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ESTOCOLMO, RIO, JOANESBURGO
O BRASIL E AS TRÊS CONFERÊNCIAS
AMBIENTAIS DAS NAÇÕES UNIDAS
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MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
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Brasília, 2006
André Aranha Corrêa do Lago
INSTITUTO RIO BRANCO (IRBr)
ESTOCOLMO, RIO, JOANESBURGO
O BRASIL E AS TRÊS CONFERÊNCIAS
AMBIENTAIS DAS NAÇÕES UNIDAS
Direitos de publicação reservados à
Fundação Alexandre de Gusmão (Funag)
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Assistente de Coordenação e Produção:
ARAPUÃ DE SOUZA BRITO
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Capa:
Mmomomomomom
Adnan Amin, Enrique Iglesias, Fabio Feldmann, Henrique Brandão
Cavalcanti, José Domingos Miguez, JoAnn Disano, Lucas Assun-
ção, Luiz Filipe de Macedo Soares, Paulo Tarso Flecha de Lima,
Pedro Malan, Pedro Moreira Salles, Ronaldo Sardenberg e Wa-
shington Luiz Pereira de Souza, por terem-me concedido seu tempo
para entrevistas que muito enriqueceram este trabalho.
Cláudio Garon, Everton Vargas, Helio Vitor Ramos Filho, Luiz
Figueiredo Machado, Marcos Galvão, Maria Luiza Ribeiro Viotti,
Pedro Borio, Raphael Azeredo, Ricardo Neiva Tavares e Sergio
Danese, amigos sem os quais não poderia ter desenvolvido o
projeto, e a quem devo o que há de melhor neste trabalho.
Béatrice, pelo amor, o estímulo e a paciência.
Agradecimentos
Índice
Prefácio...............................................................................................9
Introdução.........................................................................................15
Capítulo 1: De Estocolmo a Joanesburgo: a evolução da
agenda de meio ambiente................................................................23
A) A Conferência de Estocolmo ....................................................25
- principais temas da Conferência e das reuniões
preparatórias ..........................................................................33
- principais conquistas e críticas à Conferência .......................47
B) A Conferência do Rio ................................................................52
- principais temas da Conferência e das reuniões
preparatórias ..........................................................................66
- principais conquistas e críticas à Conferência .......................85
C) A Cúpula de Joanesburgo.........................................................87
- principais temas da Cúpula e das reuniões preparatórias .... 103
- principais conquistas e críticas à Cúpula ............................. 110
Capítulo 2: A atuação do Brasil nas três conferências ................. 113
A) O Brasil na Conferência de Estocolmo ................................... 115
B) O Brasil na Conferência do Rio............................................... 144
C) O Brasil na Cúpula de Joanesburgo ....................................... 167
Capítulo 3: O discurso brasileiro nas três conferências:
a evolução da expressão das prioridades nacionais.................181
A) Tratamento nas três conferências dos temas originários da
agenda ambiental ................................................................... 185
B) Tratamento dos temas da agenda ambiental derivados
dos temas originários ............................................................. 203
Conclues...................................................................................... 217
Bibliografia .....................................................................................229
Apêndices ....................................................................................... 241
I - O Artigo 20 da Declaração de Estocolmo (Anexo E do Relatório da
Delegação do Brasil)......................................................................... 243
II - Declaração de Estocolmo ........................................................... 255
III - Declaração do Rio ...................................................................... 267
PREFÁCIO
Desde os embates do movimento extrativista no Acre, na
década de 80, até o Ministério do Meio Ambiente, no atual governo,
transitei pela experiência de muitas pessoas e instituões e daí formei
as idéias, prinpios e metas que hoje me movem e dão sentido à
minha atuação na esfera pública. No começo o existia para nós,
no Acre, o ambientalismo; era uma luta por um estilo de viver e
produzir no qual a floresta era o centro, a provedora, uma presença
da qual não poamos abrir o, por motivos que iam do afetivo-
cultural ao ecomico. Depois veio a conscncia da inserção em
algo muito maior. Maior do que nossas “colocações” (unidade de
moradia e produção de seringueiros dentro da floresta), maior do
que o Acre, do que a Amazônia. Maior do que o Brasil. Do tamanho
do mundo.
Nesse período, de cerca de 25 anos, foi como se nossa
pequena canoa tivesse, de repente vindaa
de um rio de trajeria
previsível, com suas margens e curvas conhecidas –, desaguado no
mar. Onde se é mais frágil, onde se é quase nada diante de riscos
desconhecidos e onde a vista alcança a imensidão, não os limites.
E onde, muito mais do que no rio, são necessários instrumentos de
navegação.
O interessante é que hoje, tanto mar percorrido, vejo que
meus instrumentos de navegão são, basicamente, aqueles que o
Acre e a floresta me deram, ou seja, a compreeno de que o há
uma luta ambientalista e uma luta social apartadas. O que é a
PRECIO
12
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
concepção de mundo no qual a produção, a qualidade da vida das
pessoas e do ambiente natural devem ser indissocveis, gerando uma
nova visão de ética pública.
Nesse sentido, encontro-me e aos meus desafios na tese
(agora livro) do And. Esse é o lado para o qual devemos remar: o de
descrever, analisar e desvendar processos complexos que envolvem a
queso ambiental, sem perder a riqueza das interões e dos múltiplos
significados dessa complexidade, e assim informar consistentemente a
ão potica, seja do indiduo, seja das comunidades ou das nações.
É uma tese em que o conhecimento faz uma ponte imediata com a
realidade, preocupa-se com respostas. Diria até recuperando um
mote antigo, numa tentativa de relê-lo que é um trabalho engajado,
não do ponto de vista da demarcação de um espaço ideológico, mas
de uma postura que podeamos chamar de cidadania intelectual ativa.
O autor está presente nas análises que faz; sem perder o rigor
acadêmico, deixa clara sua ética e suas escolhas. Trata do seu tempo e
nele se inclui como agente.
Para além de sua notória contribuição ao conhecimento de
processos fundamentais para o futuro do nosso País e do mundo, o
texto tem características importantes: é direto, não se rende à tentação
de ser excludente e elitista por meio da palavra, expande o direito à
leitura e à compreeno de temas complexos. O que não é pouco, pois,
muitas vezes, trabalhos extraordinários são desprovidos de um mínimo
esforço comunicativo, que é bom indicador de espírito democrático.
André dá grande contribuição acamica e política, ao percorrer
o período em que acontecem os grandes marcos do tratamento
multilateral à questão ambiental no mundo especialmente as
conferências de Estocolmo e do Rio de Janeiro e a de Joanesburgo
localizando neles temas, conceitos, cenários, negociações, jogos de
poder e tendências que comem essa questão em âmbito global, com
fortes repercussões no Brasil, o país mais identificado com Meio
Ambiente no mundo.
PREFÁCIO
13
O papel do Brasil sua decisiva atuação e liderança para que
o tratamento do meio ambiente fosse associado à questão do
desenvolvimento é competente e criticamente tratado, assim como a
atuação do Itamaraty na formulação e na expressão das posições
brasileiras e sua progressiva interação com outros segmentos do governo
e da sociedade civil, sobretudo a partir da Rio 92 e da criação do
Ministério do Meio Ambiente.
André também registra e analisa a aplicação do conceito de
governança, identificando seu caráter inovador na gestão pública e
apontando, igualmente, sua manipulão pelos países desenvolvidos
para limitar a cooperão internacional (e, implicitamente, os
compromissos de solidariedade e responsabilidade compartilhadas
assumidos na Rio 92) aos países em desenvolvimento. Ele lembra,
bem a propósito, que a queso ambiental foi criada e moldada segundo
os interesses dos pses industrializados, mas “deturpada” pelos pses
em desenvolvimento, com forte liderança brasileira, para abranger
também sua visão e suas necessidades, num balao mais equilibrado
que es contido, afinal, na construção do conceito de desenvolvimento
sustenvel e em seus desdobramentos.
Desenvolvimento sustentável é hoje pano de fundo de um debate
nacional sobre retomada do crescimento econômico com política
ambiental clara, transversal e multifacetada, condição e base de
governabilidade. Ainda não o é, mas uma travessia evidente, em
experiências emblemáticas, como a do combate ao desmatamento na
Amazônia, que acabam funcionando como espaço de elaboração e
implementação de poticas, tanto no que diz respeito às suas virias,
quanto no que se refere ao mapeamento dos entraves e contradições.
O importante é a convergência de inúmeros atores para o objetivo de
criar processos e dar-lhes qualidade em avanços na cultura política e
institucional e nas práticas democráticas. Não importam apenas as
metas; também está em pauta o processo por meio do qual as
alcançaremos.
Este livro merece atenção também por isso: de certa forma,
expressa um ganho enorme de processo, pois alia pesquisa e todo
à sensibilidade do autor para as inúmeras vivências diretas que
experimentou como membro do Itamaraty, muitas das quais
compartilhamos. Nestas ocases, ficaram patentes sua disciplina, seu
preparo e, principalmente, sua habilidade pessoal de interagir de
maneira correta e equilibrada com a grande diversidade de segmentos
sociais e técnicos ali representados. André é um diplomata dotado da
essencial capacidade de olhar para o mundo sem perder o contato
com a pluralidade e a complexidade do Brasil, revelando na atuação
profissional um sentido de pertencimento e compromisso profundo com
o País. Seu trabalho é símbolo de talentos conectados com as atuais
necessidades do espaço público, tanto no plano nacional quanto no
global, preparados para responder à conseqüente demanda por
competências diferenciadas e permanentemente inovadoras.
Marina Silva
Junho, 2005
14
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
O grande interesse provocado no Brasil pela pula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável, que se realizou em agosto e
setembro de 2002, em Joanesburgo, não deixou dúvida quanto ao
espaço que os temas ligados à questão ambiental haviam conquistado
nos mais diversos setores da sociedade brasileira. Ao mesmo tempo
em que se confirmou a posão da queso ambiental entre os grandes
temas globais, tornou-se patente o grau de complexidade que o tema
adquiriu em poucas décadas. Inicialmente identificado como um debate
limitado pelas suas características cnicas e cienficas, a questão do
meio ambiente foi transferida para um contexto muito mais amplo, com
importantes ramificões nas áreas potica, econômica e social. Esta
evolução deve-se, em grande parte, à forma como foi tratado o tema
no âmbito multilateral, cujos três marcos principais foram as
Confencias de Estocolmo, do Rio de Janeiro e de Joanesburgo.
A Conferência de Estocolmo (Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente Humano, 1972) foi a primeira grande reunião
organizada pelas Nações Unidas a concentrar-se sobre questões de
meio ambiente. Sua convocação foi conseência da crescente atenção
internacional para a preservão da natureza,
e do descontentamento
de diversos setores da sociedade quanto às repercussões da poluição
sobre a qualidade de vida das populões. A ateão da opinião pública
e as pressões políticas verificavam-se principalmente nos países
industrializados, onde as comunidades científicas e um número crescente
de organizações não-governamentais conquistavam amplo espo para
18
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
a divulgação de suas denúncias e alertas. A Conferência introduziu alguns
dos conceitos e princípios que, ao longo dos anos, se tornariam a base
sobre a qual evoluiria a diplomacia na área do meio ambiente.
A Conferência do Rio (Confencia das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992) foi convocada dois anos
após a publicão do Relario Brundtland (elaborado pela Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida pela então
Primeira-Ministra da Noruega, Gro Brundtland), cuja ampla divulgão
permitiu que novos aspectos enriquecessem o debate em torno do
meio ambiente. O relario introduziu, igualmente, novos enfoques e
cunhou o conceito de desenvolvimento sustentável, objetivo que exige
equilíbrio entre “três pilares”: as dimensões econômica, social e
ambiental. A Conferência do Rio consagrou o conceito de
desenvolvimento sustentável,
e contribuiu para a mais ampla
conscientização de que os danos ao meio ambiente eram
majoritariamente de responsabilidade dos países desenvolvidos.
Reconheceu-se, ao mesmo tempo, a necessidade de os países em
desenvolvimento receberem apoio financeiro e tecnológico para
avançarem na direção do desenvolvimento sustentável. Naquele
momento, a posição dos países em desenvolvimento tornou-se mais
bem estruturada e o ambiente político internacional favoreceu a aceitação
pelos países desenvolvidos de princípios como o das responsabilidades
comuns, mas diferenciadas. A mudança de percepção com relação à
complexidade do tema deu-se de forma muito clara nas negociações
diplomáticas, apesar de seu impacto ter sido menor do ponto de vista
da opinião blica.
A Cúpula de Joanesburgo (Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável, 2002) foi convocada, por sua vez, com
vistas a estabelecer um plano de implementação que acelerasse e
fortalecesse a aplicação dos princípios aprovados no Rio de Janeiro.
A década que separa as duas conferências confirmou o diagnóstico
feito em 1992 e a dificuldade em se implementar suas recomendões.
INTRODUÇÃO
19
Joanesburgo demonstrou, também, a relação cada vez mais estreita
entre as agendas globais de corcio, financiamento e meio ambiente.
O fato de a Cúpula ter-se realizado meses após as Conferências de
Doha (IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do
Comércio) e Monterrey (Confencia Internacional das Nações Unidas
para o Financiamento do Desenvolvimento) facilitou essa percepção e
permitiu que as três confencias passassem a ser vistas como
importantes etapas para o fortalecimento da cooperação entre os
Estados.
O Brasil, tradicionalmente um dos países mais atuantes dentro
do sistema das Nações Unidas, ocupou posição de particular
importância nas discussões sobre meio ambiente desde o primeiro
momento. Ao mesmo tempo, a questão do meio ambiente transformou-
se em um dos temas que maior interesse levantam com relação ao
Brasil no mundo, principalmente nos pses desenvolvidos. Apesar das
diferentes condicionantes internas, regionais e internacionais que
marcaram os momentos em que se realizaram essas conferências
ambientais, as posições do Brasil asseguraram-lhe um papel de liderança
reconhecido, mesmo quando polêmico. O forte engajamento brasileiro
na grande maioria dos temas explica-se, seguramente, pela coexistência
no Ps de interesses muitas vezes contradirios que o direta ou
indiretamente afetados pela agenda internacional de meio ambiente,
tendo em vista o o tamanho de sua economia e de sua populão,
as suas dimensões continentais, as suas riquezas naturais, mas tamm
as desigualdades regionais e as injustas sociais.
Por conter grandes reservas de recursos naturais entre as
quais as maiores de água potável e por ser o maior repositório de
biodiversidade do planeta, o Brasil é alvo de constante atenção. O
foco da opinião blica internacional, ao concentrar-se na preservão
dos recursos naturais, chocou-se com a ênfase brasileira no
desenvolvimento industrial e agrícola. A partir de Estocolmo, consolidou-
se a percepção internacional de que o Brasil não parecia capaz de
20
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
preservar esse extraordirio patrimônio. Isto fortaleceu-se ainda mais
nos anos subseqüentes, agravando-se na segunda metade dos anos
oitenta em razão da repercussão da intensificação das queimadas na
Amazônia.
O processo de desenvolvimento do País nas últimas cadas,
por sua vez, permitiu avanços consideveis em áreas como a indústria,
a agricultura, e
a ciência e a tecnologia, mas não corrigiu, e às vezes
acentuou, as desigualdades internas: uma parte da população enfrenta
desafios para o desenvolvimento sustentável similares aos de países
desenvolvidos, tendo de alterar seus padrões insustentáveis de produção
e consumo; outra parte da população, por não ter acesso às mais básicas
necessidades econômicas e sociais, o pode levar em considerão a
dimensão ambiental do desenvolvimento.
O Brasil procurou, nas três conferências, dar ênfase às questões
que considerava cruciais para o seu desenvolvimento. As negociações
na área de meio ambiente passaram a ter conseqüências sobre as
negociações de comércio e financiamento, adquirindo particular
relevância para países como o Brasil, a China, a Índia e as demais
importantes economias em desenvolvimento, que viam ameas ao seu
crescimento econômico. A obtenção de recursos financeiros e a
transferência de tecnologias que favoreçam o desenvolvimento
sustentável principais objetivos dos países em desenvolvimento
tendem a se chocar com interesses ecomicos e políticos dos países
desenvolvidos. O temor de que a agenda ambiental crie novas barreiras
ao comércio, bem como as tentativas dos países desenvolvidos de
favorecer agendas seletivas de cooperação, têm acentuado as
divergências Norte-Sul.
O papel desempenhado pelo Brasil nessas conferências merece
ser amplamente discutido. Este papel evoluiu significativamente com a
participação crescente de outros órgãos governamentais, da
comunidade acadêmica, de organizações não-governamentais e de
diversos outros atores no debate que se criou no País em torno do
INTRODUÇÃO
21
desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, parece necessário
examinar a atuação oficial brasileira nas três conferências das Nões
Unidas que trataram da temática do meio ambiente, levando em
consideração a evolão da agenda ambiental e as mudanças poticas
e econômicas que se verificaram no Brasil no período entre Estocolmo
e Joanesburgo, e dando ênfase ao papel do Itamaraty na elaboração
do discurso brasileiro entendido como o conjunto de manifestações
e pronunciamentos que refletem as posições do País. Se examinado,
igualmente, de que maneira as posições brasileiras evoluíram, tanto
pelas mudaas internas do Ps, quanto em fuão do fortalecimento
de novos conceitos e princípios aceitos internacionalmente. Ao procurar
acentuar a importância da ampliação da agenda de meio ambiente, o
trabalho oferece estudo sumário das diferentes áreas nas quais se
verificou esta ampliação e alise das implicações e das oportunidades
oferecidas por tal ampliação, além da forma como isso se reflete no
discurso brasileiro.
O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro apresenta
uma análise das três conferências na qual se procura situar a evolão
do debate ambiental no contexto internacional e em função dos
interesses dos principais grupos negociadores. Uma breve descrição
dos processos preparatórios e do desenrolar das próprias conferências
permite apontar alguns dos momentos em que a atuação dos países
em desenvolvimento foi mais decisiva.
No segundo capítulo, examina-se a importância das três
conferências no contexto brasileiro. Uma breve análise do contexto
político nacional nos três momentos em que se realizaram as
conferências é seguida descrição do processo preparatório no País e
dos aspectos mais marcantes da atuação brasileira.
O terceiro capítulo contém a análise do discurso brasileiro
estruturada por temas. Foram selecionados alguns temas principais,
divididos entre aqueles que constam da agenda ambiental desde
Estocolmo entre os quais estão os princípios estabelecidos e
fortalecidos pelas três confencias e temas derivados que ganharam
importância no Rio e em Joanesburgo.
Tendo em vista que foram elaborados relarios das Delegões
brasileiras que apresentam estudo pormenorizado das três confencias,
o trabalho pretende reunir, por meio de breve análise destsas
conferências, as informações que permitam justificar a escolha dos
temas que serão tratados de maneira prioritária. Cabe esclarecer,
finalmente, que temas de grande relevância, como a relação entre
comércio e meio ambiente, que mereceriam estudos específicos por
sua complexidade e amplitude, serão analisados no contexto mais amplo
da evolão das posições brasileiras.
O Relatório da Delegação do Brasil à Conferência do Rio foi
publicado pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
em 1993, e o Relatório da Delegação do Brasil à Cúpula de
Joanesburgo, em 2005. O Relatório da Delegação à Conferência de
Estocolmo, no entanto, o foi publicado. Em função disso, o trabalho
traz, em apêndice, documentação de particular interesse relativa à
Conferência de Estocolmo: o catulo do Relario da Delegação que
descreve a negociação do Princípio 20 da Declaração referente à
notificação sobre riscos fora da jurisdição de um Estado, motivo de
embate entre as delegações do Brasil e da Argentina que marcou a
atuação brasileira em 1972. Os textos das Declarões de Estocolmo
e do Rio também constam dos apêndices, em função de seu estudo
comparativo no catulo 3.
22
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
CAPÍTULO I
RETROSPECTIVA HISTÓRICA
DE ESTOCOLMO A JOANESBURGO:
A EVOLUÇÃO DA AGENDA INTERNACIONAL DE MEIO AMBIENTE
A) A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano foi convocada para examinar as ões nos veis nacional e
internacional que poderiam limitar e, na medida do possível, eliminar
os obstáculos ao meio ambiente humano
1
e “provide a framework for
comprehensive consideration within the U.N. of the problems of the
human environment in order to focus the attention of governments and
public opinion on the importance and urgency of this question”.
2
(fornecer um quadro para a ampla consideração dentro das Nações
Unidas dos problemas do meio ambiente humano, de maneira a dirigir
a atenção dos governos e da opinião pública sobre a importância e a
urgência dessa questão). O Secretário-Geral da Conferência, o
canadense Maurice Strong, na cerimônia de abertura, declarou que
Estocolmo lançava “a new liberation movement to free men from the
threat of their thralldom to environmental perils of their own making”.
3
(um movimento de libertão, para livrar o homem da ameaça de sua
escravidão diante dos perigos que ele próprio criou para o meio
1
UNITED NATIONS, ECOSOC, doc. E/RES/1346 (XLV). 30 de julho de 1968. “Question
de la convocation d’une conférence internationale sur les problémes du milieu humain”.
2
UNITED NATIONS, A/RES/2398 (XXIII). 6 dezembro de 1968. “The problems of
human environment”.
3
STRONG, Maurice. Discurso na Cerimônia de Abertura da Conferência de Estocolmo,
UNEP website. Stockholm, 1972, Brief Summary of the General Debate.
26
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
ambiente). Não há dúvida de que a Conferência permitiu elevar o
patamar de discussão dos temas ambientais a um nível antes reservado
a temas com longa tradão diplomática.
A preparação e a realização da Conferência de Estocolmo
deram-se em momento hisrico marcado pelo forte questionamento
tanto do modelo ocidental de desenvolvimento quanto do modelo
socialista. Nos anos 60, assistiu-se nos EUA à intensa luta pelos direitos
civis, ao debate em torno da Guerra do Vietnã e à emergência de
novos padrões de comportamento, inclusive no que se refere aos direitos
do consumidor. Na Europa ocidental, o ano de 1968 simbolizou a
resisncia de uma nova gerão aos valores estabelecidos. No mesmo
ano, a União Soviética enterrou o sonho tcheco do “socialismo com
rosto humano” e estabeleceu uma nova doutrina que “no fundo [...]
pode o ser seo uma vero, um pouco mais rebarbativa, um pouco
mais tosca e um pouco menos refinada da doutrina de Monroe”.
4
Fora dos dois centros de poder, que constituíam os los por
excelência da Guerra Fria, os questionamentos concentravam-se na
busca de soluções para os graves problemas sociais e econômicos.
Em grande número de países em desenvolvimento, do Brasil à Espanha,
o temor à expansão do comunismo “justificavaregimes autoritários
que buscavam legitimar sua presença no poder com resultados
marcantes na área ecomica. Na África e na Ásia, ainda sob o impacto
da descolonização e apesar das tentativas do Movimento Não-
Alinhado de procurar caminhos que assegurassem maior autonomia
aos países em desenvolvimento, as novas idéias e os desafios
desenvolviam-se no contexto aparentemente incontornável da Guerra
Fria. Como diz o economista indiano Amartya Sen:
the United States and the West were ready to support
undemocratic governments if they were sufficiently
4
AMADO, Rodrigo. Araújo Castro. p. 302.
RETROSPECTIVA HISRICA
27
anticommunist, and the Soviet Union and China would support
governments inclined to be on their respective sides no matter
how antiegalitarian they might be in their domestic policies.
5
(os
EUA e o Ocidente estavam dispostos a apoiar governos não-
democráticos, se estes fossem suficientemente anti-comunistas,
e a União Soviética e a China apoiavam governos que adotassem
posições similares às suas, independentemente de adotarem
políticas internas anti igualitárias).
As preocupações ambientais na década de sessenta obtinham
eco somente em alguns setores da sociedade civil dos pses mais ricos
do Ocidente. “Embora exista desde o início da década [de sessenta]
sensibilidade de setores da opinião blica, principalmente nos Estados
Unidos, para problemas ecológicos [...], a ascensão dos ‘verdes’ como
movimento político esteve, em grande medida, ligada aos movimentos
de contestação de 1968.”
6
A maior atenção a questões de meio
ambiente nessas sociedades deu-se por diversos motivos, entre os quais
uma série de acidentes ecológicos de grandes proporções (como o
caso de intoxicação por mercúrio de pescadores e suas famílias em
Minamata, no Japão, entre os anos 50 e 70 que provocou revolta na
opinião blica com a ampla divulgação mundial das extraordinárias e
dramáticas fotos de W. Eugene Smith – ou os danos causados nas
costas inglesa e francesa pelo naufrágio do petroleiro Torrey Canyon,
em 1967) e denúncias de membros das comunidades científica e
acadêmica.
Entretanto, a foa do movimento ecológico, nos anos 60, vem,
sobretudo, do fato de as conseqüências negativas da industrializão,
como poluão, tráfego e barulho, terem passado a afetar a maior faixa
da população dos países ricos a classe média, cuja educação e cujo
5
SEN, Amartya. Development as Freedom. p. 183.
6
ALMINO, João. Naturezas Mortas: ecofilosofia das relações internacionais. p.
30.
28
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
grau de liberdade permitiam explorar alternativas políticas para
expressar sua insatisfação. A classe dia nas sociedades mais ricas,
após vinte anos de crescimento ininterrupto, durante os quais haviam
sido supridas as suas necessidades básicas nas áreas de saúde,
habitação, educação e alimentação, estava pronta a alterar suas
prioridades para abraçar novas idéias e comportamentos que alterassem
diretamente seu modo de vida.
A repercussão de obras como Silent Spring (1962), de Rachel
Carson, e This Endangered Planet (1971), de Richard Falk, ou de
ensaios e livros de Garrett Hardin, como The Tragedy of Commons
(1968) e Exploring New Ethics for Survival (1972), tiveram forte
impacto na opinião pública. As mudanças sugeridas pelos ambientalistas
mais radicais desde a alteração profunda nos padrões de produção
e consumo até a noção de no growth(crescimento zero) ganhavam
ampla divulgação pela imprensa, mas pareciam dificilmente aceitáveis
tanto do ponto de vista econômico quanto do político, principalmente
em curto prazo. Apesar de sua considerável influência, esses livros não
obtiveram o impacto político internacional de The Limits to Growth,
publicado sob os auspícios do Clube de Roma.
Os encontros do Clube de Roma foram concebidos, em 1968,
pelo industrial italiano Aurélio Peccei, e patrocinados por grandes
empresas como a FIAT e a Volkswagen. No início dos anos setenta,
os encontros reuniam cerca de setenta cientistas, acadêmicos,
economistas, industriais e membros de instituições blicas de países
desenvolvidos. O foro de discussão mostrou que a preocupação com
o meio ambiente não se limitava a uma parcela “alternativa” das
sociedades mais desenvolvidas, mas atingia, também, alguns decision
makers, conscientes das implicações políticas e econômicas de uma
mudança de paradigma. Sabia-se da próxima publicação de amplo
estudo patrocinado pelo Clube de Roma graças à circulação, ainda
em 1971, de documento que resumia os resultados do estudo sob o
tulo alentador de “The Club of Rome Project on the Predicament of
RETROSPECTIVA HISRICA
29
Mankind (O projeto do Clube de Roma sobre o apuro da
humanidade).
Publicado com o título de The Limits to Growth, poucos meses
antes da abertura da Conferência de Estocolmo (março de 72), este
documento apresentava perspectiva quase apocalíptica das
conseqüências do progresso nas bases em que se estava
desenvolvendo. O livro refletia a vio de que a sociedade moderna se
encaminhava para a autodestruição, visão cada vez mais explorada
naquele momento, que fez que diversos autores devolvessem
popularidade às teorias de Thomas Malthus de que a populão mundial
ultrapassaria a capacidade de produção de alimentos. The Limits to
Growth, segundo o economista Tom Tietenberg
7
,
é um importante
exemplo de “modelo pessimistado desenvolvimento em fuão dos
recursos naturais. O livro, escrito por diversos autores sob a
coordenação de D. H. Meadows, baseou-se nos resultados de modelo
desenvolvido pelo professor Jay Forrester, do MIT, graças a um
avançado computador (para a época), que simulava a evolução da
economia mundial. O resumo do livro publicado pelo Woodrow Wilson
Center assinala que:
[a]ssumptions were made, tested against existing knowledge,
revised if necessary, and implications for the future traced without
error by computer. While the model is imperfect and will be
constantly improved, the broad conclusions reached probably will
not be substantially altered. […] All peoples will be required to
prepare for a great transition the transition from growth to
equilibrium.
8
(cenários foram desenvolvidos, testados a partir dos
conhecimentos existentes, revisados, caso necessário, e
7
TIETENBERG, Tom. Environmental and Natural Resource Economics. p. 4.
8
WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS. The
Human Environment. A Selective, Annotated Bibliography of Reports and
Documents on International Environmental Problems. Volume 1, p. 90.
30
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
implicações para o futuro traçadas sem erro por computador. O
modelo pode ser imperfeito e será constantemente melhorado,
mas as conclusões gerais provavelmente o serão alteradas
substancialmente. [...] Todos os povos deverão preparar-se para
a grande transição, a transição do crescimento para o equilíbrio.).
As soluções apresentadas colocavam em queso diversos
aspectos da sociedade industrial moderna, mas pressupunham a
necessidade de ações drásticas nas áreas demográfica e de preservação
de recursos naturais, “problemasassociados aos países do Terceiro
Mundo. Estes, naturalmente, viam com temor o apoio do Clube de
Roma às idéias de alguns setores do movimento ecológico, que
interpretavam o desenvolvimento dos países pobres como uma ameaça
para o planeta. Para estes setores, os países desenvolvidos poluem,
mas, se os pobres se desenvolvem, a escala da destruição será muito
maior.
Outro livro que causou forte impacto logo antes da
Conferência foi Blueprint for Survival, publicado em janeiro de 1972,
pela revista inglesa The Ecologist. As propostas, hoje de difícil
aceitação, foram apoiadas à época por um importante número de
respeitáveis cientistas ingleses, e incluíam a limitação da população
mundial a 3,5 bilhões, a proibição da imigração e um duríssimo controle
do crescimento demográfico. A responsabilidade de manter a população
em nível recomendável ficaria a cargo de national population services:
There is no doubt that the long transitional stage that we and our
children must go through will impose a heavy burden on our moral
courage and will require great restraint. Legislation and the
operations of police forces and the courts will be necessary to
reinforce this restraint.
9
(não vida de que o longo estágio de
9
ROWLAND, Wade. The plot to save the world. Citado p. 23-24.
RETROSPECTIVA HISRICA
31
transição pelo qual nós e nossos filhos teremos de passar deverá
impor um grande peso sobre nossa coragem moral e exigirá grande
controle. A legislação, a atuação das forças policiais e dos tribunais
serão necessárias para fortalecer esse controle.).
Na vio de diversos países em desenvolvimento, no final dos
anos 60, a agenda ambiental – desenvolvida tão recentemente nas
sociedades mais ricas estava sendo transposta para o plano
internacional de maneira precipitada. A convocação da Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, pela Resolução
2398 da XXIII Sessão da Assembléia Geral, entretanto, tornava
inevitável que os países em desenvolvimento passassem a estudar
estratégias e posições que orientassem a inserção do tema nas
discussões internacionais de maneira a favorecer os seus principais
pleitos.
O ritmo acelerado desse processo de internacionalização da
questão do meio ambiente, pom, só fazia reproduzir a rapidez com a
qual havia evoluído a agenda ambiental doméstica dos principais países
desenvolvidos. O que havia começado com pequenas vitórias de grupos
organizados da sociedade civil com relão a problemas de poluição
na maioria dos casos, de dimensão meramente local (lixo, fumaça e
outros) transformou-se, gradualmente, em um tema de grande impacto
político e econômico, recebendo amplo apoio da opinião pública e
conquistando atenção no plano nacional. Em poucos anos,
principalmente nos EUA e em particular em alguns de seus Estados,
como a Califórnia, a legislação ambiental evoluiu de forma extraordinária,
tomando muitos setores ecomicos de forma desprevenida.
Desde o primeiro momento, amplas faixas do setor produtivo
indústria, agricultura e energia opuseram-se ao fortalecimento das
legislações ambientais, tanto nos países desenvolvidos, quanto naqueles
em desenvolvimento. O setor produtivo teve de enfrentar com rapidez
o desafio: em certos casos, incorporou valores pelos quais lutava o
32
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
movimento ambientalista. Em outros, encontrou maneiras de
enfraquecer ou contornar a legislação ambiental e a atenção da dia.
Alguns analistas interpretavam a maior ênfase para a preservação como
uma tática dos países mais ricos para que a atenção se centrasse nos
problemas dos países em desenvolvimento.
Nesse contexto, a Conferência de Estocolmo constituiu etapa
histórica para a evolução do tratamento das questões ligadas ao meio
ambiente no plano internacional e tamm no plano interno de grande
número de países. O tema, no entanto, ao ganhar crescente legitimidade
internacional, passou a ser discutido cada vez menos do ponto de vista
científico, e cada vez mais no contexto político e econômico. Como
consta no relatório da Delegão brasileira à Conferência de Estocolmo,
o meio ambiente corresponde a [...] uma problemática essencialmente
potica. [...] o que realmente importa saber é quem toma as decies,
a quem estas últimas devem beneficiar e a quem deve caber o ônus”.
10
As divisões no seio da comunidade científica, as imprecisões
estatísticas, os diferentes objetivos políticos e os grandes interesses
econômicos haviam permitido que o tema ambiental sofresse fortes
manipulações no final dos anos sessenta. A tentativa de encontrar
responsáveis pelos problemas ambientais tornou-se cada vez mais
complexa, na medida em que se passou da dimensão local na qual
o apontados os culpados de maneira razoavelmente objetiva para
as dimensões regional e nacional, até chegar, finalmente, às questões
globais que se fundiam aos contextos estabelecidos pelos confrontos
Leste-
Oeste e Norte-Sul.
A Confencia de Estocolmo contribuiu significativamente para
que o meio ambiente conquistasse a atenção da comunidade
internacional, como desejavam os mais fervorosos ambientalistas.
Segundo o jornalista Wade Rowland, que publicou em 1973 um registro
pormenorizado da Conferência, the fight to preserve the global
10
MINISTÉRIO DO INTERIOR. Relatório da Delegação Brasileira à Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. p. 6.
RETROSPECTIVA HISRICA
33
environment required international action, and only the U.N. was
equipped to encourage and co-ordinate that action”.
11
(a luta para
preservar o meio ambiente global exigia ão internacional, e somente
as Nações Unidas estavam preparadas para encorajar e coordenar
essa ão.). De maneira geral, no entanto, a importância do tratamento
diplomático do tema do meio ambiente, e os resultados obtidos gras
às negociações internacionais, não são percebidos pelo grande público,
pela imprensa e, muitas vezes, sequer por autores de influentes livros
sobre a matéria. O processo negociador é visto muito mais sob um
ângulo pessimista como um triturador de idéias progressistas do
que de maneira positiva, como um mecanismo de introdução e
fortalecimento de algumas idéias progressistas, de maneira imperfeita,
mas consideravelmente democtica.
P
RINCIPAIS TEMAS DA CONFERÊNCIA E DAS REUNIÕES PREPARATÓRIAS
A XXIII Assembia Geral das Nões Unidas endossou, pela
Resolução 2398, a proposta de uma Confencia das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente Humano, transmitida pela Resolução 1346 (XLV)
do Conselho Econômico e Social (ECOSOC). Esta havia sido redigida
com base em proposta sueca apresentada, no ano anterior, na XLIV
Sessão do ECOSOC.
Pela Resolução 2581 da XXIV Sessão da Assembléia Geral,
foram acolhidos os termos da Resolão 1448 (XLVI) do ECOSOC,
que transcrevia os resultados de grupo ad hoc (Doc. E/4667) com
sugestões para a preparação e a organização da Conferência. Na
Resolução constava, igualmente, a aceitação do oferecimento do
Governo sueco para que a Conferência se realizasse em Estocolmo,
e
o estabelecimento de um Comitê Preparatório integrado por 27
representantes nomeados pelos Governos dos seguintes países:
11
ROWLAND, Wade. op cit, p. 135.
34
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Argentina, Brasil, Canadá, Chipre, Cingapura, Costa Rica, EUA, França,
Gana, Guiné, Índia, Irã, Itália, Iugoslávia, Jamaica, Japão, Ilhas Maurício,
México, Nigéria, Países Baixos, Reino Unido, Reblica Árabe Unida,
Suécia, Tchecoslováquia, Togo, União Soviética e Zâmbia.
A Primeira Seso do Comitê realizou-se em março de 1970,
em Nova York, e centrou-se na definão da estrutura organizacional,
no conteúdo do programa e na seleção dos tópicos da Conferência e
estabeleceu recomendações. era vivel, porém, a insatisfação dos
pses em desenvolvimento com relação ao caminho que estava sendo
trado para Estocolmo. Quando surgiu a proposta de uma conferência
sobre meio ambiente, lembra Rowland
Opinion among the developing nations ranged from an assumption
that problems relating to the environment were a concern for the
highly-developed nations alone […] to a belief that the developed
nations were using environmental doomsday predictions as a racist
device to keep the non-white third world at a relatively low level of
development. Environmental concerns were a neat excuse for the
industrialized nations to pull the ladder up behind them.
12
(As opiniões
entre os países em desenvolvimento variavam da premissa de que
os problemas relacionados ao meio ambiente eram preocupação
apenas para as nações altamente desenvolvidas [...] até a certeza
de que os países desenvolvidos estavam usando previsões
catastróficas como instrumento racista, para manter o terceiro
mundo não-branco em nível relativamente baixo de
desenvolvimento. As preocupações com o meio ambiente seriam
ótima desculpa para as nações industrializadas puxarem o tapete.).
Durante a XXV Assembléia Geral, dois meses antes da Segunda
Seso do Comitê, realizou-se reunião informal das delegações com o
12
Ibid, p. 47.
RETROSPECTIVA HISRICA
35
recém-designado Secretário-Geral da Conferência de Estocolmo,
Maurice Strong, para examinar sugestões de alteração na agenda da
Segunda Sessão do Comi, que acentuassem a importância da relão
entre desenvolvimento e meio ambiente. Segundo Enrique Iglesias,
Strong sentiu desde o início que a resistência dos países em
desenvolvimento podia comprometer a Conferência e procurou
demonstrar que o meio ambiente o seria para eles uma armadilha.
13
Iglesias, um seguidor do influente economista argentino Raoul Prebisch
14
que seria mais tarde Secretário-Executivo da Comiso Econômica
para a América Latina (CEPAL), Ministro das Relações Exteriores do
Uruguai, e que é atualmente Presidente do Banco Interamericano de
Desenvolvimento –, foi chamado em 1971 por Strong para fazer parte
de um grupo de assessores, entre os quais estava também James
Wolfensohn, atual Presidente do Banco Mundial.
A Resolão 2657 da XXV Assembia Geral foi um primeiro
passo significativo na nova direção que tomaria o processo preparatório
da Conferência, ao dar particular importância às preocupações dos
países do Terceiro Mundo:
“[...] environmental policies should be considered in the context
of economic and social developments, taking into account the
special needs of the developing countries”. (as políticas ambientais
devem ser consideradas no contexto do desenvolvimento
econômico e social, levando em consideração as necessidades
especiais dos países em desenvolvimento.).
Maurice Strong não escondia que sua sensibilidade com relação
às preocupações dos países em desenvolvimento se devia, em parte, a
suas origens modestas e, também, a sua experiência de quase dois
13
Entrevista ao autor, Washington, outubro de 2003.
14
STRONG, Maurice. Where on Earth are We Going?. p. 125.
36
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
anos de vida na África, principalmente no Quênia, entre os 22 e 25
anos de idade. Em entrevista à revista New Yorker, Strong comentou
que “because of my experience, I feel that the elimination of basic
poverty should be the mans top priority. The existence of mass poverty
is totally incompatible with the concept of human dignity.
15
(por causa
de minha experiência, sinto que a eliminão da pobreza deveria ser a
prioridade xima do homem. A existência de bolsões de pobreza é
totalmente incompavel com o conceito de dignidade humana). Strong
dirigia a entidade canadense de cooperação internacional (Canadian
International Development Agency), quando foi convidado pelo
Secretário-Geral das Nações Unidas, U Thant, e pelo Primeiro-
Ministro sueco, Olof Palme, para planejar a Conferência de Estocolmo.
Strong tinha trabalhado durante anos na área de petróleo na qual
havia feito fortuna –, mas abandonara, em 1962, a carreira de
empresário:
“it was my long–standing concern with the destructiveness of
poverty that got me into foreign-aid work […]. I felt I could
make an impact there”.
16
(foi minha preocupação de anos com
as conseqüências destrutivas da pobreza que me levou a trabalhar
na área de cooperação internacional [...]. Senti que podia ter um
impacto positivo nesta área.).
Para obter maior apoio dos países em desenvolvimento com
relação à Conferência, Strong realizou inúmeras viagens para encontrar-
se pessoalmente com líderes do mundo em desenvolvimento e
esclarecer qual direção, como Secretário-Geral, ele pretendia dar à
Conferência de Estocolmo. Mas o fator determinante para obter o
apoio da maioria dos países em desenvolvimento foi a sua decisão de
15
ROWLAND, Wade, op cit, citado p. 36.
16
Ibid, citado p. 36.
RETROSPECTIVA HISRICA
37
convocar o Grupo de Peritos sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente,
que se reuniria em Founex, na Suíça, em junho de 1971.
Essa decisão foi tomada na Segunda Seso do Comi
Preparatório, que se realizou em Genebra, em fevereiro de 1971, na
qual se avançou consideravelmente nos preparativos de Estocolmo: foi
elaborada uma agenda provisória da Conferência, discutiu-se a forma e
o conteúdo da Declarão sobre o Meio Ambiente Humano e decidiu-
se pela realização, além da reunião de peritos mencionada, de um
simpósio do UNITAR (United Nations Institute for Training and Research)
sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente e de uma série de seminários
a serem organizados pelos Comitês Regionais das Nações Unidas,
naquele ano de 1971: em maio, em Praga; em agosto, em Bancoc e
Addis Abeba; e, em setembro, na Cidade do México e em Beirute.
Founex foi determinante para a definição do foco que teria a
Confencia. Iglesias acredita que, no início do processo preparatório,
Estocolmo, em suas palavras, o tinha librettoe que Founex trouxe
um. Esse libretto, pode-se afirmar hoje, mudou o rumo das negociações
de meio ambiente de um modo geral, ampliando de forma significativa
a relevância do debate ambiental para os países em desenvolvimento,
portanto, a inseão mais letima do tema na agenda internacional. O
próprio Strong
17
confirma, em texto publicado em 2003, que a reunião
“produced a seminal document articulating the essential relationships
between environment and development that provided the policy and
intellectual underpinnings for the Stockholm Conference”. (produziu
um documento seminal que articulava as relações essenciais entre meio
ambiente e desenvolvimento, e que forneceu o suporte intelectual e a
base para políticas com vistas à Conferência de Estocolmo.).
A reunião de Founex realizou-se de 4 a 12 de junho de 1971.
Havia 27 peritos, entre os quais o Embaixador Miguel Ozório de
17
STRONG, Maurice. “Stockholm Plus 30, Rio Plus 10: Creating a New Paradigm of
Global Governance”. In: SPETH, James Gustave (Ed.). Worlds Apart: Globalization
and the Environment. p. 35.
38
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Almeida, único diplomata entre todos os participantes. Foram
apresentados à Reunião nove working papers, entre os quais um de
autoria de Miguel Ozório (Economic Development and the
Preservation of the Environment”), outro de Enrique Iglesias
(Development and the Human Environment) e, também, um de Ignacy
Sachs (Environmental Quality Management and Development Planning:
some suggestions for action”), cuja crescente dedicação ao tema de
meio ambiente e desenvolvimento ele é hoje um dos promotores do
chamado “eco-desenvolvimento” levaria Strong a cha-lo
novamente para assessorá-lo na Rio-92. Tiveram particular impacto
em Founex o trabalho e as intervenções do economista paquistanês
Mahbub ul Haq, International Aspects of Environmental Concern”.
18
A presença de Iglesias e Miguel Ozório asseguraria que o
documento final refletisse a linha de pensamento da CEPAL, instituição
na qual ambos tiveram papel importante. Poucas vezes terei visto alguém
empenhar-se na defesa de uma causa com tal ardor e poder de
convencimento”, escreve Celso Furtado sobre Miguel Ozório em “A
Fantasia Organizada”.
19
Furtado referia-se à Conferência do México,
em maio de 1951, ocasião em que o então Secretário Miguel Ozório,
membro da Delegação brasileira, simplesmente salvou a CEPAL, afirma
Iglesias. O Embaixador brasileiro mostraria, no processo preparario e
durante a Confencia, o mesmo empenho que marcou Celso Furtado.
Segundo o Relatório de Founex, intitulado Report on
Development and Environment”, enquanto a degradação do meio
ambiente nos países ricos derivava principalmente do modelo de
desenvolvimento, os problemas do meio ambiente dos países em
desenvolvimento eram conseqüência do subdesenvolvimento e da
pobreza. O Relatório propunha princípios e ações que se tornaram
argumentos clássicos nas negociações de meio ambiente, como as
18
Entrevista de Enrique Iglesias ao autor, Washington, outubro de 2003, e STRONG,
Maurice, Where on Earth are we going?, p. 125.
19
FURTADO, Celso. A fantasia organizada. p. 113.
RETROSPECTIVA HISRICA
39
referências aos “major threats that may arise to the exports of the
developing countries from the environmental concerns of developed
countries” (principais ameaças que podem surgir para as exportões
de países em desenvolvimento em conseqüência das preocupações
ambientais dos pses desenvolvidos), ou a necessidade de “monitor
the rise of non-tariff barriers on grounds of environmental concerns
20
(monitorar a criação de barreiras não-tarifárias baseadas em
preocupações ambientais) e de que
additional aid funds will be required to subsidise research on
environmental problems for developing countries, to compensate
for major dislocations in the exports of the developing countries, to
cover major increase in the cost of development project owing to
higher environmental standards, and to finance restructuring of
investment, production or export patterns necessitated by the
environmental concerns of the developed countries.
21
(serão
necessários fundos adicionais para subsidiar pesquisas sobre
problemas ambientais de países em desenvolvimento, para
compensar grandes deslocamentos de exportações de países em
desenvolvimento, para cobrir importantes aumentos no custo de
desenvolvimento de projetos devido a padrões ambientais mais
elevados e para financiar a reestruturação do investimento, da
prodão ou do perfil das exportações, que se tornariam necessários
pelas preocupações ambientais dos países desenvolvidos).
Na alise das vantagens que a agenda ambiental poderia trazer
aos países em desenvolvimento, no entanto, algumas propostas do
Relario surpreendem:
20
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Conferência das Nações Unidas
Sobre o Meio Ambiente: o Brasil e a preparação da Conferência de Estocolmo.
United Nations Conference on the Human Environment. Development and Environment
(Founex Report). p. 33.
21
Ibid, p. 34.
40
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
In some fields, environment issues open up new possibilities for
developing countries. The structural changes in production and
trade, as well as the geographical relocation of productive
enterprises which might be necessitated by environmental
considerations, should provide new opportunities for meeting
some of the developmental needs of the developing nations.
[…] In some cases, developing countries might have a possibility
of increasing the inflow of foreign capital and of creating new
industries.
22
(Em algumas áreas, questões ambientais abrem
novas possibilidades para países em desenvolvimento. As
mudanças estruturais na produção e no comércio, e a realocação
geográfica de empresas produtivas como conseqüência de
considerações ambientais, devem fornecer novas oportunidades
para suprir algumas das necessidades de desenvolvimento dos
países em desenvolvimento [...]. Em alguns casos, os países
em desenvolvimento poderão ter a possibilidade de aumentar a
entrada de capital estrangeiro e de criar novas indústrias.).
A partir do Relatório de Founex, o processo preparatório da
Conferência deixaria claro que os países em desenvolvimento haviam
conseguido ser ouvidos. Ao endos-lo com entusiasmo, Strong
conseguira, com habilidade, afastar o que, segundo Henrique Brandão
Cavalcanti, membro da Delegação brasileira à Conferência de
Estocolmo, era o seu maior temor: que a Conferência fosse um
fracasso antes mesmo de começar.
23
O então Primeiro-Secretário
Bernardo de Azevedo Brito que se tornaria um dos mais ativos
diplomatas brasileiros nos foros ambientais, um mês após Founex,
declarava em discurso: Although we cannot be certain that the
Conference will be a success, it is now possible to say that it can be
22
Ibid, p. 4.
23
Entrevista ao autor, Brasília, setembro de 2003.
RETROSPECTIVA HISRICA
41
a success.
24
(Apesar de não podermos estar certos de que a
Conferência será um sucesso, é possível agora dizer que poderá vir
a ser um sucesso.). Nos meses seguintes, com a realização dos
seminários regionais de Bancoc, Addis Abeba e Cidade do México,
e com a realizão da II Reunião Ministerial do Grupo dos 77, a
posição dos países em desenvolvimento se consolidaria em torno do
Relatório de Founex,
e seria contornada a possibilidade de levantar-
se a falta de legitimidade dos trabalhos do Comitê Preparatório, que,
afinal, agrupava 27 dos 130 países que se esperava reunir em
Estocolmo.
Na Terceira Sessão do Comitê Preparatório, que se realizou
em Nova York em setembro de 1971, foi examinado o Relatório do
Secretário-Geral sobre o andamento dos trabalhos, e discutiu-se a
elaboração do Relatório sobre o Estado do Meio Ambiente, cujos
coordenadores seriam Barbara Ward e René Dubos, que viria a ser
publicado, por ocasião da Conferência, sob o tulo “Only one Earth”
(“Somente uma Terra”), moto oficial da Conferência. Este estudo,
realizado por especialistas alguns dos quais particularmente
identificados com o movimento ambientalista nos países desenvolvidos
e sem a participão de governos, preocupava os países em
desenvolvimento, por ser um possível contraponto ao Relatório de
Founex, como acabou ocorrendo nos países ricos, porque foi muito
mais divulgado. Os debates na Segunda Comissão na qual são
discutidos até hoje os temas ambientais no contexto da Assembléia
Geral das Nações Unidas o lembrados pelo brilho e pela viruncia
do embate entre o Embaixador Miguel Ozório e o Representante
Permanente dos Estados Unidos na ONU, Daniel Patrick Moynihan
que seria, mais tarde, um dos mais influentes senadores do Partido
Democrata e cujo teor é discutido no catulo seguinte.
24
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Conferência das Nações Unidas
Sobre o Meio Ambiente: o Brasil e preparação da Conferência de Estocolmo. LI
Sessão do ECOSOC, Intervenção do Brasil, julho de 71. p. 2.
42
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Durante a XXVI Sessão da Assembléia Geral, foi aprovada a
Resolução 2849 sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, que, ao
incorporar importantes elementos de interesse dos países em
desenvolvimento, de certa maneira formalizou o esrito do Relatório
de Founex em um texto oficial que orientava os trabalhos de Estocolmo.
O texto inclui, igualmente, “in the context of measures designed to
improve environmental conditions on a world-wide basis
25
(no contexto
das medidas que visam à melhoria das condições ambientais do mundo
inteiro), um apelo ao fim de todos os testes nucleares e à proibição da
prodão e uso de armas nucleares, químicas e biogicas.
Ao ler o texto final da Resolução, que contém muito mais
recomendações que se referem aos direitos dos países em
desenvolvimento e às ameaças a seu desenvolvimento que as questões
de meio ambiente poderiam acarretar –, entende-se a decepção com o
rumo que a Conferência havia tomado de parte dos países desenvolvidos,
mais interessados em avançar com uma agenda essencialmente
ambientalista. Restava a estes países, cujas teses haviam sido
desestabilizadas no seio das Nações Unidas durante o processo
preparatório, a possibilidade de utilizar outros instrumentos como a
dia, relatórios científicos “independentes” e organizações não-
governamentais para transmitir à opinião pública de seus países a
perceão de que a agenda essencialmente ambientalista continuaria a
dominar os debates e as deliberões da Conferência. Terminada a IV
Sessão do Comitê Preparatório, no entanto, segundo Wade Rowland,
in its largely successful attempt to make itself relevant to the developing
countries it [the Stockholm Conference] had decreased its direct relevance
to the developed world”.
26
(na sua amplamente bem-sucedida tentativa
de tornar-se relevante para os países em desenvolvimento, a Conferência
de Estocolmo reduziu a relevância para os países desenvolvidos).
25
UNITED NATIONS, doc. A/RES/2849 (XXVI), 17 de janeiro de 1972, “Development
and Environment”.
26
ROWLAND, Wade, op cit, p. 79.
RETROSPECTIVA HISRICA
43
A cerimônia de abertura da Conferência, no dia 4 de junho, foi
marcada pela presea da China e a auncia da União Soviética. Era
o primeiro grande evento internacional do qual participava a República
Popular da China como membro das Nações Unidas. União Soviética,
Bulgária, Hungria, Polônia e Tchecoslováquia, que haviam participado
ativamente do processo preparatório, não se fizeram representar, em
protesto pela decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em
dezembro de 1971, de limitar a participão em Estocolmo aos países
membros da ONU, ou membros de uma ou mais de suas Agências
Especializadas. Com isso, a República Federal da Alemanha, membro
da Organização das Nações Unido
as para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), podia
participar, mas não a República Democtica Alemã.
Os dois documentos que deveriam emanar da Conferência a
Declarão sobre o Meio Ambiente Humano, e o Plano de ão para
o Meio Ambiente Humano haviam sido amplamente discutidos durante
o processo preparatório. Todavia, novas discussões e emendas eram
previsíveis, uma vez que, dos 115 países presentes à Conferência,
somente 27, como mencionado anteriormente, haviam participado do
Comitê Preparatório. A discussão do Plano de Ação foi dividida em
seis temas distribuídos entre três comissões Primeira Comissão:
planejamento e administrão de assentamentos humanos com vistas à
qualidade ambiental (tema 1) e aspectos educacionais de informão,
sociais e culturais dos assuntos do meio ambiente (tema 4); Segunda
Comissão: administração de recursos naturais (tema 2) e
desenvolvimento e meio ambiente (tema 5); e Terceira Comissão,
presidida pelo Embaixador brasileiro Carlos Calero Rodrigues:
identificação e controle dos poluentes de amplo significado internacional
(tema 3) e conseqüências institucionais no plano internacional (tema 6).
