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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DINÂMICAS CULTURAIS E RELAÇÕES DE RECIPROCIDADE
NO VALE DO AMANHECER:
UM ESTUDO DE CASO SOBRE O TEMPLO DE CAMPINA GRANDE – PB
AMURABI PEREIRA DE OLIVEIRA
CAMPINA GRANDE – PB
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL D CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DINÂMICAS CULTURAIS E RELAÇÕES DE RECIPROCIDADE
NO VALE DO AMANHECER:
UM ESTUDO DE CASO SOBRE O TEMPLO DE CAMPINA GRANDE – PB
AMURABI PEREIRA DE OLIVEIRA
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Campina
Grande como requisito parcial para
a obtenção do grau de Mestre em
Ciências Sociais.
Orientadora: Drª Magnólia Gibson Cabral da Silva
CAMPINA GRANDE – PB
2008
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OLIVEIRA, Amurabi Pereira de
Dinâmicas Culturais e Relações de Reciprocidade no Vale do
Amanhecer: Um Estudo de Caso Sobre o Templo de Campina
Grande - PB. . Campina Grande: O Autor, 2008.
113 folhas
Dissertação (Mestrado) . Universidade Federal de
Campina Grande. CH. Ciências Sociais. Campina Grande,
2008.
Inclui: bibliografia
1.Vale do Amanhecer. 2. Novos Movimentos Religiosos. 3.
Dádiva. 4. Sincretismo Religioso . 5. New Age Popular.
AMURABI PEREIRA DE OLIVEIRA
DINÂMICAS CULTURAIS E RELAÇÕES DE RECIPROCIDADE
NO VALE DO AMANHECER:
UM ESTUDO DE CASO SOBRE O TEMPLO DE CAMPINA GRANDE – PB
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profa. Drª Magnólia Gibson Cabral da Silva
(Orientadora/PPGCS – UFCG)
______________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Azeredo Grünewald
(Titular Interno/PPGCS – UFCG)
_____________________________________________
Profa. Dr.ª Roberta Bivar Carneiro Campos
(Titular Externa/PPGA – UFPE)
Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante
(...)
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito
(...)
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio
(Um índio – Caetano Veloso)
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a meus pais que me permitiram ser quem sou e, me
presentearam com o privilégio de poder ser um “estudante profissional” durante toda
a minha graduação em ciências sociais.
À minha orientadora, professora Magnólia, que desde o primeiro contato que
tivemos, na disciplina Metodologia das Ciências Sociais, sempre se mostrou
atenciosa e paciente comigo e, se fez presente o apenas como orientadora como
também como amiga durante o meu mestrado, tendo uma paciência inacreditável
comigo e me estimulando sempre.
A todos do Vale do Amanhecer de Campina Grande, em especial à Dona Fátima e a
José Carlos, por terem me recebido e viabilizado a minha pesquisa, sem eles isto
não seria possível.
Aos educadores que se fizeram presentes em minha empreitada, a todos, mas em
especial à Ângela Metri, Roberto Véras, Lemuel Guerra,Tânia Régia, Marileide,
Bebete, não apenas por terem sido meus professores, mas por terem estado ao meu
lado e me estimulado sempre.
A professora Eliene Leila de geografia que quando na época do vestibular foi quem
mais me estimulou a fazer ciências sociais, muito obrigado.
A todos que trabalham na Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, em especial a
Rinaldo, Ruy, Armani e Ana.
Aos meus amigos da graduação e pós-graduação, em especial à Carla, Ana, Janine,
Valério, Sandra, Fabya, Fernanda Leal, Luís, Silêne, Ana Paula, Vanessa, O “povo
do PET”, e aos demais que não cito aqui por falta de espaço.
Aos meus amigos de outras áreas, pela amizade e força, em especial, Pablo,
Nelson, Anderson, Fillipy, Allan, Gustavo , meus amigos da UEPB Campus VII.
Ao Centro Federal de Educação Tecnologia de Petrolina pela compreensão nos
momentos finais da minha dissertação e, a todos os meus novos companheiros de
trabalho.
A todos os alunos que passaram por mim e me fizeram educador.
A todos que sonham e lutam por um mundo melhor.
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO........................................................................................................10
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................10
2. MOVIMENTO NEW AGE: GÊNESE E DESDOBRAMENTOS NO BRASIL.......12
3. O VALE DO AMANHECER.................................................................................16
4. NOSSA PESQUISA............................................................................................18
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO......................................................20
1. METODOLOGIA.................................................................................................20
1.1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA..........................................................................20
1.2. PRIMEIROS CONTATOS................................................................................21
1.3. DELIMITAÇÃO DA AMOSTRA E REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS..........24
2. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O VALE DO AMANHECER.....................27
3. ANÁLISE DO NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS A PARTIR DA OBRA DE
PIERRE BOURDIEU...............................................................................................31
4. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O DOM....................................................34
4.1. O Ensaio Sobre o Dom e a Sistematização de Marcel Mauss........................34
CAPÍTULO 1 O VALE DO AMANHECER: TRAJETÓRIA, SINCRETISMO E
SIMBOLISMO...........................................................................................................40
1.1. BREVE APANHADO HISTÓRICO.....................................................................40
1.2.O VALE DO AMANHECER EM CAMPINA GRANDE........................................44
1.3. UM UNIVERSO HÍBRIDO EM CORES E SÍMBOLOS......................................52
1.3.1 Indumentárias, Falanges e Mediunidades.......................................................52
1.3.2. Sobre o Espaço, as Cores e o Templo...........................................................56
1.4. RITUAIS E POSSESSÃO NO VALE DO AMANHECER: UMA DESCRIÇÃO
ETNOGRÁFICA........................................................................................................60
1.4.1. A Preparação Para os Rituais.........................................................................62
1.4.2. O Trabalho do Trono.......................................................................................68
1.4.3. O “Trabalho” de Cura......................................................................................71
1.4.4. O “Trabalho” de Passe....................................................................................72
1.4.5. O “Trabalho” de Defumação...........................................................................75
CAPÍTULO 2 COMPOSIÇÃO DE SENTIDO NO CONTEXTO DA NEW AGE
POPULAR: ESTILOS DE VIDA E RELAÇÕES DE RECIPROCIDADE NO VALE DO
AMANHECER EM CAMPINA GRANDE 78
2.1. O CIRCUITO DE CURA E EXPERIMENTAÇÃO DO VALE: A SOBREPOSIÇÃO
DE NARRATIVAS......................................................................................................78
2.2. O DOM EM SUAS MÚLTIPLAS DIMENSÕES NO VALE...................................94
2.2.1. A dádiva entre Adeptos e Entidades Espirituais..............................................94
2.2.2. A Dádiva entre os Adeptos e os “Pacientes”....................................................98
2.2.3. A Dádiva entre os Adeptos.............................................................................102
CAPÍTULO 3 PERTENCER, VIVENCIAR, SER: A CONSTITUIÇÃO DE UM
ESTILO DE VIDA NO VALE DO AMANHECER DE CAMPINA GRANDE 109
3.1. O SAGRADO E A CONSTIRUIÇÃO DE UM ESTILO DE VIDA: O CASO DO
VALE DO AMANHECER DE CAMPINA GRANDE..................................................109
3.2. DINÂMICAS CULTURAIS NO CAMPO RELIGIOSO: DISPUTAS E UNIDADE
NA REINVENÇÃO DO VALE DO AMANHECER DE CAMPINA GRANDE...........115
3.3. NEW AGE POPULAR: UMA NOVA SÍNTESE.................................................119
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................128
REFERÊNCIA..........................................................................................................131
RESUMO
Tomamos como objeto de estudo um movimento místico-esotérico recente, que em
cerca de 40 anos, ergueu mais de 600 templos no Brasil e no Mundo: O Vale do
Amanhecer VDA. Partimos do pressuposto de que o VDA é um componente da
New Age, que no Brasil, adquire uma face própria, emergindo de forma plural e
eminentemente sincrética e em constante diálogo com as religiões estabilizadas
no campo religioso a qual denominamos New Age Popular (NAP). Com base em
Caillé, Martins, Maluf, Amaral, Bourdieu , dentre outros autores, analisamos as
dinâmicas culturais vivenciadas no Vale do Amanhecer no núcleo Campina Grande
com o objetivo de verificar como se o processo de criação de um novo habitus
entre os sujeitos, evidenciando, sobretudo, as maneiras através das quais a
realidade constituída nos diferentes campos é ao mesmo tempo reforçada e
contestada. A dinâmica instaurada pelo Vale do Amanhecer é marcada pelos
processos de “cura”. No decorrer de nossa pesquisa, percebemos que a ênfase se
sobre os chamados problemas espirituais que incluem tanto problemas
emocionais, quanto afetivos, de trabalho etc. No VDA, a doação de um “serviço
espiritual” tem como retribuição o reconhecimento de quem o recebe. Chegamos à
conclusão de que embora se trate de uma categoria do sagrado, a eficácia e a
explicação da cura encontram-se principalmente no campo terreno e, que, os
deslocamentos dos sujeitos pelos diversos campos - no sentido que coloca Bourdieu
(2006) - influenciará na eficácia e na legitimidade da mesma. Em face desta
realidade, a vivencia religiosa do templo de Campina Grande permite a formulação
de um estilo de vida próprio entre os adeptos, configurando, assim uma nova forma
de lidar com o sagrado, marcada pela fluidez e pela autonomia, porém, intermediada
pela totalidade simbólica que permite que ao mesmo tempo o habitus seja uma
estrutura estruturante e estruturada desta prática religiosa.
Palavras Chaves: Vale do Amanhecer; Novos Movimentos Religiosos; Dádiva;
Sincretismo Religioso; New Age Popular.
ABSTRACT
We chose as object of study a recent esoteric-mystical movement, which in 40 years,
erected more than 600 temples in Brazil and in the World: The Valley of the Dawn -
VD. Assuming that the VD is a component of the New Age, which in Brazil, acquires
a face itself, emerging in a plural and highly mixed and in constant dialogue with the
religions stabilized in the religious field, which we called Popular New Age (PNA ).
Based on Caillé, Martins, Maluf, Amaral, Bourdieu, among other authors, we analyze
the cultural dynamics experienced in the Valley of the Dawn in Campina Grande with
the aim to see how it makes the process of creating a new habitus among the
subjects, showing Above all, the ways through which the reality set up in different
fields is both strengthened and challenged. The dynamic established by the VD is
marked by the processes of "healing". During our research we found that the focus is
on the so-called spiritual problems that include both emotional problems, as affective,
working etc. In the VD, the donation of a "spiritual service” is rewarded through the
recognition of who receives the service. We conclude that although this is a category
of the sacred, effectiveness and explanation of the cure can be found in the material
world and that, the displacement of the subject by various fields - in the sense that
puts Bourdieu (2006) will influence in the effectiveness and the legitimacy of it. In
light of this reality, the religious experience of the temple of Campina Grande allows
the formulation of a healthy lifestyle among its own supporters, setting, so a new way
of dealing with the sacred, marked by fluidity and autonomy, however, intermediated
by the simbolic that lets the habitus to be a structured structure and in the same time
a structuring structure of this religious practice.
Key words: Valley of the Dawn; New Religious Movements; Donation; Religious
Syncretism; Popular New Age.
10
INTRODUÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Em meio à pluralidade dos movimentos New Age NA tomamos como
objeto de pesquisa um movimento místico-esotérico recente, que em cerca de 40
anos ergueu mais de 600 templos no Brasil e no Mundo: O Vale do Amanhecer
VDA. Para situá-lo no contexto religioso brasileiro, achamos interessante retomar um
pouco da nossa trajetória mítico-simbólica.
Em 1500 o Brasil desponta de forma factual para o universo europeu.
Entretanto, considerando-se o campo simbólico-mítico, poderíamos visualizar o que
Silva (2000) denomina “arqueologia místico-esotérica” do que mais tarde se tornaria
a cultura brasileira. Neste contexto, ela inclui desde o mito de Atlântida, passando
pelas demais percepções arquetípicas do imaginário europeu, que de acordo com
Eliade (2002) partilhavam das imagens do paraíso perdido, especificamente do
paraíso em meio às águas. Poderíamos mesmo afirmar, a partir destas colocações,
que o Brasil ao ser “descoberto”, teria ocupado este lugar no imaginário europeu,
como apontado em certa medida por Holanda (1959) e analisado posteriormente
por Carvalho (1998) que pontuam a persistência do motivo endênico no imaginário
social brasileiro nos dias atuais.
Trata-se, portanto, de um país em cuja gênese encontramos, desde o início,
um forte viés místico-esotérico fortemente alimentado pelo misticismo cristão. Com
efeito, nos primórdios da colonização do Brasil, no primeiro século, aflora um
fenômeno conhecido como “santidades”, no qual se mesclavam elementos de
práticas indígenas e católicas. A mais famosa delas foi a de Fernão Cabral de Taíde,
senhor de engenho de Jaguaribe, segundo Souza (1986):
“Este senhor permitia em suas terras um culto sincrético realizado por índios
em que destacavam uma índia a que chamavam Santa Maria e um índio
que ora aparece como ‘Santinho’, ora como ‘Filho de Santa Maria’. Os
devotos tinham um templo com ídolos, que reivindicaram. Alguns depoentes
aludem a um papa que vivia no sertão, que ‘dizia que ficara do dilúvio de
Noé e escapara metido no olho de uma palmeira’. Os adeptos da Santidade
11
diziam ‘que vinham emendar a lei dos cristãos’ (...) ‘Santa Maria’, ou ‘Mãe
de Deus’, batizava neófitos, tendo nisso a permissão de Fernão Cabral e de
sua mulher, Dona Margarida” (SOUZA, 1986, p. 95)
Reportando-nos a Andrade (2002) segundo a qual o ethos religioso brasileiro
não se encontraria no catolicismo, e sim no sincretismo, iríamos além, afirmando
que a constituição histórico-cultural do Brasil de influência católica, evidencia uma
forte “inclinação” à religiosidade de tipo místico-sincrética. Não queremos, contudo,
afirmar que se trata de uma tendência dominante
1
. Com efeito, o ethos religioso
brasileiro de influência católica, seria, antes de tudo, caracterizado por uma
religiosidade de deste tipo.
De fato, Bastide, em As religiões africanas no Brasil (1985) assinalava que
o catolicismo no Brasil distava em boa medida daquele de Portugal. E, mesmo o
catolicismo lusitano e o Ibérico de forma mais geral, apresentavam um viés místico
mais fortemente marcado que os demais catolicismos europeus, entendendo, em
verdade, que não se pode falar no catolicismo como um bloco homogêneo. Falamos,
portanto, em catolicismos, que apesar de possuir um forte sustentáculo e uma certa
unidade está repleto de singularidades.
Defendemos, portanto, que se trata, antes de tudo, de uma realidade místico-
sincrética. Nesse sentido, falamos não apenas de um sincretismo entre elementos
oriundos do catolicismo, das matrizes africana e indígena, mas de um catolicismo
suis generis, místico. Diríamos que uma das faces mais claras do catolicismo luso
essencialmente místico aparece na obra do Padre Antônio Vieira. De fato, consoante
Andrade (2003) em História do Futuro, Vieira faz um esforço desmesurado de
“interpretação das profecias bíblicas lançadas por Daniel entre outros profetas,
trazidas para a época seiscentista, através da identificação dos sinais que indicavam
a aproximação da realização daquelas profecias” (Ibidem, P. 53), as quais se
referiam a um possível fim dos tempos que culminaria com a fundação de um reino
1
No universo diversificado da religiosidade brasileira contemporânea, duas grandes
tendências de crescimento destacam-se mais fortemente. Por um lado, uma crescente penetração da
visão de mundo libertária, um Deus amor (NA) e por outro, o fortalecimento da imagem de um Deus
todo poderoso que oprime e castiga, como mostra o incrível avanço do pentencostalismo e dos
fundamentalismos (MARTINS, 2002, apud. SILVA, 2002: p. 14-15).SIILVA, Magnólia. Práticas e
Representações da Nova Era no Brasil. Comunicação no XI Encontro para a Nova Consciência.
