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menos não se pode abandoná-la, sem nem sequer tentar esgotar toda sua
potencialidade democrática. A representação tem de surgir sempre como
um segundo passo, como mero mecanismo, como instrumento, não como
princípio de democracia
4
ou de legitimação.
A legitimação
5
é uma pura imanência
6
, é um desdobramento da
singularidade
7
, que desdobra e estende sua própria imanência essencial
8
.
4 Negri e Hardt observam que quando “nosso poder se transfere a um grupo de governantes,
obviamente já não governamos todos, ficamos afastados do poder e do governo. Apesar de tal
contradição, no início do século XIX a representação chegou a ser tão definidora da democracia
moderna que desde então se fez praticamente impossível imaginar a democracia sem se pensar
ao mesmo tempo em alguma forma de representação”. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 282.
Para uma interessante síntese a respeito das contradições entre ‘democracia’ e ‘representação’,
e, como a despeito dessa contradição se construiu o mito da aproximação entre ‘democracia’ e
‘representação’, especialmente em Rousseau e nos Federalistas americanos (Madison) cfr. Ibid.,
pp. 278-282
5 “O sistema de negociação de eficácia geral elaborado pela LET (estatuto dos trabalhadores da
Espanha) e a cujo teor a convenção coletiva obriga ao conjunto de trabalhadores e empresários,
incluídos na unidade de negociação, descansa institucionalmente sobre uma peça que cumpre a
muito importante função de assegurar que, na verdade, o adicional outorgado se utiliza de tal
modo que fiquem atendidos os interesses majoritários da profissão. Trata-se da legitimação para
negociar, na sua dupla vertente de capacidade convencional ou aptidão genérica de que gozam
certos sujeitos coletivos para realizar convênios coletivos e legitimação em sentido estrito, ou
aptidão das organizações com capacidade convencional para intervir em uma determinada
negociação coletiva”. Cfr. VALDÉS DAL-RÉ, 1996, pp. 193-194
6 Aqui usa-se «imanência» no sentido utilizado por Espinosa em sua Ética. Deleuze anota que
a idéia imanência em Espinosa está associada à idéia de atributo. Na Ética(I, def. 4) Espinosa
define o atributo como aquilo que o entendimento percebe da substância como constituinte de
sua essência. O atributo não é distinto da essência, é concebido por si e em si. O atributo é
unívoco. Deleuze afirma que para Espinosa a imanência é a própria univocidade do atributo.
(DELEUZE, 2002, pp. 58-59).
Na Ética (I, prop. 18, demost.) Espinosa afirma que “Deus ergo est omnium rerum causa
immanens, non vero transiens” (“Deus é, pois, causa imanente y não-transitiva de todas as
coisas” – tradução livre. Cfr. SPINOZA, 1913 (a), p. 54). A idéia de causa, como causa em si –
“Per causam sui intelligo id cujus essentia involvit existentiam sive id cujus natura non potest
concipi nisi existens” (“entendo por causa de si aquilo cuja essência implica a existência; ou, em
outras palavras, aquilo cuja natureza não pode ser concebida senão como existente” – tradução
livre, Ética, I,I; Cfr. SPINOZA, 1913 (a), p. 37) – e não como causa transitiva, propõe a idéia de
causa como ‘causa essencialmente imanente’. (DELEUZE, 2002, p. 63).
7 A singularidade está conectada à diferença e não à identidade. A identidade consiste na
“identificação” de uma propriedade comum ou ser pertencente a um determinado conjunto.
A diferença é um processo dinâmico e incessante, é o processo de diferenciação contínua –
a diferença diferida – sem essência. A identidade mais profunda é a diferença. A diferença
incessante de tudo quanto exista é o que nos singulariza. Deleuze e Guattari usam também o
termo “hecceidade”. “Hecceidade” é um termo criado por Duns Scott, filósofo do século XIII, a
partir do latim “haec”, “esta coisa”, e significa a forma individualizadora ou última razão do ser
concreto existente. É comum escrever-se “ecceidade”, de “ecce”, “eis aqui”. Deleuze e Guattari
dizem que esse é um erro fecundo, pois sugere um modo de individuação que não se confunde
precisamente com a de uma coisa, de um sujeito ou de um objeto. (1997, vol. 4, p. 47, nota 24).
8 Para Spinoza, segundo Deleuze (Spinoza – Philosophie Pratique), a essência não é uma
possibilidade lógica, nem estruturas geométricas, mas parte da potência, isto é, graus de
intensidades físicas. A essência spinoziana não tem parte, mas ela mesma é uma parte. Cfr.
DELEUZE, 2002, p. 79.