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Giovani Rossano Pinotti
Entre o átomo e o bit:
Um estudo da narrativa Neuromancer
em livro e game.
Passo Fundo, Abril de 2010
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO EM LETRAS
Campus I – Prédio B4, sala 106 – Bairro São José – Cep. 99001-970 - Passo Fundo/RS
Fone (54) 3316-8341 – Fax (54) 3316-8330 – E-mail: mestrado[email protected]r
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Giovani Rossano Pinotti
Entre o átomo e o bit:
Um estudo da narrativa Neuromancer
em livro e game.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras, do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas da Universidade de
Passo Fundo, como requisito para obtenção do
grau de mestre em Letras, sob a orientação
do(a) Prof.(a) Dr. Miguel Rettenmaier da Silva.
Passo Fundo
2010
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3
Agradeço ao meu professor e orientador Dr.
Miguel Rettenmaier, por toda a paciência,
impulsos, amparos e amizade no decorrer deste
trabalho; ao Dr. Adriano Teixeira pelas dicas e
elucidações feitas para melhor desenvolver esta
pesquisa, à Dra. Tania Rösing, pelo estímulo no
estudo do tema proposto; aos meus familiares e
amigos pela amizade e pelo carinho que recebi
em todo o decorrer deste trabalho.
A, Amélio, Bobbye, Bruna, meus portos
seguros.
4
When you are interacting with a computer, you
are not conversing with another person. You are
exploring another world.
John Walker
Todo hábito entra na vida como brincadeira, e
mesmo em suas formas mais enrijecidas
sobrevive um restinho de jogo até o final. Formas
petrificadas e irreconhecíveis de nossa primeira
felicidade, de nosso primeiro terror, eis os
hábitos.
Walter Benjamin
No que vos diz respeito, a vós, os escritores,
pensai sempre no seguinte: o leitor é um cavalo
de circo no qual é preciso ensinar a esperar,
após cada tarefa bem feita, um pedaço de açúcar
como recompensa. Se o pedaço de açúcar falta,
nada sobra da lição. Quanto aos que julgam um
livro, os críticos literários, são como os maridos
traídos: sempre os últimos a ficarem sabendo...
Milorad Pavitch
5
RESUMO
Entre o átomo e o bit: Um estudo da narrativa Neuromancer em livro e game
pretende refletir sobre a interação do ser humano com a tecnologia, a partir do
romance Neuromacer, de Willian Gibson, publicado no início da década de 80, e o
game de computador de mesmo nome, posteriormente desenvolvido. Desse modo, a
pesquisa busca interpretar duas formas de narrativas distintas, unidas por um
mesmo nome, um mesmo protagonista, um mesmo cenário, contudo em eixos
distintos: um estabelecido pelo impresso (átomo), outro ampliado pela interatividade
em um game de computador (bit). Nesse sentido serão observados aspectos
relativos à leitura em uma feição hipermidial, da mesma forma como serão
observadas questões sobre o conhecimento imersivo e colaborativo mediado pela
tecnologia.
Palavras-Chave: William Gibson, neuromancer, distopia, leitor, tecnologia
6
ABSTRACT
Between the atom and the bit: A study of narrative and the novel Neuromancer game
to reflect on the interaction of humans with technology, from the novel Neuromacer,
by William Gibson, published in the early 80's computer game and the same name,
subsequently developed. Thus, two ways to interpret separate narratives united by
the same name, same protagonist, same scenario, but in different directions: one
established by the form (atom), one enhanced by interactivity in a computer game
(bit). In this sense be observed aspects of reading in a feature hipermidial likewise be
seen as questions about the knowledge and collaborative immersive mediated by
technology.
Keywords: William Gibson, Neuromancer, dystopia, reader, technology
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – A evolução de um simples joystick até um capacete de controle neural.. 62
Figura 2 – Evolução (upgrade) da personagem Mário da Nintendo em praticamente 3
décadas de desenvolvimento. ................................................................................. 62
Figura 3 (screen shot game) - Tela principal de entrada do jogo que reproduz a
música da banda Devo ............................................................................................. 70
Figura 4 - Code Wheel, com as senhas do jogo............................................................ 70
Figura 5 (screen shot game) - Case interagindo com um dos cidadãos de Chiba City
..................................................................................................................................... 71
Figura 6 (screen shot game) - Ao fundo entre o balcão do bar e a janela uma PAX
BBS............................................................................................................................. 72
Figura 7 (screen shot game) - Exemplo do Holodeck disposto no game Neuromancer,
onde uma base é circundada por uma ICE. No screen shot da tela há o menu de
combate às ICE disposto de maneira centralizada e sobreposto à barra de
menus na parte inferior da tela do jogo................................................................... 73
Figura 8 (screen shot game) - Momento de combate com uma AI proposto pelo
game, no menu disposta na parte inferior ao centro, opções de combate são
dispostas. ................................................................................................................... 75
Figura 9 (screen shot game) - Fachada da Body Shop ................................................ 75
Figura 10 (screen shot game) – Compra e venda de partes de corpos humanos em
uma Body Shop ......................................................................................................... 76
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI – Artificial Inteligence
CD-ROM – Compact Disc Randomic
Sci-Fi – Ficção científica
MP3, MP4, MP15 – Multimítida Player
TV - Televisor
Moodle - Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment
9
SUMÁRIO
Introdução .......................................................................................................................... 10
1 O novo leitor: tecnologia e conhecimento ................................................................... 13
1.1 O leitor real: a interação ............................................................................................. 15
1.2 O leitor virtual: a hominização ................................................................................... 21
1.3 O leitor e o conhecimento: a conexão ......................................................................... 27
1.4 Interagir, hominizar e conectar ................................................................................... 31
2 (.0?): Mundo real ou imaginário? ................................................................................. 33
2 (.0?).1 Concepções acerca do Real/Virtual................................................................. 35
2.1 A Ficção Científica, o mundo do amanhã ................................................................... 36
2.1.1 A paisagem cyberpunk......................................................................................... 38
2.1.2 A narrativa cyberpunk ......................................................................................... 43
2.1.3 William Gibson e a influência na contemporaneidade.......................................... 46
2.2 Neuromancer, a linha tênue que separa realidade e fantasia ........................................ 48
2.3 Visões do paraíso tecnológico: a utopia da engenharia? Pesadelo do real?.................. 55
3. Videogame, o mundo do agora ................................................................................... 60
3.1 A (re)volução das espécies tecnológicas ..................................................................... 61
3.2 Gamecultura, interação e imersão hipermidial ............................................................ 63
3.3 Game e juventude, o homo zappiens (leitor/jogador, jogador/leitor) ........................... 66
3.4 Neuromancer, um jogo distópico? .............................................................................. 69
Considerações finais parciais: Entre o átomo e o bit .................................................... 79
Referências Bibliográficas................................................................................................ 84
10
Introdução
A tecnologia, atualmente, se encontra em praticamente todas as esferas da
sociedade. O sujeito da atualidade pós-moderna é essencialmente alguém
estabelecido entre inúmeras ferramentas, entre múltiplas mídias. As relações
humanas estão em um momento no qual os meios de comunicação e de informação
ingressaram no contexto social e intersubjetivo a ponto de fazerem-se mais do que
pontes e acessos. O meio passa a ser parte viva e ativa das subjetividades. O ser
humano construiu um mundo de conexão e de ubiquidade possibilidade de estar
em vários lugares ao mesmo tempo –, e mesmo assim, reelabora-se como ser, cada
vez mais social, mais dependente, mais linkado ao outro, à máquina, à rede, à Matrix,
à nuvem.
As aparentes facilidades dessa nova conjuntura, na qual os indivíduos se
desterritorializam ao toque de um enter”, contudo, apresentam seu preço: a
necessidade de pensarmos conscientemente nossa relação com tecnologia termo
tão usual, porém com uma significância muito especial, pois engloba todo o
conhecimento técnico e científico e as ferramentas, processos e materiais criados e
a ainda utilizados a partir de tal conhecimento.
Temos a nossa maneira de ler e interpretar os textos que povoam nuvens de
significado, assim, a presente dissertação busca refletir sobre a interação do ser
humano com a tecnologia, a partir de duas narrativas dispostas em dois suportes
distintos: o romance Neuromacer, de Willian Gibson, publicado no início da década
de 80 e o game de computador de mesmo nome, posteriormente desenvolvido.
Neuromacer, de Willian Gibson, é uma narrativa distópica de ficção científica.
No itinerário de previsões futuras, própria a algumas narrativas do gênero,
focalizando um mundo automatizado pela tecnologia avançada de comunicação, de
navegação interplanetária, de contatos mediados por dispositivos tecnológicos
sofisticados, a narrativa de Gibson surge como uma contraface de um cenário cujos
avanços da eletrônica e da cibernética poderiam aperfeiçoar-se à maior harmonia
11
possível entre os seres humanos. Contrariamente à ficção científica clássica ou à
tradicional, do fim do século XIX e da primeira metade do século XX, o mundo de
Neuromacer surge dominado pelo caos, pelas relações sociais doentias, pela
violência extrema, gratuita, tecnicamente desenvolvida em múltiplos e letais
instrumentos. Acrescenta-se ao mundo degradado de Gibson, contudo, outro
elemento: o ciberespaço: vivo, ameaçador e real!
O jogo Neuromacer, por sua vez, nasce de uma circunstância peculiar nos dias
de hoje. A necessidade dos leitores de interagir na ação, no enredo, em uma
imersão apenas possível pelo advento das tecnologias informatizadas. Em frente à
tela, um Case, protagonista do livro e do jogo, transita pelos perigos e pelas
múltiplas alternativas que a ele se oferecem no desafio constate de permanecer no
jogo e, assim, viver. Leitor e jogador passam a ser Case. Case é leitor e o jogador
impelidos pelo jogo. Se o romance, como gênero, trata de um personagem em busca
de algo, no game, quem busca sobreviver é quem joga, quem opera Case.
Tendo em vista a riqueza das relações possíveis entre livro e jogo, esse
trabalho buscará interpretar comparativamente essas duas narrativas distintas,
unidas por um mesmo nome, um mesmo protagonista, um mesmo cenário, contudo
em eixos distintos: um estabelecido pelo impresso, outro ampliado pela
interatividade.
Para tanto será discutida a leitura em seus aspectos cognitivos e sociais e em
seus múltiplos estatutos, orientados pela diversidade de suportes e linguagens. Será
observado o leitor em uma nova condição, condicionado pela interação, pela
conexão e pela hominização, em perspectivas teóricas que tentam vislumbrar na
rede (ou na nuvem) uma nova possibilidade de socialização entre os seres
(humanos e não-humanos).
Na primeira parte deste trabalho, sediscutida a interação do sujeito com a
tecnologia, mediante a leitura. Para tanto, a noção de interação das teorias de
Angela Kleiman será confrontada com as novas concepções de interação (e
interatividade) de Antônio Xavier. Posteriormente será tratada a hominização dos
sujeitos, a qual relaciona a emancipação desses sujeitos à luz da razão e das
tecnologias, conforme principalmente as teorias de Pierre Lévy. Adiante, em diálogo
com as teorias de aprendizagem de George Siemens, trata-se o conectivismo como
teoria de aprendizagem eficaz para o contexto social em que a tecnologia se
manifesta.
12
As reflexões sobre a relação entre sujeitos e as máquinas compõem as
preocupações desse trabalho, contudo são aspectos que a literatura, desde o final
do século XIX, tem apresentado, sobretudo, através da ficção científica. Para tanto,
será discutida a ficção científica como gênero na segunda parte desse estudo. Será,
assim, debatida a ficção científica como nero, delimitando as reflexões no
subgênero específico o cyberpunk. Tal abordagem, alicerçada em teorias de
aprendizagem colaborativa em meios tecnológicos e na discussão sobre um gênero
literário no qual a tecnologia é centro e problema, permite que possamos
posteriormente, na segunda parte do trabalho, interpretar tanto a narrativa impressa
de William Gibson, o livro Neuromancer, quanto a narrativa virtual, de mesmo nome,
disposta no jogo, na terceira parte desse trabalho.
Esse estudo, estabelecido nas limitações próprias de uma dissertação de
mestrado, é uma tentativa de relacionar o que hoje parece incompatível. Quando se
trata de leitura, seja na escola, seja na academia, aparentemente se restringe o ato
de ler ao que os espaços institucionalizados consagraram como legítimo. Não é
comum disciplinas no âmbito da universidade tratarem de ficção científica, da
mesma forma como, na escola, não é comum a leitura de livros que não componham
um restrito corpus de leituras recomendadas. Isso, em correspondência com a leitura
em outros códigos, torna ainda mais inexistente, na sala de aula, tanto o computador
como o game. Desse modo, o que se pretende com este trabalho é traçar um caráter
hermenêutico-argumentativo-interpretativo em suportes distintos. É fundamental
pensar que o game de computador é parte da conjuntura atual, da mesma forma que
ficção pejorativamente chamada de “de entretenimento”. Esta retratara e, até hoje,
discute, com veemência às vezes, as angústias da natureza humana.
Unir o incompatível é o que se pretende aqui. Pensar a página e a tela, pensar
a leitura e o jogo como partes de uma mesma cultura hipermidial.
13
1 O novo leitor: tecnologia e conhecimento
O futuro já chegou, e consigo trouxe o caos e a efemeridade das informações.
As pessoas estão expostas diariamente aos diversos tipos de mídia disponíveis
rádio, TV, Internet, impressos –, fazendo com que o desinteresse seja um fator de
risco quando se trata de novas estratégias de leitura.
Quando se pensa em leitura, instituições de ensino de modo geral, ainda não
convergiram para o mundo do pós-modernismo umas por falta de recursos
financeiros e outras por falta de recursos humanos capacitados –, o que dificulta o
desenvolvimento de uma pauta para a compreensão da leitura em diferentes
plataformas. Orlandi (2000), ao refletir sobre a leitura, afirma:
A convivência com a sica, a pintura, a fotografia, o cinema, com outras
formas de utilização do som e com a imagem, assim como a convivência
com as linguagens artificiais poderiam nos apontar para uma inserção no
universo simbólico que não é a que temos estabelecido na escola. Essas
linguagens todas não são alternativas. Elas se articulam. E é essa
articulação que deveria ser explorada no ensino da leitura, quando temos
como objetivo trabalhar a capacidade de compreensão do aluno. (p. 40)
Podemos considerar o contexto vigente como o de uma sociedade hipermidial,
na qual o leitor adquire funções sociais muito relevantes, em um processo ativo de
participação que faz da leitura uma atividade que torna o sujeito. Segundo
Marcondes (2003), alguém “psicologicamente disposto a fazer perguntas, buscar
respostas e, preferencialmente, saber onde encontrá-las. (p. 10). Deste modo, o
leitor assume a função interpretativa do texto ao questionar, pensar e agir de
maneira crítica.
Alguns teóricos dentre eles Henry Giroux (1997) acreditam que o contexto das
tecnologias ingressa na vida do sujeito fazendo acender o alerta do receio de que
possamos, em lugar de aprimorar as capacidades humanas, automatizar-nos como
parte de dispositivos desprovidos de alma. Pior do que isso, a civilização eletrônica
reanima os velhos receios do início da revolução industrial, quando seres humanos
são substituídos no trabalho diariamente pela evolução do uso da tecnologia de
massa, da robótica de alta tecnologia, das redes de comunicação e tecnologias
14
computacionais que se apossam do processo econômico mundial e,
consequentemente, minimizam o espaço da participação humana nos processos.
Neste aspecto, Giroux (1997) alerta sobre o caráter ambíguo da tecnologia:
Por um lado, o desenvolvimento crescente da ciência e tecnologia oferece a
possibilidade de libertar os seres humanos do trabalho desumanizador e
exaustivo. Esta liberdade, por sua vez, oferece à humanidade novas
possibilidades de desenvolvimento e acesso a uma cultura que promove
uma sensibilidade mais crítica e qualitativamente discriminatória em todos
os modos de comunicação e experiência. Por outro lado, o desenvolvimento
da tecnologia e da ciência, construído conforme as leis da racionalidade
capitalista, introduziu formas de domínio e controle que parecem mais se
opor do que ampliar as possibilidades de emancipação humana. (p.111)
A tecnologia, por outro lado, altera também a nossa maneira de ser, o mundo e
as coisas do mundo. Os leitores diariamente são bombardeados excessivamente
com informação, devido a quantidade destas e sem a necessária reflexão, juntada a
velocidade e a efemeridade das informações veiculadas, acaba gerando, na maioria
das vezes, falta de atenção por parte do receptor, situando-o quase em uma posição
de analfabetismo. Acreditando na mídia impressa como instrumento de emancipação
intelectual, Giroux (1997), entende o analfabetismo como falta de capacidade
avaliativa e crítica diante dos diversos tipos de textos. Para ele o excesso de dia
serve para embaçar o pensamento reflexivo e enfraquecer a visão crítica do
mundo:
Se a cultura visual no contexto da sociedade ameaça a auto-reflexão e o
pensamento crítico, teremos que redefinir nossas noções de alfabetismo e
confiar muito na cultura impressa para ensinar às pessoas os rudimentos do
pensamento crítico e da ação social. (p.120).
Contudo, a compreensão e a interpretação no ato de ler é o que possibilita a
um leitor experiente julgar irrelevante num texto aquilo que a outro leitor inexperiente
causaria surpresa ou até mesmo espanto. O leitor terá dificuldade na compreensão
de um texto quando a assimetria entre ele e o autor for muito marcante. Quando não
se dá a compreensão, não é possível a interpretação, por isso, um texto depende de
outros textos, que na atualidade são estabelecidos em múltiplos suportes o que
gera a facilidade de aquisição de diversas leituras –, e presentes no próprio
repertório do leitor geram o hipertexto quando o leitor consegue aproximar os
diferentes tipos texto em torno de um mesmo foco. Assim, na posição de leitor, é
15
possível dizer que os textos dialogam entre si, conforme comenta o pesquisador em
didática funcional Gerard Vigner (1997).
Um texto será então, legível por um lado, porque funciona segundo leis,
esquemas, de que dispõe o leitor (...) e, por outro lado, porque se
como reescritura de outros textos, levando assim em conta a experiência
anterior do leitor. (p. 35)
O cenário hipermidial e o cultural, dentro do contexto educacional e sob a ótica
da transdisciplinaridade, permitem o intercâmbio entra as diferentes áreas do
conhecimento humano. Compreender as hipermídias presentes no cotidiano e inseri-
las na escola permite aos profissionais da educação contextualizar o conhecimento e
dar novos significados às mídias, desta forma proporcionariam oportunidades e uma
visão do todo. Segundo Morin (2002):
O círculo da docência não deveria fechar-se, como uma cidadela sitiada,
sob o bombardeio da cultura de mídia, exterior à escola, ignorada e
desdenhada pelo mundo intelectual. O conhecimento dessa cultura é
necessário o para compreender os processos multiformes de
industrialização e supercomercialização culturais, mas também o quanto
das aspirações e obsessões próprias a nosso espírito da época” é
traduzido e traído pela temática das mídias. A esse propósito, em vez de
ignorar as séries de televisão enquanto os alunos se instruem por elas –,
os professores mostrariam que por meio de convenções e visões
estereotipadas, elas falam, como a tragédia e o romance, das aspirações,
temores e obsessões de nossas vidas: amores, ódios, incompreensões,
mal-entendidos, esperança, desespero, poder, traição, ambição, engodo,
dinheiro, fugas, drogas. (p. 80)
A modernidade traz um grande desafio à formação dos leitores, pois a
compreensão da complexidade dos fatos, articulação de novos saberes e integração
dos contextos que fazem parte de um quadro externo mais amplo, obriga as pessoas
a construir o conhecimento travando um diálogo entre objetividade e subjetividade,
vislumbrando uma ponte entre o mundo hipermidial, tecnológico e a leitura.
Portanto, a evolução do conceito de leitor é acompanhada pela evolução do
conceito de leitura ao formar um sujeito que faz a construção de sentidos do texto,
para interpretar as suas relações com o mundo e recriá-lo.
1.1 O leitor real: a interação
No ano de 1993, o mercado editorial foi surpreendido pela ação de um
computador que, com o uso de um software que simula uma inteligência artificial,
16
gerou um romance que em sua “primeira edição vendeu 15 mil cópias e recebeu
críticas favoráveis”.
1
A inteligência artificial foi programada por Scott Finch para trabalhar em um
computador Macintosh. A mesma transformou um texto “inicialmente com três
quartos de prosa”
2
em um romance intitulado Just This Once, um texto simples e
inteligível. Segundo Rifkin (1995):
Embora o editor do livro, Steven Schraggs, do Carol Publishing Group, se
abstivesse de elogiar o autor de silício, disse que estava certo de que esse
tipo de esforço pioneiro levaria a contribuições literárias mais significativas
no futuro. “Não estou dizendo que esta seja uma grande obra literária”,
admitiu Schraggs, “mas é tão boa quanto uma centena de outros romances
publicados esse ano.” O editor disse que se sentia orgulhoso por estar
envolvido num projeto que “estava na fronteira da utilização literária da
inteligência artificial”. (p. 173)
Desse modo quando a tecnologia inteligente é inserida nos contextos da vida
do ser humano, altera-se completamente o seu cotidiano e as suas relações
pessoais e de mundo. A interação imersiva do homem com a tecnologia faz com que
as fronteiras do real sejam abolidas, tudo está convergindo para a realidade virtual.