Campina Grande, 09/02/02).
12
de mil anos sob a égide de um rei cristão luso, sendo Portugal o território eleito para
esta missão.
Encontramo-nos, pois, diante de um cenário propício a emersão de uma
religiosidade essencialmente místico-sincrética, afeita à “jogos simbólicos
complexos”, nos quais os discursos proféticos encontram grande ressonância, em
especial os de caráter milenarista. Notoriamente as profecias, vinculam-se ao
contexto histórico social nos quais os grupos se inserem, como defende Weber
(2002). Contudo, o poderíamos, por enquanto, colocar no mesmo patamar as
profecias milenaristas do Brasil seiscentista e aquelas que afloraram no século XX.
Não é à toa que Mello (2004) ao pensar os milenarismos no Brasil contemporâneo,
fala em uma “nova gnose”, em cujo contexto:
“[...] reabilitamos as chamadas ciências ocultas, antigas tradições orientais,
a astrologia, a alquimia, a vidência, as magias, as simpatias, a prática
mediúnica e uma infinidade de terapias alternativas que se encontram no
arrière-plan de grupos esotéricos e seitas doutrinárias que pretendem deter
os segredos das verdadeiras ciências fundadas sobre o mistério, o secreto
e as grandes verdades esquecidas” (MELLO, 2004, p. 103)
Em nosso entender a “nova gnose” à qual a autora se refere é uma das faces
da New Age NA, afinal o reavivamento das ciências ocultas, antigas tradições
orientais, entre outras, é apenas parte deste complexo fenômeno.
2. MOVIMENTO NEW AGE: GÊNESE E DESDOBRAMENTOS NO BRASIL
Ao discutirmos o movimento NA devemos considerar que não estamos
lidando com um conjunto homogêneo de práticas e de crenças, muito pelo contrário,
um dos principais caracterizadores desse movimento é a pluralidade .
Para Magnani (2000) o movimento NA possui suas raízes nas práticas
ocultistas européias, rearranjadas juntamente com o transcendendentalismo
americano do século XIX, e na teosofia desenvolvida por Helena Blavastsky, Henry
S. Olcott e Annie Besant. Com o advento do movimento de contracultura e o
conseqüente aumento do fluxo entre Oriente e Ocidente, com a “invasão dos gurus”
13
no mundo ocidental, juntamente com suas filosofias orientais, ou de inspiração
oriental, o movimento toma feições mais claras, que se delineiam ainda mais com a
infiltração dos discursos científicos (ou pseudo-científico como colocam alguns),
tendo como um dos marcos a publicação de Fritjof Capra O Tao da Física (1974).
Em trabalho anterior, Magnani (1999a) ao tratar da temática, denomina-o de
neo-esoterismo:
“[...] o prefixo neo cumpre a função de estabelecer a necessária diferença
em relação a dois usos consagrados da categoria esotérico: em termos
técnicos, no campo de estudo das religiões e sistemas iniciáticos. Esotérico
designa aqueles ritos ou elementos doutrinários reservados a membros
admitidos a um circulo mais restrito, opondo-se, assim, a exotérico, a parte
pública do cerimonial” (MAGNANI, 1999a, p. 13).
Partindo do conceito elaborado por Amaral (1999) poderíamos entender NE
enquanto “a possibilidade de transformar, estilizar, desarranjar ou rearranjar
elementos de tradições existentes e fazer destes elementos, metáforas que
expressem performaticamente uma determinada visão em destaque em um
determinado momento, e segundo determinado momento” (AMARAL, 1999, p. 47).
Referindo-nos ao fenômeno NA, falamos por um lado de um reavivamento de
enésimos símbolos e práticas culturais, religiosos ou não, e por outro, da utilização
performática destes, que em nosso entender, resulta de um processo de
ressignificação dos mesmos.
É importante ressaltar ainda o caráter singular do movimento NA, que longe
de constituir um bloco homogêneo, em verdade, constitui uma enorme variedade de
práticas e representações. Para Magnani (Ibidem) estes diversos espaços e práticas
constituem um circuito, não continuo, no qual o praticante pode circular, criar seu
próprio trajeto. Esta também é uma idéia defendida em boa medida por Amaral
(2000) que chamará estes praticantes de “errantes da Nova Era”.
Ambas as análises, referências no assunto, apesar de avançarem
consideravelmente nas discussões sobre NA no Brasil, a nosso ver, têm como
limitação a ênfase demasiada na efemeridade das vivências ocorridas neste
“circuito”, que o deixa de ser um aspecto relevante na NA, porém não o único,
nem mesmo o principal. Nesse sentido, concordamos com Guerriero (2006). Para
ele, em meio a multiplicidade de movimentos religiosos e a pluralidade de práticas
14
que a compõe, qualquer forma de classificação seria limitada. De fato, desde
aquelas caracterizadas pelo não compromisso e pela efemeridade, formando as
“comunidades sem essência” (AMARAL, 2000, p. 96), até aquelas de caráter
iniciático que requerem, por vezes, exclusividade de seus adeptos.
Este movimento difuso não ganha fôlego no Brasil nos anos 60 e 70, como
nos Estados Unidos e Europa. Nesse período, as turbulências políticas e sociais que
o país vivenciava imergiram a juventude e intelectuais num projeto de reconstituição
do regime democrático (ANDRADE, 2002, p. 238), apenas após os anos 80 é que
ele ganha relevância em nosso país, tornando-se um dos seguimentos mais
importantes do “boom” do mercado editorial de livros de auto-ajuda e de caráter
místico.
Nesse período torna-se mais claro o declínio das religiões tradicionais, em
especial do catolicismo, havendo uma crescente busca por novas alternativas
religiosas. Nesse contexto afirma Guerra (2003):
“É a diminuição do peso da tradição, associada à modernização da
sociedade, inclusive em termos de religião, que permite uma ‘desregulação’
do mercado religioso nacional, resultando numa crise da posição de
monopólio ocupada anteriormente pelo catolicismo que na era legal,
oficial, mas que funcionava como se fosse , permitindo a abertura para a
‘entrada’ de outras firmas/organizações ou de forma, de propostas de
religiosidade na competição pela preferência dos indivíduos” (GUERRA,
2003, p. 154)
O movimento NA e seu “circuito” aparecem nesse momento como uma das
alternativas na busca por respostas dos sujeitos. Em nosso entender isso não
implica que possamos restringir estas práticas a uma simples formulação
circunscrita exclusivamente à esfera subjetiva, afirmando que na NA cada indivíduo
compõe seu “kit esotérico” de forma completamente aleatória pois, apesar da
pluralidade, há um corpo de idéias relativamente comuns, que para Bittencourt Filho
(2003) serão o empenho na elaboração de sínteses entre conteúdos de religiões
milenares, sem excluir o cristianismo, e a experiência mística.
Sendo o Brasil uma sociedade relacional, marcada por um diálogo continnum
entre religiões oficiais e marginalizadas, em especial as religiões de possessão,
argumentamos que entre nós, a NA será decididamente influenciada por estas duas
esferas, o que dará nova ênfase à experiência mística e a aplicação das técnicas
15
espirituais marcantes no New Age, e que, paulatinamente, vêm ganhando espaço no
cenário nacional no continuo processo de “destradicionalização” na esfera religiosa
(PIERUCCI, 2004, p. 27).
De fato, a NA no Brasil, adquire uma face própria que culmina com o que
chamaremos de New Age Popular NAP , presente em movimentos como o Vale
do Amanhecer, as religiões ayahuasqueiras de modo geral, a Umbanda Mística, a
Legião da Boa Vontade entre outros emergindo de forma plural e eminentemente
sincrética, em constante diálogo com as religiões estabilizadas no campo
religioso.
Por NAP, entendemos a recomposição de discursos e práticas religiosas new
agers reinterpretados e adaptados em conformidade com a tradição popular
brasileira.
É claro que há um forte caráter contestatório nos movimentos emergentes. Ao
se afirmarem enquanto “espaços alternativos”, eles se colocam em processo de
disputas simbólicas com os credos estabelecidos. Esse diálogo é inevitável e
diríamos mesmo, necessário, na medida em que se configura como estratégia eficaz
de legitimação no campo religioso. É neste dialogo que os signos das “religiões
legítimas” são sincretizados, ressignificados e reinventados, como propõe Guerriero
(2004), visando um fim específico, operacionalizado a partir do senso prático dos
agentes no campo. Para Bourdieu (2007b) esta categoria é aquela que permite aos
agentes dar a “resposta adequada” a cada situação posta no campo, a partir da
incorporação das “regras do jogo” que se circunscrevem aos habitus dos sujeitos.
A autonomia é caracterizadora do movimento, e permite aos praticantes (não
necessariamente adeptos) a livre composição de elementos simbólicos de doutrinas,
de práticas e de rituais, porém, intermediado por um sistema simbólico significativo,
assim, composição é individual, porém, não aleatória. Tal composição ganha
significado na medida em que a religiosidade desloca-se para a esfera da
subjetividade (BITTENCOURT FILHO, 2003). A liberdade, portanto, se constitui
como uma das principais características do movimento NA, seja no plano individual
ou coletivo.
16
Sustentamos ainda, que não se tratam apenas de clientes e consumidores
religiosos, mas sim da formação de um novo estilo de vida, uma nova forma de lidar
com o sagrado, como aponta Siqueira (2003, p. 108).
3. O VALE DO AMANHECER
O VDA surge no ano de 1969 na cidade Planaltina, cidade satélite de Brasília,
fundado por Neiva Chaves Zelaya e marca-se por um forte sincretismo religioso, no
qual vários elementos das mais diversas origens articulam-se. Em sua composição
encontramos elementos oriundos do catolicismo, espiritismo, umbanda e da New
Age, havendo referências às culturas inca, maia, asteca, egípcia, grega, indiana e
judaica. Especificando as características do movimento, Reis (2000), salienta que o
VDA é um grupo religioso sincrético marcado pela crença em poderes supra-
sensíveis, ritualismo mágico, bem como, uma profecia exemplar, (nos moldes
weberianos) cuja ética possui várias origens. Possuindo ainda enquanto
caracterizadores o ascetismo, a cura física e a realização de obras sociais. Segundo
Siqueira (2003), o movimento incorpora ainda crenças hoje bastante difundidas no
Planalto Central, como a idéia de karma e de reencarnação.
O universo de crenças do VDA constitui um complexo de símbolos e
narrativas que reconstroem a história da humanidade, tendo como fio condutor a
narrativa mitológica do “Pai Seta Branca”, que seria o der espiritual do movimento,
que teria chegado à Terra em um disco voador. Teria vivido em diferentes épocas,
rencarnado várias vezes. A primeira, como Jaguar, (numa referência à cultura Inca)
como o Francisco de Assis (referência cristã), e como um índio Tupinambá
(referência à mitologia popular brasileira) que teria vivido no culo XVI na fronteira
do Brasil com a Bolívia. Não podendo mais encarnar, teria escolhido Neiva
conhecida entre os adeptos como Tia Neiva a quem teria delegado a missão de
preparar a humanidade para o terceiro milênio, tempo, que de acordo com a
doutrina, não haverá nem dor nem sofrimento e culminará com o “regresso” da
17
humanidade para um planeta chamado “Capela” de onde teriam provindo os
humanos, assim como o Pai Seta Branca.
Este tipo de construção discursiva é comum aos Novos Movimentos
Religiosos. Segundo Albuquerque (2004):
“[...] estas tradições têm uma característica comum: são portadoras de
‘histórias cósmicas’. Isto é, daquelas narrativas que contam as origens da
humanidade e respondem às indagações perenes sobre o papel e destino
da humanidade e seu lugar na natureza. Falam sobre as origens do homem,
da cultura e do cosmo e definem as responsabilidades do homem para com
o universo. Dão sentido à nossa existência enquanto seres humanos”
(ALBUQUERQUE, 2004, p. 147)
É importante ainda frisar que a dinâmica instaurada no VDA é essencialmente
ligada à prática de terapias de cura espiritual. Estas são influenciadas pelo
xamanismo, que pode ser definido como “[..] um conjunto de todos extáticos e
terapêuticos cujo objetivo é obter o contato com o universo paralelo, mas invisível,
dos espíritos e o apoio destes últimos na gestão de assuntos humanos” (ELIADE &
COULIANO, 1999, p. 267). Este aspecto não será explorado em nossa pesquisa.
Desse modo, para que se possa compreender as múltiplas dimensões do
movimento, devemos considerar as seguintes esferas presentes no universo das
terapias oferecidas (TAVARES, 1999, p. 114): a perspectiva holística, a explicação
dos fenômenos a partir da idéia de energia (fluxo e manipulação), bem como a idéia
de vibração, estas últimas em especial sempre presentes nas narrativas dos
adeptos.
Como em nossa análise daremos ênfase ao processo de fluxo de energia
enquanto operacionalizador das relações de reciprocidade no templo do VDA,
definiremos esta categoria a partir dos dados obtidos em nossa pesquisa. Para os
adeptos, todos os seres vivos são portadores de energia. Aquela produzida pelo
médium recebe o nome de ectoplasma, fluído ou magnetismo animal, não apresenta
uma definição fixa, porém poderia ser entendida enquanto elemento sutil, não
perceptível num plano sensível, manipulável pelos médiuns de acordo com o fim
almejado. Na medida em que pode ser incorporada e manipulada pelo médium e
cada qual o faz à sua maneira, a energia passa ser perssonalizável logo, é
qualitativamente distinta da energia de outro médium. Em nossa pesquisa,
18
chegamos à conclusão que por mais que se trate de uma categoria do sagrado, sua
eficácia e explicação encontram-se no campo terreno e, os deslocamentos dos
sujeitos pelos diversos campos - no sentido que coloca Bourdieu (2006) -
influenciará na eficácia e na legitimidade da mesma.
Em suma, diremos que para os adeptos energia é uma força sagrada
presente em todos os seres vivos que possui a capacidade de intervir na realidade
material humana, em especial no que tange aos problemas espirituais, a
manipulação desta energia está condicionada ao progressivo conhecimento da
doutrina do Vale do Amanhecer.
Em Campina Grande, a história do templo vincula-se a biografia de Dona
Fátima e do seu esposo o Sr. José Carlos, que em 1993, pela primeira vez, entram,
em contato com o movimento na sede de Brasília, é quando começa o processo
iniciático do casal, que será continuado no núcleo do VDA em Olinda e concluído no
núcleo de João Pessoa. Em 1995, fundam o primeiro núcleo em Campina Grande
num imóvel alugado e continuam em atividade até hoje, que num imóvel próprio
na zona rural, construído expressamente para este fim.
4. NOSSA PESQUISA
Com em ”Razões Práticas” Bourdieu (1996) analisamos os processos de
reciprocidade e os conflitos, tanto em termos micro (individual, local) como macro
(nacional), considerando tanto a interdependência como autonomia que o
caracteriza.
Partimos do pressuposto de que o campo é um espaço de disputa
principalmente entre o lo do novo, dos indivíduos que reivindicam o direito de
entrada nesse espaço e o pólo dominante que tenta defender o monopólio e excluir
(ou enfraquecer) a concorrência.
