto as questões ligadas à sociedade. Inicia, então, o
processo de privacidade familiar. A casa começa a ser reestruturada em função da
“nova preocupação de defesa do mundo”, é a casa moderna, assegurando a
independência dos cômodos. Nasce a intimidade, a discrição e o isolamento (ARIÉS,
1981).
A revolução industrial foi palco de várias transformações familiares. Segundo
Segalen (1999), é com a industrialização que se acontecem as alterações das
relações sociais e familiares. Conforme o autor:
O termo ‘industrialização’ refere-se a um processo, a uma dinâmica
de transformação em que a instituição familiar não é sempre
instância passiva, mas que pelo contrário, figura como local de
75
reação de resistência ou como componente fundamental da dinâmica
industrial. (SEGALEN, 1999, p.5).
Com o advento da industrialização, desenvolveu-se uma grande variedade de
tipos de família, e essa variedade acompanhava a multiplicidade de hierarquias nos
postos de trabalho, as imposições advindas da produção, como também as
categorias sociais modificadas pelos complexos processos de mobilidade social da
época.
As inúmeras metamorfoses experimentadas pela família no decorrer dos
séculos, não afetam a predominância de uma organização que se foi vigente por
muito tempo, a família nuclear, aquela composta pelo pai, mãe e filhos. Mas, na
atualidade, ela não é mais a única que vigora, apesar de ainda predominar, segundo
dados do IBGE, CENSO 2000.
Osório (2002) utiliza o termo família da aldeia global referindo-se à família
contemporânea, assim como suas configurações diversas e multiformes. Estas
mudanças são percebidas em todos os países ao mesmo tempo, por isso a
denominação de “aldeia global”. Diante dessas configurações, o que vem crescendo
muito, em termos de família em tempos globais, é a família monoparental,
constituída por um dos pais e seus filhos, na maioria, mulheres (PNDA, 2004).
Para apoiar o corpo teórico, passo a inserir, no decorrer do texto, a fala das
entrevistadas. A fala a seguir é de uma mulher chefe de família, moradora da
microrregião 2, Sarandi ,sobre a composição de sua família:
76
Na minha casa mora eu e os meus filhos, e isso não acontece
comigo, aqui umas quantas vizinhas também são assim ó,sem
marido. Então a gente é a mãe e o pai dos filho. Não é fácil, mas
fazer o que? A gente sempre tem que arrumar um jeito pra cria os
filho... (Tânia, 32 anos, 4 filhos, micro 2)
O trecho acima evidencia o aumento do número de famílias monoparentais
chefiadas por mulheres, mas ainda convém destacar que a Carta Constitucional de
88 reconhece três tipos de entidade familiar: a família resultante do casamento, a
família oriunda da união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e
descendentes (a família monoparental). Depreende-se, portanto, que a família
biparental se representa pelo modelo mais tradicional, através do casamento
(formal), e pelo modelo mais recente, o da união estável (informal).
A família biparental nas suas duas formas é contemplada pelo Código Civil
atual que entrou em vigor em 11/01/2003, todavia, a família monoparental apesar de
lembrada na lei maior, não encontrou amparo na legislação ordinária substantiva.
Entretanto, a família monoparental tem existência legal em vários países europeus e
nos Estados Unidos, com as peculiaridades de cada civilização, tendo em vista ser a
família monoparental um tipo de entidade familiar reconhecida em épocas próximas,
todavia a legislação sobre ela é ainda lenta, gradual e incipiente.
Outro aspecto que também aponta para a questão da família monoparental
chefiada por mulheres, como mostra o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano
no Brasil, é o fato de o trabalho da mulher ser menos valorizado que o do homem.
Em média, o salário das mulheres equivale a 63% do salário dos homens. E, em
geral, as mulheres ocupam predominantemente funções de baixo salário e baixo
prestígio. Como segue a fala abaixo:
77
Eu tenho o segundo grau completo, como tu pode ver tenho boa
aparência, mesmo assim procurei, procurei emprego e não consegui
nada de carteira assinada; então, tive que i a luta e faze faxina assim
não deixo faltar nada para nós dentro de casa. (Lúcia, 29 anos, 5
filhos, micro 4).
A fala acima mostra a realidade em que as mulheres chefes de famílias
vivem, assim como dá vistas aos dados contidos no relatório
18
sobre o
desenvolvimento humano, o qual aponta que a situação é ainda mais grave se
considerarmos que, de acordo com esse relatório, 66% das famílias são
monoparentais, isto é, chefiadas por apenas uma pessoa, a mulher. Se forem
famílias chefiadas por mulheres negras ou pardas, a chance é de 80% de que sejam
famílias monoparentais (contra 1% de famílias monoparentais chefiadas por
homens).
Dados de 1989 contidos no referido relatório dizem que as famílias chefiadas
por mulheres com filhos abaixo de 14 anos representavam 58% das famílias com até
meio salário mínimo de rendimento mensal per capita (entre as famílias compostas
de casal e filhos essa porcentagem era de 33%). Nessas famílias compostas por
mãe e filhos, as crianças entram muito cedo no mercado de trabalho, o que resulta
em mau aproveitamento na escola e em alto índice de repetência. Quase todas as
crianças abandonam a escola muito cedo e se transformam em analfabetos
funcionais
19
(o que tende a contribuir para manter a pobreza). É o que a fala a seguir
apresenta:
18
http://www.undp.org.br/HDR/Hdr96/rdhb3.htm capturado em 12/07/2005.
19
Os analfabetos funcionais são pessoas que não sabem ler ou interpretar frases inteiras escritas,
pessoas que nunca aprenderam direito a ler, calcular ou a fazer operações fundamentais, mas
sabem assinar o nome, o que os diferencia dos analfabetos. Estas habilidades são consideradas
hoje básicas para a civilização ocidental. O analfabeto funcional não consegue compreender um
programa da televisão nem decifrar bulas de medicamentos ou instruções de uso de
aparelhos. Esta inabilidade para interpretar/articular informações dificulta a busca de um emprego
e a integração na vida comunitária
78
Com a saída do pai deles de casa, primeiro fiquei sem saber o que
fazer, foi tudo muito rápido, mas guerreira como sempre fui, fizemo
uma reunião eu e os guri e achamo uma solução, eu pintava
guardanapo em casa e os guri saiam pra vender, só que eles ficavam
muito cansados e terminavam não indo pro colégio... (Vera, 34 anos,
4 filhos, micro 3).
O extrato acima apresenta uma forma de auto-eco-organização de muitas
mulheres chefes de famílias que, junto com seus filhos, buscam alternativas para
enfrentar o cotidiano permeado de acasos, imprevistos, eventualidades, mas se nem
mesmo o profissional qualificado está isento de pressões da era digital que impõe
uma constante atualização, a situação dos filhos de famílias monoparentais
chefiadas por mulheres, conforme destacado pelo relatório acima, fica ainda mais
vulnerável às mazelas da globalização.
O problema é muito complexo e comporta muitas dimensões. Na nova
economia, a própria existência humana é posta em questão. Aqueles que constroem
a sua vida descendo a níveis precários não são capazes de perceber-se como
sujeitos. Isso é evidenciado pela fala abaixo:
Eu não tenho trabalho, eu não tenho nada, passo muita necessidade,
mas também como é que vão me contrata pra algum trabalho nem
dente, nem falá direito eu falo, hoje eles querem gente estudada e eu
não sou ninguém... (Dora, 43 anos, 5 filhos, micro 3).
O que está aparente na fala acima retrata o modo como as mulheres chefes
de famílias monoparentais, que não dispõem de qualificação para o enfrentamento
de novas exigências do mundo contemporâneo, sentem-se ante a sociedade
contemporânea que se constitui numa verdadeira mutação, em virtude da
79
aceleração tecno-científica e econômica que tomou conta do planeta, convertendo-
se em estratégia de dominação em escala global.
Diversos indícios enunciam a passagem: era da informação, sociedade pós-
industrial, pós-modernidade, revolução eletrônica, sociedade do espetáculo,
globalização, etc. Por outro lado, todos pressentem que a cultura contemporânea
está sendo rapidamente desmaterializada:
Na era do capitalismo proprietário, a ênfase recaía na venda de bens
e serviços. Na economia do ciberespaço, a transformação de bens e
serviços em mercadorias torna-se secundária face à transformação
das relações humanas em mercadorias. Numa nova e acelerada
economia de rede em permanente mudança, prender a atenção dos
clientes e consumidores significa controlar o máximo possível do seu
tempo. Passando das unitárias transações de mercado, que são
limitadas no tempo e no espaço, para a mercantilização de relações
que se estendem abertamente no tempo, a nova esfera comercial
garante que parcelas cada vez maiores da vida diária fiquem presas
no final da linha (RIFKIN, 2000:6).
Esta nova forma de viver proporcionada pela mutação da sociedade
capitalista embasada pelas novas tecnologias, que oferecem máquinas e utensílios
importantes para a vida atual, procurou otimizar o tempo disponível das pessoas
(GOMES, 2002:77). Entretanto, existe um segmento da população, que é um caso
entre outros, das famílias populares que não desfrutam dos privilégios oferecidos
pelo avanço tecnológico, e que, neste contexto, se apresenta como um fator de
exclusão. Ao falar de exclusão, um processo complexo envolvendo o homem em
interação, não como negar que essa exclusão se apresenta de forma dialógica
80
exclusão/inclusão
20
, pois é um movimento carregado de contraditoriedades, e, como
salienta (SAWAIA, 1999) no qual todos nós estamos incluídos de alguma forma.
Quando cheguei aqui em Porto Alegre, da roça, não sabia nada, nem
o que era ferro de passa roupa, nunca tinha visto um telefone e
máquina de lavar era um bicho para mim. Xucra sai pra procura
emprego, claro que não consegui, mas foi o que me fez eu busca o
conhecimento dessas coisas (Antônia, 52 anos, 7 filhos, micro 2).
Fica evidenciado que, por outro lado, essa dialógica exclusão/inclusão
potencializa formas de auto-eco-organização que contribuem com o cotidiano da
família, seja através da busca de conhecimentos, do aprimoramento e qualificação
pessoal e profissional, seja através do Estado, em instituições que tenham
programas sociais ou até mesmo pessoas que possam servir de suporte para
determinadas situações econômicas, sociais, culturais, religiosas, etc. Como refere a
entrevistada a seguir:
Eu estou conseguindo dar o que come pro meus filhos com o
dinheiro da Família Cidadã sem ele nós não seria ninguém... (Paula,
40 anos, 5 filhos, micro4)
A fala acima mostra a importância da organização de programas sociais como
suporte para as famílias, destacando-se as ações que vêm sendo estabelecidas pelo
Estado como formas de abarcar situações de vulnerabilidade, pois, na ausência
dessas ações, muitas famílias teriam mais dificuldades para enfrentar situações
cotidianas.
20
Parto das idéias de Sawaia (1999:9) para explicar esse processo. A exclusão é um processo
complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e
subjetivas. Complemento este pensamento baseado nas idéias de Edgar Morin (2005) que salienta
que o princípio da exclusão comporta de maneira complementar e antagônica o princípio da
inclusão. Nesse sentido, aponto para a dialógica (dois princípios ou noções que deveriam excluir-
se reciprocamente, mas são indissociáveis em uma mesma realidade, MORIN, 2000: 96). Portanto
a exclusão/inclusão são focos de análise antagônicos e complementares, uma realidade não pode
ser pensada sem a outra.
81
Por outro lado, também é importante pontuar que a forma em que esses
programas estão instituídos reforçam a dependência, tutelando as famílias, uma vez
que falta de articulação com outros programas, inclusive o de qualificação
profissional e geração de renda que seriam formas que possivelmente
potencializariam a autonomia das famílias.
Outro aspecto encontrado no trecho da fala acima se refere à forma como as
pessoas usuárias desses programas se vêem, ou seja, sem o programa acham que
não são ninguém, como pontua Paugam (2003:15): as políticas sociais cumprem o
papel de integrar, mas também podem contribuir para estigmatizar essas pessoas e
pesar na construção de suas identidades. O extrato da fala abaixo potencializa
também essa reflexão:
Eu vim buscá uma vida melhor, já não agüentava mais os problemas
que eu tava passando, quando consegui entra para esse ajutório e
recebi o primeiro dinheiro, meu Deus, foi o dia mais feliz da vida, eu
olhava os olhos brilhando do meus filhos quando me viram chega
com as compra, até hoje aquela imagem gravada na minha
cabeça. Mas fico pensando será que depois de acabar, eu sozinha
vou consegui... (Paula, 40 anos, 5 filhos, micro 4).
A fala acima salienta que o medo também está presente no cotidiano das
mulheres chefes de famílias, principalmente quando elas auto-eco-organizam sua
rede, tendo como principal os programas sociais que, por não contribuírem para
sua emancipação, podem criar formas de dependência, apontando a dinâmica que
se estabelece no mundo real, que é pleno de contradições. Assim, para além da
superação dessas contradições, devemos torná-las visíveis para que se possam
organizar práticas e ações que as contemplem. Só assim é possível abarcar a
82
complexidade existente nas relações atuais dessas famílias para possam sobreviver
e viver o dia-a-dia.
Eu recebo ajuda do governo Federal, eu ganho uma renda do PETI e
não sei se não to quase saindo, mas é o que vem me ajudando
bastante em tudo. Se eu não consigo vende as langeri que eu vendo
não tenho como sobreviver. Claro que não fico com a renda (do
PETI) eu tento me ajuda com outras coisas pra eu fazer, pra eu
vende. As vezes, não consigo vende nada, então é a renda que
me ajuda manter dum mês pro otro. (Marinete, 32 anos, 5 filhos,
micro 3)
O extrato acima evidencia as estratégias utilizadas pelas famílias para
organizar a sua renda, o que implica somar outras possibilidades que não se
restrinjam apenas à quantia destinada pelo Estado.
O que se observa também em relação às famílias, num contexto geral, é que
este processo, de certa forma interfere na dinâmica familiar, alterando sua estrutura,
os sistemas de relações e os papéis desempenhados por cada membro no grupo
familiar (GOMES, 2002). E esta é uma nova forma de organização que se
caracteriza por ações que ultrapassam os níveis locais, não estão restritas a esta ou
aquela região, mas trata da globalização das relações. Este movimento global e
complexo vai delineando o tipo de relações estabelecidas na sociedade que não se
restringe só às famílias, mas a todas as organizações sociais.
A seguir, passo a apresentar os nós da família monoparental chefiada por
mulheres em seu contexto atualizado, pois, apesar de não ser uma instituição que se
organiza neste início de século, é em meio a demandas atuais das configurações
familiares que ela ganha destaque, passando de uma organização estigmatizada,
para um núcleo que merece maior atenção do poder público.
83
1.2 Os nós da família monoparental chefiada por mulheres
Quando o assunto é família, a associação com esta idéia é representada pela
figura de um pai, de uma mãe e filhos. Mas esta organização familiar o é a única
que expressa a realidade das famílias deste século. Isso porque novas organizações
vão surgindo e refletindo as mudanças ocorridas na sociedade, gerando uma
flexibilização das relações, que pode incluir ou excluir membros sem descaracterizar
a organização familiar. Como aponta Escardó:
A palavra família não designa uma instituição padrão, fixa e
invariável. Através dos tempos, a família tem adotado formas e
mecanismos sumamente diversos, e na atualidade coexistem no
gênero humano tipos de família constituídos sobre princípios
jurídicos, morais e psicológicos diferentes... (1968:25).
Ainda que este conceito tenha sido elaborado há mais de 30 anos, ele
continua valendo para os dias atuais. Estes princípios enunciam que,
independentemente da época, vivemos sob uma diversidade de situações que
devem ser levadas em consideração ao aludir as questões familiares. Sendo assim,
não podemos falar que a família está em crise (OSÓRIO, 1997,2001), o que vem
ocorrendo o novas organizações, mas alguma delas não se pode nem chamar de
novas, pois são organizações antigas com características novas, mais aceitas pela
sociedade. Pode-se dizer, sim, que está havendo uma mudança na configuração
familiar, o que vem dar visibilidade ao fato de a constituição familiar não ser estática,
estar interagindo com o meio da qual ela é produto e produtora estabelecendo
assim, uma relação de recursividade (MORIN, 2000).
84
Neste contexto, pontuo algumas organizações familiares que, para mim,
expressam as configurações desta atualidade, além da família nuclear como as
famílias recasadas, que são aquelas que contemplam a entrada de novos membros
como o padrasto, a madrasta, os filhos do padrasto e/ou madrasta; as famílias de
homossexuais caracterizadas por pessoas do mesmo sexo, que vivem em união
estável; as famílias monoparentais constituídas por um dos genitores e seus filhos,
entre outras, como as falas abaixo expressam:
Eu crio sozinha os meus filhos. Esta foi uma opção; porque não
vivia bem com o pai deles, então eu pensei naquele ditado, antes
do que mal acompanhada e fui à luta... (Rosana, 37 anos, 4 filhos,
micro 4).
A fala acima expressa a monoparentalidade que, ao contrário do que se
pensa, não é uma configuração deste século, mas neste século está recebendo
destaque pelo número de famílias que se constituem dessa forma e por ser hoje
uma configuração que pode advir de uma opção, contrariamente às situações
anteriores, em que a questão era imposta, como no caso de viuvez ou de algumas
mães solteiras não voluntárias. A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio 2004
(PNAD), salienta que a monoparentalidade feminina representa 22,6% das famílias
brasileiras.
Família monoparental é uma expressão que passou a ser utilizada pela
literatura sociológica nestes últimos 25 anos e vem ganhando destaque cada vez
maior na sociedade, para designar a organização familiar composta por um dos
genitores e seus filhos. Mas existem outras terminologias para caracterizar esse tipo
85
de organização familiar: famílias de um só genitor, famílias singulares, famílias
uniparentais.
A noção de família monoparental foi importada dos países anglo-saxões, na
metade dos anos 70, pelas feministas francesas ao se referirem à maternidade fora
do casamento e à dissociação familiar em termos de 'problemas psicossociais' além
das famílias de risco (VITALE, 2002). Esta terminologia servia para qualificar as
famílias compostas pela mãe e seus filhos que, naquela época estabeleciam uma
organização familiar mais moderna que a família tradicional.
A organização familiar monoparental, como salienta Lefaucheur (1997),
designa as unidades domésticas em que as pessoas vivem sem cônjuge, com os
filhos. Venho destacando a monoparentalidade vivida por mulheres, o que vem
resgatar a originalidade do termo importado pelas feministas, como refere à fala
abaixo:
Tem uma música que sempre me lembro quando falo da minha
situação. E do Erasmo Carlos e diz assim ó “dizem que a mulher tem
sexo frágil, mas que mentira absurda” e é esse o meu caso. Sou
eu pra cria os 9 filhos e tiro daqui e tiro dali, me viro, não deixo faltar
nada preles .... (Janete, 35 anos, 9 filhos, micro 2).
Essa fala reflete a auto-eco-organização de uma das mulheres chefes de
famílias monoparentais que, no dia-a-dia utilizam várias estratégias tais como vender
latinhas, juntar papelão, ficar com os filhos de vizinhas, com o fim de obter uma
renda que venha promover o sustento diário da família. E ao dizer “tiro daqui, tiro
dali” é a expressão para assinalar o movimento incessante de busca e de auto-eco-
organização realizado por elas.
86
Essa é a organização familiar que mais vem crescendo no mundo. No Brasil
não foi diferente, havia uma gama de famílias vivendo a monoparentalidade, mas
nos anos 70, com o movimento feminista, essas famílias passam a ser
pesquisadas, tornando-se visíveis. Barroso e Bruschini (1981) publicam o texto
“Sofridas e mal pagas”, o qual serve como referencia para dar visibilidade a esse
contexto familiar, revelando a realidade das mulheres que, por serem chefes de
família m um acúmulo de responsabilidades e nem sempre conseguem suprir as
demandas de cuidados dos filhos, bem como, a de prover o lar.
Por outro lado, uma distinção entre mulheres chefes de famílias e famílias
monoparentais: as chefes de família nem sempre são monoparentais. Destaque para
essa organização é o fato de serem essas mulheres responsáveis economicamente
pelo sustento do lar, ao passo que a monoparentalidade se constitui a partir da
organização familiar. Mas as mulheres das famílias monoparentais também recebem
uma sobrecarga nos seus papéis, pois, são chefes de famílias. Isso fica claro na
próxima fala:
Eu gostei dele ter saído, para mim foi bem melhor, nunca existiu
nenhum tipo de agressão. Foi incompatibilidade de gênio mesmo. Eu
gosto de ter o controle da minha vida e da minha filha, mas o que me
pesa mesmo é essa função de pai e mãe. È tu para trabalhar,
educar, brincar, brigar é só tu.... (Dulci, 29 anos, 1 filha, micro 2)
Como salientado anteriormente, é relevante destacar mais uma vez a
diferença entre a monoparentalidade de antigamente, na qual o fenômeno era vivido
pela imposição de uma situação como a viuvez, e a da atualidade na qual a
monoparentalidade também é decorrência direta de uma opção de ser mãe solteira
ou separada (LEITE, 2003:31). Esta organização tem como objetivo manter sua
87
sobrevivência na sociedade e, por isso, vai também se organizando de acordo com o
contexto. Junte-se a este fato a importância dos valores culturais, sociais e históricos
que estão impregnados nas pessoas e que interferem na organização e na
sociedade. Como explicitado na fala subseqüente:
O bom que agora o precisamos mais fica com uma pessoa
fingindo que está tudo bem, pros outros não pensarem mal da gente,
como o caso da minha mãe que teve que aturar cada coisa do meu
pai que me arrepio de pensa. Me lembro que a gente rezava para
ele ir embora e ele não ia e a mãe sempre obedecia ele. Isso eu
nunca quis pra minha vida. Comigo é assim ó, não ta bom à porta da
frente é serventia da casa... (Raquel, 45 anos, 8 filhos, micro 2)
Nesta fala, é visível que as mudanças vivenciadas pelas organizações
familiares de hoje mostram que estas se estão tornando muito mais pluralistas e
abertas, assumindo várias características que permitem reflexões sobre as famílias
monoparentais e sua forma de organização ao longo do tempo. Também mostram a
forma como a mulher se vem colocando ante os desafios da vida e a escolha dos
companheiros. não se trata mais de algo imposto pelas convenções sociais, mas
que tem muito a ver com a forma que são estabelecidas as relações cotidianas.
Destaco duas características que vêm compondo essa organização: a fluidez,
por ser um fenômeno que, cada vez mais, vem fazendo parte do nosso dia-a-dia e
assumindo naturalidade e transitoriedade, uma vez que não se trata de uma
configuração estática, mas que tende a se encaminhar para uma nova união, o que,
aliás, vem a descaracterizar a monoparentalidade, assumindo uma nova
organização familiar as famílias recasadas. Mais uma vez, dou vistas à
dinamicidade existente neste tipo de família, como salienta o extrato da entrevista
abaixo:
88
Neste momento estou com namorado recente, estamos nos
conhecendo, mas se der tudo certo quem sabe a gente não junta os
nossos trapinhos... (Lourdes, 29 anos, 5 filhos, micro 4).
No extrato da fala acima, vêem-se nitidamente a transitoriedade e a fluidez
desta organização familiar, seja pela dificuldade de criar os filhos sozinhas, seja pela
companhia, pelo afeto, pelo cuidado, com que as mulheres procuram outros
relacionamentos para compartilharem os seus dias.
Mas nem sempre o divórcio exclui o pai dos cuidados dos filhos, apesar de,
na maioria dos casos, a guarda dos filhos ficar sob a responsabilidade da mãe
(LEITE, 2003). Como salientam as entrevistadas abaixo:
Ele é um pai presente, ele vem ver ela quando ela está de mais eu
até chamo ele é mais um amigo que pai (Dulci, 29 anos, 1 filha, micro
2).