O Presidente da Conferência, Ingemund Bengtsson, Ministro
da Agricultura e Chefe da Delegação da Suécia, tomou a decisão de
que as Comises passariam imediatamente a considerar as propostas
44
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
de recomendão para ação internacional, sem qualquer debate geral,
e que as recomendações para ação nacional fossem diretamente
encaminhadas pelo plerio à atenção dos governos, para sua
consideração e para a ação que julgassem apropriada.
“Como conseqüência dessa proposta”, registra o Relatório da
Delegação brasileira, “eliminava-se a possibilidade da discussão
dos documentos laboriosamente preparados pelo Secretariado-
Geral da Conferência […]. Se a decisão salvava a Conferência
de um de seus maiores riscos, o de tentar discutir uma impossível
massa de material em apenas dez dias, fazia-o à custa de outro
risco, certamente menos perigoso, qual fosse, ao retirar as
propostas de ação internacional de seu contexto técnico
explicativo [], deixá-las pairando em espaço puramente
político”.
27
Os debates durante a Conferência muito menos focados do
que no Comitê Preparatório permitiram a inclusão de todas as questões
mais importantes da potica internacional naquele momento. rias
delegações mencionaram, no contexto da problemática ambiental, as
queses de descolonização (principalmente com relação às conias
portuguesas), apartheid, guerra do Vietnã, armas nucleares, aviões
supersônicos (o Concorde foi assunto amplamente debatido), territórios
ocupados etc. Outras delegões “argued that such matters, although
of substantial importance, should be discussed in other organs of the
U.N. and were not appropriate to the Conference”.
28
Na medida em que avançava a Conferência, ganhavam espaço
os temas previsivelmente mais polêmicos, com dose redobrada de
preocupação dos países em desenvolvimento pela recente publicação
27
MINISTÉRIO DO INTERIOR, op cit, p. 22, 23.
28
UNEP. Summary of the General Debate, UNEP website.
RETROSPECTIVA HISRICA
45
de The Limits to Growth e Blueprint for Survival. Strong,
consciente do mal que o recrudescimento das teses ligadas ao Clube
de Roma podia causar, havia expressado muito claramente, em seu
primeiro pronunciamento, que o conceito de “no growthera
inaceivel. A ligação conceitual entre desenvolvimento e meio
ambiente foi obtida no processo preparatório e se tornaria
incontestável durante a Conferência, e verificar-se-ia mais tarde
marcaria de forma definitiva o tratamento multilateral do meio
ambiente. Entretanto,
havia ainda diversas áreas em que permaneciam
divergências entre Norte e Sul. Nas questões de crescimento
demográfico e de soberania, os países em desenvolvimento
conseguiram conter as tentativas de inclusão da maioria dos conceitos
que lhes pareciam prejudiciais. Nas áreas de financiamento e
cooperação, os desenvolvidos também o conseguiram.
Alguns representantes de países ricos demonstraram, no
entanto, que existia espaço para uma perspectiva mais otimista ou até
para a autocrítica. Robert McNamara, ex-Secretário de Defesa dos
EUA nas presidências Kennedy e Johnson e, naquele momento,
Presidente do Banco Mundial, causou grande indignação entre os
ambientalistas ao declarar que:
there is no evidence that the economic growth which the
developing countries so desperately require will necessarily involve
an unacceptable burden on either their own or anybody else’s
environment. (não evidências de que o crescimento econômico
do qual os países em desenvolvimento precisam
desesperadamente vai necessariamente provocar um fardo
inaceitável para o meio ambiente destes países ou de outros).
Em uma meão ao que mais tarde se convencionaria chamar
de padrões insustentáveis de produção e consumo nos pses
desenvolvidos”, McNamara afirmou que:
46
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
the achievement of a level of life in accord with fundamental human
dignity for the world’s two and three quarter billion people is simply
not possible without the continued economic growth of the
developing nations, and the developed nations as well. But economic
growth on the pattern of the past and most particularly that in the
already highly-industrialized wealthy nations poses an undeniable
threat to the environment and to the health of man.
29
(atingir um
padrão de vida de acordo com a dignidade humana fundamental
para uma população de 2,75 bilhões é simplesmente impossível
sem o continuado desenvolvimento econômico tanto de nações
em desenvolvimento quanto das desenvolvidas. Mas o crescimento
econômico nos padrões do passado e particularmente aquele
das nações ricas altamente industrializadas representa uma
ameaça inegável ao meio ambiente e à saúde humana.)
Essa questão também foi abordada pelo holandês Sicco
Manshold, Presidente da Comunidade Européia:
30
Can we in the West […] continue to pursue economic growth on
the present pattern? […] If we are to be sincere in our promise
to close the gap between the rich and poor nations we must be
ready to accept the consequences for our own rate of growth
and its direction. […] Are our present social structures and
production methods defensible? And what about the problem of
the struggle to safeguard the environment? Are we ready we
in the rich countries to face the consequences? Or will we
rather hide behind the struggle to cure the symptoms in order to
avoid answering the question?
31
(Podemos s, no Ocidente, [...]
29
ROWLAND, Wade, op cit, citado p. 67.
30
Mansholt foi Ministro da Agricultura dos Países Baixos e um dos idealizadores da
Política Agrícola Comum da Comunidade Européia.
31
ROWLAND, Wade, op cit, citado p. 75.
RETROSPECTIVA HISRICA
47
continuar a perseguir o crescimento econômico nos padrões atuais?
[...] Se formos sinceros na nossa promessa de fechar o fosso entre
as nações pobres e ricas, devemos estar prontos para aceitar as
conseqüências para nosso ritmo de crescimento e a sua direção.
[...] Nossas estruturas sociais e nossos métodos de produção são
defensáveis? E o problema da luta pela proteção do meio ambiente?
Estamos prontos nós, nos países ricos para enfrentar as
conseqüências? Ou vamos esconder-nos atrás da luta pela cura
dos sintomas, de maneira a evitar responder às perguntas?).
Ao encerrar-se a Confencia, foram aprovados a Declarão
da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano,
com 26 prinpios, e o Plano de Ação para o Meio Ambiente Humano,
com 109 recomendações. O único ponto de toda a negociação que foi
encaminhado à consideração da XXVII Assembia Geral referiase à
redação do Princípio 20 da Declaração, para o qual se verificou impasse
entre a proposta defendida principalmente pelo Brasil e, outra, defendida
pela Argentina. A China procurou, também, encaminhar à Assembléia
Geral o Princípio 21, cuja referência a armas nucleares lhe parecia
excessivamente branda. A China acabou cedendo e fez declaração
sobre suas objeções ao texto.
A questão, que dividiu o Brasil e a Argentina de forma
particularmente blica em Estocolmo e se analisada no próximo
capítulo , acabou por transmitir à comunidade internacional a percepção
de grave rivalidade entre os dois países, apesar de Brasil e Argentina
terem conseguido apresentar proposta conjunta de texto alternativo, que
foi aprovada em plenário durante a XXVII Assembléia Geral.
Principais conquistas e críticas à Conferência
As Nações Unidas, para muitos observadores, teriam saído
fortalecidas de Estocolmo, não só porque o sucesso do modelo de
48
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Conferência acabou gerando uma rie de outras importantes
Confencias nos anos seguintes como a de População, em Bucareste
(1974); a de Mulheres, no México (1975); e a Habitat, em Vancouver
(1976) –, mas também porque, de certa maneira, o meio ambiente
dava uma nova raison d’être
32
a uma organização acusada de não
acompanhar as pidas mudanças do mundo moderno. A maioria dos
autores considera que as principais conquistas da Conferência de
Estocolmo – independentemente dos êxitos ou derrotas de países
específicos ou de grupos negociadores teriam sido as seguintes: a
entrada definitiva do tema ambiental na agenda multilateral e a
determinação das prioridades das futuras negociações sobre meio
ambiente; a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente PNUMA (UNEP, pelas iniciais em inglês); o estímulo à
criação de órgãos nacionais dedicados à questão de meio ambiente
em dezenas de países que ainda não os tinham; o fortalecimento das
organizações não-governamentais e a maior participação da sociedade
civil nas questões ambientais.
A entrada definitiva do temário ambiental na agenda multilateral
deu-se principalmente pela noção dos principais atores de que seria
necessário estar plenamente preparados para enfrentar as ameaças
que o tema avançaria e, eventualmente, para aproveitar as
oportunidades. A Declarão e o Plano de Ação de Estocolmo criaram
a base sobre a qual se iniciaria um processo de negociações que
atingiriam tal importância e tamanho grau de complexidade que, à época,
nenhum governo podia imaginar.
A criação do PNUMA foi determinante para que se mantivesse
um ritmo mínimo de progresso nos debates sobre meio ambiente no
âmbito das Nações Unidas nos anos seguintes. Como diz James Gustave
Speth, ex-Administrador do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), no entanto, o PNUMA é uma “peanut-
32 Ibid, p. 135
RETROSPECTIVA HISRICA
49
sized UN agency tucked away in Nairobi”,
33
(microscópica agência
das Nações Unidas, perdida em Nairobi), cuja dicil fuão, desde a
sua criação, é a de estimular e coordenar os trabalhos de agências
maiores e mais poderosas. Para alguns analistas, o êxito do PNUMA
em várias atividades poderia ser atribuído, em grande parte, à forte
personalidade e tenacidade de seus dois primeiros Diretores-Executivos:
Maurice Strong e Mostafa Tolba.
A necessidade de acompanhamento das questões ambientais
pelos próprios países e a perspectiva de canalização de recursos para
estudos e projetos ligados a problemas ambientais levaram grande
número de países a criar instituições adequadas e a estabelecer, ou
aperfeoar, programas nacionais de defesa do meio ambiente. No caso
brasileiro, logo após a Conferência, foi criada a Secretaria Especial de
Meio Ambiente, a SEMA, no âmbito do Ministério do Interior.
34
As organizações não-governamentais em Estocolmo “haviam
procurado obter informações, oferecer assisncia e transmitir pontos
de vista, sem, todavia, demonstrar a persisncia e a influência que, 20
anos mais tarde, lhes permitiria alcançar melhores resultados na
Conferência do Rio”, diz Ricardo Neiva Tavares.
35
O PNUMA, no
entanto “convidou as ONGs com interesse na área ambiental a apoiar
as Nões Unidas ‘with a view to achieving the largest possible degree
of co-operation and coordination..
36
(com vistas a obter o mais amplo
grau de cooperação e coordenação possível). Em Estocolmo, ficou
clara a diferença entre ONGs naturalistas ou conservacionistas, mais
tradicionais, e as ONGs ambientalistas militantes, que colocavam em
33
SPETH, James Gustave. “The Global Environmental Agenda: Origins and Prospects”,
Yale School of Forestry & Environmental Studies website.Yale University, 2002. p. 11.
34
GUIMARÃES, Roberto Pereira. Ecopolitics in the Third World: an institutional
analysis of environmental management in Brazil: contém ampla discussão sobre a
criação da SEMA. p. 314 - 334.
35
TAVARES, Ricardo Neiva. As Organizações Não-Governamentais nas Nações
Unidas. p. 97.
36
Ibid, Resolução 2997 (XVII), citada p. 97.
50
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
questão o desenvolvimento baseado na industrialização e que
passaram a ter papel muito mais destacado na evolução do debate
ambiental.
37
Estocolmo teve, segundo Roberto Guimarães, “a galvanizing
effect within national societies
38
(um efeito galvanizador dentro das
sociedades nacionais), que esse novo tipo de ONG soube explorar de
forma extraordinária, mantendo atualizados o interesse e o engajamento
de certos setores da população em um número de países cada vez
maior. Todas as ONGs de países em desenvolvimento presentes à
Conferência, no entanto, “could hardly fill a conference table”.
39.
(dificilmente podiam preencher uma mesa de reuniões). No Brasil, por
exemplo, como lembra Henrique Brandão Cavalcanti, existiam
naquele momento as ONGs mais tradicionais, que contavam com vários
membros na Delegação, como ele próprio.
40
As críticas à Conferência por parte dos ambientalistas mais
radicais concentram-se no fato de o processo preparatório ter desviado
o foco original da Conferência para a sua inclusão no debate mais
amplo do desenvolvimento. Para a maioria dos governos de países em
desenvolvimento, esta era a condição sine qua non para a própria
realização da Conferência. Ao contrário dos ganhos que se podem
apontar de maneira mais objetiva e imparcial, é impossível identificar
críticas a Estocolmo que não estejam ligadas à sensação de derrota de
algumas delegações. Os países desenvolvidos acabaram sendo os mais
críticos, pois, certamente, não esperavam o tournant que tomaria a
Conferência, que acabou sendo possível e favorável aos países em
desenvolvimento pela divisão que havia entre os próprios
desenvolvidos, cujas prioridades não eram coincidentes em vários
pontos da agenda.
37
LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica Internacional. p. 169.
38
GUIMARÃES, Roberto Pereira, op cit, p. 286.
39
Ibid, p. 286.
40
Entrevista ao autor, Brasília, setembro de 2003.
RETROSPECTIVA HISRICA
51
To put it crudely, the conference had turned out to be something
more than the public-relations festival they (United States) had
apparently been counting on. They had not been alone in their
hopes: most other major industrial powers would also have
preferred to see less substantive action.
41
(Dito de forma clara, a
conferência transformou-se em mais do que o festival de relações
públicas que eles (EUA) aparentemente contavam que fosse.
Eles não estavam sós em suas esperanças: a maioria das potências
industrializadas também teria preferido ver menos ação
substantiva.).
Trinta anos mais tarde, ao avaliar a Conferência de Estocolmo,
Strong conclui que:
The Stockholm Conference starkly brought out the differences
between the positions of developing and more industrialized
countries but did not resolve them. Indeed, the issues of finance
and the basis for sharing responsibilities and costs continue to be
the principal source of differences and controversy […] and have
become central to international negotiations on virtually every
environment and sustainable development subject [] the
principal importance of Stockholm was that it established the
framework for these negotiations and for the cooperative
arrangements they have produced. Most of all, it brought
developing countries into a full and influential participation in these
processes.
42
(A Conferência de Estocolmo trouxe claramente à
tona as diferenças entre as posições dos países em
desenvolvimento e daqueles mais industrializados, mas não
41
ROWLAND, Wade, op cit, p. 100
42
STRONG, Maurice. “Stockholm Plus 30, Rio Plus 10: Creating a New Paradigm of
Global Governance”. In: SPETH, James Gustave (Ed.). Worlds Apart: Globalization
and the Environment. p. 37.
52
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
resolveu estas diferenças. De fato, as questões financeiras e as
bases para estabelecer a divisão de responsabilidades e de custos
continuam a ser as principais fontes de diferenças e controvérsia
[...], e se tornaram centrais nas negociações internacionais sobre
qualquer tema de meio ambiente e desenvolvimento sustentável
[...]. A principal importância de Estocolmo foi estabelecer o quadro
para estas negociações e para os instrumentos de cooperação
que elas produziram. Mais do que tudo, [a Conferência] levou os
países em desenvolvimento a participar de forma plena e influente
nesses processos.).
B) A CONFERÊNCIA DO RIO:
Os números da Conferência do Rio são eloqüentes: o maior evento
organizado pelas Nações Unidas até aquele momento, a Confencia
reuniu delegações de 172 países e trouxe ao Rio de Janeiro 108 Chefes
de Estado ou de Governo. Segundo dados das Nações Unidas, foram
credenciados cerca de 10.000 jornalistas e representantes de 1.400
organizações o-governamentais, ao mesmo tempo em que o Fórum
Global, evento paralelo, reunia membros de 7.000 ONGs.
43
A
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (UNCED, em ings) foi convocada para
elaborate strategies and measures to halt and reverse the effects
of environmental degradation in the context of increased national
and international efforts to promote sustainable and
environmentally sound development in all countries.
44
(elaborar
43
BREITMEIER, Helmuth & RITTBERGER, Volker. “Environmental NGOs in an
emerging global civil society”. In: CHASEK, Pamela. The Global environment in the
twenty-first century, p. 130.
44
UNITED NATIONS, doc. A/RES/44/228, “United Nations Conference on Environment
and Development.”
RETROSPECTIVA HISRICA
53
estratégias e medidas para parar e reverter os efeitos da
degradação ambiental no contexto dos crescentes esforços
nacionais e internacionais para a promoção do desenvolvimento
sustentável e ambientalmente adequado em todos os países).
O Secrerio-Geral da Conferência, novamente Maurice Strong,
declarou, no último dia de reunião, que a Conferência do Rio havia
sido um historic moment for humanity.
45
(um momento histórico para
a humanidade).
Do ponto de vista da percepção pela opino blica, os dados
acima mostraram, antes de tudo, que a questão do meio ambiente,
vinte anos após Estocolmo, havia-se tornado suficientemente importante
na agenda internacional para justificar o deslocamento de um mero
inédito de Chefes de Estado e de Governo para uma única reunião.
Outro fato que, de imediato, marca uma sensível diferença com relação
a 1972 é a realizão da Conferência em um país em desenvolvimento
país que chegou a ser considerado a bête noire de Estocolmo
46
,
indicação de que o tema o era mais considerado um luxode países
ricos e, sim, uma questão que exigia um engajamento coletivo da
comunidade internacional. Os objetivos dos países em desenvolvimento
e os dos países desenvolvidos continuavam, no entanto, sensivelmente
diferentes, não obstante as mudanças de percepção quanto ao tema,
as transformações radicais no cerio internacional e o novo papel que
se parecia esboçar para as Nações Unidas, com a diminuição das
tensões entre as superpotências.
O final dos anos 80 e o início dos anos 90, quando foi convocada
e preparada a Conferência do Rio, foram marcados pelo fim da Guerra
Fria, cuja lógica bipolar se havia impregnado, ao longo de quatro
décadas, em quase todas as dimensões do relacionamento entre os
45
STRONG, Maurice. Discurso na Cerimônia de Encerramento da Conferência do Rio,
14 de junho de 1992.
46
ROWLAND, Wade, op. cit., p. 53.
54
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Estados. Naquele momento, “vislumbrou-se a possibilidade de que
fossem resgatados o humanismo e a ótica universalista como veículos
da generalização de valores, como a protão dos direitos humanos e
do meio ambiente, o pluralismo, o fortalecimento do multilateralismo e
a solidariedade como cimento do relacionamento entre os Estados”.
47
Aliava-se ao contexto político favorável a confiança na
capacidade de crescimento da economia mundial, graças às novas
oportunidades de investimento principalmente para as maiores
economias desenvolvidas –, com a abertura dos mercados dos países
do leste europeu, assim como os primeiros passos para a abertura
econômica da China. Contribuía para esse otimismo, em certa medida,
o sucesso vivido por pses em desenvolvimento de porte médio, como
o Chile, a Malásia ou Cingapura, que haviam optado pela franca
liberalização de suas economias nos anos 80 e cujos bons resultados
econômicos pareciam indicar que o liberalismo era um caminho
adequado para o desenvolvimento. A crise da vida externa de países
que haviam optado por modelos desenvolvimentistas, como o Brasil,
fortalecia a tese de “serem infrutíferas quaisquer tentativas de intervir’
na economia”.
48
As discussões sobre o tratamento multilateral das
questões comerciais mostravam progressos e, apesar da persistência
de subsídios na maior parte dos países e das dificuldades dos países
em desenvolvimento em incluir na agenda das negociões temas que
lhes o essenciais como a agricultura -, intensificavam-se os esforços
para o encerramento da Rodada Uruguai do GATT, o que acabaria
ocorrendo em 1993.
O enriquecimento do debate em torno da questão do meio
ambiente nas duas cadas entre Estocolmo e o Rio de Janeiro deu-se
em todos os veis governamental, o-governamental, empresarial,
acadêmico e cienfico. O fato de que, entre 1973 e 1990, a propoão
47 LAFER, Celso. Discurso no Seminário Rio +10. Rio de Janeiro, 25 de junho de 2002.
48 GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Estratégias para um Projeto Nacional. p. 7.
RETROSPECTIVA HISRICA
55
de pses no mundo com sistemas democticos tenha crescido de
24,6 para 45,4%
49
favoreceu a discuso dos chamados “novos
temas” além de meio ambiente, direitos humanos, narcotráfico e
diferentes tipos de discriminação nos veis comunitário, regional e
nacional em países em desenvolvimento. Estes temas, provenientes
muitas vezes da agenda internacional, e introduzidos de maneira
parcial e “de cima para baixo” na agenda interna, passaram a ser
discutidos “de baixo para cima”, graças à maior participão da
sociedade civil nos planos político, social e ecomico. Assim, o meio
ambiente conquistou, progressivamente, maior legitimidade nos países
em desenvolvimento.
Como aponta o economista Charles Kolstad, “intelligent and
thoughtful people can have very different beliefs about environmental
protection.
50
(pessoas inteligentes e sensíveis podem ter opines muito
diferentes sobre proteção do meio ambiente). O fortalecimento de novas
tendências da “ética ecológica” permitiam integrar o tema do meio
ambiente em contextos menos radicais do que os sugeridos pelo
biocentrismo, ou ecocentrismo. Segundo João Almino, este “se apóia
na negão do antropocentrismo”
51
e, segundo Kolstad, “views human
as just another species with no special claim to the world resources”.
52
(vê o ser humano como apenas outra espécie que não deveria ter direitos
especiais com relação aos recursos naturais). Contrapõe-se a essa
visão o conceito de sustentabilidade, o entendimento de que o equilíbrio
do meio ambiente não é incompatível com o progresso do homem,
que passa a ser aceito até por ecologistas e ativistas ecológicos como
uma “fresh alternative to blind economic growth”.
53
(nova alternativa
ao crescimento econômico per se).
49
BREITMEIER, Helmuth & RITTBERGER, Volker, op cit, citado p. 140.
50
KOLSTAD, Charles D. Environmental Economics. p. 30.
51
ALMINO, João, op cit, p. 39.
52
KOLSTAD, Charles D, op cit, p. 30.
53
Ibid, p. 31.
56
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Um dos motivos pelos quais a “sustentabilidade” ganhava cada
vez mais adeptos era a própria dificuldade de defini-la. Com a
publicação do Relario Brundtland, em 1987, surge uma definição do
conceito de desenvolvimento sustenvel com ampla aceitação, que se
tornaria quase oficial: desenvolvimento sustentável é desenvolvimento
que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade
das gerações futuras de atender suas próprias necessidades”.
54
Segundo Egon Becker,
the career of “sustainable development” as a keyword for a new
understanding of the modern world results from its function as a
link between two different crisis discourses one being on the
environment and the other on development; and the tacit promise
of a possible rescue from both crises.
55
(a trajetória de
“desenvolvimento sustentável” como expressão-chave para uma
nova compreensão do mundo moderno resulta de sua função
como vínculo entre dois diferentes discursos em crise um, o do
meio ambiente, e outro, o do desenvolvimento e como promessa
de um possível resgate dessas crises).
A noção de que o desenvolvimento sustentável se baseia em
três pilares – o econômico, o social e o ambiental – favorece, nas
discussões do Rio de Janeiro, tanto as prioridades dos países
desenvolvidos, quanto aquelas dos países em desenvolvimento.
Um ano após a Conferência de Estocolmo ocorreu o primeiro
choque do petleo, que, além de suas conhecidas conseqüências para
a economia mundial, também obrigou os países a enfrentar, no curto
prazo, uma das maiores ameaças vistas pelos ecologistas: a escassez
54
ALMINO, João. op cit., p. 100.
55
BECKER, Egon. “Fostering Transdisciplinary Research into Sustainability in an Age
of Globalization: A Short Political Epilogue”. In: BECKER, Egon and JAHN, Thomas
(Eds.). Sustainability and the Social Sciences. p. 287.
RETROSPECTIVA HISRICA
57
de recursos naturais. As lições das crises do petróleo de 1973 e 1979
tiveram fortes repercussões no pensamento ecogico, e favoreceram
o que João Almino
56
chama de “pensamento ecogico tecnontrico
otimista”, que defende a idéia de que, “através da nova revolução
tecnológica, ingressamos numa era s-industrial [...] caracterizada pela
expansão dos serviços e da informática, pelo uso menos intensivo dos
recursos naturais propiciado pelo emprego de novos materiais e pelo
desenvolvimento de tecnologias em campos novos (biotecnologia, por
exemplo)”.
57.
A teoria ecomica, nesse período, integrou progressivamente
as queses ambientais, e certos autores chegaram a afirmar que o
meio ambiente não seria uma entidade separada da economia e que
não haveria mudança no meio ambiente sem impacto econômico.
58
O crescente interesse da academia, impulsionado por estudos das
Nações Unidas e de organismos como o Banco Mundial e a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), permitiram a distião ou evolão entre economia
ecológica (ecological economics) e economia ambiental
(“environmental economics”): a primeira, segundo Charles Kolstad,
“tends to involve ecologists who have extended their discipline and
paradigm to consider humans and the economy” (tende a envolver
ecologistas que estenderam sua disciplina e seu paradigma para levar
em consideração os seres humanos e a economia). A segunda “tends
to involve economists who have extended their discipline and paradigm
to consider the environment”.
59
(tende a envolver economistas que
estenderam sua disciplina e seu paradigma para levar em consideração
o meio ambiente).
56
ALMINO, João. op cit, p. 50-51.
57
Ibid, p. 51.
58
TURNER, R. Kerry, PEARCE, David and BATEMAN, Ian. Environmental
Economics: an elementary introduction. p.VII.
59
KOLSTAD, Charles D, op cit, p. 5.
58
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Para os economistas Turner, Pierce e Bateman, a economia
ecológica não desconsidera o argumento moral de defesa do meio
ambiente, mas acredita que:
[...] the economic argument is often more powerful, and especially
so when, as is frequently the case, the “right thing” by nature
contradicts other rights such as the right to develop economically
and the right to have food and shelter”.
60.
(o argumento econômico
é muitas vezes mais poderoso, especialmente quando, como ocorre
freqüentemente, a “coisa certa” do ponto de vista da natureza
contradiz outros direitos, como o direito ao desenvolvimento
econômico e o direito a ter casa e comida).
Segundo os mesmos autores, a essência da economia ambiental:
lies in a sequence of logical steps: assessing the economic
importance of environmental degradation; looking for the
economic causes of degradation; and designing economic
incentives to slow, halt and reverse that degradation.
61
(repousa
em uma seqüência de etapas lógicas: avaliação da importância
econômica da degradação ambiental, busca das causas
ecomicas da degradação, e desenvolvimento de incentivos
econômicos para desacelerar, parar e reverter a degradação).
Grande evolução sofrera, tamm, a atitude do empresariado
internacional, como demonstra o livro, publicado no início de 1992
pelo industrial suíço Stephan Schmidheiny, Presidente do Conselho
Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Business Council
for Sustainable Development, BCSD), intitulado Mudando o Rumo.
60
TURNER, R. Kerry, PEARCE, David and BATEMAN, Ian, op cit, p.VIII.
61
Ibid, p.VII.
RETROSPECTIVA HISRICA
59
Uma perspectiva Empresarial Global sobre Desenvolvimento e
Meio Ambiente. Este livro pretendia, de certa forma, ter o impacto
sobre a Conferência do Rio, que teve a publicação The Limits to
Growth em Estocolmo. O BCSD reunia, naquele momento, 48 grandes
empresários, quinze dos quais de países em desenvolvimento. Ao
contrário do Clube de Roma, que pregava soluções que atingiam o
direito ao desenvolvimento dos países mais pobres e populosos, o
BCSD propunha soluções globais: “cada país tem suas próprias
precondições e necessidades, seu próprio caminho de Desenvolvimento.
Entretanto, certos conceitos oferecem a todos os países uma orientão
para o futuro”.
62
O livro chega até a admitir que “muitos líderes nos
países em desenvolvimento [...] temem que os países da OCDE venham
a ditar as condições ecológicas sob as quais a ajuda será concedida.
Suas suspeitas de condicionalidade e protecionismo verde são
procedentes”.
63
A nova atitude do empresariado dá-se, em grande parte, pelo
progressivo conhecimento dos custos reais de empreendimentos que
levam em consideração aspectos ambientais, ou que eso dirigidos a
sanear problemas ambientais. No momento em que se discutia a
Conferência de Estocolmo, tanto governos quanto grupos empresariais
temiam os possíveis custos das medidas que favoreceriam o meio
ambiente. Segundo o Relatório Brundtland:
some felt that they would depress investment, growth, jobs,
competitiveness, and trade while driving up inflation. Such fears
proved misplaced. A 1984 survey by the Organization for
Economic Co-operation and Development (OECD), of
assessments undertaken in a number of industrial countries,
concluded the expenditures on environmental measures over the
62
SCHMIDHEINY, Stephan. Mudando o Rumo: uma perspectiva empresarial glo-
bal sobre desenvolvimento e meio ambiente. p. 162.
63
Ibid, p. 165.
60
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
past two decades had a positive short-term effect on growth and
employment as the increased demand they generated raised the
output of economies operating at less than full capacity.
64
(alguns
acreditavam que isto diminuiria os investimentos, o crescimento,
os empregos, a competitividade e o comércio, e elevaria a
inflação. Ficou provado que esses temores eram incorretos. Uma
pesquisa da OCDE de 1984 sobre avaliações feitas em diversos
países industrializados concluiu que gastos em medidas favoráveis
ao meio ambiente durante as duas décadas anteriores tiveram
impacto positivo, em curto prazo, sobre o crescimento e o
emprego, uma vez que a demanda adicional gerada por estes
gastos elevou o produto das economias que operavam abaixo da
capacidade total)
.
Finalmente, a influência da comunidade cienfica fortaleceu-se
nos anos que se seguiram à Confencia de Estocolmo, principalmente
graças aos processos negociadores da Convenção de Viena para a
Proteção da Camada de Ozônio, encerrado em março de 1985, e do
Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada
de Ozônio, encerrado em setembro de 1987. Em treze anos, um
fenômeno até então desconhecido passou da discussão no âmbito
cienfico à sua regulamentação, gras a instrumentos internacionais
que se tornariam referências para a diplomacia ambiental, criando new
standards in international relations”.
65
(novos parâmetros para as
relações internacionais).
Os estudos de Sherwood Rowland e Mario Molina sobre o
potencial de destruição da camada de ozônio dos gases CFCs
(clorofluorcarbonos), publicados em 1974 (“Stratospheric Sink for
64
WORLD COMMISSION ON SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Our Common
Future. p. 211.
65
TOLBA, Mostafa K. Global Environmental Diplomacy: negotiating
environmental agreements for the world, p. 55.
RETROSPECTIVA HISRICA
61
Chlorofluoromethanes: Chlorine Catalysed Destruction of Ozone”),
trouxeram, em 1995, o primeiro e até hoje único Prêmio Nobel
para pesquisa na área de meio ambiente. Uma série de estudos nos
anos seguintes comprovou que existiam fortes motivos para que se
justificasse um esfoo internacional para a restrão do uso de CFCs.
O PNUMA teve papel determinante ao promover uma reunião em
Washington, em 1977, que discutiu a camada de ozônio e as mudanças
causadas pelas atividades humanas, e os efeitos dessas mudanças sobre
o homem, a biosfera e o clima.
Um dos resultados da reunião foi a criação, pelo PNUMA,
junto com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), de um
Comitê de Coordenação sobre a Camada de Ozônio (Coordination
Committee on the Ozone Layer), que passou a apresentar, duas vezes
ao ano, os resultados das avaliações da destruão da camada de onio
e suas conseências. Após acumular maiores informações científicas,
criou-se, em 1981, o Grupo de Trabalho ad hoc para a preparação de
uma convenção-quadro sobre a proteção da camada de ozônio, que
se reuniu quatro vezes até a Conferência de Viena.
Richard Elliot Benedick, o principal negociador norte-americano
da Convenção de Viena e do Protocolo de Montreal, afirma em seu
livro Ozone Diplomacy que havia pouca expectativa de sucesso, uma
vez que o objetivo era:
craft an international accord based on unproved scientific theory
that certain antropogenic chemicals could destroy a remote gas
in the stratosphere and thereby possibly bring harm to human
health and the environment in the distant future.
66
(elaborar um
acordo internacional baseado em uma teoria científica não
comprovada de que certos químicos antropogênicos podiam
66
BENEDICK, Richard Elliot. Ozone Diplomacy: new directions in safeguarding
the planet. p. IX.
62
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
destruir um remoto gás na estratosfera e, conseqüentemente,
provocar dano eventual à saúde humana e ao meio ambiente em
futuro distante).
O êxito das negociações, no entanto, foi extraordinário, e, mais
do que qualquer outro instrumento internacional na área ambiental até
as negociações do Protocolo de Quioto –, a Convenção de Viena e o
Protocolo de Montreal conseguiram envolver governos, comunidades
científica e acadêmica, a indústria, a mídia e a opino pública, e mostrar,
igualmente, como aponta o professor canadense Philippe Le Prestre,
“que um acordo preventivo era possível, mesmo na ausência de
conhecimentos precisos. A incerteza cienfica pode até jogar a favor da
cooperão”.
67
Nesse contexto de entusiasmo, iniciaram-se, no final da
cada, as negociações das duas Convenções que foram abertas para
assinatura na Conferência do Rio: a Convenção-Quadro sobre Mudança
do Clima e a Conveão sobre Diversidade Biogica.
O fator decisivo para a convocação de uma nova Confencia
das Nações Unidas sobre meio ambiente foi, sem dúvida, o Relario
da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
conhecido como Relario Brundtland. A Comiso, criada em 1983 e
presidida pela Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland,
conseguiu galvanizar novo interesse nos países desenvolvidos pelas
questões de meio ambiente, confirmando o fenômeno de atenção cíclica
aos problemas” de meio ambiente, apresentado por Anthony Downs
em “Up and Down with Ecology, the Issue-Attention Cycle”.
68
Essa variação no grau de interesse pela questão ambiental,
comenta Le Prestre, revela-se em fases de mobilização, adoção de
programas e criação de novas instituições, seguidas de fase de
desinteresse progressivo, “seja porque se pense que o problema foi
67
LE PRESTRE, Philippe, op cit, p. 36.
68
Ibid, citado p. 78.
RETROSPECTIVA HISRICA
63
resolvido, seja porque se perceba que o problema é mais complicado
do que parecia o conhecimento é escasso, os custos são elevados e
o esforço precisará ser mais prolongado do que o previsto.”.
69
Esse
fenômeno, segundo John Kingdon
70
afeta igualmente os governos,
“quando os funcionários se dão conta de que todo sucesso não será
alcaado sem custos ecomicos, sociais e poticos”.
A estagnação da economia européia e o período inicial das
mudanças radicais na economia norte-americana, promovidas pelo
Governo de Ronald Reagan, foram momentos em que o meio ambiente
deixou de ser prioritário nos países mais ricos. Muitos problemas do
meio ambiente nesses países notadamente o controle da poluição
já haviam sido tratados ou contornados a um custo inferior ao imaginado,
mas na Europa e nos Estados Unidos crescia a preocupação com a
previsão de custos elevados de uma nova onda ambientalista, na qual
se buscasse alterar significativamente os padrões de produção e
consumo. O Relatório Brundtland, que aponta rias áreas nas quais
progressos ainda podem ser feitos nos países ricos sem custos
excessivos, chegou no momento em que se fortalecia nova fase de
atribuição de todos os males aos países em desenvolvimento ou aos
países do bloco socialista. Esta fase foi impulsionada, com certa
justificativa, pelo trauma que causou na Europa Ocidental o acidente
na central nuclear de Chernobyl, na Uno Soviética, em 1986. Como
aponta o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães:
Para os Governos dos países industrializados, diante da pressão de
sua opinião pública para reduzir os níveis de poluição, duas
estratégias, que podem ser simultâneas ou alternativas: a) reduzir
suas emissões [...] com custos políticos e financeiros consideveis;
e/ou b) aumentar a pressão sobre os países subdesenvolvidos,
69
Ibid, p. 78.
70
Ibid, citado p. 78.
64
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
para que reduzam sua pequena participação na degradação do
meio ambiente, através de um processo de transferência e de
magnificação de responsabilidades.
71
O Relario Brundtland foi o resultado de cerca de quatro anos
de trabalho da Comissão Mundial para Meio Ambiente e
Desenvolvimento, instituída pela Assembia Geral das Nões Unidas.
Diversos autores colocam o Relatório, publicado sob o nome “Our
Common Future”, na mesma linhagem de The Limits to Growth,
publicado em 1972 sob os auspícios do Clube de Roma. Do ponto de
vista de impacto sobre o blico o-especializado, talvez seja correto
associar as duas obras, que tiveram, ambas, ampla divulgação. No
entanto, a primeira, como se viu, representou uma reflexão de um
grupo restrito, que analisou, de maneira fria e calculista, soluções para
que o mundo desenvolvido não tivesse de diminuir, ou melhor, não
parasse de elevar seu padrão de vida.
A Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento,
por sua vez, era composta por 23 comissários de 22 países, que
atuaram sem vinculação com seus governos: Noruega (Presidente),
Sudão (Vice-Presidente), Alemanha, Arábia Saudita, Argélia, Brasil
(Paulo Nogueira Neto), Canadá (dois representantes, um dos quais
Maurice Strong), China, Colômbia, Côte d’Ivoire, Estados Unidos,
Guiana, Hungria, Índia, Indosia, Itália, Iugoslávia, Jao, xico,
Nigéria, Uno Sovtica e Zimbue. Foram encomendadas dezenas
de estudos e consultadas milhares de pessoas nas mais variadas áreas.
Membros da Comissão visitaram inúmeros países, entre os quais o
Brasil, nos quais realizaram reuniões com comunidades locais para
discutir as questões do meio ambiente e do desenvolvimento.
72
71
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro, op cit, p. 15 e 16.
72
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da mata atlântica
brasileira. p.344. Dean descreve a visita dos membros da Comissão Brundtland, em
1985, a Cubatão (“As fábricas paralisavam suas atividades à medida que a comissão
RETROSPECTIVA HISRICA
65
As conclusões do Relatório não poupam os países
desenvolvidos nem aqueles em desenvolvimento, mas oferecem
alternativas e apontam caminhos viáveis que não excluem o
desenvolvimento dos pobres e o questionamento dos padrões dos
países mais ricos. Se há um documento que se pode comparar ao
Relatório Brundtland, este seria o Relatório de Founex: ambos enfocam
o meio ambiente no contexto do desenvolvimento e estabelecem a
base conceitual das Conferências de Estocolmo e do Rio de Janeiro.
Vale ressaltar os avanços que haviam sido obtidos após a
Conferência de Estocolmo em dois importantes processos
negociadores, no direito do mar e na área de reduos perigosos. As
nove anos de negociações, a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar havia sido aberta à assinatura em 1982, mas só entraria
em vigor em 1994, um ano após a sexagásima ratificação (o Brasil a
ratificou em 1988). A Convenção da Basiléia sobre o Controle do
Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito foi
adotada em 1989 e entrou em vigor um mês antes da abertura da Rio-
92 (o Brasil ratificou a Convenção nesse mesmo ano).
A Conveão de Viena, o Protocolo de Montreal e o Relatório
Brundtland tornaram viável a Conferência do Rio, que, se o foi
“clearly the most important […] high level intergovernmental
conference ever held on our planet (claramente a conferência
intergovernamental de alto nível mais importante realizada em nosso
planeta), como declarou Strong,
73
ou “a mais importante reunião na
história da humanidade”, segundo JoLutzenberger,
74
representou,
excursionava pelo local, manobra que não passou despercebida.”) e a o Paulo (“Na sede
da Cetesb, em São Paulo, a comissão deparou com centenas de cidadãos aterrorizados e
irados, de todo o Sul do Brasil ela nunca havia visto semelhante multidão ansiosa para
‘se queixar do que fizeram a seu mundo’.”).
73
STRONG, Maurice. Discurso na Cerimônia de Encerramento da Conferência do Rio,
14 de junho de 1992.
74
LUTZENBERGER, José. Discurso na I Sessão do Comitê Preparatório da Conferên-
cia de 1992. Nairobi, 29 de agosto 1990.
66
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
certamente, o momento em que o meio ambiente despertou maior
interesse em todo o culo XX.
Análise dos principais temas da Conferência
do Rio e das reuniões preparatórias
Pela Resolução 44/228, aprovada pela Assembléia Geral das
Nões Unidas, em 22 de dezembro de 1989, foi aceito o oferecimento
do Governo brasileiro para sediar a Conferência. A partir da aprovação
desta Resolução, como apontou em 1994 o então Ministro Pedro
Motta Pinto Coelho, o desenvolvimento sustentável “passa a ser um
trunfo para os países do Sule propicia “a retomada das negociações
globais entre o Norte e o Sul, num momento em que a agenda
internacional havia muito excluído tais negociações de seu
calendário”.
75
O próprio nome oficial da Conferência Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
incorpora as aspirações do Sul. A Conferência do Rio teria o nome
que sintetizava, na realidade, os trabalhos de Estocolmo, ou melhor, o
Relatório de Founex, que se intitulava “Report on Development and
Environment”. Isso tamm ocorreria com o nome oficial da Cúpula
de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável –, expressão
que sintetiza os trabalhos do Rio,
e que foi cunhada pelo Relatório
Brundtland.
A Resolução relacionava vinte e ts objetivos para a
Conferência, divididos em quatro grupos. O primeiro concentrava-se
nos temas relativos à identificão de estratégias regionais e globais,
com vistas a restabelecer o equilíbrio do meio ambiente e evitar a
continuação de sua degradação no contexto do desenvolvimento
econômico e social, e na questão do avanço do direito ambiental. O
segundo reunia os objetivos associados à relação entre degradação
75
COELHO, Pedro Motta Pinto. “O Tratamento Multilateral do Meio Ambiente: ensaio
de um novo espaço ideológico”. In: Caderno do IPRI, n. 18. p. 25.
RETROSPECTIVA HISRICA
67
ambiental e o quadro econômico mundial, bem como à necessidade
de recursos financeiros. O terceiro grupo incluía as questões de
formação de recursos humanos, educação ambiental, cooperação
técnica e intercâmbio de informação. O quarto grupo, finalmente,
abordava os aspectos institucionais pertinentes à execução das decisões
da Conferência.
O Comitê preparatório, presidido com grande eficiência,
segundo os mais diversos testemunhos, por Tommy Koh, Embaixador
de Cingapura em Washington,
76
reuniu-se quatro vezes: a primeira
Sessão, em Nova York, foi em março de 1990; a segunda e a terceira
Sessões em Genebra, em mao/abril e em agosto/setembro de 1991,
e, finalmente, a quarta Seso em Nova York, em março/abril de 1992.
De acordo com o Relatório da Delegação brasileira, somente a partir
da terceira seso comaram a ser obtidos resultados palpáveis com
refencia aos documentos-chave que deveriam ser adotados no Rio.
“A complexidade da tetica da Conferência” foi um dos motivos do
lento começo das negociações, assim como “a relutância dos países
desenvolvidos em debater proposições à luz do enfoque integrado meio
ambiente/desenvolvimento.
77
Um fator que daria à Conferência caráter particular foi a
atribuição, desde a sua convocação, de importante papel às
organizações não-governamentais, em reconhecimento ao crescimento
exponencial da influência das ONGs na área ambiental, desde
Estocolmo, junto a governos, a organismos multilaterais, à mídia e,
principalmente, junto à opino blica. O Relatório Brundtland, como
lembra Ricardo Neiva Tavares
,
havia constituído “esmulo adicional
para a atuação das ONGs na área ambiental, não apenas ao ressaltar
o fracasso governamental em promover o desenvolvimento sustenvel,
mas também ao reconhecer papel indispensável para aquelas
76
Koh havia sido determinante para o êxito das negociações sobre Direito do Mar.
77
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Brasil:
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. p. 20.
68
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
organizações ‘in maintaining the high degree of public and political
interest required as a basis for action’.”
78
(em manter o alto grau de
interesse blico e político necessário como base para a ação).
A participação de especialistas, cientistas, acadêmicos e outros
representantes da sociedade de maneira geral também contriba para
dar ao público a sensação de que não seria mais uma Conferência na
qual os burocratas destruiriam os sonhos de uma geração. Segundo o
jornalista Gregg Easterbrook, em seu livro A Moment on the Earth:
the coming age of environmental optimism:
By the time Rio rolled around, traditional diplomats were horrified
[…], since the issues in play were technical questions requiring
the negotiators to consult scientists and non-governmental
organizations. This turn of events is terrific […] Perhaps […]
environmental concerns will be among the best things ever to
happen to international relations.
79
(Ao iniciar-se a Conferência
do Rio, os diplomatas tradicionais estavam horrorizados [...], já
que as questões em pauta eram técnicas e exigiam que os
negociadores consultassem cientistas e organizações não-
governamentais. Essa evolução foi muito positiva [...] Talvez [...]
as preocupações ambientais estejam entre as melhores coisas
que aconteceram para as relações internacionais.).
A opinião pública manteve-se interessada até o final da
Confencia, o que certamente teve influência sobre o tratamento de
certos temas. Mas a dose considerável de ingenuidade da dia e de
algumas ONGs e, conseentemente, da opinião pública provocou
certa desilusão. Para muitos, como expressou a revista The Economist,
em seu editorial sobre os resultados da Conferência do Rio: After all
78
TAVARES, Ricardo Neiva, op cit., p. 100.
79 EASTERBROOK, Gregg. A Moment on the Earth: the coming age of
environmental optimism. p. 468.
RETROSPECTIVA HISRICA
69
the idealism, the Earth Summit turned out to be mainly about money
and sovereignty. That should not be surprising: those are the main themes
of most international meetings”.
80
(As todo o idealismo, a pula da
Terra passou a tratar principalmente de dinheiro e de soberania. Isto
o deveria surpreender: estes o os temas principais da maioria dos
encontros internacionais).
Um fenômeno interessante foi o resultado da grande interação
ocorrida entre as ONGs de países ricos e de países em desenvolvimento
em fuão da Conferência. Por um lado, muitas ONGs de países ricos
descobriram que as prioridades nos países pobres podiam ser diferentes.
Esse fenômeno manifestou-se de maneira particularmente surpreendente
no seio das grandes ONGs transnacionais: em seu livro Divided Planet:
the ecology of rich and poor, o jornalista e ambientalista Tom Athanasiou
relata que:
just before the Earth Summit, […] Greenpeace’s German, Dutch
and British offices (the “G-3”) refused to distribute copies of
Beyond UNCED, a fine pamphlet produced for the Rio gathering
by Greenpeace USA and Greenpeace Latin America. The G-3,
it turned out, strongly objected to its use of “leftist” terms like
“social equity and even “democracy”. When I asked Paul
Hohnen, head of Greenpeace International´s political unit, about
the flap [...] [he] appealed to Greenpeace’s canvassers, who
“can’t be expected to go door-to-door raising money for a socialist
organization.
81
(pouco antes da Cúpula da Terra [...], os escritórios
da Greenpeace na Alemanha, nos Países Baixos e no Reino Unido
(o G-3) recusaram-se a distribuir cópias de Além da
Conferência do Rio, um bom panfleto produzido para a
Conferência pelos Greenpeace dos EUA e da América Latina.
80
THE ECONOMIST, 13 de junho de 1992, p. 12.
81
ATHANASIOU, Tom. Divided Planet: the ecology of rich and poor. p. 17.
70
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
O G-3 objetava o uso de termos esquerdistas tais como
“equidade social” e até “democracia”. Quando eu perguntei a Paul
Hohnen, chefe da unidade política do Greenpeace Internacional
sobre o documento [...], ele apelou para o fato de que os os
encarregados de arrecadar fundos “não podiam ir de porta em
porta, pedindo dinheiro para uma organização socialista”).
A mudança de foco de muitas ONGs resultou, também, de
diversas iniciativas em pses do Terceiro Mundo, que o obtiveram
bons resultados por ignorarem as comunidades locais. Apesar de a
proteção da natureza ter mais atrativo para o público dos países
desenvolvidos, a queso social inevitavelmente ganhou maior espaço,
na medida em que se democratizavam os países em desenvolvimento e
que os ambientalistas se viam obrigados a respeitar as prioridades dos
grupos locais diretamente envolvidos. Segundo Athanasiou:
it is past time for environmentalists to face their own history, in
which they have too often stood not for justice and freedom, or
even for realism, but merely for the comforts and aesthetics of
affluent nature lovers. They have no choice. History will judge
greens by whether they stand with the worlds poor.
82
(já é mais
do que tempo para os ambientalistas enfrentarem a ppria
história, durante a qual eles freqüentemente apoiaram não a justiça
e a liberdade, nem mesmo o realismo, mas meramente o conforto
e a estética dos ricos amantes da natureza. Eles não têm escolha.
A história julgará os verdes pelo critério de terem ficado ou não
do lado dos pobres do mundo.).
Os principais documentos que seriam assinados na Conferência
do Rio não dependiam todos do Comitê Preparatório: a Convenção
82
Ibid, p. 304.
RETROSPECTIVA HISRICA
71
sobre Diversidade Biológica foi negociada pelo Grupo de Trabalho de
Especialistas Técnicos e Judicos, redenominado, em 1991, Comitê
Intergovernamental de Negociação de uma Convenção sobre Diversidade
Biológica. A mudança do clima, por sua vez, começou a ser discutida,
de 1988 a 1990, no âmbito do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA) e da Organização Meteorogica Mundial
(OMM), com o apoio dos estudos do Painel Intergovernamental sobre
Mudança do Clima, conhecido pela sigla, em ings, IPCC. O IPCC,
criado em 1988, reúne mais de mil cientistas de países desenvolvidos e
em desenvolvimento, e constitui o principal foro para a avalião dos
conhecimentos científicos sobre mudança do clima.
Em maio de 1989, o PNUMA e a OMM passaram a promover
reunes de grupos restritos que tinham por objetivo arrolar elementos
para um projeto de convenção”.
83
Em 1990, as negociações da
Convenção sobre Mudança do Clima passaram a realizar-se sob a
égide da Assembléia Geral das Nações Unidas, com a criação do Comitê
Intergovernamental Negociador de uma Convenção-Quadro sobre
Mudança do Clima, decisão que enfraqueceu o PNUMA, na medida
em que lhe retirou a lideraa nas negociações.
Segundo Mostafa Tolba, em seu livro Global Environmental
Diplomacy:
for reasons that were never clearly stated, the convening
governments removed the proceedings for the preparation of a
Framework Convention on Climate Change from management
by the UNEP. It has been speculated that the developed countries
were not ready for the positive action and concrete measures
advocated by the UNEP executive director.
84
(por motivos nunca
83
VARGAS, Everton. Parceria Global? As alterações climáticas e a questão do
desenvolvimento. p. 62.
84
TOLBA, Mostafa, op cit, p. 95.
72
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
esclarecidos, os governos retiraram o processo de preparação
da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima do PNUMA.
Especulou-se que os países desenvolvidos não estavam prontos
para as ações positivas e as medidas concretas advogadas pelo
Diretor-Executivo do PNUMA.).
Na realidade, essa mudança de foro negociador refletiu o interesse
de um grupo de pses em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, que
preferiam ver a Convenção ser negociada muito mais sob o ângulo político
e econômico do que sob uma orientão cnica e científica. “Para uma
convenção que contemplasse os interesses dos países em
desenvolvimento, era fundamental que as questões econômicas tivessem
relevo na negociação. A decisão da Assembléia Geral, portanto, foi crucial
para permitir um resultado equilibrado, amplo e favorável a nossos
interesses”.
85
Ao final da Conferência do Rio, o Brasil apoiaria outra
decisão que seria interpretada como uma nova demonstração de
enfraquecimento do PNUMA: a criação da Comissão de
Desenvolvimento Sustentável (CDS) “para monitorar os progressos
realizados na implementação da Agenda 21 e das atividades relacionadas
com a integração dos objetivos de meio ambiente e desenvolvimento em
todo o sistema das Nações Unidas”.
86
Na realidade, como recorda o
Ministro Everton Vargas, Diretor do Departamento de Meio Ambiente e
Temas Especiais do Ministério das Relações Exteriores, tendo em vista
que o PNUMA o tem mandato na área de desenvolvimento, a CDS
foi criada como forma de dar maior perfil potico e de reunir as rias
agências e óros das Nações Unidas que tratam das matérias
relacionadas ao desenvolvimento sustentável.
87
85
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Brasil:
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. p. 25.
86
CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESEN-
VOLVIMENTO. Agenda 21. Parágrafo 38.13(a).
87
Entrevista ao autor, Brasília, novembro de 2003.
RETROSPECTIVA HISRICA
73
A Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima é
provavelmente o documento internacional mais debatido dos últimos
anos, não pela polêmica que se verificou, desde o início das
negociações, por motivo das profundas divergências Norte-Sul e,
tamm, entre os países desenvolvidos –, mas, sobretudo, pelo impasse
a respeito da entrada em vigor do Protocolo adotado na 3
a
Reunião
das Partes da Convenção, em Quioto, em 1997, que persistiu até
novembro de 2004, quando a Rússia ratificou o Protocolo e permitiu
sua entrada em vigor em fevereiro de 2005. A Convenção-Quadro
era, para muitas delegações, o documento mais importante a ser
assinado no Rio. Outras delegações consideravam que havia excessiva
ateão com relação à mudaa do clima. Na opino expressada pelo
The Economist, em seu editorial sobre o início da Confencia, “the
main certainty about global warming is that its consequences are
uncertain and far off, whereas the measures needed to prevent it are
immediate and (in some cases) costly”.
88
(a principal certeza sobre o
aquecimento global é de que suas conseências são incertas e distantes,
enquanto as medidas necesrias para preveni-lo o imediatas e, em
alguns casos, caras.).