Sustentamos ainda, que quanto mais autônomo for um credo religioso, maior
será a possibilidade de escapar das leis externas .
19
Nos estudos sobre os novos movimentos religiosos, é comum encontrar
depoimentos em que os adeptos entrevistados afirmam que suas vidas estão
divididas em dois momentos distintos: antes e depois de sua entrada no movimento
(ainda que não se considere necessariamente convertido). Esta divisão se marca
para além de uma guinada espiritual, adentrando no campo da vida terrena, na qual
se muda todo um estilo de vida e cria-se um novo habitus. Ainda que isto não ocorra
necessariamente a todos os convertidos e em todos os movimentos religiosos, é
bastante comum nos movimentos caracterizados como NA, em especial quando a
maior parte dos seguidores é composta por conversos.
Argumentamos que o deslocamento do sujeito de uma denominação para outra
no campo religioso pode ter conseqüências muito amplas em sua vida e que a maior
ou menor aceitação no novo contexto, depende em grande parte do tipo de capital
religioso acumulado por este em sua vida pregressa. Ou seja, quanto maior o
prestígio da instituição a que pertencia anteriormente, maior será a aceitação deste
no novo grupo e vice versa, quanto mais baixo o prestígio da instituição a que
pertencia anteriormente, mais difícil será sua aceitação no novo grupo.
O presente estudo se propõe a investigar as dinâmicas culturais vivenciadas
no templo do Vale do Amanhecer da cidade de Campina Grande através das
relações de reciprocidade nele instauradas, bem como, verificar como se dá o
processo de criação de um novo habitus entre os sujeitos. Procura-se evidenciar as
maneiras através das quais a realidade constituída nos diferentes campos é ao
mesmo tempo reforçada e contestada.
É verificar como o templo do se dinamiza culturalmente e de como isto é posto
em termos religiosos pelos adeptos e como ações dos agentes reforçam e ao
mesmo tempo contestam a realidade constituída nos diferentes campos.
Apresentamos enquanto a análise das relações de reciprocidade vivenciadas no
VDA de Campina Grande – como elas se desenvolvem entre os adeptos, entre estes
e as entidades espirituais, e entre os mesmos e os freqüentadores –, a descrição
dos rituais realizados, a busca pela compreensão das práticas vivenciadas por
adeptos e freqüentadores considerando esta nova forma de lidar com o sagrado e a
nova proposta de síntese da New Age Popular e a reconstituição da trajetória deste
núcleo.
20
Partimos do pressuposto de que o deslocamento do sujeito de uma
denominação para outra no campo religioso tem conseqüências muito amplas em
sua vida, especialmente, se a instituição a que pertencia anteriormente for detentora
de um capital simbólico com determinado peso na sociedade
REFERÊNCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
Tendo em vista a multiplicidade de vivências e experimentações possíveis na
realidade cultural do fenômeno religioso, muito diversas podem ser as abordagens.
O Vale do Amanhecer, por exemplo, caracteriza-se pela complexa trama simbólica
de elaboração que compõe seu universo que precisa ser compreendido em dois
sentidos; primeiro, no contexto no qual se insere em termos socioculturais, e
segundo, na sua gica imanente suis generis. Nesse sentido orientamos nossa
análise.
Como referenciais teóricos, tomamos as contribuições de Pierre Bourdieu
para compreender as dinâmicas do campo religioso e os processos envolvidos na
configuração do habitus do sujeito, sua relação com o campo e os processos de
vivências, experimentações e representações. Também consideraremos as
discussões sobre a dádiva enquanto paradigma de análise da realidade social, tendo
em vista que buscamos identificar o papel desta no contexto do Vale.
1.METODOLOGIA
1.1 Definição do Problema
21
Nos estudos sobre os novos movimentos religiosos, é comum encontrar
depoimentos em que os adeptos entrevistados afirmam que suas vidas podem ser
divididas em dois momentos distintos: antes e depois de sua entrada no movimento
(ainda que não se considere necessariamente convertido). Esta divisão se marca
para além de uma guinada espiritual, adentrando no campo da vida terrena, na qual
se muda todo um estilo de vida e cria-se um novo habitus. Ainda que isto não ocorra
necessariamente a todos os convertidos e em todos os movimentos religiosos, é
bastante comum na NE, em especial quando a maior parte dos seguidores é
composta por conversos.
O deslocamento do sujeito de uma denominação para outra no campo
religioso, pode ter conseqüências muito amplas em sua vida, especialmente, se a
instituição a que pertencia anteriormente for detentora de um capital simbólico com
determinado peso na sociedade. Com efeito, considerando-se que o lugar social do
indivíduo é determinado pelas diversas posições que este ocupa no espaço social,
conseqüentemente, quando se verifica qualquer mudança neste, esta se reflete, nos
diversos campos onde o mesmo transita, tendo em vista que seu habitus também é
modificado, e que este é eminentemente posicional.
Vasconcellos (2002) apresenta a seguinte definição desta categoria na obra de
Bourdieu:
“[...] uma matriz determinada pela posição social do indivíduo lhe permite
pensar, ver e agir nas mais variadas situações. O habitus traduz dessa
forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é
também um meio de ão que permite criar ou desenvolver estratégias
individuais ou coletivas.” (VASCONCELOS, 2002, p. 79).
O presente estudo se propõe a investigar as dinâmicas culturais vivenciadas no
núcleo do Vale do Amanhecer em Campina Grande, bem como as relações de
reciprocidade instauradas nesta vivência mágico religiosa. Analisaremos partindo
não apenas dos referenciais teóricos adotados, em especial a perspectiva de
Bourdieu, como também de uma categoria analítica criada por nós a partir do
campo, que é a de New Age Popular.
22
1.2. Primeiros Contatos
Nosso trabalho teve início no final do ano de 2006 quando começamos a
levantar a literatura acerca do Vale do Amanhecer. O fato de haver poucos trabalhos
sobre esta temática no Nordeste, nos incitou a desbravar um campo nosso.
Antes de partirmos para campo nos utilizamos de fóruns de discussão da
internet sobre o movimento, bem como nos cadastramos no site oficial do mesmo
para que pudéssemos receber mensagens, notícias e outras informações que nos
fossem pertinentes, esta etapa nos ajudou bastantes no que tange a investigação
sobre o processo de formação histórica do VDA e acerca do significado de alguns
símbolos utilizados discursivamente pelos adeptos e nos templos.
Em maio de 2007 realizamos nosso primeiro contato com o templo do Vale do
Amanhecer de Campina Grande. Inicialmente procuramos no site oficial do
movimento o endereço e o telefone do templo de Campina Grande para entrarmos
em contato, então realizamos a visita. Informamos-nos também a respeito dos
dias e horários das atividades desenvolvidas. O templo funciona todas as quartas,
sábados e domingos, a partir das 14:30 ou 15:00, não havia uma horário rigidamente
estabelecido, sendo o início das atividades marcada de acordo com o fluxo de
“pacientes”.
Ao chegarmos à localidade, que fica na zona rural de Campina Grande, numa
região conhecida como “Sítio Lucas”, encontramos no portão de entrada o símbolo
do Vale do Amanhecer o Sol e a Lua. Passando por este portão caminha-se mais
um pouco por uma estrada de terra até onde se localiza o templo. Ao final dessa
pequena estrada, uma placa advertindo que é proibida a entrada de homens de
bermuda ou camisetas, mulheres de saias curtas ou blusas decotadas, bem como o
consumo de bebida alcoólica ou outras drogas.
A localização do templo é exatamente na propriedade pertencente aos
fundadores em Campina Grande, José Carlos e Dona Fátima, sua esposa, porém,
uma cerca que divide o espaço onde se localizam a casa de ambos e a casa da
filha mais velha do casal, e o espaço reservado a doutrina. Além do templo um
espaço para banheiro e vestiários, onde os adeptos trocam de roupa colocando suas
23
indumentárias, bem como uma espécie de lanchonete na qual também se pode
conversar. Sistematizaremos em forma de mapa, logo abaixo, o este espaço físico
para que se possa melhor visualizar.
Em nossos primeiros contatos percebemos certa desconfiança e curiosidade
em relação ao que seria desenvolvido. Apresentamos-nos enquanto estudante de
mestrado da Universidade Federal de Campina Grande, e explicamos brevemente o
que faríamos, em especial o resultado final do estudo, que seria a dissertação.
Como havia a necessidade de realizar entrevistas, indagamos sobre a possibilidade
de gravá-las, o que nos foi negado. Também nos foi pedido para que durante a
realização dos rituais apenas participássemos como qualquer outro que estava,
pois outras formas de atividade poderiam acarretar contratempos para a realização
das atividades do templo.
Posteriormente fomos apresentados a JoCarlos, que vem a ser o “mestre”
daquele templo, responsável pela coordenação das atividades ali desenvolvidas.
Também indagamos sobre a possibilidade de fotografar o local, o que nos foi
24
autorizado, desde que em momentos diversos daqueles em que os trabalhos
estivessem ocorrendo. As fotografias foram muito úteis para a realização do trabalho
de campo, pois quando voltamos com algumas delas reveladas para presentear aos
adeptos, as atividades de pesquisa se desenvolveram de forma muita mais fluída.
Interessante observar que ainda que oficialmente o templo esteja sob a
responsabilidade de José Carlos sua esposa, Dona tima, parece ser ainda mais
forte em termos administrativos. Pois inicialmente fomos apresentados a José Carlos
por procurá-lo, que no site do Vale ele figura como responsável, em outro, os
adeptos nos levaram a Dona Fátima, demonstrando a importância de sua figura
junto ao templo. Após conversarmos com ela, aparentemente, os demais adeptos
sentiram-se mais a vontade com a realização das entrevistas.
Durante o período de um ano em que mantivemos contato direto com o
templo, realizando entre 1 a 3 visitas mensais, pudemos nos familiarizar com os
freqüentadores. Como antes de entrar em contato com o mesmo, havíamos
realizado leituras sobre a doutrina do Vale do Amanhecer, fomos visto com um certo
respeito, inclusive por saber algumas informações, tais como a data da morte de
Maria Sassi, com mais precisão que alguns adeptos. Este fato também nos facilitou
o trabalho de campo, pois éramos visto como “um deles”, houve inclusive a proposta
por parte de José Carlos que desenvolvêssemos nosso “potencial mediúnico”, o que
foi recusado para o melhor desenvolvimento da pesquisa.
1.3. Delimitação da Amostra e Realização das Entrevistas
Inicialmente, quando elaboramos nosso projeto de pesquisa intentávamos
realizar entrevistas unicamente com os adeptos do templo. Entretanto, a dinâmica
do campo mostrou que a realização de entrevista também com os freqüentadores,
que buscam serviços espirituais (os chamados “pacientes”), seria capaz de mostrar
resultados enriquecedores para a nossa pesquisa. Estas entrevistas serão melhor
exploradas no terceiro capítulo.
25
Outra modificação com relação ao que planejávamos e ao que efetivamente
realizamos na pesquisa foi em relação a nosso intento de efetivar as entrevista de
modo semi-dirigido. Realizamos duas, porém foram descartadas, pois não fluíram de
modo natural. Os entrevistados aparentemente sentiam-se desconfortáveis em
responder questões como grau de escolaridade, profissão etc, o que nos fez optar
por um modelo de entrevistas livres, guiadas principalmente pelos postulados da
história oral, porém algumas perguntas foram repetidas, considerando os nossos
objetivos, o que nos permitiu comparar alguns dados. Também optamos por o
revelar os nomes dos entrevistados, com exceção dos fundadores do templo, pois
estes nomes se encontram publicizados. A garantia da não divulgação dos nomes
também fez com que os entrevistados sentissem mais à vontade em narrar suas
trajetórias no templo.
Realizamos um total de 37 entrevistas, 20 com adeptos e 17 com
freqüentadores. É bem verdade que muitos destes últimos eram bastante assíduos,
estando presentes todos os sábados, dia de maior movimento. Com relação aos
adeptos, considerando que o templo conta com cerca de 50 membros ativos,
conforme Dona Fátima, nossa amostra corresponde a 40% do total, o que é
bastante significativo.
Em razão do mal estar por nós detectado em alguns entrevistados quando
iniciamos as entrevistas ao indagamos a respeito de sua condição socioeconômica,
optamos pela mudança de foco da pesquisa. Esta se centrou, sobretudo, na
obtenção de dados relativos às representações, angústias, desejos e expectativas
dos entrevistados.
Em relação aos adeptos, buscamos compreender os significados por eles
atribuídos aos rituais, à simbologia, e principalmente aos relatos de suas próprias
vidas antes e depois do ingresso no movimento, indagando também acerca da
origem religiosa dos adeptos, bem como, o sentido por eles atribuído às atividades
desenvolvidas no templo e às narrativas produzidas na dinâmica ritual.
No que tange aos freqüentadores, procuramos detectar os motivos que os
levaram a buscar o templo. A três dos mais assíduos, que freqüentavam mais
de um ano, indagamos os motivos que os levavam a continuar freqüentando. Seu
entendimento sobre as atividades que ocorriam, bem como as representações de
26
saúde, doença e cura, a relação destes com o sagrado, como também as narrativas
produzidas por estes no desenvolvimento das atividades. Enfatizamos ainda a
origem religiosa destes freqüentadores, as razões que os levaram até o templo do
VDA e a eficácia percebida por nestes nos rituais realizados neste templo.
De modo geral, em ambos os tipos de entrevistados, buscamos entender
como se articulavam as múltiplas dimensões simbólicas das atividades
desenvolvidas, considerando principalmente a linguagem intersubjetiva criada na
relação “médium” “paciente”, as experimentações das atividades e os valores
compartilhados.
Além das entrevistas, nos utilizamos também da descrição etnográfica, em
especial dos rituais, que devido à complexidade e grau de elaboração, nos tomou
bastante tempo até sua assimilação e descrição, pois alguns elementos como o
vocabulário utilizado levou mais de três meses para ser apreendido por completo,
em razão da impossibilidade de utilizar gravador. A descrição etnográfica também foi
útil para a descrição do local onde se desenvolvem as atividades bem como das
indumentárias utilizadas nos rituais. Este material será melhor explorado nos
capítulos seguintes.
Interessante delimitar o nosso universo de entrevistados quanto à faixa etária
e gênero, dados obtidos de forma bastante simples, tanto no que diz respeito aos
adeptos quanto aos freqüentadores. Estes dados foram sintetizados nas tabelas
abaixo:
PERFIL DOS ADEPTOS
Gênero Número Percentagem
Homens 8 40%
Mulheres 12 60%
Total 20 100%
27
Faixa Etária Número Percentagem
Menor de 18 anos
1 5%
Entre 18 e 25
anos
3 15%
Entre 25 e 40
anos
9 45%
Entre 40 e 60
anos
5 25%
Maiores de 60 2 10%
Total 20 100%
PERFIL DOS FREQÜENTADORES
Gênero Número Percentagem
Homens 5 29,4%
Mulheres 12 70,5%
Total 17 100%
Faixa Etária Número Percentagem
Menor de 18 1 5,88%
Entre 18 e 25 anos 3 17,64%
Entre 25 e 40 anos 6 35,29%
Entre 40 e 60 anos 5 29,41%
Maiores de 60 anos 2 11,76%
Total 17 100%
2. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O VALE DO AMANHECER.
28
Reportar-nos-emos especificamente a revisão dos trabalhos realizados em
nível de s-graduação stricto senso acerca do Vale do Amanhecer, que apesar de
ser um objeto de pesquisa extremamente rico é ainda relativamente pouco
pesquisado nos meios acadêmicos.