Eu nunca proibi de ver os filhos, mas depois que ele foi embora
aquela paixão pelos filhos foi também, quase nunca aparece e as
crianças sentem uma falta dele (Cirlei, 33 anos, 6 filhos, micro 4).
Os dois trechos das entrevistas acima mostram as duas situações que a
separação do casal acarreta apresenta no convívio familiar. Enquanto um pai faz
parte da rede de apoio da mãe, estando presente em todos momentos da filha, o
outro pai se tornou omisso Esta situação é vivenciada por muitas famílias
monoparentais chefiadas por mulheres, na qual o pai negligencia sua
responsabilidade paterna, não tendo mais contato com os filhos após a separação
do casal. Embora essa separação não seja um determinante para excluir o pai do
convívio com os filhos e do direito à educação dos mesmos.
89
Atualmente há encaminhamento jurídico no sentido de que, apesar de os
cônjuges viverem em residências separadas, eles podem dividir a responsabilidade
com os filhos, desde que seja em comum acordo. E esta situação não
descaracteriza a monoparentalidade da família. A fala subseqüente evidencia a
auto-eco-organização de uma das mães chefe de família que conta com o apoio do
pai para dividir a responsabilidade com os filhos.
Como to trabalhando de faxina, tenho hora para entra e não tenho
hora pra sai, então eu peço pro pai deles que sai mais cedo do
trabalho, busca as criança na escola e ficá com eles até a hora de eu
chega, num dize que isso acontece todos dia, porque eu não
tenho serviço todo dia, mas quando preciso ... (Antônia, 52 anos, 7
filho, micro 2).
Este extrato reflete que, quando é desejo de ambos os cônjuges dividir a
criação e educação de seus filhos é possível fazê-lo. ainda a possibilidade de
solicitar legalmente a guarda e responsabilidade parental: a guarda compartilhada.
Este modelo prioriza o melhor interesse dos filhos e a igualdade dos gêneros no
exercício da parentalidade. “É um chamamento dos pais que vivem separados para
exercerem conjuntamente a autoridade parental... (GRISARD FILHO, 2003). Nesta
dinâmica, o pai sai da configuração familiar e passa a fazer parte da rede social
dessa família” como fica nítido no extrato acima.
A monoparentalidade, conquanto não tenha na expressão o termo “mono”,
não é imóvel, pelo contrário, exige uma reorganização entre seus membros para que
possam dar conta de situações cotidianas. Ao mencionar famílias monoparentais,
pergunto-me o que é “mono” nesse tipo de família? A organização? As relações? Ou
a Configuração? De acordo com este estudo, “mono”, nesse tipo de família, é a
90
organização baseada em um dos pais e seus filhos. Essa organização familiar é
dinâmica, não estabelece padrões rígidos de funcionamento e se estabelece
conforme as necessidades advindas das demandas familiares, tanto no que diz
respeito aos vínculos estabelecidos quanto à auto-organização familiar, na forma de
garantir subsistência. Como demonstra o trecho do extrato abaixo, ao se referir ao
filho que assume temporariamente o sustento familiar:
Eu vim pará neste programa (PETI) porque depois que meu marido
foi embora, não tinha como sustenta meus filhos tive que manda o
meu (filho) mais velho vende frutas na sinaleira e o que ele vendia
nós dividia um pouco pra come e o outro dava pra compra mais fruta
na CEASA. (Giane, 34 anos, 6 filhos micro 3)
Fica evidente que a reorganização da família possibilitou uma flexibilização
dos papéis, na ausência do pai e na necessidade de a mãe ficar em casa para
cuidar dos outros filhos. O filho de 9 anos, sai para as sinaleiras a fim de vender
frutas, forma encontrada pelos membros da família para a garantia do sustento da
casa.
Todavia os recursos encontrados dentro do núcleo familiar nem sempre
correspondem à maneira mais eficaz para a solução das situações cotidianas. Para
isso, é necessária a inclusão de pessoas ou instituições na rotina familiar,
constituindo assim, uma rede de apoio para a família. A rede de apoio organizada
por cada família também pode ser designada por rede social, que, por sua vez,
também apresenta contradições.
Ora, as pessoas me perguntavam porque que os guri saiam pra
vende meus guardanapo e eu não achava nada de mais, afinal
estava todos lutando junto; foi quando a Assistente Social me disse
que era trabalho infantil, então estou aqui recebendo uma bolsa
91
auxílio e não deixei de faze os guardanapo, procurei a minha irmã e
pedi pra ela me da uma força já que também tava sem trabalho , hoje
faço e ela vende (Vera, 34 anos, 5 filhos micro 3).
Esse trecho reflete a capacidade de auto-eco-organização das mulheres
chefes de famílias, que devido a imprevistos, acasos e eventualidades mudam de
estratégias para dar conta de seu cotidiano. Antes a solução encontrada estava
prejudicando os filhos, mas a mãe e filhos estão tão absortos no seu dia-a-dia que
nem percebem alternativas. Porém, ao tecerem a rede e ao se darem conta do
ocorrido, não ficam inertes e procuram uma solução, o que mais uma vez, salienta a
importância da organização da rede.
Nessa dinâmica de composição de rede, eu tinha como pressuposto inicial e
base a solidariedade entre vizinhos, o que a princípio, poderia representar
articulação e solidariedade entre as pessoas da mesma comunidade ou vizinhança,
vivendo a mesma situação, contudo, ao realizar as entrevistas, vi que nem sempre
a realidade se apresentava dessa forma:
Não recebo ajuda de ninguém é eu, eu tinha uma ajuda, mas a
minha mãe morreu depois dali nunca mais tive ajuda, um por si e
DEUS por todos. (Marilda, 34 anos, 4 filhos, micro 3)
O extrato acima deixa evidente que as pessoas, embora vivam situações
semelhantes não têm, na solidariedade, a base para o enfrentamento de questões
relativas à sua cotidianidade, pelo contrário, como refere Assmann (2000:26), muitas
pessoas se têm fechado no seu cotidiano de garantias mínimas de sobrevivência,
sua e dos seus, e se blindaram numa indiferença e insensibilidade em relação aos
desafios sociais mais amplos.
92
Esta constatação de que não há uma rede de solidariedade entre os vizinhos,
veio sendo confirmada ao longo da pesquisa, pois um dos pressupostos que eu
tinha, era de que, as famílias populares se organizavam de forma solidária. Mas a
solidariedade está presente na rede de parentesco, quando os familiares se ajudam
mutuamente, e isso não pressupõe o auxílio econômico, mas cuidados, apoio
moral, emocional, etc.
Muitas vezes, quando eu ainda estava na prática, à frente dos grupos
multifamiliares, ouvia das próprias mães que as crianças tinham ficado com uma
vizinha ou com uma cunhada, etc. O que não ficava claro é que as pessoas
recebiam uma importância monetária por esse cuidado. Tal prática, no entanto, foi
sendo usada pelas famílias no decorrer da pesquisa.
Independentemente do lugar em que se reside, da comunidade em que se
está inserido, da região em que se mora, as relações são estabelecidas da mesma
forma que no cenário mundial, o mundo funciona em rede, e essa rede faz parte de
todas as organizações sociais e está em todos os setores de atividades humanas
(CASTELLS, 1999).
1.3 Atar e Desatar os Nós: O desafio das mulheres chefe de famílias
monoparentais.
A partir de meados do século XIX, com uma série de descobertas e
progressos científicos e tecnológicos, redesenham-se as relações da divisão do
93
trabalho e do poder entre os sexos (LEFAUCHER, 991). As mulheres, que, desde a
Grande Guerra vinham assumindo novas responsabilidades e novas profissões,
desde a chefia da família até o auxilio ao exército (THÉBAUD, 1991), continuam a
conquistar novos espaços como o aperfeiçoamento e comercialização de
contraceptivos, o que fez com que elas pudessem decidir sobre suas relações
sexuais, desejo e mero de gravidez. Com o avanço da medicina veio também a
diminuição da mortalidade.
E os avanços das mulheres não param por aí, veio o direito ao voto (1945), a
participação nos esportes (1924), o divórcio (1977), o uso das calças compridas, o
curso superior sem autorização do pai ou marido, assim como o poder comprar e
vender imóveis, a licença maternidade, a decisão de adotar ou não o sobrenome do
marido, entre outros. As mulheres vêm ampliando consideravelmente sua lista de
conquistas. Segundo Morin:
As emancipações femininas não se realizaram somente na obtenção
dos direitos cívicos, mas também na aquisição de autonomia de
espaço e de tempo, de acesso às possibilidades de libertação das
conseqüências da procriação e do coito (anticoncepcionais,
legalização do aborto) e a possibilidade de um gozo sem entraves
externos (2002:82).
Mas, apesar das transformações acontecidas no decorrer dos séculos, as
quais lhe trouxeram maior autonomia, ainda prevalecem mitos o superados a
respeito do papel da mulher, tais como enfrentar as maiores taxas de desemprego e
ter, em média, rendimentos menores que os dos homens. Estes dados estão
apontados por um estudo realizado pelo DIEESE/2005
21
(Departamento Intersindical
21
www.cnmcut.org.br/release-mulher.doc
94
de Estatística e Estudos Socioeconômicos), elaborado especialmente para o dia
Internacional da Mulher, comemorado em 08 de março. Morin salienta que:
As culturas estabelecem, fixam, mantêm e amplificam uma
diferenciação entre homens e mulheres em papeis sociais,
especializando-os, nas tarefas cotidianas; sobredeterminam as
diferenças psicológicas. Instituem um poder masculino que salvo
exceções, atuou continuamente nas histórias das civilizações
(2002:82)
Apesar de a cultura continuar pontuando especializações decorrentes dos
papéis sociais entre gêneros, as mulheres, cada vez mais, vêm assumindo a chefia
familiar e, na região Sul, de acordo com dados do IBGE, 22,6% são mulheres as
responsáveis pelos domicílios. Esse dado estatístico leva em conta quem são os
responsáveis economicamente pelo sustento do lar: devido à mudança no cenário
global e às mudanças na estrutura do emprego (trabalho por conta própria sem
vínculo empregatício), muitas vezes são as mulheres as únicas economicamente
ativas em suas residências. Como refere o extrato abaixo:
Desde a época em que eu vivia com meu marido eu era a única que
trabalhava em casa. E hoje continua a mesma coisa, apesar de ser
um pai presente ele ainda continua sem ajudar economicamente
(Dulci, 29 anos, 1 filha, micro 2).
Segundo Woortmann, nas famílias dos “populares” as mulheres têm a maior
parte do controle sobre os recursos familiares e de parentesco, desempenhando um
papel fundamental na vida econômica da família (1987:289), pois elas vêm
assumindo, através da auto-eco-organização de uma rede, a responsabilidade pelas
questões familiares, educacionais, culturais, econômicas, sociais etc.
95
Por outro lado, de acordo com análise do IBGE, as famílias monoparentais
chefiadas por mulheres, tem uma situação mais vulnerável devido à menor renda per
capita, e isso ocorre pela distinção salarial entre gênero, em alguns setores,
chegando essas mulheres a receber um rendimento 30% inferior ao do homem
(PNAD, 2004). Além do mais, as mulheres tem de assumir postos de trabalhos
precários e sem vínculo empregatício. Como salienta a fala abaixo:
Sempre quis trabalha de carteira assinada, era um sonho que tinha,
pensou ter salário fixo, e outras coisas que eu sei que os
empregado ganha? Mas, nunca consegui, se não é eu catar lata e
papelão pra vende (Dora, 43 anos, 5 filhos,micro 3).
Essa situação leva muitas famílias chefiadas por mulheres a encontrarem
meios que garantam sua sobrevivência, sendo que uma dessas alternativas sendo
uma das alternativas o trabalho infantil. A participação das crianças no orçamento
familiar, através do seu trabalho, restou confirmada pela PNAD de 1993, que
reconheceu no trabalho infantil um aspecto perverso do mercado de trabalho
brasileiro (LEITE, 2003:159). Mas hoje, devido a programas de erradicação do
trabalho Infantil, a população de crianças e adolescentes que trabalhavam vem
diminuindo nos últimos anos e, em 2003, segundo dados da PNAD de 2004 houve
uma redução de 3,4%. O percentual de crianças e adolescentes que trabalham e
estudam também diminuiu, passando de 15,3% para 13,9%, conforme o relato
abaixo:
Sabia que os caras do conselho tutelar eram contra isso, mas não
tinha de onde tira, 6 filhos pra cria não é fácil e os guri forte, uns até
queriam me ajudar, outros achavam horrível sai pra vende alho, mas
eu botei todos do pequeno ao maior, ora quanto mais a gente vende
mais dá para paga as conta (Giane, 34 anos, 6 filhos, micro 3).
96
Isso mais uma vez acentua a vulnerabilidade em que vive a organização
familiar chefiada por mulheres e, conseqüentemente, a sobrecarga nos papéis das
mulheres chefes de famílias monoparentais, bem como a necessidade da auto-eco-
organização em rede, fazendo com que, constantemente essas mulheres
necessitem atar e desatar nós, ao buscar na sua rede, soluções cotidianas, e o
quanto elas necessitam pensar, não isoladamente, mas em interação com sua
rede de relações, seja esta de familiares, de amigos ou de instituições, com políticas
sociais complexas que possam contemplar as particularidades dessa organização
familiar que vive um cotidiano permeado de adversidades, imprevistos, acasos,
ordens e desordens. Isso ficou muito claro no extrato abaixo:
Não deixo falta nada pros meus filhos, sou eu que tenho que me vira,
sou eu que tenho que correr, se dizem estão dando rancho em tal
lugar, estou eu não quero nem saber, peço passagem, peço
carona, mas lá estou eu. Se precisa de remédio corro em todos
locais, é no Santa Marta é no Conceição em algum lugar eu acho. E
assim eu tenho o conhecimento de onde busca e sempre que
preciso corro pra alguém (Rosana, 37 anos, 4 filhos, micro 4).
Neste depoimento se configura o modo como as mães vão organizando o seu
dia-a-dia para poderem suprir as demandas da família. Sendo assim, as mulheres
chefes de famílias monoparentais, que possuem na sua figura a representação da
família, um sistema vivo, podem ser vistas como um processo auto-eco-organizador
que comporta permanentemente processo de desorganização transformado em
processo permanente de reorganização (MORIN, 2000:200).
97
1.4 Nós internos e externos: A complexidade da auto-eco-organização em rede
Antes de entrelaçar os nós das redes das famílias monoparentais chefiadas
por mulheres, é pertinente conceituar a idéia de rede utilizada ao longo desta tese.
Trata-se de uma palavra polissêmica, cujo sentido assume destaque, hoje, nas mais
variadas disciplinas, tais como, nas ciências sociais. É importante defini-la como um
sistema de relações, as chamadas redes sociais ou modos de organização na
física ela entra na analise dos sistemas desordenados, ao passo que, na
matemática, envolve modelos de conexão, o conexionismo; na tecnologia é a
estrutura elementar das telecomunicações; tratando-se da economia, ela diz respeito
a relações nas escalas internacionais, as redes financeiras, comerciais; nas ciências
biológicas, identifica-se com a análise do corpo, as redes sangüíneas (MUSSO,
2004). No serviço social, essa temática vem sendo discutida, enquanto caminho de
construção de alternativas de trabalhos com sujeitos inseridos no cotidiano
profissional, ou enquanto organizações (KERN, 2005:50).
É oportuno ressaltar que, em cada disciplina, a rede, conta de uma
especificidade e, neste estudo em especial, ela se associa a um sistema de
relações, as chamadas redes sociais articuladas pelas mulheres chefes de famílias
monoparentais em face do desafio proposto por seu cotidiano, movimento que se
refere tanto à organização da rede interna quanto da rede externa.
Internamente a família, como qualquer outro sistema vivo, auto-eco-organiza-
se e desenvolve estratégias para dar conta do cotidiano. Assim, vale resgatar o
pressuposto teórico que norteia esta tese: a família “um sistema vivo, pode ser vista
98
como um processo auto-eco-organizador que comporta permanente processo de
desorganização transformando processo permanente de reorganização” (MORIN,
2000:200). Para dar conta do contexto adverso, as famílias buscam o apoio
necessário para suas situações diárias.
Veja bem eu, vou buscando me apoiar na vida, com os amigos eu
choro os problema, no grupo de família do programa eu encontro
apoio, afinal a gente tá no mesmo barco, no posto de saúde eu corro
sempre que tem doença, a bolsa (auxílio) que recebo do programa
faz sustentar meus filho, na escola participo do grupo de mães
responsáveis pelo recreio, além da minha familia causo haja
necessidade... (Marinete, 32 anos, 5 filhos, micro 3).
Esta reorganização efetuada tanto interna quanto externamente encontra
respaldo na Constituição Federal de 1988, na Lei Orgânica da Assistência Social de
1993 (LOAS) que vêm subsidiando recentemente a Política Nacional de Assistência
Social de 2004 (PNAS) na qual se situam as políticas sociais do séc. XXI como um
tempo do direito, propondo uma ruptura com a prática do favor e do clientelismo para
buscar a justiça e a proteção social que ”exige a capacidade de maior aproximação
possível do cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos, vulnerabilidades
se constituem” (PNAS, 2004:10).
Eliminando desta forma, a distância entre os direitos apresentados pelas
legislações e sua efetivação, concretizando-os como direitos de cidadania, na
medida em que programas e projetos são criados a fim de operacionalizar e
potencializar a proteção e o espaço de ampliação de protagonismo. Mas a fala
abaixo pontua que ainda o protagonismo se constitui como uma possibilidade, pois o
que está de fato na ação cotidiana dos programas é a falta de perspectiva de
emancipação.
99
Eu cheguei aqui cheia de esperança e com vontade de muda minha
vida, mas eu não vejo muita saída pro meu causo, sem te algo que
me deixe caminhar com as próprias pernas fica difícil, eu vou me
virando, mas não chego ganhar o que ganho aqui com a venda do
lixo... (Liane, 43 anos, 5 filhos, micro1).
Esta forma com que os programas se estabelecem ainda está aquém das
expectativas das mulheres chefes de famílias que buscam no ingresso temporário
uma forma de efetivar e alargar suas potencialidades, articulando uma rede de apoio
e proteção e não uma forma permanente de tutela. Até porque muitas mulheres se
sentem controladas ao ter que estar dando conta de cada passo da família e de
cada nota gasta na despesa diária.
Neste sentido, o termo rede indica o sistema de relações estabelecido pelas
mulheres chefes de famílias monoparentais como uma trama de relações que se
desenvolve conforme as necessidades percebidas por elas, é um processo de
construção permanente tanto individual como coletivo (DABAS, 1995:21);
É um sistema aberto que através de trocas dinâmicas entre seus
integrantes e com integrantes de outros grupos sociais, possibilita a
potencialização dos recursos que possuem. Cada membro de uma
família, de um grupo ou de uma instituição se enriquece através das
múltiplas relações que cada um dos outros desenvolve (1995, 21).
Compreender a rede a partir de um sistema aberto é potencializar o
movimento de auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias
monoparentais, uma vez que a entrada ou a saída de membros ou instituições que
fazem parte da rotina familiar é dinâmica e flexível, instável e transitória, pois
acompanha o momento da família. É o que refere Cirlei, uma das entrevistadas:
100
Eu não saio por ai pedindo tudo pra todos como elas diz, mas o que
eu preciso eu luto. Outro dia eu precisei deixar meu guri pequeno pra
i no posto consulta porque eu bati o braço e ele inchou então eu fui lá
na minha irmã e pedi prela fica um pouco com ele. É assim que eu
me viro ... (Cirlei, 33 anos, 6 filhos micro 4).
Esta forma de organização requer que seja levado em conta o contexto de
cada família para a implantação e implementação dos programas, uma vez que a
ampliação da rede, como pontua Sluski (1997), possibilita nas famílias o aumento da
auto-estima, bem-estar e competência, pois, agregando novos membros elas se
sentem capazes de gerenciar situações que sozinhas não conseguem, tal como uma
simples ida a um posto médico.
Isso requer tanto para as mulheres chefes de famílias monoparentais quanto
para os membros da família, os profissionais e instituições que fazem parte das suas
estratégias diárias, estarem atentos à dinâmica estabelecida para o enfrentamento
das situações diárias, possibilitando assim, a potencialização de seus recursos, pois,
cada um resolve suas dificuldades, o inesperado, as ordens e as desordens à sua
maneira, num movimento recursivo. Assim, a família produz recursos internos
realizados pelas interações e nas interações, mas esses recursos à medida que
emergem externamente através de pessoas, instituições, organizações sociais,
programas e políticas sociais, também produzem recursos para essa mesma família
ajudando-a enfrentarem a complexidade da vida.
Segundo Sluzki, as fronteiras do sistema significativo dos membros familiares
não se limitam à família, mas incluem todo o conjunto de vínculos interpessoais.
Sendo assim, é importante situar que existem redes de naturezas diversas que vão
ajudar as famílias a comporem sua cotidianidade, como as primárias, secundárias
101
informais, secundárias formais, mistas, etc. A divisão varia conforme os autores
(SANICOLA, 1996).
As redes primárias m como característica principal a reciprocidade. Dando
forma ao mundo afetivo e simbólico dos indivíduos ou do grupo, são consideradas
as relações familiares, de amizade, dos parentes e dos vizinhos (SANICOLA, 1996;
FALEIROS, 1997).
Eu conto com a minha mãe e minha prima que me dão um apoio pra
conversar, dinheiro elas não tem mesmo; eu e minha prima saímo
nos finais de semana pra leva as criança pra brincar, vamos na
praça, no Centro, na redenção é tão bom esparecer, a gente é muito
companhera... (Lúcia, 29 anos, 5 filhos, micro 4).
As redes secundárias informais o constituídas a partir das redes primárias,
mas em decorrência de uma necessidade, por isso, recorrem a uma ajuda e a um
serviço. Muito comum nesse tipo de rede são os grupos de mútua ajuda como o
caso dos grupos multifamiliares dos programas sociais, como os grupos dos Núcleos
de Apoio Sociofamiliar (NASFs) da Prefeitura de Porto Alegre.
Nosso grupo é uma grande família, a gente sai de casa aborrecida
com os problemas, mas quando vem aqui a coisa muda um diz uma
coisa, o outro diz outra e a gente vai levando o ensinamento para a
vida, além de dar risada, brincar e quando tu vê, sai outra pessoa
(Ana, 18 anos, 2 filhos, micro 1).
As redes secundárias formais são estabelecidas a partir da prestação de
serviços que visa o acesso de direitos dos usuários. Como por exemplo, os
programas de Serviço Social que têm em vista a proteção da criança e do
102
adolescente, ou os programas de renda mínima voltada à família. As redes mistas
são aquelas que utilizam mais de uma rede.
Vim pro Família Cidadã porque tava passando necessidade, os meu
guri não tinham nem o que come, a irmã (Freira) me mando vim
aqui fala com a Dona Assistente (Beatriz, 33 anos, 6 filhos, micro 1).
È importante salientar que, no que se refere às funções de uma rede, é
necessário considerar:
Cada pessoa, por nascimento, pertence a uma determinada rede.
Frente aos problemas e necessidades, no curso de sua vida se abre
a outros laços e outras redes não por que querem, mas também
porque podem. A possibilidade de acesso está dada pelo jogo da
liberdade dos indivíduos em relação às condições oferecidas pelas
redes (SANICOLA, 1996:242).