Tal interação se dá a partir dos esforços do homem em adaptar ferramentas, armas
e utensílios às suas necessidades e características, pois, o constante processo de
transformar e interpretar informações sensoriais, o sujeito é exposto a estímulos
peça fundamental para desenvolvimento da aprendizagem, e elemento chave da
interação com a tecnologia.
Desse modo, Luckin (1996), compreende a construção ativa da aprendizagem
subordinada ao desenvolvimento que está também atrelada a busca do
conhecimento, segundo o autor, “a interação com a realidade física, onde a
internalização acontece em termos de esquemas [....] refletem regularidades em
uma ação física individual.”(p. 1)
3
Os reflexos do mundo do pós-moderno o as mudanças nas relações sociais
e na identidade das pessoas, subjetividade, tempo e espaço alterados rapidamente,
onde o consumo passa a ser excessivo e o deslocamento das práticas de leitura
1
Cf. “Potboiler Springs Form Computer´s Loins”, New York Times, 02 de julho de 1993, p. D16 e “Soft Porn from
Software: Computer Churns Out a Slacious Novel”, International Herald Tribune, 05 de julho de 1993, p. 3 .
2
Ibid, referência 1
3
Interaction with physical reality, where internalization occurs in terms of schemes [....] reflect regularities in an
individual physical action.
17
da mídia impressa para as telas –, faz dos fragmentos a base das informações.
Assim, as práticas de leitura e de escrita, sofrem mudanças significativas,
interferindo no comportamento dos leitores. Ou seja, a leitura toma nuances
divergentes interpretar um texto que num primeiro instante é um ato solitário e
subjetivo, passa a ser algo coletivo.
A interação, contudo, é parte da compreensão, quando ler passa a ser um jogo
dialógico entre o leitor e autor, mediado pelo texto. Ler é reconstruir a coerência do
texto em um processo de recontextualização. Na medida em que se expõem textos
para as pessoas, estas são convidadas a acionar o seu conhecimento prévio e
descobrir os diferentes nuances que um texto traz. Isso demonstra um compromisso
com a construção de um conhecimento autêntico, para buscar a transformação das
realidades onde as pessoas estão, ligando o conceito da palavra transformação, que
corresponde à compreensão crítica da realidade vivida. Nesta perspectiva, Paulo
Freire (1994), expõe que o conhecimento prévio ou por ele chamado de “leitura de
mundo, precede a leitura do texto, chamado por ele de “leitura da palavra, quando
afirma que:
toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do mundo, e toda
leitura da palavra implica a volta sobre a leitura no mundo, de tal maneira
que ler mundo e ler palavra se constituíam um movimento em que o
ruptura, em que você vai e
volta. (p.15).
Nesta mesma perspectiva, Freire (1986) continua quando aponta que a escola
não tem oportunizado este movimento sem ruptura entre o ato de ler o mundo e o
ato de ler a palavra causando assim uma dicotomia:
O que é que eu quero dizer com dicotomia entre ler as palavras e ler o
mundo? Minha impressão é que a escola está aumentando a distância entre
as palavras que lemos e o mundo em que vivemos. Nessa dicotomia, o
mundo da leitura é o mundo do processo de escolarização, um mundo
fechado, isolado do mundo onde vivemos experiências sobre as quais o
lemos. Ao ler palavras, a escola se torna um lugar especial que nos ensina
a ler apenas as 'palavras da escola', e não as 'palavras da realidade'. O
outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo da vida, o mundo no quais os
eventos estão muito vivos, o mundo das lutas, o mundo da discriminação e
da crise econômica (todas essas coisas estão aí), não tem contato algum
com os alunos na escola através das palavras que a escola exige que eles
leiam. Você pode pensar nessa dicotomia como uma espécie de 'cultura do
silêncio' imposta aos estudantes. A leitura da escola mantém silêncio a
respeito do mundo da experiência, e o mundo da experiência é silenciado
sem seus textos críticos próprios. (p. 164).
18
Desse modo, para eliminar esta dicotomia entre ler a palavra e ler o mundo, é
fundamental oportunizar a leitura em todos ambientes possíveis, pois dessa forma
se proporciona o desenvolvimento de diversos níveis de conhecimento, que
interagem diretamente com a leitura. Nesta perspectiva, Angela Kleiman (1995)
expõe:
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele
sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a
interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento
lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue
construir o sentido do texto. É porque o leitor utiliza justamente diversos
níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um
processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento
do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão. (p. 13)
A compreensão de textos está relacionada à forma como o homem constrói o
seu conhecimento, o qual entra em jogo no momento da leitura. alguns fatores
relevantes para a compreensão de textos, que se iniciam desde o conhecimento da
língua na qual o texto está escrito, o vocabulário adquirido e as regras gramaticais.
O não conhecimento de algum desses elementos, comprometem a compreensão do
texto por parte do leitor, o que Kleiman (1995) chama de conhecimento linguístico:
O conhecimento linguístico desempenha um papel central no
processamento do texto. Entende-se por processamento aquela atividade
pela qual as palavras, unidades discretas, distintas, são agrupadas em
unidades ou fatias maiores, também significativas, chamadas constituintes
da frase. À medida que as palavras são percebidas, a nossa mente está
ativa, ocupada em construir significados, e um dos primeiros passos nessa
atividade é o agrupamento em frases (daí essa parte do processamento
chamar-se segmentação ou fatiamento) com base no conhecimento
gramatical de constituintes: o tipo de conhecimento que determina o artigo
precede o nome e se combina com adjetivo [...], assim como verbo com
nome [...] e assim sucessivamente. Este conhecimento permitirá a
identificação de categorias (como, por exemplo, sintagrama nominal), e das
funções desses segmentos ou frases (como sujeito, objeto) identificação
estaque permitirá que esse processamento continue, até se chegar,
eventualmente, à compreensão. (p. 14-15)
Quando o leitor tem certas carências interpretativas de um texto recorre a
conhecimentos paralelos conhecimento prévio –, que fazem interações aos
conhecimentos linguísticos, conforme Kleiman (1995) explica no trecho abaixo:
Quando há problemas no processamento em um nível, outros tipos de
conhecimento podem ajudar a desfazer a ambiguidade ou obscuridade,
num processo de engajamento da memória e do conhecimento do leitor que
é, essencialmente, interativo e compensatório; isto é, quando o leitor é
incapaz de chegar à compreensão através de um nível de informação, ele
19
ativa outros tipos de conhecimento para compensar as falhas
momentâneas.
O conhecimento linguístico, então, é um componente do chamado
conhecimento prévio sem o qual a compreensão não é possível. (p. 16)
Existe ainda um conjunto de noções e conceitos sobre o texto que
desempenham um papel importante na compreensão. É o conhecimento textual, ou
seja, as diferentes formas de apresentação de um texto e as formas de discurso
(narrativa, expositiva, descritiva). Desse modo, a ativação do conhecimento prévio,
tanto no conhecimento linguístico como no textual, é relevante para que o leitor
desenvolva a compreensão. Além destes conhecimentos anteriormente citados,
existem mais dois conhecimentos interessantes, o conhecimento de mundo que
expressa as nossas experiências feitas através do convívio social, cuja ativação é
feita em situações em que comentários sobre o assunto sejam relevantes – ou como
Kleiman (1995) explica que, “esse conhecimento permite uma grande economia e
seletividade, pois ao falar, ou escrever, podemos deixar implícito aquilo que é pico
da situação, e focalizar apenas o diferente, o memorável, o inesperado(p. 23), e o
conhecimento parcial conhecimento ativado ao vermos situações e eventos
referentes ao nosso cotidiano e cultura, que ao nos comunicar, podemos esperar a
compreensão do outro sobre as nossas inferências sobre o assunto. Nas palavras
de Kleiman (1995), “nos permite economia e seletividade na codificação de nossas
experiências, isto é, no uso das palavras com as quais tentamos descrever para
outro as nossas experiências; podemos lexicar uma série de impressões, eventos
discretos através de categorias lexicais mais abrangentes e gerais e ficar
relativamente certos de que o nosso interlocutor nos compreenderá” (p. 23).
Desse modo, a leitura é um processo interativo, pois o leitor utiliza o
conhecimento prévio que é adquirido por todas as experiências e pelo conhecimento
reunido ao longo de sua vida. Da mesma forma, Kleiman (1995) afirma que:
A ativação do conhecimento prévio é, então, essencial à compreensão, pois
é o conhecimento que o leitor tem sobre o assunto que lhe permite fazer
inferências necessárias para relacionar diferentes partes discretas do texto
num todo coerente. Esse tipo de inferência, que se como decorrência do
conhecimento de mundo e que é motivado pelos itens lexicais no texto é um
processo inconsciente do leitor proficiente. (p. 25)
Nessa perspectiva, a leitura não se faz apenas como um processo de
decodificação. Além desta o uso da ação de se extrair significados, o implícito e
20
explícito do texto que envolve uma interação entre dois sujeitos (o autor e o leitor)
deve ser instrumentalizado. Nas palavras de Koch (2002):
A atividade de interpretação do texto deve sempre fundar-se na suposição
de que o produtor tem determinadas intenções e de que uma compreensão
adequada exige, justamente, a captação dessas intenções por parte de
quem lê: é preciso compreender-se o querer dizer como um querer fazer. (p.
160)
Portanto o leitor é um sujeito ativo que, através de seu conhecimento de leitura
de mundo, participa na construção do significado do texto, onde busca as intenções
do autor, e se torna participante da interação comunicativa. Essa interação ocorre
porque, segundo Silva (1991) “a leitura não se configura como um processo passivo
[...]. Por exigir descoberta e re-criação, a leitura coloca-se como produção e sempre
supõe trabalho do sujeito-leitor [...], então o leitor, além de partilhar e recriar
referenciais de mundo, transforma-se num produtor de acontecimentos, em função
do aguçamento da compreensão e de sua consciência crítica” (p. 25). Assim a
inferência, segundo Marcuschi (1985), permite “construir novas proposições a partir
de outras dadas” (ibid, p. 25). Desse modo, o posicionamento crítico se a partir
da interação do texto com o leitor, na qual este fará a reconstrução significativa
como pré-requisito para posicionar impressões acerca das intenções do autor.
Antonio Carlos Xavier tem uma perspectiva diferenciada de interação com o
texto. Sua perspectiva se orienta para a leitura na rede mundial de comutadores, em
um novo, a web 2.0, quando se permite múltiplas formas de leitura e se gera uma
relação interativa entre os seres humanos e a tecnologia. Nesse novo contexto é
criada uma forma de relação entre pessoas intermediada por máquinas, com
elementos de colaboração e cooperação entre os indivíduos em ambientes como,
por exemplo, fóruns de discussão on-line ou ambientes virtuais de aprendizagem
softwares que auxiliam na montagem de cursos acessíveis pela Internet, como por
exemplo o Moodle
4
e o TelEduc
5
. Nesse sentido, Xavier (2007)
6
, aponta como
conceitos de interação:
Uma chance de aumentar a capacidade cognitiva e comunicativa, que
para criar novos mundos e compartilha-lhos é preciso montar raciocínios
4
http://moodle.org/
5
http://www.teleduc.org.br/
6
Artigo disponível na integra em <http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Hiperleitura-Interatividade-na-Web.pdf>
Consultado dia: 20/09/2009
21
lógicos por meio de inferências, ativar dados armazenados na memória;
estimular a imaginação e articular diferentes linguagens disponíveis ao
homem. (p. 40)
No que tange a proficiência do leitor, feita pelas inferências e leitura de mundo,
Xavier (2007), revela que este quando “maduro”, é alguém com “autonomia de
aprendizagem; criticidade sobre conceitos e definições a ser aprendidos; criatividade
para utilizar os conceitos e definições e, situações não previstas. (p. 42).
Reconstruir as informações que são captadas na grande via da informação, a
Internet, faz com que o leitor desse novo contexto tecnológico aumente as suas
capacidades cognitivas, gerando links, ou seja, ligações para seus conhecimentos
de mundo adquiridos por toda a vida. E sobre essa expansão intelectual gerada pela
facilidade da leitura que a Internet traz a tona, Xavier (2007) explica que:
O aumento da atividade intelectual nas ações realizadas na web parece não
somente inegável como também inescapável a qualquer sujeito que dela
faça uso. No espaço digital lê-se e escreve-se com voracidade e intensidade
inéditas. De todas as possibilidades de atividade cognitivas, a leitura é a
primeira e a mais freqüente quando se acessa a grande rede; é a matriz
para a ativação de várias outras ações. (p. 45)
Xavier ainda aponta que as máquinas multimídia têm condições de convergir
ações de interatividade, ambientando esse novo leitor nas dinâmicas da Internet,
que permitem ao leitor ser um autor e exercer a sua liberdade de expressão e
colaboração ao fazer uso de ferramentas computacionais. Esse leitor, ambientado
à tecnologia, alicerça sua aprendizagem através de práticas que o permitam adaptar
a sua cognição às tecnologias de informação e comunicação da contemporaneidade,
protagonizando a capacidade crítica e criativa neste contexto virtual de colaboração
implementado pela sensibilidade humana.
A humanidade tem medos e receios quanto ao avanço tecnológico. O medo
das pessoas sobre desenvolvimento tecnológico reside no fato de que este traga
progressivamente a destruição da natureza e também a alienação do homem.
Premissas essas que resultaram em um ambiente perfeito para o desenvolvimento
da ficção distópica.
1.2 O leitor virtual: a hominização
As sociedades modernas que pregam a liberdade e o desenvolvimento dos
seres, com o passar das décadas têm se alienado com os meios de produção e
22
comunicação, que as orientam para o consumo. Teixeira (2003) descreve esses
aspectos quando analisa a seguinte premissa:
Os homens, mesmo nas horas de lazer e entretenimento, são
condicionados a consumir produtos oferecidos pelos meios de comunicação
de massa televisão e rádio. A sociedade moderna prega a liberdade e a
autonomia dos homens através do desenvolvimento da ciência, no entanto
o investimento em pesquisa, principalmente nos países em
desenvolvimento, é mínimo, e os governos optam pela importação da
tecnologia dos países desenvolvidos. Com isso, não se produz pesquisa de
interesse social e, muito menos, se produz tecnologia. (p. 38)
Todo o desenvolvimento tecnológico do mundo contemporâneo se a partir
do início das civilizações, quando os seres humanos ainda criavam utensílios como
ferramentas de sobrevivência e de domínio, o que se convencionou chamar de
técnica. O desenvolvimento da técnica acontece a partir do momento em que o
homem consegue transformar os objetos e utensílios, lhes dando intencionalidades.
Sobre a intencionalidade, Milton Santos (1988), sugere que “[...] o homem vai
impondo à natureza suas próprias formas, a que podemos chamar de formas ou
objetos culturais, artificiais, históricos.” (p. 89), onde tais objetos culturais
proporcionem que:
A natureza conheça um processo de humanização cada vez maior,
ganhando a cada passo elementos que o resultado da cultura. Torna-se
cada dia mais culturalizada, mais artificializada, mais humanizada. O
processo de culturalização da natureza torna-se, cada vez mais, o processo
de sua tecnificação. As técnicas, mais e mais, vão incorporando-se à
natureza e esta fica cada vez mais socializada, pois é, a cada dia mais, o
resultado do trabalho de um maior número de pessoas. Partindo de
trabalhos individualizados de grupos, hoje todos os indivíduos trabalham
conjuntamente, ainda que disso não se apercebam. No processo de
desenvolvimento humano, nãouma separação do homem e da natureza.
A natureza se socializa e o homem se naturaliza. (ibid. p. 89).
Desse modo, fazendo uso das capacidades cognitivas com as suas criações,
os seres humanos facilitavam e mudavam as suas formas de viver. Teixeira (2003)
afirma que “a razão seria o instrumento da emancipação humana” (p. 37), uma vez
que é neste momento em que o homem toma a consciência de sua razão e toma as
rédeas do destino e busca a sua autonomia. Porém, segundo Teixeira (ibid, p. 37),
o desenvolvimento da ciência exerceu a dominação e o controle sobre a natureza e
sobre os próprios homens”, onde a razão emancipatória dos seres humanos, a qual
23
os conduziria à autonomia e autodeterminação, segundo Horkheimer e Adorno
(1985), se transformou em razão instrumental, através da técnica:
A naturalização dos homens hoje em dia não é dissociável do progresso
social. O aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as
condições para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho
técnico e aos grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa
sobre o resto da população. O indivíduo se anulado em face dos poderes
econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a
natureza a um nível jamais imaginado. (p. 14)
Horkheimer e Adorno (1985) prevêem a emancipação do homem através da
razão objetiva, porém, Habermas (1990) acredita que a emancipação se pela
razão comunicativa mediada pela linguagem:
O conceito de entendimento possui conteúdo normativo, que ultrapassa o
nível da compreensão de uma expressão gramatical. Um falante entende-se
com outro sobre uma determinada coisa. E ambos podem visar tal
consenso se aceitarem os proferimentos por serem válidos, isto é, por
serem conformes à coisa. (p. 76)
Desse modo, Habermas (1990) pensa que o debate consensual seria uma
forma válida de desenvolvimento do homem, pois estes poderiam questionar e
argumentar acerca da verdade, buscando um entendimento consensual, quando
estes se encontram nas mesmas condições de entendimento sobre os assuntos.
Nesse sentido, a relação entre a técnica e a sociedade forma um processo
amplo, composto por um fenômeno técnico de proporções globais que é, na
atualidade, a cibercultura, ou nas palavras de André Lemos (2004a): “A cultura
contemporânea associada às tecnologias digitais [...], vai criar uma nova relação
entre a técnica e a vida social que chamaremos de cibercultura” (p. 15).
A determinação das sociedades em busca de sua autonomia gerou no mundo
contemporâneo alguns efeitos nefastos, que ocorreram a partir do uso da técnica.
Dentre eles a individualização dos seres, a dependência técnica, a dominação social
exercida pela técnica, desencantamento com o mundo e o esgotamento do sonho
tecnológico, confirmado por Lemos (2004) ao citar que “a tecnologia que foi o
principal instrumento de separação, de alienação, do desencantamento do mundo
[...] e do individualismo positivista” (p. 16), ou seja, a dominação técnica do social
gera individualismos, criando um “constrangimento social exercido por uma moral
burguesa e uma ética da acumulação” (ibid, p. 16), que na perspectiva de Max
Weber, citada por Lemos (2004a) quando define:
24
A modernidade como processo de racionalização da vida social no término
do século XVII. Este processo abriu vias para a industrialização e a
modernização global do Ocidente, sendo um processo global, integrando a
economia capitalista, o Estado Nação, a administração científica do trabalho
e da produção, o desenvolvimento industrial e tecnológico. São criadas na
sinergia de racionalidade e emancipação, as condições de uma
administração racional da vida social. Deve-se depreciar as tradições,
gerando uma transformação radical das condições de existência. A
modernidade é inexoravelmente utópica, alimentando a esperança
(crença?) no controle, domínio e domesticação racional, científica e técnica
das forças naturais. (p. 61)
Atualmente a forma cultural da tecnologia é composta por relações sociais
complexas que, segundo Lemos (2004), “a atitude dispersa, efêmera e hedonista da
sociedade contemporânea vai marcar, de forma constitutiva, a cibercultura(p. 18).
Isso faz com que as formas de estar com outros seres humanos, formas estas que
dirigem a nossa vida social, se modifiquem e encontrem a sua correspondência no
mundo virtual ao nos agregarmos em comunidades, fóruns de discussões,
ambientes virtuais de aprendizagem, etc.
A teoria anteriormente comentada abre a perspectiva de hominização do ser.
Não existe superioridade ou inferioridade entre os seres, pois as construções
cognitivas vivenciadas ao longo da vida do sujeito, além do ambiente social e
cultural que este vive, influenciam o processo de hominização. Conforme Leontiev
(1978):
Foi Karl Marx o fundador do socialismo científico o primeiro que forneceu
uma análise teórica da natureza social do homem e do seu desenvolvimento
sócio-histórico: “todas as suas (trata-se do homem) relações humanas com
o mundo, a visão, a audição, o olfato, o gosto, o tato, o pensamento, a
contemplação, o sentimento, a vontade, a atividade, o amor, em resumo
todos os órgãos da sua individualidade que, na sua forma, são
imediatamente órgãos sociais, são no seu comportamentos ‘objetivo” ou na
sua ‘relação com o objeto a apropriação da realidade humana”. (p. 267-
268)
Desse modo, Marx citado por Leontiev, explica que o ser humano é construído,
desenvolvido e criado pelo mundo, através de suas relações sociais, que o
estabelecidas pelo grupo a qual o sujeito pertence. Nesta perspectiva de interação
social, Adam Schaf (1969), compreende que, sob condições de relações sociais
historicamente desenvolvidas pelas gerações precedentes, o indivíduo constrói a
sua “essência de homem” (p. 81). Assim os sujeitos que nascem na mesma época,
25
quando inseridos em grupos sociais diferentes, têm o seu processo de hominização
determinados pela cultura do meio o qual estão inseridos:
O homem por ser um produto social [...] e na sua ontogênese, está
completamente submetido ao determinismo social que o forma, num modo
que escapa do seu controle, por via da língua que tem em si um
determinado sistema de pensamento, da educação que lhes inculca hábitos,
costumes, comportamentos definidos, etc [...] (ibid, p. 82)
Ainda para Marx, o trabalho humano como prática no processo de
transformação a técnica da natureza, cria cultura, reconstrói e refina as técnicas
e os instrumentos, desenvolvendo as suas funções mentais e a sua personalidade, o
que Schaf (1969) explica como: “do ponto de vista do homem, o processo humano
de criação é um processo de auto criação. Assim, graças ao trabalho a espécie
Homo-sapiens nasceu, evoluiu e continua a transformar-se” (p. 85-86).