Segundo o banco de teses da CAPES oito trabalhos em nível de pós-
graduação stricto senso foram realizados no Brasil, porém, este possui informações
relativas apenas aos trabalhos desenvolvidos a partir de 1987. Em nossa pesquisa,
encontramos a dissertação de mestrado de Ana cia Galinkin denominado “Cura
no Vale do Amanhecer”, na qual a autora traz inúmeras contribuições, em especial
no que tange à elaboração da cosmologia do VDA e de como esta se interliga com
os itinerários de saúde e doença para aqueles que vivenciam esta experiência
religiosa. Esta obra é considerada hoje como referência para os estudos acerca do
VDA.
Não encontramos nenhum trabalho sobre o movimento nos anos 80, época
que coincida com a morte da fundadora, talvez, por isso, a visibilidade do movimento
tenha se tornado momentaneamente menor. Contudo, a partir do início dos anos 90,
com o “boom” do movimento Nova Era, em especial através da explosão editorial de
livros de auto-ajuda, muitos olhos se voltaram para o movimento. Entre outros,
destacamos a dissertação de mestrado de Marcos Silva da Silveira denominado
Cultos de Possessão no Distrito Federal, a qual ele analisa a pluralidade de religiões
de possessão em Brasília, e de como estas se organizam e articulam na
experimentação.
Carmen Luisa Chaves Cavalcante defende em 1998 a dissertação intitulada
Xamanismo no Vale do Amanhecer: O Caso Tia Neiva. O foco de sua abordagem é
Tia Neiva, fundadora, apresenta como xamã junto ao movimento. Mais do que isso,
como heroína, percorrendondo todos os percursos e etapas que cabem ao herói.
Este trabalho se tornou referência para todos aqueles que estudaram o Vale
posteriormente, em especial, pelo fato de que no ano 2000, a autora transformou
sua dissertação em livro, sendo o único livro de caráter acadêmico sobre o assunto.
Ela também produziu uma série de trabalhos e artigos sobre a temática, sendo uma
das mais ativas pesquisadoras no Brasil sobre o Vale. Em 2005 defendeu a tese
intitulada Dialogias no Vale do Amanhecer: os signos de um imaginário religioso
29
antropofágico, a qual analisa a composição do universo do Vale do Amanhecer, em
especial através da assimilação de elementos da cultural mundial que são
rearranjados e reinventados pelo universo do Vale, sendo esta a primeira tese de
doutorado sobre a temática.
Em 1999, Gláucia Buratto Rodrigues de Mello defende a tese Milenarismos
Brasileiros: Contribuição ao Estudo do Imaginário Contemporâneo. Na qual discute a
Legião da Boa Vontade, porém, como realizou um apanhado acerca dos
movimentos milenaristas no Planalto Central, acabou fazendo uma contribuição para
nosso campo de estudos, em especial no tocante a esta face do movimento, o
milenarismo, colocando que as preocupações do Vale distavam de preocupações
pragmáticas terrenas, tendo como principal objetivo a preparação da humanidade
para o terceiro milênio. Em 2004 publicou na coletânea organizada por Leonarda
Musumeci, Antes do Fim do Mundo: Mlenarismos e Messianismos no Brasil e na
Argentina, intitulado Milenarismos brasileiros: Novas gnoses, ecletismo religioso e
uma nova era de espiritualidade universal.
No início deste século registra-se um maior número de trabalhos envolvendo
a temática nas mais diversas áreas do conhecimento. João Simões dos Santos
defendeu a dissertação intitulada Rituais do Vale do Amanhecer: Sincretismo ou
Pluralidade de Símbolos. Em 2002 Dorotéo Émerson Storck de Oliveira a
dissertação intitulada: As Representações do Sagrado na Construção da Realidade
Vale do Amanhecer. Em 2003, houve a defesa do primeiro trabalho em nível de pós-
graduação stricto senso em ciências sociais desde a dissertação de Galinkin, a
dissertação na área de antropologia, Roberta da Rocha Salgueiro, intitulada: A
Hierarquia Espiritual das Entidades Negras no Vale do Amanhecer.
No ano de 2006 destacamos duas dissertações a de Vanessa de Siqueira
Labarrere: O Vocabulário da Doutrina Religiosa do Vale do Amanhecer como índice
de Crioulização Cultural. Neste trabalho a autora não apenas apresenta um
apanhado das matrizes culturais de onde provieram os elementos lingüísticos do
Vale do Amanhecer, como também elabora uma espécie de dicionário do
vocabulário da doutrina. O primeiro estudo de um templo do VDA fora de Brasília,
foi o trabalho de Merilane Pires Coelho, intitulado: Caminhos e Trilhas no Vale do
Amanhecer Cearense: As Cidades de Canindé e Juazeiro do Norte.
30
O último trabalho realizado acerca da temática foi o de Daniela Oliveira,
intitulado Visualidades em foco: conexões entre a Cultura Visual e o Vale do
Amanhecer (2008), cuja análise enfoca a construção de uma identidade religiosa
cultural a partir dos aspectos visuais da doutrina, em especial das vestimentas e
adornos.
Fora do Brasil tivemos o trabalho de Marilda Manoel Batista defendido na
Universidade de Paris X, cuja tese de doutorado em Antropologia Fílmica foi As
Dimensões Espetaculares do Ritual da Estrela Candente no Vale do Amanhecer
(Brasil) (2000). A análise centra num ritual especifico que ocorre no templo de
Brasília. A autora publicou ainda alguns trabalhos sobre a temática que muito
contribuíram para o debate acerca do tema.
Como vimos, pelas suas próprias características os estudos que envolvem o
Vale do Amanhecer podem ser os mais diversos possíveis, contudo, o objeto ainda é
pouco explorado pela academia. Pela sua riqueza e diversidade permanece aberto a
uma infinidade de enfoques.. Nossa proposta é explorar, a partir das dinâmicas
culturais, as relações de reciprocidade vivenciadas no templo do VDA na cidade de
Campina Grande entre os diversos agentes, para verificar de que modo se processa
a configuração do núcleo de Campina Grande.
Diferentemente dos demais trabalhos realizados acerca do VDA, enfatizamos
a dinâmica cultural e as relações de reciprocidade no interior do templo de Campina
Grande para mostrar quão peculiar pode ser um templo “filial” deste movimento.
Como se constitui, dentro do complexo jogo de afastamentos e proximidades que se
estabelece em relação à matriz de Brasília, a qual é, ao mesmo tempo, questionada
e reforçada, em sua relação com os demais movimentos religiosos na busca por
legitimação e em sua caracterização em relação ao contexto religioso brasileiro
contemporâneo. Enfim, além de enfatizar o sincretismo
2
, também ressaltado pelos
demais trabalhos, destacamos, sobretudo, sua singularidade enquanto movimento
ao mesmo tempo tributário e inovador, com relação ao NA, categorizando-o a partir
de suas características como New Age Popular, na qual a utilização performática
2
Segundo Ferretti (1995, p. 91) teríamos três variantes que abrangem alguns dos significados principais do
conceito de sincretismo. Ao partir de um caso zero e hipotético de não sincretismo, teríamos: 0 separação, não
sincretismo (hipotético); 2 – mistura, junção, ou fusão; 3 – paralelismo ou justaposição. Tais dimensões, segundo
o autor, não estarão presentes de forma concomitantemente necessariamente, sendo necessário identificá-las em
cada caso.
31
ousada de elementos religiosos e culturais diversos , atinge um patamar de
complexidade jamais visto.
Com base em Bourdieu (1996b) analisamos os processos de reciprocidade e
os conflitos, tanto em termos micro (individual, local) como macro (nacional),
considerando tanto a interdependência como autonomia que o caracteriza.
Partimos do pressuposto de que o campo é um espaço de disputa
principalmente entre o lo do novo, dos indivíduos que reivindicam o direito de
entrada nesse espaço e o pólo dominante que tenta defender o monopólio e excluir
(ou enfraquecer) a concorrência. Sustentamos ainda, que quanto mais autônomo for
um credo religioso, maior será a possibilidade de escapar das leis externas .
3. ANÁLISE DOS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSO A PARTIR DA OBRA DE
PIERRE BOURDIEU.
Uma das categorias centrais na teoria de Bourdieu é a de campo, que
segundo o autor, foi cunhada com o objetivo de sanar o que ele denomina de “erro
de curto-circuito”. A seu ver “para compreender uma produção cultural (literatura,
ciência etc.) não basta referir-se ao conteúdo textual dessa produção, tampouco
referir-se ao contexto social contentando-se em estabelecer uma relação direta entre
texto e contexto” (BOURDIEU, 2004c, p. 20). Deste modo, a categoria de campo
surge para que o pesquisador visualize a “relativa autonomia” que cada produção
social (e cultural) apresentará, autonomia esta que pode ser maior ou menor. Ainda
segundo o autor, “quanto mais autônomo for um campo, maior será o seu poder de
refração e mais as imposições externas serão transfiguradas” (Ibidem, p. 22).
A dinâmica do campo religioso não poderia, desse modo, fugir a esta lógica,
sendo assim, este se configuraria enquanto dotado de uma “relativa autonomia”,
porém também vulnerável em maior ou menor grau a “influências externas”. Para a
compreensão da dinâmica do campo religioso, Bourdieu, em boa medida realiza
uma síntese teórica dos clássicos da sociologia, mas facilmente é reconhecível em
seus estudos sobre religião a teoria de Max Weber, não à-toa ele parte dos modelos
típicos ideais de sacerdote, profeta, mago e leigos.
32
Com efeito, sua teoria do poder e das disputas simbólicas no campo religioso
parte dos modelos típicos ideais weberianos. Para o autor, uma relação tensa esta
marcada entre o sacerdote, representante da religião legitimada e instituída, e o
profeta. Segundo o autor aquele seria “mandatário de um corpo sacerdotal que,
enquanto tal, é detentor do monopólio de manipulação legítima dos bens de
salvação que delega a seus membros, tenham eles carisma ou não, o direito de gerir
o sagrado” (BOURDIEU, 2004a, p. 120) ao passo que o profeta seria o empresário
independente de salvação (BOURDIEU, 2004b). O autor não chega a pontuar
algumas distinções importantes feitas por Weber (1968) entre o profeta e o
sacerdote, para ele, aquele oferta seus serviços e bens de salvação de forma
gratuita, ao menos inicialmente, o que seria um forte marcador de distinção em
relação ao representante da religião instituída.
Ao passo que o sacerdote, enquanto representante da religião estabelecida
(num processo histórico de disputas), procura reproduzir as condições do campo em
que seus bens de salvação são os únicos legítimos, o profeta busca ofertar novos
bens de salvação contestando os ofertado ou mesmo a instituição que os oferta. Em
relação à definição entre o sacerdote e o profeta, o autor consegue um avanço
significativo, em termos sociológicos, em relação a Weber, pois enquanto este o
concebia como um homem extraordinário, assentando deste modo suas
características na categoria do carisma, Bourdieu passa a considerá-lo o homem
das “situações extraordinárias” assentando assim sua concepção numa base menos
“metafísica” que o autor alemão, apesar de ainda se utilizar da categoria carisma.
Deste modo, podemos perceber que na teoria de Bourdieu (2005) a dinâmica
do campo é marcada por uma tendência à reprodução, onde posturas ortodoxas de
uma classe dominante detentora de maior capital (seja ele qual for conforme o
campo em questão) rivalizam com posturas heterodoxas daqueles detentores de um
menor capital, ambos os grupos reproduzem as “regras do jogo”. O campo religioso
será pois marcado pela tensão onde os representantes da religião estabelecida
(detentores de maior capital religioso) lançarão mãos das mais diversas estratégias
para deslegitimar os profetas e suas seitas que buscam contestar a religião
estabelecida. Melhor, ainda, contestar o monopólio da produção e distribuição dos
bens de salvação.
33
BOURDIEU, Pierre. Apêndice I: Uma interpretação da teoria da religião de Max Weber”. In: A
economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 2004. p. 79.
A relativa autonomia dos campos de ser destacada aqui, pois é
exatamente essa autonomia que permite aos movimentos religiosos emergentes
pautarem suas estratégias não apenas baseadas na estrutura do campo religioso
como também nos demais campos, bem como no habitus dos profetas, sacerdotes e
leigos. São estes os pontos de partida para se pensar a legitimidade, pois tal
estratégia e tal movimento religioso se mostram legítimos para um habitus específico
determinado pelas múltiplas posições que os agentes ocupam nos diversos campos.
Possivelmente, os capitais culturais e econômicos são os que mais se destacam
nesta formula, de tal modo que o senso prático daqueles responsáveis por
desenvolver as estratégias simbólicas de disputa por legitimidade hão de considerar
prioritariamente a distribuição de tais capitais para assentar tais estratégias.
34
Em nosso trabalho buscamos compreender como o VDA se insere neste
dinâmico e tenso campo, no qual as disputas levariam a um contínuo ir e vir, no qual
a seita (novo movimento religioso) de hoje, assentada no carisma de seu profeta
fundador tende a ser a religião institucionalizada de amanhã.
Investigamos como os diversos elementos que constituem o universo místico
religioso se inserem nesta busca por legitimidade e disputas simbólicas no campo,
guiados pelo senso prático de adeptos e freqüentadores, elementos estes que
convergem para a configuração de um todo cultural significativo.
Nesse sentido, investigamos principalmente em duas direções, quais sejam: a
busca pela compreensão dos processos de representações e eficácia presentes nos
rituais que ocorrem no templo, estes, em nosso entender, se fazem eficazes na
medida em que se referenciam em símbolos ressignificados oriundos de matrizes
culturais e religiosas diversas que são percebidas enquanto legítimas. Bem como as
possibilidade de formação de um habitus próprio dos adeptos, sendo este
determinado pelas múltiplas posições ocupadas nos diversos campos. A posição por
eles ocupada no campo religioso teria a capacidade de modelar este habitus de
forma considerável. Em nossa pesquisa, encontramos uma realidade cultural na qual
este habitus é marcado e operacionalizado pelo dom em suas múltiplas dimensões e
vivências. Também partimos deste substrato teórico para propor novas categorias
analíticas de compreensão de nosso objeto de estudo, como a de New Age
Popular”, que será tratada de modo mais claro no decorrer do trabalho.
4. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O DOM
4.1. O Ensaio Sobre o Dom e a Sistematização de Marcel Mauss
As formas de troca e sua significabilidade nas sociedades humanas é uma
temática antiga nas ciências humanas. O marco para as discussões sobre as
relações de reciprocidade em sociedade é o estudo de Marcel Mauss intitulado
35
Ensaio Sobre o Dom: Formas e Razão da Troca nas Sociedades Arcaicas, publicado
no ano de 1925. Nele, o autor realiza um verdadeiro apanhado de como o dom se
apresenta nas mais diversas sociedades, partindo de exemplos etnográficos fruto de
trabalhos de autores anglo-saxões, entre os quais, os de Franz Boas. Para Mauss, o
dom é o conjunto de trocas marcado pela obrigação tripartite do dar, do receber e do
retribuir viabilizando a aliança e pode ser encontrado nos mais diversos âmbitos
sociais, seja no econômico, no religioso, no jurídico ou moral.
Villela (2001) nos chama a atenção para o fato de que Mauss já havia,
mesmo antes da publicação do “Ensaio sobre o Dom”, se interessado pela a
temática, ainda que de forma não sistemática em algumas publicações no “Anée
Sociologuique”; “Os esquimós” (1904), em 1910 um artigo sobre os Haïda e os
Tlingit, e em 1913 sobre as organizações tribais dos povos da Melanésia. Quase
todos estes trabalhos frutos de cursos ministrados na École Pratique de des Hautes
Études. Nos anos 20 mais dois trabalhos merecem destaque, “Uma Forma Antiga de
Contrato Entre os Trácios”, de 1921 e “Gift-Gift” em 1924.