Sendo assim, as redes sociais articuladas pelas mulheres chefes de famílias
monoparentais vão sendo delineadas à medida que as demandas vão surgindo e a
partir da possibilidade existente nas próprias redes em responder as demandas
familiares.
Esta tessitura da rede, o estabelecimento do nó, não difere nos países
desenvolvidos (europeus e norte-americanos); a igualdade da situação e os efeitos
causados por ela como solidão, redução da renda, são alguns exemplos vivenciados
pelas famílias monoparentais chefiadas por mulheres, comuns a esse tipo de
organização familiar.
O fenômeno da monoparentalidade já ganhou visibilidade nos Estados Unidos
desde a década de 60. Em 1966, foi fundado em Nice, na França, o Sindicato das
103
Famílias Monoparentais com a missão de defender os interesses dos genitores que
vivem sem os parceiros, assim como o de seus filhos, além de conhecer os
problemas advindos de situações complexas. Na França e na Grã-Bretanha tornou-
se visível, na década de 70 não só reconhecimento, mais do que isso, estas famílias
estão inclusas nas agendas políticas e recebem apoio governamental.
No Brasil, a monoparentalidade ganha reconhecimento do governo em
1988, quando foi incluída na Constituição Federal brasileira. Foi um avanço sua
inserção na Carta Magna, uma vez que vem dar vistas à contemplação de um
fenômeno que cresce significativamente através dos tempos, ganhando espaço
entre as sociedades mundiais.
A questão não está em só inseri-las em programas federais, mas em observar
como as políticas do Estado se associam ao fenômeno das mulheres chefes de
famílias monoparentais, como a Política Nacional de Assistência Social, que passa a
contemplar as diferentes organizações familiares como protagonistas dessa política,
na perspectiva da proteção social através da segurança de sobrevivência, de
rendimento e autonomia e através de benefícios continuados e eventuais, da
segurança de convívio ou de vivência familiar efetivada por intermédio do
restabelecimento de vínculos. E, ademais, da segurança de acolhida através da
operacionalização da rede através de projetos, ações e serviços como porta de
entrada para proteger situações de abandono e isolamento, efetivando assim, a
condição de sujeitos de direitos (PNAS, 2004:33-4).
104
Por último, no decorrer deste capítulo busquei considerar a perspectiva
dialógica, procurando manter a idéia de atar e desatar os nós para responder o
questionamento norteador do capítulo, seja recorrendo aos filhos, à vizinhança, aos
parentes, aos programas sociais, aprendendo novas funções. Realizando diferentes
tarefas, as mulheres chefes de famílias monoparentais assumem seus filhos,
alimentando-os e cuidando-os ainda que, por vezes, não consigam dar conta de
todas as necessidades.
Para além do pensamento dual de bom ou ruim, certo ou errado, o que venho
pontuando é a possibilidade de as políticas blicas estarem tornando-se cada vez
mais complexas ao se abrirem captando as transformações realizadas pelas
organizações sociais, conseqüentemente, pelas mulheres chefes de famílias
monoparentais que passam a demandar uma política articulada em rede.
2 A COMPLEXIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS: SEGUNDO NÓ
Este capítulo refere-se à segunda hipótese, que aborda a forma como as
políticas governamentais fragmentadas são incapazes de contemplar a diferença e a
particularidade de cada família monoparental chefiada por mulheres. Nesse
tensionamento entre o que é oferecido pelos órgãos públicos e o que é demandado
pela auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de família monoparental é
que surge a possibilidade de ruptura apresentada pela Política Nacional de
Assistência Social de 2004, apontando para um novo tempo de efetivação do direito
através de políticas sociais complexas.
Como dialógico tem-se a seguinte questão: Como a Política Nacional de
Assistência Social aponta para a efetivação do direito e para a possibilidade de
encaminhamento de políticas sociais complexas, capazes de atender às mulheres
chefes de famílias monoparentais?
Tendo em vista a dialogia de atar e desatar os nós que compõem este
capítulo, o dispus da seguinte forma: início, abordando a política social e sua
evolução histórica; após, dou vistas à política social voltada à família, tratando do
lugar que esta vem ocupando ao longo dos tempos na política social, direcionada
para a centralidade que assume atualmente na nova Política Nacional de
106
Assistência Social; pressupondo a descentralização dos programas sociais, levando
em conta as características de cada Estado e Municípios brasileiros, além da
participação constituída pelas entidades e organizações de assistência social.
2.1 A Política Social e sua Evolução Histórica
A evolução das Políticas Sociais no Brasil vem acompanhando a
complexidade dos processos sociais, econômicos, históricos, culturais, etc.,
decorrentes das transformações existentes em cada época. Como se trata de uma
questão intrínseca ao desenvolvimento societário, não se constituiu sempre como
uma política pública e muita menos se referia ao campo dos direitos.
A retrospectiva histórica que se inicia aqui tem o objetivo de pontuar a
constituição das Políticas Sociais no Brasil, focando a política de Assistência Social
ou as práticas caracterizadas como tal, apresentando aspectos relevantes à sua
evolução, decorrente da complexidade vivenciada pela sociedade brasileira, que
também não deixa de ser a complexidade do mundo, salvo as características de
cada país.
Ao longo da história, evidenciamos mutações decorrentes da evolução das
sociedades. Cada fase desse processo histórico é de extrema importância para a
humanidade, pois é através dos tempos que vamos construindo/desconstruindo
nossos sistemas econômicos, culturais, sociais, religiosos, etc., Essa inter-relação
de sistemas, em que ao mesmo tempo são produtores e causadores de seus
107
produtos, como salienta Morin (2000, p. 95) ao se referir que, ao mesmo tempo em
que as sociedades produzem os indivíduos, eles também produzem a sociedade
através de suas interações e, à medida que a sociedade emerge, produz a
humanidade, fornecendo-lhes a cultura e a linguagem, assim como outras formas de
organização sejam sociais, econômicas, ou familiares.
Mas, à medida que as sociedades evoluem, não carregam apenas aspectos
positivos em termos de avanços tecnológicos, econômicos, sociais, culturais, etc.,
mas também reflexos e problemas decorrentes dessas situações, como a
desigualdade social, a fome, a miséria, as transformações no mundo do trabalho que
atingem parcela da sociedade que não consegue se incluir na dinâmica estabelecida
pelo mundo global. Nesse sentido, Nogueira afirma: “Foi-se reconhecendo que o
crescimento econômico não traz, por si só, desenvolvimento social e que políticas e
ajustes macroeconômicos recessivos são poderosas fontes geradoras de pobreza e
de desigualdades” (2004:84).
Iniciativas voltadas à proteção social foram organizadas ao longo da História a
fim de minimizarem as situações de miséria por parte de alguns segmentos sociais.
Ações (realizadas no campo assistencial) fomentadas por cunho religioso, caritativo.
No Brasil colonial, não havia uma Política Social. Os governos não interferiam
nas questões sociais, salvo em situações de calamidade pública (VIEIRA, 1985); a
assistência estava vinculada à caridade e aos preceitos religiosos. “Ao lado da ajuda
material, colocava-se a preocupação com a vida espiritual” (MARTINELLI, 1989: 85).
108
A família patriarcal também tinha um papel muito importante nesse sentido,
pois era vista como um refúgio para todos seus membros, que encontravam nela
proteção e sustento (VIEIRA, 1985). Dependiam dela não os pais e filhos,
inclusive os casados, como também avôs, tios, e também outros parentes solteiros,
além dos escravos das plantações e das casas. A autoridade era centrada no pai.
Lembrando aqui a origem etimológica da palavra família que vem do vocábulo latino
famulo, que significa “servo” ou “escravo”. A fazenda, local da economia de
subsistência, do latifúndio, era um lugar onde se produzia de tudo o que as pessoas
necessitavam, desde a madeira para móveis, a alimentação, até o vestuário, etc.
No século XIX, com a Independência, vieram as mudanças, os sinais de
urbanização e de industrialização. Continuava, entretanto, a concepção de família
patriarcal. Até então, a vida era organizada no campo. As cidades eram
consideradas centros administrativos e festivos. A assistência era ainda vinculada à
caridade mas uma concepção de caridade não mais tão arraigada nos ideais
religiosos, pois o auxílio o era mais visto como uma virtude de quem está
ajudando, mas um “dever de solidariedade natural” (VIEIRA, 1985:136). Surge aqui
a filantropia.
A família no século XX era considerada a célula básica da sociedade,
passando de patriarcal a conjugal. Foram atribuídas a ela as funções de procriação,
manutenção, educação moral e afetiva; as funções de instrução, assistência e
recreação ficavam a cargo da Igreja, da comunidade ou do Estado (VIEIRA, 1985).
109
A obrigação de atender aos seus membros, que a família tinha, provendo
todas as suas necessidades, é alterada com as mudanças nas formas de
organização social. Com isso, começa a família a necessitar de cuidados, também,
como descreve Vieira: “[...] do ponto de vista da assistência à família, passou de
agente a cliente do Serviço social (1985:46)”. A ajuda isolada lugar para o auxílio
ao núcleo familiar, “pois não lógica em ajudar um dos membros sem ajudar os
outros” (1985:47).
Nessa época apontavam sinais de a família ser vista como um sistema: “o
tanto quanto possível, os membros não devem ser separados, salvo se tratar de
famílias que não tenham capacidade para cuidar de seus filhos” (VIEIRA, 1985:47).
Aqui evidencio o princípio sistêmico, um dos princípios da complexidade que
expressa que o todo é mais do que a soma das partes; todos os membros são,
assim, importantes no contexto familiar. As situações não estão deslocadas da
relação estabelecida por seus membros: quando um necessita de ajuda todos
necessitam.
Apesar da separação da Igreja do Estado, a Igreja continuou a se dedicar a
obras no campo social; sua intervenção na área social ainda era maior do que o
Estado nessa época. Várias congregações religiosas se destinavam a esse fim,
muitas com o patrocínio de senhoras da sociedade, que promoviam chás
beneficentes e outros eventos sociais a fim de angariar fundos para promoverem as
obras sociais. Martinelli salienta que:
Ao longo dos tempos, inúmeros foram os caminhos trilhados pela
assistência, assim como as formas operacionais adotadas para
concretizá-la, porém um elemento se manteve sempre a ela
110
vinculado, constituindo um verdadeiro sinal indicativo de sua prática:
a caridade para com os pobres (1989, p.85).
Porém cabe pontuar que essa caridade que perpassou os séculos, a ajuda
aos pobres, como aponta Martinelli (1989), não se tratou sempre de uma ajuda
benevolente, mas também carregou práticas repressivas, de exploração política e
ideológica. A dinâmica social é a mesma, plena de contradições. E essas
contradições devem ser reveladas, pois são constitutivas do real. A realidade se
apresenta de forma contraditória, e devemos assumi-la, pois faz parte da
complexidade dos fenômenos. Morin (2000) denomina esse movimento como
princípio dialógico, ou seja, associação de noções contraditórias que deveriam se
excluir, mas que servem para conceber o mesmo fenômeno. Assim, a assistência
vem se constituindo ao longo da História com práticas dialógicas que são ao mesmo
tempo concorrentes, antagônicas e complementares.
Até então, não havia uma política social considerada estatal. Esta somente
ganha força nos anos 30 (PORTO, 2001). Conforme Silva “os marcos iniciais de
constituição de um sistema de proteção social no Brasil situam-se no período
compreendido entre 1930 e 1943” (2004:21).
A passagem da economia agrário-exportadora para uma economia urbano-
industrial provocou modificações no modo de vida da população, alterando suas
necessidades, como alimentação, transportes, vestuário, saúde. etc. Assim, o que
antes era resolvido no âmbito familiar (FEE, 1983) passou a necessitar da
intervenção do Estado:
111
[...] implementando encargos, como a construção de estradas e de
indústrias [...] além de fomentar o desenvolvimento de instituições de
política social com vistas a administrar a questão do trabalho
representada pela desqualificação profissional, pela pobreza e pelo
desemprego (PORTO, 200:22).
A mudança de patamar da economia exigiu do Estado a ampliação e a
rearticulação de suas funções (FEE, 1983:89), promulgando uma série de medidas,
dentre elas as Leis Trabalhistas e a criação da Previdência Social. A situação social
passou a ser abordada por temas divididos em setores, como Previdência Social,
Saúde, Trabalho, Educação, Habitação – este último, devido ao elevado déficit
habitacional, passou a ser visto como questão relativa ao social (FEE, 1983).
Segundo Vieira, a política social brasileira compõe-se e recompõe-se, conservando
em sua execução o caráter fragmentário, setorial e emergencial [...] (1997: 68).
O sistema de proteção no Brasil, no período entre os anos de 30 a 60, tem
como característica uma conformação corporativista (pacto das elites), se
apresentando como uma cidadania regulada
22
sistema distinto dos padrões de
universalidade que predominaram nos países de capitalismo avançado (PORTO,
2001).
Os anos 60 foram de profunda crise política e econômica. Em termos de
políticas sociais, estas o foram tão fecundas como no período anterior, mas não
houve ausência de medidas para o setor. Também divididas em campos de atuação,
como a Habitação, com a criação da Fundação da Casa Popular, a Educação, com
ênfase no ensino da área tecnológica de nível superior, a saúde, em que foram
22
Os direitos sociais são destinados a trabalhadores que possuem carteira de trabalho assinada. Por
se constituir dessa forma, a cidadania regulada indicou por muito tempo a forma de política social
previdenciária, manifestada através dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) que
vigoraram até 1966 (PORTO, 2001).
112
privilegiadas as questões relativas à saúde pública, o Trabalho, que teve como
iniciativa mais importante a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, extensão
da CLT ao campo (FEE, 1983).
No período da ditadura militar, veio à consolidação do capitalismo
monopolista, que se efetivou por um modelo de desenvolvimento econômico
centrado nos interesses das corporações transnacionais, associado ao capital
nacional (PORTO, 2001). Vieira (1997) denomina a política social desta época como
política de controle, pois era através dos programas sociais que o Estado articulava
estratégias de controle social. Houve uma ampliação dos programas sociais, como
refere Silva (2004), compensando a repressão aos movimentos sociais e sindicais
da época.
A década de 70 foi de rearticulação da sociedade civil, apesar da ditadura e
do estratagema de controle social por parte do Estado através dos programas
sociais. Silva (2004) refere que essa época foi marcada pelo aparecimento dos
novos movimentos sociais: a estruturação dos sindicatos e o reordenamento dos
partidos políticos, assim como o surgimento de novos partidos, que até então
estavam na clandestinidade, sem contar a intensa atuação da Igreja. Essa
mobilização social está relacionada à ampliação dos direitos sociais. Mais uma vez
sinalizo o princípio dialógico (MORIN, 2000), pois, ao mesmo tempo em que há
reivindicação dos movimentos populares por demandas de novas propostas sociais
e ampliação de direitos, “a pobreza, o desemprego e a violência ganham uma
expressão dramática” (SPOSATI, 1987:21).
113
Os anos 80 foram marcados pelo agravamento da crise econômica, como
pontua Porto: “Este momento corresponde, em essência, a uma estratégia pactuada
de mudança do regime militar para um governo liberal-democrático [...] ocorrido em
meio a uma crise marcada pela recessão econômica” (2001:24). A intervenção do
Estado nessa época é voltada para a economia e para a política. Dirige-se por
intermédio das políticas sociais, através de propostas de justiça social e democracia
como forma de redefinição de sua atuação para arrostar a situação de pobreza e a
organização social dos movimentos populares (PORTO, 2001).
Outro aspecto relevante da época é a Assembléia Constituinte, que contou
com a organização de instituições governamentais, não-governamentais, privadas,
movimentos populares, etc., no engajamento de um movimento social “de
participação política que conferiu visibilidade social à proposta de democratização e
ampliação de direitos em todos os campos da vida social” (RAICHELIS, 2000:62).
Como resultado desse processo societário, foi aprovada, em 1988, a
Constituição Federal, que introduz a seguridade social, como se explicita no seu
artigo 194:
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social.
O artigo constitucional descrito acima se refere ao tripé que compõe a
seguridade social, que inclui a saúde, a previdência e a assistência social. Nesse
114
sentido, a assistência passa então a integrar o campo dos direitos sociais e do dever
do Estado, garantindo-se o atendimento às necessidades básicas (LOAS, 1993).
O movimento rtil da sociedade na luta pela ampliação de direitos começa a
ser abalado na década de 90, quando o governo assume o ideário neoliberal, que
“nasceu como uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar” (ANDERSON, 1995). Tendo como um dos
pressupostos a redução dos gastos sociais, também é característica dessa política
econômica a taxa elevada dos juros, com repercussões na elevação da recessão e
do desemprego, além da pragmática política que concede destaque à abertura da
economia aos capitais internacionais, à privatização do patrimônio público e à
redução dos diretos sociais.
É exceção, contudo, a essa tendência, a aprovação da LOAS (LEI Orgânica
da Assistência Social), em 1993, que dispõe em seu artigo 2°, parágrafo único:
A assistência realiza-se de forma integrada às políticas setoriais,
visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos
sociais, ao provimento de condições para atender a contingências
sociais e à universalização dos direitos sociais.
Em vez da universalização e dos direitos sociais, o que se apresenta no
panorama social é uma política que não responde às demandas propostas pelas
famílias, pois estas se vêem fragmentadas ao terem que buscar atendimentos.
Nesse sentido, Martins (2002) pontua que não se pode deixar de verificar se há uma
convergência na consciência de quem se inquieta com os problemas sociais e de
quem os vivencia. Isso porque o discurso intersetorial da política não garante o
115
enfrentamento das questões sociais por parte das famílias sem que suas demandas
sejam contempladas.
Toda essa retrospectiva impõe a reflexão sobre a forma como se organizaram
as políticas sociais ao longo dos tempos em nosso país, e o quanto essas políticas
vêm se complexificando
23
para poder abarcar a complexidade existentes nas
questões sociais. Essa complexidade é a “rede de eventos, ações, interações,
retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico”
(MORIN, 2003:44), nesse caso, a política social. Entretanto, não é de interesse
deste estudo aprofundar a discussão geral sobre essas políticas, mas pontuar e
contextualizar as mesmas no atendimento às famílias.
2.2 As Políticas Sociais voltadas à Família
Ao longo dos tempos, foi se percebendo que a família, apesar de ser o
“espaço indispensável para a garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e da
proteção integral dos filhos e dos demais membros, independente dos arranjos
familiares” (FERRARI & KALOUSTIAN, 2 002:12), não vem sendo contemplada
como um todo diante do cenário das Políticas Sociais que se apresentam com
programas que fracionam o núcleo familiar. A fala abaixo pontua essa perspectiva
em que os programas estão organizados:
A gente passa o tempo todo correndo pra poder dar conta dos
nossos problemas e olha que não são poucos. Em função dos guri,
23
Complexificar significa incorporar no cotidiano processo que carregam doses de incertezas, acaso,
imprevisibilidades.
116
eu vim pra este programa, mas a questão é seguinte ó, de pensá
eu fico meia atordoada. O problema com meu ex-marido, de pensão,
eu vou no SAJUG ali na PUC. Minha mãe veio passá um tempo
comigo pra me ajudar, depois que ele me largô, e ela é véia e eu
queria encaminhar a situação dela. Trabalhô uma vida toda na roça.
Eu queria como é que é, mas a assistente social disse que eu
tenho que i no INSS, então fui pro INSS se a pessoa trabalhando
pra correr em todos esse lugar, e é assim, não te atendem de
primeira: passa aqui depois, fala para e assim vai o tempo e o
saco da gente!.Ó vida! (Laura, 40 anos, 8 filhos, micro 1).
O fracionamento dos atendimentos produz uma sobrecarga para as mulheres
chefes de famílias monoparentais, pois necessitam contar várias vezes sua história a
diversos profissionais, o que dificulta a possibilidade de ter a visão da família como
um todo e de compreender os múltiplos aspectos que compõem a vida dessas
famílias.
A família ganhou centralidade na Política Nacional de Assistência Social
(2004), mas esta ainda o foi efetivada na prática, o que está pressuposto no
documento. Apenas a redação de políticas bem elaboradas e que contemplem a
eqüidade, sem a sua efetivação, não garante às famílias uma mudança de
protagonismo nessa política. Para que haja a complexificação das práticas
decorrentes dos programas e as ações que respaldem essa política, é necessária
uma mudança no pensamento: Morin sugere que é preciso substituir um
pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido
originário do termo ‘complexus’: o que é tecido junto (2000 a: 89).
No contexto atual em que as políticas sociais estavam inseridas, passavam a
possibilitar, como salienta Martinelli (1998), a não-cidadania, pois os programas
sociais exigem da população, cada vez mais, critérios que seriam de inclusão, mas
117
que se efetivam mesmo como critérios de exclusão. Pontuo aqui a lógica da
inclusão-exclusão. Essa dinâmica exige da família a comprovação de desprovimento
total, inclusive de sua cidadania, “estatuto ontológico do ser” (MARTINELLI,
1998:143), o que se reflete na seguinte fala:
Menina, quando eu contei a minha história pra assistente social e ela
me disse que eu ia entrar no programa proque meu causo se
encaixava nos critério, eu nunca agradeci tanto a Deus por ter tantos
problema; porque umas quanta vizinhas já tiveram aqui e têm uma
vida parecida com a minha e não puderam entrá, por que não tavam
nos critério. Mas eu não, eu consegui, eu consegui... (Lídia, 37 anos,
7 filhos, micro 1).
A fala acima pontua uma forma de auto-eco-organização das mulheres chefes
de famílias monoparentais populares que, mesmo tendo de elaborar um discurso
que atenda ao que é solicitado e enfatizam suas vulnerabilidades para serem
incluídas nos programas, elas o fazem em prol da família, Não estou levando em
consideração os recursos utilizados para serem incluídas, se isso é bom ou ruim;
apenas saliento que as mulheres entram nessa dinâmica estabelecida pelo mundo
real pleno de contradições. Mas também é necessário pontuar outro aspecto
levantado por Sposati, ao se referir às políticas sociais,
Para as classes subalternizadas, as políticas sociais se constituem
um espaço que possibilita o acesso a benefícios e serviços que de
outra forma lhes são negados. Espaço este de lutas, confrontos e
expansão de direitos (1987 p.30).
Isso evidencia o quanto é importante a organização de políticas como espaço
de possibilidades não de acesso a bens e serviços, mas também como uma
forma de cidadania, de exercício de direitos. Entretanto, o que se mostra é a
constituição de políticas sociais implantadas sem a devida preocupação com a
118
emancipação das famílias; que, de certo modo, reflete na forma como os
programas
24
sociais são organizados, fazendo com que haja por parte dos
profissionais uma adequação de critérios para o atendimento da população, mesmo
que esses critérios sejam critérios de seletividade (SPOSATI, 1995).
Vim aqui, sei lá, perdi a conta de tantas vezes para entrar no
programa, mas nunca dava. Eu não tava nos critérios, e a situação ia
piorando, piorando. Ia em tudo para ver se recebia esse ajutório e
nada, até no bolsa família me escrevi e até hoje nada. Me disseram
que eu não fui sorteada. Ora, o que eu ia fazer para sair dessa
situação? Não queria os filho roubando de novo, então tive que ir
pro centro pedi. Eu e os meus guri. E foi assim que eu parei aqui,
trazida pelo conselho tutelar. Eu disse seu moço fui e não dá,
mas não é que deu... (Liane, 43 anos, 5 filhos, micro 1).