Várias questões, como as incertezas científicas, tornaram o
processo negociador particularmente complicado, mas o custo das
medidas que permitiriam desacelerar o processo de aquecimento global
foi o fator que maiores dificuldades provocou, dividindo as delegações
em basicamente três grupos: 1) os países em desenvolvimento, que
esperavam recursos financeiros novos e adicionais e a transferência de
tecnologia, para tomar as medidas que exigem maiores recursos, com
base no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas;
2) os países ricos, representados principalmente pelos membros da
Comunidade Européia, que haviam progredido na diminuição de
emises e cujos gastos para atingir as primeiras metas sugeridas o
88
THE ECONOMIST, 30 de maio de 1992. p. 12.
74
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
pareciam proibitivos; e 3) outros países ricos, como os Estados
Unidos, e países produtores de petróleo, que não viam como
possível atingir as metas sugeridas sem sacrifícios econômicos
excessivos.
A solução encontrada foi a de diluir o texto, e não mencionar
metas específicas, mas houve, pelo menos, consenso quanto à
necessidade de redução das emissões de gases de efeito estufa.
Segundo Daniel Bodansky, em The History of the Global Climate
Change Regime, a Convenção:
reflects a carefully balanced compromise […]. Many of its
provisions do not attempt to resolve differences so much as paper
them over, either through formulations that preserved the positions
of all sides, that were deliberately ambiguous, or that deferred
issues until the first meeting of the conference of the parties.
From this perspective, the Convention represents not an end point,
but rather a punctuation mark in an ongoing process of
negotiation.
89
(reflete um compromisso que resulta de equilíbrio
delicado [...] Vários de seus dispositivos não procuram resolver
diferenças e, sim, levá-las adiante, ou por meio de formulações
que preservem as posições de todas as partes, deliberadamente
ambíguas, ou deixando que as questões sejam abordadas na
primeira Conferência das Partes. Sob esta perspectiva, a
Convenção representa não um ponto final, mas uma vírgula em
um processo de negociação aberto.).
O impasse que se evitou na Conveão, e que permitiu que os
Estados Unidos a assinassem e a ratificassem, foi apenas postergado,
e reapareceu com toda a força no Protocolo de Quioto.
89
BODANSKY, Daniel. “The History of the Global Climate Change Regime”: In:
LUTERBACHER, Urs and SPRINZ, Detlef (Eds.). International Relations and Glo-
bal Climate Change. p. 34.
RETROSPECTIVA HISRICA
75
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada
no Rio de Janeiro por 154 países, estabelece três objetivos muito claros:
a conservação da biodiversidade, o uso sustentável de seus
componentes; e a repartão justa e eqüitativa dos benefícios derivados
da utilização desses recursos. A Convenção exigiu longas e penosas
negociações que procuraram encontrar um enfoque satisfatório para
uma questão que parte de uma realidade difícil: dois terços dos recursos
geticos mundiais encontram-se em pses em desenvolvimento, mas
a grande maioria dos recursos tecnológicos e financeiros para explo-
los pertence aos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, existia e
continua a existir a percepção de certos setores de que os recursos
biológicos e genéticos deveriam ser incluídos entre os global
commons.
90
Apesar das concessões feitas para contemplar as principais
reticências norte-americanas na área de propriedade intelectual, a
Convenção não foi assinada pelos Estados Unidos no Rio (a
Conveão foi assinada durante o Governo Clinton, mas os EUA
ainda não a ratificaram). Com o argumento de que grande parte da
tecnologia foi desenvolvida e patenteada por empresas privadas, a
sua transferência, segundo os países industrializados, deveria ser feita
segundo as normas de proteção da propriedade intelectual e de
acordo com as regras de mercado. Segundo Mostafa Tolba, o
consenso foi obtido “over a text of the convention that pleased no
one. This seems a good indication that the provisions of the convention
were balanced”.
91
(sobre um texto que o agradou ningm. Isto
parece uma boa indicação de que havia equilíbrio entre os dispositivos
da convenção)
Os principais documentos negociados pelo Comitê
Preparatório, para serem aprovados no Rio foram, portanto, a
90
Uma ampla discussão dos “global commons” é feita por Le Prestre, op cit, p. 41 a 60.
91
TOLBA, Mostafa, op cit, p. 159.
76
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Agenda 21, a Declaração do Rio e a Declaração de princípios sobre
florestas.
A Agenda 21, apesar de longa e ambiciosa mais de seiscentas
páginas, com propostas de ações em mais de uma centena de áreas,
para serem executadas ao longo de décadas , revelou-se documento
profundamente relevante. Trata-se de um programa de ão que atribui
novas dimenes à cooperação internacional e estimula os governos, a
sociedade civil e os setores produtivo, acadêmico e cienfico a planejar
e executar juntos programas destinados a mudar as concepções
tradicionais de desenvolvimento econômico e de proteção do meio
ambiente.
O documento está organizado em quatro seções. São elas:
Seção 1: as dimensões social e econômica do desenvolvimento
sustentável (dois dos três pilares do desenvolvimento sustentável);
Seção 2: geso dos recursos naturais para o desenvolvimento
sustentável (terceiro pilar do desenvolvimento sustentável), dividida em
a) proteção da atmosfera, b) desertificação e seca, c) oceanos, d)
água doce, e) resíduos, f) diversidade biológica e g) combate ao
desflorestamento; Seção 3: fortalecimento dos grupos sociais na
implementação do objetivo do desenvolvimento sustentável (mulheres,
crianças, indígenas, ONGs, sindicatos, academia, etc.); e Seção 4:
meios de implementação, dividida em a) recursos e mecanismos
financeiros; b) tecnologia; c) instituões e d) instrumentos judicos.
As negociões da Agenda 21 avançaram consideravelmente
durante o III e IV Comitês Preparatórios, mas, apesar desses
progressos, uma parte significativa do documento (cerca de 15%)
chegou ao Rio para ser ainda negociada. A idéia de Strong era criar
mais do que um plano de ação dirigido a governos: tratava-se de
documento que deveria ser a base para a atuação de governos, mas
que atribuía papel primordial à sociedade civil, que, com as ONGs,
participariam da avalião dos progressos alcaados. Ts elementos
permitiriam à Agenda 21 adquirir uma imporncia impar, comparada
RETROSPECTIVA HISRICA
77
a outros planos de ação: um mecanismo financeiro com autonomia e
recursos vultosos; um compromisso que permitisse a criação de um
sistema eficaz de transfencia de tecnologia; e a reforma e o
fortalecimento das instituões para que o objetivo do desenvolvimento
sustenvel fosse levado adiante de forma efetiva e para que houvesse
acompanhamento atento a esse processo.
A conceão original desses três elementos sofreu profundas
alterações durante as negociações, contrariando as expectativas de
Strong. O mecanismo de acompanhamento dentro das Nações Unidas
acabou ficando a cargo de uma Comissão, no âmbito do ECOSOC,
específica para essa função a Comissão de Desenvolvimento
Sustentável (CDS), que, entre suas várias funções, coordenaria o
trabalho dentro das Nões Unidas e velaria pela evolução da Agenda
21, com a participão de ONGs. A criação da CDS o era a solução
que Strong favorecia: sua tendência pendia para o fortalecimento do
PNUMA. Para grande número de delegações, principalmente de países
em desenvolvimento, entretanto, não havia sentido em fortalecer uma
ancia eminentemente ambiental, quando se pretendia criar um novo
paradigma o desenvolvimento sustentável, cuja grande foa seria a
transversalidade, exigindo a participação de organismos ligados aos
três pilares: ambiental, econômico e social.
Os recursos financeiros a serem transferidos anualmente dos
países desenvolvidos para os países em desenvolvimento para
implementar a Agenda 21 foram estimados pelo Secretariado da
Conferência em 125 biles de lares por ano, durante sete anos. Os
países em desenvolvimento seriam responsáveis por cerca de 480
bilhões de lares anuais, para que fosse atingido um total de cerca de
600 biles de lares.
92
Tendo em vista a crescente preso interna
e externa sobre os países desenvolvidos para que se comprometessem
financeiramente com os objetivos da Agenda 21, estes procuraram
92
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Brasil:
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. p. 40.
78
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
encontrar alternativa à idéia, que se fortalecia no processo preparario,
de uma entidade independente que administraria os recursos “novos e
adicionaispelos quais lutavam os pses em desenvolvimento: alguns
meses antes de realizar-se a Conferência, foi anunciada a criação do
Global Environmental Facility (GEF), fora do contexto das negociões
e sem qualquer articulação com os países em desenvolvimento. Segundo
Korinna Horta, economista do Environmental Defense Fund:
[t]he creation of GEF prior to the Rio Earth Summit allowed the
US and its G-7 partners to define global environmental problems
as they perceived them and to establish the limits and scope of
their responsibilities in assisting developing countries [].
Northern governments established the GEF to demonstrate
environmental leadership to domestic constituencies and […] to
sidestep the more ambitious North-South funding plan outlined in
Agenda 21.
93
(a criação do GEF antes da Cúpula da Terra no
Rio permitiu aos EUA e seus parceiros do G-7 definir os
problemas ambientais globais da maneira como eles os percebiam,
e estabelecer os limites e a amplitude de suas responsabilidades
em ajudar os países em desenvolvimento [...]. Os governos do
Norte estabeleceram o GEF para demonstrar sua liderança ao
público interno e para deslocar o plano de um fundo Norte-Sul,
conforme previsto na Agenda 21).
O Global Environmental Facility (GEF) estava longe de ser o
mecanismo financeiro que os países em desenvolvimento e as ONGs
gostariam de ver criado no Rio, não pelos recursos que seriam
necessários para a execução dos programas da Agenda 21, que o
GEF não poderia nem pretendia cobrir, mas também pelo fato de
93
HORTA, Korinna. “Global Environment Facility”. In: Foreign Policy in Focus,
Vol.3, n. 39, December 1998.
RETROSPECTIVA HISRICA
79
o GEF ter sido colocado sob a égide do Banco Mundial, isto é, sujeito
à lógica das instituições de Bretton Woods nas quais predomina o
voto ponderado, e não ao contexto da Assembléia Geral das Nações
Unidas, mais igualirio, transparente e democtico. Ademais, o GEF
apoiaria projetos cujos resultados trouxessem benecios globais,
ou seja e segundo os mais críticos –, os países ricos financiariam,
em pses em desenvolvimento, iniciativas que melhorassem a própria
situão. Segundo Pedro Motta Pinto Coelho:
Foi notória a divergência de posições entre desenvolvidos e em
desenvolvimento no contexto negociador do Rio, os primeiros
insistindo sempre na globalização dos fenômenos ambientais de
interesse, deles excluindo processos de efeito localizado, e os
segundos defendendo a convergência desses processos e a não
distinção entre […] “benefícios globais” e “benefícios nacionais
ou locais”.
94
As discussões no Rio em torno dos Recursos e Mecanismos
Financeiros acabaram criando alguns dos momentos mais dramáticos
da Conferência.
95
As queses mais pomicas, além do GEF, foram a
reposição de capital da Associação de Desenvolvimento Internacional
(IDA, em inglês)
96
, cujo aumento substantivo o Presidente do Banco
Mundial, Lewis Preston, havia anunciado no início da Conferência, e a
questão da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA, em ings), para
94
COELHO, Pedro Motta Pinto, op cit, p. 30.
95
RICUPERO, Rubens. Visões do Brasil: ensaios sobre a história e a inserção do
Brasil. Um relato pormenorizado dessas negociações encontra-se nas páginas 130 a 148.
96
A IDA do Banco Mundial oferece financiamento apenas aos países mais pobres. As
informações fornecidas pela própria IDA explicam alguns dos motivos das reticências de
países em desenvolvimento: “The Bank took important steps in the spring of 2001 to
increase transparency and broaden participation in the formulation of IDAs operational
approaches. […] in June 2001, for the first time in IDAs 41-year history, representatives
of borrowing countries joined donors in discussions about IDAs future directions”. IDA
website, The World Bank Group.
80
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
a qual os países em desenvolvimento desejavam obter um compromisso
dos países ricos com o patamar de 0,7% do PIB. Para isso, o Grupo
dos 77 contava com o apoio de alguns poucos países desenvolvidos
que já haviam atingido esta cifra, como a Dinamarca e os Países Baixos,
e que desejavam mostrar sua diferea com relão aos outros países
ricos.
Ao final das negociações, nas quais o papel do Embaixador
Rubens Ricupero eno Embaixador do Brasil nos Estados Unidos
foi determinante, evitou-se a temida ruptura e foi possível encontrar
formulões consideradas aceiveis por todas as partes: com relação
ao GEF, menciona-se a necessidade de maior transparência,
universalidade e equibrio na sua gestão e no seu processo decisório;
com relação à meta de 0,7% do PIB para ODA, os países desenvolvidos
reafirmam seu compromisso com a cifra, mas ficavam subentendidas
diferentes categorias: países que aceitam ou aceitaram atingir a meta
no ano 2000”, e países que “concordam em aumentar seus programas
de ajuda de forma a alcançar a meta tão cedo quanto possível”.
97
Quanto
à IDA, após a constatação de que os principais países doadores não
estavam de acordo com a menção literal às propostas de Preston no
documento final, acabou-se por adotar fórmula em que se daria
especial considerão às propostas do Presidente do Banco Mundial.
Conforme relato do Embaixador Ricupero, em vez de um
“fundo verde”, a Conferência
montou um verdadeiro sistema financeiro, um conjunto de
elementos inter- relacionados com o objetivo comum de custear
os programas ambientais […], sistema flexível composto de
mecanismos de financiamento diversificados (IDA, bancos
regionais, o GEF e outros fundos multilaterais, agências
especializadas da ONU, instituições de cooperação técnica, os
97
MINISTÉRIO DAS RELÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Brasil:
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. p. 56.
RETROSPECTIVA HISRICA
81
programas bilaterais responsáveis por quase dois terços da ajuda,
alívio de dívida, fundos privados, investimentos, financiamento
inovador como o os tradable permits etc.) []. Uma das
contribuições principais da UNCED foi justamente imprimir a
esse sistema diversificado e difuso uma unidade básica
proveniente, de um lado, de um minucioso plano de ação
consubstanciado na Agenda 21 […] e, de outro, as normas que
deverão orientar a operação financeira dos mecanismos que, em
conjunto, podem ser considerados como uma espécie de
“superfundo”.
98
Um tema que ganhara força no período preparatório da
Conferência do Rio, mas que acabou apenas constando de forma diluída
na Agenda 21, foi a questão das empresas transnacionais e o meio
ambiente. O documento preparado pelo Centro das Nações Unidas
sobre Corporações Transnacionais (United Nations Centre on
Transnational Corporations, UNCTC), Transnational Corporations and
Sustainable Development: Recommendations of the Executive Director,
nem sequer circulou na Conferência. Segundo o então Diretor Executivo
do UNCTC, Peter Hansen:
“[t]he U.S. and Japan had [...] made it clear that they were not
going to tolerate any rules or norms on the behaviour of the TNCs,
and that any attempts to win such rules would have real political
costs in other areas of the negotiations”.
99
(os EUA e o Japão
deixaram claro que não tolerariam qualquer tipo de regra ou norma
sobre o comportamento das corporações transnacionais e que
98
RICUPERO, Rubens, op cit, p. 145-146.
99
ATHANASIOU, Tom. op cit, citado p. 199. O autor relata que, no início de 1992, o
“United Nations Centre on Transnational Corporations” (UNCTC) foi reestruturado e
transformou-se em uma divisão (Transnational Corporations Management Division) do
novo “Department of Economic and Social Development”, uma manobra que teria dilu-
ído a importância do tema na ONU.
82
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
qualquer tentativa de obter vitórias nessa área teria custos políticos
reais em outras áreas da negociação).
A questão relativa à tecnologia, finalmente, exigiu difíceis
negociões, pois alguns dos temas eram considerados chasse gardée
de outros organismos e de grupo diferente de negociadores,
principalmente o da propriedade intelectual, negociada no contexto do
GATT, durante a Rodada Uruguai. Foram obtidos, no entanto,
progressos consideráveis, em parte pelo precedente do Protocolo de
Montreal, cujas emendas aprovadas em Londres, em 1990, previam
que os países em desenvolvimento poderiam eliminar a produção
de gases que destroem a camada de ozônio na medida em que
recebessem apoio financeiro e tecnológico. Na Agenda 21, es prevista
a necessidade de criarem-se condões mais favoveis para a obtenção
de tecnologias por parte dos países em desenvolvimento, como estímulos
ao setor privado, além da transferência para países em desenvolvimento,
em bases não-comerciais, de tecnologias cujas patentes seriam
compradas para este fim por governos de países ricos.
No tocante ao que viria a ser a Declarão do Rio”, a inteão
original de Maurice Strong, expressa na primeira Sessão do Comitê
Preparario, era de que emanasse da Conferência do Rio uma “Carta
da Terra (Earth Charter) texto de apenas uma página, em linguagem
simples.
100
Ao final da IV Seso do Comi Preparatório, entretanto,
chegou-se ao texto final de um documento de poucas páginas que
conseguia resumir, com surpreendente concisão, muitas das mais
importantes questões que dividem os interesses e preocupações dos
países desenvolvidos, em desenvolvimento e com economias em
transição. Intitulado Declaração do Rio”, o documento que
representava equilíbrio tão delicado que não sofreu alterões na própria
100
STRONG, Maurice. Discurso em 6 de agosto de 1990. UNCED website, Preparation
for UNCED.
RETROSPECTIVA HISRICA
83
Conferência –, conm 27 princípios que passaram a ser invocados com
freqüência e inspiraram extensa literatura interpretativa.
101
Alguns princípios favorecem claramente as posões dos países
em desenvolvimento, ao reiterar e fortalecer suas prioridades em
Estocolmo como o fato de os seres humanos estarem no centro das
preocupações com o desenvolvimento sustentável (Princípio 1), a
questão do direito soberano dos países de explorar os pprios recursos
segundo as próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento
(Princípio 2), o direito ao desenvolvimento (Princípio 3) e o fato de
normas ambientais aplicadas por alguns países serem inadequadas para
outros (Princípio 11). Constituem franco progresso no arcabouço
conceitual das negociações sobre meio ambiente e desenvolvimento o
princípio das responsabilidades comuns, pom diferenciadas (Princípio
7), e a necessidade de reduzir e eliminar os padrões insustenveis de
prodão e consumo (Prinpio 8).
Os pses desenvolvidos, por sua vez, obtiveram a inclusão de
diversos princípios que os favoreciam, ou que representavam importante
passo na direção de suas prioridades, como o princípio de que a
proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de
desenvolvimento (Princípio 4); o de que os Estados irão facilitar e
estimular a conscientização e a participação popular (Princípio 10); o
de que o princípio da precaução deverá ser amplamente observado
pelos Estados (Princípio 15); o de que seja efetuada avaliação do
impacto ambiental (Princípio 17); e, finalmente, o de que seja fortalecido
o papel das mulheres (Princípio 20). Os princípios que os países
desenvolvidos mais se esforçaram em aprovar permitem, muitas vezes,
sua utilização como critérios a serem invocados para orientar ou
justificar suas poticas de cooperação.
Todos os princípios são, evidentemente, resultado de formulação
que contempla disclaimers, que permitem sua aceitação pela parte
101
O texto completo da Declaração consta no Apêndice IV.
84
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
menos interessada. Os mais céticos acreditam que no dio prazo
se pode medir a força de cada princípio, dependendo da capacidade
de seus defensores de inseri-los em outros contextos, para que, aos
poucos, se diluam os disclaimers. Por exemplo, as maiores batalhas
nesse sentido travaram-se, nos últimos anos, com relação aos Princípios
7 (responsabilidades comuns, porém diferenciadas) e 15 (precaução).
Dada a atenção mundial ao problema do ritmo acelerado da
destruição das florestas, esperavam os ambientalistas que fosse
negociada, com vistas à Conferência do Rio, uma convenção sobre
florestas. Os deres do G7, reunidos em Houston, em 1990, e o Diretor-
Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO) órgão das Nações Unidas no qual é
tradicionalmente tratada a questão de florestas manifestaram seu
apoio ao início das negociações de uma convenção global sobre
florestas. Os maiores interessados em um instrumento jurídico vinculante
sobre florestas tropicais são, evidentemente, os países que não as
possuem. A posição dos países em desenvolvimento, eminentemente
defensiva, acabou prevalecendo: o nome completo da Declaração
aprovada no Rio é: “Declaração de Prinpios com Autoridade e o-
Juridicamente Obrigatória para um Consenso Mundial sobre o Manejo,
Conservação e o Desenvolvimento Sustentável do todos os Tipos de
Florestas.
A questão do desmatamento foi abordada tanto na Declaração
quanto na Agenda 21, mas os pses em desenvolvimento procuraram
assegurar que fosse dada à contribuição das queimadas para o
agravamento do aquecimento global a sua verdadeira dimensão. Com
isso, contornou-se a tendência de atribuir aos países em desenvolvimento
maior responsabilidade, com o objetivo de desviar a atenção do fato
de que as emissões dos países ricos, em razão de seus padrões de
produção e consumo, o majoritariamente responveis pelo
aquecimento global. Segundo Everton Vargas, o tema florestal foi um
dos principais cenários da disputa Norte–Sul no Rio e levou a que os
RETROSPECTIVA HISRICA
85
pses desenvolvidos sob a liderança do Ministro do Meio Ambiente
da Alemanha, Klaus Töpfer, hoje Diretor-Executivo do PNUMA
procurassem, até o último momento, impor a idéia de uma convenção.
Para Strong, the struggle to obtain an agreement on the modest
set of Forestry Principle underscores the difficulty of obtaining binding
commitments from governments on protection of the worlds forests.
102
(a luta para obter um consenso em torno de um conjunto modesto de
princípios sobre florestas demonstra a dificuldade de se obterem
compromissos legalmente vinculantes dos governos sobre a protão
da florestas do mundo). Mas o aspecto “defensivo” da Declaração
mostra, ao mesmo tempo, a reticência dos países em desenvolvimento
em aceitar o maior envolvimento dos países desenvolvidos nas suas
políticas florestais, e, sobretudo, a incapacidade dos países
desenvolvidos de oferecer argumentos lidos ou propostas objetivas
que justifiquem o maior envolvimento.
Principais conquistas e críticas à Conferência
A Conferência do Rio foi, sob os mais diversos pontos de vista,
um grande sucesso. Vinte anos após Estocolmo, o mundo parecia pronto
a colocar o meio ambiente entre os temas prioritários da agenda mundial.
A perspectiva de que o desenvolvimento sustentável seria a base de
um novo paradigma da cooperação internacional, no entanto, revelou-
se ilusória, uma vez que o processo de globalização se sobrepôs. O
desenvolvimento sustentável o é necessariamente incompavel com
a globalização: para muitos, ao contrário, a preocupão com o meio
ambiente é uma das conseências da globalização. Entretanto, rios
aspectos apontam para as dificuldades que a globalização representa
para a tentativa de se impor o desenvolvimento sustentável como novo
102
STRONG, Maurice. “Stockholm Plus 30, Rio Plus 10: Creating a New Paradigm of
Global Governance” In: SPETH, James Gustave (Ed.). Worlds Apart: Globalization
and the Environment. p. 38.
86
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
paradigma, como a incompatibilidade entre o crescimento das empresas
transnacionais e a mudança dos padrões de produção e consumo.
As críticas pontuais aos resultados da Conferência
concentram-se principalmente na Declaração de Florestas afinal, a
opinião pública, em todo o mundo, havia sido convencida de que
algo tinha de ser feito para acabar com a destruição das florestas e
na diluição, no texto final da Agenda 21, dos temas de energia pela
firme oposição dos países produtores de petróleo e dos consumidores
de caro. A questão da população, que continuava a preocupar
diversos analistas de países desenvolvidos e mesmo em
desenvolvimento, mereceu da revista The Economist um editorial
“The Question Rio Forgets”
103
(a pergunta que o Rio esquece), no
qual se refere ao problema do crescimento demogfico como o mais
crucial para o desenvolvimento sustentável. Dez anos mais tarde, no
entanto, o economista W.W. Rostow, cujas teorias foram, ao longo
das últimas cinco décadas, tão apreciadas pelo The Economist,
escreveria: “No meu ponto de vista, o acontecimento mais importante
do século XXI, na economia, será a diminuição da população mundial.
Isto se dará tanto nos países em desenvolvimento quanto nos países
industrializados”.
104
Muitos motivos podem ser apontados para explicar a frustração
com alguns dos resultados de negociões. O consenso, que dá a todos
os países poder de veto, muitas vezes leva ao mínimo denominador
comum. A avaliação mais correta da Conferência do Rio talvez tenha
sido dada pela própria agenda da pula de Joanesburgo: o se deve
questionar nem corrigir o legado do Rio; deve-se melhorar e fortalecer
os instrumentos que tornem possível a implementão mais efetiva de
seus resultados.
103
THE ECONOMIST, 30 de maio de 1992, p. 12.
104
ROSTOW, W.W. “Économie et stagnation démographique” In: MEIER, Gerald M., et
STIGLITZ, Joseph E. (Eds.). Aux frontières de l’économie du développement: le
futur en perspective. p. 441.
RETROSPECTIVA HISRICA
87
C) A CÚPULA DE JOANESBURGO.
Pela Resolução 55/199 da Assembléia Geral das Nações
Unidas, intitulada “Revisão decenal do progresso alcançado na
implementação dos resultados da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, foi convocada a Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável em 2002. O consenso político
obtido na Conferência do Rio em torno do conceito de desenvolvimento
sustenvel parecia haver criado uma sólida base para a colocão em
prática das recomendações da Agenda 21. Avanços inegáveis
ocorreram nas áreas de conhecimento cienfico, progresso tecnogico
e envolvimento do setor privado, ao mesmo tempo em que, na maioria
dos países, se fortaleceu a legislação ambiental e cresceram a informação
e a participão da sociedade civil. Diante das expectativas criadas no
Rio, no entanto, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan,
reconheceria, um mês antes de Joanesburgo, que “the record in the
decade since the Earth Summit is largely one of painfully slow progress
and a deepening global environmental crisis”.
105
o registro da cada
desde a Cúpula da Terra é principlamente uma demonstração de
progresso penosamente lento e de uma crise ambiental que se
aprofunda).
Apesar de enriquecimento do arcabouço jurídico negociado
no âmbito das Nações Unidas com conseências diretas ou indiretas
sobre o desenvolvimento sustentável, a dificuldade de implementação
dos compromissos era inegável. O descompasso entre a disposição
dos governos de negociar e a vontade política de assumir os desafios
criou na opinião pública um distanciamento que se justificaria na medida
em que os principais atores manifestavam ceticismo nos meses que
antecederam a Cúpula. O sistema multilateral, que parecia haver-se
fortalecido no Rio, tornara-se referência de insucesso pela falta de
105
TIME. World Summit Special Report, 26 de agosto de 2002, p. 22.
88
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
resultados: “[...] as is so often the case, our understanding popular
and scientific has run ahead of our political response. Johannesburg
offers a chance to catch up”.
106
(como ocorre freqüentemente, nossa
compreensão popular e científica foi mais rápida do que a nossa
resposta potica).
Os dez anos que se seguiram à Confencia do Rio constituíram
o período de maior crescimento econômico da história. Este crescimento
foi impulsionado por circunstâncias políticas, como o fim da Guerra
Fria e a decio da China de integrar ao seu modelo, progressivamente,
aspectos do sistema capitalista; por avaos tecnogicos, que
permitiram grandes saltos setoriais, como nas comunicações; e,
sobretudo, pelo vertiginoso aumento do fluxo de transações comerciais
e financeiras. Esse processo revelou o fortalecimento, em todo o mundo,
da atração pelos pades de vida ocidentais, cuja exisncia passara a
ser conhecida mesmo nos locais considerados mais isolados graças
aos meios de comunicação. O objetivo de atingir os padrões de
desenvolvimento ocidentais é o impulso que faz da globalizão the
most pressing issue of our time, something debated from boardrooms
to op-ed pages and in schools all over the world”.
107
(a mais urgente
questão da atualidade, algo debatido nas salas de reuniões das
empresas, nos jornais e nas escolas de todo o mundo).
O desenvolvimento associado à globalização, no entanto, o
segue os preceitos do desenvolvimento sustentável. A globalização,
em sua fase atual, parece corresponder mais ao capitalismo selvagem
do que à visão mais humanista contida no conceito de desenvolvimento
sustenvel. Na realidade, com a proposta de equibrio entre seus três
pilares ecomico, social e ambiental, o desenvolvimento sustentável
apresenta-se como uma fórmula politicamente aceivel de promão
de “valores” econômicos, poticos e éticos do Ocidente, resultado de
106
Ibid, p. 22.
107
STIGLITZ, Joseph. Globalization and its Discontents. p. 4.
RETROSPECTIVA HISRICA
89
processos negociadores no âmbito das Nações Unidas, símbolo
máximo da democracia multilateral. A globalização, segundo seus
defensores, também promove “valores” como a democratização e o
combate à corrupção, mas é o resultado de processos negociadores
diferentes, dirigidos pelas “three main institutions that govern
globalization: the IMF, the World Bank and the WTO.
108
(três principais
instituições que administram a globalização: o FMI, o Banco Mundial
e a OMC).
Como diz Egon Becker:
“[...] after the Rio Conference, we can observe within the public
debate as well as in scientific discourse the emergence of new
keywords, focusing public attention and intellectual energies –
and perhaps also money on selected issues. Sustainable
development is still one of them, globalization is another”.
109
(após a Conferência do Rio, observa-se no debate político e no
discurso científico a emergência de novas palavras-chave que
dirigem a atenção do público e as energias intelectuais e talvez,
também, recursos financeiros para certas questões.
Desenvolvimento sustentável é ainda uma delas, e outra é
globalização).
Em pouco tempo, entretanto, a globalização monopolizou o
debate, ocupando muito do espaço que, nos últimos anos, esperava-
se, poderia ter tomado o desenvolvimento sustenvel.
Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, a adoção
dos princípios do Consenso de Washington austeridade fiscal,
privatizações e abertura de mercados não traria os resultados
esperados. Como aponta Joseph E. Stieglitz, “globalization has not
108
Ibid, p. 10.
109
BECKER, Egon, op cit, p. 287.
90
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
succeeded in reducing poverty, neither has it succeeded in ensuring
stability”.
110
(a globalização não conseguiu reduzir a pobreza nem
conseguiu assegurar a estabilidade), As crises financeiras internacionais,
que se sucederam entre 1994 e 2001 iniciadas no México (1994) e
seguidas pela Ásia (1997), Rússia (1998), Brasil (1999) e Argentina
(2001) –, abalaram profundamente a confiança de muitos países em
desenvolvimento na capacidade das poticas neo-
liberais de levá-los
à superação de seus problemas. Esse questionamento da fórmula de
desenvolvimento econômico, preconizada pelo Consenso de
Washington, tem importantes repercussões políticas nos países em
desenvolvimento democráticos, onde cresce a convicção de que:
critical public discussion is an inescapably important requirement
of good public policy since the appropriate role and reach of
markets cannot be predetermined on the basis of some grand,
general formula – or some all-encompassing attitude – either in
favor of placing everything under the market, or of denying
everything to the market.
111
(o debate público é essencial para as
boas políticas públicas, já que o papel e o alcance dos mercados
não pode ser determinado com base em uma fórmula grandiosa
ou uma atitude geral que é a favor de colocar tudo sob o
mercado ou, ao contrário, a favor de negar tudo ao mercado).
A IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do
Comércio (OMC), que se realizou em Doha, em novembro de 2001,
e a Conferência Internacional sobre Financiamento para o
Desenvolvimento, realizada em Monterrey, em março de 2002,
organizada pelas Nações Unidas, transformaram-se em eventos de
imensa repercuso na dia por serem apresentados como o início da
reestruturação do comércio internacional e das regras financeiras.
110
STIEGLITZ, Joseph, op cit, p. 6.
111
SEN, Amartya, op cit, p. 124.
RETROSPECTIVA HISRICA
91
Apesar de alguns avanços significativos sobretudo diante dos impasses
que encontros anteriores, como a Conferência da OMC em Seattle,
haviam suscitado, as conferências de Doha e Monterrey não resultaram
em mudanças substanciais, mas sinalizaram alterações de rumo que
permitiriam alguma flexibilizão do sistema. O laamento de nova
rodada de negociações em Doha foi interpretado, de maneira geral,
como uma forma de fortalecer e aprimorar o sistema multilateral de
comércio, e de “defesa contra o unilateralismo dos grandes”.
112
a
Confencia de Monterrey, segundo avalião do Embaixador Gelson
Fonseca Jr., Representante Permanente junto às Nações Unidas, havia
conseguido, por um lado, aproximar a ONU das instituões de Bretton
Woods, mas confirmou, por outro lado, os prinpios do Consenso de
Washington, tal como defendiam os Estados Unidos.
113
A última década do culo XX havia sido extraordinária do
ponto de vista de crescimento econômico, mas favorecera de forma
desigual os diferentes setores das economias desenvolvidas, cuja
fragilidade também se comprovou, sobretudo pela longa estagnão
econômica japonesa,
e pelo torpor do crescimento europeu. Nesse
contexto, o crescente número de protestos antiglobalização nos pses
desenvolvidos adquiriu cada vez mais força política. Apesar de reunirem
grupos com interesses muito diversos sob a mesma bandeira
antiglobalização, as manifestações provocaram distúrbios que não eram
vistos na Europa e na América do Norte desde 1968. Os manifestantes
procuram chamar a atenção para o fato de que não são necessárias
apenas correções de rumo, mas, sim, mudaas profundas no sistema
financeiro e de corcio. Os protestos, ironicamente, obtiveram mais
efeito sobre o establishment do que as estatísticas do crescimento
das desigualdades no mundo na cada de 90 ou o clamor dos países
em desenvolvimento. Segundo Stieglitz:
112
LAFER, Celso. Mudam-se os Tempos: diplomacia brasileira, 2001-2002. Volume
1. p. 243.
113
Telegrama 608 da Missão em Nova York, de 28 de março de 2002.
92
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
[…] until the protestors came along there was little hope for
change and no outlets for complaint […] it is the trade unionists,
students, environmentalists ordinary citizens marching in the
streets of Prague, Seattle, Washington and Genoa who have put
the need for reform on the agenda of the developed world”.
114
(a aparecerem os manifestantes, havia pouca esperança de
mudança e o havia espaço para protestos [...]. Foram os
sindicalistas, os estudantes e os ambientalistas cidadãos
ordinárias , manifestando-se nas ruas de Praga, Seattle,
Washington e Gênova, que puseram a necessidade de reformas
na agenda do mundo desenvolvido.).
Se, pelo lado econômico, se anunciava difícil um êxito em
Joanesburgo, por outro, os atentados de 11 de setembro de 2001
provocaram uma mudança radical das prioridades da agenda potica
internacional que, também, não favorecia o debate sobre o
desenvolvimento sustentável. Apesar de existirem múltiplos elementos
que correlacionem segurança e desenvolvimento sustentável, com
efeitos de médio e longo prazo, o momento político tinha como
prioridade o curto prazo. Mesmo sem os atentados de 11 de setembro,
os Estados Unidos poderiam não ter dado maior atenção à Cúpula,
mas o contexto político permitiu que se justificasse a percepção de
que Joanesburgo era uma distração, ou uma perda de tempo, diante
de tantas queses urgentes na agenda internacional.
A nova era de cooperação internacional tão esperada após o
fim da Guerra Fria não se materializou. Uma das esperanças que se
alimentavam no início da década de 90 era o possível direcionamento
de parte do orçamento militar mundial para Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento (ODA) e outras iniciativas que pudessem favorecer
o desenvolvimento sustenvel. Como aponta Amartya Sen, no entanto,
114
STIEGLITZ, Joseph, op cit, p. 9.
RETROSPECTIVA HISRICA
93
é significativo que, anos após o fim da Guerra Fria, no período de
1996 a 2000, os membros permanentes do Conselho de Segurança
os países mais poderosos tenham sido responsáveis por 81% das
exportões de armas convencionais, chegando os EUA, por si s, a
exportar quase 50% das quais 68% para países em desenvolvimento.
Vistos sob o ângulo econômico, os dados conseguem ser um pouco
mais eloqüentes: os membros do G
8 os países mais ricos foram
responsáveis por 87 % das exportões de armas no período
mencionado. Sen aponta que os deres “who express deep frustration
at the irresponsibility of anti-globalization protesters, lead the countries
that make the most money in this terrible trade”.
115
(que expressam
profunda frustração pela irresponsabilidade dos manifestantes anti-
globalização o os mesmos que lideram os países que mais ganham
com esse terrível comércio [de armamento].).
A Cúpula de Joanesburgo, apesar desses obstáculos, pôde
estruturar-se com base em algumas evoluções positivas. Muitos dos
compromissos assumidos por governos no Rio de Janeiro, na realidade,
foram cumpridos graças ao empenho de comunidades e governos locais,
empresas e organizações não-governamentais, o que mostrou que o
conceito de desenvolvimento sustenvel pode ter um impacto direto
sobre as populões. Outras atitudes positivas verificaram-se por parte
de grandes empresas que adotaram individualmente ou em grupos
normas de responsabilidade nas áreas social e ambiental. Em
Cumprindo o Prometido, livro publicado em 2002 pelo Conselho
Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustenvel (WBCSD,
em inglês), o compromisso das grandes empresas transnacionais com
o desenvolvimento sustenvel é explicado de maneira muito clara:
Em suas primeiras manifestações, o desenvolvimento sustentável
era, em boa parte, uma agenda verde. Em meados da década de
115
SEN, Amartya. “Addressing Global Poverty”. In: The Economist, the World in
2002, p. 50.
94
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
1990, a situação mudou. Não que as empresas tenham percebido,
de repente, que estavam ignorando o lado social do conceito; a
transformação foi mais no sentido de que os problemas de muitos
negócios deslocaram-se do ambiental para o social […]. Como
causa ou efeito de vários escândalos, as pesquisas de opinião
revelavam que os consumidores demonstravam tanta preocupação
com o histórico das relações trabalhistas das empresas quanto
com seus antecedentes em termos de meio ambiente e tratamento
dispensado aos animais.
116
A percepção de que os humanos, a natureza e os animais
merecem preocupação similar o deveria ser uma revelãopara o
empresariado, mas trouxe grande alívio às delegações dos países em
desenvolvimento, que tanto lutaram no processo preparatório de
Estocolmo para que as preocupações ambientais fossem colocadas
em seu devido contexto, com o ser humano como prioridade.
O desenvolvimento sustentável ganhou adeptos, também, em
rculos políticos conservadores, por atribuir menos poder ao governo
central, por incentivar a tecnologia e, mais importante, por ter provado
ser, em número cada vez maior de áreas, economicamente viável. O
desenvolvimento sustentável, ademais, estimularia a coordenação interna
dos governos e equilibraria políticas de curto, dio e longo prazos.
117
A vio conservadora em 2002, portanto, não estava mais preocupada
com a escassez de recursos naturais ou com o aumento nos preços
desses recursos.
Os grandes progressos na área ambiental, no entanto, atingiram
principalmente os países ricos. Isto não se deu graças a importantes
mudanças nos padrões de produção e consumo, mas, sim, com
intervenções em áreas críticas, onde progressos visíveis para as
116
HOLLIDAY JR., Charles O., SCHMIDHEINY, Stephan and WATTS, Philip. Cum-
prindo o Prometido: casos de sucesso de desenvolvimento sustentável. p. 25 e 26.
117
THE ECONOMIST. Survey: How many planets?, 6 de julho de 2002, p. 13-15.
RETROSPECTIVA HISRICA
95
populações locais eram conquistados sem custos inviáveis, como muitos
temiam. Na área energética, por exemplo, apesar dos progressos no
desenvolvimento de novas tecnologias e na redução dos custos das
energias alternativas como as energias solar e eólica, os subsídios ao
uso de energias “sujas”, como o carvão, parecem ainda inalteráveis
por motivos políticos. As emissões dos países ricos continuam a crescer,
e a famosa frase de Mahatma Gandhi permanece lida: “God forbid
that India should ever take to industrialism after the manner of the West
[…] it took Britain half the resources of the planet to achieve this
prosperity. How many planets will a country like India require?
118
(Deus
nos proteja de que a Índia se industrialize da mesma maneira que o
Ocidente[...] O Reino Unido usou a metade dos recursos do planeta
para atingir sua prosperidade. De quantos planetas vai precisar a Índia?).
A questão da mudança do clima evoluiu de maneira
particularmente complexa entre o Rio e Joanesburgo. Como visto
anteriormente, o sucesso da fórmula que se adotou para combater as
substâncias que destroem a camada de ozônio uma convenção-quadro
com princípios sicos e compromissos vagos, seguida de protocolo
em que o especificados metas e compromissos nas áreas financeira
e de transferência de tecnologia levou a que se procurasse solução
equivalente para as negociões de mudaas do clima. A assinatura
no Rio de Janeiro da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima
foi seguida, como previsto, da negociação de protocolo que incluiria
metas e compromissos mais espeficos.
Uma questão-chave nas negociações internacionais de meio
ambiente é o papel desempenhado pelos Estados Unidos. Como aponta
James Gustave Speth, “The world’s most powerful country led in the
fight for national level action in the 1970s, but has largely failed to provide
international leadership on the global agenda.
119
(O país mais poderoso
118
Ibid, p. 5.
119
SPETH, James Gustave. “Two Perspectives on Globalization and the Environment”. In:
SPETH, James Gustave (Ed.). Worlds Apart: Globalization and the Environment. p. 8.
96
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
do mundo liderou a luta por medidas domésticas nos anos 70, mas
falhou amplamente no papel de líder internacional no que se refere à
agenda global.). Stephen Hopgood fornece, em seu ensaio “Looking
beyong the K-Word: Embedded Multilateralism in American Foreign
Environmental Policy”, uma interessante interpretação de importantes
aspectos da atitude norte-americana, ao lembrar que:
[c]oncerted multilateral action on the international environment
dates back to the late 1960s and a Swedish proposal to hold a
UN environment conference because of fears about transnational
industrial pollution, especially acid rain. Thus, the unrivalled scale
of domestic environmental politics in the United States at this
time was not the catalyst for international action. As a result, the
international agenda was framed in a very different way from
the domestic American agenda, the latter much less clearly
reflected in the former than is apparent in other issue areas like
international trade, terrorism, or drug-traficking.
120
(A ação
multilateral em torno do meio ambiente global iniciou-se no final
dos anos 60 com a proposta sueca de realizar-se uma conferência
das Nações Unidas, pelo temor causado pela poluição industrial
transfronteiriça, principalmente pela chuva ácida. a escala
incomparavelmente maior de políticas ambientais domésticas nos
EUA naquele momento, portanto, não foi o catalisador da ação
internacional. Como resultado, a agenda internacional foi pautada
de maneira muito diferente da agenda doméstica norte-americana,
a última tornando-se muito menos refletida na primeira do que
em outros temas, como os casos de corcio internacional,
terrorismo ou tráfico de drogas.).
120
HOPGOOD, Stephen. “Looking Beyond the ‘K-Word’: Embedded Multilateralism
in American Foreign Environmental Policy”. In: FOOT, Rosemary, MACFARLANE, S.
Neil and MASTANDUNO, Michael (Eds.). US Hegemony and International
Organizations. p. 141.
RETROSPECTIVA HISRICA
97
Outro aspecto importante é a conhecida dificuldade dos EUA
em aceitar discutir temas que lhes parecem relevantes em contextos
mais amplos, como a Assembléia Geral ou as grandes Conferências
das Nações Unidas, em que sua condição excepcional de facto não é
reconhecida formalmente. Esta é muito mais reconhecida no Conselho
de Segurança, na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),
na OCDE ou no seio das instituições de Bretton Woods, contextos
multilaterais nos quais claramente os EUA preferem atuar. De certa
maneira, como apontam Foot, Mac Farlane e Mastanduno, em vez de
os Estados Unidos reconhecerem a compatibilidade entre o
multilateralismo e seu tão prezado valor dostico de pluralismo, o
que acaba por ocorrer é que the pervasive yet very parochial American
concern over the suffocating power of big governmentis carried over
into the international arena.
121
(a ampla, porém paroquial, preocupação
americana a respeito do poder sufocante do governo central é transferida
para a arena internacional.).
A alise das posões dos Estados Unidos sobre os Protocolos
de Montreal e de Quioto por autores norte-americanos oferece
perspectiva interessante: no primeiro, houve uma clara liderança norte-
americana; no segundo, houve relutância, seguida de tentativa de adaptar
o documento aos interesses do país, mas, em última análise, foi
considerado inadequado. Para Hopgood
122
, na realidade, os mesmos
motivos teriam provocado atitudes opostas. As negociações sobre a
camada de ozônio foram incentivadas pelos EUA, porque levavam ao
nível global uma decisão que havia sido tomada internamente: a
legislação interna determinou, em 1978, a eliminação do uso de CFCs
para aerossóis, o que obrigou as principais empresas químicas norte-
americanas a encontrar substitutos. Uma vez encontrados estes
substitutos, as empresas norte-americanas tinham interesse em apoiar
121
FOOT, Rosemary, MACFARLANE, S. Neil and MASTANDUNO, Michael (Eds.).
US Hegemony and International Organizations. p. 3 e 11.
122
HOPGOOD, Stephen, op cit, p. 141-150.
98
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
a Conveão de Viena, para criar, também mundialmente, limitações
que lhes haviam sido impostas pela legislação norte-americana, o
que as favoreceria frente à concorrência de empresas de outros pses.
Assim, o Congresso norte-americano aprovou a Convenção e o
Protocolo, pois ambos legitimavam a agenda doméstica e, tamm, o
que Araújo Castro considerava ser a tendência americana de “conferir
à sua legislação interna uma validade e uma vigência universais”.
123
A atitude norte-americana inverte-se no caso do aquecimento
global: a Convenção é incentivada pelos europeus por motivos similares
aos norte-americanos no caso do ozônio sua vantagem comparativa.
A matriz energética européia sofrera modernização em função de
ajustes provocados pelas crises do petróleo e pela cada vez mais severa
legislão ambiental na União Européia. Do lado norte-americano, no
entanto, “[a]mbiguous science, higher potential costs, and the lack of
industry support […] all gave a boost to those arguing that climate
change would simply be used by Americas competitors to make relative
gains at the USs expense”.
124
(as ambigüidades científicas, a perspectiva
de custos elevados e a falta de apoio da indústria [...], tudo isso
incentivou aqueles que defendiam que a mudança do clima iria ser
simplesmente usada pelos competidores para obter ganhos relativos
às custas dos EUA). O governo de George Bush, em 1992, conseguiu
negociar linguagem suficientemente vaga, e assinou a Convenção.
Clayton Yeutter, que coordenava as políticas de mudaas climáticas
na Casa Branca, tranquilizou o Congresso, afirmando que os EUA
“would do its share only because of domestic policy and not […]
because of any compulsion arising from this proposed document”.
125
(fariam a sua parte somente para cumprir com sua política interna, e
não [...] por obrigações que resultassem do documento proposto).
123
AMADO, Rodrigo, op cit, p. 318.
124
HOPGOOD, Stephen, op cit, p. 149.
125
Ibid, p. 150.
RETROSPECTIVA HISRICA
99
Em 1997, no entanto, enquanto o Governo de Bill Clinton
negociava o Protocolo de Quioto, “the Senate took pre-emptive
action, with support from the Departments of Commerce, Energy,
and Defense, passing a resolution (Byrd-Hagel) 95-0 that it would
not ratify any protocol emerging from Kyoto that did not explicitly
include emissions restrictions from developing countries.
126
(o Senado
tomou medida preventiva, com o apoio dos Departamentos de
Comércio, Energia e Defesa, e passou a resolução Byrd-Hagel, por
95-0, segundo a qual o Senado o ratificaria qualquer Protocolo
que resultasse de Quioto que não incluísse explicitamente restrições
de emises (metas) de países em desenvolvimento). O Governo
Clinton assinou o Protocolo, mesmo sabendo que o poderia ser
ratificado naquele momento: “this may have happened if Al Gore had
been elected President.
127
(isto poderia ter acontecido se Al Gore
tivesse sido eleito Presidente).
Para os países em desenvolvimento e, sobretudo, para as
maiores economias em desenvolvimento como Brasil, China e Índia,
o apoio incondicional ao Protocolo de Quioto tornou-se prioritário
na agenda de Joanesburgo. A importância do instrumento dava-se,
principalmente, por dois motivos: do ponto de vista político, o fato
de os pses do Anexo 1 (Membros da OCDE e economias em
transição) terem metas, e os países em desenvolvimento o as terem,
representou o claro reconhecimento em um documento capital do
princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, um
dos pilares da posição do G77 e China no tocante a desenvolvimento
sustenvel. Do ponto de vista ecomico, o fato de os países fora
do Anexo 1 não terem metas assegurava certa flexibilidade a seus
projetos de desenvolvimento. Se a previsão dos custos de
cumprimento das metas do Protocolo de Quioto justificava a sua
126
Ibid, p. 159.
127
Ibid, p. 160.
100
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
o-ratificação pelos Estados Unidos, os países em desenvolvimento
certamente não poderiam aceitar metas.
Ao terem de enfrentar a necessidade de, ao mesmo tempo, inserir-
se na moderna economia globalizada e superar seus passivos social e
econômico, os países em desenvolvimento chegaram a Joanesburgo com
renovadas reivindicações, conscientes de que as relações internacionais,
como aponta o ex-Chanceler Celso Lafer, haviam sido pautadas menos
pela égide da cooperação, da justiça e da eqüidade do que pelo
recrudescimento das divergências Norte-Sul [...] e do surgimento de
agendas seletivas de cooperão”.
128
O recurso a agendas seletivas torna-se instrumento de importância
capital para que os países industrializados transmitam a suas
constituencies a percepção de que estão contribuindo com grande
empenho para o desenvolvimento sustentável dos países em
desenvolvimento. As falhas de governança nestes países são apontadas
como o principal fator para que os esfoos de cooperação dos países
desenvolvidos não frutifiquem.
Governança é mais um conceito fortalecido
nos últimos anos e cuja definição pode variar. Segundo Rosenau e
Czempiel, em Governança sem governo:ordem e transformação
na política mundial:
Governança o é o mesmo que governo. Pode, em casos extremos,
haver governanca sem governo e governo sem governaa. Governo
sugere uma autoridade formal, dotada de poder de polícia, que garante
a implementão de poticas instituídas. Governança refere-se a
atividades apoiadas em objetivos comuns e partilhados, que abrangem
tanto as instituões governamentais quanto mecanismos informais,
de cater não-governamental, mas que funcionam se forem
aceitos pela maioria ou, mais precisamente, pelos principais atores
128
LAFER, Celso. Discurso na Conferência Rio + 10, Rio de Janeiro, 25 de junho de
2002.
RETROSPECTIVA HISRICA
101
de um determinado processo. Em outras palavras, governaa é um
fenômeno mais amplo do que governo.
129
A questão da governança, que provocou grande interesse na
Cúpula por ser um dos temas que envolvem a participão de diversos
setores da sociedade, é identificada com a agenda dos países
desenvolvidos, no contexto do “estímulo” à maior participação da
sociedade civil destes países. Na mesma linha, a ênfase que a pula
de Joanesburgo atribuiu às iniciativas de Tipo 2 projetos que
independem de entendimentos entre governos e que estimulam a relação
direta entre governos locais, comunidades, entidades e empresas ou
ONGs foi interpretada por certas delegações como uma forma de
privatizar as Nações Unidas, diminuindo a intervenção governamental
e dando à iniciativa privada, às ONGs e à sociedade civil a capacidade
de efetivamente acelerar os avanços na área ambiental.
Essas iniciativas, no entanto, receberam amplo apoio por
fortalecerem a tendência que se verificou frufera nos dez anos que se
seguiram à Conferência do Rio. O Diretor-Executivo do PNUMA,
Klaus Töpfer, considera que um dos maiores êxitos de Joanesburgo
foi
o estabelecimento de parcerias.
130
A atitude seria, antes qualquer coisa,
realista, pois, como aponta Paul Wapner, em 1994, o orçamento do
PNUMA era de 75 milhões de dólares, enquanto o do Greenpeace
era de 100 milhões e o do WWF, de 200 milhões de dólares.
131
A principal crítica às iniciativas de Tipo 2, porém, não se refere
ao estabelecimento de parcerias e, sim, à possibilidade de se
129
CAMARGO, Aspásia. “Governança para o Século 21”. In: TRIGUEIRO, André
(Ed.). Meio Ambiente no século 21, 21 especialistas falam da questão ambiental
nas suas áreas de conhecimento. p. 307.
130
PFER, Klaus. Discurso no Ministério do Meio Ambiente, Brasília, agosto de
2003.
131
WAPNER, Paul. “The transnational politics of environmental NGOs: Governmental,
economic, and social activism”. In: CHASEK, Pamela. The Global Environment in the
Twentieth Century. p. 92.
102
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
transformarem em outro instrumento de cooperação seletiva, pelo qual
os governos de países desenvolvidos poderiam canalizar suas
contribuições diretamente para projetos e países de seu interesse e, o
mais grave, por meio de instrumento sacramentado pelas Nações
Unidas. A preocupação dos países em desenvolvimento seria no sentido
de que esse processo legitimasse a tendência dos países industrializados
para esvaziar a dimensão da cooperação nas atividades operacionais
das Nações Unidas, da qual um dos exemplos seria a reforma do PNUD
na última cada.
As iniciativas de Tipo 2 demonstram, também, o quanto cresceu,
no período entre a Conferência do Rio e a Cúpula de Joanesburgo, a
aceitação por parte de número significativo de ONGs das forças de
mercado como aliado da proteção ao meio ambiente. Essa perspectiva
revelou-se essencial nos países desenvolvidos, onde se começou a
reconhecer os limites do chamado sistema de “comando e controle”.
Quando as iniciativas eram locais, quando o havia nem legislão,
nem instituições que defendessem o meio ambiente, os progressos eram
rapidamente visíveis e os custos revelaram-se razoáveis. À medida
que a fase dos desafios locais nos países desenvolvidos era superada,
as questões globais – como a camada de ozônio ou a mudança do
clima passaram a exigir altos investimentos e mudanças nos padrões
de produção e consumo. Mesmo os ambientalistas mais radicais sabem
da dificuldade de aprovação, hoje, nos países ricos, de uma lei com
impacto ambiental sem que as entidades empresariais tenham analisado
os custos de sua implementação. Esse fator representa um dos grandes
incentivos para projetos em países de menor desenvolvimento, onde
cada dólar aplicado pode produzir resultados incomparáveis ao que
se poderia obter na Europa ou nos Estados Unidos.
