Entre os raios do sol, entre as nuvens do pó,
A alma de Portugal no aceiro do montante.
Em Tanger, na jornada atroz do desbarato,
- Duro, ensopando os pés em sangue português,
Empedrado na teima e no orgulho insensato,
Calmo, na confusão do horrendo desenlace,
- Vira partir o irmão para as prisões de Fez,
Sem um tremor na voz, sem um tremor na face.
É que o Sonho lhe traz dentro de um pensamento
A alma toda cativa. A alma de um sonhador
Guarda em si mesma a terra, o mar, o firmamento,
E, cerrada de todo à inspiração de fora,
Vive como um vulcão, cujo fogo interior
A si mesmo imortal se nutre e se devora.
"Terras da Fantasia! Ilhas Afortunadas,
Virgens, sob a meiguice e a limpidez do céu,
Como ninfas, à flor das águas remansadas!
- Pondo o rumo das naus contra a noite horrorosa
Quem sondara esse abismo e rompera esse véu,
Ó sonho de Platão, Atlântida formosa!
Mar tenebroso! aqui recebes, porventura,
A síncope da vida, a agonia da luz?.
Começa o Caos aqui, na orla da praia escura?
E a mortalha do mundo a bruma que te veste?
Mas não! por trás da bruma, erguendo ao sol a Cruz,
Vós sorrides ao sol, Terras Cristãs do Preste!
Promontório Sagrado! Aos teus pés, amoroso,
Chora o monstro... Aos teus pés, todo o grande poder,
Toda a força se esvai do oceano Tenebroso...
Que ansiedade lhe agita os flancos? Que segredo,
Que palavras confia essa boca, a gemer,
Entre beijos de espuma, à algidez do rochedo?
Que montanhas mordeu, no seu furor sagrado?
Que rios, através de selvas e areais,
Vieram nele encontrar um túmulo ignorado?
De onde vem ele? ao sol de que remotas plagas
Borbulhou e dormiu? que cidades reais
Embalou no regaço azul de suas vagas?
Se tudo é morte além, - em que deserto horrendo,
Em que ninho de treva os astros vão dormir?