A fala acima pontua que, em vez de também contemplar a prevenção como
parte constitutiva dos programas sociais, estes atuam apenas na situação
instaurada, seja pela burocracia nos critérios de inclusão, seja pelo grande número
de famílias que necessitam dos serviços. Essa dinâmica reflete a proposta
reducionista do Estado em relação às políticas sociais que comprimem as
agudizações, constituindo-se em espaço de minimização de conflitos, respondendo
(SPOSATI 1987), de forma reduzida, às situações de agravamento da miséria. Em
tempos complexos, nos quais não se verifica apenas o agravamento da miséria, mas
também o envolvimento de parcelas da população civil que se envolve cada vez
mais em ações sociais colaborativas, que em associadas às ações do Estado,
também permitem novas reorganizações sociais.
24
O Programa estabelece uma seqüência de ações que devem ser executadas sem variação em um
ambiente estável, mas, se houver modificação das condições externas, bloqueia-se o programa
(MORIN, 2000a: 90).
119
A visibilidade dessa organização social era no sentido da moralização, a fim
de que reinasse a ordem e os bons costumes da família brasileira; isso também
contribuía para a atenção às políticas públicas e era o que refletia a falta de
entendimento por parte dos profissionais de que ela é o ponto de confluência
(COSTA, 2002) das situações vividas por seus membros, sejam eles crianças,
mulheres, idosos, etc.
Venho nos grupo e eu tento passar tudo pros filhos em casa
como a assistente social falô, mas eu já pedi para a assistente social
conversar com o Dino. Esse guri não me ouve, está cada vez mais
rebelde. E ela diz pra eu ter paciência que está na adolescência.
que paciência tem limite, e quando ele voltar pras rua não vão me
culpar... (Paula, 40 anos 5 filhos, micro 4)
A falta de apoio e de visão de toda a dinâmica familiar produz uma
sobrecarga nas mulheres chefes de famílias monoparentais, pois sem o suporte que
procuram nas instituições sociais para situações emergentes do dia-a-dia e com a
cobrança de alteração da realidade familiar que motivou o ingresso, não conseguem
ver nos programas uma efetiva rede de apoio.
Por outro lado, o posso deixar de ressaltar que sempre houve uma
preocupação com a família, mesmo que fosse focado na moralização da sociedade
brasileira e na sua regulamentação, o que pode ser evidenciado através da
elaboração da Comissão Nacional de Proteção à Família.
Em 1939, mais precisamente no dia 10 de novembro, foi criada essa
comissão, que teve como finalidade a elaboração de projetos de lei que pudessem
subsidiar os preceitos constitucionais e elaborar o Estatuto da Família. Sendo assim,
120
a família estaria sob a proteção do Estado, e a este competia estabelecer condições
favoráveis a sua formação, seu desenvolvimento e sua segurança (FONSECA,
2001).
Segundo ainda Fonseca (2001:77), os temas prioritários da Comissão
Nacional de Proteção à Família seriam:
I facilitar a realização do casamento: a) pela restrição dos
impedimentos; b) pelo reconhecimento do casamento religioso; c)
pela gratuidade dos atos do casamento civil; d) pela concessão de
empréstimo para casamento;
II – instituir o abono familiar;
III – facilitar a aquisição da casa própria;
IV – dar proteção aos filhos ilegítimos;
V – amparar a maternidade à infância e adolescência.
O cuidado em relação à família, apesar de ser no âmbito da ordem social,
incluiu em sua agenda alguns temas no intuito do direito dos cidadãos, como o caso
da proteção dos filhos ilegítimos. O alto grau de tentativa de moralizar a sociedade
não excluía o reconhecimento da importância da instituição familiar para a época.
Seguindo a cronologia da inclusão familiar na legislação, destaco o Decreto-
lei 3.200/41 de 12/04/41, o ‘estatuto da família’, como era conhecido, que dispunha
também sobre a proteção familiar. Este tinha os seis primeiros artigos destinados ao
casamento, assim como o incentivo deste através de condições para aquisição de
121
moradia e o fornecimento de enxoval (FONSECA, 2001). Nessa época, a família
monoparental era ignorada por parte dos governantes, apesar de, na realidade,
ser vivenciada por muitas mulheres que eram estigmatizadas junto com seus filhos
(LEITE, 2003).
O estabelecimento de incentivos para o casamento demonstra o quanto
houve uma preocupação com a organização de um modelo familiar; instituído para
que pudesse reinar a ordem e os bons costumes da família no Brasil. E a família
monoparental representava uma afronta à ordem, pois muitas eram constituídas de
mães solteiras.
Essa visão que realça os preceitos moralizantes da família brasileira não é
algo do passado. Ainda está arraigada nas práticas que vêm fazendo a história das
políticas sociais. Não nas primeiras décadas havia uma preocupação com a
higienização da família, tanto que muitas famílias constituídas de mães solteiras são
vistas ainda hoje como potencialmente de risco (CHAUÍ, 1991).
Como afirma Carvalho:
O trabalho com família foi considerado na maioria das vezes como
uma prática conservadora e disciplinadora sob o rótulo do
planejamento familiar (CARVALHO, 2002:95).
Além de se tratarem de programas repressivos cujo enfoque seria o de
moralização, a atenção à família tornou-se periférica, quando existente; fraciona os
atendimentos em necessidades e instituições. Isso muitas vezes faz com que, para
enfrentar situações cotidianas, como o desemprego, a moradia, a educação, se
122
vêem obrigados a recorrer a vários profissionais. Como demonstra a fala a seguir, ao
se referir à peregrinação que fazem para atender às suas demandas.
Essa vida não é fácil, a gente tem que sair à cata de cada coisa,
ainda mais que não se tem dinheiro nem pras passagens. Leva o
filho no posto, do posto encaminham proutro lugar, no caso do Rx
que o E. teve que fazer; depois vou na reunião do grupo, senão
cortam a renda. Quando não sô chamada pelo colégio por que o M. é
muito danado, disseram até que vão internar ele na FEBEM (atual
FASE). E assim a gente passa a semana indo a muitos lugares para
conseguir sobreviver... (Cirlei, 33anos, 6 filhos, micro 4).
O desabafo denuncia a romaria a que as mulheres são submetidas,
transitando por vários espaços, saúde, assistência social, educação, para conseguir
dar conta de situações diárias. As famílias necessitam de programas que
reenergizem sua existência cotidiana (CARVALHO, 2002:106). Entretanto, não basta
a subsistência, é preciso construírem-se programas que funcionem como vias de
conscientização dessas mulheres chefes de famílias monoparentais.
Ferrari & Kaloustian afirmam que as famílias necessitam de programas
próprios, capazes de captarem a dinamicidade dessa organização em inter-relação
com o contexto mais amplo:
A família, enquanto forma específica de agregação, tem uma
dinâmica de vida própria, afetada pelo processo de desenvolvimento
sócio-econômico e pelo impacto da ação do Estado através de suas
políticas econômicas e sociais. Por esta razão, ela demanda políticas
e programas próprios, que dêem conta de suas especificidades [...]
(2002:12).
Os dois autores acima apontam para a importância da contemplação da
família diante das políticas sociais para além da dicotomia ‘bem e mal’, ‘certo e
errado’. O importante é atender às situações vivenciadas e que não estão
123
deslocadas do contexto global, seja ele econômico, político, social ou cultural, pois,
a família, é influenciada e recebe influência desse contexto numa relação de
recursividade princípio que reconfigura o modo de agir das mulheres e
retroalimenta as interações familiares.
O Ano Internacional da Família, em 1994, emergiu como oportunidade de
consolidação e avanço no campo dos direitos (COSTA, 2002), determinado pela
problemática que diz respeito à criança, ao adolescente, ao idoso, à mulher, ter
como pano de fundo a centralidade da família. Apesar desse tema ter sido relegado
ao segundo plano, diante do cenário das lutas sociais no país (COSTA, 2002).
Outro marco importante nessa direção foi a Assembléia Constituinte, instância
que uniu grandes movimentos sociais na mobilização para a inclusão de temas
importantes na Carta Constitucional. Não houve, no entanto, manifestação de
organismo algum na defesa da família ou de organizações familiares.
O avanço ocorrido na Constituição Federal em direção à família foi por
intermédio de movimentos em favor da mulher, assim como das “forças aglutinadas
sob a bandeira da promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente”
(COSTA, 2002:21).
Apesar de não ter tido um movimento direcionado à família, ela ganha uma
nova definição constitucional o que a torna mais inclusiva, independentemente de
sua configuração (COSTA, 2001) –, ao abordar, em seu artigo 226, o entendimento
de família como a base da sociedade, com a proteção do Estado. Esse aspecto
124
também é encontrado no parágrafo 4º, que inclui o conceito “a comunidade formada
por qualquer um dos pais e seus descendentes”, ou seja, inclui a família
monoparental. Assim como nos outros parágrafos que asseguram a igualdade entre
homens e mulheres diante da relação conjugal, o planejamento familiar passa a ser
uma decisão do casal e cria mecanismos para coibir a violência no âmbito das
relações familiares.
Desse modo, a família assume um papel importante nas políticas blicas,
que enfatizam ações a seu favor na implementação da LOAS (Lei Orgânica da
Assistência Social) e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) (COSTA,
2001) – e que vêm subsidiando a Política Nacional de Assistência Social 2004
(PNAS), em que ganha centralidade.
A política social é importante e se faz necessária porque vistas ao sistema
de proteção social com a qual a família brasileira em situação de vulnerabilidade
social conta para estabelecer sua rede de ajuda. Conforme Sposati, “a ênfase dos
programas assistenciais não deve se dar na promoção da necessidade, mas sim [...]
adotar uma perspectiva de ‘promoção social’ [...]” (1987:63). Aponto aqui que, para
além da promoção social, os programas devem dar vistas ao sujeito, às mulheres
chefes de famílias monoparentais, com suas diferenças, ambigüidades,
antagonismos, e não focar numa subjetividade coletiva. Como expressa a fala
abaixo:
No grupo, a gente começa a se vê, a vê que a gente é gente, só tava
meio dormida com tantos problemas. Agora, pra vim pra eu me
arrumo, me pinto e venho Sabe como é bom podê se olhá no
espelho e te vê; antes, eu não tinha nem espelho porque achava que
não precisava. Mas foi aqui que aprendi que se me cuidar e me
125
gostar, os outros também vão fazê isso comigo... (Paula, 40 anos, 5
filhos, micro 4).
O reforço da auto-estima, o resgate do sujeito no centro do processo,
possibilitando a consciência de si, e acreditando na potencialidade das mulheres
chefes de famílias monoparentais. Esse tipo de prática, que deveria fazer parte do
cotidiano das ações dos técnicos, nem sempre é explorada dessa forma, focando
normalmente apenas os aspectos econômicos, como o gerenciar ou o organizar os
recursos financeiros para que as famílias possam suprir suas necessidades
alimentares. Mas quando essas mulheres estão mais fortalecidas, seja física, cultural
ou psicologicamente, não necessitam de supervisão e ainda garantem a autonomia
e a emancipação.
Nas últimas cadas, os problemas sociais vêm se complexificando com o
aumento do desemprego, da miséria, da exclusão e principalmente com falta de
perspectiva para o trabalho. Fora do mercado, as famílias vão ficando cada vez mais
vulneráveis. É o que também mostra o trecho da fala abaixo:
Fazia dois anos que eu tinha perdido o meu emprego, já não sabia
mais o que fazer. Aqui ninguém ajuda ninguém; fazia um bico aqui,
outro ali, mas mesmo assim não dava para sustentar a casa. Então
resolvi a vender as coisas melhor que eu tinha; primeiro foi a
geladeira, depois o fogão e, por último, com muita pena, mas fazer o
quê, não tinha de onde tirá, a televisão. Para as crianças foi um
choque. Graças a Deus que hoje eu aqui nesse programa e
conseguindo comprar de novo minhas coisinhas. Claro, aos poucos,
mas quando eu comprei uma tevê nova foi aquela festa em casa
(Rosana, 37 anos, 4 filhos, micro 4).
Esta fala reflete o quanto a vulnerabilidade faz com que as famílias precisem
contar com programas sociais que se apresentam de forma assistencialista e
126
tuteladora para darem conta de situações vivenciadas no seu cotidiano, como
alimentação, vestuário, habitação, saúde, etc. Nesse sentido, a política de
assistência social se faz cada vez mais necessária para dar conta dessa parcela da
população que cresce geometricamente. Por outro lado, o que a ampara também a
mantém dependente e sem estratégias de autonomia e emancipação, aspectos
pressupostos na própria Política Nacional de Assistência Social, o que torna difícil a
construção de sujeitos críticos e conscientes o que evidencia que a noção de
assistência ainda é vista como nos primórdios.
Ainda nos dias de hoje, ao se falar em assistência, a primeira noção que vem
é aquela ligada aos preceitos de benevolência, como salienta Potyara:
A assistência social é comumente identificada como um ato
subjetivo, de motivação moral, movido espontaneamente pela boa
vontade e pelo sentimento de pena, de comiseração ou, então,
quando praticada pelos governos, como providência administrativa
emergencial, de pronto atendimento, voltada tão-somente para
reparar carências gritantes de pessoas que se quedaram em estado
de pobreza extrema (2002: 218).
A identificação da assistência social como um ato subjetivo ou até mesmo
como parte da ação do Estado, no sentido de remediar as carências da população,
tem, assim, base não no que se demonstra na retrospectiva histórica, nos
preceitos da Igreja, mas também no desenvolvimento de programas assistenciais
organizados de forma a produzir uma tutela à população, que se utiliza desses
programas e se organiza de forma desarticulada e dependente (TAKASHIMA, 2002).
Nessa trajetória, a LOAS, que tem por finalidade a superação do
assistencialismo em ações que venham a contribuir para a emancipação da
127
população e que subsidiou e subsidia vários programas sociais, ainda não garantiu
de fato práticas mais emancipatórias, apesar do grande avanço conquistado na
construção da Política de Assistência Social. Esta tem como principal deliberação a
construção do Sistema Único de Assistência Social SUAS, requisito essencial da
LOAS para a efetivação da assistência social como política pública (PNAS, 2004:8).
Um exemplo da falta de ações emancipatórias está na fala abaixo:
Eu achei bom ter entrado para o PETI. fico pensando o que eu
vou fazê quando o meu tempo acaba. E o pior, as crianças não vão
nem podê me ajudar, porque agora já tô visada dos homens do
conselho... (Lídia, 37 anos, 7 filhos, micro 1).
O ingresso no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Governo
Federal executado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), órgão
responsável pela assistência social do município de Porto Alegre, o está
vislumbrando uma perspectiva de autonomia para a família que está
preocupada com o rmino do recurso. Isso mostra o quanto não existem ações que
proporcionem, para essas famílias, emancipação e autonomia. Dessa forma, ficam
tuteladas pelos programas e sua auto-eco-organização se apenas pelas
estratégias realizadas pelas mulheres para o ingresso nos programas acentuando-
se o fato de os critérios de ingresso serem essencialmente excludentes e
considerando-se o vasto número de famílias que necessitam do recurso.
Destaca-se, portanto, que a lei se torna importante na defesa da cidadania,
mas por si só não garante o acesso da população a práticas de inclusão social
25
. Por
outro lado, mesmo lentos e incipientes, programas e ações estão sendo implantados
25
Extraído do site.
http://www.desenvolvimentosocial.gov.br/iframe/acoes_seas/projetos_apoio_a_famíliaem agosto
de 2005
128
e implementados a fim de darem conta dessa parcela da população que se encontra
em situação de vulnerabilidade social.
A eficácia dessas ações, no entanto, é o que deixa a desejar, quando se fala
em cidadania e programas emancipatórios, porque a ação cotidiana desses
programas, de aulio financeiro, fica muito centrada nesse repasse do dinheiro, no
onde vai gastar; e isso não produz a autonomia dessas famílias, que necessitam
prestar conta do recurso, mostrando os benefícios que esse trouxe para a
organização familiar. Também existem os grupos multifamiliares que são de mútua
ajuda, nos quais as famílias podem compartilhar experiências. Esses grupos,
quando bem aproveitados, proporcionam um espaço de autoconhecimento, de
compartilhamento e de ajuda recíproca que pode potencializar a auto-eco-
organização dessas famílias.
Mesmo em situação de dependência dos programas sociais, cabe salientar
que existem estratégias utilizadas pelas mulheres para a sua auto-eco-organização,
ou seja, elas não ficam estagnadas diante dos programas. O discurso pode ser o de
não saberem o que fazer após o término do recurso aporque, fica muito difícil
lidar com a perda, principalmente econômica, na situação adversa na qual se
encontram. Mas encontram soluções, seja através de burlarem os critérios de
ingresso dos próprios programas, contando a história de suas vidas a partir de uma
perspectiva que as permita levar ao ingresso; seja através do mercado informal,
vendendo ou catando latas, como elas dizem; seja através do mercado de trabalho
formal, como no caso de poucas desta pesquisa; seja por intermédio da família, da
129
ajuda mútua entre os parentes mais próximos, como mães, filhos e irmãs; seja
alterando os papéis familiares, na busca do enfrentamento das situações cotidianas.
Nesse sentido, é preciso pontuar a diversidade como constitutiva da auto-eco-
organização dessas mulheres chefes de famílias monoparentais que rompem com
os modelos impostos, verticais. Diante das situações, das interações, dos
programas, elas criam maneiras próprias para viver o dia-a-dia; isso, entretanto,
muitas vezes é pontuado pelos assistentes sociais e gestores dos programas como
pejorativo como desordem e desorganização familiar. Mas, conforme pontua Morin,
“a eco-organização opera-se, fortalece-se e desabrocha no próprio processo da sua
desorganização” (1999:34). Esse movimento é incessante e se estabelece de forma
antagônica, concorrente e complementar.
Sendo assim, mulheres chefes de famílias monoparentais, como um sistema
vivo, integram e organizam a diversidade numa unidade (MORIN, 1999), na medida
em que cada uma dessas mulheres e seus filhos possuem ou uma unidade que se
diferencia ou uma diferença que se unifica e que produz sua auto-eco-organização à
proporção que desenvolvem qualidades de resistência às agressões e às
perturbações do cotidiano (MORIN, 1999).Só que essa resistência não é percebida
na elaboração, implantação e implementação dos programas sociais.
Frente às rupturas possibilitadas pelas leis, às possibilidades de mudanças
propostas, alguns questionamentos se impõem: quem são os mediadores dessas
políticas sociais? Em que medida os assistentes sociais colaboram ou encaminham
130
perspectivas de auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias
monoparentais?
Esse desafio, como refere a autora no texto abaixo, passa pela forma pela
qual nós, profissionais, nos posicionamos no mundo complexo das relações
humanas, ricas em evoluções imprevisíveis e turbulentas. Em vez de
desconsiderarmos essa riqueza na prática diária, a devemos incorporar, constituindo
assim a complexidade no sentido do “tecer juntos” (MORIN, 2000 a).
O enfrentamento deste desafio requer um operador, mediador,
consultor, ou facilitador em condições de favorecer processos auto-
organizativos. O mediador, ao encontrar um elemento articulador,
ficará atento às possibilidades de facilitação de diálogo, e isto irá
garantir o surgimento de plataformas inéditas. Assim, o mediador terá
condições de dar ênfase a processos emergentes (ARRUDA,
2004:81).
2.3 A Centralidade da Família: Política Nacional de Assistência Social
A política Nacional de Assistência Social foi pensada no âmbito da cidadania
sob proteção do Estado, através da universalização de direitos e do acesso a
serviços, programas e projetos, sendo pautada nos seguintes princípios:
I Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as
exigências de rentabilidade econômica;
II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário
da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III - Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu
direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como a convivência
131
familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória
de necessidade;
IV - Igualdade de atendimento no acesso ao atendimento, sem
discriminação de qualquer natureza, garantindo equivalência as
populações urbanas e rurais;
V - Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo poder público
e dos critérios para sua concessão. (PNAS, 2004:26)
A assistência social baseada na Constituição Federal de 1988 e na Lei
Orgânica da Assistência Social - LOAS de 1993 tem como diretrizes:
I - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e
as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos
respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a
entidades beneficentes e de assistência social, garantindo o
comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-
se as diferenças e as características socioterritoriais locais;
II - Participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis;
III - Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política
de assistência social em cada esfera de governo;
IV - Centralidade na família para concepção e implementação dos
benefícios, serviços, programas e projetos. (PNAS, 2004:26)
A família ganha centralidade diante da organização dessa política, que tem
por objetivo promover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social
básica e ou especial para a família, indivíduos e grupos, assim como contribuir para
a inclusão e a eqüidade dos usuários.
132
As ações da assistência social são garantidas através da Proteção Social
Básica, cujo objetivo é prevenir situações de risco, desenvolvendo as
potencialidades, além de fortalecer nculos familiares e comunitários esta é
dirigida à população que vive em situação de vulnerabilidade social, com ausência
de renda, discriminações, deficiências, etc. também a Proteção Social Especial,
designada a famílias que se encontram em situação de risco pessoal e social, como
abandono, maus-tratos físicos, uso de substâncias psicoativas, etc.
A Proteção Social Especial se desdobra em ‘de Média Complexidade’,
quando se estabelece o atendimento às famílias e aos indivíduos com seus direitos
violados, porém com vínculos familiares e comunitários, e ‘de Alta Complexidade’,
quando garantia de proteção integral a famílias e indivíduos sem referências. Por
possuir estreita interface com o sistema de justiça, exige muitas vezes uma gestão
mais complexa e compartilhada com o poder judiciário e com outras ações do
executivo.
Para execução da PNAS, é necessária a implantação do Sistema Único de
Assistência Social SUAS, que tem um modelo de gestão descentralizado e
participativo para organizar em todo território nacional as ações sócio-assistenciais
(PNAS, 2004) e tem como referência à vigilância social – o que consistem na
produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados para
mensurar as situações de risco sociais e privação de direitos. São também
necessárias a Defesa Social e Institucional, que é a garantia do conhecimento dos
direitos sócio-assistenciais e sua defesa, e a Proteção Social descrita no parágrafo
acima.
133
O processo de gestão do SUAS prevê algumas bases organizacionais, sendo
duas relevantes para este estudo, a saber: a matricialidade sócio-familiar e a
descentralização político-administrativa e territorial.
A matricialidade sócio-familiar é importante neste estudo, pois evidencia a
centralidade familiar diante das políticas públicas, trazendo à tona a família como
sujeito de direitos, preconizando o que vem referenciado na Constituição Federal de
1998, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei Orgânica da Assistência. A
matricialidade sócio-Familiar passa, então, a ter destaque na PNAS:
[...] para a família prevenir, proteger, promover e incluir seus
membros é necessário, em primeiro lugar, garantir condições de
sustentabilidade para tal. Nesse sentido, a formulação da política de
Assistência Social é pautada nas necessidades das famílias, de seus
membros e indivíduos (PNAS, 2004:35).
A execução das ações, programas e projetos deverão ser efetuada por
intermédio dos municípios, através dos Centros de Referência da Assistência Social
CRAS, e também poderá contar com a parceria das Organizações Não-
Governamentais – ONGS, integrando uma rede de sócio-assistência.
A descentralização político-administrativa e territorial diz respeito à forma pela
qual as ações são organizadas, através de um sistema descentralizado e
participativo, constituído por entidades e organizações de assistência social o que
também pontua a dialógica inclusão-exclusão. Esse modo de gestão torna-se
relevante, assim, para este estudo, por ser a maneira pela qual são
operacionalizados os programas e projetos na área da família. Em Porto Alegre já se
percebe a descentralização político-administrativa dos programas sociais que são
134
sediados de acordo com a divisão do orçamento participativo. Isso possibilita que
mulheres chefes de famílias busquem apoio dentro da própria comunidade. É o que
expressa a fala subseqüente:
Eu procuro, cato tudo. Se me dizem que vão me alguma coisa,
tô eu. Até tentei me escrever no programa lá na Restinga, mas
quando foram me procurá e viram que eu não era de não deu, me
mandaram procura aqui... (Cirlei, 33 anos, 6 filhos, micro 4).