Nos anos que se seguiram à Conferência do Rio, outra mudança
significativa deu-se por causa do maior conhecimento e do interesse
pelo meio ambiente por parte das instituições e as organizações não-
governamentais nos países em desenvolvimento. Assim, muitos conceitos
RETROSPECTIVA HISRICA
103
ligados à proteção do meio ambiente, criados em países desenvolvidos,
passaram a ser analisados em contextos específicos de países em
desenvolvimento. A formação, ainda que parcial, do pensamento
ambiental no Terceiro Mundo foi um dos principais elementos para
que se legitimasse o movimento ambientalista nos países em
desenvolvimento. Como explica Mark Malloch Brown, Administrador
do PNUD, “[…] the old environmental movement had a reputation of
elitism […] the key now is to put people first and the environment
second, but also to remember that when you exhaust resources, you
destroy people”.
132
(o velho movimento ambientalista tinha a reputação
de elitista [...]. A chave agora era colocar as pessoas em primeiro lugar
e o meio ambiente em segundo, mas também lembrar que, quando se
esgotam os recursos, as pessoas são destruídas)
O contexto no qual se desenvolve a preparação da Cúpula de
Joanesburgo é resumido por Kofi Annan: “Clearly, this is not Rio”.
133
(Claramente, isto o é o Rio). Com suas deficiências e decepções, no
entanto, Joanesburgo não deixou de representar uma etapa significativa
na evolão da agenda do meio ambiente e do desenvolvimento.
Análise dos principais temas da Cúpula
e das reuniões preparatórias
O processo preparatório da pula de Joanesburgo foi, desde
o início, menos ambicioso que o do Rio: não havia processos de
negocião para Convenções a serem assinadas na Conferência, nem
se pretendia elaborar um documento da complexidade e abrangência
da Agenda 21. O desafio do processo preparatório era progredir onde,
no Rio, se havia verificado impasse ou o se lograra cumprimento, e
132
TIME, op cit, p. 12.
133
SPETH, James Gustave. “Environment and Globalization after Johannesburg”. In:
SPETH, James Gustave (Ed.). Worlds Apart: Globalization and the Environment. p.
155.
104
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
encontrar caminhos realistas para que o acordado no Rio fosse
implementado. O Comitê Preparario da Cúpula do Desenvolvimento
Sustenvel reuniu-se três vezes em Nova York: em abril/maio de 2001;
em janeiro/fevereiro e em março/abril de 2002; e uma vez a quarta
reuno, de caráter ministerial em Bali, em maio/junho de 2002. Foi
eleito para a Presidência do Comitê o Dr. Emil Salim
134
,
da Indonésia
(para uma das dez vagas de Vice-Presidente, foi eleita a Ministra Maria
Luiza Ribeiro Viotti, da Missão do Brasil junto às Nações Unidas).
Kofi Annan indicou para Secretário-Geral da Cúpula o indiano Nitim
Desai, Secretário-Geral Adjunto para Temas Econômicos e Sociais
das Nações Unidas.
Desai, que havia sido Secretário-Geral Adjunto da Conferência
do Rio, não contava com a personalidade expansiva e a rede de
conhecimentos de Maurice Strong, seu antecessor em Estocolmo e no
Rio. Era inegável, no entanto, sua larga experiência burocrática, no
Ministério da Fazenda indiano e nas Nações Unidas, e seu
conhecimento dos temas pertinentes ao desenvolvimento sustentável.
Desai foi Senior Economic Advisor da Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento a Comissão Brundtland , da qual Emil
Salim havia sido um dos membros, como também fora Strong.
A Cúpula foi planejada para dar especial importância às
contribuições que demonstrassem a viabilidade do desenvolvimento
sustentável nos níveis local, regional, nacional e internacional, e aos
papéis que podiam exercer os multistakeholders, atores o-
governamentais das mais diversas áreas da sociedade civil, como o
setor produtivo, os sindicatos, as organizações não-governamentais e
as comunidades cienfica e acadêmica. A partir da segunda Sessão do
Comitê Preparatório, já se revelava importante a participação de setores
o-governamentais, que, graças a reunes, apresentações e eventos
134
O talento negociador e conciliador de Salim, segundo diplomatas que participaram dos
dois processos, não era comparável ao de Tommy Koh, no processo preparatório da Rio-
92.
RETROSPECTIVA HISRICA
105
paralelos, trouxeram diversos elementos enriquecedores para o debate
intergovernamental.
Parecia clara a noção de que o exercício potico-diplomático
enfrentaria obstáculos consideveis por não existir sinalização por parte
dos principais atores políticos no processo Estados Unidos, União
Européia e o Grupo dos 77 e China de que estariam dispostos a “ir
mais além de Doha e Monterrey(frase constantemente repetida no
processo preparatório e durante a Cúpula), ou a fazer maiores
conceses. Uma alternativa era atribuir maior importância e papel na
Cúpula aos multistakeholders, fórmula que permitiria acentuar a
relevância da reunião aos olhos da opinião pública e de setores influentes
da sociedade civil, que poderiam, por sua vez, exercer pressão para
que houvesse maior comprometimento por parte dos governos.
À medida que a Cúpula de Joanesburgo se aproximava,
e todos
os seus objetivos faziam referência a outras reunes como Rio, Doha
e Monterrey , a África do Sul soube aproveitar a oportunidade política
para elevar ao máximo a atenção a ser dada pela Conferência às
prioridades da região. Perguntado sobre qual seria o tema principal da
Conferência de Joanesburgo, o Ministro do Meio Ambiente da África
do Sul, Valli Moosa, respondeu: “pobreza”.
135
O Princípio 1 da
Declaração do Rio “Os seres humanos estão no centro das
preocupações com o desenvolvimento sustenvel. rao a Valli
Moosa, mas o foco sobre a pobreza e pobreza extrema, na
interpretação africana representava desvio considerável da
prioridades do G77 e China, que, além de fortalecer os princípios do
Rio, queria ver progressos nos compromissos dos países desenvolvidos
com relação a recursos financeiros novos e adicionais, transferência
de tecnologia e acesso a mercados. A questão da pobreza envolvia,
sem vida, outra das reivindicações mais tradicionais do Grupo, a do
aumento da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA), mas a atenção
135
THE ECONOMIST, 24 de agosto de 2002, p. 38.
106
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
excessiva à “ajuda”, representaria uma ria simplificação da agenda
dos países em desenvolvimento com relação ao desenvolvimento
sustentável.
O foco sobre a pobreza era bem visto pelos países
desenvolvidos, que, ao fortalecê-lo, podiam satisfazer importantes
setores da sociedade civil de seus países que queriam ver atitudes que
demonstrassem algum progresso na mitigação dos impactos negativos
da globalização. Trinta anos após o pronunciamento de Indira Gandhi
na Conferência de Estocolmo, no qual disse a frase “poverty is the
greatest polluter(a pobreza é o maior poluidor), a relação entre pobreza
e meio ambiente continuava a ser interpretada de maneiras diferentes.
Os países em desenvolvimento liam a frase da seguinte maneira: o
combate à pobreza é o principal caminho para o desenvolvimento
sustentável, ou é condição essencial para o desenvolvimento sustentável.
Os países industrializados preferiram, em 1972, entendê-la de outra
forma: a diminuição da poluição passa pela diminuição da população
pobre, via controle de natalidade (e não desenvolvimento). Em
Joanesburgo, a interpretação dos pses desenvolvidos teria evoldo:
os principais problemas do meio ambiente estão ligados à pobreza,
portanto, aos países em desenvolvimento.
Entre avanços nas áreas financeira, comercial e tecnológica, ou
maior ajuda para combater a pobreza, não havia dúvida para os pses
desenvolvidos de que o foco sobre a pobreza extrema representaria
desafio potico menor. O documento preparado pelos países africanos
com a expectativa de ser um dos principais resultados de Joanesburgo,
New Partnership for African Development” (NEPAD) (Nova Parceria
para o Desenvolvimento da África), contém as legítimas prioridades da
região, mas revela sua disposão em ser individualizada com relação ao
resto do mundo em desenvolvimento e, sobretudo pela própria ausência
do termo sustainableem seu tulo –, a falta de compromisso com a
lida, coesa e coerente posição construída a duras penas pelo G77 e
China entre Estocolmo e Joanesburgo.
RETROSPECTIVA HISRICA
107
Era imposvel para os membros o-africanos do G77 e China
não apoiar o NEPAD, mas a iniciativa africana de singularizar-se levou
o grupo de Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS,
em inglês) a reivindicar, igualmente, a sua excepcionalidade. O pequeno
grupo reúne países particularmente sensíveis às questões de pesca e
energia, e, principalmente, vulneveis às mudanças cliticas. Países,
como Tuvalu, dependem da diminuição do ritmo do aquecimento global
para sua própria existência, visto que a maior parte de seu território
poderia desaparecer com a elevação no nível do mar.
Quando Emil Salim apresentou, na Terceira Seso do Comitê
Preparatório, a sua proposta de “plano de ão”, já se podia reconhecer
a estrutura do Plano de Implementação que seria aprovado em
Joanesburgo.
136
O documento, dividido em dez seções, dedicava uma
(seção 7) exclusivamente aos SIDS, e outra (seção 8) à África. Em
Bali, no entanto, durante a Quarta Sessão do Comitê Preparatório, o
G77 e China, por iniciativa do Brasil, conseguiram criar uma nova seção
no Plano de Implementão, na qual foram inseridas as reivindicações
da América Latina e Caribe, às quais se juntaram as da Ásia e Pacífico,
e até as da Europa – por iniciativa dos países com economias em
transição, diluindo-se, assim, de forma considerável, o foco sobre a
África, o marcante no documento original.
Os demais temas prioritários constantes da proposta de plano
de ão eram: erradicação da pobreza (são 2); alteração dos padrões
insustentáveis de produção e consumo (seção 3); proteção e gestão
das bases de recursos naturais para o desenvolvimento econômico e
social (são 4); desenvolvimento sustenvel em um mundo voltado
para a globalização (seção 5); saúde e desenvolvimento sustentável
(seção 6); e meios de implementação (seção 9) e governança (seção
10). A parte 1 do documento era reservada à introdução.
136
A tradução para o português do Plano de Implementação foi publicada, em 2003, pelo
Ministério do Meio Ambiente.
108
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
A negociação do Plano de Implementação revelou-se mais
difícil do que inicialmente se imaginava, e o objetivo do Presidente
do Comitê Preparatório de poder anunciar um “Bali Consensus” ao
final da reunião não se materializou. Emil Salim atriba grande
importância à associação de seu país ao documento que seria
formalmente acordado somente em Joanesburgo: a Indonésia havia
desistido com dificuldade de sua candidatura para sediar a pula e,
por motivos internos, tinha expectativas de conseguir algo mais do
que organizar a última Sessão do Comitê Preparatório ainda que
em nível ministerial e presidida por um indosio. Os relatos de
imprensa e de participantes da reunião de Bali foram unânimes quanto
ao profundo impasse ao qual se havia chegado e ao lado da
preocupante quantidade de temas substantivos que ficariam pendentes
para solão em Joanesburgo. O segundo documento a ser aprovado
em Joanesburgo, a “Declaração Política”, sequer fora discutido em
Bali, tendo em vista a concentrão dos esforços na discussão do
Plano de Implementação.
O impasse provocado pela radicalização das posições dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento no processo preparario
levou a que temas como a reiteração de princípios acordados no Rio,
a globalização, os meios de implementação no contexto dos quais
era dada especial atenção à questão de comércio – e a governança
tivessem de ser negociados, sob forte pressão, durante a própria
Cúpula. Importantes temas, no entanto, dividiam os países
desenvolvidos. Estados Unidos e Uno Euroia enfrentaram-se em
diversos momentos, como nas questões de energias renováveis, de
mudança do clima, de acompanhamento das iniciativas de Tipo 2 ou,
ainda, de responsabilidade corporativa.
Outro fenômeno marcante foi a dificuldade de coordenação
entre os membros da própria União Européia: alguns embates
chegaram a interromper por diversas vezes, durante horas, as
negociações dos Grupos de Trabalho, pois nenhum representante da
RETROSPECTIVA HISRICA
109
UE podia estar presente antes de ser conseguido o consenso entre
os quinze. Nesse sentido, vale registrar o comentário do então porta-
voz da União Européia em Bali, o diplomata espanhol Román
Oyarzun, de que, contrariamente à UE, o Grupo dos 77 e China,
apesar de ter de conciliar as posições de 133 países, em nenhum
momento havia paralisado as negociações. Isso ocorreu em Bali e,
sobretudo, em Joanesburgo, pelos embates entre países-membros e
funcionários da Comissão Européia.
137
A presença de mais de cem Chefes de Estado e de Governo
em Joanesburgo apesar da ausência do Presidente George W.
Bush assegurou à Cúpula a atenção da mídia, um dos elementos
importantes do encontro. A fórmula de Conferência das Nações
Unidas, inaugurada em Estocolmo e repetida para os mais diversos
temas de criaas a racismo, pareceu para muitos esgotada com
Joanesburgo, onde os resultados não teriam sido atingidos: much
ado about nothing”, como comentou um delegado ings para um
membro da delegação brasileira. Para outros, no entanto, os
resultados são menos importantes do que o evento em si, uma vez
que, na sociedade de hoje, profundamente influenciável pela mídia
e com pouco tempo a dedicar a tantos acontecimentos, os temas
adquirem importância proporcional ao espetáculo que conseguem
colocar à disposição dos meios de comunicação. A prioridade
política que o meio ambiente adquiriu no período da Confencia
do Rio não se repetiria, mas o patamar atingido teria sido preservado
pelo envolvimento dos novos atores. Para o Natural Resources
Defense Council, se o Rio foi o “Earth Summit” (Cúpula da Terra),
Joanesburgo seria o “Down to Earth Summit
138
(Cúpula dos pés
no co).
137
Entrevista ao autor, Nova York, outubro de 2003.
138
SPETH, James Gustave. “Environment and Globalization after Johannesburg”. In:
SPETH, James Gustave (Ed.). Worlds Apart: Globalization and the Environment. p.
156.
110
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Principais conquistas e críticas à Cúpula
Os mais significativos resultados da Cúpula de Joanesburgo
incluem, na maioria das opines, a fixação ou a reafirmão de metas
para a erradicação da pobreza, água e saneamento, saúde, produtos
químicos perigosos, pesca e biodiversidade; a incluo de dois temas
de difícil progresso em inúmeras negociações anteriores (energias
renováveis e responsabilidade corporativa); a decisão política de criação
de fundo mundial de solidariedade para erradicação da pobreza; e o
fortalecimento do conceito de parcerias entre diferentes atores sociais
para a dinamização e eficncia de projetos. As maiores virias, para
os grandes grupos negociadores, também foram contabilizadas pelo
que conseguiram impedir que fosse aprovado na pula.
As críticas à Cúpula sobre Desenvolvimento Sustenvel foram
infinitamente mais numerosas do que as menções às suas conquistas.
Os resultados demonstraram, no entanto, que persiste considerável
consistência no tratamento das questões ligadas ao meio ambiente, e
o se pode minimizar a imporncia da manutenção da continuidade
do caminho traçado no Rio, apesar dos obstáculos econômicos e
políticos da cada que separa as duas Conferências.
Se no Rio as ONGs conquistaram legitimidade, após terem
sido vistas por muita delegações como “intrusas” em Estocolmo, em
Joanesburgo tiveram seu papel ainda mais fortalecido. A superação de
visões maniqueístas e idealistas aproximou-as da dimensão mais política
do que cienfica dos temas,
e permitiu que se integrassem, na maioria
dos casos, de maneira construtiva. Com alguns de seus membros
presentes em diversas delegações oficiais defendendo interesses
locais, regionais ou nacionais e outros que representavam as pprias
organizações em alguns temas favoveis a uns países e, em outros,
apoiando países diferentes –, as ONGs revelaram-se mais maduras.
As atitudes combativas não desapareceram, mas se consolidaram outros
modos de atuação, assim como a tendência de muitas ONGs
RETROSPECTIVA HISRICA
111
internacionais para ver o mundo, também, pela ótica dos
subdesenvolvidos.
Joanesburgo assistiu, ainda, ao fortalecimento da participação
mais efetiva e construtiva do empresariado nas discussões internacionais
sobre desenvolvimento sustentável. Na realidade, o setor produtivo
sempre teve papel preponderante nas decies dos pses com relão
a suas políticas internas de meio ambiente. Não se pode negar, nesse
sentido, a legitimidade da maior participação do setor produtivo
sobretudo transnacional quando é evidente que a globalização tem o
potencial de promover ou de descaracterizar o desenvolvimento
sustentável em poucos anos. É compreensível, entretanto, a
preocupação de certos governos e ONGs quanto aos possíveis
excessos das empresas transnacionais ao defenderem os seus interesses
em diferentes países do mundo, em fuão de suas lutas por mercado.
Na avaliação de Margot Wallström, então Comissária Européia
responsável pelo meio ambiente
Johannesburg [...] with Doha and Monterrey, have shaped a global
partnership for sustainable development. This partnership includes
commitments to increased development assistance and market access
for developing countries, good governance and a better
environment.
139
(Joanesburgo, com Doha e Monterrey, moldaram
uma parceria global para o desenvolvimento sustentável. Esta parceria
inclui compromissos de aumento da assistência ao desenvolvimento e
do acesso a mercados para países em desenvolvimento, da boa
governança e de meio ambiente mais saudável.).
A Conferência do Rio havia estabelecido um diálogo entre países
em desenvolvimento e países desenvolvidos que permitiu a aceitação
139
WALLSTM, Margot. Discurso “From Words to Deeds. The Results of the
Sustainability Summit in Johannesburg.”, 11 de setembro de 2002, comentado pelo
Telegrama 883 de Braseuropa, de 13 de setembro de 2002.
universal do conceito de desenvolvimento sustentável. Em Joanesburgo,
onde se procurou traduzir o conceito em ões concretas, o se de
negar, como aponta James Gustave Speth, que “the transition to a
globalized world is progressing rapidly, but the transition to a sustainable
one is not.
140
(a transão para um mundo globalizado está progredindo
rapidamente, mas a transição para um mundo sustentável não está).
Da mesma maneira que a Conferência do Rio teve um nome oficial que
refletia, na realidade, o principal tema de Estocolmo “meio ambiente
e desenvolvimento” –, a Cúpula de Joanesburgo teve o nome do
principal tema do Rio: “desenvolvimento sustentável”. Se a próxima
Conferência adotasse o nome que melhor refletisse o foco da pula
de Joanesburgo, seria “desenvolvimento sustenvel e globalização”.
140
SPETH, James Gustave. “Two Perspectives on Globalization and the Environment”.
In: SPETH, James Gustave (Ed.) Worlds Apart: Globalization and the Environment.
p. 2.
112
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
CAPÍTULO 2
A ATUAÇÃO DO BRASIL
NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
A) O BRASIL NA CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO
No momento da realização da Conferência de Estocolmo, o
Brasil vivia seu “milagre econômico”, com taxas de crescimento até
superiores a 10% ao ano. O período correspondia, igualmente, ao de
maior repressão potica na história do País.
Como diversos outros governos autoritários de importantes
países em desenvolvimento, o Governo brasileiro dependia, para
manter o apoio que recebia de setores influentes da sociedade, de
bons resultados econômicos medidos pelo crescimento do PIB, e
o pela distribuição de renda. No início dos anos 70, países com
regimes autoririos e com altas taxas de crescimento econômico,
como a África do Sul, a Espanha, o Irã ou a Coréia do Sul, viam
todos com preocupação o crescimento de um movimento a favor do
meio ambiente, cujas repercussões para suas economias eram uma
incógnita e cujos efeitos políticos sobre suas sociedades não podiam
ser positivos, uma vez que o ambientalismo era associado aos
movimentos de esquerda.
1
Existia, portanto, dupla preocupação por parte de países em
desenvolvimento com regimes totalirios como o Brasil: temiam-se,
por um lado, o questionamento de políticas econômicas que
1
O jornalista e ambientalista Tom Athanasiou refere-se a “never-ceasing charge that
environmentalists are only watermelons, ‘green on the outside but red on the inside’.”.
ATHANASIOU, Tom. Divided Planet: the ecology of rich and poor. p. 17.
116
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
sustentavam o regime e, por outro, a possibilidade de criação de novo
fator de desestabilização política. Ambos os temores tinham fundamento:
o crescimento econômico de países em desenvolvimento, conforme
exposto anteriormente, era, de fato, colocado em questão por correntes
de pensamento que favoreciam o “no growthou as limitações ao
crescimento. Existia, também, a percepção de que favorecer o
crescimento econômico de países totalitários agravava ainda mais os
problemas nas áreas dos direitos humanos e ambiental.
Havia, naquele momento, uma separação considerável entre
a posição da opinião pública dos países ricos com relação ao Brasil,
e a posição dos governos. A opinião pública criticava abertamente
os abusos do Governo brasileiro nas áreas de direitos humanos
principalmente a questão dos índios e de meio ambiente. Os
governos, tendo em vista suas prioridades políticas e econômicas,
viam um país que era inimigo do comunismo e que oferecia excelentes
perspectivas de investimento. As principais apreensões dos governos
da Europa ocidental e dos EUA com relão aos regimes autoritários
dos países em desenvolvimento manifestavam-se, na realidade, na
área de segurança, pela modernização e pelo crescimento do poder
das foas armadas,
e pelo desenvolvimento de programas nucleares,
e suas conseqüências para as rivalidades e os conflitos regionais.
Nos países nórdicos, como a Suécia, no entanto, a atitude
dos governos era mais próxima daquela de sua opinião pública, e o
meio ambiente era visto como prioritário. Temia-se no Brasil,
naturalmente, que as posições do País durante a Conferência fossem
interpretadas no contexto da falta de democracia e dos abusos aos
direitos humanos. O Governo sueco, naquele momento liderado pelo
Primeiro-Ministro Olof Palme, caracterizava-se por uma política de
contestação e militância que provocava, principalmente nos Estados
Unidos, forte preocupação: Palme provocou a ira do Chefe da
Delegação norte-americana ao referir-se, em discurso no plenário,
ao “ecocídioprovocado pelos Estados Unidos no Vietnã.
2
Conforme
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
117
consta do Relario da Delegação brasileira, “os países escandinavos
e a Scia em particular pareceriam dispostos […] a fazer da cruzada
ambiental a força recuperadora de suas sociedades e um elemento
de presgio nacional.
3
O Brasil acabaria sendo alvo de críticas
inclusive no contexto das negociações –, mas certamente o foi um
alvo preferencial do Governo sueco durante a Conferência.
4
No contexto geral da política externa do país, o Governo
brasileiro interpretava a crescente atenção internacional ao meio
ambiente como parte de um processo que não podia favorecer o Brasil,
um processo que daria prioridade às chamadas “novas tarefas”,
especialmente às questões de meio ambiente, dos direitos humanos,
das leis marítimas, dos narcóticos, e de população, entre outras.
Segundo o Embaixador Araújo Castro, Representante Permanente
junto às Nações Unidas, em discurso proferido em 1970:
[n]inguém põe em dúvida a necessidade de medidas prontas e
eficazes, algumas das quais recaem no âmbito da cooperão
internacional, com vistas ao combate à contaminação e à
preservação do meio humano. O que parece indispenvel é
que essas medidas não sejam tomadas em abstrato, sem que se
levem em consideração as necessidades vitais do
desenvolvimento ecomico. Os países em desenvolvimento
podem ver com apreensão uma tendência para uma potica de
estabilização do poder que coloca toda ênfase no desarmamento
regional, controle da populão, desesmulo ao uso da energia
nuclear para fins pacíficos e desestímulo a um rápido processo
de industrialização.
5
2
ROWLAND, Wade. The Plot to save the World p. 118.
3
MINISTÉRIO DO INTERIOR. Relatório da Delegação Brasileira à Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, p. 1 e 2.
4
Entrevista ao autor, Brasília, setembro de 2003.
5
AMADO, Rodrigo. Araújo Castro. p. 183.
118
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
As posões que o Brasil levaria à Conferência de Estocolmo
refletiam esse contexto, no qual muitos elementos diferentes e
contradirios pareciam contrariar os interesses do país. A Delegação
sabia com que imagem o Brasil chegava a Estocolmo: não era a do
“milagre ecomico”, da bossa nova e do tri-campeonato de futebol.
Era a de um país que estava, havia oito anos, sob um regime militar
que dava ênfase absoluta a seu crescimento econômico, que não
pretendia controlar o crescimento demográfico, que tinha péssimos
records nas áreas de direitos humanos e de preservação da natureza,
que tinha fortes tendências nacionalistas e ambições de domínio da
tecnologia nuclear.
A principal ameaça para o Brasil em Estocolmo, no entanto,
não viria da Europa ou dos EUA, e ,sim, da Argentina, cuja posição
com relação ao aproveitamento do potencial hidrelétrico do Rio Paraná
ameaçava os planos de construção da usina que seria, naquele momento,
a maior hidretrica do mundo: Itaipu. A oposição à proposta argentina
tornou-se a principal batalha da Delegação brasileira, chefiada pelo
Ministro do Interior, General José Costa Cavalcanti, que havia sido
Ministro de Energia e que seria, poucos anos mais tarde, o primeiro
Presidente brasileiro da empresa Itaipu binacional.
A preparação da Conferência de Estocolmo pelo Governo
brasileiro foi de responsabilidade exclusiva do Itamaraty. A consciência
de que a Conferência teria caráter eminentemente político, segundo
Henrique Brandão Cavalcanti, então Secretário-Geral do Ministério
do Interior e membro da Delegação brasileira
6
,
tornava natural aos
demais membros da Delegão que o processo preparatório fosse o
centrado no Ministério das Relões Exteriores.
Em Exposição de Motivos ao Presidente da Reblica, datada
de 22 de dezembro de 1971, o Secretário-Geral do Conselho de
Segurança Nacional, General João Baptista de Oliveira Figueiredo,
6
Entrevista ao autor, Brasília, setembro de 2003.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
119
lista os seis itens que “o Ministério das Relações Exteriores, atento
para o problema e julgando oportuno fixar uma posição consentânea
com os interesses nacionais, propõe como linha de atuação a ser
adotada pelo Brasil”, entre os quais se encontram: (item 5) “Evitar
iniciativas isoladas e fracionárias por parte de óros da administração
pública do país, que possam prejudicar a potica estabelecida”; e (item
6) “Desenvolver ação junto à opinião pública para esclarecer as
implicações e repercuses de cada iniciativa proposta, neutralizando
possíveis pressões consideradas prejudiciais aos nossos interesses.
Segundo o mesmo documento, “Considerando a complexidade do
assunto […], fez-se necessário ouvir os ministérios mais ligados ao
problema. Todos os órgãos consultados manifestaram apoio à linha de
atuação proposta pelo Minisrio das Relações Exteriores.”
7
Ao chegar essa informação ao Presidente da República, só
faltava realizar-se a IV Sessão do Comitê Preparatório. Quando a
Delegação oficial, designada por Decreto Presidencial de 24 de abril
de 1972, que incluía diversos representantes de outros órgãos, se reuniu
pela primeira vez, o processo preparatório se havia encerrado. Nesse
primeiro encontro, ocorrido nos dias 10 e 11 de maio de 1972, “foram
analisados os antecedentes da Confencia bem como um dos
documentos sicos […] [e] foram distribuídas em seguida as tarefas,
por tema e por comissão aos rios participantes, que receberam eno
a incumncia de analisá-los e apresentar relatório da aplicabilidade e
das repercussões, das respectivas recomendações, ao caso brasileiro.
Nova reunião em 25 de maio dedicou-se à apreciação dos temas e
dos documentos gerais da Conferência.”
8
7
MINISTÉRIO DO INTERIOR, op cit, p. A-2. Os demais itens mencionados referem-
se à defesa das teses de que: a) o ônus maior de corrigir a deterioração do meio ambiente
cabe aos países desenvolvidos; b) o desenvolvimento econômico é o instrumento adequa-
do para resolver os problemas de poluição dos subdesenvolvidos; c) devem ser contra-
postas proposições que resultem em compromisso que prejudique o desenvolvimento; e)
deve ser conduzido o debate sob enfoque técnico-político.
8
Ibid, p. 19.
120
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
A autonomia do Itamaraty no processo preparatório foi tal que
se podia ler no Relario da Delegão brasileira:
As limitações intnsecas da reunião, tempo, diversidade
temática, interesses conflitantes, entre outras – […] restringiam
o valor da Conferência como foro efetivo de negociação,
contribuíam para que a fase preparatória de Estocolmo se
transformasse, na prática, num verdadeiro processo de
entendimento e reunião […] [A}a
partir da segunda sessão do
Comitê Preparatório, realizada em Genebra em fevereiro de 1971,
a Conferência estava de fato em curso.
9
O Chefe da Delegão brasileira à Primeira Sessão do Comitê
Preparatório, que se realizou em Nova York, em março de 1970,
Embaixador João Augusto de Araújo Castro, conferiu ao discurso
brasileiro, desde o primeiro momento, a tônica que caracterizaria as
posições brasileiras nos anos seguintes. Segundo Vera Pedrosa:
Obrava a Delegação brasileira no sentido de reorientar os
trabalhos prepararios da Conferência, ampliando o escopo
inicialmente previsto, de forma a que incluísse o tema do
desenvolvimento como elemento positivo de solão de problemas
ambientais. Dessa forma, evitar-se-ia que a Conferência
constituísse exercício meramente conservacionista, de interesse
apenas para os países desenvolvidos. Travava-se uma batalha
para impedir que os interesses conservadores dos países
desenvolvidos, no sentido da manutenção do statu quo econômico
mundial, se valessem da ‘via ambiental’ para tentar justificar
procedimentos e estratégias imobilistas.
10
9
Ibid, p. 13.
10
PEDROSA, Vera. O Meio Ambiente Dez Anos Após Estocolmo: a perspectiva
brasileira. p. 29.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
121
É muito importante, nessa análise, a curiosa associação entre
os interesses dos “conservacionistas” e dos “conservadores”, cujo
casamento de curta duração foi possível graças às polêmicas
linhas de ação propostas pelo Clube de Roma. Vale ressaltar, como
aponta Araújo Castro, que os argumentos de limitão ao crescimento
só se aplicavam aos pses em desenvolvimento: É claro que os pses
em desenvolvimento o quereo incorrer nos mesmos erros em que
incorreram os países altamente industrializados, mas é evidente que
o poderíamos aceitar a resurreição, em pleno século XX, da teoria
do selvagem feliz, de Rousseau, que deu sabor e colorido a todo o
romantismo francês.
11
Jean-Jacques Rousseau era apontado naquele momento como
um precursor do pensamento ambiental. Segundo o professor suíço
Bernard Gagnebin, Rousseau éve une véhémente protestation contre
le progrès des sciences et l’accumulation des richesses [...] il ne faut
pas oublier qu’en plein Siècle des Lumières lidée de progrès était ancrée
dans tous les esprits”.
12
(Rousseau faz um protesto veemente contra o
progresso da cncia e o acúmulo de riquezas [...] o se pode esquecer
que, em pleno Século das Luzes, a idéia de progresso estava
impregnada em todos os espíritos.), A busca de justificativa para o
ambientalismo moderno no Romantismo não era um argumento aceitável
para a grande maioria dos analistas no final dos anos 60, período em
que o conceito de desenvolvimento e progresso estava, também,
“impregnado em todos os espíritos”. Anos mais tarde, ao analisar a
evolução do pensamento ambientalista, Luc Ferry, autor de Le Nouvel
Ordre Ecologique (1992), manifesta sua opinião de que existe anti-
humanismo na linha filosófica que procura colocar a biosfera como
preocupação prioriria e denuncia esta atitude que, segundo ele, está
inspirada no Romantismo alemão, e constitui desvio “des droits de
11
AMADO, Rodrigo, op cit, p. 183.
12
GAGNEBIN, Bernard. “Jean Jacques Rousseau” In : Enciclopeadia Universalis,
Corpus 16, p. 202.
122
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
lhomme codifs par la volution Française.
13
(dos direitos humanos
codificados pela Revolução Francesa).
o há duvida de que o discurso ambientalista tinha forte
influência do Romantismo
14
, mas talvez mereçam especial atenção
os perigosos desvios que teve, no culo XX, o enfoque conservador
da queso do meio ambiente. Como lembra Jo Almino, “o nazismo
possibilitou que o ecologismo se apresentasse como ideologia de
Estado, havendo inclusive ideólogos ecologistas entre a liderança
nazista”.
15
O ativista verde Peter Staudenmaier, estudioso da ala
verde” do partido nazista, afirma que “from its very beginning […]
ecology was bound up in an intensely reactionary political
framework”.
16
(desde seu início [...] a ecologia estava ligada a um
quadro político intensamente reacionário). O próprio Ernst Haekel,
biólogo que cunhou, em 1867, o termo ecologia”, acreditava na
superioridade da raça nórdica e opunha-se à mistura racial.
Em 1930, Richard Walther Darré, ao proclamar quea
unidade do sangue e do solo deve ser restaurada, transformou o
lema romântico em doutrina. O movimentoblut und boden,
sangue e solo, esposa, segundo João Almino, ideais ecológicos:
“o apego ao solo, à natureza (…) a crítica ao progresso, ao mundo
industrial e ao artificialismo da tecnologia moderna () vai
também refoar a tendência, no plano ideológico, do nazismo de
recusar tanto o capitalismo e seu consumismo de mercado, quanto
o socialismo”.
17
13
DOELNITZ, Tristan. “Environnement et développement: le rendez-vous de Rio” In:
Universalia 1993, p. 95. Luc Ferry, que foi Ministro da Educação da França entre 2002
e 2004, causou comoção nos meios ambientalistas franceses ao associar o ambientalismo
ao nazismo, em 1992.
14
ALMINO, João. Naturezas Mortas: ecofilosofia das relações internacionais.
Almino comenta a influência do Romantismo nas páginas 13 e 14.
15
Ibid, p. 28.
16
STAUDENMAIER, Peter. “Fascist Ecology: The Green Wing of the Nazi Party and
its Historical Antecedents”. Institute for Social Ecology website, Vermont.
17
ALMINO, João, op cit, p. 28.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
123
Rudolf Hess, o maior promotor da “ala verde” do partido
nazista, colocou Darré em postos-chave no governo (Líder dos
Camponeses do Reich e, posteriormente, Ministro da Agricultura): uma
nova legislação ambiental é implantada na Alemanha em 1933 e, em
1935, seria aprovada legislação particularmente severa quanto à
preservação da flora, da fauna e de “monumentos naturais”. Pouco
depois, é apresentada a proposta de uma lei abrangente para a
“proteção da Mãe Terra”: segundo Staudenmaier, “all the ministries
were prepared to cooperate, save one; only the minister of the economy
opposed the bill because of its impact on mining.
18
(todos os ministérios
estavam preparados para colaborar. menos um: o ministro da economia
opôs-se à proposta de lei por seu impacto sobre a mineração).
Seria tentador associar os resultados das novas pesquisas sobre
o ecologismo na Alemanha nazista com acontecimentos recentes. A
acusação de Daniel Cohn-Bendit, ex-líder estudantil e líder ambientalista,
de que se podia detectar “ecofascismo” no perigoso retorno do
movimento “sangue e solo” na Alemanha
19
parece fortalecida pelo
revisionismo histórico da figura de Darré.
20
. As teorias do Clube de
Roma, ao representarem a volta da defesa do ecologismo pela elite
empresarial no momento em que o movimento era associado
principalmente à esquerda – também podem ser vistas sob a ótica
ecofascista”. Apesar das credenciais antifascistas de Aulio Peccei
o fundador do Clube de Roma foi um herói da resistência na Segunda
Guerra –, o podem deixar de impressionar suas opines expressas
em Estocolmo, durante a “Distinguished Lectures Series”, paralela à
Conferência:
18
Vale registrar que Goebbels, Bormann e Heydrich, segundo Staudenmaier, se opunham
à “ala verde” e consideravam Hess e seus companheiros, “undependable dreamers,
excentrics, or simply security risks”. Após a viagem de Hess para a Inglaterra, “the
environmentalist tendency was for the most part suppressed”.
19
ALMINO, João, op cit, p. 29.
20
BRAMWELL, Anna. “Darré: Was this man the ‘Father of the Greens’?” In: History
Today, setembro de 1984, citada por Staudenmaier.
124
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
The main conclusion to be drawn from this study (The Limits to
Growth) is that equilibrium within the human system and between
it and its environment will anyhow be re-established. Evidently, it
is in our collective interest rationally to plan for it, even at the
cost of heretofore unimaginable sacrifices, and not to wait for
forces outside our control to settle it. […] Collapse may also be
caused by war and civil strife – if, for instance, the next wave of
human population which will invade the planet in the next three
or four decades does not find a place to settle or the means to
satisfy its needs. […] On the other hand society in equilibrium
does not mean stagnation. Non-material-consuming and non-
environment-degrading activities may be pursued indefinitely
such as education, art, music, religion, scientific research, sport,
social interactions and most service activities.
21
(A principal
conclusão a ser tirada desse estudo (Os Limites do
Crescimento) é de que o equilíbrio dentro do sistema humano e
entre este e seu meio ambiente será de qualquer maneira
reestabelecido. Evidentemente, é do nosso interesse coletivo que
isso seja planejado racionalmente, mesmo ao custo de sacrifícios
atualmente inimagináveis, e não esperar que forças fora de nosso
controle o façam. [...] O colapso poderá ser causado pela guerra
e a desordem civil se, por exemplo, a próxima onda de população
humana que invadi o planeta nas próximas três ou quatro
décadas não encontrar um lugar para viver ou os meios para
satisfazer suas necessidades [...] Ao mesmo tempo, uma
sociedade em equilíbrio não significa estagnação. Atividades que
não consomem material ou que não degradam o meio ambiente
podem continuar indefinidamente, como educação, arte, música,
religião, pesquisa científica, esporte, interação social e quase todos
os serviços).
21
ROWLAND, Wade, op cit, p 15 18.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
125
Os estudos que associam o ambientalismo ao nazismo, acima
mencionados, não existiam no início da cada de 70, mas tornam
ainda mais justifivel, hoje, a indignão de Arjo Castro e Miguel
Ozório com relação ao Clube de Roma e outros promotores dos
limites ao crescimento.
Por telegrama datado de 12 de novembro de 1970, o Embaixador
Araújo Castro relata a primeira reunião de Strong como Secretário-
Geral da Confencia de Estocolmo, mencionada no catulo anterior:
o Senhor Maurice Strong (canadense) a quem U Thant acaba
de designar Secretário-Geral da Conferência […] procurou evitar
os pontos mais obviamente contenciosos na apresentação
puramente “conservacionista” das teses do “environment” e, em
conversa privada com o representante brasileiro, adiantou mesmo
o desejo de assegurar uma posição de maior equilíbrio em face
das prioridades dos países em desenvolvimento.
22
A evolução positiva da atenção reservada às reivindicações
dos países em desenvolvimento a partir da nomeação de Strong foi
relatada no capítulo 1 e, nesse contexto, é interessante registrar o
entusiasmo do Embaixador Araújo Castro com a evolução. Segundo
ele, a Resolução 2657 sobre o trabalho preparatório da Conferência,
aprovada pela Assembléia Geral
“causou descontentamento em certos meios, pois os elementos
introduzidos, por iniciativa do Brasil, […] tendem a transformar em
um movimento claramente reivindicatório o que antes parecia destinado
a constituir apenas uma consagração do statu quo e do “gap”
econômico entre países desenvolvidos e nações em desenvolvimento.
23
22
Telegrama 1140 da Missão em Nova York, confidencial.
23
Telegrama 1552 da Missão em Nova York, confidencial.
126
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Araújo Castro não esconde suas reticências com relação à
capacidade de Strong de resistir às pressões dos países ricos, malgrado
suas repetidas profissões de fé desenvolvimentistas. Sempre segundo
Araújo Castro, apesar da “disposição do Senhor Strong de ‘jogar
politicamente em duas frentes [] suas inclinações tendem já, de forma
bastante clara, para um conceito de políticas sobre o meio humano
(sic) orientado sobretudo para as preferências do mundo
industrializado.
24
Strong demontrou, no entanto, que conseguiria resistir
às pressões dos países ricos e acabou levando a Conferência para a
direção que interessava ao Brasil.
Strong sentiu que seu mandato seria breve se não fosse mudado
o rumo que a Conferência estava tomando. Em texto publicado
recentemente, ele afirma que “when I became secretary-general of the
Conference [] there was a strong movement on the part of developing
countries, led by Brazil, to boycott the Conference.
25
(quando me tornei
secretário-geral da Conferência [...] havia um forte movimento por
parte dos pses em desenvolvimento, liderado pelo Brasil, de boicotar
a Confencia.). Na realidade, não existia, por parte do Brasil, desejo
de boicotar a Conferência e, sim, de inseri-la em contexto que nos
fosse favorável e que pudesse contar com o apoio dos demais países
em desenvolvimento.
O Brasil vinha tendo, na Conferência das Nações Unidas para
o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) e na Comissão
Ecomica para a América Latina (CEPAL), papel de grande destaque.
Não negaremos que, a partir de 1964, quando se tentou obter,
pela primeira vez, o reconhecimento da íntima correlação entre
os problemas de desenvolvimento econômico e os problemas do
24
Ibid.
25
STRONG, Maurice. “Stockholm Plus 30, Rio Plus 10: Creating a New Paradigm of
Global Governance” In: SPETH, James Gustave (Ed.). Worlds Apart: Globalization
and the Environment. p. 35.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
127
comércio internacional, os países desenvolvidos apresentaram
alguns sinais de uma consideração mais construtiva em relação
aos problemas dos países subdesenvolvidos.
26
A mesma gica passaria a orientar as posições brasileiras com
relão ao meio ambiente: os países em desenvolvimento aceitariam o
novo tema proposto pelos países ricos, mas queriam vê-lo incluído no
contexto do desenvolvimento econômico e social, uma de suas
prioridades tradicionais no âmbito das Nações Unidas, um dos famosos
três “D” Desarmamento, Descolonização e Desenvolvimento do
discurso de Araújo Castro na XVIII Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 1963.
Não surpreende, portanto, que o diplomata brasileiro
encarregado de preparar as posições brasileiras e defendê-las tenha
sido o Embaixador Miguel Ozório de Almeida, reconhecido por ser
um dos primeiros diplomatas a se dedicar aos temas de desenvolvimento
ecomico. Dotado de extraordinária inteligência, Miguel Ozório o
era tanto um formulador de idéias quanto Araújo Castro, mas tinha
profunda cultura e particular talento para estruturar argumentos
pontuais.
27
A forte personalidade e o brilho das intervenções de Miguel
Ozório, aliados à sua liberdade de ação no tocante às negociações,
tornaram-no uma das figuras centrais do processo preparatório da
Conferência.
Strong preferiria, provavelmente, ter dado conotação mais
ambientalista a Estocolmo, mas, diante da oposição consistente do
Brasil, eno seguido por importantes países em desenvolvimento,
percebeu que existia uma alternativa que, se por um lado desviava os
objetivos da Conferência, por outro certamente não diminuía sua
relevância. Em uma atitude pragmática, Strong criou as condões para
26
AMADO, Rodrigo, op cit, p. 193.
27
No Apêndice I deste trabalho, encontram-se dois discursos de Miguel Ozório.
128
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
que a Conferência fosse adiante com alguns dos seus impulsos originais
–, permitindo, ao mesmo tempo, que o meio ambiente fosse discutido
no contexto do desenvolvimento econômico.
Miguel Orio e Strong, lembra Enrique Iglesias, respeitavam-
se mutuamente e tinham bom relacionamento pessoal. Miguel Orio
sabia que uma atitude menos inteligente por parte do Secretário-Geral
da Conferência poderia significar um impasse, cujas repercussões
políticas não interessavam ao Brasil.
28
A coletânea de discursos e
documentos “O Brasil e a Preparação da Confencia de Estocolmo”,
preparada em abril de 1972, reconhece essa entente da qual tanto
Strong como Miguel Orio saíram vencedores: na apresentão de
apenas três curtos parágrafos –, lê-se: “O Senhor Maurice F. Strong,
Secretário-Geral da Conferência, ao visitar o Brasil em Janeiro de 1972,
qualificou essa presença brasileira [entre os 27 países–membros que
compuseram o Comitê Preparatório] como a maior contribuição que
recebera de qualquer país, que vinha agradecer pessoalmente”.
29
Antes mesmo de iniciar-se a Segunda Sessão do Comitê
Preparatório, Arjo Castro se refere à importância de se “acentuar
a liderança que o Brasil soube assumir com vistas à reformulação da
política das Nações Unidas em relação ao meio humano”.
30
Esta
reformulação se tornaria definitiva após o Reuno de Founex, em junho
de 1971, em que Miguel Ozório teria papel fundamental ao conseguir
incluir as teses brasileiras no Relario final.
No documento de trabalho que apresentou na Reunião, o
representante brasileiro estrutura uma verdadeira teoria sobre a
interrelação entre desenvolvimento econômico e meio ambiente, e
consegue, de forma extraordinariamente direta e sucinta, criar
argumentos que constituem a base de conceitos que, fortalecidos desde
28
Entrevista ao autor, Washington, outubro de 2003.
29
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES., Conferência das Nações Unidas
Sobre o Meio Ambiente: o Brasil e preparação da Conferência de Estocolmo. p. 2.
30
Telegrama 1553, da Missão em Nova York, confidencial.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
129
então, continuam utilizados pelos países em desenvolvimento. Ao
explicar a série de obstáculos enfrentados pelos países pobres ao
procurar acelerar seu desenvolvimento tendo como referência os
países ricos, mas sem todos os instrumentos de que estes dispõem –,
Miguel Ozório argumenta que
[w]henever the perspective of an investment in environment
improvement cannot be directly or indirectly linked up to an
increase of production (or productivity) and if this increase is not
equal to or greater than the average productivity obtained in other
economic endeavours, then the investment in environment will
not be justified at this specific stage of economic development.
31
(toda vez que a perspectiva de um investimento na melhoria
ambiental não possa ser direta ou indiretamente ligado a um
aumento da produção ou da produtividade, e se o aumento não
for igual ou maior do que a produtividade média obtida em outras
iniciativas econômicas, o investimento em meio ambiente não se
justificará neste estágio específico de desenvolvimento
econômico.
Miguel Ozório o nega que alguns investimentos em
preservação ambiental ou recuperação podem ter importante impacto
positivo sobre o crescimento econômico, mesmo em economias
particularmente subdesenvolvidas, e acredita até que investimentos
ambientais possam se justificar meramente por motivos ecomicos.
Ao discutir as possíveis inter-relões de desenvolvimento ecomico
e meio ambiente, o Embaixador brasileiro seleciona nove “elementos
que representariam as principais “ações” e “reações”, econômicas e
ambientais, para criar uma série de combinões que mostram casos
31
OZÓRIO, Miguel. “Economic Development and the Preservation of Environment”.
Ministério das Relações Exteriores, Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio
Ambiente: o Brasil e a preparação da Conferência de Estocolmo. p. 14.
130
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
que vão de atividades ambientais capazes de provocar excessivas
limitações econômicas, a casos de atividades econômicas cujas
conseqüências ambientais exigiriam recuperação excessivamente
dispendiosa. Miguel Ozório demonstra com este exercício que existem
muitas opções de relação entre desenvolvimento e meio ambiente a
serem usadas nos casos específicos de cada país ou região.
32
As teses preservacionistas e de controle populacional são
abordadas com ironia e coragem:
for whom or under what criteria is the environment to be
considered healthy, pleasant, desirable? If the subject should be
an anaconda, the world should be a swampy forest; if a
“dromedary”, then the destruction of forests and the creation of
deserts would be proceeding at too slow a pace; if the human
race, then there are too many forests and deserts […] In short,
the environment under consideration will have to be considered
from a “subjective” standpoint, and the “subject” will have to be
“man”. Even more than that, “man” must be understood as “homo-
sapiens” at his most advanced civilization stage […]. It is for
that “subjec” that environment must be preserved or recuperated.
33
(para quem ou com base em que critério o meio ambiente
deve ser considerado saudável, agradável ou desejável? Se o
interessado for uma “anaconda”, o mundo deveria ser uma floresta
úmida; se for um “dromedário”, então a destruição das florestas
e a criação de desertos estaria ocorrendo de forma
excessivamente lenta; se for a raça humana, então excesso
de desertos e florestas [...]. Em resumo, o meio ambiente em
consideração terá de ser considerado de um ponto de vista
32
Miguel Ozório antecipa a tese que viria a ser defendida no Rio e em Joanesburgo, de que
não receita única para a preservação do meio ambiente e para a promoção do desenvol-
vimento.
33
OZÓRIO, Miguel, op cit, p 3 e 4.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
131
“subjetivo”, e o “sujeito” terá de ser o “homem”. Mais do que
isso, o homemdeverá ser compreendido como o Homo
sapiensem seu estágio de civilização mais avançado [...]. É
para esse “sujeito” que o meio ambiente deve ser preservado ou
recuperado.).
As teses de controle do crescimento populacional e limitações
ao crescimento são rejeitadas por representarem uma confusão entre
meios e fim, e ignorarem a importância da escala e do crescimento das
economias para se criar a própria capacidade de compreensão do
meio ambiente:
any processes that would limit the dimensions of the subject, as a
condition for environment improvement, would tend to reduce
the overall enjoyment to be derived from the environment in
inverse proportion to its improvement. It might have some
characteristics of a zero sum game.
34
(qualquer processo que criasse
limitações como condição para a melhoria das condições do meio
ambiente, tenderia a reduzir os frutos ocasionalmente derivados
do meio ambiente em proporção inversa à sua melhoria. Isto poderia
levar a algumas características de um jogo de soma zero.).
As conclues de Miguel Ozório apontam para a diferença de
responsabilidade entre os países:
the main environmental responsibility belongs to developed
countries, and the main responsibility of underdeveloped countries
is accelerated economic develoment itself […] the responsibility
for the preservation of the environment grows as a function of
economic development itself, being at a maximum among the
34
Ibid, p. 9.
132
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
most developed nations and at an absolute minimum in the
conditions of initial stagnation.
35
(a principal responsabilidade
ambiental é dos países desenvolvidos, e a principal
responsabilidade dos países subdesenvolvidos é o desenvolvimento
econômico acelerado em si mesmo […] a responsabilidade pela
preservação do meio ambiente cresce em função do
desenvolvimento econômico, chegando ao seu máximo entre os
países desenvolvidos e ao seu mínimo absoluto nas condições de
estagnação inicial.).
O Relario de Founex, que incorporaria a linha de pensamento
do representante brasileiro, consegue manter surpreendente atualidade,
sobretudo quando comparado aos documentos que procurava
contestar, como os textos do Clube de Roma que, lidos hoje, parecem
extraordinariamente datados e chocantes, tanto pelo aspecto
ecofascista, mencionado anteriormente, quanto pelo seu
distanciamento do pensamento humanista. A posição defendida pelo
Brasil, ironicamente, preconizava uma atitude essencialmente mais
democrática do que a posição defendida pela linha de pensamento
que tinha forte influência sobre pses desenvolvidos europeus.
O seminário da CEPAL, “held in beautiful and as they say
with pride highly-polluted Mexico-City
36
,
que se realizou na bela e
como eles dizem com orgulho altamente poluída Cidade do
México”, revelou que a percepção do continente era de que ainda
estava em posição confortável com relação à poluição, o que lhe
asseguraria ampla vantagem para maior desenvolvimento industrial.
Assim, Miguel Ozório podia expressar visão mais “amigável” do meio
35
Ibid, p. 14.
36
OZÓRIO, Miguel. Discurso na Terceira Sessão do Comitê Preparatório da Conferên-
cia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, Nova York, 14 de setembro de
1971, Ministério das Relações Exteriores, Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio
Ambiente: o Brasil e a preparação da Conferência de Estocolmo. p. 9.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
133
ambiente, diante da ausência de desenvolvidos: As we begin to see, in
the long run the very goals of development become environmental in
nature”
37
(Como podemos começar a ver, a longo prazo os próprios
objetivos do desenvolvimento tornam-se ambientais por natureza).
Nessa ocasião, a Delegação obteve o apoio dos governos da região
ao Relatório de Founex e à linha de atuação que o Brasil estava
mantendo no Comitê Preparatório.
Na Terceira Sessão do Comitê Preparatório, em setembro,
apesar da boa receptividade do Relatório de Founex, permaneciam
no relatório do Secrerio-Geral elementos que poderiam prejudicar a
posão do Brasil
38
e dos pses em desenvolvimento. Iniciou-se, assim,
esforço destes países para elaborar um projeto de Resolução a ser
apresentado à XXVI Assembléia Geral das Nações Unidas. Em
outubro, em Lima, a Delegação do Brasil à Reunião Ministerial do
Grupo dos 77 articulou a negociação de ante-projeto de texto de
Resolução, com o tulo de “Desenvolvimento e Meio Ambiente”, que
acabaria sendo apresentado pela presidência do Grupo dos 77 na
Assembia-Geral.
A atuação do Brasil na XXVI Assembia Geral contribuiu para
que a Resolução 2849 fosse aprovada com 85 votos a favor, 2 contra
e 34 abstenções. Essa vitória mostrou-se particularmente importante
no contexto da renovada ateão dada pela imprensa internacional às
idéias de “no growth” pela publicação, no mesmo mês de janeiro de
1972 em que fora aprovada a Resolução, do livro “Blueprint for
Survival”, examinado no capítulo anterior. A Assembléia Geral
representou, também, ocasião para que tanto o Representante
Permanente junto às Nações Unidas, Embaixador Sergio Armando
37
OZÓRIO, Miguel. Discurso no Seminário Regional Latino-Americano sobre Desen-
volvimento e Meio Ambiente. 6-11 de setembro de 1971, Ministério das Relações Exte-
riores, Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente: o Brasil e a prepa-
ração da Conferência de Estocolmo. p. 12.