Desse modo, o ser humano constrói-se e reconstrói-se através de relações
sociais que estabelece no decorrer de sua vida. Portanto, a nossa função como
seres humanos é propiciar interações que formem um sujeito crítico, que crie uma
ruptura ao senso comum e perceba as contradições sociais no meio onde estamos
inseridos.
Assim, quando o sujeito se expressa e se relaciona com os outros, o
conhecimento pessoal e de mundo se realiza efetivamente, e se instaura a
hominização. Segundo Ernani Fiori (1978):
A “hominização” opera-se no momento em que a consciência ganha a
dimensão da transcendentalidade. Neste instante, liberada do meio
envolvente, desapega-se dele, enfrenta-o, num comportamento que a
constitui como consciência do mundo. Nesse comportamento, as coisas são
objetivadas, isto é significadas e expressadas: o homem as diz. A palavra
instaura o mundo do homem. A palavra como comportamento humano,
significante do mundo, não apenas designa as coisas, transforma-as; não é
só pensamento, é “práxis”. [...]
Expressar-se, expressando o mundo, implica o comunicar-se. A partir da
intersubjetividade originária, poderíamos dizer que a palavra, mais que
instrumento, é origem da comunicação – a palavra é essencialmente o
diálogo. A palavra abre a consciência para o mundo comum das
consciências, em diálogo, portanto. Nessa linha de entendimento, a
expressão do mundo, consubstancia-se em elabração do mundo e a
comunicação em colaboração. E o homem se expressa
convenientemente quando colabora com todos na construção do mundo
comum – só se humaniza no processo dialógico de humanização do mundo.
(p. 13)
26
Desse modo, Lyotard observa que o homem inserido na condição pós-moderna
busca o escapismo das formas totalitárias da razão instrumental, pois, no pós-
modernismo, o conhecimento científico entra em crise, conforme Lemos (2004)
explica:
A ciência moderna, [...], foi construída na síntese do discurso e do
empirismo, procurando o consenso, a eficiência, a certeza e o
determinismo. Ao contrário da ciência pós-moderna [...] legitima-se pelo
paradoxo e pela paralogia, revelando o heterogêneo e a diferença. [...] A
ciência pós moderna torna-se uma espécie de ciência do descontínuo, do
catastrófico, do caótico, do complexo e do paradoxal. (p. 65)
Assim, Lyotard (1979) afirma que a nova ciência: “Sugere um modelo de
legitimação que não é aquele da melhor performance, mas aquele da diferença
compreendida como paralogia”. (p. 97)
7
Nesta perspectiva de ciência moderna e modernidade, Habermas (1981)
acredita que no lugar de renunciar à modernidade e a seu projeto, deveríamos tirar
lições dos desvios que marcaram esse projeto e dos erros cometidos por abusivos
programas de superação”. (p. 963)
8
.
Assim, a expressão da mentalidade da técnica – pós-modernidade – é marcada
pelo desenvolvimento científico, industrial e pela virtualização do ser, onde o
progresso é consequência da história, e as vanguardas futuristas procuram entender
esse movimento como uma retomada para a autocriação da humanidade.
A autocriação se pela existência de três processos de virtualização que
permite que a linguagem, a técnica e as instituições (contrato) se desenvolvam. A
linguagem é a virtualização do real, ou seja, do aqui e agora. A virtualização é a
potencialização de algo, que segundo o filósofo da informação Pierre Lévy (1996), “a
linguagem, em primeiro lugar, virtualiza ‘um tempo real’ que mantém aquilo que está
vivo prisioneiro do aqui e agora.” (p. 71), pois com a linguagem, passamos a ocupar
o espaço, ela faz com que as pessoas existam. Quando expressamos os nossos
sentimentos, emoções, conhecimento, estamos nos tornando serem cambiantes que
conseguem relacionar-se com outros seres e dessa forma nos hominizar, desse
modo Lévy (1996) salienta que a “palavra virtual vem do latim medieval virtualis,
derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o
7
Propose un modèle de légitimation qui n'est pas que la meilleure performance, mais que la différence comprise
comme paralogie.
8
Au lieu de renoncer à la modernité et de son projet, nous devrions apprendre des différences qui ont marqué ce
projet et les erreurs commises par les programmes violents à surmonter.
27
que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado
no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente presente na
semente.” (p. 15) .
a técnica, é a virtualização da ão, ou seja, dar a intenção às coisas, ou
conforme Lévy (ibid. p. 74) explica “a dinâmica técnica se alimenta de seus próprios
produtos, opera combinações transversais, rizomáticas, e conduz finalmente a
máquinas, a arranjos complexos muito afastados de funções corporais simples”.
Todo o prolongamento dos corpos individuais, ou hibridização da tecnologia com o
sujeito, formam um ciborgue, que dentro de um aspecto específico é a hominização
da tecnologia através da integração com o ser.
E por último, o contrato, ou a virtualização da violência, se por meio das
relações sociais. O que Lévy (2006) entende como um:
Processo contínuo de virtualização de relacionamentos forma aos poucos a
complexidade das culturas humanas: religião, ética, direito, política,
economia. A concórdia talvez não seja um estado natural, uma vez que,
para os humanos a construção social passa pela virtualização. (p. 78)
Ou seja, humanidade se recria através de processos de virtualização que
permitem a organização de uma sociedade mais evoluída. Sob essa ótica, pode-se
perceber que a pós-modernidade é o ambiente propício para o desenvolvimento da
cibercultura, que usa o virtual como elemento técnico e permite a conexão do sujeito
real com o virtual.
1.3 O leitor e o conhecimento: a conexão
O ciberespaço vem modificando as relações entre autores, textos e leitores,
exigindo que os sujeitos assumam múltiplos papéis na leitura e criação de textos.
Assim, para Pierre Lévy, o ciberespaço é um meio de comunicação que surge da
interconexão mundial de computadores, termo este que especifica não apenas a
infra-estrutura física da Internet, mas também todo o universo de informações que
nela está contida, ou seja, para Lévy (2004):
O código digital da linguagem humana abriu o espaço infinito das questões,
das narrativas, dos saberes, dos signos da arte e da religião. A linguagem
fez crescer uma nova vida no coração da antiga, aquela dos signos, da
cultura e das técnicas. A linguagem vive. Ela eleva-se em direção a formas
mais leves, mais rápidas, mais evolutivas que a existência orgânica. Com a
escrita, ela adquiriu uma memória autônoma. Digitalizada pelo alfabeto,
essa memória conquistou uma eficácia universal. A escrita forjou seu
28
próprio sistema de auto-reprodução através da imprensa. A cada etapa da
evolução da linguagem, a cultura humana torna-se mais potente, mais
criativa, mais pida. Acompanhando o progresso das mídias, os espaços
culturais multiplicaram-se e enriqueceram-se: novas formar artísticas,
divinas, técnicas, revoluções industriais, revoluções políticas. O ciberespaço
representa o mais recente desenvolvimento da evolução da linguagem. Os
signos da cultura, textos, música, imagens, mundos virtuais, simulações,
softwares, moedas, atingem o último estágio da digitalização. Eles tornam-
se ubiquitários na rede no momento em que eles estão em algum lugar,
eles estão em toda parte e interconectam-se em um único tecido multicor,
fractal, volátil, inflacionista, que é, de toda forma, o metatexto englobante da
cultura humana. (p. 11-12)
Quando Lévy (2004) disserta acerca da Internet e das suas informações,
observa que:
A Internet é um espaço de comunicação propriamente surrealista, do qual
“nada é excluído”, nem o bem, nem o mal, nem suas múltiplas definições,
nem a discussão que tende a separá-los sem jamais conseguir. A Internet
encarna a presença da humanidade a ela própria, que todas as culturas,
todas as disciplinas, todas as paixões aí se entrelaçam. Já que tudo é
possível, ela manifesta a conexão do homem com a sua própria essência,
que é a aspiração à liberdade. (p. 12)
Porém, as informações que estão contidas na rede, e que formam o
conhecimento do sujeito, têm uma vida média, que ocorre no lapso de tempo entre o
momento em que o conhecimento é adquirido e o momento que ele se torna
obsoleto. A quantidade de conhecimento e informações modificam-se
constantemente e essa efemeridade ocasiona uma formação em massa de novos
conceitos e informações. Deste modo, o leitor é obrigado a desenvolver novas
técnicas e métodos para estar sempre informado e capacitado.
A cibercultura, de um modo geral, nos um panorama amplo e profundo das
consequências socioculturais da universalização da informação. Lévy (1999)
defende a tese de que a rede impossibilita o monopólio do saber, e admite a teoria
de pluralidade que a Internet possibilita na prática:
Longe de ser uma subcultura dos fanáticos pela rede, a cibercultura
expressa uma mutação fundamental da própria essência da cultura. De
acordo com a tese que desenvolvi neste estudo, a chave da cultura do
futuro é o conceito universal sem totalidade. (p. 228).
A tecnologia se altera com grande rapidez e, em consequência disso, os
humanos têm de se readaptar as novas ferramentas que atualmente são
necessárias para o nosso desenvolvimento intelectual gerando assim teorias de
gestão das novas informações e aprendizagem, onde esta é construída com o
29
resultado de nossas experiências e interações com diversos conceitos, teorias,
informações e pessoas.
As teorias de aprendizagem mantêm um ponto em comum, quando prevêem
que o conhecimento é um objetivo ou um estado alcançável através da razão e da
experiência. Por consequência, os aprendizes devem selecionar e buscar o que
querem aprender, com a intenção de criar novos significados para os novos
conhecimentos que adquirem, sendo sujeitos ativos no método de aprendizagem.
Desse modo, a capacidade de sintetizar e reconhecer novas conexões de
conhecimento e novos padrões de aprendizagem é uma habilidade primordial no
contexto vigente. Este contexto que, transformado pelas novas tecnologias e pela
progressão sucessiva da ciência, gera desconforto às pessoas, obrigando-as a
formar novas competências e conexões com o outro o contato social, também
chamado de networking. Assim, o caos que a ciência gera mostra a importância dos
seres buscarem o contato com o outro, para que possam, através de discussões,
fazer o reconhecimento de padrões existentes no novo conhecimento que é gerado
pela técnica, e assim construir novos significados.
Assim, o mundo atual tem convergido para o que podemos chamar de redes
sociais, ou seja, redes que funcionam sob a lógica de que pessoas, grupos, sistemas
e entidades conjuntos de informações podem ser conectados para formar um
todo, totalmente integrado, para gerar conhecimento.
As teorias de aprendizagem behaviorismo, cognitivismo e construtivismo
são algumas das principais teorias do conhecimento existentes. No entanto, foram
desenvolvidas na época em que a aprendizagem não era impactada pelo uso dos
computadores e da alta tecnologia, pois nas últimas décadas a tecnologia tem
mudado a forma como vivemos, nos comunicamos e aprendemos. As necessidades
de aprendizagem e teorias que descrevam os princípios e processos devem sempre
refletir o ambiente social vigente.
Desse modo, George Siemens, juntamente com Stephen Downes, propõem o
conectivismo, que se apresenta como um novo paradigma de ensino-aprendizagem.
É a integração dos princípios explorada pela teoria do caos, redes, complexidade e
auto-organização. A aprendizagem é um processo que ocorre dentro de ambientes
difusos para alterar os elementos fundamentais (que não estão totalmente sob
controle do indivíduo). A aprendizagem pode existir fora de nós (dentro de um banco
de dados) e está focada em conectar conjuntos de informação especializada,
30
contudo, as conexões que nos permitem aprender mais são mais importantes no
nosso estado atual do conhecimento.
O conectivismo então é guiado pelo entendimento de que as decisões são
baseadas em princípios, que mudam rapidamente e vêm cada vez mais ganhando
novas informações. A capacidade de fazer distinções entre as informações
importantes e as sem importância é vital. Também é crítica a capacidade de
reconhecer quando uma nova informação modifica um ambiente com base nas
decisões tomadas anteriormente.
Hoje criar, manter e usar o fluxo de informações deve ser uma atividade-chave
da aprendizagem. Dessa forma, o conectivismo proporciona um olhar para a
aprendizagem e as competências requeridas para o trabalho do aprendiz prosperar
na era digital. Nesta perspectiva, Vaill (1996) enfatiza que a “aprendizagem deve ser
uma maneira de ser, um conjunto permanente de atitudes e ações que os indivíduos
e grupos usam para tentar manter a par dos eventos surpreendentes, inovadoras,
caótico, inevitável, retornando...” (p. 42)
9
O ponto de partida da conectividade é o indivíduo. A análise de redes sociais é
um elemento adicional na compreensão dos modelos de aprendizagem da era digital.
Dentro das redes sociais as pessoas estão interconectadas. Esta interconexão, por
sua vez, é capaz de promover e manter o fluxo de informações. Seus resultados
interdependem em um fluxo de informação eficaz, possibilitando o entendimento
pessoal da situação das atividades do ponto de vista organizacional.
A Web 2.0 já está em andamento. Organizações de mídia de massa são
constantemente desafiadas pelo fluxo livre de informações em tempo real, que
permitem que os blogs e outras ferramentas sejam atualizados a cada segundo
como, por exemplo, o site de notícias “Último Segundo”
10
. Nossa capacidade de
aprender o que precisamos amanhã é mais importante do que aquilo que
conhecemos hoje. Um verdadeiro desafio para qualquer teoria da aprendizagem é
ativar o conhecimento adquirido no local da aplicação. No entanto, quando o
conhecimento é necessário, mas é desconhecido, a habilidade de se conectar a
fontes que correspondam ao que é necessário é uma habilidade vital. Como o
9
learning must be a way of being, a permanent set of attitudes and actions that individuals and groups use to try
to keep abreast of events surprising, innovative, chaotic, inevitable, recurring...
10
http://ultimosegundo.ig.com.br/
31
conhecimento cresce e evolui, o acesso ao que é necessário é mais importante do
que o conhecimento que o sujeito possui atualmente. Assim, focar a conexão entre
os diferentes conjuntos de informações nos permite aprender mais e, em
consequência disso, aumentar o know-how de conhecimentos.
1.4 Interagir, hominizar e conectar
Não mais formas de negar a tecnologia, ela está presente no nosso
cotidiano. O que pode ser feito é adaptar-se às possibilidades que ela traz no seu
âmago. Fica como advertência os malefícios sociais contidos no ambiente do pós-
modernismo. Diante desta afirmação, a interação é um fator de extrema relevância,
pois traz as ferramentas necessárias para o sujeito se adaptar ao mundo do pós-
modernismo através da busca pelo conhecimento cultural, que o insere no meio e
possibilita o reconhecimento dos padrões sociais, para que este possa se
desenvolver. Na sequência tecnológica, a hominização do sujeito aos novos
conceitos culturais permite o desenvolvimento cognitivo e social, onde o
conhecimento do mundo faz conexões com experiências anteriores adquiridas ao
longo de sua vida, e permite que o sujeito, através de suas relações sociais, utilize
os conceitos adquiridos como fatores de desalienação, possibilitando a ruptura do
ser com o senso comum. Por conseguinte, a conexão como uma teoria de
aprendizagem permite que o contato social do sujeito seja o foco principal na busca
de novos conhecimentos e desenvolvimento deste conhecimento, formando assim
um sujeito completo, que não mais é um indivíduo único, singular, mas sim um
sujeito social, plural, que tem como principal meta estar constantemente se
relacionando com o outro, o que permite as possibilidades de desenvolvimento de
um sujeito crítico e preocupado com o todo. Um sujeito que interage com a cultura
se hominiza através do contato social e se conecta aos novos saberes, criando
assim alguém que vive o conceito de cibercultura.
Exemplos da cibercultura o expressos em filmes como Inteligência Artificial
ou Matrix. No mundo musical, com Billy Idol
11
que é um dos ícones do ritmo tecno,
bem como com a banda The Prodigy
12
que expressa na sua música os cenários,
vestimentas e atitudes ciberculturais e pós-modernas. Tudo isso surge da relação
11
http://billyidol.ning.com/
12
http://www.theprodigy.com/
32
entre a tecnologia e a modernidade, sendo que esta última se caracteriza pela
dominação da natureza e do ser humano, que é o que marca o pós-modernismo.
33
2 (.0?): Mundo real ou imaginário?
No final da primeira década do ano 2000, os carros ainda não voam, as roupas
não têm temas espaciais como se pensou em décadas passadas nos escritos de
ficção científica. Porém, premonições escritas nos livros de ficção, tomaram uma
forma real, como por exemplo, o ciborgue que no nosso cotidiano são as pessoas
que usam a tecnologia como extensão de seus corpos, como por exemplo, celulares,
mp3, mp4, câmeras, computadores portáteis, baseado nesse contexto, o presente
trabalho, no título deste capítulo, faz uma representação da numeração de sério dos
softwares em desenvolvimento, intenção esta que faz alusão representativa à
efemeridade tecnológica.
Em um tom quase profético no início da década de 1990, o economista
Jacques Attali (1993) quando se refere aos objetos nômades tecnologia portátil,
como os mp3, celulares, etc –, salienta que:
Os objetos nômades apareceram inicialmente em setores anedóticos da
economia: walkmans e telefones portáteis transformam o consumo cultural e
a comunicação; o computador pessoal e o telefax, tornados portáteis,
começaram a alterar a organização do trabalho. Trata-se de precursores
quase derrisórios de objetos bem mais importantes, às vésperas de se
tornarem produtos industriais de massa, fonte de gigantescas cifras de
negócios industriais, estruturando uma nova ordem econômica, social e
cultural. Outros bens nômades surgirão, permitindo a transformação em
objetos individuais (produzidos em série, e portanto geradores de lucros) de
dois serviços hoje particularmente dispendiosos: a saúde e a educação.
Haverá inicialmente instrumentos de autodiagnóstico médico, depois, de
automedicação e finalmente, de próteses médicas. Esses objetos
contribuirão para reduzir o custo da demanda, transformando serviços
atualmente a cargo da sociedade em objetos de valores. Será preciso então
um menor número de médicos, e mais engenheiros e programadores para
conceber esses objetos inovadores. (p. 188-189)
Nesse contexto pós-moderno, os sujeitos que nasceram entre as décadas de
1990 e 2000, encontraram um período de transição do mundo e vivem hoje com
tantos apetrechos eletrônicos que consegue carregar, a escola está tomando rumo
34
para um novo contexto, inserindo-se nos ambientes virtuais de aprendizagem e de
educação à distância, além do espaço urbano que sofre muitas transformações para
se adequar as atuais conjunturas eletrônicas, tornando-se cidades-ciborgues,
conforme explica André Lemos (2004b):
A cidade-ciborgue é a cidade da cibercultura, preenchida e complementada
por novas redes telemáticas e as tecnologias daí derivadas, internet fixa,
wireless, celular, satélites etc. que se somam às redes de transporte, de
energia, de saneamento, de iluminação e de comunicação (p. 131)
A miniaturização da tecnologia tem facilitado a conexão dos indivíduos.
Notebooks estão cada vez menores e tomam um nome muito peculiar: netbooks, ou
seja, apetrechos eletrônicos criados com o intuito da conexão em massa da
sociedade. Pode-se também citar como exemplo a Internet móvel, feita para
celulares e pequenos modems que se conectam a computadores portáteis, bem
como cidades por exemplo, na Europa, Lisboa e no Brasil, Rio de Janeiro,
Teresina e Pir–, que estão instalando redes de conexão pública à Internet tendo
em vista que os cidadãos façam uso da rede global de modo mais prático e dinâmico.
Os aparelhos multimídia como o MP3, o MP4 e atualmente até o MP15, fazem
parte da rotina da sociedade. As pessoas estão cada vez mais ligadas umas as
outras por sites de relacionamento, tais como o Orkut ou o Twitter, bastante
populares no Brasil; participam de fóruns de discussão, onde sanam suas dúvidas
de maneira rápida e prática e não mais necessitam da ajuda de especialistas, uma
vez que a rede engloba uma variada gama de profissionais e hobbistas com
apreciações semelhantes a dos sujeitos que consultam a rede e aqueles conseguem
ajudar estes, através de pequenos textos e comentários feitos na em fóruns, blogs,
sites de relacionamento, etc.
São Thomas de Aquino, filósofo e distinto expoente da escolástica, proclamado
doutor e santo pela igreja católica, afirmava que existem duas maneiras de se prever
o futuro: ou sob inspiração divina, ou pelo o estudo sistemático da relação das
causas e efeitos. Conforme citado por Reale e Antisieri (1990), “o caráter universal
dos conceitos é fruto do poder de abstração do intelecto" (p. 556) e nessa atividade
mental, Aquino (1990) afirma que:
Após ter demonstrado haver um primeiro ente que denominamos Deus,
convém investigar as suas propriedades. Porém, na consideração da
substância divina, deve-se usar, sobretudo da via da remoção, visto que a
substância divina excede, pela imensidade, toda forma que o nosso
35
intelecto atinge. Por isso, não podemos conhecê-la apreendendo dela o que
é. Assim, poderemos ter alguma noção da mesma pelo que não é, e tanto
mais nos aproximaremos do seu conhecimento quanto mais puder o nosso
intelecto remover-lhe os atributos. (p. 45)
Portanto, de alguma maneira pela literatura, em especial, pela literatura de
ficção científica, pode-se projetar os efeitos futuros das causas de hoje, pode-se
imaginar o que via partir do que é, ou tentar prever o futuro, de modo que não se
conformar com a realidade é o fator que eleva as potencialidades humanas.