A fala acima expressa uma forma de auto-eco-organização das famílias que,
mesmo sabendo que não moram na região e que o programa é específico de cada
localidade, tentam o recurso. O que mostra que a organização, implantação e
implementação dos programas também devem ser articuladas.
O Conselho Nacional de Assistência Social aprovou, em julho de 2005, o
texto final da Norma de Operação Básica NOB, que elegeu os sete eixos
estruturantes para a implementação e consolidação do Sistema Único de Assistência
Social, que iniciou sua fase de implantação nas três esferas de governo.
As ações, articuladas pelas três esferas, dividem responsabilidades de acordo
com as suas áreas de atuação, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera
Federal, e a coordenação e a execução dos programas a suas respectivas esferas,
ou seja, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Assim, a
operacionalização da política de assistência social em rede, com base no território,
constitui um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa política
(PNAS, 2004:38).
135
A seguir, passo a descrever a descentralização dos programas sociais
voltados à família. Essa descentralização não foi instituída no ano de 2004 com a
atual Política de Assistência Social; essa gestão vem sendo efetivada, amparada
na Constituição Federal de 1998 e na LOAS de 1993.
2.4 A descentralização dos Programas Sociais voltados à Família
As políticas Sociais são operacionalizadas por meio de programas sociais que
decorrem do Governo Federal, Estadual, e Municipal. A descentralização político-
administrativa da assistência social garantiu aos Estados, Distrito Federal e
Municípios uma autonomia financeira e política para a implantação e gestão de
programas e projetos sociais. Essa descentralização proporciona uma política
intergovernamental com a participação da sociedade civil, organizada através dos
Conselhos de Assistência, que desempenham funções deliberativas e de controle
social.
Para ocorrer a gestão descentralizada da Política da Assistência Social, é
necessário que os governos organizem, cada um em seu âmbito, os requisitos legais
e as normas relativas ao modelo de gestão, que são:
§ instituição e funcionamento de conselho de Assistência Social com
representação paritária entre governo e sociedade civil;
§ instituição e funcionamento de Fundos de Assistência Social visibilidade
e controle;
136
§ elaboração de Planos de Assistência Social, com definição de prioridades e
financiamentos;
§ comprovação orçamentária dos recursos próprios destinados à assistência
alocados nos fundos de Assistência Social;
§ monitoramento e avaliação das ações e da utilização dos recursos;
§ comando único das ações e primazia da responsabilidade do Estado na
conduta da política.
26
Ao Estado cabe a gestão estadual do sistema de Assistência Social, dos
benefícios e programas assistenciais que sejam de iniciativa do próprio Estado e da
esfera Federal. Também lhe cabem as ações assistenciais que ultrapassam a
competência do município, visto o alto grau de complexidade, assim como coordenar
as ações assistenciais dos municípios que ainda não se habilitaram à gestão.
Ao Município cabe a execução de ação no seu âmbito. Fica a cargo do
município a organização da rede prestadora de serviços. Essa rede é formada pelas
organizações governamentais e não-governamentais.
O que pretendo, ao trazer à tona questões relativas à descentralização
político-administrativa da assistência, é dar visibilidade a ações que estão ocorrendo
na área das políticas de assistência social em âmbito nacional e evidenciar o modo
26
Retirado do site http: desenvolvimentosocial.gov.br. em julho de 2005.
137
como vêm sendo operacionalizados programas e projetos assistenciais,
principalmente na área da família.
O governo federal organizou programas que denomina Rede de Assistência
Social e que têm por objetivo a inclusão social. Os programas estão divididos em
atenção à criança, ao portador de deficiência, aos adolescentes, à pessoa idosa; o
combate ao abuso e à exploração sexual; a erradicação do trabalho infantil; e a
proteção integral a famílias em situação de risco ou vulnerabilidade social. E
proteger a família é proteger as partes de um todo que se auto-eco-organiza – daí a
importância de se pensar no fortalecimento do sujeito em situação de
vulnerabilidade e risco social. Isso implica ampliar a visão usando várias lentes e
contemplando os sujeitos na sua multidimensionalidade histórica, cultural, social,
emocional, etc. (LEE, 1994)
27
.
O Governo Federal salienta a importância de um programa ordenador da
política de assistência que seja capaz de integrar e articular ações com o objetivo da
promoção familiar, da descentralização político-administrativa, inteirando ações do
governo e da sociedade através do estabelecimento de redes. Esse programa é
denominado PAIF (Programa de Atendimento Integral à Família). Tal iniciativa ainda
se encontra em fase de implantação em alguns municípios.
As Casas da Família nome designado para o espaço destinado aos
atendimentos familiares do PAIF são núcleos de atendimentos implantados por
todo território nacional, cujo objetivo é apoiar as famílias em situação de
vulnerabilidade social, através do estabelecimento de uma rede local de serviços,
27
Tradução Patrícia Grossi, Faculdade de Serviço Social, PUCRS.
138
programas, projetos, benefícios e equipamento, capaz de oferecer o apoio
necessário à emancipação familiar. Na época da coleta de dados, as regiões
pesquisadas ainda não contavam com esse recurso.
A Casa da Família conta com uma equipe técnica composta de dois
assistentes sociais, dois psicólogos, estagiários e outros profissionais, e é previsto o
atendimento de 300 famílias por unidade.
28
Essa estrutura é viabilizada devido ao
financiamento do Ministério da Assistência social. Ainda este ano 2006 é previsto o
funcionamento de 1.777 dessas casas. Em Porto Alegre, 5 regiões
29
contam com
o recurso, que são: Sul/Centro Sul/Restinga, Eixo Baltazar, Lomba/Partenon, Leste e
Glória, com ampliação prevista para 2006, nas regiões Ilhas/Humaitá e divisão da
Restinga.
Outra iniciativa do Governo Federal destinada à família é o programa Bolsa
Família, criado em 9 de janeiro de 2004 sob a Lei n. º 10.836. Esse programa tem
por finalidade a unificação dos programas de transferência de renda da União, como
os programas de renda mínima vinculados à Educação, à Saúde, o Bolsa
Alimentação, o Auxílio Gás e o Cadastramento Único. Quando realizei as
entrevistas, nenhuma das mulheres chefes de famílias monoparentais pesquisadas
recebiam esse recurso.
Para o Governo Federal, o programa Bolsa Família é a evolução dos
programas de complementação de renda no Brasil, porque unifica os benefícios que,
28
Site http://www.desenvolvimentosocial.gov.br/iframe/acoes_seas/projetos_apoio_a_família.
29
Essas informações foram atualizadas através do contato telefônico com a FASC/Coordenação da
rede básica, no dia 2/12/2005, uma vez que não estavam inseridas no site da FASC (Fundação de
Assistência Social e Cidadania).
139
distribuídos isoladamente, não correspondem às necessidades familiares. Para os
executores do programa, além de garantir mais recursos à família, o programa
melhora o uso dos recursos públicos.
Por outro lado, a forma de unificação dos programas faz com que as ações
não sejam tão eficazes quanto deveriam, pois com a junção dos recursos e o
aumento da população atendida no repasse do auxílio faz com que muitas famílias
fiquem sem apoio técnico o que, no meu entendimento, é o diferencial no trabalho
com famílias.
Olhar a perspectiva da emancipação é ter em vista um atendimento de apoio
que de fato proporcione às famílias a percepção real de si e de suas estratégias de
enfrentamento de situações cotidianas, caso contrário, se perpetuarão as práticas
tuteladoras. As mudanças ocorrem a partir de uma visão interna do núcleo familiar,
de dentro para fora, e não pela imposição dos gestores dos programas pautados em
seus valores; assim, poderão possibilitar ações que possam levar à auto-eco-
organização de seu núcleo. E aqui voltamos ao sujeito como parte de um todo
(família) que enfrenta cotidianamente vários e dolorosos conflitos. E neste contexto:
Os mediadores estarão então ante o desafio de encontrar ações ou
condições conversacionais que possuam um potencial
transformador. O que se busca para a mediação não é um conjunto
de regras genéricas para o diálogo, ao contrário, o que se espera é
fomentar ações através de vocabulários que liberem um conjunto de
estratégias necessárias às praticas de mediação (ARRUDA,
2004:84).
Apenas o repasse do recurso não provoca mudanças na vida das famílias.
Esse repasse gera, sim, uma dependência ainda maior, pois, sem o apoio de um
140
mediador capaz de possibilitar a situação de vulnerabilidade, cria-se dependência de
programas assistenciais, gerando-se um círculo vicioso. Os programas pautados
apenas no repasse financeiro não priorizam a emancipação do cidadão e sim a
dependência, e não permitem o rompimento com tal circularidade. Esses programas
apresentam um fim em si mesmos, pela ausência de articulação efetiva com outras
políticas emancipatórias (SILVA et al. 2004:133). É o que pontua a fala a seguir:
Essa renda, além de eu poder pagá as contas, me dando ânimo
pra segui lutando. Quando esse ajutório acabá, a casa cai (Lucia, 28
anos, 5 filhos, micro4).
A entrevistada se sente respaldada, mesmo que temporariamente, e, como
ela diz, está tendo ânimo ‘para seguir lutando’ pelo fato de contar com a ajuda
econômica de um dos programas sociais. Por outro lado, mesmo sendo integrante
de um dos programas de proteção, a forma pela qual eles estão organizados, ou
seja, a fragmentação das ações, não estabelece articulação de redes e de serviços,
interprogramas, como os programas de geração de renda. Seria uma das formas de
oportunizar as famílias meios próprios para sua subsistência, rompendo a
necessidade de se utilizarem vários programas que venham garantir a sobrevivência
familiar (CARVALHO, 2002). Esse perfil vem mais uma vez mostrar a persistência da
larga lacuna entre a política, que subsidia, e tais programas. Apesar de uma
legislação bem elaborada preconizando direitos, sugerindo práticas que possibilitem
a autonomia. As ações cotidianas das práticas sociais que atendem essas famílias,
em vez de emancipar, garantem a dependência.
A auto-eco-organização das famílias, por meio das políticas sociais, poderia
se estabelecer por intermédio de práticas/políticas que contemplassem a diferença e
141
que tivessem como foco realmente a emancipação familiar estabelecida por um
conjunto de ações que contribuíssem para a superação da situação de
vulnerabilidade em que estas se encontram. Essas ações objetivam, entre outros
propósitos, mas principalmente, o reconhecimento de si para o reconhecimento do
outro porque muitas vezes fica difícil cuidar dos filhos sem antes ao menos se
perceber enquanto sujeito desse processo.
Se os programas fossem realmente pautados na multidimensionalidade em
que vivem as mulheres chefes de famílias monoparentais, haveria ações
propositivas no sentido de ir além da falta de comida; uma mulher chefe de família
que se sente fortificada é capaz de criar novas estratégias de enfrentamento ao dia-
a-dia que não sejam somente por intermédio de programas sociais. Passa pela auto-
estima, pelo projeto de vida, e não se restringe ao pão, ao leite e à mistura do dia-a-
dia. Está antes no reconhecimento da importância da educação na vida dos filhos,
pela realização de cursos e oficinas de qualificação pessoal e profissional, pelo
atendimento médico preventivo, que pressupõe o cuidado de si, etc. O que ainda
encontramos, porém, são ações e práticas fragmentadas, que vislumbram apenas
um aspecto da situação familiar, o econômico, além de burocratizadas, moralizantes,
que não contemplam a família como um todo e muito menos a complexidade de sua
auto-eco-organização.
Por outro lado, a realidade configura-se com projetos governamentais na
esfera do Direito muito bem elaborados, no que se refere à possibilidade de ações
que venham a contemplar as famílias brasileiras para o resgate da dignidade, no
sentido de assumirem o gerenciamento de suas próprias vidas através da
142
emancipação. Mas de que adiantam os projetos se, na prática, o que se efetiva é a
tutela e a transferência de responsabilidades.
O programa Bolsa Família, tido como avançado nos programas de repasse
financeiro, proporciona às famílias o mínimo dos mínimos sociais. Além de implicar
uma sobrecarga nos papéis familiares, principalmente às mães, responsabilizadas
no caso de os membros da família não estarem cumprindo qualquer cláusula
estabelecida no contrato para recebimento do recurso. Um exemplo disso é a
prestação de conta através da freqüência escolar, das reuniões nos postos de
saúde, etc. É evidente que as tem deveres a cumprir, mas a forma como são
estabelecidos os contratos e o medo da punição faz com que muitas es fiquem
correndo de instituição em instituição para não perderem o pouco que m, sem um
trabalho que realmente contemple questões mais pertinentes à auto-eco-
organização da família. Observe-se o extrato da fala abaixo:
O que vou fazer... eu procuro me virá para eles não ter que pedir de
novo, mas tem vez que falta e meu guri diz: olha mãe, onde tu i eu
vou junto. Passá fome a gente não vai. Se tiver que i pro Centro catá
verdura ou i na CEASA, eu vou. Mas como ele vai faze isso, depois a
assistente social descobre e a gente se ferra mais... (Paula, 40 anos,
5 filhos, micro 4).
O que reflete a fala acima é o desalento, a tristeza de uma mãe que se sente
sobrecarregada, em determinados aspectos, por não poder contar com auxílios mais
efetivos do programa no qual está inserida afora o fato de os critérios de
permanência nesses programas não levarem em consideração os acasos, os
imprevistos, as aleatoriedades constitutivas da complexidade da situação familiar.
143
Os programas sociais contemplam um espaço de auto-eco-organização,
desde que estabelecidos através de ações conjuntas, numa perspectiva
transdisciplinar
30
entre secretarias, organizações, instituições que priorizem a família
como um todo, tendo em vista um espaço que ultrapasse os projetos e leis e se
transforme em práticas que possibilitem o rompimento de situações a então
instituídas no cotidiano das famílias, por não conseguirem vislumbrar um amanhã
diferente.
É importante a articulação de projetos voltados a educação, formação e
conscientização das famílias, o que não é algo fora do contexto da política de
assistência social, pois estão pontuados nas ações dos serviços de proteção básica,
através de programas de Atenção Integral às Famílias. Programas de Inclusão
Produtiva e Projeto de Enfrentamento da Pobreza, Centro de informação e de
Educação para o trabalho voltado a jovens e adultos, etc., Na prática, esses projetos
ainda não estão sendo operacionalizados como o previsto no PNAS, que entende
que as famílias devem ser percebidas para além do fator econômico:
A vida dessas famílias não é regida apenas pela pressão dos fatores
socioeconômicos e necessidades de sobrevivência. Elas precisam
ser compreendidas em seu contexto cultural, inclusive ao se tratar da
análise das origens e dos resultados de sua situação de risco e de
suas dificuldades de auto-organização e de participação social
(2004:31).
Outro aspecto que deve ser pontuado são as idiossincrasias referentes a
cada núcleo familiar, importantes para a organização de ações que contemplem a
complexidade vivenciada no cotidiano das famílias e que são significativas para
30
A transdisciplinaridade, segundo Morin, trata-se freqüentemente de esquemas cognitivos que
podem atravessar as disciplinas, tendo um projeto comum (2000 a), sem ficarem presas a suas
especializações.
144
compor os espaços de auto-eco-organização e conquista de autonomia. Explica isso
o fato de cada família, como um sistema vivo, ser una e particular (RELVAS, 1996)
e, com isso, suas formas de ação e interação serem únicas, dialógicas, ao mesmo
tempo antagônicas, complementares e concorrentes, assim como recursivas, ao
serem produtos e produtoras de suas vidas.
As políticas de assistência social se fazem extremamente necessárias no
cotidiano das famílias brasileiras, mas também necessitam de reformulação para
irem além do que está previsto enquanto leis, programas e projetos. Apenas
discursos e intenções não têm conseguido dar conta da vulnerabilidade de famílias
que cresce diariamente. O que se necessita é de políticas complexas que rompam
com a linearidade que pauta os atendimentos da família; é preciso pensar a idéia do
conjunto, de ordem/desordem/reorganização, que compõe cada família. Morin refere
que os múltiplos aspectos de uma realidade humana complexa podem adquirir
sentido se, em vez de ignorarem essa realidade, forem religados a ela (2000 a: 113).
No caso especial do Estado do Rio Grande do Sul, a política estadual de
assistência social se manifesta através dos Planos Municipais de Assistência Social
e das diretrizes aprovadas pelo Conselho Estadual de Assistência Social do Rio
Grande do Sul, concretizando suas ações através da Rede de Assistência Social,
sob a coordenação do gestor municipal. As ações que são planejadas passam a
ingressar nos programas do Estado e do município. Esse sistema descentralizado e
participativo, cada um em sua instância, assume a gestão dos programas, como
descrito no site da STCAS (www.stcas.rs.gov.br):
145
O gerenciamento do Sistema Descentralizado e Participativo de
Assistência Social - SIDEPAS pressupõe: a continuidade do
reordenamento das ações do Estado no que diz respeito à
descentralização; a qualificação da rede de atendimento, bem como
das estruturas do sistema - CIB, Conselhos, Fundos e Planos; a
garantia da inclusão dos usuários da assistência social nas outras
políticas públicas; a articulação da rede regional de atendimento
quando se fizer necessária; a avaliação e o monitoramento do
sistema, garantindo a capacidade gerencial, técnica e administrativa
aos atores desta política.
Um exemplo dessa forma de atuar é o Programa Família Cidadã, de proteção
social, destinado a famílias com crianças e adolescentes até 16 anos e/ou idosos em
situação de vulnerabilidade social. Seu objetivo é garantir o desenvolvimento da
cidadania e a inclusão social de famílias com renda per capita de a ½ salário
mínimo.
31
No entanto, nos mesmos moldes dos programas sociais, não consegue
atingir o que está pressuposto, reproduzindo a mesma dinâmica estabelecida de
tutela e assistencialismo.
É um programa caracterizado como de renda mínima de caráter redistributivo,
associando a renda a ações de apoio à inclusão, por intermédio de programas e
serviços de assistência social, saúde, educação e geração de trabalho e renda. A
fala abaixo reflete o cotidiano de uma das mulheres chefes de famílias
monoparentais inserida nesse programa social:
Agora eu conseguindo dar o sustento para meus filhos com o
dinheiro do projeto Família Cidadã. tive no NASF e agora aqui.
Eu sem serviço, mas encafifei que tenho que arrumá um serviço
pra mim. O dinheiro vai terminá e eu não da onde tirá (Paula,
40 anos, 5 filhos, micro 4).
31
Retirado do site www.stcas.rs.gov.br em 20/08/2005
146
A fala refere que, apesar de ser um programa que pressupõe a
intersetorialidade para dar conta das demandas das famílias, ainda se efetiva
tutelando essas famílias, por não conseguir articular de fato a rede com outros
setores, como a geração de trabalho e renda, pressupondo a autonomia dessas
famílias. Como salienta Silva (2004: 216), “a desarticulação dos programas de
transferência monetária [...] e de geração de emprego e renda faz com que esses
programas cumpram uma função meramente compensatória”. Isso está presente na
fala das mulheres chefes de famílias monoparentais que foram entrevistadas e que
eram integrantes de um desses programas de proteção. Suas falam focalizam
apenas o aspecto econômico, ou seja, a manutenção do assistencialismo, pois é a
forma como elas compreendem as ações realizadas.
A cada instante, seja na fala das mulheres chefes de famílias monoparentais
entrevistadas, seja na própria literatura relacionada a políticas sociais, o que se
apresenta são ações desfocadas, fragmentadas, isoladas que por sua vez não
conseguem unir as noções antagônicas para pensar os processos organizadores,
produtivos e criadores no mundo complexo da vida dessas famílias monoparentais
chefiadas por mulheres (MORIN, 2000 c).
Outro programa que, apesar de não ser caracterizado de renda mínima, faz
um repasse monetário, é o Programa Família-Apoio e Proteção, implantado em 1994
como projeto Sinal Verde, e que passa a ser denominado em 1996 NASF (Núcleo de
Apoio Sócio-Familiar), incorporando todas as ações direcionadas às famílias no
âmbito municipal. Junto desse programa está o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil do Governo Federal (PETI). Como o próprio nome explicita,
147
entretanto, é focalizado em famílias que possuam filhos em situação de trabalho
infantil.
Esses programas são executados em nove centros regionais de assistência
social, quatorze módulos de assistência social, além de dezoito organizações não-
governamentais que possuem convênio com a FASC (Fundação de Assistência
Social e Cidadania órgão responsável pela assistência no município de Porto
Alegre). A unificação dos programas de apoio cio-familiar que ocorreu em 2004
equiparou o valor monetário do Bolsa-Família ao mesmo valor da Bolsa-Auxílio,
fornecido pelo município às famílias do NASF e do PETI, que é de R$ 200,00.
Essas iniciativas, ainda que não estejam cumprindo com o papel de
emancipar, por não se estarem associando a outras políticas que possam subsidiar
o cotidiano dessas famílias, representam um movimento no sentido de agregar
esforços em âmbito Federal, Estadual e Municipal para a concretização de
programas que sirvam de alternativa às famílias em situação de vulnerabilidade
social. Mas, como pontua Gomes (2002:163), “ainda necessita da captação de mais
esforços para preencher a lacuna que ainda existe, sendo uma delas a da geração
de renda por parte das famílias. A falta dessa articulação faz com que as famílias
sem meios de subsistência procurem outros programas que as tutelem por mais
alguns anos, formando um ciclo vicioso” (GOMES, 2002).
Notemos a seguinte fala:
Pois é Keli, eu ainda tô aqui. Lembra que entrei contigo no NASF... tu
me ajudô muito, bah! Se não fosse aquele ajutório..., mas sabe como
é a vida, não fácil agora no Família Cidadã. (risos) sei o que tu
148
pensando, que falta entrá no PETI (risos). Eu não vou te dizê
que se eu não entro, porque sem serviço fixo o que acha que
sobra? (Paula, 40 anos, 5 filhos,micro 4).
O que diz a entrevistada na transcrição acima é reflexo da política brasileira e
significa que, sem ações mais efetivas, fica-se apenas tutelando as famílias; por
outro lado, não posso desconsiderar que também é um jeito, talvez brasileiro, de
auto-eco-organização de muitas mulheres chefes de famílias monoparentais. Estas,
por diversos fatores que influenciam o seu cotidiano, e que conseqüentemente as
influencia, não conseguem vislumbrar uma perspectiva diferente para suas vidas,
encontrando nos programas formas de auto-eco-organização – nem que sejam
alternativas que lhes garantam basicamente o acesso a outros programas, e assim
vão organizando seu cotidiano com muitas adversidades e poucas perspectivas.
Cabe pontuar que não é somente a forma como estão organizados os
programas o que entrava a vida dessas mulheres. Convém destacar que, se contam
com um programa social de proteção, devem ser consideradas a implantação e a
implementação desse no cotidiano das famílias. Com isso, busco na Política
Nacional de Assistência Social (2004) programas e ações pautados nela, para dar
vistas à necessidade de complexificar essas políticas, no intuito de articular, gerir,
tecer, abraçar a diversidade que constitui a vida das mulheres chefes de famílias
monoparentais.
Portanto, ao encerrar o capítulo, busquei a perspectiva dialógica, mantendo a
idéia de atar e desatar os nós, a fim de responder ao questionamento norteador.
Cabe refletir a respeito da Política Nacional de Assistência Social que, ao propor a
contemplação de um trabalho em rede numa dimensão territorial, pretende
149
possibilitar o rompimento de velhos paradigmas pautados na segmentação,
fragmentação e focalização. Esse rompimento busca um novo olhar para a realidade
e para os novos desafios do cotidiano das famílias, que se apresentam sob múltiplas
formatações, exigindo ações integradas e articuladas (PNAS, 2004).