Na Coletânea Ensaios de Sociologia (2005) encontramos ainda outros textos
sobre o dom não citados por Vilella, “A Extensa do Potlach na Melanésia” de 1920,
fruto de uma comunicação apresntada por Mauss no Instituto Francês de
Antropologia, bem como o texto publicado na Revue Celtique de 1925, intitulado
“Sobre um Texto de Posidônio. O suicídio, Suprema Contraprestação”.
Em “Gift-Gift” o autor já se utilizava de muitas categorias operaciolanizadas no
Ensaio sobre o dom, como a de prestações sociais totais.
“No mundo germânico floresceu em alto grau o sistema social que propus
chamar ‘sistema das prestações totais’. Neste sistema o somente jurídico
e político, mas também econômico e religioso, os clãs, as famílias e os
indivíduos ligam-se por meio de prestações e de contraprestações
perpetuas e de todos os tipos, comumente empenhadas sob forma de dons
e de serviços, religiosos ou outros” (MAUSS, 2005 [1924], p.364).
É exatamente este tipo que nos interessa. No VDA observamos que o dom se
apresenta em múltiplas dimensões e em diferentes momentos. Frisamos em nosso
trabalho três momentos distintos: As relações de reciprocidade entre entidades e
adeptos, que dinamizam a prática do Vale, próxima do modelo de reciprocidade
existente no espiritismo kardecista (BRANDÃO, 1994); aquelas instauradas entre
36
adeptos e freqüentadores, que perpassa desde a troca de palavras e gestos até a de
energia, sendo esta uma das principais categorias de compreensão no movimento
Nova Era (TAVARES, 1999) e; as relações de reciprocidade instauradas entre os
próprios adeptos.
É na miríade de dádivas “ativada” nos processos de práticas rituais centrados
na idéia da cura espiritual que o adepto estabelece uma relação de reciprocidade
com as entidades espirituais tornando-se capaz de “manipular energias”, e através
da oferta destas aos freqüentadores, instaura-se uma nova relação. É através da
“manipulação de energias” que as práticas entre os adeptos são dinamizadas.
Argumentamos que é na vivência e experimentação articuladas a partir da
circulação de dádivas, que, o fluxo de energia “manipulado” pode ser entendido
como um dom partilhado entre adeptos e freqüentadores, através do qual, são
constituidas novas identidades religiosas e modelada uma cosmologia própria. Para
além da errância religiosa apontada por alguns autores (AMARAL, 1999), as práticas
da Nova Era permitem rearranjar identidades fragmentadas de modo que estas
adquirem unidade significativa para os sujeitos, rituais, crenças, práticas, aspectos
lingüísticos e visuais aparentemente contraditórios, “harmonizando-os” na
modelagem dos sujeitos, que direcionados por seu senso prático, constroem um
espaço de prática dotado de sentido e significado para aqueles que o vivenciam.
Entendemos, portanto, que no contexto no qual o dom é um “fato social total”,
o cumprimento ou não da contraprestação tem conseqüências, pois o não
cumprimento acarretaria inúmeras sanções sociais seja para o sujeito em si, seja
para o grupo social ao qual ele pertence. Desse modo, o fato social mostra uma de
suas faces mais conhecidas: a coerção. Por outro lado, o seu cumprimento acarreta
em ganhos consideráveis, seja para aquele que por fim morrerá de forma honrosa,
seja para os pertencentes ao mesmo grupo social, que também ganharam
socialmente, afinal, o dom, por vezes é um instrumento de competição, ganha quem
mais se abnega.
Para Martins (2006) a elaboração da teoria da dádiva liga-se diretamente ao
desdobramento do pensamento durkheimiano da última fase, em especial nos seus
últimos intentos de incluir o indivíduo em sua teoria das representações coletivas.
Mauss buscou resgatar em especial o curso ministrado por Durkheim na Sorbonne,
37
entre dezembro de 1913 e maio de 1914. Segundo Martins (2006), neste curso se
encontraria a chave capaz de explicar a sistematização da dádiva em Mauss. O
autor explana tal colocação nos seguintes termos:
“Pois, se por um lado, esta é concebida como um sistema geral de
obrigações coletivas (reforçando a tese de Durkheim a respeito da
sociedade como fato moral), por outro, Mauss faz questão de adentrar o
universo da experiêrncia direta dos membros da sociedade, o que lhe
permite introduzir um elemento de incerteza estrutural na regra tripartite de
dar-receber-retribuir, escapando da hiper-presença de uma obrigação
coletiva que deveria se impor tirânicamente sobre a liberdade individual”
(MARTINS, 2006, p. 93)
Para um dos seus discípulos mais famosos, Claude Levi-Strauss, na sua
conhecida “Introdução à Obra de Marcel Mauss” (2001), seu velho mestre foi o
primeiro a realizar um esforço e ir para além da superfície empírica, buscando
chegar a algo mais profundo, que não teria sido acessado por ele mesmo.
Doravante o explanado acima, fica claro que Marcel Mauss avançou de modo
considerável ao salientar esta forma de obrigação voluntariosa, que levaria os
indivíduos a se obrigarem mutuamente a dar, receber e retribuir. Inúmeras críticas
foram tecidas posteriormente, cabendo destaque a de Godelier (2001), que não
retira o mérito de Mauss ao sistematizar a teoria da dádiva, porém o acusa de não
ter encontrado uma resposta eminentemente sociológica para a questão, tendo se
aproximado de uma postura na qual uma reprodução da fala do nativo,
reprodução deturpada, segundo Godelier, que afirma ainda que houve modificações
em relação aos dizeres nativos.
Para o autor, na medida em que Mauss afirma haver uma espécie de
“vontade” do objeto em voltar para o seu doador originário, este saí do campo
sociológico propriamente dito. Godelier encontra uma nova resposta para o dom.
Para ele, toda a cadeia de dons existe, pois a dívida nunca é paga, o doador
originário nunca deixa de ser o possuidor legítimo do objeto que entra em circulação.
De acordo com o referido autor, todo o sistema de contra-dons tenta anular uma
dívida que nunca será paga. A lógica do dom é criar o maior número possível de
dívidas, pois estas nunca hão de ser anuladas, logo se cria o maior número de
alianças possíveis.
38
Mostram-se também elucidativas as colocações de Bourdieu, em especial em
sua obra Razões Práticas: Sobre a Teoria da Ação (1996), na qual ele faz uma
breve digressão a respeito da dádiva nos seguintes termos: “Mauss descreveu a
troca de dádivas como uma seqüência descontínua de atos generosos; Levi-Strauss
definiu-a como uma estrutura de reciprocidade que transcende os atos de troca nos
quais a dádiva remete à sua retribuição” (Ibidem, p. 159). Para Bourdieu, nestas
duas análises, está ausente o papel determinante do intervalo temporal entre a
dádiva e a sua retribuição, pois, segundo autor, tal intervalo teria como função
colocar um véu entre o dom e o contra-dom, de modo que estes atos simétricos
parecessem sem relação. A retribuição, deste modo, não se apresentaria como um
ato de retribuição, mas sim como um ato singular. E completa:
“Portanto, tudo se passa como se o intervalo de tempo, que distingue a troca de
dádivas do ‘toma lá, cá’, estivesse para permitir que quem defina sua
dádiva como uma dádiva sem retorno e ao que retribui, de definir sua
retribuição como gratuita e não determinada pela dádiva inicial” (BOURDIEU,
1996, p. 160).
Na perspectiva de Bourdieu é o habitus, este conjunto de predisposições
determinada pelos diversos espaços ocupados pelos sujeitos nos diversos espaços
campos que vai direcioná-lo no complexo jogo do dom, é este senso prático que
guiará o sujeito, que viabilizará a sua percepção da importância do lapso temporal
na dinâmica dos dons e contra-dons.
Entendemos que o dom se coloca não apenas como um paradigma possível
para se pensar o social, mas como um paradigma necessário, pois “antes de ter
interesses econômicos, instrumentais ou de propriedade, é antes de tudo necessário
que os sujeitos, individuais ou coletivos, existam e sejam constituídos como tais”
(CAILLÉ, 2002b, p. 72).
Num contexto de sociabilidade primária no qual as pessoas são mais
importantes que as funções por elas exercidas o dom se mostra de maneira mais
clara, mas isso não significa, que ele não exista em outros contextos, pois a
manutenção dos laços sociais é algo vivenciado a todo o momento, em todos os
espaços em que interação humana. Caillé (2006) nos alerta que, mais do que
responsável pela criação, manutenção ou recriação do elo social, o dom constitui-se
como a essência do próprio social, o qual se baseia na obrigação da oferta sem
39
garantia de retorno, embora pressuponha a obrigação da retribuição. O doador
inicial se expõe “à possibilidade de que aquilo que retorna difere do que foi
oferecido, remete a um prazo desconhecido, a algo que talvez seja retribuído por
outros que não aqueles a quem foi oferecido, ou que talvez nunca seja retornado”
(Ibidem, p. 31).
Em nossa análise, buscamos investigar as múltiplas dimensões nas quais o
dom se apresenta no VDA. Ou seja: nas relações entre os adeptos, entre estes e as
entidades espirituais e entre estes e os freqüentadores do templo (os chamados
pacientes). Observaremos como estas múltiplas dimensões se operacionalizam
delimitando socialmente os sujeitos que venciam esta prática religiosa.
Nosso trabalho está dividido em três capítulos, no primeiro, traçaremos um
breve percurso histórico acerca da doutrina do Vale do Amanhecer no Brasil e em
Campina Grande, reconstituindo sua trajetória a partir do depoimento dos
fundadores, bem como, uma descrição etnográfica dos principais rituais de cura e
possessão lá vivenciados.
No segundo, analisamos os rituais desenvolvidos no Vale do Amanhecer a
partir da perspectiva analítica de Bourdieu (2007c) e dos autores que discutem
terapias alternativas no contexto Nova Era, Martins (1999), Tavares (1999) e Maluf
(2003, 2005), entre outros, discutindo ainda as múltiplas dimensões do dom
vivenciadas nas relações entre os adeptos entre si, adeptos e freqüentadores,
adeptos e entidades espirituais, neste contexto ritual.
No terceiro capítulo analisamos as dinâmicas culturais vivenciadas no templo
do VDA Campina Grande a partir da categoria de New Age Popular e das relações
de reciprocidade nele instauradas; as relações do templo local com a matriz em
Brasília, a configuração de uma nova forma de vivenciar o sagrado (processo de
criação de um novo habitus) e as maneiras através das quais a realidade constituída
nos diferentes campos é, ao mesmo tempo, por eles, contestada e reforçada.
40
CAPÍTULO 1 - O VALE DO AMANHECER: TRAJETÓRIA, SINCRETISMO E
SIMBOLISMO.
1.I. BREVE APANHADO HISTÓRICO.
Não há como desvencilhar a história do Vale do Amanhecer da trajetória
devida de Neiva Chavez Zelaya. Sergipana que veio a integrar um grupo de
candangos na construção de Brasília. Levava uma vida normal até então, chegou a
ser a primeira mulher caminhoneira profissional no Brasil. Aos 32 anos alega ter
visões as mais diversas, e a partir daí, empreendendo uma peregrinação através do
catolicismo, centros kardecistas e da umbanda, porém não encontrando respostas
para seus questionamentos espirituais.
Aos 33 anos tem o primeiro contato com uma entidade que se auto-intitula
“Pai Seta Branca”, fato este que é utilizado discursivamente pelos adeptos em
decorrência de ser corrente a idéia de que 33 foi a “idade de Cristo”. Através de
inúmeros contatos com esta entidade, Neiva afirma ter tomado conhecimento de que
em outras vidas teria sido uma pitonisa grega no Oráculo de Delfos, e as Nefertiti e
Cleópatra, e uma cigana conhecida como Natascha, bem como de que o “Pai Seta
Branca” não podendo mais reencarnar a teria escolhido para uma missão espiritual,
fundar uma doutrina que deveria preparar a humanidade para o terceiro milênio,
período este em que não haveria nem dor nem sofrimento.
Em relação à imagem do “Pai Seta Branca” vale a pena frisar como aponta
Mello (1999) que sua imagem é por vezes confundida com a do próprio Jesus,
ocupando em verdade um lugar de maior destaque junto ao Vale, apesar de em
termos doutrinários ser visto como hierarquicamente inferior. Cavalcante (2005) no
que diz respeito não ao “Pai Seta Branca” como em relação às demais entidades
“indígenas” que figuram no panteão do Vale coloca:
“O Vale do Amanhecer fala de povos indígenas andinos, meso-americanos,
brasileiros e norte-americanos, todos eles expostos a uma forte aura mítica
e aparentemente chegados por intermédio de sistemas como folhetos de
agencias de turismo e lembranças adquiridas nas viagens; assim como da
41
religião umbandista; da religiosidade Nova Era e também dos filmes e séries
de faroeste, veiculados no cinema e na televisão. O interessante é que, no
Vale, esses mesmos índios também dizem respeito a informações
referentes a naves espaciais, a seres de outros planetas, a faraós e
pirâmides egípcias, entre outros. Tudo isso ocasionado por o “Vale
indígena” ser um texto, no qual a tessitura a ele imanente, sendo híbrida,
dá-se a realizar de modo dialógico e complexo.” (CAVALCANTE, 2005,
p.168)
Entendemos que a composição do universo místico-religioso do Vale,
especificamente no que tange a utilização de diversos signos oriundos das mais
diversas matrizes culturais é possível dentro do processo que Ortiz (2006)
denomina mundialização da cultura, no qual esta se desterritorializa. Os índios do
faroeste, na perspectiva do autor, são símbolo de uma cultura mundial, sem raízes,
fenômeno típico da modernidade.
Argumentamos que os índios do Vale do Amanhecer pertencem ao universo
próprio deste movimento, considerando que houve um complexo processo não
apenas de bricolagem cultural, como de ressignificação e reinvenção cultural, a
imagem aprioristicamente pertencente a filmes de Faroeste agora é um ícone de
culto entre os adeptos, um ser cujas origens extraterrestres e histórico de
reencarnações o legitimam como líder espiritual.
Imagem do Pai Seta Branca/fonte: Pintura Vilela.
42
Ainda no que diz respeito ao percurso de Tia Neiva, é interessante ressaltar
que após o início de suas alegadas visões, ela vivenciou uma longa “peregrinação”
em diferentes credos em busca de explicações para tais visões. É que tia Neiva
encontra Mãe Nenen e com ela fundam em Serra do Ouro, próximo à cidade
Alexânia, entre as cidades de Brasília e Anápolis, a União Espiritualista Cristã Seta
Branca, mais conhecida entre os adeptos pela sigla Uesb.
No período em que esteve lligada à Uesb (1959-1964) Neiva afirma ter sido
treinada por um monge “encarnado” de nome Humahã, que residiria no mosteiro de
Lhasa no Tibet. Segundo os adeptos durante 5 anos Neiva teria se transportado
espiritualmente todos os dias para receber o referido treinamento. Ao final do
mesmo, ela teria recebido o nome de “Koatay 108”, que faria referência à uma
suposta coroa luminosa composta de 108 diamentes que teria sido posta dali em
diante sobre sua cabeça, bem como ao conhecimento de 108 mantras, ambos
proporcionados pelos planos espirituais.