38
PEDROSA, Vera, op cit, p. 42.
134
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Frazão, como o Embaixador Miguel Ozório de Almeida fizessem
discursos particularmente duros.
O Embaixador Frao, ao se referir à maneira como a queso
do meio ambiente vinha sendo usada para criar um novo código de
comportamento dos países desenvolvidos e das instituões financeiras
internacionais, alertava que os países em desenvolvimento “are being
called upon to share the burden of the preservation of the ecology
while the war on poverty is still considered to be ‘une petite guerre’.”
(estão sendo chamados para compartilhar o fardo da preservação da
ecologia, enquanto a guerra contra a pobreza é ainda considerada uma
(pequena guerra). Frazão denunciou, também, o “malicious trend
according to which the old patterns of colonial paternalism are being
replaced by a pseudo-scientific outlook to justify non-development”.
39
(a tendência maliciosa pela qual antigos padrões de paternalismo
colonial estão sendo substitdos por perspectivas pseudo-cienficas
que buscam justificar o o-desenvolvimento).
Miguel Ozório, em seu primeiro discurso na II Comissão,
apresenta um verdadeiro relatório, no qual explica o que a Delegação
do Brasil considera serem os motivos legítimos e ilegítimos para a
convocação da Conferência de Estocolmo. Ao abordar, entre os
motivos legítimos, a poluição em escala mundial, o representante
brasileiro lista os dez maiores poluentes, explica de maneira
pormenorizada sua utilizão e suas conseqüências e conclui:
The whole world and, certainly, the underdeveloped countries,
are looking at Stockholm as the place and time when the developed
countries will commit themselves to taking all necessary steps to
reduce or neutralize the emission of pollutants of broad
international significance. This commitment should entail all the
39
FRAZÃO, Sergio Armando. Discurso na II Comissão. XXVI Assembléia Geral, 8 de
outubro de 1971, Ministério das Relações Exteriores, Conferência das Nações Unidas
Sobre o Meio Ambiente: o Brasil e a preparação da Conferência de Estocolmo. p. 6.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
135
necessary national measures but also the financing of research
in areas of world significance.
40
(O mundo inteiro e, certamente,
os países em desenvolvimento, estão olhando para Estocolmo
como o lugar e o momento em que os países desenvolvidos vão
se comprometer a tomar as medidas necessárias para reduzir ou
neutralizar as emissões de poluentes de amplo escopo
internacional. Este compromisso deverá significar todas as
medidas domésticas necessárias, mas também o financiamento
de pesquisa em áreas de escopo mundial).
As partes mais incisivas do discurso referem-se a dois dos
“motivos ilegítimos”: a questão do controle demográfico e a dos
“common goods” (bens comuns). Sobre a forma como estava sendo
tratada a queso populacional no processo preparario de Estocolmo,
Miguel Ozório reitera os argumentos que vinha apresentando nas
reuniões anteriores e faz um protesto contra a atitude “calvinista”,
segundo a qual os países desenvolvidos consideram que haviam, pelo
próprio desenvolvimento, “demonstrated their right to salvation and
perpetuation which would require the more numerous underdeveloped
peoples to stop breeding and encroaching upon their delicious enjoyment
of nature and of other natural resources.” demonstrado seu direito à
salvão e à perpetuação, o que requereria aos mais numerosos povos
subdesenvolvidos parar sua reprodução e assegurar [aos ricos] o
delicioso desfrute da natureza e de outros recursos naturais). Com
relação aos “common goods”, menciona a simpatia de diversas
delegações por um “World Trust” (fundação ou administradora
mundial), que resguardaria criteriosamente certas riquezas naturais: If
resources are shared, in trust by all peoples, then economic power,
industrial productivity and financial control should also be shared. Since
40
OZÓRIO, Miguel. Discurso na II Comissão. XXVI Assembléia Geral, 29 de novembro
de 1971, Ministério das Relações Exteriores, Conferência das Nações Unidas Sobre o
Meio Ambiente: o Brasil e a preparação da Conferência de Estocolmo. p. 11.
136
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
the latter is unthinkable to developed countries, the former shall also be
unthinkable by underdeveloped countries”.
41
(Se os recursos [naturais]
devem ser compartilhados, para o bem de todos os povos, então o
poder econômico, a produtividade industrial e o controle financeiro
deveriam também ser compartilhados. que é impensável para os
países desenvolvidos que isso aconteça com os últimos, o primeiro
deve ser impensável para os países em desenvolvimento”
As palavras do representante brasileiro causaram reação violenta
do representante norte-americano, Daniel Patrick Moynihan, que, em
seu discurso, acusou de paranóica e superficial a atitude brasileira com
relação a queses como populão, “common goods” e crescimento-
zero, e explicou que não havia atitude “calvinista” e, sim, o êxito dos
países desenvolvidos como resultado do hard work(trabalho árduo).
O Representante brasileiro, em resposta brilhante
42
, demonstrou que
todas as “paranóias” da Delegação brasileira estavam solidamente
baseadas em documentos, leu os principais trechos desses documentos
e explicou que o delegado norte-americano, ao contestar a atitude
calvinista” apenas a refoava:
for him [Moynihan] underdevelopment is the result of laziness in
the poor corners of the world while wealth is the result of hard
work […]. I can assure the distinguished delegate of the United
States that there is an inverse correlation between hard work
and wealth and that the hardest working people in the world are
the poor of the underdeveloped world when they find a job.
43
(para ele [Moynihan], o subdesenvolvimento é o resultado da
preguiça nas regiões mais pobres, e a riqueza é o resultado do
41
Ibid, p.17 e 22.
42
Cópia do referido discurso encontra-se no apêndice I.
43
OZÓRIO, Miguel. Discurso na II Comissão. XXVI Assembléia Geral, 2 de dezembro
de 1971, Ministério das Relações Exteriores, Conferência das Nações Unidas Sobre o
Meio Ambiente: o Brasil e a preparação da Conferência de Estocolmo. p. 16.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
137
trabalho árduo [...] Posso assegurar ao delegado dos EUA que
uma relação inversa entre trabalho árduo e riqueza e que os
mais árduos trabalhadores são os pobres dos países em
desenvolvimento, quando encontram um trabalho).
Ao chegar à última Sessão do Comitê Preparatório, o Brasil
havia obtido vitórias significativas e, sobretudo, havia conseguido reunir
o mundo em desenvolvimento em torno de uma reação à visão restritiva
proposta pelos países desenvolvidos para a abordagem multilateral da
queso do meio ambiente. Era, como disse Miguel Ozório a Iglesias,
uma holy conspiracy” (conspiração sagrada).
44
A atitude brasileira não
significava bloquear a agenda ambiental internacional, como acusavam
certas delegões, uma vez que era acompanhada de vio alternativa,
integrada no Relatório de Founex e na Resolão 2849.
Um tema, no entanto, não foi resolvido de forma satisfaria no
contexto do Comitê Preparatório: o Princípio 20, sobre notificação
sobre riscos fora da jurisdição de um Estado. O Grupo de Trabalho
que havia negociado o texto da Declaração conseguiu sua aprovação
por 26 de seus 27 membros. Somente a Argentina manifestou reserva,
por o estar satisfeita quanto à não-inclusão de cláusula de notificação
prévia no texto do Princípio, em que se lia:
Relevant information must be supplied by States on activities or
developments within their jurisdiction or under their control
whenever they believe, or have reason to believe, that such
information is needed to avoid the risk of significant adverse
effects on the environment in areas beyond their national
jurisdiction.
45
(Deve ser fornecida pelos Estados informação
44
Entrevista ao autor, Washington, outubro de 2003.
45
O anexo E do Relatório da Delegação Brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente, com o relato da atuação do Brasil em Estocolmo com relação ao Artigo
20 da Declaração, encontra-se no Apêndice II deste trabalho.
138
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
relevante sobre atividades ou desenvolvimentos dentro de suas
jurisdições ou sob seu controle, sempre que acreditem, ou tenham
razões para acreditar, que essa informação é necessária para
evitar riscos de efeitos adversos significativos ao meio ambiente
em áreas fora de sua jurisdição.).
A reivindicação argentina, apresentada anteriormente em outros
foros, era que Estados a montante de rios internacionais tinham de
notificar os Estados a jusante sobre as atividades que pretendiam
empreender, e que as informões que estes recebessem teriam de ser
fornecidas em tempo bil para exame e eventuais verificões. Para o
Brasil, que estava desenvolvendo, junto com o Paraguai, o projeto de
Itaipu, tal posição era inaceivel.
46
Às vésperas da Conferência, a Argentina fez circular proposta
de emenda aditiva ao Parágrafo 20: “This information must also be
supplied at the request of any of the parties concerned within appropriate
time and with such data as may be available and as would enable the
above mentioned parties to inform and judge by themselves of the nature
and probable effects of such activities”,
47
(Essa informão deve ser
igualmente fornecida a pedido de qualquer Parte envolvida, com
antecedência e com os dados disponíveis, de maneira a que as Partes
mencionadas acima possam informar e julgar por si próprias a natureza
e os proveis efeitos dessas atividades.), o que levou o Brasil a ter de
dedicar grande parte de seus esforços durante a Conferência de
Estocolmo a contornar a iniciativa argentina.
Ao iniciar-se a Conferência, a questão do Princípio 20 havia
adquirido importância vital: lidava com um dos projetos de maior
relevância política e econômica do Governo. Envolvia, ao mesmo tempo,
a questão tradicionalmente mais delicada da potica externa brasileira,
46
Para relatos pormenorizados sobre a negociação do Artigo 20, ver anexo E do Relatório,
“O Artigo 20 da Declaração”, e PEDROSA, Vera, op cit, p. 47-49 e 60-67.
47
PEDROSA, Vera, op cit, p. 49.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
139
a relação com a Argentina. Os maiores desafios de Estocolmo haviam
sido vencidos na fase preparatória. Da oposão à proposta Argentina,
portanto, dependia o êxito da Delegação brasileira e, nesse sentido, é
particularmente interessante observar que haviam sido preparadas
quatro táticas, sendo a última, que evidenciaria a discordância brasileiro-
argentina para âmbito muito mais amplo, afinal necessária.
Segundo o relatório da delegação, o Brasil verificou que estava
praticamente isolado e que a tese Argentina havia ganho numerosos
aliados. Diante do fato de que, a pedido da China, um comitê ad-
hoc
havia sido criado para negociar a Declaração, a tática da Delegação
brasileira foi de propor quatorze emendas ao projeto de Declaração
para transmitir a sensão ou de que o se conseguiria negociá-lo, ou
de que teria de ser reduzido a um ou poucos pagrafos, ou de que se
tinha de retornar ao projeto encaminhado pelo Comitê Preparatório. O
Brasil tamm defendeu que a Declaração tinha de ser aprovada por
consenso, contornando a possibilidade de que fosse aprovada por votação.
Ao mesmo tempo, gras a “manobras parlamentares”, a Delegação
atrasou por três dias o início dos trabalhos do Comitê ad-
hoc.
48
O Brasil, porém, foi surpreendido pela rapidez dos trabalhos
do Comitê ad- hoc, teve de abandonar as táticas dilarias
49
e decidiu
propor mudanças nos princípios que tratavam de compensações por
danos em seu território em razão de obras sob a jurisdição de outras
Partes, bem como introduzir mais uma alternativa de texto para o
Princípio 20. Não obtendo sucesso, adotou a Delegação sua última
opção: “manobrar para retirar o Princípio 20 da Declarão, remetendo
o assunto, sem solução, para a Assembléia Geral”.
50
O tema seria
negociado, pelos Chanceleres da Argentina e do Brasil, durante a XXVII
Assembia Geral, o que resultaria na apresentação conjunta de texto
48
Anexo E do Relatório da Delegação Brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente, p. E4 e E5.
49
Ibid, p. E7 e E8.
50
Ibid, p. E8.
140
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
sobre cooperação entre Estados no campo do meio ambiente,
aprovado sob a forma da Resolução 2995
51
. O Princípio 20, assim,
não constou da Declaração de Estocolmo, o que não impediu a
Argentina de continuar sua cruzada pela consulta prévia obrigatória
em outros foros.
52
O sucesso em impedir a aprovão da proposta argentina teve
tal repercuso, tanto naquele momento quanto na meria coletiva,
que os outros êxitos da atuação da Delegação brasileira foram
subestimados. Em 1972, de fato, a prioridade de evitar obstáculos à
construção de Itaipu não se podia comparar com o que poderia vir a
ser o legado da Conferência de Estocolmo. A atitude firme da Delegação
do Brasil, principalmente no tocante ao Princípio 20, provocou, fora
do Brasil, reões negativas: segundo o Relatório da Delegação:
Notou-se [...] uma tendência, manifestada sobretudo na imprensa,
de procurar atribuir a certos países uma atitude de intransigência
que estaria pondo em risco as possibilidades de sucesso da
Reunião. [...] A Delegação do Brasil foi considerada por alguns
um bom alvo para esses movimentos da opinião talvez em função
de sua atitude firme e decidida durante o período preparatório.
[...] Além das tentativas efetuadas por certa imprensa de apontar
o Brasil como atuando em liderança negativa na Conferência,
algumas delegações também o fizeram [...]”.
53
O Relatório refere-se, principalmente, aos países nórdicos, cujas
atitudes com relação às posições brasileiras, segundo Henrique Brandão
Cavalcanti, eram muito mais negativas do que a dos demais países
desenvolvidos.
54
Segundo Wade Rowland, “The ambiguous position
51
PEDROSA, Vera, op cit, p. 65-66.
52
Ibid, p. 66-67.
53
MINISTÉRIO DO INTERIOR, op cit, p. 23-24.
54
Entrevista ao autor, Brasília, setembro de 2003.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
141
of these countries [U.S. and Western European Nations] twisted itself
into a series of inexplicable, rosily favourable comments on the brilliance
and hard-workingnature of the Brazilian delegation which were to be
a source of continual bafflement for reporters attending press
conferences and briefings held by these delegations”.
55
(A posição
ambígua desses países EUA e países da Europa Ocidental] levava a
que fossem feitos comenrios róseos inexplicáveis a favor do brilho
e do “trabalho árduo” da delegação brasileira, que deixavam atônitos
os jornalistas que assistiam às conferências de imprensa destas
delegações.). A Delegação brasileira, no entanto, havia tornado possível
o que Iglesias chamaria the great intellectual reconciliation of Stockholm:
development and the environment.
56
(a grande reconcialiação intelectual
de Estocolmo: desenvolvimento e meio ambiente). Essa vitória,
indiscutível do ponto de vista diplomático, enriquecia a dualidade que
existia no Ministério das Relações Exteriores, durante a primeira metade
do regime militar e que se revelou amplamente em Estocolmo: um lado
essencialmente conservador, presente na posão soberanista”, e outro
em que se preconizava o direito ao desenvolvimento e a diminuição
dos desníveis de riqueza entre as nações – posição moderna, vista
com respeito e simpatia até hoje.
O ex-Chanceler Luiz Felipe Lampreia, em seu livro Diplomacia
Brasileira, refere-se a essa dualidade: havia um regime conservador,
mas isso era um pouco arejado por uma potica externa que, na área
econômica, tinha um discurso agressivamente reformador e desafiador
de uma ordem internacional”. O Itamaraty tinha de lidar com preses
internacionais em prol da democracia, dos direitos humanos e, no caso,
do meio ambiente: s o saamos disso, mas era, de certo modo,
uma maneira de neutralizar, de contra-atacar essas pressões que se
faziam sobre o Brasil de Castello Branco, sobre o Brasil de Costa e
55
ROWLAND, Wade, op cit, p. 55.
56
GUIMARÃES, Roberto Pereira. Ecopolitics in the Third World: an institutional
analysis of environmental management in Brazil. p. 287.
142
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Silva, sobre o Brasil de dici”. Segundo o Embaixador Lampreia, o
eno Ministro da Fazenda, Delfim Netto, achava uma graça
extraordinária nas posões do Itamaraty, que, certamente, não refletiam
o pensamento dele, mas eram a palavra do Brasil nesses foros”.
57
No auge do regime militar, o Brasil, portanto, defendeu uma
agenda que, nos anos subseqüentes, provaria ser adequada a um país
democtico. Alguns setores do ambientalismo brasileiro apontam para
a atitude do Brasil em Estocolmo como um erro histórico: o Brasil
ajudou a bloquear a agenda ambiental pelo temor à criação de
instrumentos que legitimassem a diminuão da soberania, temor que
só se justificava pelos abusos que eram cometidos pelo Governo,
principalmente na área de direitos humanos. Essa análise estaria baseada
no princípio de que a agenda proposta pelos países ricos era
progressista. Em retrospecto, no entanto, é indiscutível que as soluções
propostas pelos países ricos em 1972 se revelaram muito mais incorretas
e pouco democráticas do que a luta dos países em desenvolvimento
para que a agenda ambiental fosse inserida no contexto mais amplo do
desenvolvimento.
A Delegação brasileira poderia ter bloqueado as negociações e
boicotado de fato a Conferência, como temia Strong? Dificilmente, pois
o preço político seria muito elevado: esta atitude, certamente, dividiria os
países em desenvolvimento e, sobretudo, representaria um duro golpe
contra um dos pilares da diplomacia brasileira: o fortalecimento do
multilateralismo. O Brasil poderia ter aceitado a agenda proposta pelos
desenvolvidos? Sim, mas isso nos teria permitido uma alternativa limpa
ao nosso desenvolvimento? Teríamos evitado erros?
Apesar de declararmos que não queríamos repetir os erros
cometidos pelos países ricos em seu processo de desenvolvimento,
saamos que dificilmente podeamos evitá-los. Que alternativas nos
ofereceram os países ricos em 1972? A conservação dos recursos
57
LAMPREIA, Luiz Felipe. Diplomacia Brasileira: palavras, contextos e razões. p.
86-87.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
143
naturais e o controle demográfico, o que significava, em outras palavras,
que, para crescer, teríamos de poluir. A agenda original seguia, de certa
forma, uma lógica comparável à do Tratado de Não-Proliferação
(TNP), uma vez que procurava congelar o statu quo, fortalecendo os
que se haviam desenvolvido, e proibindo a entrada de novos
“membros”, que ameaçariam a estabilidade dos outros. No caso do
meio ambiente, entretanto, quem possui os arsenais – no caso, os
recursos naturais o os países em desenvolvimento.
A posição brasileira de não aceitar o tratamento multilateral
dos temas ambientais de forma isolada, e de associá-lo ao do
desenvolvimento econômico, representava uma alternativa construtiva
e comprovou-se uma opção política acertada, uma vez que, até hoje,
permanecem sob esta ótica as negociações ambientais. Vale ressaltar,
além do acerto político, a qualidade das intervenções brasileiras,
principalmente as de Miguel Ozório. A leitura de seus discursos, dois
dos quais estão no Andice I deste trabalho, revela, ao mesmo tempo,
seu profundo conhecimento do tema e sua absoluta convicção de estar
defendendo os interesses do País.
O Itamaraty saiu fortalecido da Conferência de Estocolmo por
ter demonstrado que sabia cumprir as prioridades do Governo – o
caso de Itaipu e que podia exercer liderança internacional, graças a
posições gestadas dentro da “Casa”. Saiu fortalecida, também, a
confiança no multilateralismo, em razão dos instrumentos que colocava
à disposição dos países em desenvolvimento.
Para Marcel Merle, “[a]s Organizações Internacionais são
agentes de transformação da sociedade internacional, na medida em
que […] ofereceram uma tribuna à massa dos povos deserdados.
Mesmo que isso ainda não tenha provocado uma mudança na
distribuição dos meios de poder, tem afetado a relação das foas, que
o são todas forças materiais”.
58
A Delegação brasileira soube usar a
58
MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais. p. 271.
144
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
tribuna, soube usar as forças não-materiais e conseguiu dar um passo
importante na transformão da sociedade internacional.
B) O BRASIL NA CONFERÊNCIA DO RIO
O Brasil, ao assumir a organização da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro,
tomou uma decisão que teve importantes repercussões nas políticas
interna e externa do Ps. “O Brasil, em termos ambientais, nunca foi o
mesmo depois da Rio-92”, afirma a socióloga Samyra Crespo, que
realizou a importante pesquisa “O que o brasileiro pensa sobre o meio
ambiente e o desenvolvimento sustentável?”
59
Sem ter a pretensão de
poder resumir, em poucas linhas, a história do País nas duas décadas
desde Estocolmo, mas no intuito de esclarecer o que levou o Governo
a oferecer o Brasil como sede da Conferência, parece necessária uma
breve análise do período.
Do ponto de vista econômico, o chamado milagre brasileiro
havia sido desafiado e, finalmente, vencido pelas duas crises do
petróleo, pela crise da dívida externa e pela inflação. O modelo de
desenvolvimento brasileiro, apesar de seus aspectos positivos, não
foi adaptado às mudanças no contexto mundial e, pior, o País teve
de assistir ao crescimento de economias consideradas muito menos
promissoras do que a brasileira. Não se podia culpar apenas a
economia mundial e os países desenvolvidos pelo declínio da situação
ecomica. Ao contrário, a grande ironia vinha do fato de o maior
desafio ao nosso modelo de desenvolvimento a crise do petróleo
ter sido iniciado, de maneira voluntária, por países em
desenvolvimento. O Brasil sofreria outras crises causadas por países
em desenvolvimento, todas, no entanto, conseqüências de crises
59
CRESPO, Samyra. “Uma visão sobre a evolução da consciência ambiental no Brasil
nos anos 1990” In: TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século 21: 21 especialis-
tas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. p.63.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
145
internas desses países, e o resultado de planejamento potico, como
no caso dos pses membros da OPEP.
Do ponto de vista político, a “abertura e o fim do regime
militar permitiram grandes mudanças e questionamentos, mas,
sobretudo, a maior participão da sociedade civil e o fortalecimento
dos poderes locais, em detrimento do tradicional modelo
centralizador. Graças a isso, fortaleceram-se as instituições, e as
grandes questões sociais puderam ser focadas de maneira direta, o
que demonstrou que os problemas do País estavam longe de ser
resolvidos apenas com o retorno à democracia. As conhecidas
conseqüências da distribuição de renda, no entanto, agravaram-
se, sobretudo nas cidades: a criminalidade a face mais visível da
injustiça social passou a ser uma das maiores preocupações da
vida urbana e a nova marca registrada do País no exterior, em
substituição aos abusos contra os direitos humanos praticados pelo
Estado no período militar.
Na área ambiental, as circunstâncias brasileiras favoreceram o
crescimento do interesse da opinião pública pelo tema, mas também
alimentaram a frustração com a qual o País assistia à destruição
desnecessária de alguns recursos naturais simbolizada pelas queimadas
na Amazônia e ao desprezo pelo bem-estar das populações, cujo
maior exemplo foi o incêndio causado pelo vazamento de uma tubulação
de gasolina em Cubatão, em fevereiro de 1984.
Com a volta à democracia, na realidade, a sociedade brasileira
passou a poder manifestar sua insatisfação com a piora das condões
ambientais, que repetia, fase por fase, mas com atraso e em ritmo
acelerado, o mesmo processo que se observou nos países
desenvolvidos nas décadas de 50 a 70. A classe média urbana, além
de conviver com a degradação de seus bairros, passou a constatar,
com o aumento do turismo interno, a destruão das paisagens e a
manutenção dos parques, lagos e praias. Essa similaridade com o
processo ocorrido nos países desenvolvidos, lembra o Professor
146
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Goldemberg
60
,
também se verificou na criação de ONGs ambientais
no País e na maior participação da comunidade científica, cujas
primeiras reivindicões estavam ligadas à oposão à construção de
usinas nucleares.
A sociedade brasileira, no entanto, não havia resolvido os
problemas básicos da população, como saúde, educação ou
alimentação, identificados como pré-
condições para que uma sociedade
passe a ter o meio ambiente como prioridade. Com isso, a questão
ambiental entrou em uma longa lista de vidas sociais e colocou-se,
com novos elementos, no contexto descrito pelo historiador José
Augusto Pádua como a convincia no Brasil desse duplo movimento:
uma rica tradão de simpatia cultural e elogio laudario da natureza,
de um lado, e, do outro, uma história de contínua agressão contra as
suas principais manifestões”.
61
A “simpatiapela questão ecológica
espalhou-se pelo país, as ONGs ganharam mais força no combate às
agressões contra o patrimônio ambiental
62
,
mas os inegáveis progressos
na legislação ambiental não asseguravam aos Governos Federal,
Estaduais e Municipais a capacidade e os meios de combater
efetivamente os abusos ambientais, nem pelo fato de a defesa do meio
ambiente ter sido situada, na Constituição de 1988, entre os nove
princípios gerais da atividade econômica, ou de houver todo um capítulo
sobre o Meio Ambiente (Art. 225) no Título VIII, “da ordem social”
daquela carta. Como diz Montesquieu, em De l’Esprit des Lois:
“Quand je vais dans un pays, je n’examine pas s’il y a des bonnes lois,
mais si on exécute celles qui y sont, car il y a des bonnes lois partout”.
63
(Quando vou a um país, não verifico se ele tem boas leis, mas se as
que existem são observadas, pois boas leis há em todo lugar.). O grande
60
Entrevista ao autor, Brasília, setembro de 2003.
61
GIL, Gilberto. “Algumas notas sobre cultura e ambiente” In: TRIGUEIRO, André.
Meio Ambiente no Século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas
suas áreas de conhecimento. Ccitado p. 56-57.
62
Lei 7347, de 27 de julho de 1985.
63
LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica Internacional. Citado p. 82.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
147
salto do ambientalismo localizado e comunitário para uma visão
contemponea das implicões econômicas poticas e científicas da
questão ambiental no Brasil ocorre, indiscutivelmente, com a
preparação e a realização da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento no Ps. “A superexposição que o
tema obteve por aqui antes, durante e após a Conferência”, segundo
Samyra Crespo:
descolou definitivamente, para os brasileiros, a probletica
ecológica ou ambiental daquela moldura provinciana que colocava
o ambientalismo na caixinha da “contracultura”, e, rapidamente,
tanto entre as elites informadas quanto entre a população (através
da mídia), meio ambiente começou a ser relacionado a uma série
de eventos dramáticos que a pauta dos chamados problemas
globais fez emergir.
64
O que levou o Governo do Presidente Jo Sarney, em
dezembro de1988, a propor o Brasil para sede da segunda grande
confencia das Nações Unidas sobre questões ambientais? Certamente
a avaliação de que, politicamente e em maria de imagem, o Ps tinha
mais a ganhar do que a perder ao tomar essa decisão que representava
altos riscos.
Uma série de acontecimentos fez de 1988 o ano em que o
Brasil se tornou o foco principal do debate ambiental internacional: “a
segunda onda do meio ambiente”, como se refere o Embaixador Luiz
Filipe de Macedo Soares, desencadeada, em grande parte, pela ampla
divulgação do Relatório Brundtland, trazia uma agenda aggiornata
que refletia as preocupações ambientais de uma nova geração nos países
desenvolvidos
65
.
Não era mais a poluição que havia sido
satisfatoriamente contornada nos países mais ricos que dominava a
64
CRESPO, Samyra,, op cit, p. 62.
65
Entrevista ao autor, Brasília, novembro de 2003.
148
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
opino blica: entre as novas preocupações, estavam a mudança do
clima e a perda de biodiversidade. O aumento das queimadas na
Amazônia, segundo novos dados independentemente de serem ou
não confiáveis, recebeu particular destaque na mídia internacional, assim
como suas conseqüências para o clima e a biodiversidade.
Alguns artigos na imprensa internacional tiveram grande impacto,
principalmente o que foi publicado no The New York Times, em 12
de agosto de 1988, sob o título “Vast Amazon Fires, Man Made, linked
to Global Warming(Grandes incêndios na Amazônia, provocados pelo
homem, relacionados ao aquecimento global)
, e o editorial do mesmo
jornal “Who is burning the Amazon?” (Quem está queimando a
Amazônia?). Na realidade, o verão de 1988 no hemisfério Norte é
lembrado pelos ecologistas como o “verão da Terra ameaçada”, pois
reuniu tantas notícias negativas na área de meio ambiente que a revista
Time, em 1989, escolheu, em vez do tradicional “Homem do Ano”, a
Terra como “Planeta do Ano”
66
.
O calor do verão norte-americano e europeu convenceu a
opinião pública de que o efeito-estufa não era apenas teórico, e as
notícias de secas na China e na União Soviética, de inundações em
Bangladesh e de furacões no Caribe confirmavam que o problema era
global. As queimadas na Amazônia mereceram particular destaque: era
um fenômeno em princípio local, mas com conseqüências globais, pelos
efeitos sobre as mudanças climáticas e pela destruição da biodiversidade.
Além disso, era provavelmente o único fenômeno sobre o qual se
imaginava ter algum controle: afinal, as queimadas eram provocadas, em
sua maioria, pelo homem, e medidas adequadas poderiam impedir que
continuassem. Furacões, secas, chuvas e calor não podiam ser eliminados
de um ano para o outro, mas os incêndios, sim.
A opinião blica, no Brasil e no exterior, recebeu informões
que mesclavam dados cientificamente comprovados e mitos quase
66
SALE, Kirkpatrick. The Green Revolution: the environmental movement 1962-
1992. p. 72.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
149
inabaláveis, como o de que a Amazônia continuava sendo o “pulo
do mundo”. A apelação aos sentimentos da opinião blica chegou a
ter momentos francamente grotescos, como no caso da revista Time,
que chegou a publicar que This year the Earth spoke, like God warning
Noah of the deluge. Its message was loud and clear, and suddenly
people began to listen, to ponder what portents the message held”.
67
(Este ano a Terra falou, como Deus anunciando o dilúvio a Noé. Sua
mensagem foi em alto e bom som, e repentinamente as pessoas passaram
a ouvir e a pensar sobre as consequências dessa mensagem.).
O Governo do Presidente José Sarney, apesar de concentrado
nos inúmeros problemas internos, em plena Assembléia Nacional
Constituinte, e atravessando um dos piores momentos financeiros da
história do País, teve de tomar medidas que transmitissem, interna e
externamente, a importância que o Brasil atriba à queso ambiental.
O Presidente laou, em outubro de 1988, no mesmo s em que foi
adotada a nova Constituição, o Programa Nossa Natureza, que envolvia
sete Minisrios e que tinha como objetivos: a) conter a ão predatória
do meio ambiente e dos recursos naturais renoveis; b) fortalecer o
sistema de proteção ambiental na região amazônica; c) desenvolver o
processo de educação ambiental e de conscientização pública para a
conservação do ambiente; d) disciplinar a ocupação e exploração
racional da Amazônia Legal, fundamentadas no ordenamento territorial;
e) regenerar o complexo de ecossistemas afetados pela ação antrópica;
e f) proteger as comunidades indígenas e as populações envolvidas
nos processos extrativistas.
68
O Governo anunciou, também, a
suspeno dos incentivos fiscais a projetos agropecuários nas áreas de
floresta tropical densa.
No dia 6 de dezembro de 1988, em discurso proferido pelo
Embaixador Paulo Nogueira Batista, Representante Permanente junto
67
Ibid, p. 72.
68
MESQUITA, Fernando César de Moreira. Políticas de Meio Ambiente no Brasil. p.
15 e 16.
150
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
às Nações Unidas, na Segunda Comissão da Assembia Geral, o Brasil
apresenta sua candidatura para sediar a planejada Conferência de 1992
sobre questões ambientais “the envisaged 1992 conference on
environmental matters(a conferência sobre queses ambientais que
es sendo prevista): a Conferência ainda não tinha nome oficial, uma
vez que a Comissão não lograra um acordo sobre o título ante as
divergências acerca do conteúdo e do enfoque que ela teria.
Quinze dias depois, Chico Mendes é assassinado no Acre. O
Governo surpreende-se com a repercussão internacional da morte de
um seringueiro conhecido no Brasil principalmente nos círculos
ambientalistas apesar de ter recebido um dos mais prestigiosos
prêmios ambientais, o Global 500, concedido pelo PNUMA.
69
Era
uma morte que confirmava todos os piores aspectos da sociedade
brasileira na vio da imprensa estrangeira e podia ser abordada pelos
mais diversos ângulos: violência, meio ambiente, direitos humanos,
trabalhadores rurais, latifundiários, sindicalismo, impunidade etc.
Ademais, desafiava diretamente o Programa Nossa Natureza,
principalmente no tocante ao objetivo de “proteger [] as populações
envolvidas nos processos extrativistas”.
Poucos meses depois, para complementar as medidas
anunciadas pelo Governo, foi decidida a criação do Instituto Brasileiro
de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA),
que assumiria as funções de quatro órgãos a serem extintos: o Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a Secretaria Especial
do Meio Ambiente (SEMA), a Superintenncia de Desenvolvimento
da Pesca e a Superintendência do Desenvolvimento da Heveicultura.
Para presidir o IBAMA, é nomeado o eno porta-voz da Presidência,
Fernando César de Mesquita, que tinha acesso direto ao Presidente
Sarney, em mais uma indicão da prioridade do tema ambiental para
o Governo.
69
VENTURA, Zuenir. Chico Mendes, Crime e Castigo. p.10.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
151
O processo pelo que passou, dentro do Minisrio das Relações
Exteriores, a idéia de sediar a Conferência no Brasil merece especial
registro. A deterioração da imagem do País no exterior vinha sendo
acompanhada com preocupão pelo Itamaraty e, principalmente, por
suas repartições na Europa e nos EUA, onde o Brasil se tornara o grande
alvo de grupos ambientalistas e da imprensa. As queses ambientais,
aliadas às dificuldades financeiras e à desaceleração da economia,
constituíam importantes barreiras para que aspectos mais positivos da
sociedade brasileira, como a redemocratização e o processo de
elaboração da nova Constituição, pudessem ser percebidos no exterior.
Apesar da fama de ser uma instituão avessa a decisões ousadas, foi do
Itamaraty que partiu a idéia de sediar a Conferência de 1992 no Brasil.
Havia pouco entusiasmo no Itamaraty pela ampliação da
discuso em vel global de diversos temas ambientais nos anos 70 e
80, mas, como afirma Everton Vargas, o “Itamaraty é o único órgão
do Governo que vem acompanhando, há mais de trinta anos, a evolução
das questões ambientais sob seu aspecto político”.
70
Como visto
anteriormente, o Ministério das Relações Exteriores repetiu, na área
ambiental, o papel precursor que teve no Governo brasileiro com relação
às questões de desenvolvimento econômico. O Itamaraty apesar de
percebido por alguns críticos como uma instituição que sabe justificar
o injustificável com talento tem tido, segundo o Embaixador Roberto
Abdenur, a capacidade de consolidar a noção de que a inseão externa
do país é, sempre mais, uma fonte de oportunidades para o
desenvolvimento nacional”.
71
Alguns diplomatas viram que, naquele
momento de crise, a questão do meio ambiente poderia representar
uma oportunidade.
Um grupo de países, liderados pelos países nórdicos e o
Canadá, consultou o Brasil, durante a XLIV Assembléia Geral das
70
Entrevista ao autor, Brasília, novembro de 2003.
71
AMORIM, Celso. Política Externa. Democracia. Desenvolvimento. Apresentação
de Roberto Abdenur. p. 11.
152
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Nações Unidas, em outubro de 1988, sobre a possibilidade de co-
patrocinar um projeto de Resolução pelo qual se convocaria uma world
conference on environmental matters, under the auspices of the United
Nations” (conferência mundial sobre questões ambientais sob os
auspícios das Nações Unidas). Estes países não haviam esquecido a
firme atuação brasileira em Estocolmo e sua capacidade de juntar outros
países em desenvolvimento em torno de posições que defendia. O
texto, como lembra Everton Vargas, encarregado, naquele momento,
de temas ambientais na Miso em Nova York, o lograra aglutinar o
Grupo dos 77, pois vários países do Grupo viam na iniciativa apenas
uma tentativa de angariar apoio às teses do Relario Brundtland. o
obstante isso, Paulo Nogueira Batista imediatamente propôs que o
Brasil sediasse a eventual conferência, sem prejuízo de sugerir uma
série de mudanças no projeto de Resolução.
72
Em Brasília, o Secretário-Geral das Relações Exteriores,
Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, discutiu a idéia de sediar a
Conferência no Brasil com o Subsecretário-Geral para Assuntos
Multilaterais, Embaixador Bernardo Pericás Neto. Segundo Flecha de
Lima, o “foco da questão do meio ambiente estava em cima do Brasil,
mas, na realidade, os países ricos eram os principais responsáveis pelas
ameas globais ao meio ambiente, e os problemas do Brasil,
comparados aos de outros países em desenvolvimento ou aos do Leste
Europeu, o tinham motivo de ser escondidos. “Não havia porque ter
medo do debate”, pois essa atitude fazia agravar a situação, que
tenderia a piorar com a perspectiva de três anos de preparação da
conferência que estava por ser convocada. O Embaixador Flecha de
Lima, naquele momento Ministro de Estado interino, levou a proposta
de sediar a Conferência no Brasil ao Presidente da República, que
“comprou a idéia na hora”.
73
72
Entrevista de Everton Vargas ao autor, Brasília, novembro de 2003.
73
Entrevista de Paulo Tarso Flecha de Lima ao autor, Brasília, novembro de 2003.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
153
Os outros candidatos a sediar a Conferência de 1992 eram a
Suécia e o Cana. O Brasil, o querendo alimentar uma campanha
de candidatura, com seus possíveis desgastes, decidiu negociar de
imediato o apoio do Canadá. O Embaixador Flecha de Lima viajou
para Ottawa, obteve o apoio canadense e concordou em dar o apoio
do Brasil à indicação de Maurice Strong para o cargo de Secretário-
Geral da Conferência.
74
Os Embaixadores Flecha de Lima e Nogueira Batista estavam
longe de querer assumir, com a decisão de sediar a Conferência, uma
posição de alinhamento às prioridades dos países desenvolvidos: as
mudanças na posição brasileira davam-se muito mais pelas
circunstâncias internas, em função da redemocratização e da nova
Constituição. O Brasil podia assumir diante de sua sociedade civil os
problemas ligados ao meio ambiente e a dificuldade de combatê-los,
mas o País continuaria a defender que seu desenvolvimento econômico
era o melhor caminho para lidar com os problemas ambientais e que a
soberania sobre seus recursos naturais era indiscutível.
No final dos anos 80 e icio dos 90, o havia a ameaça quase
ideológica do Clube de Roma, mas ganhavam espaço novas idéias
quanto aos bens comuns globais (“global commons), cuja definição
continuava vaga e sujeita a amplas variações. Desde o livro The
Tragedy of the Commons, do biólogo Garret Hardin, publicado em
1968, surgiam alternativas sobre o uso e a preservação dos bens
74
Miguel Ozório havia manifestado oficialmente o apreço do Governo brasileiro pelo
papel de Strong na preparação de Estocolmo: I would like to put on record the appreciation
of the Brazilian Government for the efforts he (Strong) has done to ensure that the
interests of the developing countries are adequately taken care of.” (discurso na XXVI
Assembléia Geral, 2 de dezembro de 1971). Nenhum dos dois podia imaginar que, vinte
anos mais tarde, a segunda conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente se reali-
zaria no Brasil. Miguel Ozório, debilitado por uma longa doença, não poderia participar
da Conferência do Rio. Segundo o economista brasileiro Lucas Assunção (entrevista ao
autor, dezembro de 2003), então assessor de Strong, este fez questão de visitar Miguel
Ozório em casa, em 1992. Ao sair do encontro, manifestou a Assunção sua profunda
admiração pela atuação do delegado brasileiro em Estocolmo.
154
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
comuns, que normalmente se referiam ao ar e ao mar. Os progressos
científicos passaram a justificar certas posições de que o conceito de
bem comum poderia extender-se, por exemplo, às florestas tropicais.
As florestas, tradicionalmente valorizadas por sua beleza, seus índios e
seus animais, passaram a -lo, mais ainda, pela nova “nobrefunção
de sumidouro de gases de efeito estufa,
e pela biodiversidade que
mantêm, cuja utilização com tecnologia adequada permitiria
extraordinários progressos na medicina, na agricultura etc. Sua
destruição tornara-se, por outro lado, mais grave, pois os cortes e as
queimadas “liberariam” quantidades preocupantes de emissões, e a
perda de biodiversidade seria irrecuperável. A “incompetênciados
países detentores destas florestas em preservá-las justificaria, assim, a
intervenção estrangeira para proteger a humanidade de um modo geral.
Essa idéia, que se tornava ainda mais atraente para os países
desenvolvidos se a preservação das florestas tropicais permitisse que
estes não precisassem alterar seus padrões de produção e consumo,
apresentava vários problemas bastante evidentes, principalmente o
desprezo pelo princípio da soberania dos Estados sobre os recursos
naturais, que constava muito claramente na Declaração de Estocolmo,
e a incorrão cienfica de que se podem comparar quantitativamente
as emissões dos países ricos com a capacidade de sumidouro das
florestas.
A pressão internacional manifestava-se de diversas maneiras e,
à época, não havia encontro com autoridade de país desenvolvido em
que não se abordasse a questão ambiental. Um exemplo característico
foi a viagem ao Brasil de influentes membros do Congresso norte-
americano, no início de 1989, entre os quais estavam o Deputado John
Bryant e os Senadores Tim Wirth, Jack Heinz e Al Gore – que se
tornaria Vice-Presidente poucos anos depois –, em missão que tinha
como objetivo principal conhecer melhor a situação do meio ambiente
no País. A agenda original da viagem, organizada com antecedência
pelo biólogo Tom Lovejoy, da Smithsonian Institution, incla uma visita
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
155
a Chico Mendes. O grupo entrevistou-se com poticos, entre os quais
o Presidente da República, além de empresários e representantes da
sociedade civil, mas Chico Mendes havia sido assassinado.
A idéia de estender o droit dinrence(direito de ingerência),
ou “devoir d’inrence” (dever de ingerência), a questões ambientais
tamm ganhava corpo: o conceito havia sido desenvolvido, em 1987,
para queses humanitárias, pelo potico francês Bernard Kouchner,
criador do “Médecins sans frontières entidade ganhadora do Prêmio
Nobel da Paz em 1999.
75.
No contexto do fim da Guerra Fria, com o
fortalecimento mundial de valores como a democracia e o respeito aos
direitos humanos, parecia inadmissível a Kouchner que estivesse
subentendido, no formalismo jurídico, que seria “licite, quoique
inélégant, de massacrer sa propre population (lícito, porém deselegante,
massacrar sua ppria população). Essa nova doutrina”, que desafiava
abertamente o conceito de soberania, imporia o “devoir d’assistance à
peuple en danger” (dever de assistência a povo em perigo).
76
No ano
seguinte, diante do foco mediático sobre o meio ambiente, surgiram
vozes que defendiam o desenvolvimento da “doutrina para massacres
ambientais.
O “droit dingérence foi, de imediato, fortemente criticado por
numerosos juristas, que não aceitavam a simplificação que os seus
defensores faziam do Direito Internacional e a omissão por eles dos
recursos judicos existentes para se condenar e agir em caso de abusos
repetidos de direitos humanos em um país.
77
. Mesmo assim, ganhou
adeptos a idéia de que se deveria intervir ou limitar a soberania de
um país caso este não parecesse capaz de defender sua população
ou preservar o meio ambiente.
75
O conceito foi desenvolvido por Kouchner e Mario Bettati, Professor de Direito
Internacional Público na Universidade Paris II, a partir de idéia original de Jean-François
Revel. Kouchner foi, mais tarde, administrador da ONU em Kosovo.
76
CORTEN, Olivier. “Les Ambigüités du Droit d’Ingérence Humanitaire” In : Courrier
de l’UNESCO, junho de 1999.
77
Ibid.
156
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Na reunião sobre a protão da atmosfera, na Haia, em março
de 1989, para a qual foram convidados 24 países, em nível de Chefe
de Estado e de Governo, o então Secretário-Geral das Relações
Exteriores, Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, que
representava o Presidente José Sarney, ouviu diretamente do então
Primeiro-Ministro da França, Michel Rocard, que o Brasil não era
capaz de cuidar da Amazônia.
78
Ao final da reunião, foi aprovada
uma declaração que “foi recebida, por alguns analistas, como
demonstração cabal da disposição dos Estados de abrirem o de
sua soberania em relação a políticas que afetam o meio ambiente
global”.
79
Essa interpretação fortaleceu-se, sobretudo, depois de o
Governo frans publicar nos principais jornais de seu país anúncios
que alegavam que o Governo do Presidente Sarney estaria pronto a
abrir mão de parte da soberania nacional para que pudesse atuar um
organismo supranacional de defesa do meio ambiente. O Governo
brasileiro manifestou oficialmente “perplexidade e desagrado” pelo
incidente que tomou proporções consideráveis.
80
O Brasil procurou articular posões regionais em duas
importantes reuniões que se realizaram no Ps, ainda no período em
que o Brasil era apenas candidato a sediar a Conferência de 1992: a
IV Reunião Ministerial sobre Meio Ambiente da América Latina e
Caribe, em mao de 1989, em Brasília, e a I Reuno dos Presidentes
dos Países Amazônicos, em Manaus, em maio do mesmo ano. Em
ambas, foram reiteradas a importância de se discutir o meio ambiente
no contexto do desenvolvimento e a necessidade de se melhorar as
condições sociais das populões. Os três pilares do desenvolvimento
sustenvel se fortaleciam, assim, como legítimas aspirões da rego,
três anos antes da consagração do conceito no Rio.
78
Entrevista ao autor, Brasília, novembro de 2003.
79
VARGAS, Everton. Parceria Global? As alterações climáticas e a questão do
desenvolvimento. p. 61.
80
DAUNAY, Ivo. Financial Times, 7 de abril de 1989.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
157
Fabio Feldmann, Deputado Federal que havia organizado o
grupo de parlamentares que conseguiram dar particular destaque ao
meio ambiente na nova Constituão, lembra que, apesar da disposição
de membros do Governo Sarney de alterar o discurso brasileiro, a
atitude defensiva e “soberanista” reaparecia na medida em que as
discussões c
punham em questão a capacidade brasileira de enfrentar
o desafio de proteger o patrimônio ambiental.
81
Isto se reflete, por
exemplo, em discursos como o de Paulo Nogueira Batista, um ano
depois de o Brasil se oferecer para sediar a Conferência: Environmental
degradation in the developing world is essentially a problem of local
dimension. Seldom can we speak in this connection of transboundary
environmental effects, specially of a global nature”. (A degradação
ambiental no mundo em desenvolvimento é essencialmente um problema
de dimensão local. Raramente se pode falar a respeito de efeitos
ambientais transfronteiriços, especialmente de natureza global.) .
82
Menos de um ano e meio depois, no entanto, o eno Chanceler
Francisco Rezek diria em discurso no xico:
no pretendemos y que esto quede muy claro huir de las
responsabilidades que nos caben en lo que atañe al mantenimiento
del equilibrio ambiental planetario. Nos disponemos, con esa
finalidad, a trabajar intensamente con los países de todas las
demás áreas en la busca de soluciones para los grandes problemas
que afectan el medio ambiente común.
83
(não pretendemos, e
isso deve ficar muito claro, fugir das responsabilidades que nos
cabem no tocante à manutenção do equilíbrio ambiental planetário.
Estamos dispostos, para essa finalidade, a trabalhar intensamente
81
Entrevista ao autor, Brasília, outubro de 2003.
82
BATISTA, Paulo Nogueira. Discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas, 23 de
outubro de 1989.
83
REZEK, Francisco. Discurso na Reunião Preparatória da América Latina e do Caribe,
Cidade do México, 5 de março de 1991.
158
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
com os países de todas as outras regiões em busca de soluções
para os grandes problemas que afetam o meio ambiente global.).
Tornara-se impossível continuar a negar as dificuldades do
Governo em lidar com as questões que mais provocavam interesse
pelo Brasil no exterior. As preses externas tiveram forte influência,
mas foi sobretudo a reação da sociedade civil brasileira à transparência
que o Governo ajudou a promover que obrigaria a mudar o discurso.
O desprezo pelo meio ambiente acabou sendo associado aos males
do período militar, e a questão passou a adquirir dimensão política
importante, que se fortaleceria no Governo do Presidente Fernando
Collor de Mello.
Ao assumir a Presidência da República, em março de 1990,
Fernando Collor anunciou que o meio ambiente seria uma das suas
prioridades. Consciente de que presidiria a maior conferência
internacional de todos os tempos, no meio de seu mandato, o Presidente,
com sua considerável sensibilidade para a imporncia do marketing
político, colocou o respeitado ecologista José Lutzemberger na
Secretaria de Meio Ambiente da Presidência da República,
e adotou
discurso que conseguiu agradar pelo menos inicialmente até ao
cético professor norte-americano Warren Dean, autor de A ferro e
fogo e grande especialista em Mata Atntica.
84
Por ocasião do anúncio oficial de que a Conferência se realizaria
no Rio, em agosto de 1990, o Presidente se autoproclamou líder
mundial da causa ambiental:
Lidero com convicção e com firmeza a luta pela defesa do meio
ambiente e pelo fortalecimento da consciência ecológica no Brasil
e em todo o mundo. O meu engajamento ativo nessa causa deriva
84
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da mata atlântica
brasileira. p. 355.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
159
de sentimentos pessoais muito profundos, que nada têm que ver
com considerações de outra ordem. Pertenço à geração que
colocou a questão ecológica como problema central da agenda
internacional. Tenho um compromisso com a minha geração, com
o meu tempo.
85
A responsabilidade pela organização da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ficaria a cargo do
Itamaraty e de diplomatas lotados na Presidência da República. Foi
criada a Divisão do Meio Ambiente (DEMA) ligada diretamente à
Secretaria-Geral de Política Exterior e chefiada pelo então Ministro
Luiz Filipe de Macedo Soares, que assumiu também as funções de
Secrerio-Executivo da Comissão Interministerial para a Preparação
da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CIMA). Os aspectos operacionais da organização
da Conferência foram tratados pelo Grupo de Trabalho Nacional
(GTN), cujo Presidente era o então Ministro Carlos Moreira Garcia,
que tinha como Secrerio Executivo o eno Ministro Flávio Miragaia
Perri, com equipe de mais de vinte diplomatas, entre outros integrantes.
Iniciou-se na DEMA um amplo trabalho de reavaliação das
posições brasileiras. Segundo Macedo Soares, esta reavaliação já havia
ocorrido parcialmente no início dos anos 80, mas de forma muito sutil
e pouco percepvel”. Na realidade, as conclues da tese apresentada
por Vera Pedrosa, em 1984
86
,
sugeriam que havia chegado o
momento para certas mudanças nas posições brasileiras:
As características da situação mundial em 1982 [...] retiravam
do exercício ambiental algumas das motivações tão bem
85
COLLOR, Fernando. Discurso na visita ao Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro,
11 de agosto de 1990.
86
Vera Pedrosa havia trabalhado com Luiz Filipe de Macedo Soares na Divisão das
Nações Unidas até 1983.
160
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
diagnosticadas em 1972 pelos responsáveis pela política externa
brasileira. [...] Tanto a continuação do estudo do tema das
interrelões (entre populões, recursos e meio ambiente), quanto
a elaboração do documento prospectivo para o ano 2000, dariam
ensejo a uma revisão, em profundidade, de certos aspectos dos
posicionamentos brasileiros fixados em 1970/72. [...] a década
de 80 apresenta-se como favorável a uma alteração da perspectiva
em que o Brasil se situou, na década passada, com relação à
cooperação internacional em matéria ambiental. [...] Como
decorncia dos desenvolvimentos verificados, as posições
brasileiras no foro ambiental podem hoje ser consideravelmente
mais flexíveis que no passado.
87
Segundo Macedo Soares, no entanto, persistiu, até o final da
cada de 1980, a orientão básica de o se discutirem as questões.
A partir de 1990, o houve um intuito de mudar por mudar, como se
houvesse algo a corrigir: a mudança seria, simplesmente, passar a discutir
as questões. “Tínhamos que acabar com a tendência a não falar dos
temas: quando nos perguntavam sobre a Amazônia, respondíamos
sobre soberania, e assim por diante.
88
Uma das primeiras preocupações
foi a de obter informões e de utilizar de maneira dimica os rios
órgãos dos Governos Federal, Estaduais e Municipais, e as
comunidades científica e acadêmica, para demonstrar que havia base
lida sobre a qual se podia aperfeiçoar a protão do meio ambiente
no Brasil. O estudo sobre o desflorestamento empreendido pelo
Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e pelo Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA) com base em informações de salite
obtidas em agosto de 1989, e publicado em agosto de 1990
89
,
era um
87
PEDROSA, Vera, op cit, p. 150 a 152.
88
Entrevista ao autor, Brasília, novembro de 2003.
89
FEARNSIDE, Philip, TARDIN, Antonio Tebaldi e MEIRA FILHO, Luiz Gylvan.
Deforestation Rate in Brazilian Amazonia.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
161
caso exemplar, sobretudo porque mostrava a capacidade nacional de
contestar números obtidos com menor rigor por fontes externas. O
Governo, coerente com a ampla abertura da economia que pretendia
empreender, estava mais aberto à colaboração estrangeira na área do
meio ambiente, mas não queria deixar de fortalecer suas próprias
instituições.
A interação da DEMA com a sociedade brasileira dava-se por
intermédio da CIMA,
e constituiu experiência nova para o Itamaraty
na área ambiental em termos de elaboração de instruções para a
Delegação brasileira: reunia funcionários de diversos órgãos
governamentais e, como observadores, representantes de entidades
de classe e um representante de ONGs. A CIMA reuniu-se pela primeira
vez em junho de 1990, quando havia ocorrido a Primeira Sessão
do Comitê Preparatório, cujo objetivo era organizacional, e não
substantivo. Até a Conferência, a CIMA reuniu-se mais treze vezes,
contribuindo para a elaboração das posições brasileiras e, também,
do relario nacional que foi apresentado à Confencia.
Durante o período preparario da Conferência, o Brasil adotou
atitude de liderança muito diferente da que assumira em Estocolmo: a
Confencia do Rio havia sido convocada com espírito que resguardava
os principais princípios pelos quais o Brasil havia lutado em Estocolmo.