Observo uma desarticulação teórico-prática, a segmentação das políticas e a
manutenção da dependência de pontuações que podem ser consideradas na
implantação e implementação dessas políticas, uma vez que as mesmas têm em
vista conferir maior eficiência, eficácia e efetividade em sua atuação (PNAS, 2004).
Esse movimento de acesso aos direitos não é novo, uma vez que vem sendo
respaldado desde a Constituição de 88, depois no Estatuto da Criança e do
Adolescente de 90 (ECA) e na Lei Orgânica da Assistência Social de 93 (LOAS).
Isso me faz concluir que, fosse mesmo um país preocupado com a família, as
políticas sociais reservariam espaços para a conscientização das mesmas, através
de discussões e, principalmente, visando ao Empowermet,
32
ao fortalecimento do
sujeito. As leis não bastam; a proposta de descentralização se abre à possibilidade
de auto-eco-organização; mas é efetivamente pela falta de efetivação dessas leis
que se observa uma lenta reorganização das mulheres, que se distribuem em mil
programas e em mil articulações, em redes complexas de relações (conflituosas)
para dar conta de seu cotidiano adverso. O fortalecimento do sujeito, conforme
pontuações anteriores, passa necessariamente pela prática do assistente social,
32
Aqui definido nas palavras de Pinto (1998: 247) como um processo de reconhecimento, criação e
utilização de recursos e de instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos e
no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder psicológico, sócio-cultural, político e
econômico –, que permite a esses sujeitos desenvolver o exercício da sua cidadania. É uma
palavra de origem inglesa que significa empoderamento do sujeito, ou seja, conferir poder ao
mesmo.
150
pelo articulador e mediador das políticas públicas, como indissociável de todo esse
processo que poderia levar as mulheres chefes de famílias monoparentais à sua
autonomia e à sua emancipação.
A descentralização proposta pelo SUAS (Sistema Único de Assistência
Social), apontada pela Política Nacional de Assistência Social (2004), assinala um
caminho, mas não possibilita que os caminhos assinalados sejam trilhados pelas
próprias mulheres chefes de famílias monoparentais. Esse paradoxo se apresenta a
todo o instante na efetivação das políticas que, muito bem elaboradas, ainda não
contam com a conscientização por parte dos assistentes sociais e dos gestores
dessas políticas, que necessitam complexificar suas práticas e ações para poder
contemplar a complexidade dessa organização familiar chefiada por mulheres.
Sendo assim, complexidade não é a palavra mestra que vai explicar tudo. Ela nos
desperta e nos leva a explorar tudo, pois é um pensamento que, equipado com os
princípios de ordens, leis, certezas, percorre o nevoeiro, o incerto e o confuso
(MORIN, 2000 d). Como permitir que nossas ações sejam contaminadas pelo
pressuposto da complexidade? Como atuar articulando teoria e prática? Indagações
que eu levo para o próximo capítulo.
3 A AUTONOMIA E DEPENDÊNCIA DO ASSISTENTE SOCIAL: TERCEIRO NÓ
Este capítulo discorre sobre a terceira hipótese, que diz respeito às mudanças
ocorridas no contexto social deste início de século, tais como se refletem no cenário
das profissões, desafiando o Serviço Social a repensar suas práticas. Nesse sentido,
cabe aos assistentes sociais proporem novas alternativas de ações que
contemplem a complexidade da auto-eco-organização em rede das mulheres chefes
de famílias monoparentais.
Apresento o dialógico que orienta este capítulo: como o assistente social
pode repensar sua prática e propor novas alternativas de ações que possam atender
ao fenômeno auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de famílias
monoparentais?
A fim de abordar a dialógica de atar e desatar os nós deste capítulo, passo a
dar vistas ao Serviço Social e à atual demanda de uma prática complexa no
atendimento às mulheres chefes de famílias monoparentais, ressaltando a
necessidade de ruptura, de mudança de paradigma, para contemplar a
complexidade da realidade vivida por essa organização familiar, bem como a
articulação das redes de mulheres de famílias monoparentais.
152
Através da análise de redes e da sua auto-eco-organização, buscarei também
mostrar a importância do movimento recursivo, contribuindo assim para o estudo da
família através das mulheres chefes de famílias monoparentais.
3.1 O Serviço Social frente à exigência de práticas complexas
Pensar as profissões na contemporaneidade, principalmente o Serviço Social,
profissão que abraço e que se manifesta de forma interventiva no cotidiano das
famílias, das mulheres chefes de famílias monoparentais, ou de quem dela
necessitar, é propor o desafio de abarcar o contexto de transformações complexas e
rápidas (FALEIROS, 1996) que vivemos nesta era denominada por Morin de
Planetária.
Se, em 1996, quando Faleiros escreveu algumas reflexões a respeito do
Serviço Social enquanto profissão, salientando os desafios que se apresentam
nesse cenário de transformações dinâmicas, imagine-se o quanto essas mudanças
se tornaram mais velozes, exigindo ainda mais dos profissionais na atualidade.
Faleiros também complementa que, àquela época, as categorias de análises
nem sempre acompanhavam a velocidade das mudanças, que se tornavam cada
vez mais complexas (FALEIROS, 1996). Ao se passarem quase dez anos do texto
de Faleiros e considerando o aumento da velocidade de funcionamento do mundo,
contemplar a complexidade existente nos fenômenos se faz cada vez mais
necessário.
153
O Serviço Social não fica imune ao processo de transformações sociais que
ocorre em nível mundial e, com isso, necessita abarcar a complexidade das
questões emergentes do contexto contemporâneo, sejam elas sociais, econômicas,
culturais, relacionais, familiares, uma vez que acabam por incidir no cotidiano
profissional do assistente social.
Segundo Martinelli, a dimensão social das profissões vem adquirindo
efetividade na nossa era. E ainda aponta que:
A nossa profissão, o Serviço Social, ao contrário de estar em via de
extinção, é, mais do que nunca, necessária, sobretudo na
perspectiva da interdisciplinaridade, pois essa prática que
realizamos, a prática do Assistente Social, é fundamental na
construção de nexos de articulação entre as diferentes práticas
sociais (MARTINELLI, 1997: 136).
O contexto pontuado por Martinelli cada vez se faz mais presente no nosso
cotidiano, desde a academia, em muitos editais de agências de fomento e na
própria Universidade, com a presença da interdisciplinaridade e a conjunção do
social no incentivo a projetos e pesquisas desde a iniciação científica até a pós-
graduação. Assim como nas organizações públicas e privadas, os espaços
cotidianos da prática do assistente social recebem diariamente demandas
complexas que requerem um ‘tecer juntos’.
Hoje, também, outras perspectivas de atuação para o Serviço Social estão em
evidência, como o trabalho com o imigrante, com o refugiado. ainda a
intensificação de velhas práticas, como a área da família, que sempre esteve
presente em seu campo de trabalho desde sua origem. Entretanto, os serviços
154
destinados à família, como pontuado nos itens anteriores, são realizados de forma
fragmentada. Cada integrante da família é visto de forma individualizada,
descontextualizado de seu núcleo familiar.
A falta de percepção do princípio sistêmico para contemplar a família o
conhecimento das partes é impossível sem o conhecimento do todo, assim como
conhecer o todo sem conhecer as partes (MORIN, 2000) faz com que as ações
realizadas não se tornem tão efetivas quanto deveriam, sendo esse um dos entraves
hoje no trabalho realizado com as famílias.
Nesse sentido, saliento mais uma vez a necessidade da reforma do
pensamento proposta por Edgar Morin, pela qual, ao invés de fragmentar, dissociar,
separar, reúne, contextualiza, globaliza. Segundo o autor, a inteligência que sabe
separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os
problemas, unidimensionaliza o multidimensional (MORIN, 2000 a: 14).
Esse é o desafio proposto para os assistentes sociais neste início de século:
contemplar e atuar na complexidade das interações cotidianas, onde a caminhada
consiste [...] em fazer um ir e vir incessante entre certezas e incertezas, entre o
elementar e o global, entre o separável e o inseparável (MORIN, 2000 c: 205). Esse
movimento apontado diz respeito às estratégias, como brechas, aberturas,
enfrentamento do novo (MORIN, 2003), que podem ser criadas pelos profissionais,
pelos assistentes sociais para o atendimento às famílias. Os programas sociais, que
podem ser vistos como uma organização predeterminada da ação (MORIN,
2003:29), acabam por ficar enrijecidos, unificados. O trabalho com famílias, com as
155
mulheres chefes de famílias requer estratégias flexíveis e diversificadas, que
apresentem possibilidades que levem a perceber cada família em seu conjunto, com
suas potencialidades, seus entraves, suas percepções, seus medos, suas angústias.
A vida cotidiana das mulheres chefes de famílias monoparentais são
permeadas por um dia-a-dia cheio de acasos, imprevistos, eventualidades, e estes
devem ser levados em consideração nas ações profissionais. Contemplar o outro da
forma como ele se apresenta é também um exercício de cidadania. A cidadania,
conforme Martinelli (1997), é estatuto ontológico do ser. Mas, apesar de ser
imanente ao ser humano, não é usufruído por todos da mesma maneira. Se não
houver acesso, inclusão, usufrutos de direitos, de pertencimento, o o exercício
efetivo da cidadania. E nós, assistentes sociais, precisamos estar atentos para que a
perspectiva de acesso à cidadania seja contemplada nas práticas diárias.
Intervenções que colaborem com o movimento de fortalecimento da cidadania
das mulheres chefes de famílias monoparentais se fazem necessários, à mediada
que situações de vulnerabilidades se apresentam, complexificando ainda mais seu
cotidiano. Isso requer ações sócio-educativas que pressuponham a construção de
um processo que implique desde a percepção de si, do outro e da natureza, além da
percepção de pertencimento a uma organização familiar, a uma sociedade e a uma
comunidade. Essas ações também devem possibilitar os cuidados de si e dos filhos,
entre outras que possam contribuir para a elevação da auto-estima e para o
desenvolvimento de competências. Morin refere que:
Uma nova ordem de complexidade aparece quando o sistema é
“aberto”, isto é, quando sua existência e a manutenção de sua
diversidade são inseparáveis de inter-relações com o ambiente, por
156
meio das quais o sistema tira do externo matéria/energia e, em grau
superior de complexidade, informação. Aqui aparece uma relação
propriamente complexa, ambígua, entre o sistema aberto e o
ambiente, em relação ao qual é, ao mesmo tempo, autônomo e
dependente (2000d: 292).
Essa inter-relação com o ambiente, essa percepção da diversidade, como
pontua Morin, não vêm ocorrendo dentro da profissão, pois as ações são focalizadas
no fator econômico (que numa perspectiva de complexidade não é determinante).
Dessa forma, o ‘impacto’ que o mundo capitalista gera nas organizações familiares é
um discurso que acaba por focalizar apenas a ponta de um iceberg. Sem lançar um
olhar multidimensional sobre essa questão, estaremos ocultando outras dimensões
que compõem o cotidiano das mulheres chefes de famílias monoparentais, tais como
as questões política, cultural, ética, de gênero, psicológica, religiosa, entre outras.
Nesse sentido, contemplar a complexidade existente nos fenômenos sociais
se torna essencial na prática do assistente social. Para que isso de fato ocorra, no
entanto, segundo Morin, há efetivamente a necessidade de um pensamento:
- que compreenda que o conhecimento das partes depende do
conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do
conhecimento das partes;
- que reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez
de isolar, de maneira mutiladora, cada uma de suas dimensões;
- que respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade (2000 a:
88/9).
Como Morin pontua na fala acima, trata-se de uma reforma no pensamento
capaz de permitir, aos assistentes sociais, a substituição de um pensamento redutor,
157
para que possam perceber a auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias
monoparentais como uma forma de organização estabelecida para o enfrentamento
das questões cotidianas numa perspectiva dialógica. Ao se depararem com
situações antagônicas e complementares e recursivas, possam reconhecer que, ao
mesmo tempo, são produtores e causadores de suas inter-relações. Nesse
encaminhamento estarão os assistentes sociais, diretamente implicados com suas
escolhas, suas vidas, suas opções, seus sofrimentos, seus erros e suas ignorâncias.
Assim como as mulheres chefes de famílias monoparentais, a quem investigam,
esses profissionais, como sistemas vivos, estarão em permanente processo de
desorganização, transformado em permanente processo de reorganização (MORIN,
2000 d: 200).
Contemplar a recursividade nas ações dos assistentes sociais é estar aberto
à renovação, atento ao que chega com as demandas diárias, no cotidiano da prática
permeada de adversidade. É verificar a sua implicação com a profissão que se gera
e regenera nas próprias demandas sociais, apresentadas no contexto diário. Isso
implica a produção de si e a regeneração de nós mesmos, para não cristalizarem-se
práticas fragmentadas, focalizadas, que contemplem apenas um aspecto da
questão.
Esse movimento possibilita a renovação das práticas, o estar aberto à
contemplação do novo, do imprevisto, do acaso que aparece quando a intervenção é
baseada em interações. Essa abertura para conhecer o outro é também uma
abertura para o próprio conhecimento. Como salienta Morin (2002), é um processo
de auto-organização. Mas para que de possibilidade passe à ação, a complexidade
158
tem de ser formulada e reformulada no nível mental, na forma de conceber as
questões, articular as idéias, enxergar os fenômenos, senão, a complexidade
degrada-se em simplificação (MORIN, 1999).
O assistente social, ao produzir sua prática, acaba por se tornar produto da
prática que produziu num circuito recursivo. Ao dar vistas ao circuito, estou me
referindo, baseada nas idéias de Morin, à idéia de que o fim do processo alimenta o
início: o estado final se tornando de alguma forma o estado inicial, e o estado inicial
se tornando o estado final. Essa relação de recursividade é percebida na prática dos
assistentes sociais gestores dos programas, através da tutela a que submetem as
mulheres chefes de famílias monoparentais, até mesmo no gerenciamento do
dinheiro, muitas vez são esses profissionais que priorizam o que podem e o que não
podem comprar com esse recurso.
Tal atitude não vistas à autonomia da família e ainda prioriza apenas um
aspecto da questão familiar, o econômico. Assim, as famílias, em resposta a essa
prática dos assistentes sociais, ludibriam as regras estabelecidas com estratégias
que não afetam suas permanecia no programa, mostrando que os gastos foram
efetuados, por exemplo, em benefício de alimentação familiar, sem contar o que
realmente fizeram com o dinheiro –, com isso, burlando os critérios de controle e
manutenção dos mesmos. Um exemplo dessa prática é o da Paula, comprou um
tanquinho (máquina de lavar roupa), mas não contou nada para a assistente social,
com medo de ser desligada
33
do programa.
33
Termo utilizado pelos profissionais ao se referirem ao término ou suspensão do recebimento do
recurso.
159
A forma com que as mulheres chefes de famílias monoparentais entrevistadas
passam a apresentar sua realidade e a maneira como vão auto-eco-organizando seu
cotidiano, suscita alguns questionamentos, tais como: quem é o assistente social do
século XXI? O que ele tem feito para atender às mudanças? De que forma ele tem
se apresentado para mediar os programas sociais? Que tipos de propostas têm
realizado frente a esse contexto de dependência gerado pelos programas?
Essa reflexão leva à percepção de que ainda se tem muito a caminhar em
busca de uma prática complexificada que venha atender às demandas das mulheres
chefes de famílias monoparentais. A complexificação passa, pois, pelo olhar do
profissional, pela implicação teórica que embasa sua prática, possibilitando a
articulação tanto de recursos internos dos profissionais quanto dos recursos
externos, redes e serviços que dispõe para a execução das ações – o que vem a ser
denominado por Morin (2002) de abertura. Segundo ainda esse autor:
É preciso considerar o caráter organizacional da abertura. Entradas e
saídas estão ligadas a uma atividade organizacional e, portanto, a
uma organização ativa, e, por isso mesmo, transformadora e
produtora. A abertura é então o que permite as trocas de energias
necessárias às produções e transformações (2002:246).
Estar aberto a trocas é importante e se faz necessário no sistema de
interações entre o assistente social que capta o movimento demandado pelas
mulheres chefes de famílias e as próprias mulheres também abertas às produções
de transformações necessárias. Mais uma vez dão-se vistas a um circuito recursivo.
De minha parte, trago uma experiência particular de intervenção. Quando
estava iniciando no programa Rede de Apoio e Proteção à Família, recebi várias
160
famílias para atendimento. Sobre uma delas, foi-me passado que se tratava de uma
família com doença mental e alcoolismo, e que tudo o que se podia fazer havia
sido feito e que essa família não tinha jeito, nunca ia mudar. De posse dessas
informações, fui realizar uma visita domiciliar para conhecê-la pessoalmente.
Realmente era uma família com dificuldades de cumprir combinações, a mãe
apresentava comprometimento mental, mas não havia qualquer avaliação que
pudesse garantir um diagnóstico. O pai era alcoolista, mas trabalhava e bebia aos
finais de semana. As crianças freqüentavam a escola. Aparentemente, uma família
desorganizada/organizada, não identifiquei motivo para impedir o recebimento da
bolsa-auxílio.
Enquanto eu solicitava a documentação para ingresso da família no
programa, fui organizando uma rede que pudesse dar suporte a eles. Como essa
família tinha sido encaminhada pelo Conselho Tutelar, em função das faltas das
crianças à escola, o órgão foi solicitado para continuar o acompanhamento, e
também envolvendo a avó, que ficou responsabilizada de ir ao banco com o filho
para retirar o dinheiro. A mãe começou a freqüentar os grupos multifamiliares e,
como ela tinha um vínculo muito grande com o Posto de Saúde da Família, passou
também a fazer parte da rede. Um ano depois, essa mãe estava trabalhando na
reciclagem de lixo.
Frente aos enfrentamentos das ações cotidianas do assistente social sugere
mais indagações: o que fazer frente aos programas que continuam mantendo as
mulheres chefes de famílias monoparentais dependentes? Como atuar em meio a
161
essa complexidade? Estes questionamentos são importantes frente à prática dos
assistentes sociais, muitas vezes imersos na atividade institucional, com uma grande
demanda para atendimento, com uma infinidade de questões familiares adversas, e
por isso não conseguem conhecer suficientemente a dinâmica estabelecida pelas
instituições que atuam na proteção social.
O assistente social poderá, quem sabe através de ações que priorizem a
formação, a conscientização das mulheres chefes de famílias monoparentais, com
intervenções que ampliem a compreensão da dinâmica estabelecida pelas mesmas,
desenvolvendo reflexões que possibilitem a inovação da sua prática. Dessa forma,
estará estabelecendo as possibilidades de uma proposta de auto-eco-organização
aí, quem sabe, terá condições de perceber a recursividade como um princípio
importante de renovação e de enfrentamento da incerteza.
Alheios a essas possibilidades, dificilmente os assistentes sociais não
conseguirão sair do circulo vicioso que os programas, as leis, as políticas impuseram
ao longo da História. Através do movimento recursivo, existe a possibilidade de
renovação de uma profissão e de um profissional, o que se torna cada vez mais
necessário frente às demandas sociais, familiares, organizacionais, culturais,
econômicas, políticas, decorrentes das transformações do mundo globalizado. Como
pontua Morin:
Isso indica que um modo de pensar, capaz de unir e solidarizar
conhecimentos separados, é capaz de se desdobrar em uma ética
da união e da solidariedade entre humanos. Um pensamento capaz
de não se fechar no local e no particular, mas de conceber os
conjuntos, estaria apto a favorecer o senso da responsabilidade e da
cidadania. A reforma do pensamento teria, pois, conseqüências
existenciais, éticas e cívicas (2000 a: 97).
162
Um exemplo da possibilidade de intervenção do assistente social,
contemplando o princípio de auto-eco-organização, é o que procurei desenvolver na
minha própria prática.
O trabalho com as famílias nos grupos multifamiliares vinha me perturbando,
pois achava que apenas no espaço das reuniões não estava conseguindo dar conta
de todo um contexto que era a realidade daquelas mulheres que estavam
representando suas famílias.
As estratégias abordadas em reuniões, a falta de perspectiva das
participantes, me levou a buscar algo mais, e foi então que surgiu a oportunidade de
eu fazer um projeto para arrecadar recursos que pudessem financiar oficinas de
qualificação, tanto profissional quanto pessoal, para as mulheres integrantes do
programa. Um dos critérios para o ingresso nas oficinas era que as mulheres
quisessem participar, pois trabalhava a partir do interesse das mesmas. Com a
aprovação do projeto, montei quatro oficinas, que foram: (1) doces e salgados, (2)
corte e costura, (3) cooperativismo e (4) padaria, que aconteceram em rodízio e se
tornaram as oportunidades de um aprendizado para a vida das participantes, no
sentido de posteriormente poderem gerar seu próprio sustento.
A ampliação do olhar do assistente social está diretamente articulada à
recursividade, que nada mais é do que uma transição paradigmática e isso inclui
mudanças que não podem mais ser adiadas, pois um olhar ampliado do
fenômeno será capaz de permitir que o próprio assistente social se auto-eco-
organize para observar então a auto-eco-organização dos outros.
163
Passo a apresentar a auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias
monoparentais em rede, dando vistas às suas articulações com instituições,
trabalhos, amigos, parentes, comunidade, serviços, etc., para comporem seu dia-a-
dia, permeado de adversidades.
3.2 A auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de famílias
monoparentais: O desafio do Assistente Social
Aqui passo apresentar o movimento incessante de
organização/desorganização/reorganização realizado pelas mulheres chefes de
famílias monoparentais. Para isso, é preciso substituir um tipo de explicação linear
por um tipo de explicação em movimento circular, pela qual vou das partes ao todo e
do todo às partes, para tentar compreender o fenômeno (MORIN, 2000 d: 182).
Para conceber a auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias
monoparentais, faz-se necessário entender esse movimento de autonomia e
dependência realizado pelos sistemas vivos. O conceito de autonomia pode ser
concebido a partir de uma teoria dos sistemas, num circuito de inter-relações.
Sendo assim, esse sistema, a família, precisa de uma energia nova para sobreviver,
e capta essa energia no meio ambiente. Conseqüentemente, a autonomia se
fundamenta na dependência do meio ambiente, do contexto ao qual pertence; com
isso, o conceito de autonomia passa a ser complementar ao de dependência,
embora sejam também antagônicos.
164
Isso nos remete aos princípios da complexidade, sendo que aos que darei
vista são: o da auto-eco-organização, como autonomia e dependência, pontuando
como estratégias utilizadas pelas famílias para o enfrentamento do cotidiano
adverso; o dialógico, contemplando as estratégias familiares como antagônicas,
concorrentes e complementares; e o recursivo, como produtos e produtores de seu
cotidiano (MORIN, 2000 d).
Passo apresentar a análise da auto-eco-organização em rede das mulheres
chefes de famílias monoparentais, através da exposição do modo como está
constituída a organização do núcleo familiar, o que permite ter a visão do todo da
família para, em seguida, mostrar a rede estabelecida por elas. Aqui passo a focar,
através de um mapeamento gráfico, a auto-eco-organização das mulheres chefes de
famílias monoparentais, dando visibilidade a três questões que ajudam a compor os
nós estabelecidos por esse fenômeno. São eles: o conteúdo da interação, com
quem interagem e a densidade da interação.
Nesse movimento, a rede amplia os seus nós, diversifica os seus links,
destaca as incorreções, exige esclarecimentos, enfatiza o que não está em fase,
sublinha a falta de sintonia e cobra o movimento (MACHADO, 2001:21).