Houve posteriormente divergencias entre Tia Neiva e Mãe Nenen que
culminaram com a separação das duas. Segundo Cavalcante (2000) este fato é
explicado entre os adeptos como cumprimento de uma “dívida carmica”, que elas
teriam sido ligadas em vidas passadas e o tempo que passaram juntas teria sirvido
para sanar esta “dívida”.
Em 1964 Tia Neiva muda-se para os arredores de Taguatinga junto a um
pequeno grupo de médiuns, nesta cidade é registra sua obra missionária com o
nome de “Ordens Sociais da Ordem Espiritualista Cristã”. Na verdade foi apenas
uma mudanaça de nome pois havia um registro sob os moldes de comunidade
religiosa com obras sociais, que permaneceu, sob o nome de “União Espiritualista
Seta Branca”, segundo os adeptos, no plano espiritual a comunidade teria o nome
de “Corrente Indiana do Espaço”. Tempos depois agregou-se a este grupo uma
pessoa que será decisiva no processo de constituição do Vale, Mário Sassi, terceiro
e último companheiro de Tia Neiva e que veio a se tornar o principal sistematizador
da doutrina do Vale do Amanhecer. Ele teria chegado ao Vale em decorrencia de
problemas espirituais que o teriam levado à depressão e ao alcoolismo
(GONÇALVES, 1999)
43
No que se refere ao templo propriamente dito, houve problemas judiciais que
acarretaram na perda do terreno no qual o grupo de Tia Neiva estava alojado,
fazendo-se necessária mais uma mudança de local. O grupo se muda para os
arredores de Planaltina, Cidade Satélite de Brasília, onde finalmente se concretiza a
instalação da comunidade. É neste local que a doutrina ganha entre os adeptos o
nome de Vale do Amanhecer, fazendo uma referencia à auba avistada daquele
local. Houve ainda um processo de desaproriação deste terreno devido a construção
de uma usina hirelétrica que abasteceria Brasília. Entretanto, devido a adesão de
novos membros e consequente aumento populacional houve a concessã do terreno
a Neiva, que passou a determinar por meio de venda de lotes quem deveria ou não
viver no Vale.
Neiva no início da construção do Vale do Amanhecer/fonte: Álvares (1992, p. 159)
Tia Neiva morre em 1985, aparentemente, em decorrencia de turbeculose.
Para os adeptos, tal doença tinha uma explicação espiritual, decorreria de uma
“dívida carmica”, teria ocorrido após o seu treinamento com o monge tibetano. Antes
de sua morte, Neiva havia deixado preparada a sua sucessão, cabeno a quatro
“trinos” o comando do Vale a partir deste momento, estes trinos são Mário Sassi
(Trino Tumuchy), seu filho, Gilberto Chaves Zelaya (Trino Ajarã), os adeptos Nestor
Sabatovicz Trino Arakém) e Michel Hanna (Trino Sumanã). Às duas filhas de Tia
Neiva couberam alguns poucos encargos secundários na doutrina.
44
Chama a atenção o fato de que no ano da morte de Neiva havia apenas
quatro templos fora de Brasília, hoje existem mais de 600. Sete dos quais em
outros países, segundo Cavalcante (2005). Em sua pesquisa, ela encontrou adeptos
em Brasília que se sentiam incomodados com tal situação, citando que templos
como o do Recife, que haviam introduzido mudanças de termos rituais e
doutrinários, o que seria contrario à perspectiva vigente no Vale, que segundo
Medeiros (1998) garante autonomia administrativa aos templos porém não
doutrinária.
O Vale do Amanhecer caracteriza-se essencialmente por um forte sincretismo
religioso, no qual aglutinam-se elementos de diversas tradições, entre entre outras,
católica, espírita, afro-brasileiras, indígena, egípcia, maia, místicos em geral e Nova
Era, configurando-se como um verdadeiro “caldeirão de sincretismo”
(CAVALCANTE, 1999).
A esse respeito, vale salientar as colocações de Batista (2003) acerca do
processo mítico de criação do universo particular do VDA: “Os adeptos do Vale do
Amanhecer recriam de um modo próprio a sociedade, sua história, desde a
Antiguidade até os discos voadores. Graças ao imaginário, os adeptos inventam um
eixo temporal que lhes permite atravessar todas as épocas da humanidade” (Ibid:
11).
Tal processo de criação de um universo próprio constitui-se como uma das
marcas distintivas do movimento. Seus principais caracteres derivam extamente
deste núcleo místico-religioso repleto de significados, que na opinião de José Jorge
de Carvalho (1999) constitui, possivelmente o universo religioso mais complexo de
que já se teve notícia.
1.2. O VALE DO AMANHECER EM CAMPINA GRANDE:
Nesta seção apresentamos uma breve reconstituição da trajetória do Vale do
Amanhecer em Campina Grande, locus onde se desenvolveu nossa pesquisa. Para
tanto, tomamos como fonte de informação as entrevistas com adeptos. As
45
entrevistas foram guiadas pela metodologia da história oral, que segundo Menezes
(2005):
“[...] busca fazer uma interpretação da fala do outro, reconstruindo não
apenasos eventos, as experiências e os processos sociais, mas o sentido
atribuido pelos seus praticanetes. Os trabalhos baseados nos relatos orais
tentam incorporaras vantagens da subjetividade dos documentos. Ao se
incorporar as relações de subjetividade entreo pesquisador e o informante,
questiona-se o pressuposto da verdade histórica” (MENEZES, 2005: 29).
Devido a dinâmica instaurada no campo, optamos por realizar entrevistas
livres, sem roteiro predeterminado. Por opção dos próprios entrevistados, seus
nomes foram ocultados. Apenas os nomes próprios dos fundadores do templo de
Campina Grande são revelados, José Carlos e Dona Fátima, como são mais
conhecidos, e não seus nomes completos, também por opção dos mesmos.
As referências às origens do templo em Campina Grande aparecem nas
entrevistas de forma fragmentada. Ainda assim, uma das entrevistas, por ser
demasiadamente rica em conteúdo e informações, pareceu-nos suficiente para o
propósito aqui estabelecido. Foi a primeira, entre as inúmeras realizadas com Dona
Fátima. Em sua fala percebe-se que o percusso biográfico da fundadora e à gênese
histórica do templo de Campina Grande estão profundamente vinculados. Pode-se
mesmo afirmar que está seria uma característica marcante do DVA de Brasília e de
Campina Grande. Com efeito, a liderança feminina desempenha papel prepoderante
nos dois casos.
Argumentamos que para melhor compreesão dos processos de aproximação
e afastamento da líderaça local e de sua família em relção ao movimento, é de
fundamental importância considerar os níveis de legitimidade das religiões de
possessão no campo religioso brasileiro.
Diríamos que no caso do VDA CG, tal como no VDA fundador, encontramo-
nos, diante de uma situação apropriada à utilização do método biográfico como
recurso necessário à reconstituição da trajetória do VDA. Nesse sentido, as
colocações de Von Simson (1996) são bastante elucidativas:
“Ao me utilizar do método biográfico em pesquisas de reconstrução
histórico-sociológica, não tenho como preocupação mais importante o
resgate dos fatos, enquanto verdades históricas, captando seus detalhes e
46
conseqüências em busca da anulação das discrepâncias, mas me preocupo
em captar e enteder as visões de mundo, aspirações e utpias elaboradas
por diferentes estratos ou grupos sociais neles envolvidos e os mecanismos
de veiculação das mesmas, primeiramente entre os membros do próprio
grupo estudado e depois, alargando seu raio de influência, para atingir
outros agrupamentos da sociedade” (VON SIMON, 1996, p. 83).
Desse modo, por ocasião das entrevistas, nosso intento não era enquadrar as
narrativas construidas na dicotomia verídico / inverídico, e a partir dos fatos
reconstituir a história do movimento, mas sim, buscar captar o sentido subjetivo
atribuido pelos agentes aos processsos de estranhamento, empatia, constituição e
consolidação do movimento, bem como, situar num contexto mais amplo os trajetos
percorridos até a definitiva consolidação do mesmo na região de Campina Grande.
O primeiro que aspecto digno de nota na fundação do VDA em Campina
Grande são os motivos alegados por Dona Fátima e seu marido, JoCarlos. De
acordo com os depoimentos, o primeiro contato destes com o Vale se deu por
razões de cunho eminentemente familiar. O filho mais velho do casal, além de ser
portador de necessidades especiais, - não especificada para nós; aparentemente, se
trata de algum tipo de altismo - sofria de ataques epléticos. Os referidos ataques,
ainda quando devidamente medicados, não eram controlados de modo definitivo.
Ainda segundo informam, teriam encontado neste movimento o letivo para tal
sofrimento.
A insatisfação com o tratamento médico teria levado o casal a buscar outras
saídas, entre estas, tratamentos espirituais, em especial através do espiritismo e da
umbanda.
Interessante observar que neste momento da entrevista a narradora se
mostra hexitante, tendo o cuidado de demonstrar que apesar de ter recorrido à
umbanda no passado não se identifica como praticamente, ao passo em que ao
narrar seu contato com o espiritismo, a preocupação não é a mesma. A esse
respeito, Brandão (2004) é bastante elucidativo ao pontuar que no Brasil, o
candomblé, a umbanda e o espiritismo são as religiões de possessão mais
conhecidas e formam entre si uma gradação, indo da mais negra à mais branca, da
mais ligada à tradição oral à mais letrada, consequentemente, da menos legítima à
mais legítima.
47
De modo geral, em sua relação com os “leigos”, as religiões afro-brasileiras
são pensadas, sobretudo enquanto possibilidade de oferta de serviços espirituais, ou
como coloca Bourdieu, (2004b), enquadradas na categoria do “feiticeiro”,
caracterizando-se pela oferta de “cura das almas e do corpo” em troca de
remuneração. Com isso, não desconsideramos os aspectos nos quais estas
religiões se identificam também com a categoria “sacerdotes”, tendo em vista que
constituiem grupos religiosos próprios. Contudo, enfatizamos o papel que ocupam
prioritaria e historicamente na dinâmica do campo religioso brasileiro, até mesmo
pelo fato de se distanciarem em certos aspectos das preocupações típicas de
religiões sacerdotais, como salientado por Motta (2002): “As religiões afro-brasileiras
não se preocupam conforme foi visto, em mudar este mundo. E nem tampouco
cuidam da criação de um mundo que de vir em futuro remoto, ou de uma vida
que começa com a morte” (Motta 2002, p. 93).
Na busca por respostas as problemáticas familiares o casal Fátima e José
Carlos encontram, aparentemente, soluções temporárias para seus problemas.
Segundo Fátima, durante um período de 4 meses, seu filho não sofreu com ataques
epilepticos. Este teria sido o período mais longo que o menino passou sem crises.
Segundo Fátima na época, ela e seu marido estavam encontravam
desesperançosos de encontrar uma possível “cura” para seu filho, quando numa
viagem à Brasília, um amigo do casal os levou ao templo do Vale do Amanhecer.
Fato que nos surpreendeu, tendo em vista que havíamos deduzido, que o contato
incial do casal teria sido com o templo de Olinda, porque era o mais próximo, e
polariza os demais templos do nordeste.
O primeiro contato do casal com o Vale, foi em 1993, o qual a narradora
enfatisa sempre com uma certa tristeza, por não ter conhecido Tia Neiva, fundadora
do movimento, figura sempre recorrente nos discursos e no imaginário dos adeptos.
Outro fato que também nos chamou a atenção em sua narrativa dos primeiros
contatos com Vale, foi a ênfase no receio que sentia. No Brasil, de acordo com os
estudiosos do assunto, a oferta de serviços espirituais é sempre acompanhada de
um constante receio, como coloca Maggie (2001). Por um lado procura-se esta
oferta de “cura de almas” e de corpos por outro teme-se pelas conseqüências
que poderiam acarretar do contato com este tipo de serviço (FERRETTI, 1995).
48
A busca pela experiência mística é considerada pelas maioria dos estudiosos como
uma das principais características do movimento Nova Era. Com efeito “A busca do
contato direto coma divindade, constitui esforço do misticismo que é cultivado pelos
adeptos da Nova Era” (SILVA, 2003, p. 87-88).
Consoante Amaral (1999) é a variabilidade e a quantidade de experiências e
não a profundidade destas que marcará a dinâmica do movimento Nova Era.
Concordamos apenas em parte com a referida autora, pois entendermos que
qualquer generalização pode ser perigosa. No NA muitos movimentos requerem ou
mesmo exigem exclusividade, portanto, não se enquadram na referida situação. No
caso do Vale do Amanhecer em especial, o fluxo de símbolos, rituais e processos
engloba características da religiosidade popular e da New Age. Desse modo, a
pluralidade de experiências se constitui como uma característica do próprio
movimento, uma vez que, desde sua origem, a constante referência às mais
diversas matrizes culturais, compõe uma rica variedade de experiências. Com efeito,
sem necessidade de deslocamento, o adepto ou visitante do VDA, pode
experimentar rituais tipicamente espíritas, umbandistas, católicos, inca, asteca,
maia, hindu entre outros, que se configura como uma espécie de síntese, ou “circuito
neo-esô” peculiar.
Em seu depoimento, D. tima conta que, em seus primeiros contatos com o
Vale, ao término de cada “trabalho” - assim o chamados os rituais realizados no
Vale do Amanhecer ela se perguntava; “Mas é isso?” Havia, de sua parte,
um forte receio de se tratar de um culto afro-brasileiro, sempre tão temido no
imaginário religioso brasileiro, devido a visão preconceituosa em relação às
tradições afro, veiculadas numa sociedade de tradição predominantemente cristã,
mesmo se nesta, com freqüência, católicos recorram a esse tipo de serviço. Na
construçaõ de uma narrativa biográfica, o narrador tenta dar sentido à aleatoriedade
dos fatos que compõem a sua história de vida. Tal trajetória, segundo Bourdieu
(2006) não poderá ser compreendida “sem que tenhamos previamente construído os
estados sucessivos do campo no qual esta se desenrola e, logo, o
conjuntdefiniçãoo das relações objetivas que uniram o agente considerado (Op.
Cit., p. 190).
49
Portanto, como afirmamos anteriormente, para se compreender os processos
de proximidade e afastamento de D. Fátima e de sua família em relação ao
movimento, temos que levar em consideração a posição que as religiões de
possessão ocupam no campo simbólico religioso brasileiro. Nesse sentido
entendemos que as mesmas caracterizam-se pelo caráter duplo enfatizado, de
religiões que ofertam serviços espirituais “úteis”, não ofertados por outras religiões
institucionais, que são, ao mesmo tempo “desejados” e “temidos”. Mais que isso,
serviços “deslegítimos”, ao menos num primeiro momento, quando considerados a
partir da ótica cristã dominante.
A partir desse primeiro contato de Dona Fátima e do Sr. José Carlos com o
Vale, e da conseqüente “cura” de seu filho, surge o entrelaçamento entre estes e o
movimento, que dará ensejo à vontade de fundar um núcleo em Campina Grande.
Para tanto, necessitavam ser iniciados na doutrina. A iniciação foi realizada em três
diferentes etapas e locais; Brasília, Olinda e João Pessoa. Esta gradação se deu em
decorrência de motivos obvios. Primeiro, por questão de proximidade e viabilidade e
segundo, em razão da própria expansão da doutrina que se expandia naquele
momento, também na região nordeste. O processo foi iniciado no tempo e Brasília,
prosseguido em Olinda. Quando o templo de João Pessoa - que na verdade
funciona no município de Bayeux - tornou-se um templo iniciático, eles para se
dirigiram, com o intuito de finalizar sua iniciação na doutrina.