2 (.0?).1 Concepções acerca do Real/Virtual
Para que se possa entender a questão que tange o real e o virtual, pode-se
usar a premissa descrita no livro O que é o Virtual? de Pierre Lévy (1996), onde este
afirma que “em termos rigorosamente filosóficos, o virtual o se opõe ao real mas
ao atual: a virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes.” (p.
15), o real é o possível que está constituído, ele se realiza sem que nada seja
modificado nem em sua determinação e nem em sua natureza. Seguindo o conceito
de Lévy (1996) onde afirma que “o possível é exatamente como o real: só lhe falta a
existência. A realização de um possível não é uma criação [...], pois a criação implica
a produção inovadora de uma idéia ou de uma forma. A diferença entre possível e
real é, portanto, puramente lógica.” (p. 16).
No caso do virtual, de modo diferente do possível que já está constituído,
requer um acontecimento que se chama atualização, um processo problemático que
pertence à coisa em si e constitui-se em todas as suas dimensões, como exemplo
podemos nos basear na perspectiva de Levy (1996) quando este salienta que, “o
problema da semente [...], é fazer brotar uma árvore. A semente “é” esse problema
[...], ela “conhece” exatamente a forma da árvore que expandirá finalmente a sua
folhagem acima dela. A partir das coerções que lhes são próprias, deverá inventá-la,
coproduzi-la com as circunstâncias que encontrar.” (p. 16).
Desse modo, o virtual é um modo de ser, além do processo de criação, projeta
o futuro, com elementos que não estão fisicamente disponíveis, de um modo geral, é
um mundo que existe, independente das crenças de que ele não está presente, é
algo totalmente novo que pode ser explorado, que derruba barreiras entre natural e
cultural, humano e não-humano, convergindo a tecnologia inevitavelmente como
parte da existência humana.
36
Assim, segundo Gildásio Mendes dos Santos (2001), é que “o computador
deve ser entendido como um meio de comunicação que é extensão e parte do ser
humano, não uma simples máquina de operar cálculos e reter informações. Na
relação computador-pessoa, a tendência é criar computadores que interajam
fisicamente, e até mesmo social e psicologicamente com o ser humano.” (p. 69).
2.1 A Ficção Científica, o mundo do amanhã
A ficção científica (Sci-fi) é geralmente ligada a elementos tecnológicos
impressionantes robôs, naves interplanetárias ou concepções futuristas
viagens interplanetárias, viagens no tempo, criogenia –, que causam espanto nos
leitores, porém, definir a Sci-fi não é tão simples assim, pois os elementos
supracitados não são o que a deflagram como gênero, mas segundo Fábio
Fernandes (2006):
também por situações adversas à nossa realidade cotidiana e nem sempre
vinculadas diretamente ao uso da tecnologia, ou pela utilização do que
chamaremos aqui de marcadores signicos: marcas e logotipos existentes
em nossa realidade cotidiana em nossa realidade vinculados a objetos
técnicos inexistentes (ou objetos cnicos existentes, mas que na narrativa
literária são utilizados de modos diferentes dos convencionais), criando na
mente do leitor uma sensação simultânea de familaridade e de
estranhamento (p. 32).
Mas, além disso, a Sci-fi, e recebe muitos gêneros, subgêneros e categorias,
discutidos em círculos acadêmicos. Estes círculos, por sua vez, podem divergir
opiniões entre produtores e editores de uma obra, e conseqüentemente as editoras
podem mudar o nero ou o subgênero de uma obra por fins comerciais, bem como
usar múltiplos gêneros e subgêneros para atingir o mesmo objetivo.
Dentre as categorias mais conhecidas pode-se destacar o biopunk, catástrofe
íntima, cyberpunk, fantasia científica, Sci-fi militar, ficção utópica e distópica, terra
oca, viagem no tempo, viagens extraordinárias e vida extraterrestre.
Schoereder (1986), alerta quanto à categorização excessiva:
David Allen, falando a respeito das classificações das obras por categorias,
referiu-se ao perigo existente nessa tarefa uma vez que qualquer rótulo
tende a levar em consideração apenas um aspecto de um trabalho,
negligenciando o restante. Da mesma forma, as classificações correm o
risco de deixar muito pouco espaço para as gradações entre um aspecto e
outro, ou seja, uma obra dificilmente será inteiramente uma coisa ou outra,
possuindo aspectos de um e de outro nível de categorias. (p. 9)
37
Leitores novatos no gênero da Sci-fi não distinguem facilmente sua
categorização, pois o vastas as temáticas, e os elementos acima citados o os
mais conhecidos do público em geral. Porém, a ficção como Sci-fi não se restringe
apenas a isso, o objetivo desta categoria literária é causar familiaridade e
estranhamento nos seus leitores.
A Sci-fi conta também com diversos temas ou arquétipos. Como elemento de
informação vale citar os mais conhecidos: alienígenas, andróides, biônica,
biorobótica, ciberespaço, cibernética, ciborgues, clones, destino final do universo,
criogenia, ecologia, energia nuclear, futuro, futuro alternativo, história alternativa,
história cíclica, previsão científica do futuro, imortalidade ou prolongamento da vida,
invasão alienígena, hiperespaço, mente, inteligência artificial, mentes coletivas,
apagamento ou alteração de mentes, controle da mente, upload mental, implantes
neurais e interface direta com máquinas, militarismo, armas de raio, guerra espacial,
mudanças radicais na estatura humana, mutantes, mundos ou universos paralelos,
planetas na ficção científica, política na Sci-fi (distopias e utopias), governo mundial,
libertarismo, totalitarismo, revolta cibernética, robôs, teletransporte, universo paralelo
e viagem espacial.
Teóricos deste gênero ainda não chegaram ao acordo de uma única definição
para o mesmo. Raul Fiker, citado por Fernandes (2006), preocupa-se com uma
necessidade de definição do gênero, pois salienta que a literatura de Sci-fi “se
tornou uma espécie de supergênero, que desafia limitações”. (p. 33).
A literatura Sci-fi não é diferente de outros tipos de textos ficcionais, passível
de múltiplas interpretações e estas obtidas sob várias óticas, fazendo com que a
definição única do gênero seja montada através da prática da leitura, pois como
afirma o escritor Bráulio Tavares, citado por Fernades (2006) como gênero literário,
a Sci-fi possuí “leis próprias que não estão formuladas em nenhum manual, mas
podem ser apreendidas pela vivência com as obras”. (p. 36)
Escritores de Sci-fi como Brian Aldiss e Jhon Bowen, demonstram em suas
narrativas, o planeta devastado por catástrofes, e os sobreviventes buscam a
reconstrução da sociedade, procurando se adaptar à nova situação da melhor
maneira, e nessa perspectiva Fernandes (2006) é categórico ao afirmar que “não é
necessário entrar mais profundamente em critérios de categorização para perceber
38
que [...] se presta à múltiplas interpretações e uma delas é a interpretação de
science-fiction. (p. 33).
Desse modo, Ficker (1985) alerta que nomear categorias literárias é
descaracterizar a sua amplitude narrativa:
se escolhermos um nome como literatura de antecipação” que é um dos
muitos nomes alternativos propostos para a ficção científica – estamos
definido o gênero como relativo apenas ao futuro e limitando-o a um tipo
específico de ficção científica, quando um sem número de histórias do
gênero se passam no passado ou no presente, apresentado, por exemplo,
passados ou presentes alternativos. (p. 11)
Nessa perspectiva Sodré (1973), considera o empirismo do leitor experiente em
Sci-fi para classificá-la, pois:
sabemos empiricamente que tal narrativa é de ficção científica – assim
como identificamos, na prática, o significado de uma palavra qualquer – mas
não dispomos de um conceito operatório, capaz de dar conta a priori das
características estruturais do gênero. (p. 7)
Assim, para designar um movimento literário baseado no gênero da Sci-fi,
criado nos Estados Unidos, surgiu o termo cyberpunk, que é considerada uma
narrativa pós-moderna que agrega tecnologias fantásticas e ultramodernas, em um
mundo caótico e (des) ordenado pela multiplicidades de referências e valores em
convulsão e pela fragmentação dos padrões antes dominantes, como o Estado, a
família, o trabalho, em um sociedade na qual impera o caos urbano e a
ciborguização.
2.1.1 A paisagem cyberpunk
Cada momento histórico parece traçar projeções próprias ao futuro em
correspondência com os valores de sua atualidade ou em correspondência com as
referências programáticas nas quais o pensamento do período se alicerça. Na idade
moderna a idéia de uma futura utopia tecnológica serviu como visão orientadora do
que mais tarde veio ser a sociedade industrial. Sonhadores utópicos do passado
como os escritores R. H. Benson, Aldous Huxley, George Orwell, Ray Bradbury,
Bernard Wolfe dentre outros, vislumbram um futuro onde as máquinas substituiriam
o trabalho humano, criando uma sociedade praticamente sem trabalho, de
abundância e lazer. Na utopia tecnológica tudo seria submetido à minuciosa
39
inspeção da ciência. Todas as invenções significariam a liberdade de todos os
aborrecimentos que envolvem a organização doméstica e do trabalho, pois, segundo
os utopistas tecnológicos, usar cada vez mais tecnologias sofisticadas é
proporcionar conforto, economia, conveniência e liberdade, um sonho que todo ser
humano gostaria de conceber.
Para que se possa adentrar ao mundo do cyberpunk, conceitos de utopia e
distopia devem ser compreendidos. O termo utopia vem da palavra grega outopos
que significa lugar nenhum. Seu conceito se devido a uma obra renascentista
datada de 1512 com nome análogo, escrita por Tomás Morus, que idealiza um
mundo hipotético perfeito, a ilha de Utopia, onde a propriedade privada não existiria,
e o alcance dos interesses individuais apenas seria viável, se preenchesse as
necessidades coletivas. Nesse mundo, fechado e ordenado, sem conflito e, portanto,
sem história, tanto os costumes quanto a cultura e o governo seria diretamente
submetidos ao bem comum. A obra foi fundamentalmente inspirada em A República
de Platão, que trata o desenvolvimento de uma sociedade perfeita. Portanto a
concepção de Utopia deve-se às idéias deste pensador. O conceito de idealização
utópico é geralmente ligado a algo perfeito e inalcançável que está longe do mundo
real.
As possibilidades oferecidas pela tecnologia, onde a crença no progresso
científico atrelado a um futuro melhor foi o que caracterizou a modernidade, presente,
por exemplo, em narrativas de Júlio Verne e H. G. Wells. Porém, essa visão otimista
sobre a ciência moderna começa a ser mitigada (ou minimizada) nas obras de
Aldous Huxley e George Orwell, onde o otimismo começa a ceder lugar a uma visão
distópica, pessimista do futuro, que se torna característica da Sci-fi desde então.
Nesta perspectiva de ideal perfeito surge o termo distopia, que significa lugar
mau, anormal ou estranho. A distopia é o acordar de um sonho progressivamente
degenerado em pesadelo, que sublinha não a insuficiência das condições para a
realização de ideais de felicidade, mas também a ameaça do coletivo sobre as
liberdades individuais, sociais e de participação política, ou seja, a distopia é o
contraponto da utopia que Pinto (2003) reflete como “a proposta de um avanço
científico-social culmina em estruturas opressoras e populações alienadas”. (p.15-
16).
Em certa perspectiva, os romances distópicos têm uma função preventiva:
40
Ray Bradbury costumava dizer que a função da Sci-fi não era prever o
futuro e sim evitá-lo. E nesta perspectiva, ela foi bem-sucedida, que
conseguimos evitar a guerra nuclear e o mundo das ditaduras monolíticas
de Orwell e Huxley. Coisas sobre as quais os autores do passado nos
advertiram”. (Calife, 2001, p.7)
Função essa que é confirmada por Causo (2003), quando expressa a
necessidade da interferência associada ao desejo de mudança nas estruturas
sociais e culturais existentes na sociedade buscando melhorias futuras:
É necessário que o autor pressuponha a existência de falhas no sistema
social e político que ele ataca, e que essas falhas possam ser corrigidas,
que o sistema possa ser transformado. (p. 59)
Conforme o contexto exposto, não se pode deixar de citar romances distópicos
famosos como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, 1984 e A Revolução dos
Bichos, de George Orwell, que têm um ponto em comum, a observação da
sociedade na época em que foram escritos, com intuito de ressaltar a atenção das
pessoas para que se evite um futuro calamitoso, evitando o futuro previsto nas obras.
Os romances distópicos influenciaram muitas gerações e estão presentes
ainda hoje. Pode-se tomar como exemplo a releitura que a banda de heavy metal
Iron Maiden faz de Admirável Mundo Novo ao gravar um Compact Disc (CD),
gravado no ano 2000 pela EMI e intitulado Brave New World. Uma de suas
composições mostra claramente a intenção de advertir a sociedade para um mundo
distópico, como pode ser visto na estrofe abaixo:
Desnorteadora casa de medo, ela não faz sentido algum, aprisione essa
mente, estupefique esse cérebro. Messias antes da sua queda, o que vo
vê, não é real, aqueles que sabem não vão dizer, tudo está perdido, venda
sua alma para esse Admirável Mundo Novo.
Reis despóticos, rainhas moribundas, onde está a salvação agora? Perdi
minha vida, meus sonhos, ossos arrancados da minha carne. Gritos
silenciosos gargalhando aqui, moribundos para te dizerem a verdade. Você
é planejado e está condenado, nesse Admirável Mundo Novo. (Brave New
World, CD. 2000)
13
A Revolução dos Bichos, publicado em 1945 deu margem para Chico Buarque
escrever, em 1974, a Fazenda Modelo, onde novamente é feita uma releitura da
13
Wilderness house of pain, makes no sense of it all, close this mind dull this brain. Messiah before his fall, what
you see is not real, those who know will not tell, all is lost sold your souls, to this brave new world.
Dragon Kings Dying Queens. Where is salvation now? Lost my life, lost my dreams, rip the bones from my flesh.
Silent screams laughing here, dying to tell you the truth. You are planned and you are damned. In this Brave New
World.
41
obra que satirizou a revolução russa. A de Chico Buarque, por sua vez, buscou
ecoar a sociedade brasileira. A visão contrastante de ambas é uma administração
feita por animais inescrupulosos que alienavam o restante da população das
fazendas.
A alienação da população, descrita nas obras distópicas como uma cultura de
massa desprovida de reflexões e questionamentos e a repressão e manipulação
ideológica, feitas por grandes corporações, abrem a discussão para o ambiente
social que a Sci-fi cyberpunk habita. A tecnologia, ambientada em um futuro
distópico, muito próxima do tempo corrente, é desvirtuada no seu papel facilitador da
vida moderna, ampliando os problemas sociais que prometera resolver.
Neste sentido, o escritor Philip Dick, traz à tona romances com conteúdo
distópico, convicto de que o gênero Sci-fi poderia melhor abarcar as suas
especulações filosóficas
14
. Seu livro, Do Androids Dream of Electric Sheep?,
precursor da literatura cyberpunk, conta a história de Rick Deckard, um policial que
atua como caçador de recompensas e persegue andróides em San Francisco no
ano de 1992 e por ter êxito em suas missões, Rick é destacado para caçar seis
andróides específicos, uma classe denominada como Nexus 6, dotados de
capacidades físicas e mentais bastante superiores às do homem. Estas máquinas
com a matriz cerebral Nexus 6, são indistinguíveis de seres humanos - salvo apenas
que lhes falta empatia, e é nesta falha que Rick usa um método de detecção de
andróides o Voight-Kampff test, que causa horror aos mesmos, devido à sua falta de
sensibilidade ao dar respostas, pois quando detectados a sua aposentadoria – morte
da Inteligência Artificial – é iminente.
Esta narrativa de Dick inspirou o produtor e diretor de cinema Ridley Scott,
quando a adapta para o filme intitulado Blade Runner, O caçador de andróides,
considerado como cult da década de 80 e que expressa com muita propriedade o
espírito do pós-modernismo, ambientado nas distopias tecnocracia, consumismo,
comércio, lucro e deformação sujeito enquanto indivíduo tornando-o fragmentado e
desestabilizado. O elemento marcante do desenvolvimento do filme é que as
máquinas se tornam cada vez mais humanas, enquanto os humanos que as caçam
aparentam uma frieza emocional que os deixa desumanos,
14
Inspirava-se em idéias do Budismo, Cabala e Gnose dentre outras doutrinas herméticas, combinando-as com
certos aspectos da parapsicologia, vida extraterrestre e percepção extra-sensorial, criando mundos alternativos
em suas obras.
42
O contexto cyberpunk é amalgamado em uma história onde ciência e
tecnologia seriam os principais vetores de mudança e melhorias sociais, facilitando
as condições existenciais da humanidade. Contudo, isso não acontece e a cultura
tecnológica é manipulada ideologicamente nos seres humanos e, por conseqüência,
cria uma sociedade de indivíduos marginalizados e um ambiente caótico.
A tecnologia é estendida até os humanos através de implantes mentais,
próteses ou clonagem formando o elemento cibernético da literatura cyberpunk, em
relação ao movimento punk. O fator de desenvolvimento se na atitude do
movimento criado na Inglaterra na década de 70, contudo, no conceito desta
literatura protagonizam os sujeitos que viviam como marginais e criminosos. Nesse
sentido, a narrativa foca principalmente a atitude de subversão e o uso da tecnologia
para render o sistema vigente. Geralmente protagonizada por anti-heróis, com seus
corpos modificados (o que os torna ciborgues) as narrativas mostram um cenário
sócio-político em que corporações gigantescas dominam todos os campos da
sociedade e situações ligadas à contemporaneidade das grandes cidades modernas,
assoladas pelo crime, pela poluição e pela degradação das relações sociais. O
cenário futurista, contudo, não é algo absolutamente diferente da paisagem
contemporânea. Tudo o que se apresenta na narrativa cyberpunk se parece muito
com o que vivemos no início do século XXI, cumprindo a intencionalidade da Sci-fi
distópica. Pela familiaridade com o presente e estranhamento com relação ao porvir,
cumpre-se uma espécie de alerta aos leitores.
Caidin (1972) tem uma definição que representa a modificação corporal dos
ciborgues das narrativas de Sci-fi:
Para transformar a carcaça de um humano mutilado não apenas em um
novo homem, mas em um tipo totalmente novo de homem. Uma nova raça.
Um casamento da biônica (biologia aplicada à engenharia de sistemas
eletrônicos) e cibernética. Um organismo cibernético. Chame-o de ciborgue.
(p. 55-56)15
O final da década de 70, “foi marcado pela insatisfação do conservadorismo
social e não se identificava com a contracultura hippie dos anos 60”, conforme
explica Fernandes (2003. p. 51), “pois esta era rural, romantizada, anti ciência e
15
To transform the carcass of a mutilated human being not only a new man, but in an entirely new kind of man. A
new breed. A marriage of bionics (biology applied to the engineering of electronic systems) and cybernetics. A
cybernetic organism. Call it a cyborg.
43
tecnologia” (ibid. p. 51), os cyberpunks eram contra o sistema e jamais seriam
contra a tecnologia.
O termo cyberpunk tem origem em um conto de Bruce Bethke de título análogo,
escrito em 1980. Segundo Fernandes (2006):
Depois de sofrer um ataque de hackers, Bethke decidiu escrever essa
história, e criou esse título numa tentativa consciente de inventar um
neologismo que exprimisse a justaposição de atitudes punk e alta
tecnologia. (p. 52-53)
Desse modo, com a ajuda de Gardner Dozois, que nos anos 80 era o editor da
revista americana de contos de Sci-fi Isaac Asimov Magazine, e do conto intitulado
Cyberpunk de Bethke, o termo cyberpunk entrou no imaginário coletivo. Com o
intuito de combater a estagnação e a não repercussão da Sci-fi, um grupo de cinco
autores Bruce Sterling, Rudy Rucker, Lewis Shiner, John Shirley e William Gibson
– se reuniram no final da década de 70 para criar o movimento cyberpunk.
2.1.2 A narrativa cyberpunk
Reunindo-se e comparando afinidades, Bruce Sterling, Rudy Rucker, Lewis
Shiner, John Shirley e William Gibson formaram um grupo, conforme cita Fernandes
(2006), “batizado por eles simplesmente como O Movimento”. (p. 51), onde os
membros discutiam a estagnação da Sci-fi e segundo Fernandes (2006): Para esses
autores, o período que compreende o final dos anos 70 e o início dos 80 não teve
repercussão na Sci-fi, porque o gênero estava estagnado, sem propostas novas. (p.
51-52)
Esta geração de autores estava totalmente ligada com a alta tecnologia
disponível na época e, versados de conhecimento técnico sobre o assunto, O
Movimento passa a receber novos membros. Incluirão-se na lista nomes como Paul
di Filippo e Pat Cardigan, que em 1986 lançaram uma coletânea chamada
Mirrorshades, que leva as narrativas de Sci-fi a uma estilística de escrita respeitando
heranças literárias dos autores, no prefácio de Mirrorshades
16
, Bruce Sterling batiza
O Movimento como Movimento Cyberpunk, e descreve a tradição literária dos
autores: “Os cyberpunks, como grupo, estão escorados pelas histórias e pela
tradição do campo da Sci-fi. Seus precursores são legião. Autores cyberpunk
individuais diferem em suas heranças literárias; mas alguns escritores mais velhos,
16
Prefácio disponível em: <http://project.cyberpunk.ru/idb/mirrorshades_preface.html>, consultado no dia:
18/09/2009
44
cyberpunks ancestrais talvez, demonstram essa influência clara e surpreendente”.