Reitero que a escolha das mulheres chefes de famílias monoparentais para a
realização da representação gráfica da rede foi realizada considerando-se a
particularidade de cada mulher frente à possibilidade de auto-eco-organizar-se. O
que se constituiu da seguinte forma: uma mulher chefe de família com vínculo
empregatício, uma mulher chefe de família sem vínculo empregatício, uma mulher
165
chefe de família participante em um programa social e uma mulher chefe de família
que já tivesse cumprido o prazo de permanência em um dos programas sociais. Não
necessariamente nessa mesma ordem.
DULCI: UMA REDE FAMILIAR
A seguir, apresento a representação gráfica da rede de Dulci, 29 anos, uma
filha, moradora do bairro Sarandi, microrregião 2. Dulci reside com sua filha de 9
nos, a mãe, a tia e o irmão de 18 anos. Está inserida no mercado de trabalho formal
como coordenadora de uma creche comunitária. Todos, em sua casa, trabalham,
mas atualmente o irmão está desempregado segundo ela em função da idade de
quartel. Para dar vista à forma como vem auto-eco-organizando o seu dia-a-dia,
segue abaixo sua rede:
Análise rede 1-
Dulci / 29 anos
Posto de
Saúde/
doença
Pai da filha
apoio / filha
Transporte
Escolar / serviço
Trabalho/
Colegas/
apoio
Amigos
Apoio /
econômico
Legenda:
Conteúdo da in
teração
Com quem interagem
Densidade da interação
Horizontais
Verticais
Estreito
Fluido
Contínuos
Eventuais
Intensidade
Reciprocidade
Irmão/ apoio
econômico
Tia/
apoio
Rede 1- Dulci
Trabalho/
coordenação
Mãe /
apoio
Dulci organiza sua rede a partir do núcleo familiar, com o apoio da mãe, da tia
e do irmão. Apesar de trabalharem, dividem o cuidado da filha no turno inverso ao
da escola. O trabalho de Dulci, como coordenadora de uma creche comunitária,
necessita de dedicação em tempo integral. O que é possível por meio deste
suporte familiar. Possuem uma relação estreita, no sentido de serem muito próximos
tanto física como afetivamente, e muito intensa, visto que faz parte do cotidiano de
todos os membros.
Convém destacar que, além dos movimentos solidários e familiares que
constituem essa rede, também movimentos de pressupostos capitalistas
relacionados a compras de serviços, como de suporte ao transporte da filha até a
escola, uma vez que a mesma não utiliza a escola da própria comunidade. Este é
um serviço diferenciado entre as entrevistadas, devido ao contexto na qual Dulci
vive.
No ambiente de trabalho, estabelece dois tipos de relações: a relação
horizontal e amistosa, quando está com os colegas; e a relação vertical, assumida
quando exerce seu cargo de chefia. Ao lidar com esses dois tipos de relações, Dulci
faz a mediação entre uma e outra, sempre que necessário, não cristalizando papéis
e apontando para o circuito recursivo e dialógico pelo tipo de interações
estabelecidas, concorrentes, antagônicas e complementares.
Outro fator é importante de ressaltar é que o círculo de amizades estabelecido
com a vizinhança é centrado nas figuras das mulheres, elegendo como sua melhor
amiga a vizinha que mora ao lado de sua casa, que é também sua colega de
168
trabalho. Mas salienta possuir um círculo de amizade maior fora da comunidade,
também composto por mulheres. Ressalta, assim, o princípio recursivo, uma vez que
é produto e produtora do tipo de relação estabelecida.
O pai da filha faz parte também do cotidiano da família, desempenhando uma
função de apoio junto a ela, principalmente quando chamado a intervir em questões
de educação e comportamento. Isso é exercido numa relação paradoxal: ao mesmo
tempo em que é chamado a intervir, é solicitado a não se intrometer no tipo de
educação que está sendo dado. Aponto aqui para a relação além de eventual é
dialógica estabelecida nessa interação, em que ocorre antagonismo, concorrência e
complementaridade.
A auto-eco-organização de Dulci em rede se através dos princípios da
complexidade, dialógicos e recursivos, uma vez que busca apoio e mudança,
sempre que necessário, de forma antagônica, concorrente e complementar. Isso
ocorre com o ex-companheiro, como descrito acima, com as amigas, que, segundo
ela, valoriza mais que o marido. Apesar de serem pessoas que se ajudam
mutuamente, no entanto, são acionadas apenas quando existem problemas,
estabelecendo-se assim um circuito.
Como coloca Morin, ao apontar o movimento de abertura e fechamento em
que interage o sistema vivo, dando vistas a um circuito em espiral, como o do
redemoinho, que na verdade se refecha ao se abrir e, por isso, se forma e se
reforma (2002:260). É a produção de si, a produção do seu ser e de sua própria
existência. Sendo assim, Dulci é produto e produtora de sua vida.
169
Um outro aspecto dialógico na vida de Dulci, ou seja, o que vem atando e
desatando em sua vida cotidiana, é sua relação afetiva. Apesar de mencionar que
sai, passeia, não quer dividir o espaço de sua filha com outra pessoa. Afirmando que
“dentro da minha casa, a prioridade é a minha filha”. Nesse sentido, a entrevistada
passa da abertura para o fechamento. No momento em que diz “às vezes eu
namoro, mas não me imagino ter uma pessoa morando comigo, se metendo no dia-
a-dia da minha filha”, abre-se para outras possibilidades de relacionamento que dão
vistas a estratégias afetivas adotadas, que não apenas o recasamento.
PAULA: UMA REDE DE RELAÇÕES VERTICAIS
A rede apresentada a seguir é de Paula, 40 anos, 5 filhos, moradora da
Lomba do Pinheiro, microrregião 4. Paula reside com seus 5 filhos. Não possui
emprego, mas recebe uma ajuda econômica do programa Estadual de renda mínima
Família Cidadã. Participou em anos anteriores do Núcleo de Apoio Sócio-Famíliar,
programa municipal, do qual recebeu uma bolsa-auxílio pelo período de um ano.
Faltam poucos meses para o término do recebimento da renda.
Seu filho de 11 anos apresenta problemas neurológicos, realizando
tratamento em vários locais da rede de saúde municipal; assim como a medicação,
nem sempre consegue consulta no mesmo lugar do atendimento. Paula também é
portadora de diabetes.
170
A auto-eco-organização do cotidiano de Paula, com os nós que compõem sua
rotina, se estabelece através da rede apresentada a seguir. Nela são destacados os
tipos de interações que estabelece, a densidade e o conteúdo dessas interações,
explicitados nos nós de sua rede, em destaque para maior visibilidade.
Análise Rede 2
SASE
(Serviço de Apoio
Sócio Educativo)
filhos
Paula / 40 anos
Posto de
Saúde
comunidade
Hospital da
Criança Conceição
neurologia - filho
Centro de Saúde
Santa Marta
Psiquiatria /filho
Escola
educação /almoço
filhos
SEJA
(Serviço de Educação
Jovem Adulto) Mãe
Vizinhos/
Madrinha/
apoio
Legenda:
Conteúdo da interação
Com quem interagem
Densidade da interação
horizontais
verticais
Estreito
Fluido
Contínuos
Eventuais
Intensidade Reciprocidade
Programa Família Cidadã
Pai dos
filhos
Rede 2 - Paula
Paula constitui sua rede com mais interações verticais do que horizontais,
visto que se de utiliza de muitos serviços para dar conta de suas necessidades
familiares. Sua auto-eco-organização vistas a uma organização complexa, ou
seja, complementar, concorrente, antagônica e incerta, à medida que sempre está
buscando novos serviços que sirvam de apoio, principalmente o serviço de
assistência social participou de outro programa de auxílio econômico e de
saúde para dar conta da doença do filho.
A entrevistada na madrinha, sua vizinha e melhor amiga e, segundo ela,
a única pessoa com que pode contar dentro da comunidade em que mora –, um
apoio não econômico, mas emocional, de cuidado, de amizade. Ela muitas vezes
assume o papel de sua mãe, com quem não chegou a conviver, pois foi interna na
FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), atualmente FASE (Fundação
de Atendimento Sócio-Educativa), só saindo de lá quando atingiu a maioridade.
Essa interação aponta para o princípio de recursividade no tipo de relação
estabelecida de cuidado e cuidador, e para o princípio dialógico com interações
concorrentes, complementares e antagônicas. Ao mesmo tempo que diz não
precisar da família para viver, busca na madrinha o papel materno. Esta é a relação
mais intensa que estabelece com sua rede, possibilitando-lhe de fato uma auto-eco-
organização: a madrinha não apenas estabelece o cuidado de Paula, como
oportuniza que a mesma reflita sobre seu cotidiano, o que lhe possibilita mudanças
no mesmo.
Os serviços de saúde são muito presentes no seu dia-a-dia, pois além do filho
possuir problemas neurológicos, ela também tem diabetes, necessitando de
173
cuidados constantes, apesar de não realizar o tratamento como deveria. Segundo
ela, não tem tempo nem dinheiro para fazer uma dieta e tomar a medicação.
“Quando tem medicação no posto, tudo bem, mas quando não tem. Não posso tirar
o pão e o leite da boca dos meus filhos para comprar remédios caríssimos”. Aqui fica
evidente o antagonismo existente em sua vida, uma vez que essa relação oscila
entre a anulação de seus cuidados e o sacrifício de si pelos filhos.
O pai dos filhos, por seu turno, o possui um lugar efetivo nessa rede, uma
vez que não conseguiu se vincular à família após a separação do casal, ficando à
margem da criação e da educação das crianças, não contribuindo nem para o
sustento das mesmas. Apesar de a mãe sentir essa falta de respaldo, não quer que
o pai pense que ela precise dele para alguma coisa. Essa dialógica existente na
relação entre pai e mãe reflete nas crianças, uma vez que, conforme a mãe, “eles
sentem falta do pai, não vou negar isso, mas eles sabem que com o pai não dá para
conviver. Eles sentem quando o pai vai visitá-los que não é mais aquela paixão, e
daí nada pedem para ele e nada querem dele”.
A mãe, ao entrar no programa Família Cidadã, tem de cumprir algumas
exigências do próprio programa. Uma delas é a freqüência dos filhos no SASE
(Serviço de Apoio Sócio Educativo) no turno inverso ao da escola. Essa exigência
também traz benefícios para os filhos, pois, além de estarem num lugar voltado à
educação, este também fornece alimento. Fica evidenciada a recursividade dessa
relação, que, ao mesmo tempo em que houve uma imposição do programa, a
família a vê como uma forma de garantia de subsistência. A escola também, além de
174
fazer parte do processo de educação, entra no círculo de ajuda diário ao fornecer o
almoço.
Paula, em função de sua doença, era muito dependente do ex-companheiro,
não conseguindo nem cumprir as combinações estipuladas com o gestor do
programa. Ao se ver sozinha com os filhos, deu uma guinada em sua vida,
assumindo o que antes parecia impossível. Buscou inclusive o Serviço de Educação
de Jovens e Adultos para prosseguir seu estudo em busca de um emprego que lhe
garantisse mais autonomia frente às questões familiares.
O programa Família Cidadã possui uma referência grande no cotidiano
familiar, uma vez que é através dele que a família tem conseguido organizar a
situação econômica. Não como negar que esse aspecto, entretanto, tem a
mesma importância dentro da família que outros, como o emocional da mãe para dar
suporte aos filhos, como o cuidado com as questões de doença e do dia-a-dia, como
o educacional, com vista à melhor qualificação e inserção social. Por isso, os
múltiplos aspectos que compõem a situação familiar devem ser levados em
consideração na/para organização e gestão do programa.
A dialógica de atar e desatar os nós que Paula vem realizando tem lhe
permitido uma auto-eco-organização. A partir de si, mesmo que ainda muito
incipiente, está tentando organizar a família, levando em conta todo o seu contexto
anterior de dependência e muitas vezes explicitando sua incapacidade física
decorrente da diabetes, que lhe deixou seqüelas na perna e com dificuldades para
caminhar. Isso não é mais empecilho para essa mulher que, ao assumir a chefia da
175
família, ultrapassou os limites físicos e psicológicos que anteriormente se
constituíam limitadores para o assumir a gerência de sua própria vida.
DORA: UMA REDE DE RELAÇÔES EVENTUAIS
A rede que ora apresento é de Dora, 43 anos, 5 filhos, moradora do
loteamento Santa Paula, no bairro Agronomia. Dora diz não ter trabalho porque o
está inserida no mercado formal, mas para sustentar a família recolhe e vende latas
de refrigerante, cerveja e papelão. Tem habilidade com artesanato, mas salienta que
não faz mais suas bonecas de lã por não conseguir comprar o material.
Análise Rede 3
Vizinha
apoio
Dora / 43 anos
Posto de
Saúde/
doença
ONG
Apoio
assistencial
Unidade de saúde
apoio psicológico
Legenda:
Conteúdo da interação
Com quem interagem
Densidade da interação
horizontais
Verticais
Estreito
Fluido
Con
tínuos
Eventuais
Intensidade
Reciprocidade
Rede 3
-
Dora
Pai da 3ª filha/
apoio econômico
Amigos/
apoio
Dora, apesar de ser bastante falante, é uma pessoa bem reservada.
Menciona que não é muito de procurar as pessoas ou instituições, mas refere que
“na vida sempre precisamos de apoio”, por isso recorre a pessoas ou instituições
específicas nas quais sente confiança, e diz que sempre recebe ajuda.
A Unidade Básica de Saúde (UBS) possui uma importância muito grande na
sua vida, pois seu marido era usuário de álcool e drogas, batia em todos na casa e
quebrava as poucas coisas que possuíam. Era, assim, na UBS que ela procurava
refúgio. “Me davam orientação de como eu deveria conduzir a minha vida da
maneira que estava; também me davam orientação de como eu devia ir a outros
órgãos para eu poder resolver a situação. eu ia e elas me ajudavam.
existência da recursividade nessa interação, uma vez que Dora busca fortalecimento
e apoio para o enfrentamento da sua situação. Segundo Morin, “toda a eco-
organização nasce de ações egoístas, de interações míopes, de intercomunicações
banhadas e por vezes submersas no vago, no ruído, no erro” (1999:24). Essas
desordens produzem a organização do sistema vivo.
O pai de sua filha eventualmente oferece apoio econômico. A relação que
estabelecem é antagônica, concorrente e complementar, à medida que ela reclama
da falta de apoio na criação dos filhos, do descaso que ele pai tem perante a filha,
mas não quer procurar a Justiça para efetivar o direito da filha de receber a pensão
alimentícia.
A vizinha com quem pode contar é a que mora ao lado de sua casa e que, em
caso de extrema necessidade, ambas se ajudam. Eventualmente tomam chimarrão
178
juntas e conversam amenidades. Salienta que na vila ninguém ajuda ninguém, é
cada um por si e Deus por todos. Ao mesmo tempo que diz que ninguém ajuda
ninguém, ela tem uma pessoa a quem pode recorrer, nem que seja nas horas mais
difíceis – o que mostra a dialógica dessa interação.
Os amigos, apesar de salientar que são poucos os que com que pode contar,
são mais acionados na hora do lazer, mas também lhe dão apoio moral, psicológico
e afetivo. Estabelecem uma relação em que um retroalimenta o outro, formando um
anel recursivo. Sua rede é formada por relações verticais, com exceção dos amigos
e vizinha, e por interações eventuais. Mas também devemos levar em consideração
que essa rede não é estática. De tempos em tempos ela é reconfigurada em
decorrência da dinâmica do meio, da própria família, das demandas emergentes.
Dora possui um vínculo grande com a assistente social de uma ONG, da qual
recebeu por um período uma bolsa-auxílio como integrante de um dos programas
assistenciais. Embora o receba mais o auxílio econômico, ainda vai até a
instituição sempre que sente necessidade de um apoio em relação aos filhos, a um
encaminhamento para documentos, passagens, etc. A interação estabelecida
proporciona a Dora movimentos que oportunizam sua auto-eco-organização.
No posto de saúde, procura atendimento relacionado à sua saúde e à de seus
filhos, mas sua relação com esse recurso se dá de forma eventual e pontual. Mesmo
sendo chamada a participar de palestras informativas e de esclarecimentos em
relação a doenças e a prevenções, se recusa a participar.
179
A dialógica de atar e desatar nós que Dora vem realizando em seu cotidiano
está permitindo sua auto-eco-organização, no sentido de, após um período
conturbado da vida da família, vir procurando estabelecer a organização nas suas
interações consigo, com os filhos e com os outros. Como salienta Morin, “[...] a
virtude complexa das eco-organizações não é apenas favorecer a existência e o
desenvolvimento das espécies mais evoluídas, é fazer desabrochar a diversidade
nas suas interações organizacionais” (1999:44).
BEATRIZ: UMA REDE PARA O FORTALECIMENTO FAMILIAR
Ora segue a rede de Beatriz, 33 anos, 6 filhos, moradora do bairro
Navegantes, Vila dos Papeleiros. Beatriz participou como integrante de um dos
programas sociais. Não recebe mais o recurso econômico, por ter terminado o seu
tempo vigência no mesmo. Atualmente sua casa é mantida pelos filhos mais velhos,
de 23 e 19 anos. Beatriz veio do interior em busca de maior oportunidade de
emprego.
Com exceção dos dois filhos mais velhos, os outros são frutos de várias
uniões, sendo cada um de um pai diferente. O filho de 5 anos nasceu com uma
cardiopatia, necessitando de várias cirurgias e constantes cuidados. A filha de 9
anos possui problemas neurológicos e pouco tempo ficou internada numa
enfermaria psiquiátrica em decorrência de surto psicótico. Beatriz fez uma cirurgia
para retirada de um tumor de útero.
Análise Rede 4
Vizinha
apoio
Beatriz/ 33 anos
Posto de
Saúde/
doença
ONG
Apoio
assistencial
Freiras/
apoio
Legenda:
Conteúdo da interação
Com quem interagem
Densidade da interação
horizontais
verticais
Estreito
Fluido
Contínuos
Eventuais
Intensidade
Recipr
ocidade
DEMHAB
Rede 4- Beatriz
filhos
Hospitais/
apoio doença
creche
irmãs
181
A rede de Beatriz é caracterizada por mais relações verticais do que
horizontais, mostrando que utiliza vários recursos para poder suprir as demandas
diárias. Mas as relações são eventuais, o que vem a configurar que sua rede se
move à medida de suas demandas, necessidades e do contexto em que está
vivendo.
Os filhos mais velhos exercem o papel parental de sustento da casa. Beatriz
não possui atualmente alguma fonte de renda. Desde o nascimento de seu filho de 5
anos, precisou abandonar o serviço para se dedicar à criança, pois nenhuma creche
o aceitava, por inspirar muitos cuidados. Tais fatores vêm salientar a recursividade
existente no sistema familiar, uma vez que esta produziu formas de dar conta do
sustento da família, sendo produtos e produtores.
As irmãs de Beatriz são presentes apenas nos momentos de necessidades,
como no caso da doação de sangue para sua cirurgia e da visita que fizeram no
hospital quando estava internada. Essa relação é antagônica, concorrente e
complementar, ao mesmo tempo que a entrevistada salienta o fato de não ter
contato com as irmãs, sendo cada uma por si. Elas servem de apoio nas situações
de emergência.
A creche que o filho de 5 anos freqüenta se tornou um apoio fundamental na
alimentação da criança, uma vez que, durante o período em que está ali, além de
estar protegido, recebe toda alimentação necessária para um crescimento saudável.
Como refere Beatriz: Aqui na vila é muito violento, crianças do tamanho deste aqui
(filho 5 anos) andam com revólver na mão, então enquanto aceitarem que eu não
182
pague nada ele vai indo é mais seguro”. Esta forma de auto-eco-organização vai
protegendo os filhos da precária realidade do local que vivenciam.
As religiosas da igreja que freqüenta também servem de suporte para a
família, seja através de encaminhamento para recursos onde possam se beneficiar
de algum tipo de ajuda seja por intermédio da ajuda espiritual, fortalecendo Beatriz
nos momentos difíceis. Ao se fortalecer, Beatriz também fortalece a família,
formando um circuito recursivo.
O posto de saúde e os hospitais, tanto no que a mãe faz acompanhamento
quanto no que leva seu filho e filha para atendimento, se fazem presentes na vida da
família. A relação estabelecida com esses recursos, mesmo que seja eventual, é de
suma importância para darem conta da situação de doença da mãe e filhos.
Beatriz refere que não tem amigos, apenas conhecidos na vizinhança, mas
que sua vizinha da frente lhe ajuda muito, principalmente doando roupas que recebe
de seu trabalho. Beatriz as reforma e, com isso, as filhas andam sempre bem
vestidas. “Elas andam bem arrumadinhas, bem limpinhas. Tu olha elas assim, tu não
diz que são minhas filhas.” Aqui aponto para o que Morin (2002) salienta das
interações que são geradoras de formas e de organização.
Devido a um incêndio ocorrido na vila onde residem, os moradores daquela
local serão transferidos pelo DEMHAB (Departamento Municipal de Habitação) para
casas que estão sendo construídas pela Prefeitura. Para isso, os moradores foram
cadastrados para o recebimento das casas e posterior transferência. Esse vínculo
183
com o recurso irá proporcionar a oportunidade de compra de uma residência, que
a sua encontra-se em precárias condições. A entrevistada, porém, tem receio de não
poder pagar o imóvel, uma vez que a renda da família é insuficiente para as
demandas cotidianas, afora que isso irá gerar mais custos, como água e luz, além
das prestações do imóvel. Tais aspectos concorrem para a complexidade dessa
situação, que é antagônica, concorrente, complementar e incerta.
Durante o tempo em que permaneceu recebendo o auxílio do programa
Família Cidadã, Beatriz vinculou-se com a assistente social da ONG que administra
o recurso. Esse vínculo lhe possibilita voltar à instituição sempre que sente
necessidade de conversar a respeito dos problemas ou para solicitar
encaminhamentos, pedir passagens, etc. A organização de uma rede de apoio
contribui para a auto-eco-organização da família.
O princípio dialógico de atar e desatar os nós é constante na vida de Beatriz,
que mesmo sem emprego para garantir o sustento da família nos próprios filhos
formas de auto-eco-organização para darem conta de suas demandas cotidianas.
Assim, busca na sua rede externa não o aulio econômico como a ajuda
espiritual para o fortalecimento do seu eu, e a partir daí poder fortalecer os outros
filhos que convivem não apenas com a privação econômica, mas também com a
situação de doença que acometeu vários membros dessa família.
A autonomia de organização comporta, produz, supõe, segundo Morin, uma
autonomia de ser, de existência, de ação, de interação. Todas essas autonomias se
determinam e se conjugam mutuamente para constituir uma autonomia de produção
184
e regeneração e de existência individual de um ser atuante (1999). O que Morin
pressupõe não difere da forma com que as mulheres chefes de famílias
monoparentais se auto-eco-organizam em rede, a partir da sua autonomia e de sua
dependência da realidade em que vivem.
A auto-eco-organização em rede dessas mulheres chefes de famílias
monoparentais se apresenta como uma forma para viver o dia-a-dia sem recursos
financeiros, sem perspectiva de trabalho, sem grandes sonhos, sem poder mostrar
um mundo diferente a seus filhos, mas com muita sapiência para administrar o
imprevisto frente à falta econômica, para sonhar com o que é possível, e o com
irrealizável, para apostar na educação dos filhos, para buscar a espiritualidade,
quando todas as portas da vida se fecharam, para ludibriar programas engessados,
enfim, para viverem dia após dia.