O próprio título da Conferência, de certa maneira, homenageava a
Reunião de Founex.
90
Mas para o Brasil, como para a Scia em 1972,
o êxito da Conferência era essencial. As posições do Brasil teriam de
ser firmes, mas a atuação do País teria de levar em conta a necessidade
de ajudar na busca de consenso.
Na Reunião Preparatória da América Latina e do Caribe,
realizada no xico, em mao de 1991, o Brasil contribuiu para que
as posições comuns dos pses da rego fossem reunidas em
declaração a Plataforma de Tlatelolco sobre Meio Ambiente e
90
Conforme visto no capítulo 1, o tulo do Relatório era: “Development and Environment”.
162
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Desenvolvimento. Com o intuito de fortalecer ainda mais a lideraa
regional do Brasil e do Presidente da República –, foram organizadas
a Reunião dos países membros do Tratado de Cooperão Amazônica,
em Manaus, e a Reunião dos países membros do Mercosul, mais Bolívia
e Chile, em Canela, Rio Grande do Sul. Ambas as reuniões tiveram
vel presidencial e ocorreram em fevereiro de 1992.
Ao aproximar-se a Conferência, os olhos de todo o mundo
estavam voltados para o Rio de Janeiro, cidade que como disse o
Presidente Collor no discurso em que formalizava sua designão como
sede fora escolhida “a despeito de me terem apresentado numerosas
opiniões divergentes, […] argumentos que desaconselhavam essa
escolha pelos mais diversos motivos, entre eles o da insegurança e o
da suposta decadência da cidade”.
91
O Governo Federal, por meio do
Grupo de Trabalho Nacional (GTN) e em estreita colaboração com
os Governos do Estado e da Cidade do Rio de Janeiro apesar das
diferenças políticas entre o Presidente Collor, o Governador Leonel
Brizola e o Prefeito Marcelo Alencar –, promoveu uma gigantesca
organização que assegurou, com o apoio dos habitantes da cidade, um
excelente ambiente para os milhares de delegados à Conferência,
convidados especiais, membros de ONGs e, nos últimos três dias,
para a maior concentração de Chefes de Estado e de Governo em
uma cidade no século XX. Quando o Presidente Collor chegou ao
Rio para o que deveria ser a sua apoteose, no entanto, o desgaste de
seu Governo pelas acusações de corrupção já era imenso, e só lhe
restariam ts meses de Presidência.
A Delegação do Brasil para a Conferência refletia a importância
potica e a atenção que a mídia havia dado ao maior evento de cater
internacional que jamais se realizara no Brasil: 150 membros oficiais,
entre Governo Federal, Governos Estaduais e Municipais, e
91
COLLOR, Fernando. Discurso na visita ao Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro,
11 de agosto de 1990.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
163
Parlamentares. Havia, no entanto, apenas oito representantes de
entidades o-governamentais. Ao iniciar-se a Conferência, a
Presidência brasileira dividiu os trabalhos em oito grupos de contato
negociadores. Os quatro grupos nos quais se esperavam negociações
mais duras eram o Grupo sobre Finanças, que foi presidido pelo
Embaixador Rubens Ricupero; o Grupo sobre Transferência de
Tecnologia, sob a responsabilidade do Embaixador Celso Amorim; o
Grupo sobre a Declaração de Florestas, a cargo do Embaixador
Bernardo Peris Neto; e o Grupo sobre Diversidade Biogica, sob a
responsabilidade do Embaixador Luiz Felipe Teixeira Soares. O
Embaixador Marcos Azambuja tinha a função de Representante
Especial para Coordenar as Posições Brasileiras, o Embaixador Ronaldo
Sardenberg estava encarregado dos contatos da Delegação com os
grupos regionais e as altas autoridades das Nações Unidas, e o
Embaixador Luiz Augusto Saint-Brisson de Araújo Castro foi o porta-
voz da Delegação. A Delegação contava ainda com mais cinco
Embaixadores que assessoravam diretamente o Presidente da
República e o Ministro de Estado, e mais vinte e dois diplomatas
exclusivamente para os esforços negociadores.
92
O Brasil teve ativa participão durante o processo preparario
e durante a própria Conferência nas negociações dos cinco
documentos que seriam assinados no Rio, nos quais tinha profundos
interesses envolvidos por sua circunstância excepcional de País que
reúne, por si só, quase toda a agenda ambiental: poluição, florestas,
pesca, população, pobreza, biodiversidade, desertificação e seca,
recursos do solo, recursos dricos, resíduos xicos, emises, todos
os temas acabavam sendo importantes para o País. No tocante à
Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, o Brasil liderou o
movimento que retirou do PNUMA as negociações para colocá-las
92
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Bra-
sil: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. p.
65-66.
164
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
sob a égide da Assembléia Geral, com o objetivo de torná-las menos
técnicas e científicas e fortalecer seu caráter potico. O Brasil procurou,
também, evitar as manobras que dariam ênfase ao papel das florestas
como sumidouros de CO2, o que desviava o foco dos verdadeiros
responsáveis pelas emises: os países industrializados.
Na Convenção sobre Diversidade Biológica, o Brasil teve de
evitar, antes de tudo, o avanço do conceito de que os recursos biológicos
representariam patrimônio comum da humanidade. O Brasil conseguiu
que se reconhecesse, ao contrio, a soberania sobre recursos naturais:
isto ocorria pela primeira vez em uma Convenção, um passo importante,
pois passava ao direito positivo um Princípio da Declaração de
Estocolmo. As outras principais preocupões centravam-se em
conseguir o reconhecimento do valor econômico da necessidade de
compensar as comunidades ingenas e locais pela utilizão de seus
conhecimentos tradicionais. O Brasil encontrava-se, ao mesmo tempo,
na posição de país detentor de biotecnologia, com jurisdição sobre a
maior proporção de recursos biológicos e genéticos do planeta, e de
demandeur de mais recursos e de transferência de novas tecnologias.
Coube-lhe, assim, papel conciliador de grande valia para que a
Convenção fosse terminada em tempo hábil para a Conferência do Rio.
A Declaração sobre Florestas foi certamente o mais importante
documento consensual assinado até aquele momento sobre o tema,
mas foi também o resultado da firme oposição do Brasil e de outros
países em desenvolvimento, especialmente a Malásia, a que se
negociasse uma convenção de florestas. O Brasil, em coordenação
com os demais países em desenvolvimento, conseguiu que o documento
acentuasse a importância da cooperão, e o da tutela internacional,
e que inclsse florestas austrais, boreais, subtemperadas, temperadas
e subtropicais, além das tropicais. O Brasil desempenhou papel
determinante para que a Declarão reconhecesse, também, a
importância das populações que vivem nas florestas, e seu direito ao
desenvolvimento social e econômico em bases sustentáveis. Finalmente,
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
165
os países em desenvolvimento, com o empenho do Brasil, lograram
que não houvesse menção a uma futura convenção sobre florestas e
que fosse diminuída a ênfase sobre o papel das florestas como
sumidouro de carbono, como na Convenção do Clima.
Conforme visto no Capítulo 1, tanto a Agenda 21 quanto a
Declaração do Rio contaram com inúmeras contribuições da Delegação
brasileira. A consciência de que a agenda ambiental permeava toda a
temática multilateral, e tendia a fazê-lo cada vez mais intensamente,
levou o Brasil a procurar aproveitar a ocasião de enfrentar o novo
espaço de cooperão que se abria e “domá-lo na medida do possível
transformando-o em campo construtivo do desenvolvimento”.
93
Esperava a Delegação brasileira que a Agenda 21 e a Declaração do
Rio se transformassem em acervo conceitual que poderia pautar etapas
subseqüentes da cooperação internacional. Os dois documentos, de
fato, transformaram-se em referências obrigatória, mas chocaram-se
com a dificuldade de implementação da Agenda 21, diante da falta de
cumprimento por parte dos países ricos dos compromissos assumidos
no Rio. Mas, como lembra Rubens Ricupero em seu livro Visões do
Brasil, a dimensão interna da implementação tem, também, grande
importância: para aplicar os objetivos da Conferência, o Brasil precisaria
“empreender um rio esfoo interno a fim de demonstrar que somos
capazes de implementar com eficncia uma potica nacional de meio
ambiente que nos torne credores da credibilidade internacional”
94
Ao descrever a cerimônia de abertura da Conferência do Rio
em seu livro de memórias, Where on Earth are We Going?, Strong
diz que o discurso do Presidente Collor “was something of a surprise,
so candid was he about Brazils environmental problems, including those
affecting the Amazon. At the same time he strongly articulated the position
93
COELHO, Pedro Motta Pinto. “O Tratamento Multilateral do Meio Ambiente: ensaio
de um novo espaço ideológico” In: Caderno do IPRI, n. 18, p. 32.
94
RICUPERO, Rubens. Visões do Brasil: ensaios sobre a história e a inserção do
Brasil. p. 148.
166
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
of the developing countries on the issue of new and additional financial
resources”. (foi uma surpresa, pela sua sinceridade com relação aos
problemas ambientais brasileiros, inclusive aqueles que afetam a
Amazônia. Ao mesmo tempo, ele defendeu com firmeza a posão dos
países em desenvolvimento sobre a questão dos recursos financeiros
novos e adicionais.)
95
Poucos estrangeiros estariam mais habilitados a
compreender as mudaas no discurso brasileiro do que o Secretário-
Geral das Confencias de Estocolmo e do Rio. O Brasil, como aponta
o Relatório da Delegão, conseguiu defender na Confencia do Rio
com especial empenho em assegurar que as negociações flssem da
melhor maneira possível posições cuidadosamente desenvolvidas, e
desempenhou suas funções de país-sede sem “fugir à constatação
transparente dos problemas e dificuldades que ainda tão claramente
marcam a sociedade brasileira”, de maneira a ser “o país-síntese da
Conferência.
96
O discurso brasileiro, como se viu, foi alterado em fuão das
mudanças internas do País: a questão da soberania passara de um
instrumento que assegurava ao Governo a legitimidade para fazer tudo
o que quisesse dentro do território nacional, a um princípio que devia
ser mantido para ser usado quando surgissem ameaças interpretadas
como tal por um regime democtico. O Brasil passou a admitir que o
que ocorria dentro de seu território podia ser de interesse dos outros
países, mas continuava a ser de sua inteira responsabilidade.
O Brasil não era mais o País que tivera de aceitar parte da
agenda ambiental por imposição dos pses industrializados. Os males
que se abateram sobre a classe média norte-americana e euroia nos
anos 60 já afetavam a nossa nos anos 80: cidades poluídas, como
eram Pittsburgh ou Birmingham nos anos 60, acidentes ambientais
Cubatão foi a nossa Minamata. O Brasil passou pelos traumas que
provocaram e justificaram o crescimento do movimento ambientalista
95
STRONG, Maurice. Where on Earth are We Going? p. 226.
96
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, op cit, p. 11.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
167
nos EUA e na Europa. Os principais problemas ambientais dos pses
ricos passaram a ser legitimamente nossos. Ao mesmo tempo, o País
continuava a ter uma das maiores reservas de recursos naturais do
planeta.
Como lembra o Embaixador Ramiro Saraiva Guerreiro em suas
merias, a política externa é “a primeira linha de defesa do país”.
97
Em 1992, já se podia ver a formação de novas linhas de defesa do
Brasil, graças ao fortalecimento das instituições e da legislão, mas,
sobretudo, graças à maior participão dos muitos atores que passariam
a dar, nos anos seguintes, nova dimeno ao debate ambiental no País.
C) O BRASIL NA CÚPULA DE JOANESBURGO
Nos dez anos que separam a Conferência do Rio da Cúpula
de Joanesburgo, a posição internacional do Brasil no tocante ao meio
ambiente mudou de forma significativa. Por um lado, o foco das maiores
críticas do ambientalismo contemporâneo concentrou-se na
globalizão, da qual países em desenvolvimento, como o Brasil, o
vistos como vítimas ou como tendo pouco poder para mudar. Por
outro, é reconhecido internacionalmente que o Brasil é um dos países
em desenvolvimento que maiores progressos conseguiu realizar na área
ambiental nos últimos anos. Graças à crescente conscientizão interna
da complexidade científica e das implicações ecomicas e sociais da
questão ambiental, criou-se uma dinâmica ppria, na qual o Governo
Federal interage com inúmeros outros atores: a maior demonstração
disso foi a cuidadosa elaboração da Agenda 21 brasileira, apresentada
em Joanesburgo, resultado de cinco anos de trabalho e consultas a
mais de quarenta mil pessoas.
O Brasil, com todas as dificuldades econômicas, com toda a
desigualdade e injustiça e com todos os abusos contra o meio ambiente,
97
GUERREIRO, Ramiro Saraiva. Lembranças de um empregado do Itamaraty. p. 201.
168
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
de chegar a Joanesburgo com uma delegação de 230 pessoas, entre
as quais 170 membros de ONGs. Segundo Fabio Feldmann,
Representante Especial do Presidente da República para a Participação
da Sociedade Brasileira na Cúpula Mundial do Desenvolvimento
Sustentável e Secretário-Executivo do Fórum Brasileiro de Mudaas
Cliticas, Joanesburgo foi a única das três grandes Conferências das
Nações Unidas sobre meio ambiente na qual o Brasil “chegou de cabeça
erguida.
98
O fortalecimento da sociedade civil talvez seja o maior legado
desse período em que se assistiu ao impeachment do Presidente Collor,
ao laamento do Plano Real na Presincia de Itamar Franco e a um
longo período de estabilidade econômica, desconhecido na segunda
metade do culo XX, com o Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Com mais de oito anos sem inflação significativa, a economia brasileira
não disparou, como se esperava, mas a sociedade civil, sim. O Brasil,
gras à sua forte identidade, com suas idiossincrasias e sua capacidade
de absorver o novo, não naufragou na tentativa de ser outro país do
que aquele que realisticamente pode ser.
Após a Conferência do Rio, “[o] principal fator interno que
contribuiu para a modernização conceitual da gestão ambiental e o
progressivo crescimento do tema na agenda blica”, afirma Samyra
Crespo, “foi a extensão e o aumento da densidade da vida política
democrática. Foi também, e este fator não é positivo, o aumento e o
agravamento de problemas ambientais que afligem a nossa população”.
O aumento da densidade da vida política democrática, de fato, deu
outra dinâmica à utilização dos instrumentos de defesa do meio
ambiente que já existiam no país: a Política Nacional de Meio Ambiente,
por exemplo, havia sido criada em 1981, estabelecendo, como lembra
o ex-Ministro do Meio Ambiente José Carlos Carvalho, em A vocação
democrática da gestão ambiental brasileira e o papel do Poder
98
Entrevista ao autor, Brasília, outubro de 2003.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
169
Executivo, “mecanismos de gestão colegiada e participativa, através
da criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA),
colegiado de natureza deliberativa, em cuja composição, àquela
época, assegurou-se a participação da sociedade civil”.
99
No Congresso Nacional, igualmente, houve evolução no
tratamento da questão: “Aos poucos os parlamentares vão se
acostumando a tratar da ecologia onde ela aparentemente o deveria
estar”, afirma o Deputado Federal Fernando Gabeira.,
“Se a primeira
etapa dessa saga parlamentar se orientou para uma tática defensiva,
tentando evitar o pior e conter o processo de destruão, num segundo
momento, a tarefa talvez seja reordenar o País para a sustentabilidade.
100
O Congresso passou a reagir muito mais, nos últimos anos, a demandas
internas do que a situações criadas em função de pressões internacionais.
Um amplo estudo, baseado em sondagens realizadas em 1992,
1997 e 2002, demonstra o notável crescimento do interesse da
sociedade civil brasileira pela questão do meio ambiente, mas revela,
também o que preocupou os autores da pesquisa –, a persistência
de alguns preconceitos que caracterizam uma fase inicial de consciência
ambiental: “Independentemente da classe social, da escolaridade, da
cor, do sexo e da religo, os brasileiros consideram o meio ambiente
como sinônimo de fauna e de flora. Ser ambientalista é defender a
‘natureza’.Quando se perguntou sobre o maior problema ambiental
no País ou no mundo, a resposta de mais da metade dos entrevistados
é o desmatamento. Por outro lado, – e de modo similar ao que se
observa nos pses mais ricos , a maioria dos entrevistados manifestou
preocupação com a “natureza que está longe [...], que não se relaciona
com a sua experiência sensível”. O estudo mostra que, “para quem
99
CARVALHO, José Carlos. “A vocação democrática da gestão ambiental brasileira e o
papel do Poder Executivo” In: TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século 21: 21
especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. p. 261.
100
GABEIRA, Fernando, “Congresso e Meio Ambiente” In: TRIGUEIRO, André, op
cit, p. 281 e 283.
170
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
mora no Sudeste, a prioridade para proteção é a Amazônia [...]; para
os nordestinos, as prioridades para a proteção devem ser dadas à
Floresta Amazônica e à Mata Atntica”.
101
As dificuldades ligadas à vida urbana podem não ser
reconhecidas pela maioria da população como problema ambiental,
mas isso não impede que a pesquisa também revele que é cada vez
maior o número de brasileiros que acredita que os problemas das
comunidades e bairros devem ser resolvidos no vel local, e o via
Governos central e estaduais. Nesse sentido, aponta Samyra Crespo,
o aumento dos mecanismos de democratização na participação política,
na formulação de poticas públicas e na gestão de programas
comunitários tem contribdo [...] para que a populão se engaje mais
ativamente na solução dos problemas identificados”.
102
A consciência ambiental em um país em desenvolvimento cujas
preocupações naturais estão mais ligadas ao desemprego, à saúde, à
educação, à segurança pública e outras – desenvolve-se com mais
naturalidade graças ao conceito de desenvolvimento sustentável.
Enquanto nos países ricos a necessidade de alterar os padrões de
consumo é recebida com temor pela grande maioria da população,
que atingiu elevado nível de conforto e serviços, no Brasil, onde a
dívida social ainda é muito grande, progressos sociais podem ser
atingidos respeitando os princípios do desenvolvimento sustenvel.
Como aponta Fernando Gabeira, a “interface entre queses sociais e
ambientais talvez seja o caminho”.
103
O Brasil comporta, na área ambiental, como em tantas outras,
imensos contrastes, complexidades e contradições. Falar sobre o Brasil
é fácil”, comentou uma vez o Embaixador Marcos Azambuja: tudo que
se disser sobre o Ps é verdade”.
104
Na área de meio ambiente, isso se
101
CRESPO, Samyra, op cit, p. 59 a 73.
102
Ibid, p. 72.
103
GABEIRA, Fernando, op cit, p. 283.
104
Entrevista ao autor, Brasília, 2002.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
171
comprova: projetos de manejo sustentável de florestas, sim, e
exemplares; ao mesmo tempo, a 1997, a metade do desmatamento na
Amazônia se devia à reforma agrária.
105
O Brasil tem centros de estudos
avançados de biotecnologia, sim, mas apenas 7% da Mata Atlântica
sobrevivem, e apenas 7% do cerrado não sofreram exploração intensiva
ou extensiva.
106
As cidades brasileiras têm nível de poluição alarmante,
sim, mas Curitiba é apresentada pelas Nações Unidas como cidade-
modelo em matéria de geso ambiental. Chico Mendes foi assassinado
por latifundiários habituados a que no Acre seu poder não fosse desafiado,
sim, mas menos de quinze anos depois, entre os mais próximos
companheiros de Chico Mendes, uma é Ministra do Meio Ambiente,
outro é Senador pelo Acre, e um terceiro é Governador do Acre.
107
Os interesses do Brasil a serem defendidos na Cúpula de
Joanesburgo refletiam esses contrastes, mas, igualmente, o profundo
debate interno que foi levado às discussões no seio da Comissão
Interministerial para a Preparação da Participão do Brasil na pula
sobre Desenvolvimento Sustentável, criada em março de 2001. A
Comissão beneficiou-se, também, dos aportes da Comissão de Políticas
de Desenvolvimento Sustentável, coordenada pelo Minisrio do Meio
Ambiente, que conduziu um amplo processo de consulta pública para a
elaboração da Agenda 21 Brasileira. As contribuições feitas pela sociedade
civil, pelas comunidades acadêmica e científica, pelos sindicatos e pelas
entidades empresariais, via seus representantes na Comissão, deram uma
orientação mais prática e precisa à abordagem da mudança de paradigma
que o desenvolvimento sustenvel pressupõe.
A primeira reunião da Comissão Interministerial, que se realizou
em 3 de outubro, permitiu que se preparasse a participação brasileira
105
BEZERRA, Maria do Carmo de Lima, FACCHINA, Marcia Maria e RIBAS, Otto.
Agenda 21 Brasileira, Resultado da Consulta Nacional. p. 46.
106
BEZERRA, Maria do Carmo de Lima, FACCHINA, Marcia Maria e RIBAS, Otto.
Agenda 21 Brasileira, Ações Prioritárias. p. 62.
107
VENTURA, Zuenir, op cit, p. 234.
172
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
à Conferência da América Latina e do Caribe Preparatória para a pula
Mundial sobre o Desenvolvimento Sustenvel, no Rio de Janeiro, nos
dias 23 e 24 de outubro, ocasião em que se aprovou a Plataforma
Regional, a ser encaminhada ao Comitê Preparario da Conferência,
com as prioridades da região com relação ao desenvolvimento
sustentável. A Comissão voltou a reunir-se em novembro de 2001 e
em janeiro de 2002 para preparar os subsídios à Segunda Sessão do
Comitê Preparario, no mesmo mês de janeiro, primeiro encontro em
que seriam tratados os temas de substância da Conferência. A partir
desse momento, a Comissão reuniu-se mais quatro vezes, tendo a última
reunião contado com a presença do Presidente da República e dos
Ministros de Estado das Relações Exteriores, de Ciência e Tecnologia
e do Meio Ambiente.
Em reunião do PNUMA, em Cartagena, na Colômbia, em
fevereiro de 2002, o Ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho
que acabara de suceder José Sarney Filho no Minisrio , manifestou
sua preocupação com o fato de a Cúpula estar cada vez mais focada
nas queses africanas e de pobreza. Com vistas a dar maior visibilidade
aos aspectos prioririos para o Brasil e a região, o Governo brasileiro
decidiu propor o lançamento de uma iniciativa latino-americana e
caribenha, mais incisiva e objetiva do que a Plataforma adotada no Rio
em outubro. A proposta de ação conjunta da região foi levada à VII
Reunião do Comitê Intersessional do Fórum de Ministros do Meio
Ambiente da América Latina e do Caribe, que se realizou em São
Paulo, em maio de 2002. Por decisão unânime das delegações
presentes, foi aprovada a Iniciativa Latino-Americana e Caribenha para
o Desenvolvimento Sustentável (ILAC), que incorporava a Proposta
Brasileira de Energia, elaborada e apresentada na Reunião de São
Paulo pelo Professor José Goldemberg, Secrerio de Meio Ambiente
do Estado de São Paulo. A proposta continha uma meta para que a
região adotasse uma matriz enertica com pelo menos 10% de energias
renoveis até 2010. As obter o apoio regional, o Brasil continuaria
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
173
a exercer papel de franca liderança na área de energias renováveis na
Cúpula de Joanesburgo e, mais tarde, em 2003, com a organização,
em Bralia, da Conferência Regional da América Latina e do Caribe
sobre Energias Renováveis.
Por iniciativa do Deputado Fabio Feldmann, e com o objetivo
de ressaltar internacionalmente a liderança brasileira, realizou-se no
Rio de Janeiro, nos dias 23 a 25 de junho de 2002, o Seminário
Internacional Rio+10, que contou com mais de 1.200 participantes,
entre os quais o Secretário-Geral das Conferências de Estocolmo e
do Rio, Maurice Strong, e o Secretário-Geral da Cúpula de
Joanesburgo, Nitim Desai. O objetivo do Seminário era, em primeiro
lugar, reunir personalidades e especialistas para discutir os impasses
que se haviam verificado no processo preparatório da Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável, reiterar a importância do legado
do Rio” e identificar os resultados que se podia esperar de Joanesburgo.
No dia 25, organizou-se umarie de eventos que contaram
com a presença do Presidente Fernando Henrique Cardoso, do
Presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, e do Primeiro-Ministro da
Suécia, Göran Persson, entre outras personalidades políticas, que
culminou com a cerinia simbólica de transferência de sede da
Conferência do Rio de Janeiro para Joanesburgo. O encontro dos três
líderes procurou transmitir à opinião pública mundial o compromisso dos
três “pses-sede das conferências ambientais das Nações Unidas com
o desenvolvimento sustenvel e a sua confiança no sucesso da Cúpula
de Joanesburgo, apesar do ceticismo da dia e das incertezas quanto
aos seus resultados, faltando apenas dois meses para a sua realizão.
Segundo a Ministra Marina Silva, o Brasil, desde o início do
período preparatório, adotou firme posão protagonista e destacou-
se nas tentativas de superação dos impasses regionais e internacionais
que impediam o progresso das negociações”.
108
Para esse papel,
108
Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. Declaração de Joanesburgo
e Plano de Implementação. Apresentação de Marina Silva. p. 5.
174
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
contribuiu a nomeação, em janeiro de 2001, do Professor Celso Lafer
para o Ministério das Relações Exteriores, cargo que ocupara no
Governo Collor, justamente no período da Conferência do Rio. O
envolvimento pessoal do Chanceler nas negociações no âmbito da
OMC
109
fortaleceu
a sua percepção de que se deviam fortalecer os
vínculos entre os importantes processos negociadores de comércio,
financiamento e desenvolvimento sustentável. Ao pronunciar discurso
na Segunda Sessão do Comitê Preparatório, o Chanceler acentuou a
importância do processo que se iniciara com as Reuniões de Doha e
Monterrey, para o qual a Cúpula de Joanesburgo tinha o papel
fundamental de manter o “legado do Rio”, de reiterar os prinpios que
haviam transformado o desenvolvimento sustentável em um paradigma
mundial e de contribuir para a superação dos impasses e obstáculos
que estava enfrentando a implementação da Agenda 21.
A Delegação atuou nas sessões do Comitê Preparatório, e
durante a Cúpula, obedecendo a formato que determinava que os
membros do Grupo dos 77 e China tomavam as decisões, por
consenso, em reuniões internas. Nas reuniões gerais, as delegações
podiam acompanhar e assessorar o representante da Venezuela,
presidente do G77 e China, único a ter voz nas negociações. Nos
Grupos de Trabalho, pela limitação numérica da delegação venezuelana,
foram indicados para serem porta-vozes do G77 e China delegados
de outros países. O Brasil ocupou esta função em diversas reuniões.
Além de propor alterações no texto do Plano de Implementação
com vistas a cumprir as suas instruções, a Delegação teve papel decisivo
na inclusão da ILAC no Plano de Implementação. Como visto no
Capítulo 1, das dez seções do Plano de Implementação, uma era
dedicada aos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS)
e outra, à África. Ao apresentar o Brasil, ao Grupo dos 77 e China, a
proposta de inserção de uma referência à ILAC no Plano de
109
Celso Lafer foi Representante permanente em Genebra de 1995 a 1998 e Ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio em 1999.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
175
Implementação, houve, naturalmente, forte resisncia dos SIDS e dos
pses africanos. Com o apoio dos países asiáticos que manifestaram
seu interesse de incluir, igualmente, uma referência direta à sua rego
no documento –, G77 e China acabaram aprovando a proposta, que
se transformaria em uma nova seção do Plano, na qual seria também
mencionada a condição dos países com economia em transão. Com
isso, foram valorizados os resultados das reuniões organizadas pelas
Comissões Econômicas Regionais das Nões Unidas, cujos objetivos
eram, justamente, o de elaborar propostas que pudessem ser enviadas
ao Comi Preparatório com vistas à elaboração de Plano de Ação e o
de estimular, em nível regional, a participação dos atores o-
governamentais.
A questão das energias renováveis, discutida no contexto das
mudanças de padrão de consumo e produção (seção 3), dividiu tanto
os países desenvolvidos quanto o Grupo dos 77 e China. União
Européia e América Latina e Caribe, sob a liderança da Delegação
brasileira que contava com a presença do Professor José
Goldemberg, um dos mais respeitados especialistas em energia no
mundo –, empreenderam uma verdadeira campanha em Joanesburgo
para que fosse incorporada ao Plano de Implementação uma meta de
fontes renoveis de energia no total da matriz energética mundial. Esse
esforço não conseguiu vencer os obstáculos dos principais países
produtores de petróleo e dos Estados Unidos, mas deixou esses pses
suficientemente desgastados para que aceitassem a incluo no texto
final de diversos parágrafos sobre as mudanças necessárias na área de
energia, que incluíam desde a menção à eliminação de subsídios a
energias prejudiciais ao meio ambiente, até a recomendação de “com
sentido de urncia, aumentar substancialmente a participação global
das fontes de energia renovável”.
110
Esse talvez seja um dos avanços
mais significativos com relão ao Rio, onde os países produtores de
110
CÚPULA MUNDIAL SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, op cit,
p. 27.
176
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
petróleo haviam conseguido bloquear as referências a maiores incentivos
às energias renováveis.
Merece registro o apoio da Venezuela a uma
meta de renoveis, tanto no âmbito regional, apoiando a ILAC, quanto
em Joanesburgo, no papel de Presidente do G77 e China, apesar da
posição inflexível dos demais membros da OPEP.
Outro importante resultado para o Brasil foi o lançamento da
negociação de um instrumento internacional sobre a repartição de
benecios derivados da utilização de recursos geticos, no contexto
da Conveão sobre Diversidade Biológica. Como se viu anteriormente,
o Brasil havia sido instrumental para que a Convenção, aberta para
assinatura no Rio, tivesse na repartição de benefícios um de seus três
pilares. Em Joanesburgo, o Brasil – porta-voz do Grupo dos 77 e
China na seção de proteção e gestão da base de recursos naturais
(seção 4) atuou a partir de proposta desenvolvida no seio do Grupo
de Países Megadiversos Afins, cujos quinze membros frica do Sul,
Brasil, Bolívia, China, Costa Rica, Colômbia, Equador, Filipinas, Índia,
Indosia, Quênia, Masia, México, Peru e Venezuela) reúnem mais
de 70% da biodiversidade mundial.
Nas seções sobre globalização (seção 5) e meios de
implementação (seção 10), o Brasil tamm atuou como porta-voz do
G77 e China. Na primeira, assegurou que as referências à globalização
não fossem limitadas a um grupo de parágrafos na seção 10 e, sim,
que constassem de seção independente, que refletisse a importância
do fenômeno, com as oportunidades e desafios que representa para o
desenvolvimento sustentável. Um parágrafo sobre responsabilidade e
accountability corporativas (p.62), contra o qual os Estados Unidos
apresentaram resistências até a última hora e que acabou aprovado
com base em argumentação brasileira foi apontado pelas organizações
não-governamentais como uma das maiores vitórias da Cúpula,
principalmente pela deceão que tiveram estas, no Rio, com a mida
menção às responsabilidades das empresas transnacionais na Agenda
21, como anteriormente assinalado.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
177
Na seção de meios de implementação, foi contida a atitude
dos países desenvolvidos, principalmente da União Européia, de
procurar introduzir – em nome de “avanços” – elementos que, na
realidade, relativizavam os ganhos de Doha e Monterrey para os países
em desenvolvimento. Essa posição evoluiu para “nada a conceder
depois de Monterrey [...] e nada a acrescentar a Doha”
111
, desde que
os países em desenvolvimento, também, deixassem de querer ir “mais
alémde Doha e Monterrey. O impasse que se verificou nestas duas
seções foi superado graças a um texto alternativo, elaborado pela
África do Sul e pelo Brasil, que serviu de base para o difícil consenso.
O segmento de Cúpula, em que o Plenário foi destinado aos
discursos dos Chefes de Estado e de Governo, deu grande visibilidade
ao evento na imprensa mundial e permitiu ao Presidente Fernando
Henrique Cardoso reiterar as prioridades brasileiras. O Presidente
mencionou a meta de 10% da Proposta Brasileira de Energia e a criação
do Parque Nacional do Tumucumaque, “a maior área de proteção de
floresta tropical do mundo. O Brasil, com estes dois exemplos, mostrava
seu empenho em “deter o processo de aquecimento global e em evitar
que se assistisse passivamente à destruição dos complexos
ecossistemas de que depende a Terra”. O Presidente afirmou que “[o]
desenvolvimento não sesustentável se for injusto. Nem será
sustentável se estiver constrangido pelas dificuldades de uma
globalização assimétrica […]. Gosto do conceito de ‘cidadania
planetária’. Cabe-nos ir mais am da perspectiva meramente nacional,
por mais legítima que seja”.
112
A Delegação do Brasil foi reconhecida, de maneira geral, como
uma das mais atuantes na Cúpula de Joanesburgo: havia coordenado o
Grupo dos 77 e China em diversas negociões, e liderado a tentativa
de fixão de uma meta para energias renoveis na matriz enertica
111
Telegrama 1159 da Missão em Nova York, em 12.06.2002.
112
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Bra-
sil: pula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. p. 57-58.
178
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
mundial. Ademais, como relata Gelson Fonseca Jr., em telegrama de
avaliação da Cúpula, a África do Sul “recorreu constantemente à
Delegão brasileira para aconselhamento na condução dos trabalhos
e na solução dos impasses que ocorreram no curso da conferência”.
113
Na opinião do Diretor do PNUMA em Nova York, Adnan Amin,
a Delegação brasileira em Joanesburgo mostrou grande consisncia e
certa flexibilidade. Mas essa flexibilidade não conseguiu esconder que as
posões ainda o conservadoras,
e que a atitude mais “propositiva”
como, segundo ele, a iniciativa de energias renováveis não se deu por
motivo de princípio e, sim, pelo fato de o Brasil estar em posição
confortável nessa área, pela sua matriz energética excepcionalmente limpa,
gras à energia hidrelétrica.
114
Tanto Amin quanto JoAnn Disano
115
Chefe da Divisão de Desenvolvimento Sustentável do Departamento de
Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas manifestaram que
os países em desenvolvimento esperavam do Brasil mais propostas e,
sobretudo, maior lideraa em Joanesburgo, principalmente pelo papel
que poderia desempenhar o País com uma posão mais flexível na área
de boa governaa.
A mesma opinião foi manifestada por organizações não-
governamentais brasileiras, que entenderam, no entanto, as limitões
impostas ao Brasil por ter de atuar no contexto do Grupo dos 77 e
China, onde é muito forte a resistência ao conceito da boa governaa.
A atuação no seio do G77 e China é, nesse sentido, criticada por
aquelas organizações, pois obriga o Brasil a se alinhar a posições de
um grupo que reúne diversos países com governos autoritários,
e que
enfoca o mundo, por princípio, sob a ótica das diferenças Norte-Sul.
Entretanto, e como aponta Ronaldo Sardenderg, nas Nações Unidas
é essencial atuar em grupo.
116
113
Telegrama 608 da Missão em Nova York, em 28 de março de 2002.
114
Entrevista ao autor, Nova York, setembro de 2003.
115
Entrevista ao autor, Nova York, setembro de 2003.
116
Entrevista ao autor., Nova York, outubro de 2003. Segundo Sardenberg: nas Nações
Unidas “não existe a opção Greta Garbo (I want to be alone)”.
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
179
As vantagens de pertencer ao G77 e China foram amplamente
demonstradas em Joanesburgo, o só pelo apoio que o Brasil recebeu
do Grupo em temas prioririos, mas também pelo exemplo do xico,
que está fora do Grupo, e cujas posões isoladas em nenhum momento
tiveram qualquer repercussão. O principal êxito desse país foi na área
de biodiversidade, por ter liderado o Grupo dos Países Megadiversos
Afins, que, como se viu, foi particularmente atuante na questão. No
entanto, cabe notar que tal êxito foi alcançado em razão do apoio
dado pelo Grupo dos 77 e China à matéria: dos quinze países
megadiversos, o xico não é membro do último Grupo.
A questão da boa governança, no entanto, merece especial
atenção. Muitos dos maiores progressos do Brasil deram-se, nos últimos
anos, na área de governança. O Brasil tem, naturalmente, restrições
em apoiar uma agenda que é, e pode vir a ser, cada vez mais,
manipulada pelos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, poucos
países em desenvolvimento conseguiram estruturar internamente
condições tão favoráveis à cooperação internacional: legislação
moderna, democracia, descentralização, presea das ONGs,
participação da mulher e de grupos minoritários. Em suma, todos os
temas que constituem a agenda de governança fazem parte da agenda
interna do País. Nossos maiores obstáculos nesta área devem-se a
dificuldades de enforcement (termo que se refere à aplicão e respeito
às leis, e à execução de decisões e políticas), em parte por problemas
estruturais amplamente debatidos na Agenda 21 Brasileira de difícil
solução em curto e médio prazos, mas também por problemas
relacionados à falta de recursos financeiros e à necessidade de formação
de recursos humanos, bem como de cooperação técnica, científica e
tecnológica. A maior cooperão internacional nestas áreas representa,
certamente, mais oportunidades do que ameaças para o Brasil de hoje.
CAPÍTULO 3
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS
CONFERÊNCIAS: A EVOLUÇÃO DA EXPRESSÃO
DAS PRIORIDADES NACIONAIS
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS:
A EVOLUÇÃO DA EXPRESSÃO DAS
PRIORIDADES NACIONAIS
Para examinar a evolão do discurso brasileiro, cabe primeiro
lembrar como este foi elaborado. Conforme visto anteriormente, a
autonomia do Itamaraty em 1972 foi absoluta e indiscutida: esta autonomia
permitiu que o Embaixador Miguel Ozório de Almeida, naquele momento
Assessor Especial do Ministro de Estado, tivesse controle sobre os
aspectos técnicos, políticos e econômicos do processo negociador. Em
1992, um grande mero de novos elementos que inclam desde a
volta à democracia até a crescente complexidade cnica das queses
discutidas exigia o maior envolvimento de diversos setores do Governo.
A Comissão Interministerial para a Preparação da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CIMA) teve
papel importante, sobretudo do ponto de vista cnico: sob o comando
do então Ministro Luiz Filipe de Macedo Soares, Chefe da Divio do
Meio Ambiente, as prioridades políticas foram traçadas com considerável
autonomia, mas não sem tensões, tendo em vista a participação de
diferentes órgãos governamentais na Conferência do Rio de Janeiro,
além do interesse dentro do próprio Itamaraty, o que levou ao
envolvimento direto de diversos Chefes da Casa em sua preparação e
execução. Segundo Rubens Ricupero, Macedo Soares foi
indiscutivelmente a pessoa que, em condições adversas, mais contribuiu
184
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
para desenvolver com inteligência e integridade as posições substantivas
brasileiras na conferência.
1
No tocante à Cúpula de Joanesburgo, a Comissão
Interministerial para a Preparação da Participão do Brasil na pula
sobre Desenvolvimento Sustenvel contribuiu significativamente no
que tange tanto a questões técnicas, como políticas. Foi de seus
membros que partiram iniciativas como a Proposta Brasileira de
Energia, a ILAC e a realização da Conferência Rio+10, no Rio de
Janeiro. As propostas tomaram sua forma final, foram negociadas e
ganharam projeção sob a coordenação do Ministro Everton Vargas,
Chefe do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais. A
ampla participação de outros Minisrios principalmente os do Meio
Ambiente e de Ciência e Tecnologia, cujo Ministro era o Embaixador
Ronaldo Sardenberg e de outras entidades e organizões não-
governamentais certamente contribuiu para que a atuação brasileira
fosse mais propositiva. A Comiso permitiu, tamm, que fosse mais
bem compreendido, pelos diversos novos atores, o papel do Itamaraty
como coordenador das posições brasileiras e a atuão de seus
funciorios nas negociões.
Para examinar, a seguir, a evolução das posições brasileiras com
relação a algumas das principais questões da agenda ambiental internacional,
foram selecionados sete temas. Na parte A, serão tratados quatro temas
já considerados prioritários em 1972 e que passaram a merecer atenção
diferenciada nas conferências subseentes: recursos naturais, poluição,
população e desenvolvimento; ao final da parte A, seo examinados,
igualmente, sob a ótica dos interesses brasileiros, alguns dos mais
importantes princípios estabelecidos pela Declaração de Estocolmo e pela
Declaração do Rio de Janeiro. Na parte B, seo abordados três temas
que ganharam dimensão particular na Conferência do Rio e na Cúpula de
Joanesburgo: mudança do clima, biodiversidade e governança.
1
RICUPERO, Rubens. Visões do Brasil: ensaios sobre a história e a inserção do
Brasil. p. 132.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
185
A) TRATAMENTO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS DOS TEMAS ORIGINÁRIOS
DA AGENDA AMBIENTAL
Uma das questões de meio ambiente que tinham maior apelo
junto à opinião pública de maneira geral, no final dos anos sessenta,
era a preservação de espécies ameaçadas de extinção. O Brasil não
via problemas na ampliação dos esfoos internacionais nesta área, e a
Delegão foi instruída a apoiar, na Conferência de Estocolmo, o Projeto
de Convenção de Exportação, Importação e Trânsito de Espécimes
Naturais, uma vez que era compatível com os dois instrumentos jurídicos
que regulavam a questão no País: a Convenção para a Proteção da
Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América,
de 1940, ratificada em 1965, e a Portaria do IBDF, que continha a
Lista Oficial Brasileira das Espécies de Plantas e Animais Ameaçadas
de Extinção”, de 1968.
A agenda ambiental internacional, como visto no capítulo 1,
tinha como prioridades, na realidade, as questões de poluição, de
crescimento demográfico e de acesso a recursos naturais As
preocupações brasileiras em tais áreas concentravam-se, em
Estocolmo, na demonstração de que a poluão era um problema dos
países ricos e de que as soluções propostas por estes à escassez de
recursos naturais eram incompatíveis com desenvolvimento e soberania.
Os países ricos alegavam que o caminho era o controle populacional e
o uso racional dos recursos naturais o que era entendido pelo Brasil
como menor autonomia quanto à exploração e uso de seus recursos
naturais, para preservá-los em função das necessidades dos países
mais ricos. O melhor caminho, segundo os países em desenvolvimento,
era o desenvolvimento econômico, com a cooperão dos pses ricos
no tocante a recursos financeiros e transferência tecnológica. Quatro
temas na realidade quatro catulos, que envolvem cada um diversos
temas acabaram dominando a agenda ambiental em 1972: recursos
naturais, poluição, populão e desenvolvimento. Esstes temas serão
186
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
examinados a seguir, assim como o tratamento dos prinpios
estabelecidos e fortalecidos pelas três confencias.
Recursos naturais
Existia, em 1972, com base nas informações e projeções da
época, preocupação real com relação à escassez de recursos naturais. A
questão primordial para o Brasil em Estocolmo era assegurar o princípio
de que os países tinham o direito soberano de utilizar seus recursos naturais
de acordo com suas prioridades. Este tema acabaria sendo a principal
preocupação do Brasil, como se viu no capítulo 2, pelo impasse em
torno do Princípo 20 e suas possíveis conseqüências para a utilização do
potencial hidrelétrico do Rio Paraná. Segundo o relario da Delegação,
[n]a área de aproveitamento de recursos naturais, os interesses do Brasil,
em termos ecomicos e de segurança eram de tal monta, que qualquer
rmula que, sob o pretexto ecológico, impusesse uma sistemática de
consulta para projetos de desenvolvimento seria simplesmente inaceitável
para o Brasil. A posição, no entanto, não era meramente criar obstáculos:
“Havia de ter em conta, por outro lado, a necessidade de se manter um
dlogo construtivo e o fato mesmo de que, por sua ppria natureza, os
problemas ambientais apresentam uma permeabilidade que realmente
desafia as fronteiras políticas. Nossa posição não podia ser definida,
ademais, apenas no contexto da Bacia do Prata e de nossas relações
com os países da área.”.
2
Como recorda Henrique Brandão Cavalcanti,
o Brasil tinha de ter posição ambígua que na Bacia Amazônica as
águas do Ps estavam a jusante.
3
No Rio, a preocupação do Brasil com relação a recursos
naturais concentrou-se na questão de florestas, tema tratado tanto na
Convenção de Diversidade Biológica, quanto na Declaração sobre
2
MINISTÉRIO DO INTERIOR. Relatório da Delegação Brasileira à Conferencia
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. p. 10.
3
Entrevista ao autor, Brasília, dezembro de 2003.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
187
Florestas e na Agenda 21. Passou-se a distinguir “o aspecto da floresta
como sumidouro de carbono, quer dizer, seu papel na questão das
mudanças climáticas [...], a floresta vista como o local de máxima
concentração da diversidade biológica [...], a floresta como habitat
(de comunidades humanas indígenas e transplantadas) e como repositório
de recursos naturais”.
4
Ao reiterar o princípio de soberania na utilização
dos recursos naturais, o Brasil admitiu, no entanto, responsabilidades
perante a comunidade internacional: “o Brasil saberá conduzir sem
complexos a defesa de sua soberania, com uma atitude positiva e
conseqüente, e não defensiva, face a um problema cuja dimeno afeta
o destino do planeta e, conseqüentemente, do nero humano”.
5
Segundo Marcos Azambuja, “[n]o plano de suas relações
externas o Brasil arquivou a prática de esconder as agressões à natureza
sob o argumento da soberania. Passamos a advogar um relacionamento
maduro com nossos parceiros, pautado não mais pelo maniqueísmo
das incriminações unilaterais e sim pelo ânimo da cooperação”.
6
Abriu-
se, assim, o caminho para a maior participação direta de governos,
organismos internacionais e entidades estrangeiras em projetos de
desenvolvimento sustentável no Brasil: em parceria com o setor privado
e com assisncia financeira internacional, o Governo deverá promover
a implementão de rede de projetos-piloto de manejo florestal”.
7
Vale registrar o principal exemplo disso: o Programa Piloto para
a Conservação das Florestas Tropicais brasileiras conhecido como
PPG7 –, instituído oficialmente em 1992. Mais de 280 milhões de
dólares foram mobilizados até 2002, dos quais cerca de 230 milhões
provenientes de doões dos países membros do G7 (principalmente
da Alemanha) e da Uno Euroia (e 50 milhões como contrapartida
4
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Posições Brasileiras sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. p. 45.
5
Ibid, p. 8.
6
Ibid, p. 8.
7
Ibid, p. 43.
188
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
do Governo brasileiro), principalmente por interdio do Rainforest
Trust Fund, administrado pelo Banco Mundial, para a implementação
de projetos de desenvolvimento sustentável e redução dos índices de
desmatamento da Amazônia e da Mata Atlântica. O Programa Piloto é
coordenado pelo Governo Federal, com a participação de Governos
Estaduais e de grupos que representam a sociedade civil, como o Grupo
de Trabalho da Amazônia (GTA) e a Rede Mata Atlântica (RMA).
8
Em Joanesburgo, o tema dos recursos naturais para o Brasil
envolve principalmente a questão da diversidade biológica, que será
analisado na parte B. No tocante a florestas, o Brasil o anuncia a
criação da maior área de proteção de floresta tropical do mundo o
Parque Nacional do Tumucumaque mas também promove a divulgação
do Programa ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia) como exemplo de
cooperação entre governo, sociedade civil e instituições internacionais: a
cooperação do Governo brasileiro no ARPA com o Banco Mundial, o
GEF e a organização não-governamental WWF demonstrou que um
longo caminho havia sido percorrido com relação às condicionalidades
exigidas pelo Banco Mundial, ao foco do GEF sobre as queses globais
e ao papel das organizações o-governamentais. Os avanços obtidos
na convergência de objetivos e métodos devem-se, por um lado, a
mudanças de enfoque por parte do Governo e, por outro, à evolão da
atitude do Banco Mundial, do GEF e da WWF diante das preocupações
apresentadas pelo Governo brasileiro, e pela constatação de que existiam
no País instituições adequadas, mas que necessitavam de maior apoio.
O Brasil, até aquele momento o segundo país recipiendário de recursos
do GEF (hoje é o terceiro), dispõe de base institucional e funcional eficaz
e consolidada para tratar dos assuntos do GEF, principalmente se
comparado à maioria dos outros pses em desenvolvimento.
9
8
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Pilot Program to conserve the Brazilian
Rain Forests 2002.
9
Telegrama da Embaixada em Washington 3045, Confidencial, de 19 de dezembro de
2002.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
189
Ainda sobre recursos naturais, vale reiterar a insistência dos
países desenvolvidos em procurar caracterizar como common goods
(bens comuns) alguns desses recursos, o que, como se viu nos catulos
1 e 2, se verificou nas ts confencias: o Brasil, em Estocolmo, diante
das primeiras tentativas nesse sentido, empenhou-se pelo fortalecimento
do direito soberano dos países de usar seus recursos naturais. Em
1992, o princípio foi reforçado na Declaração do Rio em resposta às
renovadas pressões sobre os países em desenvolvimento, que no Brasil
se fizeram sentir, sobretudo, no tocante a florestas. Em Joanesburgo, a
idéia de “bens comunsressurge com nova roupagen, como na idéia
de estabelecimento de um Conselho de Seguraa Econômico e Social
das Nações Unidas para tratar, entre outras coisas, dos “bens blicos
globais(“global public goods”), proposta do Presidente da França,
Jacques Chirac. Segundo o Embaixador Sardenderg, no entanto, o
Brasil tem hoje credibilidade internacional e capacidade interna” para
que não se justifiquem mais tentativas de fazer da Amazônia um
common good”.
10
Poluição
A posição brasileira em Estocolmo era clara: “o ônus maior da
despoluição e de controle da poluição cabe aos países desenvolvidos,
maiores responsáveis pela deterioração do meio ambiente”.
11
A poluição
não era ainda um problema para os países em desenvolvimento, afirmava
Miguel Ozório: “the effluents of affluency, […] [are] eluding us much
more than crushing us. (os efluentes da afluência [...] estão nos escapando
mais do que nos esmagando.).
12
O Brasil defende:
10
Entrevista ao autor, Nova York, outubro de 2003.
11
MINISTÉRIO DO INTERIOR, op cit, p. 24.
12
OZÓRIO, Miguel. Discurso no Seminário Regional Latino-Americano sobre Desen-
volvimento e Meio Ambiente. 6-11 de setembro de 1971, Ministério das Relações Exte-
riores, Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente: o Brasil e a prepa-
ração da Conferência de Estocolmo. p.9.
190
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
o aspecto relativo (e não absoluto) da poluição e que as indústrias
de base não poluirão na primeira fase, em virtude da capacidade
do meio ambiente dos países subdesenvolvidos de anular esse
efeito. Quando começarem a saturar o ambiente com poluentes
teo gerado os recursos necessários para as convenientes
correções.
13
Com relação à instalação de indústrias poluidoras em países
em desenvolvimento, Miguel Ozório afirma que:
in relative terms the industries that are polluting in Japan or France,
because of their low carrying capacity of their densely saturated
environment, are not polluting in Central Brazil or Southern
Argentina or in any area where the environment still presents
ample restorative capabilities. (em termos relativos, as indústrias
que estão poluindo no Japão ou na França, pelas limitações de
seu meio ambiente densamente saturado, não estão poluindo na
região central do Brasil ou no Sul da Argentina ou em outras
áreas em que o meio ambiente ainda apresenta ampla capacidade
regenerativa).
14
Segundo o Chefe da Delegação do Brasil em Estocolmo, o
Ministro do Interior Costa Cavalcanti:
ao contrário do que ocorre em geral nos países industrializados,
essa degradação (a poluição da pobreza ou do
subdesenvolvimento) tende a diminuir como resultado do próprio
desenvolvimento econômico, [...] devemos confiar em que as
soluções virão no tempo necessário a evitar perigos em um futuro
demasiado distante. Uma atitude sensata e objetiva nos impedirá
13
MINISTÉRIO DO INTERIOR, op cit, p. B-12.
14
Ibid, p.10.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
191
de crer seriamente em ameaças à humanidade, apresentadas de
forma exagerada e emocional.
15
O conjunto de argumentos brasileiros com relação à pouca
relencia da queso da poluão para os pses em desenvolvimento
talvez seja a posão que se tenha revelado, trinta anos depois, a menos
acertada. As previes do Clube de Roma, como se viu, ficaram ainda
mais distantes da realidade do que a posição do Brasil, mas o deixa
de surpreender que não se antecipassem as conseqüências negativas
da rápida industrialização e do crescimento da população urbana no
Ps fenômenos muito similares aos que ocorreram na Europa as a
Segunda Guerra, mesmo se levados em consideração os fatores de
maior território e de menor densidade populacional no Brasil.
Como previa Maurice Strong, em 1972, [t]he eco-catastrophes
of which we hear so much are much more likely to occur in the developing
world than in the wealthier countries that have the resources to deal
with these problems(as eco-
catástrofes das quais tanto ouvimos falar
devem ocorrer muito mais no mundo em desenvolvimento do que nos
países mais ricos, que têm os recursos para lidar com esses problemas).
16
Dois dos fatores que os analistas mais otimistas quanto ao crescimento
do País talvez o tenham levado em considerão e que certamente
acentuaram a rapidez com a qual os problemas ambientais passaram a
afetar o Brasil foram a piora da distribuição de renda no País, e a
demora da participação da sociedade civil, em fuão de mais de uma
cada de regime militar após Estocolmo.
No Rio, o Brasil não pode negar que enfrenta graves
problemas de poluição similares aos que enfrentaram os países
desenvolvidos na década de 1970 –, sem ter, no entanto, os recursos
destes países para contorná-los no curto prazo. Impedir em Estocolmo
que se limitasse o crescimento econômico dos países em
15
Ibid, C3 e C4.
16
ROWLAND, Wade. The Plot to save the World, p. 66.
192
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
desenvolvimento não foi suficiente: a rápida industrialização de um país
como o Brasil é vista por muitos como um processo que acaba criando
um círculo vicioso em que os problemas ambientais agravam os da
pobreza e vice-versa. Segundo o Embaixador Marcos Azambuja, em
discurso proferido em Nairobi, por ocasião da Primeira Sessão do
Comitê Preparario da Conferência do Rio:
“os problemas abordados pela primeira vez em escala mundial,
dezoito anos [em Estocolmo], ainda eso muito presentes em nossa
agenda. Alguns, entretanto, foram superados ou controlados
substancialmente, sempre e quando a tecnologia necesria e os
recursos financeiros estiveram dispoveis e não faltou a indispensável
vontade potica. No entanto, em outras partes do mundo, alguns
problemas parecem ter-se agravado, em grande parte devido a
processos industriais, agrícolas ou urbanos conduzidos sem o acesso
a essas tecnologias e recursos financeiros adicionais”.