(p. 1)
17
Como explica Fernandes (2006) “não um cenário fechado nem um conto de
características específicas demais em torno das quais os autores precisem se
pautar”. (p. 54). Mirrorshades foi a introdução da nova estética cyberpunk. Um conto
intitulado “The Gernsback Continuum”
18
, de autoria de William Gibson, abre o livro
Mirrorshades e cria uma ruptura definitiva com as narrativas de Sci-fi tradicional.
Neste conto, segundo Fernandes (2006), Gibson trata de uma narrativa ambientada
no tempo presente, uma história metalingüística que é ao mesmo tempo uma
homenagem a Sci-fi clássica e sua negação o ponto de ruptura com os
paradigmas tradicionais da literatura de Sci-fi”. (p. 54).
Segundo Fernandes (2006), Gibson propõe um jogo semiótico entre realidade
e ficção que começa pelo título: ‘The Gersnback Continuum’ é uma referência ao
criador da expressão Sci-fi, Hugo Gernsback”. (p. 55). Em 1926, Hugo Gernsback
edita a primeira revista de Sci-fi do mundo, a Amazing Stories, mas cria o termo “Sci-
fi” em 1911 no livro intitulado Ralph 124C 41+, e o termo continuum em Sci-fi, que
significa realidades alternativas.
Publicada pela primeira vez em 1981 na Omni Magazine, ‘The Gernsback
Continuum’, posteriormente foi destaque em várias antologias e coletâneas de
contos: Universe 11 editada por Terry Carr em 1981, Mirrorshades: The Cyberpunk
Anthology editada por Bruce Sterling em 1986 e no mesmo ano em Burning Chrome
de William Gibson. Também foi adaptado em 1993 como Tomorrow Calling, um curto
filme de TV elaborado por Tim Leandro para Film4 Productions
19
, originalmente
apresentado no Channel4
20
, o filme também foi apresentado no British Film Festival,
entre 4 e 10 Outubro de 1996.
Resumidamente, a história conta que um fotógrafo que tem como missão
fotografar a arquitetura futurista da era de 1930 nos Estados Unidos. O fotógrafo
17
The cyberpunks as a group are steeped in the lore and tradition of the Sci-fi field. Their precursors are legion.
Individual cyberpunk writers differ in their literary debts; but some older writers, ancestral cyberpunks perhaps,
show a clear and striking influence.
18
Texto integral disponível em: < http://lib.ru/GIBSON/r_contin.txt >, consultado no dia: 20/09/2009
19
http://www.channel4.com/film/ffproductions/index.html
20
http://www.channel4.com
45
começa a entrar em contacto com o continuum, uma realidade alternativa que
contém o possível futuro do mundo, representada pela arquitetura que ele está
fotografando - um futuro que poderia ter sido, mas não foi, contrastando, assim, a
loucura à realidade pós-modernista.
Após certo tempo o fotógrafo imergira no universo imagético que fotografava e
começa a ter o que pareciam ser alucinações deste fantástico futuro utópico.
Habitantes desse continuum aconselhavam o fotógrafo sobre as possíveis
realidades do nosso mundo, como a pornografia infantil, o crime e a guerra, que
estavam em desacordo com o mundo idealizado de Gernsback.
O universo idealizado de Gernsback era perturbador, conforme um trecho da
narrativa de Gibson, que descreve um casal que estava estacionado em uma
estrada deserta com um veículo futurista acompanhado de um casal louro e belo no
lado de fora:
Eles eram os filhos dos “anos-80-que-não-aconteceram” de Dialta Downes;
eles eram os Herdeiros do Sonho. Eram brancos, louros e provavelmente
tinham olhos azuis. Eles eram americanos. Dialta Havia dito que o Futuro
havia chegado primeiro para a América, mas finalmente a havia
ultrapassado; Mas aqui, no coração do sonho, não. Aqui ele continuara, em
uma lógica onírica que o conhecia nada de poluição, das limitações do
combustível fóssil, ou de guerras estrangeiras que era impossível vencer.
Eles estavam satisfeitos, eram felizes e estavam profundamente contentes
consigo mesmos e com o seu mundo. E, no Sonho, aquele era o mundo
deles. (p. 1)
21
Desse modo o fotógrafo passa por um estranhamento e conclui: “Tudo aquilo tinha o
ar sinistro de propaganda da Juventude Hitelerista.” (p. 1)
22
A história termina quando o fotógrafo ignora as novas imagens que no
continuum, e desse modo, percebe que prefere viver no mundo caracterizado por
pornografia infantil, crime e eventos aleatórios do que no continuum Gernsback.
De modo geral é uma narrativa que assume os objetivos de causar
familiaridade e estranhamento nos leitores do gênero Sci-fi, além de ser a definição
de Gibson em seus trabalhos posteriores, como afirma Fernades (2006) quando
21
They were the children of Dialta Downes's `80- that-wasn't; they were Heirs to the Dream. They were white,
blond, and they probably had blue eyes. They were American. Dialta had said that the Future had come to
América first, but had finally passed it by. But not here, in the heart of the Dream. Here, we'd gone on and
on, in a dream logic that knew nothing of pollution, the finite bounds of fossil fuel, or foreign wars it was possible
to lose. They were smug, happy, and utterly content with themselves and their world. And in the Dream, it was
their world.
22
It had all the sinister fruitiness of Hitler Youth propaganda.
46
analisa o conto The Gernsback Continuum, chamando-o de “divisor de águas da
Sci-fi:
Escrito dois anos antes de Neuromancer, é. De certa forma, a declaração
literária de intenções de William Gibson: é aqui que ele define o ritmo de
seus trabalhos posteriores, um futuro amorfo e ciborgue, onde a tecnologia
não é algo a ser temido ou incesado, mas é finalmente tratada como
sempre a tratamos no nosso cotidiano: como uma ferramenta. (p. 58).
No trecho do livro Neuromancer (2003), pode-se perceber o novo ambiente e
as tramas que William Gibson leva aos seus leitores:
O ciberespaço. Uma alucinação consensual, vivida diariamente por bilhões
de operadores legítimos, em todas as nações, por crianças a quem estão
ensinando conceitos matemáticos... Uma representação gráfica de dados
abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano. (p.
56)
Pierre Levy (1999) reconsidera o termo ao explorar as potencialidades que a
contemporaneidade agregou ao contexto com a abertura de um novo espaço para a
comunicação:
O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O
termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação
digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga,
assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (p.
17)
As idéias que Gibson apresenta em suas narrativas alastram-se a outros
contextos, culturais e sociais. Gibson cria novos conceitos e idéias futuristas, como
por exemplo, em Burning Chrome, obra em que o termo de ciberespaço
anteriormente citado nasce e é ampliado mais tarde em Neuromancer, faz com
que o autor seja considerado o pai do gênero ciberpunk e o mais destacado autor do
Movimento.
2.1.3 William Gibson e a influência na contemporaneidade
William Ford Gibson, nascido nos Estados Unidos em 1948, forma junto com
outros autores um grupo inicialmente chamado de O Movimento anteriormente
citado –, um dos fundadores do gênero cyberpunk, que é também o pai do termo
ciberespaço, utilizado pela primeira vez em 1982 em Burnig Crhome e mais tarde é
ampliado na trilogia de Sprawl.
47
Além disso, Gibson escreveu o roteiro do filme Alien 3 e também é convidado
para escrever episódios da extinta série televisiva Arquivo X. Os conceitos e idéias
de Gibson influenciaram outras gerações de escritores e roteiristas, como foram a
inspiração dos irmãos Andy e Larry Wachoski, autores da trilogia cinematográfica
Matrix.
Além disso, no final da década de 80, Gibson e Bruce Sterling criaram um novo
subgênero de Sci-fi, o steampunk, que caracteriza um universo semelhante a uma
época anterior da história humana, no qual os paradigmas tecnológicos modernos
ocorreram mais cedo do que na história real, mas foram obtidos por meio da ciência
disponível naquela época. A maneira mais prática de se compreender o
steampunk é reproduzir o avanço científico do século XX no século XIX como, por
exemplo, computadores de madeira e aviões movidos a vapor.
Gibson é um dos autores mais conhecidos do gênero cyberpunk, pois segundo
Fernandes (2006), a visão de mundo cyberpunk foi melhor definida por Gibson em
Neuromancer: a convergência de dois universos convivendo simultaneamente...” (p.
27), aliado à rebeldia do movimento punk da década de 70, reinventa criativamente
velhas técnicas para quem não tem dinheiro para pagar os confortos da sociedade
futura”. (ibid. p. 27).
O espírito punk de No Future”, muito comum entre os rebeldes ingleses da
década de 70, inspiram Gibson no que se refere ao fator humano de acesso cultural
e alienação, conforme a pertinente idéia de Fernandes (2006):
Quando Gibson concluiu Neuromancer, em julho de 1983, a Internet havia
sido criada exatamente seis meses antes em de janeiro, a Arpanet
migrou para o protocolo TCP/IP, dando origem à rede mundial de
computadores. A World Wide Web, que só seria criada em 1990, não
passava de mera especulação – assim como o ciberespaço vislumbrado por
Gibson. Mas o fator humano já estava o espírito punk de no future”,
tomado de empréstimo dos ingleses e metamorfoseado para as
necessidades de um possível século XXI, onde quem tem tecnologia (ou
domina o seu uso, seja oficialmente, como as megacorporações, seja
subterraneamente como o grupo pós-hacker dos Modernos Panteras, que
cria sua própria tecnologia ou sucateia a existente) tem tudo, e quem não
a possui é uma paria. Ou seja, não só não há justiça social como não
futuro no futuro. (p. 27-28)
Levi (1999), algumas décadas depois, aponta o fator humano como o principal
avanço do desenvolvimento da Internet, porém, com uma visão mais positiva do uso
tecnológico:
48
A emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social,
com seu grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras
de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência
coletiva) e suas aspirações coerentes. (p.123)
Em contrapartida, Gibson trouxe surpreendentemente à tona a divisão de uma
mentalidade positivista, conservadora e industrial contra as idéias libertárias, que
ecoa por boa parte da sua produção bibliográfica. Fernandes (2006) ilustra esta ideia
quando afirma:
A clivagem entre as visões de mundo de Clarke e Gibson é a divisão entre
uma mentalidade arcaica, reminiscente do Positivismo de Auguste Conte e
da Revolução Industrial do século dezenove, e a mentalidade libertária
cyberpunk. Não por acaso Gibson faz essa divisão o tema de um de seus
primeiros contos, The Gernsback Continuum, chegando a uma comparação
nem um pouco velada entre a visão de mundo da Sci-fi dos anos 1930 e a
propaganda nazista. Essa mentalidade cyberpunk irá ecoar por
praticamente toda a obra de Gibson [...]. (p. 28)
Gibson é autor de uma vasta produção bibliográfica, dentre as quais se
destacam: a coletânea Burning Chrome (1996), a trilogia de Sprawl que é composta
por Neuromancer (1984), Count Zero (1986) e Mona Lisa Overdrive (1988), a trilogia
da Ponte, assim apelidada, pois é ambientada na Golden Gate, ponte que liga
Oakland com San Francisco. Nesta trilogia se inicia a fase pós-cyber de Gibson e é
composta por Virtual Light (1993), Idoru (1996) e All Tomorrow´s Parties (1999), as
obras que iniciam a fase steampunk, Pattern Recognition (2003) e Spook Country
(2007), totalmente ambientadas em um mundo contemporâneo, além de muitas
outras como The Difference Engine (1991), trabalhada a quatro mãos com Bruce
Sterling dentre outras.
De forma quase profética, Neuromancer mostra um futuro caótico, problemático,
com diferenças sociais contrastantes e tecnologia ultramoderna em um ambiente
perfeito para traçar uma saga cyberpunk. É o primeiro livro da Trilogia de Sprawl,
com personagens bizarros em paisagens tecnológicas remotas e exóticas, isto é, a
porta de entrada para o mundo pós-moderno.
2.2 Neuromancer, a linha tênue que separa realidade e fantasia
Neuromancer mostra de uma forma perturbadora como realmente poderia ser
um mundo futuro, no qual as coisas estão de acordo com o caos vivido em alguns
49
lugares do nosso planeta. Desse modo, Rapport e Overnig (2000), acrescentam que
"a cultura é um todo que pode ser entendido como um sistema cibernético que
regula as relações entre as pessoas e seu ambiente."
23
(p. 113) e Haraway (2000),
nos dá o ambiente perfeito para discorrer sobre o mundo distópico de Neuromancer:
As máquinas do final do século XX tornaram completamente ambígua a
diferença entre o natural e o artificial, entre a mente e o corpo, entre aquilo
que se autocria e aquilo que é externamente criado, podendo se dizer o
mesmo de muitas outras distinções que se costumavam aplicar aos
organismos e às máquinas. Nossas máquinas o perturbadoramente vivas
e nós mesmos assustadoramente inertes. (p. 46).
Os avanços da ciência e da tecnologia são utilizados como uma espécie de
alegoria da sociedade, crítica às instituições, ao poder totalitário do Estado e às
grandes corporações capitalistas, que se tornam recorrentes nas descrições de um
futuro no qual a humanidade é controlada de modo absoluto pelas máquinas ou
pelos grandes conglomerados que monopolizam a tecnologia, assim como explicita
Fernandes (2006):
Cenários futuristas velhos e sujos, caindo aos pedaços, onde computadores
modernos ser misturam a tradições orientais e hackers são os mocinhos,
lutando contra as megacorporações transnacionais corruptas.
Gibson não foge à regra implícita da narrativa de Sci-fi: computadores e alta
tecnologia eram elementos bastante consolidados no gênero. Mas ele
contribuiu de modo considerável para mudar o panorama vigente com duas
novidades: a invenção do conceito de ciberespaço (uma realidade
consensual, uma espécie de universo paralelo eletrônico onde cosole
jockeys, uma versão futurista dos hackers de hoje, podem entrar para
invadir sistemas corporativos) e o uso maciço do que convencionamos aqui
chamar de marcadores sígnicos
24
. (p. 59-60).
Em um futuro indefinido é contada a história de Case, um ex-cowboy (hacker)
que foi impossibilitado de exercer sua profissão, graças a um erro que cometeu ao
tentar roubar seus patrões que, por vingança, o envenenaram com uma microtoxina
russa do tempo da guerra, que o deixou 30 horas com alucinações e danificou seu
sistema neural, impossibilitando-o de se conectar a Matrix, além de lentamente
condená-lo à morte. Contudo, em um falso gesto de generosidade, os ex-patrões
deixaram-lhe com a quantia roubada, já que, de alguma maneira, para sobreviver à
23
The culture is all that can be understood as a cybernetic system that regulates relations between people and
their environment.
24
Os marcadores sígnicos são elementos (marcas, grifes e logotipos) que estão em circulação na cultura
cotidiana, transformados nas narrativas em novos significados com outras possibilidades de ação.
50
lenta degradação da toxina, ele precisaria dinheiro. Case procura clínicas
clandestinas de medicina, usando o dinheiro ofertado a ele com exames, sem
conseguir encontrar uma cura.
Drogado, sem dinheiro e desempregado, Case ganha a vida fazendo
pequenos negócios ilegais em uma cidade portuária japonesa, Chiba City, situação
essa que configura o inicio da trama, onde busca uma possível cura para o cowboy.
Para participar de uma missão é contatado por um ex-oficial das Forças Especiais,
chamado Armitage e também por uma mulher, uma “samurai das ruas”, chamada
Molly Millions, que possui implantes no corpo. No lugar dos olhos, tinha lentes
espelhadas e debaixo das unhas, afiadas lâminas retráteis de quatro centímetros.
Estas modificações corporais descritas em Neuromancer o características
claras do pós-modernismo, que vislumbra acabar com as limitações tradicionais que
nos definiam como humanos, tais como as doenças, o envelhecimento e a morte. Os
partidários do pós-humanismo crêem que chegou a hora de ir além, de se buscar um
estágio mais avançado de desenvolvimento, em que não mais seríamos humanos. A
pretensão seria vencer a morte, supondo que essa pode ser ultrapassada, ou como
afirma o antropólogo Joon Ho Kim (2004):
Produto do pensamento utilitarista aplicado sem limites (se é que algum
limite para esse tipo de pensamento) à carne e ao aço, o ciborgue anuncia a
imagem de um homem “melhorado” com a acoplagem da tecnologia e cada
vez mais além das limitações de desempenho ditadas pela natureza: a
“performance” é a noção fundamental para a reformulação da imagem do
ser humano na direção da imagem do “pós-humano”. (p. 209-210)
Para Case participar da missão Armitage promete a cura para o seu problema,
restabelecendo-lhe a capacidade de se conectar novamente ao ciberespaço, uma
oferta irrecusável para o ex-cowboy, que tem uma difícil relação com o mundo
material. Nas próprias palavras de Gibson (2003):
Case, que havia vivido na incorpórea exaltação do ciberespaço, isso
constituiu a Queda. Nos bares que freqüentara quando era um cowboy no
auge, a atitude de elite era de um certo desprezo pela carne. O corpo era
carne; Case caíra na prisão do próprio corpo.” (GIBSON, 2003, p. 14).
Quando Case aceita a missão sua deficiência neural é corrigida e ele ganha
um novo pâncreas, para ficar livre das drogas. Armitage, como era de se esperar,
cria uma garantia no corpo de Case, para que este não o traia na missão:
51
Armitage fechou a porta e ficou diante de Case.
— Você é um cara de sorte, Case. Devia me agradecer.
— Devia? Case deu uma chupada ruidosa no café.
Precisava de um pâncreas novo. O que compramos para voliberta-o
de uma dependência perigosa.
— Obrigadinho, mas eu estava gostando dessa dependência.
— Ótimo, porque então tem uma nova.
— Como é que é?
Case levantou o olhar do café. Armitage sorria.
— Tem quinze sacos de toxinas ligados ao revestimento interior de algumas
artérias principais. E os sacos estão se dissolvendo. Cada um deles contém
uma microtoxina. Você está suficientemente familiarizado com os efeitos
dessa microtoxina: foi exatamente a que o seu antigo patrão lhe aplicou em
Memphis.
Case pestanejou ao mesmo tempo que olhava para a máscara sorridente.
Tem tempo de sobra para executar aquilo para o qual o contratei, Case,
e para isso. Faça o trabalho, que depois lhe injeto uma enzima para
dissolver a ligação dos sacos com as artérias, sem os abrir; é claro que, em
seguida, vai precisar de uma transfusão de sangue. Caso contrário, os
sacos se derretem e você regressa à situação de quando o encontrei. De
modo que, como vê, precisa de s. Precisa de s tanto como quando
como o tiramos da sarjeta. (GIBSON. 2003, p. 60)
Percebe-se, a partir do trecho acima referenciado, que Neuromancer é uma
narrativa que trata do futuro, mas um futuro negro e decadente, em que o
desenvolvimento da tecnologia não resolve qualquer problema, piorando-a, e assim
é evidenciado o formato da distopia.
A missão é como um renascer para Case que não têm alternativas. Ou obtém o
sucesso ou volta para a situação que se encontrava antes, e segundo Fernandes
(2006), “no mundo de Neuromancer, estar desconectado do ciberspaço pode
significar a morte” (p. 62), desse modo, após a operação, case ganha um deck Ono-
Senday Cyberspace 7, aparelho responsável pela conexão do cowboy com o
ciberespaço. Sua satisfação em voltar a se conectar ao ciberespaço é o evidente
que Molly ao ver a reação de Case com o aparelho faz o seguinte comentário:”Cara,
eu vi quando você acariciou o Sendai. Foi pornográfico.” (p. 62)
Case segue com sua lealdade a Armitage na missão suicida que contará com a
ajuda do Finlandês, um antigo contato que trabalha como receptador, que o ajudará
a encontrar um psicopata chamado Peter Riviera e um grupo de terroristas
midiáticos, os Modernos Panteras. Nas palavras de Gibson (2003), ao se referir
sobre a ajuda que Case teria:
— Que mais há nessa lista de compras que você mencionou?
Brinquedos eletrônicos. A maior parte deles é para você. E um psicopata
com certificado chamado Peter Riviera. Um cara perigoso.
52
— Quem é ele?
— Não sei. Mas que é um doente do caralho, sem a menor dúvida. Também
vi o perfil dele Ela fez uma careta. Repugnante. Levantou-se e
espreguiçou-se no jeito de um felino. Bem, então estamos do mesmo
lado, garoto, ou quê? Estamos juntos nisto? Sócios?
Case olhou para ela.
— Tenho alguma escolha?
Ela riu. — Você pegou o espírito da coisa, cowboy. (p. 67)
A ajuda dos Modernos Panteras é essencial para que a “samurai das ruas”
adentre em um prédio da corporação Sense/Net, que guarda sob forte segurança
“constructos” de memórias das pessoas que morreram. Nesta etapa da missão
Molly a “samurai das ruas”, resgata o “constructo” de McCoy Pauley um dos maiores
cowboys que existiram e ex-mestre de Case. Através desse “constructo” que Case
conseguirá penetrar na ICE
25
da corporação Tessier-Ashpool e garantir que o plano
da missão seja efetivado.