Falar em auto-eco-organização é contemplar a inovação, a estragia. Muitas
vezes pensei na idéia de estratégia como algo grandioso, como uma forma inusitada
de dar respostas à vida; mas na fala de cada mulher chefe de família monoparental,
contudo, dava-me conta de que trabalhar com o sistema vivo é perceber os
pequenos movimentos que para aquelas mulheres eram o ximo do que podiam
fazer frente às adversidades de suas vidas. A mudança no tom de voz, quando
conseguiam autonomia frente ao gerenciamento do recurso, mesmo burlando
critérios burocráticos dos programas; o semblante de seus rostos, quando
conseguiam “catar” (como se referem a juntar) latinhas que proporcionasse uma
semana mais tranqüila; os olhos brilhando, ao contarem que os filhos estavam
estudando, estavam conseguindo ir à escola todos os dias; a alegria de se
185
arrumarem para participar dos grupos multifamiliares dos programas; o conseguir
olharem-se no espelho e se enxergar: isso para mim, com toda a certeza, é auto-
eco-organização. É viver a instabilidade diária, a rotina estressante da carência
afetiva, econômica, social, relacional, e no final do dia estarem prontas para encarar
um novo amanhecer de incertezas, mas de apostas
34
e expectativas de que o
amanhã será melhor do que o ontem.
O mundo se organiza em rede, e as mulheres chefes de famílias
monoparentais também, mas cada uma organiza a sua rede de acordo com o meio
no qual está inserida, com o contexto a que pertence e com a necessidade do
momento. A rede é flexível, aumenta ou diminui a todo instante de acordo com o
movimento acionado. As mulheres chefes de famílias monoparentais buscam na
rede um suporte de dependência na procura de recursos físicos, emocionais,
econômicos, sociais, etc., para encarar as situações cotidianas. Para isso, utilizam
estratégias de autonomia para se estabelecerem frente a esses recursos, que dão
conta de suas vidas, ao mesmo tempo abertas ao aprendizado e à intervenção do
serviço social.
Por isso, retomo a hipótese que subsidia este capítulo: as mudanças
ocorridas no contexto social deste início de século se refletem no cenário das
profissões, desafiando o Serviço Social a repensar suas práticas. Nesse sentido,
cabe aos assistentes sociais propor novas alternativas de ações que contemplem
a complexidade da auto-eco-organização em rede das mulheres chefes de famílias
monoparentais, ratificando-a, num movimento de responder o dialógico: Como o
34
Segundo Morin (2000 a: 62) aposta é a integração da incerteza à ou à esperança. A aposta o
está limitada aos jogos de azar ou aos empreendimentos perigosos. Ela diz respeito aos
envolvimentos fundamentais de nossas vidas.
186
assistente social pode repensar sua prática e propor novas alternativas de ações
que possam atender ao fenômeno da auto-eco-organização em rede das mulheres
chefes de famílias monoparentais? É preciso estar aberto à complexidade do
cotidiano dessas famílias para poder enxergar que as mudanças não ocorrem com
grandes transformações no nível macrossocial. Se conseguirmos valorizar as
pequenas ações, as pequenas mudanças, iremos, sim, conseguir, quem sabe um
dia, as grandes transformações tão aclamadas pelo Serviço Social. Para isso, no
entanto, necessitamos mudar nosso pensamento.
187
CONSIDERAÇÕES FINAIS: RECOMPONDO OS NÓS
Chegou o momento de recompor os nós, exercício realizado em toda a
construção da tese, dando vistas ao meu movimento, que, como sistema vivo,
constrói/desconstrói/reconstrói a si e ao fenômeno de pesquisa. Inicialmente pensei
em abordar a metáfora da viagem para conduzir a tese, percorrer caminhos e
lugares diferentes; depois, busquei a metáfora da mandala por simbolizar a
totalidade do cosmos e o lugar que o homem ocupa nele. Mas essas metáforas não
davam conta do que eu realmente queria mostrar. E foi então que me inspirei na
idéia do como possibilidades e limites; o nó que amarra e segura, o que fecha
e abre, o frouxo, o cego, e assim foi se constituindo a idéia central desta tese
até chegar à dialógica de atar e desatar os nós.
Na qualificação da tese, mais uma etapa de desorganização/reorganização
ocorre quando a banca questiona o meu objeto de estudo. O que eu julgava claro
carece ainda de ser explicitado: famílias monoparentais chefiadas por mulheres ou
mulheres chefes de família. Retomei, então, todo o meu processo de construção e
percebi que falava das mulheres chefes de famílias monoparentais; as entrevistas
ocorreram com elas e não com toda família.
189
A banca lançou naquele momento de qualificação do trabalho mais um
desafio, o de concluir esta tese em um mês. Desafiada, comecei então, de novo, a
experimentar mais intensamente a minha auto-eco-organização, considerando a
relação de autonomia e dependência que estabeleci com a minha rede frente aos
prazos que tinha a cumprir.
O referencial epistemológico da complexidade que norteia este estudo
possibilitou-me o movimento dialógico de atar e desatar nós num processo de
constante problematização de meu objeto de estudo e de mim mesma. Como se
trata de nós dialógicos, minha pretensão não é puxar as pontas da corda para firmá-
los, mas permitir-lhes o movimento.
A minha implicação e compromisso com o estudo do fenômeno à luz da
complexidade possibilitou-me desvelar minúcias imperceptíveis das ações cotidianas
das mulheres chefes de famílias monoparentais. Essa observação trouxe à tona
meus erros e ilusões, principalmente quando refletia a minha prática junto ao Serviço
Social frente aos grupos multifamiliares – momentos nos quais eu, muitas vezes, tive
que me despir de idéias preconcebidas e moralizantes.
Ao pensar nesta etapa de síntese provisória da tese, meu interesse não está
em finalizar essa discussão, mas mostrar que os nós podem ser rearticulados a
partir de vários articuladores científicos que se disponham à arte de tecer novas
perspectivas de compreensão sobre o fenômeno aqui investigado.
190
A investigação de como as mulheres chefes de famílias monoparentais se
auto-eco-organizam em rede, passando a demandar políticas sociais complexas,
oportunizou-me entrar no cotidiano dessas mulheres e perceber para além do dito e
instituído, pois muitas vezes seus discursos não coincidem com as ações. Quando
afirmam que na comunidade não podem “contar com ninguém”, não expressam
totalmente a realidade vivenciada por elas, pois na vizinhança conseguem alguém
sempre disposto a apoiar e a ser solidário com o movimento auto-eco-organizativo
das chefes de família, como mostram os traçados de interações estabelecidos na
representação gráfica de suas redes.
Os s dialógicos foram fios condutores teóricos que me levaram às
descobertas em relação ao fenômeno da auto-eco-organização em rede das
mulheres chefes de famílias monoparentais. A busca de estratégias para o
enfrentamento das demandas diárias da família tem a ver com o papel parental que
essas mulheres desempenham na família. Sendo assim, a auto-eco-organização das
mulheres monoparentais, numa relação de autonomia e dependência, faz com que
cada uma passe a organizar a si para poder organizar os filhos e se organizar no
mundo.
Cabe reiterar que a família monoparental chefiada por mulheres não é uma
organização nova, mas na atualidade vêm ganhando destaque frente às demais
configurações familiares, pelo seu alto índice de crescimento. Só na região Sul
22,6%, segundo dados do IBGE, são mulheres as responsáveis pelo domicílio; outro
aspecto que a diferencia é que essa constituição familiar era marginalizada devido à
tendência de moralização da sociedade brasileira em décadas anteriores; na
191
atualidade, o fenômeno está sendo mais aceito devido aos números expressos
acima.
A auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias monoparentais se
estabelece por intermédio de uma rede de pessoas e instituições que venham a dar
suporte para suas demandas diárias, tais como alimentação, cuidados, vestuário,
apoio emocional, apoio moral, econômico, espiritual. Os tipos de apoios
demandados pela família não são sempre os mesmos; tem de ser levada em conta a
situação em que a família se encontra, isto é, o meio no qual ela interage.
A forma como se estabelece à auto-eco-organização das mulheres chefes de
famílias também varia de acordo com suas possibilidades internas e externas,
podendo recorrer aos filhos, à vizinhança, aos parentes, aos programas sociais, ou
seja, realizar o aprendizado de novas funções que lhe oportunizem qualificação
profissional e pessoal, e a aquisição de novas tarefas que possam apresentar novas
perspectivas de aprendizado.
Embora, haja toda uma proposta de efetivação do direito e de centralidade da
família na Política Nacional de Assistência Social 2004, ainda as ações se efetuam
de forma fragmentada, focalizadas, tutelando a família. O que deveria contribuir para
a efetividade da auto-eco-organização das mulheres de uma forma mais articulada,
não focada na subsistência, se torna ainda um paliativo, visto que a prática dos
assistentes sociais ainda desarticulada não desenvolve a emancipação e a
autonomia – condições potencializadoras de uma auto-eco-organização de fato.
192
A efetivação da Política Nacional de Assistência Social por si não garante
a ruptura com ações assistencialistas. Para que isso ocorra, é necessário um
exercício de auto-eco-organização do próprio assistente social, um dos gestores
dessa política. A ruptura passa pelo papel do assistente social como mediador de
práticas; enquanto focar no imediatismo, na necessidade, não contribuirá para o
movimento efetivo de auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias. E
não adianta dizer que esta ou aquela família o tem jeito, não mudam nunca; vão
permanecer dependendo dos programas a vida toda. Essa indagação me
acompanha muito tempo e eu, na pratica, refletia: É possível mudar sem
perceber que essa mudança é necessária? O que realmente estou fazendo para que
essas mulheres possam assumir a regência de suas vidas?
Sempre estive preocupada com o meu papel frente ao cotidiano dessas
famílias, e esses questionamentos me trouxeram de volta à academia, após 10 anos
de prática, para que pudesse tecer juntas teoria e prática, e assim alicerçar um
trabalho mais efetivo com as famílias a partir das mulheres chefes de famílias.
Cabe ressaltar que a elaboração da Política de Assistência Social de 2004
pode ser potencializadora de práticas mais abertas, que contemplem a diferença e a
particularidade de cada família, em que estas se tornem realmente protagonistas das
políticas de proteção e, com isso, sejam mais autônomas. Porém, ainda a
necessidade da reforma do pensamento dos assistentes sociais. E mais uma vez
pontuo que, ao falar do assistente social, estou falando do lugar que ocupo, para
que, através de suas práticas, possam integrar e articular ações com objetivo da
emancipação familiar, evitando processos de fragmentação.
193
Olhar a perspectiva da emancipação é ter em vista atendimentos que
promovam o apoio às famílias, proporcionando a percepção de si e de suas
estratégias de enfrentamento de situações cotidianas; caso contrário, as práticas
continuarão sendo tuteladoras e não poderão possibilitar ações mais efetivas de
auto-eco-organização do núcleo familiar.
Os programas e projetos sociais necessitam de ações propositivas no sentido
de irem além da falta de comida, o que quer dizer: deixar que as mulheres chefes de
famílias monoparentais gerenciem seus recursos e suas vidas. Durante minha
prática, várias vezes tive de convencer os outros membros das equipes e
coordenadores de que a compra de uma televisão não era um gasto desnecessário
das famílias, pois as unia em seu entorno, e as crianças voltavam para casa, pois
tinham um estímulo, saindo das ruas; assim como também a compra de um celular
não era luxo, como se referiam, mas uma possibilidade de emprego para as
trabalhadoras do mercado informal, que teriam um número telefônico para contato.
Essa forma de trabalho permite a auto-eco-organização das mulheres chefes de
famílias, vistas como sujeito do processo.
As políticas de Assistência Social se fazem extremamente necessárias no
cotidiano das famílias brasileiras, desde que se complexifiquem, rompendo com a
linearidade em que são pautados os atendimentos. É importante pensar na idéia de
conjunto ordem/desordem/reorganização de cada mulher chefe de família
monoparental.
194
O assistente social pode repensar sua prática e propor novas alternativas de
ações que atendam ao fenômeno da auto-eco-organização em rede das mulheres
chefes de famílias, através de uma ruptura paradigmática que contemple a
complexidade da realidade vivida por essa organização familiar. As alternativas
propostas pelo assistente social devem ser mais articuladas, de forma a
potencializar as famílias uma visão mais ampliada de suas demandas e a
possibilidade de se perceberem enquanto protagonistas de suas próprias vidas. E
isso se estabelece através de ações de formação e conscientização.
Repito que a necessidade de uma reforma no pensamento proposta por
Edgar Morin que, em vez de fragmentar, dissociar, separar, reúne, contextualiza,
globaliza por intermédio de um olhar que permite contemplar as mulheres chefes de
famílias na adversidade que constitui o seu dia-a-dia, e enxergar o conjunto que
compõe cada família, com suas potencialidades, seus entraves, suas percepções,
seus medos, suas angústias.
A proposição de ações sócio-educativas que pressuponha a construção de
um processo de conscientização que implica desde a percepção de si, do outro e da
natureza, além de se ver pertencente a uma organização familiar, a uma sociedade,
a uma comunidade, gera noções de cuidados de si e dos filhos, elevação da auto-
estima e desenvolvimento de competências – o que vem de fato subsidiar uma auto-
eco-organização das mulheres chefes de famílias monoparentais. Na entrevista de
Paula, observei que, quando esta começou a se enxergar, a se perceber, começou a
desenvolver competências que lhe mostraram possibilidades de auto-eco-
195
organização que não ficaram apenas no sustento econômico, mas lhe reconduziram
ao estudo, num processo de formação.
A profissão, ao buscar compreender os fenômenos, enfocando as explicações
embasadas nos processos econômicos, evidencia apenas a ponta do iceberg,
ocultando outras dimensões que compõem o cotidiano dessas mulheres
monoparentais, tais como a questão política, cultural, ética, de gênero, psicológica,
entre outras, que devem ser consideradas nas propostas de trabalhos com famílias.
Com isso, contemplar a complexidade existente nas interações familiares se torna
essencial no cotidiano da prática profissional. E esse olhar complexo pode nos dar “a
intensidade dos nós” que teremos de desatar frente ao fenômeno das mulheres
chefes de famílias monoparentais.
Ainda se tem muito a caminhar em busca de uma prática complexificada que
venha atender às demandas das mulheres chefe de famílias monoparentais. Essa
complexificação passa pelo olhar do profissional, pela implicação teórica que
embasa sua prática, possibilitando a articulação de recursos internos do profissional
e recursos externos – redes e serviços que dispõe para execução das ações.
Sem um movimento que possibilite as reflexões e a inovação de sua prática,
dificilmente os assistentes sociais conseguirão sair do círculo vicioso que os
programas, leis, políticas, impuseram ao longo da História. Assim como não será
possível a implantação da Política Nacional de Assistência Social de 2004, na
perspectiva de um novo tempo, o tempo do Direito.
196
A auto-eco-organização das mulheres chefes de famílias monoparentais se
estabelece em rede, pois é a forma que encontraram para buscar subsídios para
suas vidas através do apoio de pessoas, instituições, programas e serviços. É com a
organização de estratégias, articulação de recursos humanos e inserção em
programas sociais que elas enfrentam o seu dia-a-dia.
A maioria das mulheres chefes de famílias monoparentais pautam sua auto-
eco-organização de forma imediata, centrada na necessidade econômica, pois é a
forma como se vêem e são vistas pelos programas sociais e pelos gestores destes.
Essa ampliação do olhar das mulheres para suas questões passa pelo papel do
assistente social mediador das práticas sociais. Busco a minha experiência com
aquela família, relatada anteriormente, a respeito da qual me foi passado que não
adiantava fazer nada, pois não respondiam às combinações. Quando ignorei as
informações e fui buscar os recursos que a própria família possuía, responderam
bem à intervenção do serviço social.
Ao mesmo tempo em que não uma percepção das mulheres chefes de
família como sujeitos do seu processo, percebi que elas o muito hábeis para o
enfrentamento da adversidade que constitui suas vidas, ao terem de gerenciar a
carência econômica, as faltas de perspectiva em relação à vida. Não ficam inertes,
vislumbram grandes possibilidades no amanhã, acreditando que ele será melhor do
que o hoje. A esperança é o fio condutor da vida dessas mulheres, além do senso
de responsabilidade para com os seus: é o que as move para o enfrentamento das
questões cotidianas.
197
A auto-eco-organização em rede das mulheres chefe de famílias
monoparentais se através de pequenas ações cotidianas que produzem a
diferença no todo: na família; na autonomia de gerenciamento do recurso, mesmo
que para isso tenham de burlar critérios burocráticos do programa como no meio de
subsistência e realizar atividades desvalorizadas, que não gratificam (catar latas,
fazer bicos); no cuidar da aparência no meio de tanta adversidade, e admirar-se na
imagem refletida do espelho, ao se arrumar para sair. Na aposta em dias melhores
frente às incertezas da vida, essas mulheres vão construindo, ao longo de sua vida,
articulações em rede, como essas que vimos através das entrevistas, uma vez que a
pesquisa é temporal.
Assim como o mundo se organiza em rede, as mulheres chefes de famílias
monoparentais também, e com uma dinâmica flexível. Essa constituição da rede
permite entradas e saídas de pessoas e instituições sempre que houver
necessidade. E ao estabelecerem autonomia e dependência na constituição de suas
redes, estão abertas ao aprendizado e à intervenção do serviço social.
Com isso, é preciso estar aberto à complexidade que constitui o cotidiano
dessas mulheres chefes de famílias, representantes da família. Ao falar de auto-eco-
organização, não falo de grandes movimentos, mas de pequenos passos, nuances,
encaminhamentos como a rede estabelecida por Dora. É necessário enxergar os
pequenos movimentos rumo à mudança, e não partir do pressuposto de grandes
transformações, porque é no cotidiano que podemos instituir ações tão grandiosas,
capazes de mudanças tão profundas. Isso é acreditar no ser humano, nas suas
possibilidades e potencialidades.
198
No movimento de construção dessa tese, os questionamentos da banca de
qualificação tiveram um efeito potencializador de outros movimentos. Tentarei
respondê-los como uma forma de dar um fechamento para a tese, pois não pretendo
concluí-la. Saliento que, apesar de essas repostas não estarem contidas apenas
nos próximos parágrafos, elas se constituíram junto a tecitura da tese.
A auto-eco-organização dessas famílias é a autonomia e a dependência que
têm para encarar as situações com que se defrontam no dia-a-dia, tendo como mola
propulsora o bem-estar dos filhos. Isso se a partir da busca da sobrevivência,
resolvendo a falta de emprego, a precariedade dos salários com estratégias como
vender latinhas de refrigerante e cerveja, participar da coleta de lixo seletivo, realizar
faxinas, entre outras formas de geração de trabalho e renda; a finalidade é fazer
frente à tutela das políticas sociais e fortalecer a esperança de um mundo melhor.
Esses são os nós que as famílias atam e desatam, pois essa forma dialógica
requer um movimento incessante de atar e desatar os nós. É o da baixa auto-
estima, o da falta econômica, o da carência afetiva, o da falta de emprego,
o do emprego de baixa remuneração, o da esperança por dias melhores, o
de ver o filho freqüentando a escola, o nó da falta de oportunidades, o nó do
exercício da busca pela autonomia, o da procura da emancipação afinal, a vida
se processa num movimento incessante de atar e desatar nós.
Esse processo, de atar e desatar s, vivenciado no cotidiano das mulheres
chefes de famílias monoparentais, demanda uma política social e uma prática social
que contemplem realmente os movimentos realizados pelas mulheres chefes de
199
famílias. Esses movimentos, em princípio pequenos, se valorizados podem
transformar o cotidiano. Utilizo a palavra transformação no sentido de “transformar a
ação”, que vai desde os hábitos mais banais do dia-a-dia até mudanças mais
efetivas em suas interações.
A garantia de pertencimento, a garantia de direitos, a garantia da autonomia,
a garantia do viver em rede podem ser asseguradas através das lutas diárias, das
conquistas que são efetivadas continuamente, das políticas sociais implantadas na
perspectiva do Direito. E essa possibilidade passa também pela atitude do assistente
social mais consciente do movimento efetivo da cidadania das mulheres chefes de
famílias monoparentais.
Por conseguinte, retomo minha tese a fim de reiterar que a auto-eco-
organização em rede das mulheres chefes de famílias monoparentais passam a
demandar políticas sociais complexas. E, com isso, longe de concluir esta
discussão, abro a possibilidade de estar encaminhando subsídios que venham a
potencializar as reais demandas das mulheres chefes de famílias monoparentais e o
meu compromisso enquanto assistente social profissão que abraço. Esta tese foi um
exercício de auto-eco-organização pela qual passei, ao cuidar de mim, de
complexificar a minha mente. Complexifiquei, enfim, a minha prática ao ponto de
perceber o movimento de auto-eco-organização também nas mulheres chefes de
famílias monoparentais.
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http://www.undp.org.br/HDR/Hdr96/rdhb3.htm
http://www.cnmcut.org.br/release-mulher
http://www.desenvolvimentosocial.gov.br
http://www.desenvolvimentosocial.gov.br/iframe/acoes_seas/projetos_apoio_a_famíli
a
http://www.stcas.rs.gov.br
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS
FAMÍLIA: _____________________________________
1. Nome da mãe:
2. Endereço:
3. Idade:
4. Nº de filhos:
5. Região que mora:
6. Composição familiar:
7. Provedor da casa / Forma:
8. Dia a dia da família:
9. A ausência do pai:
10. Recreação:
11. Suporte familiar:
12. Freqüência em que a rede é acessada:
13 . Função da rede na vida familiar:
212
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
FAMÍLIA ______________________
REGIÂO_______________________
I - Justificativa e Objetivos da Pesquisa
Estamos solicitando a sua participação na pesquisa que está sendo realizada
para tese de doutorado. O objetivo deste estudo é investigar como as famílias
monoparentais vêm estabelecendo suas redes de relações. Pretende-se conhecer o
cotidiano familiar e suas estratégias de convivência.
II – Desconfortos
Será necessária a disponibilidade de algum tempo para a realização das
entrevistas. A entrevista irá durar aproximadamente 45 minutos. Os entrevistados
que não quiserem responder terão liberdade para não participarem.
III - Benefícios que se pode obter
As informações coletadas servirão de base para orientar políticas e práticas
sociais voltadas às famílias monoparentais.
IV - Liberdade na Participação e Contrato de Sigilo
Fica estabelecido que as entrevistas ficarão sob sigilo da pesquisadora e que
os participantes não serão identificados.
Eu,..................................................................................... (entrevistado
participante) fui informado dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e
detalhada. Recebi informação a respeito da minha forma de participação e esclareci
minhas vidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações
e modificar minha decisão, se assim eu desejar. Entendi que todos os dados dessa
pesquisa serão confidenciais e que tenho liberdade de retirar meu consentimento de
participação na pesquisa, em face dessas informações. Também consenti a
gravação e a degravação da entrevista para fins deste estudo.
Caso tiver alguma vida sobre este estudo, sobre meus direitos de
participante, ou sentir-me prejudicado pela minha participação, posso chamar
Kelinês Cabral Gomes no telefone 92535690, para eventuais esclarecimentos. Este
formulário foi lido por mim em ___/___/____ (data) pelo pesquisador, abaixo
assinado.
Declaro que recebi cópia do presente termo de consentimento.
__________________ ____________________
Nome do entrevistado Assinatura
_____________________ ______________________
Nome do pesquisador Assinatura
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
ATANDO E DESATANDO OS NÓS:
A AUTO-ECO-ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES CHEFES
DE FAMÍLIAS MONOPARENTAIS
KELINÊS CABRAL GOMES
Doutoranda
Profa. Dra. Maria Isabel Barros Bellini
Orientadora
Porto Alegre, janeiro de 2006.
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