Em 1995, juntamente com mais 4 médiuns, foi fundado o templo de Campina
Grande. Destes quatro membros iniciais, apenas dois permanecem vinculados ao
templo. Inicialmente suas atividades desenvolviam-se no bairro das Malvinas, num
imóvel alugado.
3
Considerando que as atividades do Vale do Amanhecer se caracterizam
essencialmente por serem atividades ligadas de alguma forma a possessão, o fato
do templo se localizar num espaço demasiadamente movimentado, com alto fluxo de
carros e de pessoas por onde passam as principais linhas de ônibus do bairro,
atrapalharia os “trabalhos” realizados pelos adeptos, além disso, o espaço tornara-
se pequeno, na medida em que novos médiuns foram sendo iniciados e o fluxo de
3
Localizava-se naa esquina entre duas avenidas das mais movimentadas do bairro, a Rua da
Umbuaranas com a Avenida Almirante Barroso.
50
pessoas em busca dos serviços espirituais aumentava. Os novos iniciados,
normalmente, são os antigos visitantes, que tendo se identificado com a doutrina,
buscaram iniciar-se. Segundo Fátima, o espaço tinha apenas 17 metros por 4 de
largura e no espaço de um mes chegaram a ser “atendidas” mais de 30 pessoas.
Fato que culminou com a construção do templo na zona rural no sítio Lucas, nos
fundos da propriedade do casal Dona Fátima e José Carlos. Estes, que
anteriormente moravam nas Malvinas, compraram esta propriedade e se mudaram
para poder desenvolver melhor as atividades ligadas ao Vale. A construçaõ se
efetivou em 2005, mas o templo ainda encontra-se em construção, ao menos alguns
espaços destinados a rituais específicos encontram-se em processo de finalização,
pois são demorados, o apenas pela riqueza de detalhes como pelo fato de que a
maior parte de seus membros serem oriundos de camadas populares, e suas
contrubuições para manuntenção do templo não serem obrigatórias nem mesmo
contínuas.
A mudança para a zona rural obviamente causou um certo impacto, pois se
por um lado houve um “ganho qualitativo”, houve também uma perda “quantitativa”,
pois o número de pessoas a procurar os “serviços espirituais” caiu
consideravelmente, por ser um local de difícil acesso. Pois embora haja uma linha
de ônibus que faz o percurso até a região onde o templo se localiza. Porém, horários
dos mesmos não coincidem com as atividades do Vale, que por vezes, se
prolongam até as 21 horas, e o último ônibus saí daquela região com destino ao
perímetro urbano em torno das 19 horas. Apesar disso, parece ser consenso entre
os adeptos que houve um ganho com a mudança de espaço.
Atualmente, ainda segundo D. Fátima, cerca de 100 pessoas encontram-se
filiadas ao templo de Campina Grande, porém apenas cerca de 50 frequentam
ativamente as atividades do templo, muitos, inclusive, sairam posteriormente para
fundar novos núcleos, como foi o caso do núcleo fundado na cidade de Boqueirão.
Porém este não obteve sucesso e encerrou suas atividades em 2006. Como posto
anteriormente, em 2007 houve uma tentativa de se manter uma espécie de
“extensão do templo” no distrito de São José da Mata, o que, segundo José Carlos,
seria uma espécie de “pronto-socorro”, porém suas atividades forma encerradas no
mesmo ano, pois estaria atrapalhando as atividades desenvolvidas no templo
51
principal. Hoje, eles tentam transformar o templo de Campina Grande também num
templo iniciático.
Aparentemente há um forte receio por parte dos adeptos e organizadores com
relação a possíveis retalhações, seja por parte de outros credos, seja por algum tipo
de exposição pública, tanto que tivemos que reafirmar diversas vezes a restrição da
circulação das informações obtidas, bem como o sigilo dos nomes etc, Havia,
inclusive, o receio de que as fotos tiradas pudessem ser veiculadas na mída com o
fim de ridiculariza-los publicamente. Felizmente, a continuidade do trabalho de
campo nos levou a um crescente ganho de confiança por parte dos adeptos e
organizadores, porém não a diminuição do medo, constante no imaginário dos
adeptos, em especial com relação a outros credos, especificamente os
neopentecostais.
Outro aspecto observado que é preciso destacar no DVA em Campina
Grande, é que sua gênese histórica e sua trajetória, estão profundamente marcadas
pela influência das dinâmicas religiosas locais. Isso significa que desfrutam de
relativa autonomia no sentido de que não é uma mera reprodução das mensagens e
práticas vivenciadas em Brasília. Nesse sentido, a influência de Olinda foi decisiva,
já que este templo polariza todos os demais do nordeste.
Percebemos ainda, que no templo de Campina Grande elementos opcionais
são escolhidos e elaborados considerando a dinâmica cultural local, como por
exemplo a utilização das indumentárias, na qual uma escolha predominante por
parte das mulheres de vestimentas mais “discretas”, sem a utilização demasiada de
lantejoulas, strass, e outros elementos que caracterizam as chamadas ninfas, opta-
se majoriatariamente pelo modelo composto de saia marrom, colete branco e camisa
preta.
O templo de Campina Grande apresenta, assim, uma trajetória suis generis,
profundamente vinculada à biografia dos fundadores. Aparentemente bifurcado em
seu comando, uma vez que o casal assume diferentes atribuições no templo,
contudo, se for necessário, podem-se intercambiar perfeitamente no comando.
No geral, Sr. José Carlos é responsável pela parte espiritual e intelectual. Foi
através dele que obtivemos boa parte das informações relativas ao plano espiritual
da doutrina. Dona Fátima se ocupa principalmente da operacionalização
52
administrativa do templo. Ela domina a maior parte das informações relativas às
origens e trajeto do templo e do percurso espiritual dos adeptos e freqüentadores,
sem contudo, não perder o core da realidade religiosa e cultural que caracteriza o
Vale do Amanhecer. Realidade fortemente sincrética, marcada pelos serviços
gratuitos de “cura espiritual”, todos operacionalizado a partir da possessão e das
relações de reciprocidade.
Um último ponto que gostarímos de destacar diz respeito a fundação do VDA
Campina Grande, é a escolha da data de fundação. Esta nos chamou atenção pelo
fato de ser próxima à virada de milênio, o que em tese, teria, uma especial
significação para os adeptos, uma vez que a doutrina emerge com a “justificativa” de
preparar a humanidade para o terceiro milênio. Portanto, é de se supor que não
poderia haver melhor data para a fundação do templo. Contudo, para os adeptos, a
virada do milênio não seria demasiadamente marcante como viés escatologico.
Seria apenas um momento de proximidade de toda a humanidade para com a
doutrina, para com o Pai Seta Branca e o possível retorno a “Capela”, planeta, que
segundo os adeptos, o local de onde proveio a raça humana e para o qual voltará
guiada pelo Pai Seta Branca.
Apesar do caráter milenarista, o Vale do Amanhecer não se atém a
preocupações apocalipticas, como observa Mello (1999).
“Os propósitos filosóficos e espirituais do Vale do Amanhecer anseiam a
preparação individual e coletiva para os processos de transformação ões
que atravessam a humanidade e o planeta para entrar numa nova era de
espiritualidade e de amor cósmico e fraternal”
4
(Ibidem, 127).
Neste aspecto se enquadra perfeitamente na proposta da Nova Era, uma vez
que visa uma transformação de dentro para fora, “aqui e agora” (SILVA, 2003).
Diríamos que o templo do Vale em Campina Grande amplia, na região, o que
Magnani (1999) denomina “circuito neo-esô”, passando a ser buscada como mais
uma alternativa no amplo leque oferecido pela NE.
4
Tradução Nossa “les propos philosophiques et spirituels de Vale do Amanhecer envisagent la
préparation individuelle et collective pour le processus des transformation que traversent l’humanité et
la planète pour entrer dans une nouvelle ère de spiritualité et d’amour cosmique et fraternel”.
53
1.3. UM UNIVERSO EM HÍBRIDO EM CORES E SÍMBOLOS
1.3.1 Indumentárias, Falanges e Mediunidades
Possivelmente um dos aspectos que mais chama a atenção daqueles que
entram em contato com o Vale do Amanhecer é o visual, seja do templo em si, seja
das vestimentas dos adeptos. Segundo Cavalcante (2000) elas se caracterizam por
serem extremamente coloridas e irradiantes “adornadas com materiais de brilho, tais
como strass, falsas gemas e materiais preciosos, estão repletas de símbolos”
(Ibdem, 2000).
Médium Apara no Vale do Amanhecer em Brasília/fonte: Batista (2003)
Encontramos na doutrina quatro tipos de indumentárias, a primeira é utilizada
durante o Desenvolvimento e a Iniciação Dharmo-Oxinto. Durante esta fase o
médium do sexo feminino usa uma túnica branca em forma de vestido com uma fita
nas cores amarela e lilás cruzando-lhe o peito. O médium do sexo masculino utiliza
uma camisa branca com a mesma fita e uma calça preta ou marrom. Para os
adeptos, a calça marrom é uma referência à São Francisco de Assis que teria sido
uma das encarnações do “Pai Seta Branca”.
54
Foto de médiuns do templo de Campina Grande/fonte: Do autor.
Após a Iniciação Dharmo-Oxinto, além destes adornos os adeptos passam a
utilizar também um colete branco. Nestes encontram-se os símbolos do doutrinador,
uma cruz envolta num manto branco, ou do médium de incorporação, um triângulo
vermelho com um evangelho aberto ao meio. Passa também a utilizar um crachá
com seu nome e no caso dos médiuns doutrinadores, figurará também o nome de
suas entidades protetoras. no caso dos médiuns de incorporação, figuraram as
entidades que estes supostamente incorporaria.
Posteriormente ao ritual de Elevação de Espadas, o médium passará a utilizar
uma roupa marrom, uma calça no caso dos homens e uma saia no caso das
mulheres, bem como uma blusa preta para ambos. O colete branco permanece,
cada mais adornado com insígnias, pois os símbolos utilizados, bem como as
vestimentas de um modo geral, são marcadores sociais dos médiuns, indicando não
apenas tipo de mediunidade, mas também o local ocupado pelo adepto na
hierarquia da doutrina. Esta vestimenta acompanhará o adepto durante toda a sua
permanência na doutrina.
ainda outros dois tipos de indumentárias, a dos prisioneiros e a
indumentária da falange. Todo adepto deve adquirir a indumentária de prisioneiro, e
deverá utilizar toda vez que sentir necessidade. Em nossa pesquisa não
encontramos adeptos que utilizassem este tipo de indumentária, entretanto,
encontramos como explicação para a utilização da mesma, a necessidade de libertar
um espírito que se liga ao adepto por cobrança ou apenas por atração.
55
A indumentária de falange á facultativa aos adeptos podendo mesmo ser
utilizada no início de sua “carreira mediúnica”, mas recomendações de que
seja utilizada depois que o adepto conhece bem a história e as características de
cada falange. No site oficial do Vale do Amanhecer (www.valedoamanhecer.com.br)
disponibiliza a história de cada uma das falanges de modo relativamente detalhado,
sempre narrada como uma “epopéia espiritual”, na qual fragmentos históricos tomam
ares místicos e não necessariamente lógicos em termos temporais.
Em muitas entrevistas por nós realizadas percebeu-se que a troca de falange
não é vista com bons olhos pelos adeptos, em especial pelos mais velhos, estes
normalmente não utilizam as vestimentas referentes às mesmas, sendo mais
comum entre os mais jovens. No templo de Campina Grande percebe-se que a
utilização deste tipo de indumentária é menos comum, sendo unanimidade apenas
entre as crianças, em especial nos dias de domingo durante os rituais quando
cantam dentro do templo vestindo-as.
Existem no total vinte e uma falanges femininas e duas masculinas no Vale.
As falanges femininas são: gregas, ciganas taganas, ciganas aganaras,
franciscanas, madalenas, nitiamas, muruaicys, amaritanas, maias, madruchas,
agulhas ismênias, yuricys, escravas, roxanas, dharmo-oxintos, jaçanãs, arianas,
naraimas, niatras, caiçaras e tupinambás. No que diz respeito aos adeptos
masculinos estes se dividem em falange dos magos e falange dos príncipes.
No decorrer da pesquisa percebemos que o processo de assimilação e
afirmação de pertencimento a uma falange é um forte marcador identitário entre os
adeptos, em especial devido ao fato de que determinados “trabalhos” assim são
denominados os rituais realizados no Vale podem ser realizados por
determinada falange, e em determinado espaço, num templo pequeno como o de
Campina Grande, no qual cerca de 100 adeptos participam, e em torno de 50 de
forma mais ativa, isso se torna de suma relevância. Galgar um patamar próprio no
templo e realizar rituais importantes para a doutrina passa a ser um marcador
também social, “localiza” o adepto na doutrina.
É interessante frisar que as vestimentas reforçam uma marcação espacial e
temporal extraordinária, referentes ao contato com o “outro mundo”, como coloca
DaMatta (1997a). O tempo extraordinário é marcado por uma inversão de valores,
56
de lugares, que no caso do tempo que marca o contao com o “outro mundo” são
demonstrados pelos nticos, vestimentas etc. Há, portanto, toda uma mudança de
comportamento, sendo a mudança de vestimentas mais um marcador desta
extraorinariedade do momento, não à-toa os membros do templo de Campina
Grande levam suas vestimentas para o local onde ocorrem os rituais, e no lado de
fora do templo, em banheiros reservados para isso, trocam suas vestimentas,
abandonam seus trajes “ordinários” e passam a utilizar as vestimentas rituais. Neste
momento sua representação do self, nos dizeres de Goffman (2005), passa a ser
outra, o adepto torna-se um médium, um seguidor de Tia Neiva, alguém que
segundo eles está alí para realizar um “trabalho de caridade”, que beneficiaria não
apenas aquele que o recebe diretamente como toda a humanidade.
Os processos mediúnicos também se configuram enquanto um outro forte
marcador social e identitário, uma vez que no Vale do Amanhecer a mediunidade
não é entendida de forma homogênea. Nem mesmo em termos lingüísticos,
poderíamos dizer que no Vale um modelo bifurcado de mediunidade. Por um
lado, aqueles médiuns que se dedicam ao processo de incorporação, assim
como no espiritismo kardecista. Estes são chamados de aparas quando mulheres,
ou jaçanãs quando homens. Por outro, há uma nova categoria mediúnica criada pelo
Vale chamada de médium doutrinador, dedicado às demais atividades, inclusive de
incorporação, mas apenas auxiliando o apara ou jaçanã. Neste caso, o doutrinador
fica responsável pelo “convite” para a manifestação das chamadas “entidades de
luz” no apara ou jaçanã e por doutrinar os espíritos sofredores. Esta sua função fica
mais claro durante o ritual do “trono” que será analisado no capítulo seguinte.
Interessante notar que nas pesquisas realizadas em Brasília, as quais tivemos
acesso, não referência ao termo jaçanã significando médium de incorporação do
sexo masculinos. Utiliza-se apenas do termo apará para o médium que incorpora
independente de sexo. É de se supor que esta denominação tenha sido introduzida
pelo templo de Olinda, que exerce uma forte influencia sobre os demais templos do
Nordeste, sendo o principal templo iniciático desta região e um dos principais do
Brasil.
57
1.3.2. Sobre o Espaço, as Cores e o Templo
Outro aspecto que chama a atenção daqueles que entram em contato com o
espaço do Vale é a constituição de seu espaço físico. Ao contrário da maioria dos
templos religiosos, ele obedece uma forma específica de construção. E cada ritual
deve ser realizado num espaço específicamente construído para este fim. Desse
modo, o “trabalho dos passes” não pode ser realizado no mesmo espaço que o
“trabalho de defumação”.