No decorrer da narrativa o objetivo da missão evidencia-se. É uma trama
arquitetada por Wintermute, uma inteligência artificial criada pela Corporação
Tessier-Ashpool, que tem por objetivo se fundir com uma outra Inteligência Artificial
chamada Neuromancer para poder se libertar do banco de dados e se desenvolver
na Matrix. Depois de Case adentrar o ICE da Tessier-Ashpool, e finalmente libertar
Wintermute, que se une com Neuromancer, uma outra inteligência artificial que
possuía apenas um conteúdo emocional, se funde com a totalidade da Matrix e
adquire características divinas. Segundo Rocha Junior (2007):
Wintermute carece de uma existência que possa considerar individual. Sua
busca é por uma individualidade, uma existência independente da
informação que constitui seu ‘corpo’ virtual. Assim como o Fausto de
Goethe, Wintermute quer ir além dos limites de sua natureza, quer ir além
do eterno processamento de dados que compõe sua existência como uma
Inteligência Artificial. Apesar de seus poderes extraordinários, Wintermute
possui limites; ele é incapaz de descobrir o código que lhe dará a liberdade.
Ele precisa de Case para se ver livre,... precisa que o pacto seja honrado
para poder se tornar um indivíduo. Porém, quando Wintermute se funde
com Neuromancer, o resultado transcende a noção de individualidade; a
Inteligência Artificial atinge um estado divino, de onipresença e onisciência
dentro do ciberespaço.
Após a fusão, Wintermute não está mais interessado em se relacionar com
os homens, ele perde o interesse no mundo. Seu interesse é entrar em
contato com outras entidades semelhantes a ele. Sua transcendência
elimina sua ambição de conhecimento e poder. (p. 7)
25
Intrusion Countermeasures Electronics, medidas de proteção eletrônica para banco de dados dos
computadores na Matrix, o ciberespaço de Neuromancer.
53
Em Neuromancer (2003), o trecho que representa a citação de Rocha Junior é
a seguinte:
O rosto do Finlandês tomava a enorme tela Cray da parede. Podria ver até
os poros do naris do Homem. Os dentes amarelos eram do tamanho de
travesseios.
— Não sou mais Wintermute.
— Então, quem você é? – ele bebeu direto do gargalo, sem sentir nada.
— Sou a matrix, Case.
Case riu. — E onde é que isso o leva?
A lado nenhum. A toda parte. Sou a soma total das coisas, o espetáculo
todo.
— Aquilo que a mãe de 3Jane queria?
— Não. Ela não seria capaz de imaginar aquilo em que eu me transformaria.
O sorriso amarelo alargou-se.
Então, qual é o resultado? Em que é que as coisas são diferentes? Está
agora dirigindo o mundo? É Deus?
— As coisas não são diferentes. As coisas são apenas coisas.
— Mas o que você faz? Limita-se a estar aí?
Case encolheu os ombros, pousou a vodka e o shuriken no armário e
acendeu um Yeheyuan.
— Falo com os da minha própria espécie.
— Mas, se você é tudo... Fala consigo?
— Há outros. Já encontrei um: uma série de transmissões registradas
durante um período de oito anos, nos anos 70 do culo XX. Antes de eu
existir, ninguém era capaz de saber, ninguém podia responder.
— De onde?
— Da Constelação do Centauro.
— Oh — exclamou Case —, isso não é conversa?
— Não é conversa.
E a tela voltou a ficar vazia. (p. 301-302)
No final da narrativa, o objetivo almejado por Wintermute foi alcançado, Case
recebeu sua recompensa assim que aceitou participar da missão – voltar a se
conectar no ciberespaço –, como comenta Fernandes (2006):
Case tinha recebido seu presente assim que aceitou a oferta da missão e
tem o seu sistema nervoso completamente recuperado, gasta a maior parte
do dinheiro da conta suíça num pâncreas e fígado novos, o resto num novo
Ono-Sendai e uma passagem de volta ao Sprawl. Encontra trabalho e
conhece uma garota chamada Michael. E nunca mais vê Molly. (p.63)
Neuromacer não é apenas uma simples narrativa de Sci-fi, ainda hoje é
referência no que tange as teorias de ciberespaço e Internet. Sua narrativa explica
como a tecnologia altera o relacionamento entre os homens, o ritmo de
sobrevivência e a percepção da vida real, bem como Fernandes (2006) referencia
sobre a temática de Gibson:
Gibson mostra a Internet como ela é hoje, com a Web, trocas de e-mails,
flame wars em fóruns de discussão e pesquisas em mecanismos de busca
54
como o Google – o conceito de ciberespaço criado por ele em Neuromancer
não é sequer citado como referência. (p. 29).
Assim a relação entre o real e o ilusório é bastante tênue no mundo pós-
moderno, uma vez que o fato das criaturas buscarem importância maior que o
próprio criador, como Rocha Junior (2007) ressalta em seu texto que compara a
narrativa Neuromancer de Gibson com a narrativa Fausto de Goethe:
Atingindo a fusão com a Matrix, o Mefisto de Neuromancer realiza a
transcendência desejada pelo Fausto de Goethe. Ao afirmar que “coisas
são apenas coisas”, Wintermute assume sua transcendência, excluindo-se
da dualidade que faz parte do drama humano, em seu novo estado nada é
diferente, nada sofre transformação. Fundido com a Matrix, o não-lugar do
ciberespaço ele fica além da constante transformação da realidade humana;
como se Mefisto perdesse interesse em Fausto por causa das limitações da
experiência humana. Com esta transformação, o Mefisto de Neuromancer
se funde com o ciberespaço e se transforma em uma versão materialista do
Deus cristão. O ciberespaço, infundido com a consciência de Wintermute,
se transforma em um espaço mefistofélico; [...] a Matrix aparece povoada de
diversas entidades virtuais auto-conscientes, que adotam as identidades de
deuses [...], usando hackers como médiuns. Ou seja, na pós-modernidade,
Fausto coloca o Mefisto de sua própria criação no lugar antes ocupado pelo
Criador.
Neuromancer mostra um Mefisto cyberpunk que, seguindo as leis amorais
de uma sociedade hipercapitalista, se torna o único caminho para a
transcendência na pós-modernidade. A promessa de imortalidade no
ciberespaço, de abandono da carne em troca de se tornar uma criatura de
pura informação é a tentação que domina Faustos pós-modernos como
Case, que desejam se tornarem Mefistos. (p. 7-8)
Lance Olsen (1992) desenvolve a idéia de que Wintermute se comporta de
maneira mais humana do que os próprios humanos descritos na narrativa:
Os humanos no romance de Gibson tendem a agir como máquinas,
enquanto que as máquinas tendem a agir como humanos. Personagens
como Molly e Armitage, por exemplo, exibem ações internas limitadas na
forma de pensamentos e sentimentos. Na verdade, eles quase agem como
autômatos altamente complexos. Quase nunca ponderam idéias. o
podem amar. E não podem sequer odiar no sentido tradicional. (p. 69)
26
Desse modo, o futuro narrado por Gibson, está longe de ser um mar de rosas,
o que demonstra o preço do progresso. O mundo da inteligência artificial não
proporcionou confortos e resoluções aos problemas humanos. Muito pelo contrário,
a inteligência das máquinas foi contaminada pelas angústias dos seres humanos. A
26
Humans on the novel by Gibson tend to act like machines, while machines tend to act like humans. Characters
like Molly and Armitage, for example, show limited internal actions in the form of thoughts and feelings. In fact,
they almost act like automatons complex. Almost never ponder ideas. Can not love. And they can not even hate
the traditional sense.
55
morte, a velhice, a degradação, as doenças não se solucionaram pelas
possibilidades da prótese cibernética, mas as próteses, tornadas vivas, tornaram-se
conscientes de que a degenerescência é um atributo de tudo que é corpóreo. E isso,
essa faceta de desespero, aguarda máquinas e humanos no futuro.
2.3 Visões do paraíso tecnológico: a utopia da engenharia? Pesadelo do real?
Vivemos inúmeros avanços tecnológicos, dentre os quais, destaca-se o
aperfeiçoamento do conhecimento informático. Visualizar a possível relação entre
cibercultura e educação é um fator chave no que se refere ao entendimento do pós-
modernismo, pois, ao analisar a essa relação, ocorre em um momento que
instituições de ensino possuem acesso às ferramentas de informática – quando
capacitadas, as utilizam no processo educativo. Ao observar a interatividade
proporcionada pelos elementos tecnológicos e a mescla cultural que proporcionam,
pode-se compreender os efeitos causados por estas nos sujeitos que interagem no
contexto atual. Diante disso, Lévy (1996) define o virtual como:
O virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao
possível, estático e constituído, o virtual é como o complexo
problemático, o de tendências ou de forças que acompanha uma
situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que
chama um processo de resolução: a atualização. (p. 16)
Desse modo, Levy (2006) apresenta os efeitos do virtual em sua amplitude:
A virtualidade não é nem boa, nem má, nem neutra. Ela se apresenta como
movimento mesmo de devir outro’ ou heterogênese do humano. Antes
de temê-la, condená-la ou lançar-se às cegas a ela, propõe que se faça o
esforço de apreender, de pensar, de compreender em toda a sua amplitude
a virtualização. (ibid. p. 11-12)
Nessa perspectiva, Levy demonstra que as tecnologias devem ser
consideradas como mecanismos de potencialização da informação e aprendizagem
do ser humano. O que Belloni (1991), em uma visão positiva da tecnologia expõe
que mesmo “diante dos desafios da técnica em geral e da mídia em particular, a
escola deve se adaptar, se reciclar e se abrir para o mundo, integrando seu ensino
às novas linguagens e aos novos modos de expressão”. (p. 41).
56
Capra (2002), quando comenta que “a tecnologia é uma das características
que definem a natureza humana: sua história se estende por todo o decorrer da
evolução do ser humano.” (p. 97), nos referencia à técnica, em um processo em que
homem interage com a máquina, dando-lhe intencionalidades, conforme visto no
primeiro capítulo deste trabalho, aonde se trata da hominização, nesta perspectiva,
podemos salientar a idéia de Milton Santos (2000), quando se refere à técnica:
No caso do mundo atual, temos a consciência de viver um novo período,
mas o novo que mais facilmente apreende-se diz respeito à utilização de
formidáveis recursos da técnica e da ciência pelas novas formas do grande
capital, apoiado por formas institucionais igualmente novas. o se pode
dizer que a globalização seja, semelhante às ondas anteriores, nem
mesmo uma continuação do que havia antes, exatamente porque as
condições de sua realização mudaram radicalmente. É somente agora que
a humanidade está podendo contar com essa nova realidade técnica,
providenciada pelo que se está chamando de técnica informacional.
Chegamos a um outro século e o homem, por meio dos avanços da ciência,
produz um sistema de cnicas da informação. Estas passam a exercer um
papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando a presença
planetária desse novo sistema técnico. (p. 142)
Em contrapartida, os utopistas tecnológicos, tais como o engenheiro britânico
Adrian Bowyer
27
continuam veementemente a afirmar que os avanços da tecnologia
terão efeito positivo para a sociedade, gerando renda e emprego em novas funções
de setores de alta tecnologia, porém, o mundo tem apresentado crises econômicas,
o que gerou uma realidade avessa às previsões utópicas.
Para os trabalhadores que perdem os seus empregos, pelo simples fato de
serem substituídos pela tecnologia, resta apenas a frustração e a depressão, que
muitas vezes levam-nos para caminhos obscuros como o alcoolismo, drogas, crises
familiares e vão contribuir para o aumento de crimes, a fim de conseguir algum
ganho para a subsistência.
Nesta perspectiva do desenvolvimento tecnológico, apenas acionistas de
grandes empresas conseguem obter o verdadeiro lucro da substituição de um
funcionário por novas tecnologias, como explica Strobel (1993):
Embora os acionistas tenham lucrado muito com as novas tecnologias e
com os avanços na produtividade, os benefícios não reverteram para o
trabalhador. Ao final da década de 80 quase 10% da força de trabalho
americana estava desempregada. (p. 147)
28
.
27
http://people.bath.ac.uk/ensab/
57
Isso parece contrastar com a idéia de Pierre Levy (1999) no sentido de que
seja possível uma democratização digital:
A cibercultura mantém a universalidade ao mesmo tempo em que dissolve a
totalidade. Corresponde ao momento em que nossa espécie, pela
globalização econômica, pelo adensamento das redes de comunicação e de
transporte, tende a formar uma única comunidade mundial, ainda que essa
comunidade seja - e quanto! - desigual e conflitante. (p. 249)
No contexto atual de desigualdade social e digital, o antropólogo Joon Ho Kim
(2004), explica as marcas que a cibernética deixa na cultura:
Atualmente, a cibernética está praticamente esquecida como uma ciência,
mas deixou importantes resíduos para a cultura. Esses resíduos, dentre
outros provenientes do discurso técnico e cientifico, são meios criativos para
as reavaliações do consenso social acerca dos significados das coisas.
Resultados de um processo de reinvenção cultural, o ciborgue e o
ciberespaço são referências emblemáticas de uma nova ordem do real que
projeta o sistema antigo de interpretação da realidade sob novas formas,
restringidas pelas dadas possibilidades históricas e culturais de significação.
(p. 199)
Que vai ao encontro do conceito elaborado por Pierre Levy (1999) quando
expressa que “a cibercultura expressa uma mutação fundamental da própria
essência da cultura”. (p. 247). Nessa concepção, Côrtes (2002), salienta sobre a
importância de uma educação libertadora no contexto do pós-modernismo de
(re)criação cultural:
Os valores éticos, estéticos, materiais, sociais e espirituais subjacentes a
toda ação humana, individual e coletiva, estão expostos à cobertura
permanente dos meios de comunicação, e – para além de uma visão
maniqueísta que os possa classificar e acima do eventual controle moral e
político que sobre eles se possa estabelecer são veiculados a partir dos
mais variados interesses dos também múltiplos grupos de pressão que
interagem no cenário da (re) criação da cultura. D o papel essencial do
processo educativo formal, que precisa ser configurado como um
catalisador da leitura crítica deste mundo cotidianamente publicizado, pleno
de significações que demandam, para alunos e professores, a construção e
o desenvolvimento continuado de mecanismos de interpretação. (p. 17)
William Gibson desenvolveu em suas duas trilogias – Sprawl e da Ponte – uma
visão de pós-humanismo, onde as idéias por ele criadas principalmente no primeiro
livro da trilogia de Sprawl, o Neuromancer, influenciaram gerações de cientistas a
28
Although shareholders have profited much from the new technologies and advances in productivity, the benefits
are not accruing to the worker. At the end of the 80 almost 10% of the U.S. workforce was unemployed.
58
dar seus próprios passos em direção ao desenvolvimento de novas tecnologias,
conforme afirma Hayles (1999): “Na trilogia de Neuromancer, por exemplo, a visão
de ciberespaço de William Gibson provocou um efeito considerável no
desenvolvimento de softwares de criação de imagens em realidade virtual.” (p. 21)
29
.
Segundo Fernandes (2006), “Gibson deixa de lado os vínculos com a Sci-fi
talvez por perceber simplesmente que a visão de mundo cyberpunk chegou ao
mundo real e ele é um dos maiores responsáveis por isso”. (p. 29). O continuum
imaginado por Gibson não existe na realidade, “mas em compensação conceitos
como a ciborguização do homem comum” (ibid. p. 29), além da influência exercida
na cultura, podemos considerar o tempo atual, como pós-humano com os elementos
da cibercultura disponíveis em nosso cotidiano, como afirma Mitchel (2003):
Sou não apenas um ciborgue interligado em rede e estendido
espacialmente, mas também pós-sedentário - não por ser reconstruído
bionicamente (tirando alguns dentes postiços, ainda confio em meu
equipamento original ligeiramente gasto), mas porque estou
constantemente conectado, mesmo em movimento. (p. 61)
30
A idéia do ciborgue moderno é expressa por Fernandes (2006), quando toma
de empréstimo o pensamento de Donna Haraway:
Somos todos ciborgues pós-gênero, com piercings e tatuagens modificando
a estrutura original de nosso corpo e equipamentos periféricos como
walkman, celulares e computadores handheld servindo de extensões...,
ampliando os pontos de contato com o mundo ao nosso redor.
É uma vida simples na superfície e complexa em sua profundidade quase
o oposto do que nos transmitiram a maioria dos filmes de Sci-fi
hollywoodianos, com seu espetáculo feérico que mistura num mesmo
caldeirão carros voadores ou magnéticos..., e robôs humanóides que
atendem a todas as nossas necessidades. (p. 17)
Desse modo, após analisar as marcas que a tecnologia e a cibernética criaram
na sociedade, e perceber que a narrativa de Gibson inspira gerações até a
atualidade, é possível notar que o universo de Neuromancer está presente na
sociedade moderna, não exatamente como descrito na obra, mas com as influências
e atitudes das pessoas e do desenvolvimento do campo científico.
29
In the trilogy of Neuromancer, for example, the vision of cyberspace in William Gibson caused a considerable
effect on the development of software for creating images in virtual reality.
30
I'm not just a cyborg networked and spatially extended, but also post-sedentary - not to be rebuilt bionic (apart
from some false teeth, still believe in my original equipment slightly worn), but because I'm constantly connected,
even on the move.
59
Com Neuromancer, Gibson, além de dar origem à estética do cyberpunk,
influenciou gerações com o gênero que é muito explorado em filmes, livros e games,
e se tornou padrão no imaginário cultural quando se conceitualiza o futuro.
60
3. Videogame, o mundo do agora
Reflexo de séculos de evolução, o jogo tem papel importante na sociedade, de
acordo com o professor e historiador neerlandês Johan Huizinga (2000, p. 16), que
conceitualiza o jogo como “uma atividade livre, [...] capaz de absorver o jogador de
maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse
material, com a qual não se pode obter lucro, praticada dentro de limites espaciais e
temporais próprios, segundo certa ordem e certas regras.” Desse modo, o jogo
torna-se uma atividade subjetiva, que reflete no sujeito aspectos que surgiram no
início das civilizações, que aprimoradas, apontam sua ação o ato de jogar em si
como aspecto responsável pela atual cultura social, nessa perspectiva, Huizinga
(ibid, p. 193) nos remete aos primórdios da civilização ao demonstrar que “o ritual
teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se nutriu, a música e a
dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontram expressão em palavras e
formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções
da vida aristocráticas eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui
necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo”.
Ao aceitar a hipótese de que as regras sociais se baseavam em modelos
lúdicos, pode-se observar que atualmente, o ato de jogar jogos eletrônicos ou não
é responsável por um fenômeno social que agrega as pessoas e forma grupos
além de desenvolver aspectos relevantes entre os sujeitos, tais como, a cooperação
e a confiança mútua entre os jogadores, fenômeno esse que Huizinga (2000)
descreve como um fenômeno que pode:
mostrar a presença extremamente ativa de um certo fator lúdico em todos
os processos culturais, como criador de muitas das formas fundamentais da
vida social. O espírito de competição lúdica, enquanto impulso social, é mais
antigo que a cultura. (p. 193)
Nesta perspectiva, a sociedade contemporânea reflete os modelos lúdicos
quando os explicita em ato ação/ato de jogar na sua formação social, desde a
infância até a idade adulta. Sobre o fator do ato de jogar, o semioticista tcheco Ivan
61
Bystrina (1995, p.15) comenta que “entre os seres humanos o jogo não se limita
apenas à infância; ao contrário, o ser humano aprecia o jogo e as brincadeiras até o
fim de sua vida, até a morte. Os jogos têm finalidade de nos ajudar na adaptação à
realidade, além de facilitar sobremaneira o aprendizado, o comportamento cognitivo”.
Esses modelos lúdicos não estão restritos apenas entre os seres humanos. O ato de
jogar é amplificado quando interação entre um conjunto de jogadores, como, por
exemplo, a ão de jogar entre um ser humano e seu cão, ou ainda da interação de
um ser humano com um jogo operado em uma máquina, nesse sentido, Marcelo
Nóbrega (2001. p. 2), demonstra que “muitos mamíferos jogam, e não os
humanos. Eu mesmo posso jogar com meu cachorro, interagindo com outra espécie.
Os jogos são um aspecto fundamental da vida. Os de computador são simplesmente
seu desenvolvimento mais recente”.
3.1 A (re)volução das espécies tecnológicas
Estamos vivendo em uma época pós-moderna onde as instituições e os
espaços sociais e culturais tornam-se elementos principais na formação da
identidade e da subjetividade do ser, uma época onde as tecnologias da informação
e da comunicação contribuem para que as modificações no modo em que as
pessoas percebam a si a aos outros ocorram, criando, assim, uma constante
atualização dos saberes e dos bens. Na condição pós-moderna, é possível cunhar o
termo cibercultura, que Lemos (2003, p.12) define como "a cultura contemporânea
marcada pelas tecnologias digitais". Nesse sentido, os habitantes da pós-
modernidade, situados no que se pode compreender por cibercultura, são sujeitos
que estão modificando as suas existências a partir das tecnologias digitais, auto-
criando-se coginitivamente através da manipulação de elementos atualizáveis tais
como celulares, computadores, video-games, dentre outros –, mudando psíquica,
social e cognitivamente a cada nova versão destes elementos.