17
O discurso passa a admitir a gravidade da poluição, mas a
palavra em si deixa praticamente de ser utilizada no Rio, tendo em
vista que se tornara necessariamente mais precisa a terminologia para
os diferentes tipos de poluição. Ao mesmo tempo, na medida em que
se passou a usar expressões mais gerais, como degradação ambiental,
para os casos em que diferentes elementos entram em jogo (população,
saneamento, indústria etc.), a palavra “poluiçãopassou, também, a
ser considerada restritiva. Um bom exemplo em que se contorna o uso
da palavra “poluição” pode ser encontrado nesta frase de Marcos
Azambuja sobre a relação entre pobreza e poluição:
[s]eria ingênuo supor que, mantidos os atuais níveis de atividade
econômica nos países em desenvolvimento, poder-se-ia neutralizar
17
SOARES, Guido Fernando Silva. A Proteção Internacional do Meio Ambiente:
antecedentes, de Estocolmo à ECO/92. p. 71.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
193
ou reverter os processos que perturbam o equilíbrio ecológico.
Muito ao contrário, a manutenção dos níveis atuais de atividade
agravaria as agressões ao meio ambiente, pela pressão que sobre
ele exercem a pobreza e as condições que a acompanham.
18
A associação direta entre pobreza e poluição é tratada pelo
Brasil de forma cuidadosa, de maneira a evitar que seja deturpada
pelos países desenvolvidos, com o intuito de desviar, sobre os países
em desenvolvimento, a responsabilidade pelos problemas ambientais
globais. A prioridade é a necessidade de reforço dos mecanismos de
cooperação internacional nas áreas econômica, tecnogica e ambiental,
tendo em vista que não se geraram recursos suficientes para as
correções dos problemas ambientais, como se acreditava em 1972.
Segundo o Presidente Fernando Collor, “tratamento diferenciado e
preferencial, mobilização de recursos adicionais, bem como o acesso
a novas tecnologias [...] [são] condições sine qua non para que
possamos gradualmente adaptar as atividades produtivas a padrões
ambientais mais exigentes.
19
Como se ve mais adiante, a questão da poluão emigra
gradativamente para outros temas e, em Joanesburgo, integra-se no
contexto de mudaa do clima e padrões de prodão e consumo. O
Brasil, nestas áreas, teve de levar em conta, ao mesmo tempo, os seus
desafios na busca do desenvolvimento sustenvel provocados por
problemas derivados da afluência o Brasil tem a 9
a
indústria química do
mundo, por exemplo , da pobreza e da utilização de seus recursos naturais.
População
Os países ricos estavam convencidos, em 1972, de que a
limitação de natalidade dos países pobres era um imperativo para que
18
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, op cit, p. 20.
19
Ibid, p. 31.
194
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
o mundo fosse viável, uma vez que, segundo estudos publicados à
época, o crescimento da populão deveria chegar, por volta de 2050,
a 14 bilhões antes de se estabilizar. O Brasil reagiu, afirmando ser a
política demográfica “de inteira responsabilidade nacional”.
20.
O
verdadeiro problema não era o crescimento populacional, e, sim, a
pobreza: a melhor maneira de enfrentar os desafios ambientais dos
países em desenvolvimento era o combate à pobreza, por intermédio
do crescimento econômico.
“Afirma-se que a chamada population bomb poderá vir a ser
mais fatal e mais nefanda do que a ppria bomba nuclear e pronuncia-
se uma tendência para tratar o problema em bases uniformemente
universais, com o esquecimento de que o problema, de competência
exclusiva de cada Estado, no exercio de sua plena soberania, tem de
levar em conta fatos e circunstâncias de caráter peculiarmente nacional.
21
No Rio, as previsões foram menos pessimistas, mas a
preocupação dos países desenvolvidos ainda era grande.
22.
O Brasil
reiterou sua posão: The environmental interdependence of the world
will not be served by narrowing the approach to the global ecological
threat we appear to be faced with to the control of the economic
development and of the demographic growth of developing countries.
23
(A interdependência ambiental do mundo não será bem servida pela
visão estreita de que a ameaça ecológica pode ser enfrentada pelo
controle do desenvolvimento econômico e do crescimento demográfico
dos países em desenvolvimento.).
O sensível crescimento das cidades
dos pses do Terceiro Mundo e suas conseqüências sociais contribuem
para que a questão da população seja cada vez mais orientada para o
contexto dos direitos humanos, de saneamento e de infra-estrutura. A
pobreza, por outro lado, passa a ser vista cada vez mais como uma
20
MINISTÉRIO DO INTERIOR, op cit, p. 24.
21
AMADO, Rodrigo. Araújo Castro. p. 182.
22
THE ECONOMIST : “The question Rio forgets”, editorial mencionado no capítulo 1.
23
BATISTA, Paulo Nogueira. Discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas, 23 de
outubro de 1989.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
195
causadora de danos ambientais, ao que o Brasil responde, alegando
que mais do que causadora da destruição do meio ambiente, a pobreza
é conseência desta destruição. O Brasil, no Rio de Janeiro,
contrariamente ao que ocorreu em Estocolmo, sentiu-se confortável
em discutir diversos temas ligados a queses sociais.
Em Joanesburgo, os mais novos estudos fornecidos pelas Nações
Unidas indicavam que a população mundial chegaria a 9
nove bilhões de
pessoas na metade do século XXI. Uma vez afastado o perigo da bomba
populacional”, o novo “perigo” que a população dos países em
desenvolvimento representaria para o resto do mundo passaria a ser o
impacto da pobreza sobre o meio ambiente. Conforme visto nos dois
capítulos anteriores, diversos países em desenvolvimento, principalmente
na África, aceitaram que a pula de Joanesburgo tivesse como uma de
suas prioridades a erradicação da pobreza. “A Pobreza não é causa
maior da degradação ambiental”, afirma Celso Lafer no Rio de Janeiro,
em outubro de 2001
24
, ao colocar a queso no contexto das mudanças
de padrões de prodão e consumo dos países desenvolvidos.
A pobreza deve ser vista em contexto mais amplo, e não
individualizada. A cooperação internacional, no momento em que se
realiza a Cúpula de Joanesburgo, deve ser, para Celso Lafer, “centrada
na interdependência construtiva das soberanias, e [...] alimentada pela
natureza heurística do desenvolvimento sustentável, que associa a
preocupação com o meio ambiente e a erradicação da pobreza”.
25
Diante da atenção excessiva à questão da pobreza na África, o Brasil
reage, insistindo nas diferentes prioridades regionais. Se as necessidades
da África parecem exigir um recrudescimento do assistencialismo,
países como o Brasil insistem que o importante, como dizia o economista
argentino Raúl Prebisch, é “trade, not aid”. (comércio, sim, ajuda [ao
desenvolvimento], o.)
26
.
24
LAFER, Celso. Mudam-se os Tempos: diplomacia brasileira, 2001-2002. p. 80.
25
Ibid, p.75.
26
Telegrama 608 da Missão em Nova York, de 28 de março de 2002.
196
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Desenvolvimento
O Brasil foi instrumental para que todos os temas da Conferência
de Estocolmo fossem analisados dentro do contexto do
desenvolvimento econômico. As menções específicas à necessidade
de obter recursos financeiros novos e adicionais, de transferir tecnologia
e de evitar o desenvolvimento de novas barreiras ao comércio o três
importantes elementos do discurso brasileiro nas três conferências. A
terminologia usada no relatório da Delegação à Conferência de
Estocolmo poderia ser usada ainda hoje: o Brasil deveria, por um lado,
evitar que as medidas e decisões a serem adotadas [...]
incentivassem a adoção de padrões de consumo que se pudessem
converter em obstáculos às exportações dos países em
desenvolvimento, como uma alternativa ecológica para as barreiras
alfandegárias existentes. Havia, por outro lado, a conveniência
de que as novas medidas e decisões [...] facilitassem o livre acesso
dos países em desenvolvimento, não somente aos conhecimentos
científicos, mas também às novas tecnologias que se possam
desenvolver no domínio do meio ambiente, procurando dissociar
os mecanismos de transfencia de tecnologia na área ambiental
dos sistemas tradicionais de patentes e royalties [...] [e]
impedissem, na medida do possível, que recursos disponíveis para
a assisncia internacional, cnica e financeira, ao desenvolvimento
propriamente dito fossem canalizados pelos países doadores para
a esfera do meio ambiente, cujas necessidades deveriam ser sempre
atendidas através de recursos adicionais.
27
No Rio de Janeiro e em Joanesburgo, estas três áreas
corcio, finanças e transferência de tecnologia exigiram especial
atenção das Delegações do Brasil.
27
MINISTÉRIO DO INTERIOR, op cit, p. 9.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
197
No Rio, com relação ao comércio internacional, as críticas
brasileiras ao protecionismo dos países desenvolvidos e suas
conseqüências para o meio ambiente foram muito claras: “devemos
combater as práticas protecionistas que no mercado internacional
deprimem os pros das matérias-primas exportadas pelos países em
desenvolvimento, gerando pressões adicionais sobre suas economias,
e acelerando a exploração irracional dos recursos naturais.
28
A questão
da relação entre meio ambiente e comércio não havia avançado em
ritmo acelerado entre Estocolmo e o Rio de Janeiro. Como aponta
Pedro Motta Pinto Coelho, o Grupo de Trabalho sobre Medidas
Ambientais e Comércio Internacional do GATT, criado no contexto de
Estocolmo, em 1972, nunca se reuniu, e foi ativado somente em 1991.
É igualmente significativo que a Rodada Uruguai, laada em
1986, com uma agenda de abranncia sem precedentes, identificando
pela primeira vez serviços, investimentos e propriedade intelectual como
atividades passíveis de ordenamento dentro da esfera do comércio
internacional, o tenha contemplado o meio ambiente.
29
Em Joanesburgo, no entanto, o comércio adquire imporncia
primordial no contexto da globalização e da recente realização da
Conferência de Doha, como visto no catulo 1.
Uma das áreas em que a desconeo entre a retórica e a ação se
apresenta mais evidente é o corcio internacional. A liberalizão é
elogiada, mas não praticada, na medida em que os setores exportadores
de interesse para os países em desenvolvimento se encontram ainda longe
de estar sujeitos às mesmas regras que se aplicam aos setores nos quais
os pses desenvolvidos possuem vantagens competitivas.
30
Certo de que progressos significativos haviam sido obtidos
em Doha, o Governo brasileiro defendeu que o Plano de Implementação
28
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, op cit, p. 17.
29
COELHO, Pedro Motta Pinto. “O Tratamento Multilateral do Meio Ambiente: ensaio
de um novo espaço ideológico” In: Caderno do IPRI n. 18, p. 22.
30
LAFER, Celso, op cit, Volume 2, p. 61.
198
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
de Joanesburgo fosse compatível com as decisões de Doha e com o
tratamento do tema comércio e meio ambiente no contexto da OMC.
Esta posição teve forte influência sobre os demais membros do Grupo
dos 77 e China, que acabaram aceitando as inúmeras menções a Doha
e à OMC no Plano, no entendimento de que o existia superioridade
hierárquica da OMC com relação a outros organismos.
A questão financeira mereceu especial empenho da diplomacia
brasileira no Rio, conforme visto no Capítulo 2. Em 1992, a crise financeira
dos países em desenvolvimento dominava as preocupões e dirigia a
ateão das negociões para ODA, GEF e a abertura de outros canais
para o financiamento concessional: É imperativo, diz o Ministro Rezek,
em abril de 1991, “ampliar [...] os fluxos e crédito para financiamento de
iniciativas ambientais, sem desviar recursos destinados a programas de
desenvolvimento econômico. Os recursos para a proteção ambiental
devem portanto ser novos e adicionais. As restrições quanto ao GEF
como solução à questão do financiamento internacional na área ambiental
também são claramente expressados:
O Brasil acredita que cnicas financeiras específicas devem
ser previstas nos instrumentos jurídicos ora em negociação (sobre
mudança do clima e biodiversidade) [...]. O recente
estabelecimento do “Global Environmental Facility” no Banco
Mundial não elimina a necessidade de mecanismos financeiros
próprios a cada convenção internacional.
Com relação ao fato de o GEF estar direcionado a financiar
apenas projetos de impacto global, seria necessária a criação de outro
mecanismo, possivelmente um Fundo, para o financiamento, em bases
ocasionais, de programas adicionais de meio ambiente e de
componentes ambientais em projetos internos de desenvolvimento”.
31
31
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, op cit, p. 34.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
199
Em Joanesburgo, a questão financeira esteve ligada aos
resultados da Conferência de Monterrey sobre Financiamento do
Desenvolvimento e às Metas do Minio, estabelecidas em setembro
de 2000 pela Resolução 55/2 da Assembléia Geral das Nações Unidas.
O Brasil defendeu, como em Monterrey, a reforma da arquitetura do
sistema financeiro internacional e sua maior transparência. Merece
registro que, apesar de não ter contemplado todas as reivindicações
dos países em desenvolvimento, a reforma da estrutura do GEF
proporcionou progressos na transparência e na participão dos países
em desenvolvimento em suas decisões. O Brasil havia recebido mais
de 160 milhões de dólares em doações (“grants”) até 2001, tendo
alavancado cerca de 550 milhões em co-financiamento. O anúncio,
em Joanesburgo, do “third replenishment” do GEF de cerca de 2,9
bilhões de dólares, superando em quase um bilhão de dólares os
montantes acordados para as duas fases anteriores foi bem recebido,
mas foi reiterada a necessidade de um aumento significativo do fluxo
de recursos financeiros novos e adicionais para os países em
desenvolvimento.
No tocante a transfencia de tecnologia, o Brasil continuou a
defender, no Rio de Janeiro:
a necessidade de que sejam estabelecidos mecanismos para
assegurar aos países em desenvolvimento o acesso, em termos
favoráveis, às tecnologias ambientalmente adequadas, ora
disponíveis nos países industrializados. O acesso a essas
tecnologias não se pode fundamentar em condições puramente
comerciais ou de mercado.
32
Segundo o Presidente Collor, em discurso pronunciado em
junho de 1990, por ocaso do Dia Mundial do Meio Ambiente, [n]ão
32
Ibid, p. 36.
200
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
se justifica a exisncia de monopólios de conhecimento, impedindo o
acesso aos instrumentos necessários à tarefa comum de proteção da
natureza.
Em Joanesburgo, os esforços nessa área concentraram-se na
reiteração da posição brasileira de que devem ser cumpridos os
compromissos dos países ricos no sentido de dar maior acesso a
tecnologias em termos concessionais e preferenciais. O Brasil se opôs
à argumentação de certos países desenvolvidos, como os Estados
Unidos, de que a maioria das tecnologias ambientalmente saudáveis,
por constituírem propriedade particular, devem ser tranferidas por meio
de investimentos diretos estrangeiros. Na opino brasileira, os países
mais ricos devem utilizar seu poder regulatório para facilitar a
transferência de tecnologias privadas, e não para obstruir esse processo.
O Brasil apoiou as menções à “separação digital” (“digital divide”),
que acentua as diferenças entre países pobres e ricos, e concordou
com a necessidade de instrumentos que democratizem o acesso a novas
tecnologias de informação.
Princípios estabelecidos e fortalecidos
pelas três conferências
A Declaração da Conferência de Estocolmo, cuja cópia se
encontra no apêndice III, lista vinte e seis prinpios que estabeleceram
a base para as negociações ligadas à área ambiental por duas décadas.
Os verbos conservar”, salvaguardar, proteger, manter aparecem
diversas vezes relacionados a “fauna”, “flora”, “natureza”, “recursos
naturais” e “meio ambiente, refletindo a linha proposta originalmente
pelos países desenvolvidos. Como resultado das posições defendidas
pelo Brasil, entretanto, “desenvolvimento” é mencionado em dez dos
princípios.
Os principais objetivos do Brasil estão contemplados no Princípio
9 “[a]s deficiências ambientais geradas pelas condições de
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
201
subdesenvolvimento [...] originam problemas graves e o melhor modo de
corrigi-las é o desenvolvimento acelerado [...]; no Princípio 11 [a]s
políticas ambientais de todos os Estados devem ser orientadas no sentido
de reforçar o potencial de desenvolvimento presente e futuro dos países
em desenvolvimento, e não afetar adversamente esse potencial [...]; no
Prinpio 17 “[d]eve-se confiar a instituições nacionais apropriadas a
tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos
ambientais dos Estados [...]; no Prinpio 21 [...] assiste aos Estados o
direito soberano de explorar seus próprios recursos em conformidade com
suas próprias poticas ambientais [...]”; e no Prinpio 23 “[...] se
indispensável considerar os sistemas de valores que prevalecem em cada
país, bem como a aplicabilidade de padrões que são válidos para os países
mais avançados, mas que podem ser inadequados e de custo social
injustificado para os países em desenvolvimento.
Na Declaração do Rio, que contém vinte e sete princípios, os
interesses dos países em desenvolvimento eso refletidos de maneira
mais clara e objetiva do que em Estocolmo. Por exemplo, o prinpio
do “direito soberano (dos Estados) de explorar seus próprios recursos,
que passa a ser mencionado no Princípio 2 (em Estocolmo, encontrava-
se no Princípio 21), e a cooperação de todos os Estados “na tarefa
essencial de erradicar a pobreza de forma a reduzir as disparidades
nos padrões de vida”, que consta do Princípio 5. Os maiores ganhos
conceituais para o Brasil foram as menções ao direito ao
desenvolvimento, no Princípio 3; às responsabilidades comuns, porém
diferenciadas”, no Prinpio 7;
33
à redução e eliminação dos “pades
insustentáveis de produção e consumo”, no Prinpio 8; e às medidas
de política comercial para propósitos ambientais como “barreiras
disfaadas ao corcio internacional”, no Prinpio 12.
33
Isto permitiu evitar que se fortalecesse o Princípio 24 de Estocolmo, cuja redação sobre
responsabilidades dos países era dúbia: “Todos os países, grandes ou pequenos, devem
tratar das questões internacionais relativas à proteção e melhoria do meio ambiente com
espírito de cooperação e em de igualdade.”
202
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
O conceito de desenvolvimento sustenvel, mencionado no
Princípio 1, e que permeia toda a Declarão do Rio o texto completo
encontra-se no apêndice IV –, substitui de forma consideravelmente
mais precisa a idéia expressada no Prinpio 14 de Estocolmo, de que
o “planejamento racional constitui um instrumento indispenvel para
conciliar os imperativos do desenvolvimento e a necessidade de
proteger e melhorara o meio ambiente”.
Na Cúpula de Joanesburgo, foram necessárias longas
negociações para que se preservasse o legado do Rio e se
fortalecessem os princípios 7 e 15 da Declaração: os países em
desenvolvimento procuraram fortalecer o princípio de
“responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (Princípio 7) e os
países desenvolvidos queriam ampliar o escopo do princípio da
precaução (Princípio 15), cuja legitimidade, segundo Celso Lafer,
“depende de sua aplicação criteriosa”.
34.
Segundo Gelson Fonseca Jr.,
a posição européia buscou a extensão da aplicação do princípio da
precaução “de forma a criar condões que pudessem vir a legitimar a
imposição de restrições à importação sob o argumento da proteção
do meio ambiente e da saúde humana”.
35
Ao final da Conferência, o
número de vezes que os princípios foram mencionados no Plano de
Implementação foi usado como critério de vitória dos países em
desenvolvimento. De fato, o princípio das “responsabilidades...foi
mencionado mais vezes e, principalmente, consta da introdução do
documento, o que lhe confere cater transversal, ao contrio daquilo
que ocorreu com o princípio da precaução.
36
34
LAFER, Celso, op cit, p. 77.
35
Telegrama 1772 da Missão em Nova York, de 11 de setembro de 2002.
36
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Relatório da Delegação do Bra-
sil: Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, p.30. O relatório da De-
legação refere-se a “enfoque da precaução”, refletindo a intenção da Delegação de diluir a
sua importância no contexto do meio ambiente. O Chanceler, no entanto, refere-se ao
“princípio da precaução”, por exemplo, no discurso à Reunião Regional Preparatória da
América Latina e do Caribe para a Cúpula de Joanesburgo (LAFER, Celso, op. cit. p. 77).
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
203
B) TRATAMENTO DOS TEMAS DA AGENDA AMBIENTAL
DERIVADOS DOS TEMAS ORIGINÁRIOS
A evolução da agenda ambiental resultou na inclusão de
inúmeras novas questões, algumas das quais se inseriram dentro
dos catulos, ou temas origirios, mencionados acima. Houve,
também, considerável mudaa na importância atribuída a certos
temas, em função dos progressos nos conhecimentos científicos,
da atitude da sociedade civil de diferentes países e, também, da
dimensão econômica que adquiriram, como a maior noção dos
custos do combate a diversos problemas ambientais. A tese de que
o desenvolvimento econômico é a melhor solução para os problemas
ambientais dos países subdesenvolvidos, defendida pelo Brasil,
evoluiu naturalmente no período s-Estocolmo. Como aponta Vera
Pedrosa:
foram ganhando terreno [...] conceitos de desenvolvimento
diversos dos propostos pelo Brasil, na etapa preparatória da
Conferência. As teses expressas em Founex, no seminário
regional da CEPAL e, mais tarde na reunião organizada pelo
UNEP/UNCTAD em Cocoyoc, no México, em 1974,
passaram a informar as atividades desenvolvidas pelo UNEP
com relação ao estudo das conseqüências ambientais do
desenvolvimento.
37
Uma discussão interessante sobre a importância do princípio da precaução para os países
desenvolvidos encontra-se em Mongin Philippe, “Le développement durable contre le
príncipe de précaution?”, in Esprit, Août-septembre 2003. Neste artigo, o autor admite
que “le seul principe qui fasse l’objet d’une affirmation solenelle et pétée (à
Johannesburg) concerne ‘les responsabilités communes mais différenciées’ [...] il consti-
tue une sauvegarde aux yeux du tiers monde et surtout des États em phase de décollage,
comme la Chine, l’Inde ou le Brésil, qui ont été les plus actifs dans la négotiation” (p.
166).
37
PEDROSA, Vera. O Meio Ambiente Dez Anos Após Estocolmo: a perspectiva
brasileira. p. 147.
204
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Apesar da resistência do Brasil
38
, continua Vera Pedrosa, a
formulação da poluição da pobrezarecebeu novos matizes [...], tendo
sido criado um consenso no sentido de que o desenvolvimento o se
caracterizava apenas pelas taxas elevadas de crescimento, mas exigia
a superão de desníveis sociais internos”.
39
Segundo Ignacy Sachs, “[i]n the intellectual journey which
started with the Founex Seminar on Environment and Development in
1971 and led in 1972 to the Stockholm Conference on Human
Development (sic) up to the Rio Earth Summit in 1992, the Cocoyoc
Symposium has a very special place” (na jornada intelectual que se
iniciou com o seminário de Founex sobre meio ambiente e
desenvolvimento em 1971, e que se seguiu com a Conferência de
Estocolmo sobre Desenvolvimento Humano (sic) em 1972, o Simpósio
de Cocoyoc teve lugar muito especial.). A declaração de Cocoyoc
a strongly worded manifesto for a human-centered and need-oriented
development” (um duro manifesto a favor de um desenvolvimento
centrado no homem e nas suas necessidades) foi adaptada pela Dag
Hammarskld Foundation para ser publicada em 1975 como What
now?”. Segundo Sachs, Founex e Cocoyoc foram instrumentais para
o desenvolvimento dos conceitos de “eco-development (eco
desenvolvimento), another development (outro desenvolvimento) e
Third System” (terceiro sistema).
40
A dimensão social da questão ambiental é vista, no primeiro
momento, com reticências pelos países em desenvolvimento, e é
negativa a primeira reão destes países ao Relario Brundtland, em
38
Ibid, p. 108 e 109. Segundo Vera Pedrosa, “[e]mbora já tivesse sido definitivamente
incorporada [...] a noção da necessidade de coordenação do desenvolvimento com a
conservação de recursos naturais [...], a Delegação foi instruída a ‘ter presente que as
opções de desenvolvimento decorrem da peculiaridades nacionais e culturais e que o
poder decisório na matéria cabe aos Governos’.”
39
Ibid, p. 147.
40
SACHS, Ignacy. “Social Sustainability and Whole Development: Exploring the
Dimensions of Sustainable DevelopmentIn: BECKER, Egon & JAHN, Thomas.
Sustainability and the Social Sciences. p. 34.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
205
1987, no qual se fortalece o conceito de desenvolvimento sustenvel,
com seus pilares econômico, social e ambiental. Mas essa posição é
prontamente reavaliada, pois, segundo Pedro Motta Pinto Coelho, o
relatório:
constituiu peça central para a ampliação do escopo restrito
pretendido pelos países desenvolvidos [...] e representaria a fonte
inspiradora mais imediata para o exercício, promovido pelo Grupo
dos 77, de mudança de perspectiva sobre o tema do meio ambiente,
identificando-o, nas negociações da Resolução 44/228, com as
principais aspirações do Sul e com a própria agenda para o
desenvolvimento.
41
A Resolução 44/228, cuja redão final muito deve a diplomatas
brasileiros, utilizou de maneira favorável aos países em desenvolvimento
elementos do Relatório Brundtland
42
,
de forma semelhante ao que
ocorrera no processo preparatório de Estocolmo, quando foi negociada
a Resolução 2849 (XXVI) para a incorporar os principais elementos
do Relario de Founex de interesse dos países em desenvolvimento.
A análise da questão ambiental no contexto do desenvolvimento
sustentável torna-se ainda mais complexa devido à transversalidade
de muitos temas: uma questão como a destruição de florestas tem
conseências para a biodiversidade, para a mudança do clima, para
o uso do solo, para as populações locais etc. O mais recente programa
do Ministério do Meio Ambiente ligado a desmatamento o Plano de
Ação para a Prevenção e controle do desmatamento da Amazônia
41
COELHO, Pedro Motta Pinto, op cit, p. 25.
42
Foram usados, igualmente, segundo depoimento de Everton Vargas, diversos elemen-
tos do documento “Environmental perspective for the year 2000 and Beyond”, encami-
nhado à Assembléia Geral das Nações Unidas pelo Conselho de Administração do
PNUMA, e que foi objeto da Resolução 42/186. O Relatório Brundtland, examinado na
mesma Assembléia-Geral e objeto da Resolução 42/187, teve divulgação muito maior, e
diminuiu o impacto do primeiro documento.
206
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Legal, por exemplo, envolve quatorze Ministérios. Mas os cross-cutting
issues” ou temas transversais permitem análises sob ângulos muito
diversos e abrem espaço para manipulações consideráveis.
O conceito de desenvolvimento sustentável, por sua vez, tornou-
se paradigma na área ambiental, mas ainda não foi plenamente
assimilado pelos principais responsáveis pelas áreas econômica e social
os dois outros pilares do mencionado conceito. Na maioria dos pses
inclusive entre os mais desenvolvidos , é difícil ver a própria menção
ao desenvolvimento sustenvel fora do contexto ambiental. A criação
de ministérios do meio ambiente isolou a questão e dificulta agora a
etapa de transversalidade, que progride a passos lentos. É significativo
que a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se refira à sensação
de que seu Ministério parece uma ONG dentro do Governo: o
desenvolvimento sustentável ganhará espaço adequado quando for
defendido não por ministros do meio ambiente,
e, sim, pelos da
economia.
43
Em função das prioridades brasileiras na Conferência do Rio e
na Cúpula de Joanesburgo, serão examinados os seguintes temas da
agenda ambiental: mudança do clima, biodiversidade e governaa.
Mudança do clima
A queso da mudança do clima, a partir do final dos anos
80, devolveu ao meio ambiente preeminência na agenda internacional
e evidenciou as conseências globais de certas atividades humanas.
Os desafios políticos que representa a implementação de medidas
efetivas de mitigação do efeito estufa tornam-se ainda mais agudos
pelo “diferencial de poder entre as nações e a resistência dos países
industrializados em concordar com uma cooperão genuína para
alterar os padrões de relacionamento econômico vigentes entre as
43
SILVA, Marina. Palestra no Instituto Rio Branco, Brasília, março de 2003.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
207
sociedades afluentes do Norte e as nações do Sul”.
44
Nesse contexto,
adquire especial importância a inclusão do princípio das
“responsabilidades comuns, porém diferenciadas” na Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o documento
de maior importância sobre o tema mais abrangente da agenda
ambiental internacional. O Protocolo de Quioto, negociado em 1997,
fortaleceu ainda mais o prinpio, ao estabelecer metas para os pses
desenvolvidos e com economias em transição, e não fixá-las para os
países em desenvolvimento.
O Brasil defendeu no Rio, como diz Celso Lafer, um diálogo
que colocasse “as relações Norte-Sul sob o signo da cooperação”.
45
A preservação do meio ambientedeixa de ser vista pelo Brasil
como uma ameaça, e as grandes questões da agenda ambiental
passam a ser identificadas pelas conseências da tendência ao
congelamento das desigualdades entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Esta tendência revela-se, por exemplo, nas
tentativas de países desenvolvidos de “minimizar os efeitos causados
por suas emissões de gases de estufa devido a seus padrões de
prodão e consumo e de defender a tese de que “os problemas
engendrados pelo eventual aquecimento da atmosfera resultam da
ação da humanidade como um todo, por isso, sua mitigão exige a
participação igualitária de todas as nações”.
46
A maior parte das
emissões provém, indiscutivelmente, dos pses industrializados, onde
se iniciaram muitas cadas antes de surgirem as emissões dos países
em desenvolvimento.
A questão da mudança dos padrões de produção e consumo
nos países ricos os overdeveloped or misdeveloped countries (países
excessivamente desenvolvidos, ou mal desenvolvidos), como dizia o
44
VARGAS, Everton. Palestra proferida no Seminário Internacional sobre Conservação
e Uso Sustentável da Biodiversidade, Macapá, 3 de novembro de 2003, p. 30.
45
LAFER, Celso, op cit, p.77.
46
VARGAS, Everton, op cit, p. 30.
208
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Secretário do Meio Ambiente José Lutzenberger
47
em 1990, foi
abordada com grande ênfase pelo Brasil: o Presidente Collor, em junho
de 1990, afirma que [d]esenvolvimento sustentável significa, em última
análise, que os que possuem pouco devem aceder a patamares mais
elevados de qualidade de vida, e os que possuem muito devem controlar
a voracidade de seu consumo”,
48
e o Ministro Francisco Rezek, em
abril de 1991, declara que “[v]amos trabalhar para conseguir um
compromisso que leve a uma sociedade sem a estratificão atual, que
configure um adeus coletivo a um estilo de vida gozado por uns,
desejado por outros e igualmente desastroso para todos”.
49
Em Joanesburgo, a posição brasileira é de reiterar que a
questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países
ricos se torna cada vez mais grave diante da falta de progresso na
área de mudaa do clima, marcada pelo fato de o Protocolo de
Quioto não ter entrado em vigor e por o terem sido dirigidos aos
países em desenvolvimento, em condições preferenciais, recursos
financeiros e tecnológicos. A mudança do clima tornou-se o tema da
agenda ambiental a suscitar maior atenção da opino pública e ganhou
ainda maior notoriedade ao ter dividido os países desenvolvidos a
respeito do Protocolo de Quioto. Apesar de apoiar fortemente a
entrada do Protocolo em vigor, o Brasil insistiu, também, no
cumprimento dos compromissos assumidos na própria Convenção
pelos pses ricos que independem da entrada do Protocolo em
47
Os discursos do então Secretário do Meio Ambiente, segundo entrevista de Fabio
Feldmann ao autor, provocavam surpresa e entusiasmo nos encontros multilaterais, pois
acentuavam, principalmente, questões éticas e filosóficas. Em alguns trechos de seus
discursos, Lutzenberger defendia posturas que se aproximam do “no growth”, mas seus
comentários mais radicais eram entendidos como pessoais e, portanto, não eram interpre-
tados de forma literal como posições do Governo brasileiro. O fato de o Presidente tê-lo
escolhido como Secretário do Meio Ambiente, entretanto, era entendido como uma clara
indicação de que mudara o discurso brasileiro.
48
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Posições Brasileiras sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, p. 6.
49
Ibid, p. 6.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
209
vigor de diminuir suas emissões e de “take the lead” no combate à
mudança do clima.
Ao afirmar, em 2001, que especial atenção deve ser conferida
à adoção de padrões de produção e consumo que não aprofundem o
desequilíbrio entre ricos e pobres, em nível nacional, regional e
internacional”,
50
o Ministro Celso Lafer deixa claro que, apesar de o
precisar cumprir metas de redução de emissões e de ter como prioridade
o seu desenvolvimento, o País não deixará de combater os desequilíbrios
internos e de procurar alternativas para seu desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, ganhou especial relevo para o Brasil, na Cúpula de
Joanesburgo, a questão das energias renoveis, tema no qual como
se viu no capítulo 2 o País mostrou liderança e que permitiu abrir
nova esfera de cooperação importante no contexto da mudança do
clima, enquanto permanece paralisada a questão de Quioto, pendente
da ratificação pela Rússia ou da remota possibilidade de mudança de
posição dos Estados Unidos. O Brasil mostrou, com isso, que existe
espaço considerável para uma atitude mais propositiva. Uma vez
consolidado o prinpio das responsabilidades comuns, porém
diferenciadas, os países em desenvolvimento podem demonstrar sua
disposão e capacidade de enfrentar as mudaas climáticas.
O apoio ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
51
do Protocolo de Quioto foi também um elemento importante na atuação
do Brasil: há uma grande expectativa no País em torno dos benecios
que poderia trazer o Mecanismo. Por um lado, os projetos a serem
50
LAFER, Celso, op cit, p. 80.
51
O MDL, ou, em inglês, CDM, é um dos mecanismos de flexibilização criados no
contexto do Protocolo de Quioto que permitem aos países que têm metas de redução de
emissões (países listados no Anexo 1 do Protocolo) cumprirem parte de seus compro-
missos, adquirindo créditos de carbono certificados pelo Conselho Executivo do MDL
que resultem de projetos realizados em países em desenvolvimento em áreas como
energia, reflorestamento, aflorestamento etc..– para complementar as ações internas de
mitigação. Os países em desenvolvimento, assim, receberiam apoio financeiro a projetos
de desenvolvimento sustentável que poderiam, também, contribuir para o maior conheci-
mento científico, a transferência de tecnologia e a capacitação técnica.
210
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
realizados no âmbito do MDL representariam uma fonte de recursos
financeiros para projetos de desenvolvimento sustentável; por outro,
estes projetos deverão incentivar o maior conhecimento científico
e tecnológico. O Brasil está convencido de que o maior
conhecimento que resultará de tais projetos permitirá a divulgação
dos limites da contribuição dos sumidouros de CO2 e deverá
evidenciar ainda mais a necessidade de os países ricos alterarem
seus padrões de produção e consumo, para que seja efetiva a luta
contra o aquecimento global.
52
Biodiversidade
A questão da biodiversidade envolve aspectos diversos que
vão da conservação de recursos naturais à proteção de propriedade
intelectual. José Lutzenberger, em agosto de 1990, na I Sessão do
Comitê Preparatóro da Conferência do Rio, descreveu a dificuldade
de se estimar o valor da biodiversidade:
Suppose a valuable work of art is being auctioned, but only ignorant
people with no knowledge of art are bidding, or the auctioneer
has no idea of the preciousness of the work, it will go for a
ridiculously low price. […] future generations cannot bid [...]. A
cattle rancher in the rainforest sees a negative value in the forest
he clears to make way for pasture. (Imagine que uma valiosa
obra de arte esteja sendo leiloada, mas que somente pessoas
ignorantes, sem conhecimentos artísticos, estejam fazendo lances
e que o leiloeiro não tenha a menor idéia da preciosidade da obra:
a peça será vendida por um valor ridiculamente baixo [...] [e] as
futuras gerações não podem fazer lances. [...] Um fazendeiro
52
Vale recordar, igualmente, os estudos que estão sendo desenvolvidos no contexto da
Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, da “Proposta Brasileira”.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
211
de gado na floresta tropical atribui valor negativo a esta floresta
e ele a desmata para ter maior área de pastagem).
53
Nesse sentido, o Presidente Collor, ao assinar a Convenção
sobre Diversidade Biogica (CDB), em 5 de junho de 1992, afirmou
que [e]stamos estabelecendo bases novas, verdadeiramente
racionais, para a utilização e valorização dos recursos biológicos e,
ao valorizá-los, definirmos o melhor caminho para que sejam
conservados”.
54
O discurso brasileiro na área de biodiversidade revela a
importância que é atribda à Conveão sobre Diversidade Biogica
(CDB), não só por abrigar o País cerca de 20 a 25% dos recursos
biológicos e genéticos do planeta, mas também pelo valor estratégico
da chamada “geo-economia”: a revolução da biologia nas últimas
décadas, cujo marco foi a decifração do código genético e suas
aplicões práticas, e as novas técnicas de manipulação associadas à
biotecnologia permitiram a melhor compreensão da importância da
diversidade daqueles recursos, principalmente para a produção de
fármacos e para a indústria da alimentação. Essas técnicas, segundo
Everton Vargas:
não raro se beneficiam de conhecimentos detidos pelas
comunidades locais que utilizavam os recursos biológicos de
maneira artesanal para fins terapêuticos, de alimentão ou
simplesmente de imagem pessoal. Daí a relevância do
reconhecimento na Convenção, de forma clara e insofismável,
da soberania dos Estados sobre seus recursos naturais”.
55
53
LUTZENBERGER, José. Discurso no “International Meeting of Parlamentarians”,
Washington, 30 de abril de 1990.
54
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Brasil:
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. p. 81.
55
VARGAS, Everton, op cit, p. 3.
212
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Luiz Filipe de Macedo Soares descreveu de maneira clara os
interesses brasileiros na área de biodiversidade, em março de 1991,
na II Sessão do Comitê Preparatório:
Os países em desenvolvimento devem beneficiar-se da pesquisa
e do desenvolvimento baseados em material biológico retirado
de seus territórios. Devem ser recompensados os custos de
conservação da diversidade biológica em que tiverem incorrido
os países detentores de tais recursos [...] Os avanços alcançados
em matéria de biotecnologia e o potencial econômico para a
exploração da biodiversidade tornam necessário um acordo
internacional que estabeleça mecanismos transparentes, sujeitos
ao consentimento expresso do país possuidor dos recursos
geticos originais, que levem ao acesso controlado de tais
recursos, com vistas à sua exploração comercial e utilização
científica. Tais mecanismos deverão igualmente conter
dispositivos expcitos prevendo a divisão equânime dos benefícios
resultantes de tal exploração e utilização”.
56
Na pula de Joanesburgo, o Brasil defendeu o fortalecimento
da CDB em termos similares e atribuiu especial ateão à necessidade
de esclarecer-se a relação entre a Convenção sobre Diversidade
Biológica e o acordo TRIPS (Trade-Related Intellectual Property
Rights), da Organização Mundial do Comércio. Conforme visto no
capítulo 2, o avanço verdadeiramente importante nesta área, e para o
qual o Brasil muito contribuiu, graças à sua atuação no Grupo de Países
Megadiversos Afins, foi o laamento das negociações de um regime
internacional para assegurar a repartição de benefícios do uso da
diversidade biológica. Essa negociação, por envolver a proteção
adequada aos direitos das comunidades ingenas e locais sobre seus
56
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Posições Brasileiras sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, p. 42.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
213
conhecimentos tradicionais associados ao uso de recursos geticos,
requererá, como afirma Celso Lafer, “um enfoque diferente e mais
aberto dos direitos de propriedade intelectual. O sistema que se tem
aplicado até agora é dirigido aos direitos do indivíduo, enquanto o
conhecimento tradicional requer um sistema sui generis que salvaguarde
os direitos coletivos das comunidades indígenas e locais”.
57
Não se
pode subestimar a relevância dessas negociações, e suas conseências
para o Brasil nas áreas política, econômica, comercial e de ciência e
tecnologia. Sua evolução deverá merecer, portanto, ateão prioriria
da potica externa do País.
Governança
A questão da governança envolve, por um lado, o apoio aos
países para aperfeiçoar suas instituições, para capacitação de seus
quadros, para a formação de recursos humanos, para difusão de
informão etc., e, por outro, a criação, em vel global, de arcabouço
judico internacional e o estabelecimento de mecanismos e instituões
que assegurem e orientem a cooperação internacional.
A governança global, segundo a socióloga Assia Camargo,
consistiria na definão da agenda, dos mecanismos e das instituões
“que deveriam compor uma nova ordem internacional legitimamente
aceita por todos e coordenada pelas Nações Unidas”. Os avanços
nessa direção podem ser medidos pelas imeras convenções
internacionais relacionadas a diversos aspectos do meio ambiente e
pela criação do PNUMA, após Estocolmo, e da CDS, como
conseência da Conferência do Rio. A dimensão nacional da
governança, por outro lado, e sempre segundo Aspásia Camargo,
tornou-se necessária para “buscar um novo modelo de cooperação e
de parceria entre o governo e a sociedade, abandonando o Estado
57
LAFER, Celso, op cit, Volume 2, p. 65.
214
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
burocrático, patrimonial e corporativo e absorvendo novas formas de
gestão e de participação com as novas tecnologias da informação,
capazes de dar maior transparência às decisões do governo”.
58
O tema havia sido abordado timidamente em Estocolmo
59
como
“Conseqüências institucionais”
constou do Plano de Ação como
Institutional and financial arrangements for international environmental
co-operation” (entendimentos institucionais e financeiros para a
cooperação ambiental internacional) e referia-se, basicamente, à
criação do PNUMA. No Rio de Janeiro, o tema foi tratado como
“Instrumentos Jurídicos e Instituições” e justificou três capítulos da
Agenda 21: “Mecanismos Nacionais e Cooperação Internacional para
Fortalecimento Institucional nos Países em Desenvolvimento” (Capítulo
37), Arranjos Institucionais Internacionais (Capítulo 38) e
“Instrumentos e Mecanismos Jurídicos Internacionais (Capítulo 39).
O Brasil, desde a Conferência do Rio, tem mostrado maior abertura
para a discuso de temas relativos à governaa do que a maioria dos
demais membros do G77 e China. As circunsncias internas no Brasil,
graças à democracia e à maior participação da sociedade civil,
tornaram-se favoveis à ampliação do debate sobre o fortalecimento
das instituições,
e à necessidade de cooperação internacional, tendo
em vista as dificuldades econômicas e financeiras do Ps.
O maior aprofundamento, em Joanesburgo, da discussão em
torno das queses de governança que, nos últimos anos, passou ser
referido nas negociões multilaterais como boa governaa provém
não da Agenda 21, mas também da ênfase dada na Declaração do
Rio à maior participação da sociedade civil, principalmente o papel
das mulheres, jovens, populações indígenas e comunidades locais. O
tema ganhou maior atenção, também, na agenda da CDS e teve
particular destaque em Monterrey: segundo Gelson Fonseca Jr., [u]m
58
CAMARGO, Aspásia, op cit, p. 309 e 310.
59
MINISTÉRIO DO INTERIOR op cit, p. 48 a 50.
O DISCURSO BRASILEIRO NAS TRÊS CONFERÊNCIAS
215
dos resultados da conferência foi, sem dúvida, o fortalecimento do
conceito de boa governança”.
60
A agenda proposta pelos países desenvolvidos tende a se
concentrar na necessidade de fortalecimento institucional nos países
em desenvolvimento respeito aos direitos humanos, promoção da
democracia, padrões trabalhistas etc. –, para que as reivindicações
destes países possam ser atendidas. De que serve a ajuda financeira e
tecnológica dos países ricos a países que não sabeo como utilizá-la
de forma adequada? Como explicar à sociedade civil dos países ricos
que seus impostos estão sendo utilizados para projetos que têm
acompanhamento inadequado, cada vez que entram em jogo governos
e instituições de países em desenvolvimento? Para enfrentar o
paternalismo dos países desenvolvidos considerado por muitos como
neocolonialismo –, diversos países pobres ainda contrapõem o
argumento da soberania.
O Brasil defendeu que “os temas de boa governança interna
fossem acompanhados pelos de boa governaa internacional, como
duas faces de uma mesma questão. [...]a boa governaa internacional
aí incluída a governança ecomica, financeira e comercial, bem como
o reforço das Nações Unidas e do multilateralismo é fundamental
para a consecução do desenvolvimento sustentável”.
61
Deve-se dar
prioridade à reforma das instituições e das organizações internacionais,
para que se tornem mais ágeis e possam dar maior apoio aos países
em desenvolvimento.
A discussão estimulada pelos pses desenvolvidos, no entanto,
esconde com dificuldade o desejo de justificar a diminuição da
cooperação internacional ou, pelo menos de fortalecer as agendas
seletivas: a tendência à limitação do compromisso com a cooperação
internacional leva a que só sejam favorecidos certos projetos, em certos
60
Telegrama 608 da Missão em Nova York, de 28 de março de 2002.
61
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório da Delegação do Bra-
sil: pula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. p. 41.
países, em certas condições. A cooperação seletiva é vista pelos
desenvolvidos como um estímulo à boa governança. A definição de
boa governança varia, mas tende a incluir todos ou alguns dos seguintes
elementos: participação; respeito às leis; transparência; busca de
consenso; equidade e inclusão; efetividade e eficiência; responsabilidade
(accountability). O Brasil defende internamente todos estes elementos,
mas não quer ver a questão da boa governança como instrumento de
imposição de critérios favorecidos pelos países ricos, em vez de
representar incentivo à execão de projetos de cooperação baseados
nas prioridades definidas pelos próprios países em desenvolvimento.
A análise desses sete temas, particularmente importantes para
o Brasil na agenda ambiental, revela a coerência do discurso brasileiro
nas três conferências. Independentemente das conseqüências das
mudanças no contexto internacional e nas circunstâncias internas do
País, examinadas nos capítulos anteriores, pode-se distinguir – de
maneira talvez simplificadora, mas objetiva a seguinte evolução da
atuação e das posições brasileiras.
A atuão do Brasil em Estocolmo foi de confronto uma vez
que a tese brasileira estava em oposição à proposta original da
Conferência – e as posições do País foram defensivas. No Rio de
Janeiro, a atuação foi cooperativa, que o Brasil o tinha uma tese a
opor ao desenvolvimento sustenvel e o País tinha interesse no sucesso
da Confencia, mas as posões, ainda que mais abertas, continuavam
a ser percebidas como defensivas. Em Joanesburgo, a atuação do Brasil
foi novamente cooperativa, mas desta vez as posições foram menos
defensivas e, pela primeira vez, propositivas.
Como diz Ronaldo Sardenberg, o Brasil resistiu à agenda
ambiental em 1972, associou-se a ela em 1992 e teve postura adiantada
com relação à maioria dos outros países, em 2002.
62
62
Entrevista ao autor, Nova York, outubro de 2003.
216
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
CONCLUSÕES
CONCLUSÕES
Ao examinar a atuão brasileira nas ts confencias, deve-
se levar em consideração que as mudanças internas no Brasil e a mu-
daa dos pais dos atores no contexto da agenda ambiental interna-
cional o vias geralmente paralelas e independentes. Na análise dos
três encontros destas vias, feita nos capítulos anteriores, viu-se o quanto
a questão ambiental foi criada e moldada de acordo com os interesses
dos países industrializados, e como, progressivamente, os países em
desenvolvimento em grande parte gras ao discurso elaborado pelo
Brasil passaram a orientá-la em direções que fortalecessem algumas
de suas principais reivindicações. O equilíbrio foi encontrado graças
ao conceito de desenvolvimento sustenvel que, sem vida, nasceu
da insistência dos países em desenvolvimento de integrar a questão
ambiental às queses sociais e econômicas.
A discussão do tema ambiental em contexto mais amplo e com-
plexo nasce, portanto, da “deturpação” que fazem os países em de-
senvolvimento das inteões originais de Estocolmo, que eram de en-
volver os países em desenvolvimento em uma nova agenda, com o
objetivo de encontrar soluções para problemas que tinham conseqü-
ências diretas sobre os países industrializados, como a poluição e a
ameaça de escassez de recursos naturais. Os países em desenvolvi-
mento, naquele momento, procuraram transformar a queso do meio
ambiente em uma nova dimensão da agenda do desenvolvimento, com
o intuito de fortalecer a cooperação internacional. Os países ricos, no
entanto, seestraram principalmente no Rio, ironicamente o con-
220
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
ceito de cooperação internacional, deslocando-o do contexto do de-
senvolvimento para inseri-lo no das “queses globais”.
Com isso, passam a merecer apoio e, sobretudo, financia-
mento e transferência de tecnologia apenas os projetos que, mais
uma vez, têm conseqüência ou reflexo sobre os pses desenvolvidos:
a partir do Rio, “os ricos se aferram à noção de que merece trata-
mento internacional aquela atividade ambiental que tenha é preciso
ver com base em que critério alcance global”.
1
Os problemas “lo-
cais” dos países em desenvolvimento tendem a ser reduzidos a ques-
tões de governança como promoção da democracia, maior partici-
pação da sociedade civil, fortalecimento de instituições, combate à
corrupção, que devem ser enfrentados seguindo pades “universais”.
Diante da reação crítica dos países em desenvolvimento com
relação aos parcos resultados palpáveis após a Conferência do Rio
principalmente pelo fortalecimento das agendas seletivas, pela con-
centração da atenção dos países industrializados nas questões globais
e, conseqüentemente, pelos mínimos progressos no tocante a recursos
financeiros novos e adicionais, bem como transfencia de tecnologia
–, os países desenvolvidos passam a estimular a maior participão do
setor privado como alternativa importante para abordar as questões
locais em países pobres. O fortalecimento de parcerias entre gover-
nos, sociedade civil, organizões o-governamentais e setor priva-
do é apresentado pelos países desenvolvidos como um dos principais
progressos da agenda ambiental em Joanesburgo.
Essa evolução pode ser vista, segundo o Professor Eduardo
Viola, como resultado de fenômeno mais amplo:
Da mesma forma que nos anos 1970 houve um papel destacado
dos estados e nos anos 1980 esse papel de destaque passou para
a sociedade civil, nos anos 1990 o eixo da governabilidade se
1
COELHO, Pedro Motta Pinto. “O Tratamento Multilateral do Meio Ambiente: ensaio
de um novo espaço ideológico”. In: Caderno do IPRI n. 18, p. 30.
CONCLUSÕES
221
deslocou gradualmente para o campo dos mercados e seus ato-
res. […] Projetar para o presente o papel que os estados tiveram
nos anos 1970, ou a sociedade civil nos anos 1980, seria, portan-
to, um anacronismo”.
2
Outros vêem o mesmo femeno de forma mais crítica, como
Everton Vargas, para quem as três conferências refletiram, primor-
dialmente, agendas que favoreciam os países desenvolvidos. Isto
obrigou um país em desenvolvimento como o Brasil nas três oca-
siões a ajustar o discurso para reagir às pressões e defender-se
das tentativas de utilização das questões ambientais como novo
instrumento “de congelamento iníquo dos atuais padrões de quali-
dade de vida nos diferentes países, segundo o então Presidente
Collor,
3
ou como “mais um bom negócio para aqueles que foram
tradicionalmente os beneficiários do sistema econômico vigente em
detrimento dos demais, sempre desfavorecidos”, segundo Luiz Fi-
lipe de Macedo Soares.
4
É difícil negar a análise feita, em 1994, por Pedro Motta Pinto
Coelho de que “[e]m um processo que seguramente pressupõe mu-
danças radicais de percepção, no qual o Leste é trocado pelo Sul
como fonte de ameaças ao bem-estar e à própria (qualidade de) vida
no primeiro mundo, a agenda multilateral foi gradualmente adaptando-
se ao novo jogo de poder proposto”.
5
A visão dos países ricos é, de
certa maneira, que o crescente fosso entre eles e os países pobres se
deve à incompetência, à corrupção e à falta de vontade política das
elitesdos pses em desenvolvimento.
2
VIOLA, Eduardo. “As complexas negociações Internacionais para atenuar as mudanças
climáticas”. In: TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século 21: 21 especialistas
falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. p.186.
3
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Posições Brasileiras sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. p. 31.
4
Ibid, p. 32.
5
COELHO, Pedro Motta Pinto, op cit, p. 20.
222
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
A lógica e os princípios éticos que provocam o choque e a
indignação dos países ricos pela indiferença das elitesdos países em
desenvolvimento com relão à pobreza e às injustas dentro de seus
países, entretanto, não o considerados lidos quando transferidos
para a dimensão global. A indiferea da elite mundial com relão à
pobreza e às injustiças no mundo deveria ser ainda mais chocante,
uma vez que esta elite” mundial dispõe de todos os meios para alterar
a situação: meios poticos e econômicos, como muitas vezes tamm
dispõem as “elites” dos países em desenvolvimento, e sobretudo mei-
os tecnológicos e financeiros, que somente a “elite mundial controla.
A relação das “elites” dos países em desenvolvimento com as
parcelas mais pobres de sua populão, na vio dos países desenvol-
vidos, corresponde à desigualdade social no culo XVIII na Europa,
exemplificada pela relão da aristocracia francesa com o “Tiers État
(Terceiro Estado). Nada é mais compavel a essa situão, no entan-
to, do que a relação entre os países desenvolvidos e os países em
desenvolvimento nas últimas cadas, principalmente no que se refere
à insistência dos ricos em manter o seu padrão de vida e em procurar
impor novas prioridades a grupos que ainda não dispõem das mais
básicas condições de vida. Não é por acaso que se firmou a expres-
são Terceiro Mundo, cunhada pelo economista francês Alfred Sauvy,
em artigo no qual faz um paralelo entre a situão do “Tiers Monde” e
do “Tiers État”.