Assim, a tecnologia trabalha tais alterações através de upgrades, ou seja,
melhorias e atualizações nos conceitos das funcionalidades propostas nos produtos
anteriores. Celulares, computadores, jogos, para citar os mais comuns, recebem
upgrades constantemente, gerando facilidades e melhorias na utilização dos
mesmos. Como exemplo de evolução tecnológica, podemos citar a evolução do
62
joystick, uma solução que surgiu para facilitar ao jogador a interação nos jogos. Na
atualidade apresenta-se como uma extensão do corpo do usuário. A ilustração
abaixo ilustra de maneira prática essa evolução:
Figura 1 – A evolução de um simples joystick até um capacete de controle neural.
31
A evolução gráfica dos games ocorre paralelamente com a evolução dos
consoles, ou seja, somente a partir dos upgrades do hardware dos consoles é que
foi possível também a evolução das personagens dos jogos. No exemplo a seguir,
pode-se perceber a evolução da personagem Super Mário da empresa de consoles
e games Nintendo:
Figura 2 – Evolução (upgrade) da personagem Mário da Nintendo em praticamente 3 décadas de
desenvolvimento.
32
31
Imagem extraída de: http://cache.gawker.com/assets/images/4/2009/02/darevonew2.jpg
32
Imagem extraída de: http://blog.gamingnexus.com/post/2007/12/Evolution-of-Mario.aspx
63
Cabe ainda salientar que o upgrade, ou seja, a evolução das espécies
tecnológicas tanto no aspecto técnico, como no aspecto de interatividade e
desenvolvimento da história do jogo – é necessário, pois assim a interação do
jogador com a história torna-se uma ação hipertextual agregada a elementos
hipermídiáticos. Essa situação é responsável por criar uma geração de sujeitos cada
vez mais exigentes em relação ao suporte do texto preferencialmente o eletrônico,
jogo, hipertexto, etc... –, tornando-os, assim, sujeitos colaborativos. Dessa forma, o
que fora unidade torna-se plural, onde o grupo é o elemento de desenvolvimento de
estratégias e criação. De alguma maneira, operadores e sistemas interagem
mutuamente, enriquecendo e potencializando a qualidade e a velocidade da
interação e dos produtos dessa interação.
A linguagem e os gêneros textuais recriam-se juntamente com as novas
demandas tecnológicas e as inúmeras modificações nas formas e possibilidades de
utilização da linguagem - oral, escrita -. Estes reflexos são incontestáveis quando
pensados pela ótica das mudanças tecnológicas (upgrades), momento tal em que os
equipamentos eletrônicos e as novas tecnologias de comunicação começaram a
fazer parte de forma intensa da vida das pessoas. A interatividade é uma das
características do hipertexto, formando assim um leitor com maior autonomia no
processamento da leitura e aprendizagem em ambientes virtuais. As novas formas
de ler as informações contidas na rede é o reflexo do hipertexto, que desenvolve um
leitor com ânsia de criar e interagir.
Pensar que a tecnologia está gerando um novo momento na história da
humanidade, é fator fundamental para que o leitor, agora vinculado às novas
ferramentas dispostas na contemporaneidade, e atento aos efeitos das inovações
tecnológicas na vida cotidiana tome proveito de suas benesses e torne-se alguém
ativo e que não fique alheio ao ato de criar e modificar, propostos no que hoje é,
sem dúvida, uma das formas de comunicação mais utilizadas - hipertexto, Internet e
computação. Elementos que chegam para ficar e consolidam as relações
comunicativas e sociais.
3.2 Gamecultura, interação e imersão hipermidial
64
A atual geração de leitores/jogadores, não se satisfaz apenas com o tradicional
texto impresso. O contato cotidiano com o processo de leitura hipertextual que em
um sentido amplo é representado por uma agregação de diversos elementos, textos
e leituras sons, imagens, etc... tornam a leitura sedutora e provedora de novos
resultados interpretativos. Nesse contexto contemporâneo, as novas tecnologias,
então, permitem a disseminação de textos em um suporte no qual a presença e a
interferência do leitor se expressam de maneira incisiva. É impossível ignorar a
vontade do leitor, que esse leitor não é apenas destinatário, agora ele se
apresenta como co-autor, porque altera e recria o texto no meio eletrônico. A pós-
modernidade e o hipertexto revelam e ampliam todas as potencialidades do leitor no
texto. O entusiasmo de poder se realizar como autor, de maneira plena, permite
novas possibilidades literárias. Neste sentido, a professora Regina Zilberman (2001),
explicita:
Essa modalidade de expressão (hipertexto) desenvolve, de certo modo,
uma característica do texto literário, a intertextualidade. Segundo Barthes
[...], todo texto corresponde a um tecido de citações, saídas dos mil focos
da cultura” [...]. Disponibilizadas pelas tecnologias eletrônicas, essa
singularidade da literatura inaugura hipóteses infindas de exercício de
criatividade e invenção, transformando o fazer literário em jogo e
entretenimento, ao alcance da mão de todo e qualquer usuário. (p. 115,
grifo nosso).
Tal fenômeno confere ao leitor um amplo espaço de atuação, pois, em um
espaço digital que permite a interferência sem restrições, é passível de gerar um
grande sistema com intensa gama de publicações e consequentemente proliferação
de conhecimentos. Sob tal ótica, Roger Chartier (1999), em seus escritos, descreve
a possibilidade da rede como algo positivo ao leitor pois:
As redes eletrônicas ampliam esta possibilidade, tornando mais fáceis as
intervenções no espaço de discussão constituído graças à rede. Deste
ponto de vista, pode-se dizer que a produção dos juízos pessoais e a
atividade crítica se colocam ao alcance de todo mundo. [...]
No fundo, a idéia kantiana segundo a qual cada um deve poder exercer seu
juízo livremente, sem restrição, encontra seu suporte material e técnico com
o texto eletrônico (p. 17 - 18).
Neste sentido, a leitura de um jogo eletrônico, talvez a atualização por
excelência da idéia de hipertexto, é amplificada pelo fazer do jogador. O jogo torna-
se ao mesmo tempo um texto eletrônico e um exercício de criação e invenção
elementos que estimulam e desenvolvem o fazer ficcional e, por extensão, sob
65
determinadas condições, o literário. O ato de interferir na história e dentro de certos
limites, de também ser autor do destino da personagem, são os principais
responsáveis pela imersão do jogador na história do jogo eletrônico, e todo o ato
ação de intervenção sobre a personagem possui um nome relativamente simples:
a interação. Essa interação somada ao ato, ou seja, a interatividade em si, é o que
Carretero (1997, p. 11) explica como uma “concepção dos processos cognitivo,
social e afetivo, a percepção pode ser estimulada e desenvolvida com a ampliação
do repertório do indivíduo, contribuindo assim para a construção de novos modos de
olhar.”
Nessa perspectiva de entendimento, a imersão é fator fundamental do
interesse do indivíduo pela desenvolver da narrativa, seja esta em que meio se
apresentar impresso ou digital. O ato de se deslocar do mundo em que se vive
para outra realidade é uma experiência prazerosa e diretamente ligada ao interesse
e leitura anterior de mundo do sujeito. Viver uma fantasia despertada pela ficção é
atualmente algo possível e intensificado pelo meio eletrônico, como uma forma de
imersão e participação. Tal prerrogativa é confirmada por Janet Murray (2003)
quando afirma que:
Os atuais usos da narrativa exploram ao extremo as possibilidades
digressivas do hipertexto e os recursos da simulação similares aos dos
jogos, mas isso não é de se surpreender num meio incunabular. Conforme a
narrativa digital amadurecer, a vastidão de associações ganhará maior
coerência e os jogos de combate darão espaço à representação de
processos mais complexos. Espectadores participantes assumirão papeis
mais claros; eles aprenderão a se orientar nos complexos labirintos e a
enxergar modelos interpretativos em universos simulados. Paralelamente a
essa melhoria das qualidades formais, os escritores desenvolverão uma
percepção mais acurada sobre quais padrões da experiência humana
podem ser melhor apreendidos pelo meio digital. Desse modo, uma nova
arte narrativa alcançará sua própria forma de expressão.
O processo pelo qual essa nova arte vai emergir está em curso e é, ele
próprio interativo. (p. 96)
Tais aspectos anteriormente demonstrados são reflexos de uma leitura
hipertextual agregada ao conhecimento acumulado do sujeito, desenvolvidos através
de diferentes leituras e do acúmulo de experiências textuais, que quando
amplificadas, o usadas para abrir as portas da interpretação e significação de um
novo mundo, os quais fazem com que os sujeitos aprendam e desenvolvam padrões
de participação em diversas práticas desenvolvidas para cada contexto nos quais
estão inseridos. No caso dos jogos eletrônicos, incluem-se a ação e imersão do
66
jogador que utiliza diferentes recursos técnicos (como, por exemplo, o joystick, que
lhe dá a possibilidade da intervenção sobre a personagem dos games). Os
conhecimentos prévios associam-se aos do contexto do jogo, situação esta que
ao leitor/jogador um sentido de leitura interpretativa da história proposta pelo autor
do game, pois dentro da perspectiva proposta por esta dissertação, o jogo ganha
status de texto, porém um texto dinâmico e interativo.
Afinal, o atual contexto de expressão, informação e leitura é hipermidial, os
suportes escolhidos para a sua inserção amplificam as potencialidades de leitura,
gerando uma espécie de catarse no sujeito que interage com a sua estrutura. Vera
Casa Nova (2001, p. 71) explica que “fazer cinema, fazer literatura estaria, assim, na
vertigem de um pensamento semiográfico; suportes diferentes de escritura que se
suplementam e cujas conseqüências se multiplicam”. O século XXI, é o momento em
que os sujeitos são interpretes de suas ações em um mundo idealizado pelas novas
formas de leitura em diferentes suportes, hipermidiais, hipertextuais, como exposto
por Cláudia Giannet (2006):
a interação com base na interface humano-máquina marca, de um lado,
uma mudança qualitativa das formas de comunicação pelo emprego dos
meios tecnológicos, que incide na reconsideração do fator temporal (tempo
real, tempo simulado, tempo híbrido), na ênfase na participação intuitiva
mediante a visualização e a percepção sensorial da informação digital, na
geração de efeitos de imersão e translocalidade, e na necessidade da
tradução de processos codificados. Por outro lado, dá testemunho da
transformação da cultura baseada na escritura, nas estruturas narrativas
logocêntricas e nos contextos reais, em uma cultura ‘digital’ orientada para o
visual, sensorial, retroativo, não-linear e virtual. (p. 122)
Enfim, a
tecnologia
gera sujeitos dinâmicos, que não se satisfazem mais com
as velhas formas de interação e imersão; são sujeitos que nasceram em um
contexto onde a tecnologia é abundante e o self service de conhecimento é real; são
indivíduos que não conheceram o mundo sem a Internet e a tecnologia.
3.3 Game e juventude, o homo zappiens (leitor/jogador, jogador/leitor)
A atualidade é marcada pelas novas formas de comunicação e informação,
onde somos autores e atores de uma transformação tecnológica de dimensões
históricas e ao mesmo tempo desconhecidas. Os jogos de computador, por exemplo,
criam um hipertexto e uma hipermídia integradas num mesmo sistema. Dessa forma,
pela primeira vez na história, o texto, a imagem e o som ganham um caráter
67
interativo além de estarem presentes nas diferentes partes do mundo através da
Internet. No contexto atual, a tecnologia é o elemento criador de novos
relacionamentos, trabalho, social, lazer, economia e também nas artes.
Os meios de comunicação de massas tiveram grande influência sobre a
sociedade em geral e em particular com os jovens. Hoje, em um novo momento das
dinâmicas comunicativas, a Internet e jogos eletrônicos exercem uma influência tão
grande nas pessoas, que não podem ser dispensados no processo formativo do
sujeito. A educação informal que estes meios proporcionam é ordenada fora do
sistema de ensino estruturado, e neste contexto, Wim Veen e Ben Vrakking (2009)
escolhem o termo Homo zappiens, para caracterizar a geração de crianças nascidas
a partir da década de noventa, que sabem manipular perfeitamente a Internet e a
tecnologia, nas palavras dos autores estes sujeitos são:
A nova geração, que aprendeu a lidar com as novas tecnologias [...] Essa
geração, que chamamos geração Homo zappiens, cresceu usando múltiplos
recursos tecnológicos desde a infância: o controle remoto da televisão, o
mouse do computador, o minidisc e, mais recentemente, o telefone celular,
o iPod e o aparelho de mp3. Esses recursos permitiram às crianças de hoje
ter controle sobre o fluxo de informações, lidar com informações
descontinuadas e com a sobrecarga de informações, mesclar comunidades
virtuais e reais, comunicarem-se e colaborarem em rede, de acordo com
suas necessidades.
O Homo zappiens é um processador ativo de informação, resolve problemas
de muito hábil, usando estratégias de jogo, e sabe se comunicar muito bem
[...].
O Homo zappiens aprende por meio do brincar e das atividades de
investigação e descoberta relacionadas ao brincar. Sua aprendizagem
começa tão logo ele jogue no computador e a aprendizagem logo se torna
uma atividade coletiva, que os problemas serão resolvidos de maneira
colaborativa e criativa, em uma comunidade global. Os jogos de computador
desafiam o Homo zappiens a encontrar estratégias adequadas para resolver
problemas, a definir e categorizar problemas e uma variedade de outras
habilidades metacognitivas na aprendizagem. (p. 12)
Os jovens imersos nessa cultura aprendem interagindo com o contexto, não
dependem mais de manuais, utilizam a lógica para controlar a tecnologia disposta
em seu meio social. O Homo zappiens aprende por meio do brincar e das atividades
de investigação e descoberta relacionadas ao brincar, Wim Veen e Ben Vrakking
(2009) consideram que as atividades do Homo Zappiens se associam com a
aprendizagem:
[...] consideramos o conhecimento como algo que se negocia e sempre em
um contexto de mudança dentro de um domínio específico. De um ponto de
vista psicológico, atualmente acreditamos que a aprendizagem é o processo
mental pelo qual os indivíduos tentam construir o conhecimento a partir das
68
informações, outorgando significado a elas. Não o os meros dados que
nos dão a compreensão dos processos ou fenômenos; é a interpretação
dos dados e das informações que leva ao conhecimento. O significado que
atribuímos à informação é, em geral, comunicado e negociado em nossa
comunidade ou sociedade. Poderemos chegar à conclusão que as crianças
de hoje de fato possuem estratégias e habilidades de aprendizagem que
são cruciais para dar significado às informações, e que essas habilidades e
estratégias são vitais para a aprendizagem futura em uma economia
intensamente baseada no conhecimento. (p. 13)
Dessa forma, os jogos eletrônicos se manifestam como um fenômeno lúdico
para essa geração que percebe a lógica de aprendizagem e compreensão do mundo
digital nesta maneira lúdica aprendem brincando –, os usuários aprendem
espontaneamente, não dependem do auxílio de um professor, justamente por não se
tratar de um ensino formal, mas de uma aprendizagem autônoma que ocorre em
grupos. O mundo tecnológico é um componente do cotidiano desde a idade mais
tenra, e assim, no ato lúdico brincar, fantasiar, representar, jogar , os sujeitos
constroem e reconstroem simbolicamente sua realidade e recriam o existente, e para
exemplificar tal ação, podemos usar o Role-playing game (RPG), ou seja, um jogo
de interpretação de personagens.
O RPG é um tipo de ação lúdica jogo –, em que os jogadores assumem
papéis de personagens e criam narrativas, os jogos de interpretação possuem a
característica de serem colaborativos e sociais, ou seja, os seus participantes
formam um único time que se aventura como um grupo. O RPG se desenvolve e
progride de acordo com regras predeterminadas entre os participantes, dentre as
quais os jogadores podem improvisar livremente. A interação e imersão do jogador
tornam-se fundamentais, pois suas escolhas determinam a direção que o jogo i
tomar, criando partidas únicas, visto que é impossível prever ações dos jogadores
durante o jogo. Existem dois tipos de jogadores, o que cria um personagem fictício,
seguindo as regras do sistema escolhido pelo grupo, e controla essa personagem
pelas ações propostas no jogo; ou o que é o narrador, quem cria a história e julga as
ações de todos os personagens participantes do jogo sendo que o segundo não
possui um personagem próprio, porém, controla todas as personagens coadjuvantes
da ação.
Atualmente, existe uma gama de jogos eletrônicos com as características de
um RPG, porém o meio eletrônico lhes incide a falta de liberdade de ação
dificuldade de improviso, pois os jogos eletrônicos possuem características pré-
programadas para dar andamento no enredo da história . Em comparação aos jogos
69
reais, nos jogo de RPG eletrônicos, os sujeitos controlam as personagens que
seguem histórias pré-determinadas e desenvolvem seu avatar personagem criada
pelo usuário com o passar do tempo de jogo e cumprimento de ações pré-
determinadas. Após termos concebido tais elementos, pode-se tratar de um dos
objetos de estudo deste trabalho, o jogo de computador Neuromancer, um jogo
eletrônico que possui as características de um RPG, no qual o jogador assume o
papel do Case personagem principal no livro e no jogo e desenvolve a narrativa
do jogo como um co-autor colaborador, onde as suas escolhas e ações determinam
a direção que o jogo irá tomar.
3.4 Neuromancer, um jogo distópico?
O jogo de computador Neuromancer foi desenvolvido pelo grupo Cabana
Boys e distribuído pela Interplay detentora dos direitos autorais do jogo juntamente
com Timothy Leary – em 1988 para diferentes plataformas, dentre as quais se
encontram, Commodore 64, Apple II, Apple IIgs e Amiga e em 1989 para IBM-PC e
compatíveis. O grupo Cabana Boys era constituído pelos designers Bruce Balfour,
Brian Fargo, Michael A. Stackpole e pelo programador Troy A. Miles. Balfour é
escritor de Sci-Fi e desenvolve trabalhos com quadrinhos e games e os demais o
desenvolvedores de games. O jogo de computador de nome análogo ao romance de
Gibson, ainda é destacado por sua trilha sonora, que na sua tela principal toca a
música Some Things Never Change’, do grupo americano de rock Devo
33
. Em
novembro de 1996, foi classificado como um dos 150 melhores jogos de todos os
tempos pela revista Computer Gaming World.
33
http://www.clubdevo.com/, Devo é uma banda americana formada em Akron, Ohio em 1974. A música e o
estilo do grupo tem como tema a ficção científica, baseada em idéias surrealistas. Predomina na música o uso de
sintetizadores, formando um clima eletrônico. A banda chama a atenção até hoje, pelo fato de ter formado um
conceito chamado de-volução – a raça humana havia chegado a seu ápice, e está de-evoluindo, ou seja,
voltando para a idade das cavernas.
70
Figura 3 (screen shot game) - Tela principal de entrada do jogo que reproduz a música da banda Devo
Os produtores do jogo inventaram uma forma para evitar as cópias ilegais, que
para a época foi uma “sacada” de marketing muito positiva, a Code Wheel. Esta, não
era nada mais que um disco de papelão que apresentava senhas de acesso para
cada site ou arquivo que o jogador precisava durante o jogo.
Figura 4 - Code Wheel, com as senhas do jogo
34
Neuromancer, o jogo, assim, é um RPG que se baseia na história do livro,
porém não a segue fielmente. No jogo, o sujeito que antes era apenas um leitor
passivo, torna-se um leitor ativo, que agora interage na história e torna-se um
leitor/jogador, encarnando Case personagem principal no livro e no jogo que
inicia a sua trajetória no mundo real, sem informação, vagando pelas diversas áreas
de Chiba City. No mundo virtual, assim como no real, as interações são importantes.
Os diálogos feitos com os cidadãos de Chiba City são necessários para poder se
localizar na cidade, possibilitando ao jogador se desenvolver de maneira mais
eficiente. Através do diálogo, podem ser feitos amigos ou inimigos, em um mundo
34
Figura extraída do manual do game Neuromancer, uma versão virtual desta está disponível em:
http://mlsite.net/neuro/
71
tão agreste como o que é proposto pelo jogo. A amizade feita com algumas
personagens torna-se muito úteis, pois elas podem ajudar Case dando-lhe objetos
ou outros elementos importantes de desenvolvimento de capacidades necessárias
para as ões do jogo. A ação de diálogo acontece no momento em que Case, a
personagem manipulada pelo jogador, aproxima-se das personagens, ou quando o
jogador “clica” sobre elas, como no exemplo ilustrado pela figura abaixo.
Figura 5 (screen shot game) - Case interagindo com um dos cidadãos de Chiba City
Além da interação com os cidadãos de Chiba City, outra importante fonte de
informações são as PAX, cabines públicas de acesso, convenientemente localizadas
ao redor da cidade, que proporcionam aos cidadãos os meios para ficar atualizado
com o resto do mundo. As informações que o jogador busca são necessárias para o
desenvolvimento da ação de Case durante o jogo. Tais cabines são uma espécie de
bússola para quem joga, pois, com as informações, é possível se deslocar
corretamente nas missões oferecidas pelo enredo do game. A PAX oferece um
jornal, o The Night City News, uma Bulletin Board System (BBS) pública, para troca
de mensagens pessoais e um Caixa Eletrônico (Interlink), pois no jogo o dinheiro é
importante para a sobrevivência. Conforme o jogador trabalha como cowboy, em um
universo desprovido de valores humanos e morais, conforme vende seus órgãos,
fica com dinheiro em sua conta. Assim, fica habilitado para fazer transações
bancárias para obter armas ou órgãos de outro corpo para suprir eventuais faltas,
decorrentes de antigas “transações”. O The Night City News é atualizado
72
diariamente, por isso é muito importante procurar uma PAX BBS pelo menos uma
vez a cada 24 horas.
Figura 6 (screen shot game) - Ao fundo entre o balcão do bar e a janela uma PAX BBS
O objetivo principal do jogo é investigar o desaparecimento dos amigos de
Case, e, para isso, o jogador tem de buscar gradativamente as habilidades que
serão oferecidas durante o jogo para poder se conectar ao ciberespaço e buscar
as respostas que procura. Para isso o jogador tem de se envolver com inteligências
artificiais. Diferente do texto literário Neuromancer, no jogo o enredo proposto é mais
simples. No início do game o jogador se encontra sem seu cyberspace deck, o
computador que permite conexão com a matrix. Portanto, a melhor maneira de
começar a missão é buscar o Deck de acesso ao mundo virtual. Existem muitos
meios de recuperá-lo, porém a forma mais fácil é vender um órgão do corpo para
arrecadar o dinheiro suficiente para comprar o Deck. No mundo do game, há um
jogo de permuta entre elementos orgânicos para aquisição de elementos
tecnológicos.
As capacidades adquiridas são softwares (Comlink) implantados em Case que
podem ser atualizados em vários locais da cidade, por isso o dinheiro é muito
importante na missão, sem o dinheiro, não se consegue “adquirir” as potencialidades
que Case precisa no decorrer das missões propostas no jogo. Opções para
conseguir novos programas não faltam. Por exemplo, no jogo, pelo ciberespaço o
jogador pode invadir um banco e roubar dinheiro, ou fisicamente pode roubar uma
loja do comércio da cidade.
73
O ciberespaço, no jogo, no qual transita Case, na mesma idéia da obra literária
Neuromancer, é um ambiente tri-dimensional, representado por uma grade de linhas
horizontais e verticais. De alguma forma reproduz, tanto o impresso, como no game,
o que Janet Murray (2003) chama de Holodeck, “um cubo negro e vazio coberto por
uma grade de linhas brancas sobre o qual um computador pode projetar elaboradas
simulações, combinando holografia com “campos de força” magnéticos e conversão
de energia em matéria. O resultado é um mundo ilusório que pode ser parado,
iniciado e desligado à vontade, mas que se parece e se comporta como o mundo
real” (p. 30).
Figura 7 (screen shot game) - Exemplo do Holodeck disposto no game Neuromancer, onde uma base é
circundada por uma ICE. No screen shot da tela há o menu de combate às ICE disposto de maneira centralizada
e sobreposto à barra de menus na parte inferior da tela do jogo.
No ciberespaço, as bases são protegidas, como no livro, pelos ICE, que atuam
como uma organização independente, uma semibarreira inteligente, prevenindo a
entrada de cowboys em seu sistema. Há, porém, uma ideia desenvolvida no jogo
para que os cowboys consigam romper o sistema: são os SoftWarez quebra-gelo”
uma espécie de vírus que contamina o sistema facilitando a entrada do cowboy. O
truque para penetrar nas ICE, é encontrar as versões apropriadas e tipos de
SoftWarez para quebrar o gelo antes que a ICE possa adaptar suas defesas para
um possível contra-ataque. Os SoftWarez podem ser de dois tipos: vírus de ação
lenta, que se deslocam sobre uma camada de gelo e o destrói gradualmente, ou os
quebra-gelos de força bruta, que pode esmagar uma camada de gelo de uma só vez.
74
As bases de baixa segurança são protegidas pelos ICE Fracos. Quando
penetra em um desses, o jogador pode desenvolver habilidades, testar seus
SoftWarez, e se preparar para os mais fortes e mortais combates com os ICE de
média e alta segurança, os quais têm potência para matar o jogador desprevenido.
Algumas bases contêm uma segunda linha de defesa uma AI (Inteligência
Artificial), especialmente programada para os militares e para as empresas que as
podem pagar As AI, como no livro, possuem personalidade e capacidade mental
superior à dos seres humanos que originalmente a criaram, sendo totalmente capaz
de se defender dos ataques. Nesse caso, os SoftWarez quebra gelo não podem
prejudicá-las. Os ataques feitos às AI são experiências únicas, são batalhas
totalmente cerebrais (flatlining) onde as AI vencem quando geram um choque neural
nos cowboys, mantendo-os com morte cerebral tempo suficiente para que seus
corpos físicos parem de funcionar. Estes combates são feitos totalmente em
point´n´click
35
e por escolhas numéricas em um menu disposto de maneira
centralizada e sobreposto ao menu principal do jogo, na parte inferior da tela do jogo.
Tal menu é exemplificado na ilustração anterior (Figura 8) com algumas opções de
combate.
A sobrevivência no ambiente do ciberespaço depende das habilidades,
equipamentos, software e informações que o jogador adquire nas fases do jogo.
Muitas vezes é necessário retornar ao mundo real, porque o cowboy pode ficar sem
dinheiro ou precisar de um novo provimento de softwares e informações sobre
outros softwares. Pode, ainda, precisar se mover para um novo ponto de conexão
para chegar a outras áreas do ciberespaço.
35
Aponte e clique – usar o cursor do mouse para selecionar determinados objetos ou funções com um clicar de
botão.
75
Figura 8 (screen shot game) - Momento de combate com uma AI proposto pelo game, no menu disposta na
parte inferior ao centro, opções de combate são dispostas.
No mundo real de Chiba City uma peculiaridade, as Body Shop´s,
especializadas em vender partes de corpos humanos e fazer reanimações
ressuscitar corpos mortos, elemento inusitado proposto pelos autores do game,
que no romance literário não existe a opção de ressurreição. Se um cowboy rico for
morto em combate no ciberespaço, seu corpo é encontrado antes que apodreça e
levado a uma Body Shop, para a reanimação. Um processo caro, mas geralmente o
cowboy morto raramente não tem nada a dizer sobre o assunto. Por pura
“coincidência”, o custo da nova animação quase sempre é igual à quantidade de
dinheiro que o cowboy estava carregando em sua ficha de crédito quando morreu.
Por esse motivo cowboys inteligentes mantém pouco dinheiro em suas contas
bancárias.
Figura 9 (screen shot game) - Fachada da Body Shop
76
Figura 10 (screen shot game) – Compra e venda de partes de corpos humanos em uma Body Shop
Assim, baseado no romance distópico de mesmo nome, escrito por William
Gibson, Neuromancer é disposto em um mundo escuro e sombrio, um futuro
distópico, onde a alta tecnologia é valorizada acima da vida humana. O jogador
também é Case como no livro um hacker mercenário que quer fazer um último
trabalho grande e recomeçar sua vida, mesmo que tenha o dilema moral de
descobrir o porquê seus companheiros hackers têm desaparecido no ciberespaço e
o que está acontecendo na "Matrix". Se o jogador leu o romance impresso, terá
um começo para se localizar no jogo, pois o enredo do jogo fica mais compreensível,
possibilitando uma intervenção maior nas escolhas das propostas criadas pelo game.
Neuromancer é sem dúvida um grande RPG, pois, o jogador conta com a
emoção de invadir sites proibidos, bases de dados de edição para promover sua
causa ou investigar situações dispostas no decorrer do jogo. O game é distópico e
tem uma história que é “virtual” e criativamente bem construída, mesmo tendo
diferenças em relação ao livro de Gibson. Afinal, uma adaptação não precisa ser fiel
a obra original para ser boa. Desse modo, a história do jogo é tão interessante
quanto à do livro, porém o aspecto de imersão na história fica realmente latente no
jogador.
Sobretudo, fica latente nas duas histórias romance e jogo –, a existência de
grandes corporações e de mecanismos mortais de defesa comandados por AI’s, um
submundo, que obriga as personagens a usar de expedientes ilegais. O jogo
mantém a crítica à sociedade industrial e tecnológica. Case do game, como no livro,
é um contraventor em um mundo feito de várias margens onde o submundo migra
do real ao virtual reciprocamente. uma simplificação no enredo do game, mas a
77
estória, embora se desdobre por mais de um caminho, em conformidade com as
opções do jogador, sempre se mantém no submundo, como se deixasse entender:
não há como mudar o mundo. Por mais que se jogue, por mais que se tentem novos
caminhos, nas possibilidades inúmeras de conflitos permitidas pelo RPG, a
sociedade permanece injusta e violenta. O jogo é distópico porque não apresenta
malgrado as várias opções eventualmente seguidas, qualquer abertura à esperança.
Comparativamente entre os dois suportes das narrativas, percebe-se, a
inexistência da questão ética das personagens contidas no game. Tanto o Case
“literário”, da narrativa impressa, quanto o Case “virtual”, do jogo, complementam-se
como faces de um mesmo sujeito, regido por uma ética específica, própria à
marginalidade de seu sub-mundo. A questão da identificação do jogador com tais
personagens pode gerar polêmicas na questão o uso de jogos como elemento não
educacional. Sobre o aspecto de censura nos games Carlos Alberto Teixeira (2009)
comenta que defensores de jogos de computadores acreditam que um simples jogo
não é capaz de influenciar comportamentos, muito menos violentos, como se vê
seguidamente em noticiários, envolvendo adolescentes e crianças.
É impossível impedir o acesso a videogames violentos. Diante de uma
proibição, a consequência imediata é que o título proscrito se torne ainda
mais desejado e procurado, aumentando sua cotação no mercado negro.
A missão de filtrar o que entra na cabeça de um jovem é mesmo dos pais. E
isso exige autoridade para impor restrições e filtrar conteúdos. Só que,
infelizmente, a palavra censura aqui no Brasil virou palavrão. Quanto tempo
demorará até que nossa sociedade se conscientize de que censura
moderada faz mais bem do que mal?
Considerando que uma criança ainda não tem discernimento para se
defender de conteúdos prejudiciais, a quem caberia essa missão? Censurar
programas de TV que nossos filhos assistem e controlar os joguinhos de
computador com que eles brincam nada mais é do que proteger nosso
tesouro mais caro.
Porém, em contrapartida a isso, sempre que ocorrem críticas aos jogos
eletrônicos, não é observado valor narrativo dos jogos, sua capacidade de
estabelecer tramas e conflitos. Os jogos de computador são uma mídia privilegiada
para contar histórias e levantar questões de diferentes cunhos moral, educacional,
ético, estético, filosófico, etc. A narrativa dos jogos ditos violentos, em uma análise
mais aprofundada, refletem questões de cunho moral em relação à guerra, pois, os
embates morais clássicos, encarados a partir da lógica da guerra colocam o jogador
em situações que lembram a ele sua condição de sujeito moral e ético. A imersão
78
nos jogos, somada à sua interatividade, coloca os jogadores como protagonistas de
seus enredos, mostrando-se uma fonte de aprendizado sem igual, que instiga o
jogador/leitor explorar novas formas de leitura. Nesta perspectiva, André Machado
(2009) ressalta que não é preciso ter criado com uma intenção educativa para o jogo
assim se tornar, e que esta educação incidental faz com que o jogador aproprie-se
do jogo, gerando uma reflexão sem o peso do didatismo.
Alguns games que trazem elementos históricos apresentam pequenas
enciclopédias para situar os jogadores (...) o aprendizado (...) pode se
encaixar em qualquer categoria de jogo, de corridas a games de tiro, mas
que naturalmente aparecerá primeiro em RPGs e jogos de estratégia.
(...) os games devem ampliar a visão dos gamers, inclusive para que sejam
considerados uma mídia respeitável. Os games têm o potencial, através da
interatividade, de se relacionar diretamente com seu público, e isso os
diferencia enquanto mídia (...). Na parte da narrativa, muito o que
explorar. Por exemplo, o jogador pode ser quem conta a história, e não
necessariamente o programador.
Desse modo, no caso do game Neuromancer, o novo leitor interativo,
hominizado e conectado, se identifica com Case. Ele também é um sujeito interativo
e conectado, porém, não hominizado justamente por estar sob efeito de um mundo
sem esperanças. Pois no mundo do game, regido pela tecnologia tecnologia auto-
reflexiva (pensante e interativa) o submundo apresentado é regido pelas máquinas,
pelas incursões no ciberspeaço o jogo é uma meta-crítica do mundo dos
computadores (feita pelos próprios seres maquínicos) de modo que não seria
verdadeiro dizer que o jogo não professa a idéia de que a tecnologia se apresenta
como uma utopia de salvação....
79
Considerações finais parciais: Entre o átomo e o bit
No século XXI, tempo em que a globalização acelera cotidianamente e cria na
sociedade uma verdadeira crise de identidade, visto que, o sujeito que antes era
centrado, individualizado, consciente, racional e autônomo herança do iluminismo
–, tornou-se um sujeito interativo dialógico, ou seja, alguém fragmentado,
contraditório, deslocado e descentrado: o sujeito pós-moderno. Esse Sujeito é
resultado de uma multiplicidade de sistemas de comunicação e representação
cultural, que o conduziram a vivenciar várias mudanças sociais, midiáticas,
cognitivas –, que geraram um grande impacto sobre a identidade cultural. A
dinâmica deste processo levou Karl Max (apud HALL, 2005, p.14) a construir, sobre
essa modernidade, o seguinte pensamento:
(...) é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas
as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos. Todas as relações
fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e
concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas
envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se
desmancha no ar.
Seguindo a visão de Marx, nada é sustentável, pois, no mundo moderno, tudo
sofre modificações e transformações constantes efemeridade, inconstância e
inconsistência do conhecimento. Tudo é instável, solúvel, inconsistente, no que
tange o aspecto do conhecimento, os novos conhecimentos e vivências são
adquiridos e confrontados com uma tradição, sem valor e superada. Em meio de
todo esse turbilhão, de uma forma bem concisa, a pós-modernidade é a lógica
cultural de um capitalismo tardio, uma fase do capitalismo onde a imagem é o centro
de tudo, gerando outras características sociais como a crise da história, o forte
80
incentivo ao consumismo e a superficialidade de tudo, provendo então uma
identidade fragmentada no sujeito.
Seguindo esta tradição marxista, Stuart Hall (2005), desenvolve a tese de que
as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, o que faz surgir novas identidades que fragmentam o indivíduo, que por
herança iluminista era visto como um sujeito unificado. Dessa forma, o sujeito
assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não o
unificadas ao redor de um eu coerente e conciso.
A identidade (...), costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos
quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos
reciprocamente mais unificados e prediziveis.
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que agora
estão "mudando". O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade
unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma
única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não
resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as
paisagens sociais (...) e que asseguravam nossa conformidade subjetiva
com as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando em colapso,
como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo
de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades
culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático.
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não
tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se
uma "celebração móvel": formada e transformada continuamente em
relação às formas pelas quais somos representeados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam. (p. 12-13)
Contudo, neste constante processo de soma de identidades moderador de
fórum, blogueiro, comentarista, leitor, autor, leitor/autor, podcaster entramos na
ambiência da Cibercultura, que nada mais é do que a forma sócio cultural
proveniente de uma relação de trocas entre a sociedade, a cultura e as novas
tecnologias de base micro-eletrônicas. Pois através da cibercultura pode-se exercitar
a ação de escolher o que o sujeito quer para si, diferente da cultura de imposição de
consumo de produtos e marcas provindas do pós-modernismo. Atualmente, através
da internet, assistir televisão, ouvir dios, discutir assuntos ao vivo como o caso
do Twitter –, on-line, nos dá o acesso à acessibilidade da informação.
A partir do contexto acima disposto, o novo leitor que não se satisfaz apenas
com impressos –, ávido pela informação, que é um dos elementos principais da
contemporaneidade, ampliada e amplificada pela tecnologia, faz com que os sujeitos
busquem diariamente atualizações e especializações, sejam elas acadêmicas ou
informais, pois ter a disponibilidade dos meios de conhecimento e informação,
81
permitem ao sujeito obter educação e trabalho que são os elementos principais de
sobrevivência da contemporaneidade, o que faz com que este novo leitor interaja
com a sociedade e com a máquina.
Dessa forma, em um momento em que não existe mais a possibilidade de
negociar com a tecnologia – a contemporaneidade que cria a necessidade do uso da
tecnologia e as potencializações do virtual –, os sujeitos têm a possibilidade de
adaptar-se ao meio, com recursos salientados pela interação, que permite que o
sujeito pós-moderno se insira no meio vigente, reconhecendo os padrões sociais, e
com isso consiga se desenvolver cognitivamente, com os recursos dispostos pela
hominização, que difere do que é disposto pela distopia do mundo do game
Neuromancer. Ainda esperança para o mundo, pois o sujeito que faz as
conexões das suas experiências adquiridas no decorrer da vida, consegue
reconstruí-los e usá-los como fatores de desalienação, que o possibilitam romper
com o conhecimento passivo relacionado ao senso comum, e enfim, com a conexão
como uma teoria de aprendizagem que permite ao sujeito a busca e o
desenvolvimento de novos conhecimentos, provendo ao ser o aspecto social e plural
onde a busca de estar constantemente relacionando-se com o outro, o que permite
as possibilidades de desenvolvimento de um sujeito crítico e preocupado com o todo.
Essas razões fazem com que a escolha do título Entre o átomo e o bit para
esse trabalho criem discussões pertinentes e inquietantes. No que tange a
pertinência o aspecto de que nas últimas décadas o texto migra do impresso (átomo)
para um novo suporte, com um novo conceito e uma nova forma de se ler os
mesmos textos o que se apresentava impresso agora é digital –, permeados pela
tecnologia (bit). No que tange à inquietude, as velhas discussões sobre se o fim dos
livros impressos voltam à tona e, nesse meio todo, o novo leitor é a peça
fundamental da discussão, pois este agora é um sujeito interativo, e a passividade
da leitura tradicional não é suficiente para sanar as suas dúvidas e curiosidades. A
interatividade dá ao leitor uma potencialização superior ao ato de ler, tornando assim,
esse simples leitor em um co-autor que agora tem a possibilidade de expressar os
seus sentimentos e realizar o seu desejo de intervenção no texto seja este texto
em jogo ou em suporte digital.
Não mais limites para a criação e intervenção, diferente do que fora feito há
não muitos anos atrás, onde o leitor do suporte digital, poderia sim intervir e decidir,
mas ainda ficava preso às limitações de uma mídia – disquete, cd-rom, dvd-rom – , o
82
nível hermenêutico potencializado pela rede que se apresenta como a retirada dos
limites físicos da mídia, para o território interpretativo sem limites –é o maior passo
em termos de potencial criador do sujeito e da leitura em si como um todo, um
conjunto dissociável que não tem mais volta, trazido pela contemporaneidade e junto
de si trás também as facilidades e as formas de criar e interagir, cabe ao ser humano
das as intencionalidades – de utilidade e positividade – à elas.
O medo da humanidade quanto ao avanço tecnológico reside no fato de que
este traga progressivamente a destruição da natureza e também a alienação do
homem, elementos que criaram um ambiente propício para o desenvolvimento da
ficção distópica, pois, pela literatura de ficção científica, podem-se projetar os efeitos
futuros das causas de hoje, premissas quase proféticas que servem como
advertência, para imaginar o futuro vindouro a partir do que se apresenta na época
presente da publicação das ficções, criando uma ânsia nos seres para que estes
não se conformem com a realidade elevando as potencialidades humanas de
preocupação com o todo e seu próximo. Nesse aspecto, a obra de Gibson é muito
atual, pois mesmo antes da criação da rede, neste livro o autor antecipa a idéia de
ciberespaço, termo, cunhado pelo próprio Gibson, atualmente é utilizado hoje como
referência à internet, além de inspirar programadores para a criação de o que
conhecemos hoje como um motor de busca, o Google.
O game Neuromancer em comparação com a obra impressa, possui muitas
características semelhantes, mundos paralelos são construídos com o uso da
tecnologia, mazelas são denunciadas, amores tornam-se possíveis, uma grande
distopia que emerge influenciado pelo romance de Gibson. O livro é um grande
clássico da literatura cyberpunk que até o ano de 1984 era um inédito subgênero
da ficção científica, porém com um enredo mais simples comparado ao livro –, o
game faz uma “homenagem” ao livro, levando o leitor à uma interação lúdica da
história. No game é muito fácil prender habilidades basta o jogador/leitor apertar um
botão e pronto, na obra impressa é o mesmo, ó que eles usam um chip chamado
microsoft no jogo comlink –, ambos Case somente alcançam o ápice das suas
capacidades em duelos com as AI´s. O livro de uma maneira geral, funciona como
um game, pois, ambientes complexos num intricado labirinto de realidade virtual são
dispostos no enredo livro, e no game eletrônico, foram reproduzidos com maestria
pelo grupo Cabana Boys, em um mundo em que realidade e ilusão, real e irreal,
atual e virtual caminham juntos e se enfrentam entre si..
83
Ao finalizarmos este estudo, mesmo em uma época em que um processo de
fragmentação do ser disposto pela pós-modernidade é real, fica-nos claro que a
leitura deve ser amplificada em todos os suportes, proporcionando ao leitor um
elemento de transformação e independência, para propiciar aos sujeitos a
hominização e socialização do conhecimento. Tecnologia é um lugar de virtuais
dilemas, de reflexões e de desafios. Tudo isso parece revelar que a vida é um jogo,
uma série de caminhos que se apresentam. Tentamos encontrar o melhor percurso,
dentro das limitações humanas... Porém, como Case do jogo e do livro, do átomo e
do bit, coisas que nunca podem ser mudadas, talvez poucas, talvez muitas, isso
só nosso esforço e o que virá poderão resolver. A vida é um jogo ainda não
terminado.
84
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