6
“[A]s melhores inteões podem encobrir especiais formas de
pressão e domínio dos mais fortes e avançados sobre os mais atrasa-
dos”, lembra o ex-Chanceler Saraiva Guerreiro, “a gesta colonizadora
ibérica visava também, e assim tentava justificar-se, à salvação das
almas; no século XIX, retalhavam-se a África e partes da Ásia para
6
Sauvy usou a expressão pela primeira vez em um artigo publicado pela revista francesa
L’Observateur, de 14 de agosto de 1952. “[...] car enfin, ce Tiers Monde ignoré, exploité,
méprisé comme le Tiers Etat, veut lui aussi être quelque chose”. Site de Wikipédia,
L’Encyclopédie Libre.
CONCLUSÕES
223
levar os benecios da civilização a povos considerados selvagens ou
bárbaros; esse era o ‘fardo’ do homem branco etc.”
7
O discurso
ambientalista apresentado pelos países desenvolvidos no âmbito mul-
tilateral pode ser interpretado como mais um exercício desse nero,
em que a “civilizãobusca salvar os “selvagens ou rbaros”.
A destruição da natureza entraria, assim, na linha de “barbari-
dadescometidas no Brasil, que começa na antropofagia, e continua
com a escravidão, o regime não-democrático, os abusos contra os
direitos humanos, a distribuição de renda e assim por diante. A
hipocrisia embutida nessas críticas é evidente, sobretudo diante dos
horrores cometidos pelos países “civilizados”. no século XVI,
Montaigne concluía, referindo-se aos povos da América recém-des-
cobertos, que “[p]odemos, portanto, qualificar esses povos como bár-
baros, em dando apenas ouvidos à inteligência, mas nunca se os com-
pararmos a nós mesmos, que os excedemos em toda sorte de barba-
ridades.
8
A verdade é que tais críticas revelam momentos de
descompasso entre o pensamento e os costumes dos países “civiliza-
dos” e a realidade brasileira. Ao analisar este descompasso, verifica-se
que a reação defensiva do Brasil, algumas vezes, leva a que se justifi-
quem situações como a escravio: na segunda metade do século XIX,
o Governo brasileiro argumentava que devia manter a escravidão por
representar para a economia, se usarmos a expressão moderna, uma
vantagem comparativa da qual o Ps o podia abrir mão naquele mo-
mento. Outros casos, no entanto, devem ser valorizados: quantas vezes
o País, ao enfrentar uma crise, resistiu à tentão de escapar da realida-
de, culpando outros países ou grupos humanos,
e provocando situações
extremas, como o fizeram tantos países “civilizados?
7
GUERREIRO, Ramiro Saraiva. Lembranças de um empregado do Itamaraty. p. 88.
8
MICHEL DE MONTAIGNE. Essais, livro II, Cap. 31, p. 355, citado por Jean Francois
Chougnet, “Tupi or not tupi, that is the question” In: XXIV Bienal de São Paulo:
núcleo histórico: antropofagia e histórias de canibalismos. V.1, p. 90.
224
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Os ganhos conceituais para os países em desenvolvimento em
Estocolmo e no Rio, como se viu, foram consideráveis, e Joanesburgo não
representou o recuo que muitos temiam. Houve, também, ganhos reais
para países como o Brasil, entre eles a melhor organização das instituições
e o acompanhamento do que se faz no Ps de bom e de mau na área
ambiental,
e a crescente participação da sociedade civil, das comunidades
cienfica e acadêmica e do setor privado. A pressão internacional teve,
sem dúvida, papel preponderante na conscientização nacional sobre a im-
portância do tema ambiental. Antes de reagir defensivamente a essa afir-
mão, no entanto, deve-se apreciar que o Estado e a sociedade civil
brasileiros tenham impedido que esse processo chegasse como um pro-
duto enlatado e fosse traduzido de maneira a se integrar de modo legíti-
mo entre os valores nacionais. O Estado fez a sua parte no tocante à
legislação e ao fortalecimento institucional apesar de claras deficiências
na implementação e na fiscalização, e a sociedade civil, a sua, ao promo-
ver a conscientização e o debate sobre as prioridades das comunidades,
bem como a melhor definição do interesse nacional.
A maturidade da sociedade brasileira tem permitido que o Ps
consiga cada vez mais articular de maneira construtiva as suas caracte-
sticas contraditórias, ambivalentes e polêmicas. a antropofagia
nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente, afirmou em
1928 Oswald de Andrade, em seu Manifesto Antropófago.
9
Mas
essa antropofagia deve ser vista como “o pensamento da devoração
crítica do legado cultural universal elaborado, o a partir da perspec-
tiva submissa e reconciliada do ‘bom selvagem’, mas segundo o ponto
de vista desabusado do ‘mau selvagem’.”.
10
Ou ainda, como diz o
crítico Paulo Herkenhoff, “um país antrofago, no sentido da absor-
ção, e não mais no sentido de devorar os recursos”
11
. Um País cada
9
HERKENHOFF, Paulo e PEDROSA, Adriano (curadores)). XXIV Bienal de o
Paulo: núcleo histórico: antropofagia e histórias de canibalismos. V.1, p. 532.
10
Ibid, p. 561.
11
Ibid, p. 22.
CONCLUSÕES
225
vez mais capaz de ver o patrimônio ambiental, como diz Pedro Motta
Pinto Coelho, como um extraordinário recurso a nosso favor, não
como um ônus”.
12
Como aponta Rubens Ricupero:
entre as mudanças recentes do panorama internacional, uma das
poucas que trabalham em nosso favor é a súbita emergência de
um tema como o ambiental onde o Brasil, ao lado de sérias
vulnerabilidades [...], dispõe de cartas preciosas como o fato de
deter o maior patrimônio de biodiversidade, de ser o dono da
maior floresta tropical existente.
13
A agenda ambiental representa, também, uma ocasião para o
Brasil ajustar-se com naturalidade ao pensamento moderno, não por
ser uma resposta cínica ao cinismo dos países mais ricos, mas como
atitude pensada de uma sociedade cujos valores são hoje decidida-
mente modernos.
O Brasil tem todas as condições para ampliar o debate interno
sobre as verdadeiras formas de adaptar, de forma realista, o seu pro-
jeto de desenvolvimento de acordo com padrões sustentáveis. Pode-
se argumentar que esse processo é mais cil para os países desenvol-
vidos. Estes, no entanto, apesar de possuírem maiores recursos, en-
frentam profundas dificuldades poticas e sociais ao tentarem alterar
seus padrões de produção e consumo. O Brasil, como potência mé-
dia, com imenso território, densidade populacional relativamente baixa
e grande dívida social, tem condões excepcionais para dar um salto
qualitativo em diversas áreas. Muitos exemplos dados pela sociedade
civil e pelo setor privado provam que a responsabilidade social pode
vir acompanhada da responsabilidade ambiental.
12
COELHO, Pedro Motta Pinto, op cit, p. 9.
13
RICUPERO, Rubens. Visões do Brasil: ensaios sobre a história e a inserção do
Brasil. p. 147.
226
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
existe pensamento ambiental no Brasil. É necessário, mes-
mo assim, maior estímulo às instituões existentes para pesquisa cien-
tífica e tecnológica, para o maior debate acadêmico, e para a maior
participação da sociedade civil. Grandes avanços têm ainda de ser
feitos, também, para que seja mais bem aceita a transversalidade da
questão ambiental dentro do Governo Federal tanto entre os minis-
rios quanto dentro destes e dos Governos Estaduais e Municipais.
O que o Brasil fez em 1972 no plano internacional unir conceitualmente
meio ambiente e desenvolvimento está sendo feito internamente, pau-
latinamente, apesar das dificuldades, e em grande parte graças ao di-
namismo da sociedade civil brasileira. O Brasil poderia, portanto, con-
solidar, em poucos anos, uma posição de vanguarda na área de desen-
volvimento sustentável.
É necesrio reiterar que a evolução da queso ambiental abre
oportunidades ímpares ao Brasil. Uma nova etapa para a atuação da
diplomacia brasileira na área ambiental inicia-se após Joanesburgo: o
“legado do Rio” foi preservado e os princípios mais importantes para
o tratamento do tema na área multilateral do ponto de vista brasileiro
foram fortalecidos. espaço indiscutível para maior cooperação
internacional. O Itamaraty cumpriu, com talento e seriedade, sua
função de “primeira linha de defesa do país
14
nas três conferências.
Além de exercer sua atribuição regimental de elaborar e coordenar as
posições do Governo brasileiro a serem defendidas em negociações
internacionais em permanente diálogo com os órgãos técnicos e os
atores relevantes da sociedade civil –, o Itamaraty busca, também,
oportunidades de projetos de cooperação e identifica áreas onde o
Brasil estaria habilitado a atuar com antecipação a outros países. O
Itamaraty não pode fazer isso sem o constante aperfeiçoamento de
sua interação com a sociedade civil. Muito foi feito nesse processo
de aproximação, mas ainda é notável o desconhecimento, no Brasil,
14
GUERREIRO, Ramiro Saraiva, op cit, p. 201.
CONCLUSÕES
227
da participação do Itamaraty no processo multilateral na área de meio
ambiente.
Transmitir à opinião blica nacional a importância da atuão
brasileira nas três conferências ambientais das Nações Unidas pode
ser de grande valia no processo de interação que se deseja estabele-
cer. A atuação dos “empregados do Itamaraty” como dizia o Embai-
xador Cyro de Freitas Valle é pouco conhecida, e a divulgação da
contribuão de figuras hisricas como Miguel Ozório de Almeida con-
tribui para que se valorize o trabalho substantivo dos diplomatas,
e o
amplo espectro de temas que foram e são tratados pelo Ministério
das Relões Exteriores.
Tendo em vista a importância e a riqueza que adquiriram os
processos preparatórios das principais negociações multilaterais na área
ambiental pela crescente interação com os mais diversos atores da
sociedade brasileira , o Itamaraty procura agora fortalecer, tamm,
o processo de acompanhamento dos resultados dessas negociações.
Como conseqüência, seria possível consolidar um discurso que trans-
mitisse não só uma reação aos fenômenos que afetam o País, mas
também uma vio brasileira da queso do meio ambiente global. Esse
exercício, realizado no contexto da consolidão do universalismo que
tem marcado a política exterior,
e do interesse brasileiro em ter maior
e permanente presença no cenário internacional, contribuiria, também,
para a conciliação da agenda ambiental multilateral com os interesses
econômicos, poticos e sociais do País.
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ANDICES
O ARTIGO 20 DA DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO
ANEXO E DO RELATÓRIO DA DELEGAÇÃO DO BRASIL
Relatório da Delegação do Brasil à Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente
Ministério do Interior (mimeo)
Brasília, 1972
O ARTIGO 20 DA DECLARAÇÃO
A posão brasileira conceitual e operacional, relativamente a
bacias hidrográficas tem sido objeto de rias limitações em virtude de
problemas espeficos ora encontrados na bacia do Rio da Prata. Tanto
o espírito como a letra das instruções à Delegação do Brasil, como
componente da posição especial do país nesse importante setor,
determinaram a necessidade de se evitar, em Estocolmo, a aprovação
de quaisquer prinpios que pudessem prejudicar, mediante aceitação
e implementação internacional, as grandes obras que o país realiza e
planeja nessa importante bacia. Entre os princípios cuja aprovação
internacional devia ser implicitamente evitada está o da prestação
obrigatória de informações, por Estados a montante de rios
internacionais, em condições tais que o Estado recipiente a jusante
fosse o somente o determinador de sua qualidade e quantidade mas
também adquirisse durante o peodo de exame das mesmas o direito
de suspender a realizão das obras por tempo indeterminado. É essa
uma reivindicação argentina contra a qual vem lutando o Brasil,
APÊNDICE I
244
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
bilateralmente, e cuja introdução no “Programa de Ação” proposto
para a Conferência de Estocolmo e no projeto de “Declaração” da
Conferência deu lugar a prolongados debates durante o seu período
preparatório. Nessa fase venceu o ponto de vista brasileiro, quer no
Programa de Ação, quer no projeto de “Declaração” enviado pelo
Comitê Preparatório a Estocolmo, com reservas da delegação argentina.
Na discussão do “Programa de ão” a Delegação brasileira
pôde melhorar muito o texto apresentado, mediante refoo da cláusula
de soberania nacional sobre os recursos naturais e a introdução de
outros resguardos que aumentam o arbítrio do país que realiza obras
em bacias fluviais em áreas sob sua jurisdição.
Com relação à Declaração, a atuão argentina foi muito mais
vigorosa, apoiando-se em eficiente trabalho de Chancelaria prévio à
Conferência, trabalho esse que transcendeu amplamente a América
Latina, obtendo significativo apoio de países africanos.
O princípio chave era o de número 20 de Projeto de
Declaração, cuja tradão (do inglês) é a seguinte:
“Informações pertinentes devem ser fornecidas pelos Estados
sobre atividades ou desenvolvimento dentro de suas jurisdições ou sob
o seu controle, sempre que acreditem, ou tenham rao para acreditar,
que tais informações o necessárias a fim de evitar o risco de resultados
adversos significativos no meio ambiente de áreas fora de sua jurisdição.
Essa fórmula foi o resultado de um ano de negociações no
Comitê Preparatório e no Sub-Comitê da Declaração, ambos com a
mesma composição de 27 membros.
Esse e os demais parágrafos do Projeto de Declaração eram
aceitáveis para o Brasil. O parágrafo 20 ressalva para o Estado que
realizasse obras o arbítrio soberano na prestação de informações
atras das palavras “....sempre que acreditem, ou tenham rao para
acreditar...” combinadas com a clara enuncião do sujeito da
proposição, que são os “Estados” que realizam “...atividades ou
desenvolvimentos dentro de suas jurisdões ou sob seu controle...”.
APÊNDICES
245
Procurou assim o Brasil realizar trabalho de Chancelaria em
todos os países com quem mantém relações diplomáticas a fim de
obter sua anuência para a aprovação do Projeto de Declaração sem
emendas. Das 27 poncias que trabalharam no Projeto, a Argentina
fez reservas e procurou negociar bilateralmente com o Brasil um novo
texto para o princípio 20, deixando claro que pretendia abrir discussões
sobre o mesmo em Estocolmo.
Entretanto parecia desde o iniciar-se a Conferência, que o texto
da Declarão seria emendado. Das 115 representações, 27 haviam
colaborado na preparação desse texto, no qual não havia nenhuma
referência a problemas que muitas Delegações consideravam
importantes, do ponto-de-vista do ambiente humano, como os de
segregação racial, guerra química e biogica, e experiência nucleares.
Foi assim aprovada em plenário uma proposta da República
Popular da China (Documentos A/Conf. 48/CRP8) para a criação de
um comitê ad hoc de todos os membros da Conferência para discutir
o texto existente e emen-lo substancialmente.
A Argentina apresentou documento (A/Conf. 48/CRP5) a 5
de junho no qual sugeriu a seguinte redação para o princípio 20 (está
sublinhada a adão proposta).
“Informações pertinentes devem ser fornecidas pelos Estados
sobre atividades ou desenvolvimento dentro de suas jurisdições ou
sob o seu controle, sempre que acreditem, ou tenham razão para
acreditar, que tais informões são necesrias a fim de evitar o risco
de resultados adversos significativos no meio ambiente de áreas fora
de sua jurisdão. Essa informação deve ser prestada quando solicitada
por quaisquer das Partes interessadas, em tempo hábil, e contendo
aqueles elementos informativos que, estando dispoveis, permitam às
citadas Partes interessadas aquilatar e julgar elas próprias da natureza
e dos prováveis efeitos de tais atividades”.
Com essa adição ao princípio 20 estavam obviamente
subvertidas as posições, ficando explícita a obrigação de prestar
246
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
informações pedidas a juízo exclusivo de outras Partes interessadas
que não o Estado soberano realizador das obras.
Foi assim necessário, em Estocolmo, evitar esforços bilaterais
argentinos de negociar esse texto com a Delegão do Brasil.
Entretanto um grupo de países africanos, despertados pela
Argentina, apresentou um projeto de emenda ao princípio 20 que consiste
em retirar do texto original as palavras centrais ...acreditem ou tenham
razão para acreditar...e tamm retirar a palavra significativos” logo
as a palavra riscos(Documentos A/Conf. 48/WG1/CRP20).
Essa emenda, negociada pelo Egito e copatrocinada pelas
Delegações da Argélia, do Burundi, dos Camarões, do Congo, da
Guiné, do Quênia, da Líbia, da Maurinia, do Senegal, do Suo, da
Tanzânia e da mbia, somando ao todo 13 Delegações, era
obviamente inaceivel pois não só deixava razoal
velmente indefinido
o sujeito da obrigação informativa, como também, em virtude da
retirada da palavra significativas”, tornava obrigaria a prestação de
informações à base de virtuais suspeitas.
Era esse texto, entretanto, apresentado como intermedrio entre
os extremos brasileiro-argentino e, como tal, de difícil rejeição. O fato
de que os principais propugnadores e endossadores da emenda, como
o Egito, eram países a jusante de grandes rios não passou
desa
apercebido. Porém com esse novo texto apresentado como
resultado de compromisso negociado, tornou-se muito dicil a posição
brasileira. O novo texto foi considerado por numerosas Delegações
como representando um justo meio termo e a Argentina percebendo
as vantagens do mesmo, retirou a sua própria emenda e passou a apoiar
a emenda africana.
Tanto a emenda inicial argentina como a emenda africana
receberam forte apoio- latino-americano, especialmente da parte do
Delegado do Uruguai, alguma coerência expositiva da parte do
delegado da Costa Rica e a manifestação clássica, pelos demais, que
seus Governos apoiavam as emendas acima indicadas.
APÊNDICES
247
Ficou, portanto, a Delegão brasileira isolada das reblicas
latino-americanas e, de certa forma, pressionada pelos países
subdesenvolvidos da África. Simultaneamente, nenhum dos demais 25
países que constituíram com a Argentina e o Brasil o Comitê
Preparatório tomou a defesa específica do princípio 20, que haviam
aceito à base da contrapartida do apoio brasileiro a reivindicações
específicas em outras áreas da Declaração.
Numa tática que foi sendo flexibilizadas
à medida que as
circunstâncias o exigiam, a Delegão do Brasil optou por:
1 - Emendar a totalidade do projeto de Declaração, criando
a sensão de que aberta a discuso, seria necesrio adotar uma
das ts hipóteses: a) volver ao texto inicial, pela impossibilidade
de assimilar todas as emendas; b) nada declarar” em Estocolmo;
c) contentar-se com a possibilidade de uma declaração de um só
ou poucos parágrafos que se limitassem a encaminhar o plano de
ação;
2 - Atrazar, por manobras parlamentares, o icio dos trabalhos
do Comiad hoc;
3 - Criar princípios alternativos que neutralizassem as emendas
propostas, caso aprovados, por maioria, em vel de Comitê;
4 - Lutar por uma declaração de Consenso e o de maioria, o
que daria poder de veto a cada delegação.
Com relação à apresentação de emendas recorreu-se às
posições anteriores defendidas no período preparatório e a
Delegação do Brasil apresentou 14 emendas a diferentes princípios.
O conjunto das delegações, uma vez criada a liberdade nessa área,
apresentou centenas de emendas e adições, sendo de destacar pela
sua extensão e contdo as de Santa e da República Popular da
China, próximas em intenção embora diferentes na linguagem
utilizada.
248
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Conseguiu-se igualmente protelar a formação do Comi por
três dias sucessivos (do total de 10 disponíveis para trabalho) se
reunindo a partir da quinta-feira, dia 8.
Apresentou-se um princípio alternativo, a ser acrescentado após
o mero 20, cuja redão foi a seguinte:
“Nenhum Estado está obrigado a suprir informação em
condões tais que, a seu jzo fundamentando, possa prejudicar a sua
segurança nacional, o seu desenvolvimento econômico ou os seus
esfoos nacionais para melhoria do meio ambiente”.
Finalmente, iniciou-se intenso trabalho em favor de Declaração
por consenso e não por maioria votante. Nessa área recebeu a
Delegação apoio da Delegão dos Estados Unidos da América porém
convém notar que a maioria das posições americanas estavam sendo
sistematicamente rejeitadas a nível do Comitê.
Iniciando o exame de emendas e adições aos princípios contidos
na Declaração (e deixando o Preâmbulo para exame posterior) o
Comitê ad hoc começou por concordar em discordar. haviam
escapado de emendas os princípios 6, 8 e 13 em um projeto que
contivera 23 princípios. Somente a emenda brasileira ao princípio 3,
que melhorou sua redação e aumentou a área de resguardo nacional
na proteção de “áreas ecológicas de interesse internacional” foi
aprovado nessa fase embora com a reabertura intempestiva do assunto
mais tarde pelo Delegado uruguaio. Na terça-feira dia 13 à tarde, o
Secretário-Geral Maurice Strong confidenciou que não acreditava
possível uma Declaração de Estocolmo. Como o Programa de Ação
saíra melhor do que o esperado nas Comissões, talvez se pudesse
passar sem ela, ou reduzi-la a uns dois ou três parágrafos preambulares
de satisfação à opinião blica mundial e, muito especialmente, à Suécia.
As seses do Comitê ad hoc prolongavam-se, sem que se conseguisse
mais do que aumentar a perplexidade com novas emendas e
subemendas acumulando-se sem aprovão ou rejeição. Quarta-feira,
dia 14, com apenas mais dois dias de trabalho pela frente, o Comitê ad
APÊNDICES
249
hoc começou então a encontrar condições de acordo. Uma ação
pessoal do Senhor Strong junto aos africanos uniformizou várias de
suas múltiplas reivindicações e as grandes potências ocidentais
dispuseram-se a aceitar no texto da Declaração severas críticas ao
colonialismo, à segregação racial e a rios tipos de destruição militar.
O primeiro parágrafo dos Princípios” da Declaração foi aprovado
com a redão seguinte:
“A humanidade tem o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e a condições adequadas de vida, em ambiente de qualidade
tal que permita uma vida de dignidade e bem estar, e tem a solene
responsabilidade de proteger e melhorar o seu ambiente para as
gerações presentes e futuras. Nesse sentido, poticas que promovem
ou perpetuam o “apartheid”, a segregação racial, a discriminação, o
colonialismo e outras formas de opressão e de domínio estrangeiro
o condenadas e devem ser eliminadas”.
Com a aprovação dessa redação, que é uma simbiose do
prinpio no. 1 original, com emendas africanas e chinesas, passaram
virtualmente todas as Delegações africanas e asiáticas a propugnar pela
aprovação da Declarão. O mesmo aconteceu, em menor grau, com
a República Popular da China, que tinha ainda numerosas outras
:”condenações” a aprovar antes de considerar a Declaração como
aceitável.
O Comitê mostrou-se, entretanto, surpreendentemente
preparado a transigir até mesmo com respeito à coerência e a aspectos
lógicos das línguas de trabalho. Depois de aprovado o princípio 1,
acima, foram aprovados todos os princípios ao de número 10,
convindo indicar alguns exemplos de transigência que mostram o
profundo desejo da Comissão de aprovar uma Declaração. São eles:
1 - No princípio 4 foi adicionada uma emenda da Índia que
pede que se dê imporncia à conservação da vida selvagem “wild life”
no planejamento para desenvolvimento econômico.
250
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
2 - No princípio 6, além de pequena emenda brasileira, foi
aprovado o seguinte parágrafo chinês: A justa luta dos povos de todos
os pses contra a poluão deveria ser apoiada”. Trata-se de conhecido
“slogan” chinês que se torna claro com a substituão das palavras “a
poluiçãopor os capitalistas”.
3 - O princípio número 9 teve uma emenda da Santa que
consubstancia explicitamente a “cláusula da “adicionalidade” dos
recursos a serem postos à disposição dos países subdesenvolvidos
para a proteção ambiental. Esse prinpio foi aprovado com a seguinte
redação na sua parte fundamental: As deficiências ambientais geradas
pelas condões do subdesenvolvimento... tem por melhor redio o
desenvolvimento acelerado através da transferência de substanciais
magnitudes de assistência financeira e tecnológica.... Até esse momento
nenhuma potência industrial do ocidente havia permitido linguagem que
de longe se aproximasse dessa redação.
Na noite de 13 para 14 foram aprovados os demais princípios
da Declaração com exceção dos de número 20 e 21, e o Preâmbulo.
Tornou-se imposvel evitar o confronto com a posão Argentina pois
o interesse da maioria numa Declaração, virtualmente possível era
muito grande e a continuação do uso de ticas dilatórias, além de o
apresentar efeito prático colocar-nos-ia numa posão de intransigência
ostensiva.
Adotou-se eno a seguinte tica:
1 - Refoar os prinpios 18 e 19, que confirmavam a
responsabilidade dos Estados por compensar a outras Partes
interessadas por danos causados em seu território por obras sob a
jurisdão ou controle dos primeiros.
2 - Introduzir o princípio alternativo (indicado acima) que leva
às suas conseqüências lógicas a posição argentina de que nenhum
Estado tem a obrigação de prestar informões em condões tais que
APÊNDICES
251
prejudiquem a sua seguraa nacional, desenvolvimento ecomico e
melhoria do seu ambiente.
3 - Caso falhasse a hipótese 2, manobrar para retirar o princípio
20 da Declaração, remetendo o assunto, sem solão, para a
Assembia Geral da ONU.
O reforço do princípio 18 não foi conseguido, embora a
redação adequada, rezasse em sua parte final: “Os Estado.... têm a
responsabilidade de evitar que atividades dentro de sua jurisdição ou
controle causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou a áreas
am dos limites de sua jurisdição nacional”.
O princípio 19 foi bastante fortalecido ao conseguir a delegação
brasileira generalizá-lo com a inclusão das palavras sublinhadas adiante:
“Os Estados deverão cooperar a fim de continuar a desenvolver o
direito internacional com respeito a responsabilidade e compensação
para as vítimas de poluição de outras formas de dano ambiental
causadas por atividades dentro da jurisdição ou do controle desses
Estados e áreas situadas além de sua jurisdição”.
Manobrou então a Delegação brasileira para que o seu
“princípio alternativo” fosse examinado antes do princípio 10,
conseguindo esse desiderato, lançado o princípio, entretanto, foi o
mesmo fortemente atacado por Argentina, Uruguai e Egito. o teve a
proposta brasileira um único apoio embora um certo número de
Delegações, previamente consultadas, houvesse manifestado aceitação
à mesma. Manobrou a Delegação do Brasil para colocar o novo
princípio entre aqueles que seriam novamente discutidos. Divergiram
nesse ponto o Presidente do Comitê e o Delegado Argentino.
Embaixador Bradley, que com alguma rao alegava que esse
tratamento fora dado até eno a propostas que houvessem recebido
algum apoio.
Entrou então em discussão o Princípio 20. Tomou a palavra o
Delegado da Costa Rica que falou com convião e coerência contra
252
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
a posição brasileira, identificando claramente o Brasil como recalcitrante
diante da opinião mundial. Declarou falar em nome do grupo de 5
países centro americanos. Falou em seguida a Argentina, que atacou
violentamente o princípio que desejávamos reter (20) e deu apoio à
emenda africana que, anunciou, passaria a co-patrocinar. Pediu que
diante do impasse restava ao Comitê auscultar as opines de todos
mediante votação da emenda e do princípio.
Ao fazer a primeira defesa do princípio 20 a Delegação
Brasileira procurou dar a impressão de que a principal característica
da mesma cingir-se-ia a aspectos essenciais de soberania nacional dos
quais o Brasil não abriria mão. O objetivo era desgastar os ataques
contra essa posão e, na última hora, mudar a defesa para centralizá-
la no princípio da responsabilidade dos Estados soberanos de o
causar danos a terceiros.
Seguiram-se xico e Egito, este em nome de 13 delegações
africanas, que pediram a eliminão do prinpio 20 e substituão do
mesmo por sua própria formulão.
O Brasil havia conseguido a promessa de sete apoios, felizmente
muito bem distribuídos geograficamente pois com Etpia (a Montante
do rio Nilo), seguindo-se Uganda, Portugal, Irã e Turquia, Iugoslávia e
Romênia, estavam todos os continentes representados. Obteve-se que
falasse em primeiro lugar Etiópia (a montante do rio Nilo), seguindo-se
Uganda, Portugal, Irã e Turquia, o que esgotou o painel de apoios o
socialistas disponíveis porém causou enorme surpresa, dando a
impreso pela primeira vez que a causa brasileira o estava perdida.
Seguiram-se, contra o Brasil, declarações da Colômbia e
Uruguai, este fazendo de certa forma apelos conciliarios pom, em
resumo, e apesar da instruções recebidas, colocando-se contra a
posição brasileira. Falou então a Venezuela que acabava de receber
apelo da Delegação brasileira para alistar-se. Não ficou muito clara a
sua posição, embora os argentinos o tenham contado como do seu
lado.
APÊNDICES
253
Pronunciaram-se eno, pela posição do Brasil, as Delegões
da Iugoslávia e da Romênia, esgotando-se pois o apoio disponível.
Haviam falado contra a tese brasileira seis países: Costa Rica,
Argentina, xico, Egito, Colômbia e Uruguai, sendo que Costa Rica
falara em nome de 5 países e o Egito de 13 países. O total de países
que se manifestavam contra era portanto de 22 países. Falaram a favor
7 países: Uganda, Etpia, Portugal, Irã, Turquia, Iugoslávia e Romênia.
Entretanto o impacto parlamentar era-nos favovel, já que só haviam
vocalizado o seu antagonismo seis pses, enquanto haviam externado
o seu apoio sete países.
A Delegação brasileira tomou a palavra novamente e, como
planejado, fugiu ao conceito de soberania absoluta. Mostrou o Brasil
os seguintes pontos principais:
1 - Que o princípio 20 era o resultado de mais de um ano de
trabalho, negociação e compromisso por 27 países e que desses,
um se opunha ao texto apresentando;
2 - Que não se tratava de conflitos bilaterais entre Brasil e
Argentina, mas de algo muito mais importante, que era o reconhecimento
da responsabilidade dos Estados por danos causados a terceiros, o
que interessava a todos;
3 - Que dez (foi o número usado e não contestado) países,
am dos 26 do Comitê Preparatório, haviam vocalizado o seu apoio
ao princípio 20 e, explícita ou implicitamente rejeitado a emenda africana,
enquanto que “alguns” países haviam vocalizado apoio a essa
emenda;
4 - Que era imposvel aceitar, no caso da Declaração Mundial,
nada menos que o consenso pleno, sendo inadmissível a votação. Esta
levaria inúmeros pses a fazerem reserva à Declaração que perderia o
seu significado universal. Assim sendo, a única coisa a fazer era retirar o
princípio 20 da Declaração na sua forma atual ou nas formas emendadas
propostas, que o era possível obter consenso sobre o mesmo.
Diante do esgotamento geral dos presentes, e da surpresa
argentina pelo apoio de 10países ao Brasil (havia-se assegurado da
absteão das demais 25 potências do Comi Preparatório) o
Embaixador Bradley, receoso de novas surpresas e incerto dos apoios
prometidos, estava pronto a negociar a retirada do prinpio 20. A fim
de neutralizar o Uruguai sugerimos que servisse como mediador e
concertou-se rapidamente o seguinte texto, que figurou no relario do
Comitê.
Não foi possível chegar-se a acordo sobre o texto do prinpio
20 na formulação contida no documento (A/Conf. 48/4). Nessas
circunstâncias, em vista da imporncia do assunto, foi acordado, por
sugestão do representante do Uruguai, que fosse recomendada ao
Plerio o envio desse prinpio à Assembléia Geral da ONU para sua
considerão.
Terminou, assim, satisfatoriamente em Estocolmo, para a
Delegação brasileira, a discuso do prinpio 20 sobre as obrigações
dos Estados de prestar informações sob rios pretextos e condões.
O debate foi transferido para a Assembléia Geral da ONU onde se
obteve satisfatório acordo entre Brasil e Argentina, endossado pela
ECOSOC e pelo plenário da Assembléia.
254
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
DECLARAÇÃO DA CONFERÊNCIA DAS
NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE
ANEXO “D” DO RELATÓRIO DA
DECLARAÇÃO DO BRASIL
Relatório da Delegação do Brasil à Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente
Ministério do Interior (mimeo)
Brasília, 1972
DECLARAÇÃO DA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES
UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Tendo-se reunido em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972
Tendo considerado a necessidade de um ponto de vista e de
prinpios comuns para inspirar e guiar os povos do mundo na preser-
vação e na melhoria do meio ambiente.
PROCLAMA QUE:
1. O homem é ao mesmo tempo criatura e construtor do seu
meio ambiente que lhe dá sustento sico e lhe oferece a oportunidade
de crescimento intelectual, moral, social e espiritual. Na longa e tortu-
APÊNDICE II
255
256
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
osa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a um estágio
em que, através da rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o
homem conquistou o poder de transformar seu meio ambiente de inú-
meras maneiras e em escala sem precedentes. Ambos os aspectos do
ambiente do homem, o natural e o feito pelo homem, são essenciais
para seu bem-estar e para o gozo dos direitos humanos fundamentais
até mesmo o direito à própria vida.
2. A proteção e a melhoria do meio ambiente humano o um
dos principais assuntos que afetam o bem-estar dos povos e o desen-
volvimento econômico em todo o mundo; são o desejo urgente dos
povos do mundo inteiro e o dever de todos os Governos.
3. O homem tem de constantemente somar experncias e pros-
seguir descobrindo, inventando, criando e avançando. Em nosso tem-
po a capacidade do homem de transformar o mundo que o cerca, se
for usada sabiamente, pode trazer para todos os povos os benefícios
do desenvolvimento e a oportunidade de melhorar a qualidade da vida...
Se for aplicado errada ou inconsideradamente, esse mesmo poder é
capaz de causar danos incalculáveis aos seres humanos e ao meio
ambiente humano. Vemos à nossa volta provas crescentes e o homem
tem provocado prejuízos em muitas regiões da Terra permitem os -
veis de poluição das águas, do ar, da terra e dos seres humanos; des-
truição e exaustão de recursos insubstituíveis; e enormes deficncias
prejudiciais à sde física, mental e social do homem, no meio ambien-
te feito pelo homem, especialmente no ambiente de vida e de trabalho.
4. Nos países em desenvolvimento a maioria dos problemas
ambientais tem sua causa no subdesenvolvimento. Miles de pessoas
continuam vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários a uma
existência humana decente, desprovidos de alimentação adequada e
de vestrio, abrigo e educação, saúde e saneamento. Por conseguin-
te, devem os países em desenvolvimento dirigir seus esforços no sen-
tido do desenvolvimento, conscientes de suas prioridades e tendo em
mente a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio ambiente.
APÊNDICES
257
Pelas mesmas razões, devem os países industrializados esforçar-se para
reduzir a distância entre eles e os países em desenvolvimento. Nos
países industrializados, os problemas ambientais eso geralmente li-
gados à industrializão e ao desenvolvimento tecnológico.
5. O crescimento natural da população suscita continuamente
problemas na preservação do meio ambiente, e políticas e medidas
adequadas devem ser adotadas, conforme o caso, para fazer frente a
estes problemas. De tudo no mundo, o homem é o que existe de
mais precioso. É o homem que impulsiona o progresso social, cria a
riqueza social, desenvolve a ciência e a tecnologia e, através de seu
trabalho árduo, continuamente transforma o meio ambiente. Juntamente
com o progresso social e os avanços na produção, na ciência e na
tecnologia, a capacidade de o homem melhorar o meio ambiente au-
menta a cada dia que passa.
6. Atingiu-se um ponto na História em que devemos moldar
nossas ões no mundo inteiro com mais pudente atenção a suas con-
seências ambientais. Pela ignorância ou indiferença podemos causar
danos maciços e irreverveis ao ambiente terrestre de que dependem
nossa vida e bem-estar. Ao contrário, por um conhecimento maior e
por atos mais pensados, podemos conseguir para nós mesmos e para
nossa posteridade uma vida melhor em ambiente que esteja mais de
acordo com as necessidades e esperanças do homem. Há amplas pers-
pectivas para a melhoria da qualidade ambiental e a criação de uma
vida sadia. Precisa-se de um estado de espírito entusiástico, mas cal-
mo e de trabalho intenso, mas ordenado. Para conseguir liberdade no
mundo da natureza, deve o homem usar seu conhecimento para, em
colaboração com a natureza, construir um ambiente melhor. Defender
e melhorar o meio ambiente para as gerações atuais e para as futuras
tornou-se um fim imperativo para a humanidade um fim que se deve
procurar atingir conjuntamente com os objetivos estabelecidos e fun-
damentais da paz e do desenvolvimento econômico e social em vel
mundial, e em harmonia com eles.
258
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
7. A consecução deste objetivo ambiental requererá a aceita-
ção de responsabilidades pelos cidadãos e pelas comunidades, pelas
empresas e pelas instituões em todos os níveis, todos compartilhan-
do equitativamente dos esforços comuns. Os indivíduos em todas as
condições de vida bem como as organizações em muitos setores, por
seus valores e pela coma de seus atos, modelarão o ambiente mundial
do futuro. Cabe aos governos locais e nacionais o ônus maior pelas
políticas e ações ambientais de grande escala dentro de suas jurisdi-
ções. A cooperação internacional é também necessária para levantar
os recursos que ajudarão os países em desenvolvimento na execão
de suas responsabilidades neste campo. Um mero crescente de pro-
blemas ambientais, por sua extensão regional ou global ou por afeta-
rem o domínio internacional comum, exigi ampla cooperação entre a
nações e ão das organizações internacionais no interesse comum. A
Conferência concita Governo e povos a se empenharem num comum
esforço para a preservão e melhoria do meio ambiente humano, em
benecio do homem e das gerações futuras.
II - PRINCÍPIOS
EXPRESSA A COMUM CONVICÇÃO QUE:
Princípio 1
O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a
condões de vida adequadas em ambiente cuja qualidade lhe permita
viver com dignidade e bem-estar, e cabe-lhe a solene responsabilida-
de de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações atuais e
futuras. A esse respeito condenam-se e devem ser eliminadas as po-
ticas que promovem ou fazem durar o apartheid, a segregação racial, a
discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão ou
dominação estrangeira.
APÊNDICES
259
Princípio 2
Os recursos naturais da Terra, incluindo-se o ar, a água, a ter-
ra, a flora e a fauna, e especialmente amostras representativas dos
ecossistemas naturais, devem ser salvaguardados em benefício das
gerações atuais e das futuras, por meio de cuidadoso planejamento ou
administração, conforme o caso.
Princípio 3
A capacidade da Terra de produzir recursos vitais renováveis
deve ser mantida e, sempre que possível, restaurada ou melhorada.
Princípio 4
O homem tem uma responsabilidade especial de salvaguardar
e administrar conscienciosamente o patrimônio da fauna e da flora sel-
vagens e seu habitat, ora gravemente ameaçados por um conjunto de
fatores adversos. A conservação da natureza, e incluindo a flora e a
fauna selvagens, deverá portanto, merecer imporncia no planejamento
do desenvolvimento econômico.
Princípio 5
Os recursos não-renoveis da Terra devem ser aproveitados de
forma a evitar o perigo de seu futuro esgotamento e assegurar que os
benefícios de sua utilização sejam compartilhados por toda a humanidade.
Princípio 6
A fim de que não se causem danos graves ou irreparáveis aos
ecossistemas, deve-se pôr fim à descarga de substâncias xicas ou de
260
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
outras matérias bem como à libertação do calor, em quantidades ou
concentrações tais que ultrapassem a capacidade do meio ambiente
de naturalizá-la. Deve-se apoiar a justa luta dos povos de todos os
países contra a poluão.
Princípio 7
Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para evitar
a poluição dos mares por subsncias capazes de por em perigo a sde
do homem, causar danos aos recursos vivos e à vida marinha, prejudicar
os meios naturais de recreio ou interferir com outros usos legítimos do mar.
Princípio 8
O desenvolvimento econômico e social é indispensável para asse-
gurar ao homem um ambiente favorável de vida e de trabalho, e criar na
Terra as condições que são necessárias para que se melhore a qualidade
da vida.
Princípio 9
As deficiências ambientais geradas pelas condições de
subdesenvolvimento e pelos desastres naturais originam problemas
graves e o melhor modo de corrigi-las é o desenvolvimento acelerado
mediante a transfencia de somas substanciais de assisncia financei-
ra e tecnológica, como complemento aos esforços internos dos países
em desenvolvimento, e à ajuda conjuntural que se tornar necessária.
Prinpio 10
Para os pses em desenvolvimento, a estabilidade de pros e
a obtenção de receitas adequadas para os produtos de base e matéri-
APÊNDICES
261
as-primas o elementos essenciais na administração do meio ambien-
te, já que os fatores econômicos devem ser o levados em conta quanto
os processos ecológicos.
Princípio 11
As políticas ambientais de todos os Estados devem ser orien-
tadas no sentido de reforçar o potencial de desenvolvimento presente
e futuro dos países em desenvolvimento, e não afetar adversamente
esse potencial, nem impedir a conquista de melhores condições de
vida para todos. Os estados e as organizações internacionais devem
tomar as medidas apropriadas com vistas a acordo sobre os meios
necessários para fazer frente às possíveis conseqüências ecomicas,
nacionais e internacionais, resultantes da aplicação de medidas de pro-
tão ambiental.
Prinpio 12
Devem-se prover recursos para proteger e melhorar o meio
ambiente, levando-se em consideração as circunsncias e as necessi-
dades especiais dos países em desenvolvimento e quaisquer despesas
que possa acarretar a estes países a incorporação de medidas de pro-
teção ambiental em seus planos de desenvolvimento, bem como a ne-
cessidade de que lhes seja prestada, quando a solicitarem, assistência
internacional financeira e técnica, adiciona, para tais fins.
Prinpio 13
A fim de se conseguir uma administração mais racional dos
recursos e assim melhorar as condões ambientais, os Estados devem
adotar um método integrado e coordenado para o planejamento de
seu desenvolvimento, de modo a assegurar que o desenvolvimento
262
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
seja compatível com a necessidade proteger e melhorar o meio ambi-
ente em benecio de sua população.
Prinpio 14
O planejamento racional constitui um instrumento indispen-
vel para conciliar os imperativos do desenvolvimento e a necessidade
de proteger e melhorar o meio ambiente.
Prinpio 15
No planejamento dos cleos populacionais e da urbanização,
deve-se evitar efeitos adversos sobre o meio ambiente e promover a
obtenção dos ximos benefícios sociais, econômicos e ambientais
para todos. A este respeito, devem ser abandonados os projetos que
visam à dominão colonialista e racista.
Prinpio 16
Políticas demogficas que respeitem plenamente os direitos hu-
manos fundamentais e que sejam julgadas apropriadas pelos Governos
interessados, devem ser aplicadas nas regiões em que a taxa de cresci-
mento da população ou suas concentrações excessivas sejam de molde
a produzir efeitos adversos sobre o meio ambiente ou o desenvolvimen-
to ou naquelas em que a baixa densidade populacional possa criar obs-
táculos à protão do meio ambiente e impedir o desenvolvimento.
Prinpio 17
Deve confiar-se a instituições nacionais apropriadas a tarefa
de planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais
dos Estados com vistas a melhorar a qualidade do meio ambiente.
APÊNDICES
263
Prinpio 18
Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econô-
mico e social, a ciência e a tecnologia devem ser aplicadas para iden-
tificar, evitar e combater os riscos ambientais, para resolver os pro-
blemas ambientais, e, de modo geral, para o bem comum da humani-
dade.
Prinpio 19
E educação em assuntos ambientais, para as gerações jovens
como para os adultos, com a devida atenção aos menos favorecidos,
é essencial para ampliar as bases de uma opinião esclarecida e de uma
conduta responvel dos indiduos, das empresas e das comunidades
quanto a proteger e melhorar o meio ambiente em sua plena dimeno
humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de mas-
sa evitem contribuir para a deterioração de meio ambiente, mas pelo
contrário, disseminem informações de caráter educativo sobre a ne-
cessidade de proteger e melhorar o meio ambiente de modo a possibi-
litar o desenvolvimento do homem em todos os sentidos.
Prinpio 20
Devem ser estimulados em todos os países, especialmente nos
pses em desenvolvimento, a pesquisa e o desenvolvimento científico
no contexto dos problemas ambientais, tanto nacionais quanto
multinacionais. A este respeito, deve-se promover e ajudar a circula-
ção livre de informações e a transferência de experncias científicas
atualizadas, de modo a facilitar a solução dos problemas ambientais;
tecnologias ambientais devem ser postas à disposição dos países em
desenvolvimento em condições tais que favoreçam sua ampla dissemi-
nação, sem constituir um fardo econômico para esses países.
264
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Prinpio 21
De acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do
direito internacional, assiste aos Estados o direito soberano de explo-
rar seus próprios recursos em conformidade com suas próprias políti-
cas ambientais e cabe-lhes a responsabilidade de assegurar que as
atividades realizadas nos limites de sua jurisdição, ou sob seu controle,
não causem prejuízo ao meio ambiente de outros Estados, ou a áreas
situadas fora dos limites de qualquer jurisdição nacional.
Prinpio 22
Os Estados devem cooperar para prosseguir no desenvolvimento
do direito internacional relativo às queses de responsabilidade legal e
de indenização às vítimas da poluição e de outros danos ambientais cau-
sados a áreas situadas além da jurisdão de tais Estados por atividades
realizadas dentro de sua jurisdão ou sob seu controle.
Prinpio 23
Sem prejuízo dos critérios que venham a ser acordados pela
comunidade internacional ou dos padrões que deverão ser definidos
no plano nacional, em todos os casos será indispenvel considerar os
sistemas de valores que prevalecem em cada país, bem como a
aplicabilidade de pades que são lidos para os países mais avança-
dos, mas que podem ser inadequados e de custo social injustificado
para os países em desenvolvimento.
Prinpio 24
Todos os países, grandes ou pequenos, devem tratar das ques-
es internacionais relativas à protão e melhoria do meio ambiente
APÊNDICES
265
com esrito de cooperação e em pé de igualdade. A cooperação atra-
s de acordos multilaterais ou bilaterais ou outros meios apropriados
é essencial para controlar eficazmente, prevenir, reduzir e eliminar os
feitos ambientais adversos que resultem de atividades realizadas em
qualquer esfera, de tal modo que a soberania e os interesses de todos
os Estados recebam a devida consideração.
Prinpio 25
Os Estados devem assegurar-se de que as organizões inter-
nacionais desempenhem um papel coordenado, eficiente e dinâmico
na protão e na melhoria do meio ambiente.
Prinpio 26
É necessário preservar o homem e seu meio ambiente dos efei-
tos das armas nucleares e de todos os outros meios de destruição em
massa. Os Estados devem procurar chegar rapidamente a um acordo,
nos órgãos internacionais competentes, sobre a eliminão e completa
destruição de tais armas.
DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE
MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
APÊNDICE III
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992
A Confencia das Nões Unidas sobre Meio Ambiente e De-
senvolvimento. Tendo-se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho
de 1992. Reafirmando a Declarão da Confencia das Nações Uni-
das sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de
junho de 1972, e buscando avançar a partir dela, com o objetivo de
estabelecer uma nova e justa parceria global por meio do estabeleci-
mento de novos veis cooperação entre os Estados, os setores chave
da sociedade e os indiduos. Trabalhando com vistas à conclusão de
acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam
a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento.
Reconhecendo a natureza interdependente e integral da Terra,
nosso lar,
Problema:
Princípio 1
Os seres humanos estão no centro das preocupações com o
desenvolvimento sustenvel. Têm direito a uma vida saudável e pro-
dutiva, em harmonia com a natureza.
268
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Princípio 2
Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e
com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de ex-
plorar seus pprios recursos segundo suas próprias políticas de meio
ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que ativi-
dades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente
de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.
Princípio 3
O direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a
permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de ge-
rações presentes e futuras.
Princípio 4
Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção
ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvi-
mento, e não pode ser considerada isoladamente deste.
Princípio 5
Todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensá-
vel para o desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial
de erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de
vida e melhor an
tender as necessidades da maioria da população do mundo.
Princípio 6
A situação e necessidades especiais dos países em desenvolvi-
mento, em particular dos países de menor desenvolvimento relativo e
APÊNDICES
269
daqueles ambientalmente mais vulneráveis, devem receber prioridade
especial. Ações internacionais no campo do meio ambiente e do de-
senvolvimento devem tamm atender os interesses e necessidades de
todos os países.
Princípio 7
Os Estados devem cooperar, em um espírito de parceria glo-
bal, para a conservão, proteção e restauração da saúde e da integri-
dade do ecossistema terrestre. Considerando as distintas contribui-
ções para a degradão ambiental global, os Estados m responsabi-
lidades comuns porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reco-
nhecem a responsabilidade que m na busca internacional do desen-
volvimento sustenvel, em vista das pressões exercidas por suas soci-
edades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos
financeiros que controlam.
Princípio 8
Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualida-
de de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões
insustentáveis de produção e consumo e promover políticas
demográficas adequadas.
Princípio 9
Os Estados devem cooperar com vistas ao fortalecimento da
capacitação engena para o desenvolvimento sustentável, pelo apri-
moramento da compreensão científica por meio do intercâmbio de
conhecimento científico e tecnogico, e pela intensificão do desen-
volvimento, adaptação, difusão e transfencia de tecnologias, inclusi-
ve tecnologias novas e inovadoras.
270
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Prinpio 10
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a
participão, no vel apropriado, de todos os cidadãos interessados.
No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a infor-
mões relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades
públicas, inclusive informões sobre materiais e atividades perigosas
em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em
processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e esti-
mular a conscientização e a participação pública, colocando a infor-
mação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a
mecanismo judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito a
compensação e reparação de danos.
Princípio 11
Os Estados devem adotar legislação ambiental eficaz. Pades
ambientais e objetivos e prioridades em maria de ordenão do meio
ambiente devem refletir o contexto ambiental e de desenvolvimento a
que se aplicam. Padrões utilizados por alguns países podem resultar
inadequados para outros, em especial países em desenvolvimento,
acarretando custos sociais e econômicos injustificados.
Prinpio 12
Os Estados devem cooperar para o estabelecimento de um
sistema econômico internacional aberto e favovel, procio ao cres-
cimento econômico e ao desenvolvimento sustentável em todos os
países, de modo a possibilitar o tratamento mais adequado dos pro-
blemas da degradão ambiental. Medidas de potica comercial para
propósitos ambientais o devem constituir-se em meios para a impo-
sição de discriminações arbitrias ou injustificáveis ou em barreiras
APÊNDICES
271
disfaadas ao comércio internacional. Devem ser evitadas ações uni-
laterais para o tratamento de questões ambientais fora da jurisdão do
país importador. Medidas destinadas a tratar de problemas ambientais
transfronteiriços ou globais devem, na medida do possível, basear-se
em um consenso internacional.
Prinpio 13
Os Estados devem desenvolver legislão nacional relativa a
responsabilidade e indenização das vítimas de poluição e outros da-
nos ambientais. Os Estados devem ainda cooperar de forma expedi-
ta e determinada para o desenvolvimento de normas de direito inter-
nacional ambiental relativas a responsabilidade e indenizão por efei-
tos adversos de danos ambientais causados, em áreas fora de sua
jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu con-
trole.
Prinpio 14
Os Estados devem cooperar de modo efetivo para desestimular
ou prevenir a realocação ou transfencia para outros Estados de quais-
quer atividades ou subsncias que causem degradação ambiental gra-
ve ou que sejam prejudiciais à saúde humana.
Prinpio 15
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precau-
ção deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com
suas capacidades. Quando houver ameaça de danos rios ou
irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser
utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economica-
mente viáveis para prevenir a degradão ambiental.
272
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
Prinpio 16
Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar
com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais de-
vem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o
uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o inte-
resse público, sem distorcer o comércio e os investimentos interna-
cionais.
Prinpio 17
A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacio-
nal, deve ser empreendida para atividades planejadas que possam
vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e
que dependam de uma decio de autoridade nacional competen-
te.
Prinpio 18
Os Estados devem notificar imediatamente outros Estados de
quaisquer desastres naturais ou outras emerncias que possam gerar
efeitos nocivos bitos sobre o meio ambiente destes últimos. Todos
os esforços devem ser empreendidos pela comunidade internacional
para auxiliar os Estados afetados.
Prinpio 19
Os Estados devem prover oportunamente, a Estados que pos-
sam ser afetados, notificação prévia e informações relevantes sobre
atividades potencialmente causadoras de considerável impacto
transfronteiro negativo sobre o meio ambiente, e devem consultar-se
com estes tão logo quanto possível e de boa fé.
APÊNDICES
273
Prinpio 20
As mulheres desempenham papel fundamental na gestão do
meio ambiente e no desenvolvimento. Sua participação plena é, por-
tanto, essencial para a promão do desenvolvimento sustenvel.
Prinpio 21
A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo
devem ser mobilizados para forjar uma parceria global com vistas a
alcançar o desenvolvimento sustenvel e assegurar um futuro melhor
para todos.
Prinpio 22
As populações indígenas e suas comunidades, bem como ou-
tras comunidades locais, têm papel fundamental na gestão do meio
ambiente e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e
práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar de forma
apropriada a identidade, cultura e interesses dessas populações e co-
munidades, bem como habilitá-las a participar efetivamente da pro-
moção do desenvolvimento sustentável.
Prinpio 23
O meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos
a opressão, dominação e ocupação devem ser protegidos.
Prinpio 24
A guerra é, por definição, contrária ao desenvolvimento sus-
tentável. Os Estados devem, por conseguinte, respeitar o direito inter-
nacional aplicável à proteção do meio ambiente em tempos de conflito
armado, e cooperar para seu desenvolvimento progressivo, quando
necesrio.
Prinpio 25
A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são
interdependentes e indivisíveis.
Prinpio 26
Os Estados devem solucionar todas as suas controvérsias
ambientais de forma pacífica, utilizando-se dos meios apropriados, de
conformidade com a Carta das Nações Unidas.
Prinpio 27
Os Estados e os povos devem cooperar de boa e imbuídos
de um espírito de parceria para a realização dos princípios
consubstanciados nesta Declaração, e para o desenvolvimento pro-
gressivo do direito internacional no campo do desenvolvimento sus-
tentável.
274
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO
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