Assim, o crescimento do templo e a oferta de um maior número de “serviços
espirituais” são diretamente condicionados pelo espaço físico. Devido à necessidade
de amplos espaços físicos para os rituais, normalmente, os templos do Vale situam-
se na zona rural ou em bairros mais afastados, onde se pode conseguir terrenos
amplos a preços módicos. também, uma “necessidade espiritual”, para os
adeptos, pois o processo de concentração necessário à realização dos rituais seria
dificultada pela poluição sonoras comum aos espaços urbanos.
Para Magnani (2000) o reavivamento dos espaços rurais faz parte do
fenômeno Nova Era, que escolhe preferencialmente estes locais para a realização
de sua atividades. De fato, uma das bandeiras deste movimento heterogêneo são as
discussões que envolvem a crise ecológica, questões eminentemente ligadas à
modernidade como bem coloca Giddens (1997).
De acordo com informações dos adeptos, a construção física do templo de
Brasília seguiu as instruções de uma entidade chamada de Tiãozinho, normalmente
retratado como um senhor moreno, que segundo a doutrina teria sido um rico
fazendeiro da região de Goiás, este serve de modelo para a construção de todos os
demais templo no Brasil. Segundo Eliade (2000) a construção de templos religiosos
normalmente segue uma construção existente num “outro plano”, há, portanto
uma reprodução ainda que imperfeita deste “outro mundo”. Em nossa análise a
defesa discursiva de que a construção do templo segue os desígnios de uma
entidade da doutrina é utilizada como elemento de legitimação da mesma. Ao
afirmarem que sua construção segue tais desígnios, significa disputar
simbolicamente com os demais credos, lançando mão não apenas de uma auto-
58
afirmação enquanto credo legítimo, como também uma afirmação que busca
deslegitimar outros credos, cujos templos são fruto da vontade dos homens de carne
e osso, não de “entidades espirituais de luz” como os templos do Vale, daí a
importância de que os demais construídos fora de Brasília sigam um modelo básico.
A utilização constante de cores das mais diversas, também tem um
significado simbólico. Algumas possuem um significado especial para a doutrina.
Segundo os adeptos, o vermelho simboliza o que eles chamam de “cura
desobsessiva”, o verde a energia das matas, o amarelo a ciência e a sabedoria, o
lilás a cura espiritual e do corpo físico, o preto a força oculta dos homens, o branco a
pureza, e o marrom uma homenagem a São Francisco de Assis, que segundo os
seguidores da doutrina teria sido uma das encarnações do Pai Seta Branca.
Também são constantes os símbolos dos médiuns doutrinadores, a cruz com o véu
envolto, e dos médiuns de incorporação um triângulo com um evangelho aberto no
centro, estes símbolos circundam a região central do templo.
Símbolos dos médiuns doutrinadores e de incorporação no templo de Campina Grande (Mesa
Evangélica)/fonte: Do autor.
Sua estrutura básica é circular, um centro no qual se localizam o que eles
chamam de mesa evangélica, que segundo o estudo de Labarrere (2006) “seria o
local dentro do templo onde se manifestam espíritos negativos que vivem sob forte
concentração de ódio, de rancor e de sede de vingança. É que se o ritual da
59
mesa evangélica” (Labarrere, 2006, p. 114), bem como a Pira que segundo os
adeptos representa simbólica e sinteticamente todo o universo. A Lua à esquerda, e
o Sol à direita, representam as energias masculinas e femininas, as setas para cima
e para baixo representam as energias que partem do plano terreno em direção ao
espiritual e ao inverso. O símbolo ao centro representa o plano divino e os setes
raios, bem como os setes chácras humanos
5
. As duas taças representam o sangue.
A parte espelhada representaria o plano físico com seu sistema nervoso, os setes
plexos com seus respectivos chácaras, bem como o sistema circulatório sangüíneo,
no qual o sangue venoso representaria o pólo positivo e o sangue arterial o povo
negativo. Os dois triângulos entrelaçados representam o corpo e a alma, bem como
o entrelaçamento entre o microcosmo (o homem) e o macrocosmo (o universo).
Pira do templo de Campina Grande (Mesa Evangélica)/fonte: Do autor.
Portanto, o processo de construção e constituição o universo particular do
Vale do Amanhecer é um complexo arranjo cultural seja em termos lingüísticos,
visuais ou doutrinários, com referências claras a diferentes matrizes religiosas e
culturais que nela se articulam formando um todo significativo. Como colocamos em
trabalho anterior (OLIVEIRA, 2007) sobre os processos de sincretismo e
5
Tradição de origem hindu. Os chacras seriam pontos energéticos do corpo espiritual, sendo num
total sete. Plexos seriam, sistemas organizados em níveis que se articulam mantendo o equilíbrio
energético dos indivíduos, este níveis seriam: plexo físico (corpo físico), micro plexo (alma) e
macroplexo (perispírito). Ainda segundo o entendimento dos adeptos, o abdômen é a região
entendida como plexo.
60
“dessincretismo” no Vale, numa recriação e reorganização daquilo que se
encontra construido, reinventado-o. Reinventa-se o mágico, o sagrado, o eterno, o
mítico, em formas plurais, que se constituem a partir e no campo, entre capitais
diversos, imbricados em relações estabelecidas em sus busca de buscando
alternativas para as questões que lhes são postas. Desta forma o Vale do
Amanhecer mostra-se como uma experiência única quando percebida em seu
processo de formação
(Ibidem, p. 13).
Ainda no que tange às construções no Vale do Amanhecer destacamos a
observação de Martins (2004), quando esta coloca que cada espaço é pensado e
construído para os rituais, fala de uma “simbiose espaço sagrado/rituais”.. Desste
modo, cada espaço físico estaria diretamente atrelado a uma prática ritual. Estas
práticas não podem ser pensadas desarticuladas dos espaços elaborados pela
doutrina, o espaço portanto, passa a ser, não apenas o locus da realização dos
rituais, como também parte do próprio ritual, parte do processo simbólico de
construção das atividades desenvolvidas nos templos do VDA. A seguir, uma análise
detalhada sobre os processos que envolvem a construção particular do universo do
Vale, em especial tomando como referencial teórico a perspectiva de Pierre
Bourdieu.
1.4. RITUAIS E POSSESSÃO NO VALE DO AMANHECER: UMA DESCRIÇÃO
ETNOGRÁFICA.
Antes de nos debruçarmos sobre o nosso material etnográfico, consideramos
interessante realizar aqui uma breve discussão acera do ritual de possessão na
visão das ciências sociais, em especial da antropologia. Comecemos com uma
breve, porém, precisa, definição de ritual fornecida por Segalen (2002):
“O rito ou ritual é um conjunto de atos formalizados, expressivos, portadores
de uma dimensão simbólica. O rito é caracterizado por uma configuração
espaço-temporal específica, pelo recurso a uma série de objetos, por
sistemas de linguagens e comportamentos específicos e por signos
emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos bens de consumo de
um grupo” (SEGALEN, 2002, p. 31)
61
Partindo desta definição, podemos chegar a algumas conclusões pertinentes.
Em primeiro lugar, o ritual não pode ser realizado de qualquer forma, uma crença
na eficácia simbólica de determinados gestos, determinadas palavras e objetos para
que ele funcione. Em um dos momentos da nossa pesquisa encontramos um
adolescente de apenas 13 anos que estava em processo de iniciação perguntando
se poderia “manipular as energias” de uma forma distinta daquela prescrita pela
doutrina, e a resposta foi negativa, pois apenas “do modo correto” é que o ritual se
faria eficaz. Do mesmo modo, em uma das entrevistas realizadas com José Carlos,
ele afirmou que as rezadeiras, por exemplo, conseguiam manipular algumas
energias, porém falhavam no desfecho do ritual, pois não fariam tal como no Vale,
onde as energias negativas retiradas daqueles que necessitam de serviços
espirituais seria jogada para o espaço. Em segundo lugar, de se frisar que as
respostas que o ritual dá à vida social é uma resposta do grupo, a eficácia do ritual é
eminentemente social, ele é codificado e decodificado pelo grupo, é ele que anima
todo o processo envolvido.
Para Leach (1978) o ritual religioso é por excelência o espaço no qual ocorre
o processo de simbolização material, portanto, é nele que as idéias, representações
e classificações dos grupos são postas num plano passível de operacionalização
técnica, de manipulação por parte dos sujeitos envolvidos, podendo ser estes
elementos operacionalizados simbólicos por excelência.
Em nosso estudo, não podemos desvencilhar a relação entre ritual e
possessão, pois no decorrer de nossa pesquisa, percebemos que toda a lógica
instaurada no Vale do Amanhecer é uma lógica a partir dos rituais de possessão. É
considerado adepto aquele que participa destes rituais, de alguma forma ainda que
não seja “recebendo”, além do mais, é através dos rituais realizados no Vale do
Amanhecer que podemos perceber toda a sua riqueza de símbolos e de referências
culturais, nele se configurará um ecletismo e um universalismos inigualáveis dentro
dos cultos de possessão (SILVEIRA, 1994).
Para Turner (1974) para penetrar no que ele chama de “estrutura interna das
idéias” contidas nos rituais de um grupo, precisa-se compreender como os agentes
destes interpretam os símbolos rituais. É nesta perspectiva que procuraremos
62
interpretar o conjunto de rituais desenvolvidos no Vale. Este autor ainda nos adverte
acerca do caráter polissêmico dos símbolos existentes nos processos rituais,
segundo ele:
“Os símbolos possuem as propriedades de condensação, unificação de
diferentes díspares, e polarização de significado. Um único símbolo, de fato,
representa muitas coisas ao mesmo tempo, é multívoco e não unívoco.
Seus referentes não são todos da mesma ordem lógica, e sim tirados de
muitos campos da experiência social e de avaliação ética.” (TURNER, 1974,
p. 70-71)
A tarefa investigativa do pesquisador deve, portanto, ser capaz de adentrar
neste universo polissêmico, buscando compreender os sentidos e significados
atribuídos por aqueles que vivenciam a experiência ritual. Busca-se também realizar
uma ligação para com a realidade vivida, por mais que o ritual seja algo ocorrido em
uma situação extraordinária, ele não se separa dos demais comportamentos.
Segundo Peirano (2006) os rituais “simplesmente replicam, repetem, enfatizam,
exageram ou acentuam o que já é usual” (Peirano, 2006, p.10).
Os rituais passam a ser, portanto, aspectos da vida social que possuem uma
dupla face, pois por um lado replicam a vida cotidiana, por outro invertem esta
ordem. Ainda na perspectiva de Turner (1974) temos que os chamados “dramas
sociais” e os “ritos de passagem” são momentos nos quais as atores sociais se
arriscariam numa aventura dramática, de representação de papéis e de um jogo
simbólico de ruptura ou inversão com a ordem estabelecida na vida cotidiana, mas
que segundo o próprio autor, buscam a resolução de conflitos e de manutenção da
estrutura. Por serem momentos nos quais os atores e grupos sociais podem
representar simbolicamente papéis que correspondem inversamente àqueles que
ocupam ordinariamente ele ressalta que estes momentos, nos chamados “dramas
sociais”, são momentos liminares.
Entendemos a possessão enquanto prática inserida no complexo jogo de
eficácia simbólica do ritual, ela ao mesmo tempo em que eficácia a este, se
concretiza porque o mesmo se faz eficaz, ou seja, ambos os processos são
concomitantes, poderíamos dizer que a possessão se mostra enquanto uma
estrutura estrurada e estruturante em relação ao ritual, ela o faz acontecer e ela
acontece nele.
63
Não pretendemos aqui nos alongar neste vasto campo de discussão que
envolve a realização dos rituais e a possessão, almejamos apenas introduzir a
discussão para que melhor possamos situar o nosso material etnográfico que
apresentamos a seguir.
1.4.1. A Preparação Para os Rituais
Iniciamos esta parte de nosso trabalho com a descrição do local. Na entrada
do templo do Vale em Campina Grande sempre um médium doutrinador para
recepcionar os que chegam. Sua função é prestar informações as mais variadas
possíveis. Há duas entradas para o interior do templo a partir do portão principal. Os
“pacientes” (assim chamados os não iniciados que frequentam o local ou ainda os
iniciados que não vão ao templo nesta condição) podem entrar no templo pela
esquerda. Caso o paciente chegue ao templo após ter-se iniciado os “trabalhos”
pode adentrar no mesmo após o termino daquele primeiro momento.
Para que se possa melhor compreender o percuso realizado pelos “pacientes”
no espaço físico do templo do Vale do Amanhecer em Campina Grande, elaboramos
um mapa que reproduz a estrutura deste templo:
64
O primeiro passo do “paciente” é sentar-se em um dos bancos de alvenaria e
esperar. Estes se localizam ao redor da chamada “Mesa Evangélica”, porém fora do
espaço destinado aos rituais que ocorrem. Sua circulação pelo templo será
sempre em sentido horário, para os adeptos apenas desse modo ocorrendo as
atividades neste sentido – as atividades lá desenvolvidas podem se tornar eficazes.
65
Imagem do templo de Campina Grande (Mesa Evangélica)/fonte: Do autor.
A construção estilístico/estética do VDA em Campina Grande segue
uma tendência geral dos templos, tendo em vista que esta construção faz parte da
“doutrina”. E embora o comandante geral de cada templo seja autônomo em termos
administrativos e hierárquicos, é subordinado em termos doutrinários (MEDEIROS,
1998: 4), os padrões estilisticos/estéticos devem ser rigorosamente seguidos, até
mesmo porque no VDA, acredita-se que todas as ornamentações (posteriormente é
que vieram os templos), e as vestimentas foram orientadas pelos “planos
espirituais”, especialmente por uma entidade chamada “Tiãozinho”, que teria sido
em sua última encarnação, um rico fazendeiro da região de Goiás, que é sempre
retratado como sendo “um homem de pele morena e vestes de peão de boiadeiro”
(CAVALCANTE, 2000, p. 27).
Entendemos que no processo de realização dos rituais religiosos há toda uma
preocupação para que o ambiente esteja adequado à realização dos mesmos, o que
inclui em certa medida a “limpeza do ambiente”, seja uma limpeza no sentido estrito,
seja simbólica, ainda que esta possa se materializar, obviamente devemos
considerar as colocações de Douglas (1976) quando propõe que os rituais de
pureza, bem como os de impureza, criam o que ela chama de unidade na
66
experiência, pois é através deles que os padrões simbólicos são executados e
manifestados publicamente. As idéias de pureza e impureza devem ser
relativizadas, não possuindo validade universal, pois o que é puro num contexto
pode ser considerado impuro em outro, porém não nos ateremos a esta discussão.
No Vale do Amanhecer alguns processos estão diretamente ligados à
preparação dos rituais. Primeiramente a escolha das indumentárias. O adepto, ao
chegar, deve colocar suas indumentárias, que são trocadas em espaços reservados
para este fim. Como colocamos anteriormente, estes espaços marcam o que
Damatta (1997a) chama de tempo extraordinário, tempo em que a ordem é invertida
no contato com o chamado “outro mundo”, sendo esta a primeira etapa do ritual, não
a mais importante, mas indispensável. Após a preparação do ambiente e dos
adeptos, iniciam-se os trabalhos. Tanto na “abertura dos trabalhos”, como no
encerramento, canta-se o “Hino do Amanhecer”, hino oficial do movimento.
Sob o céu azul do Amanhecer
Seta Branca de Amor apareceu
Com as ordens do Oriente nos faz ver
A grandeza que Jesus nos concedeu.
Prana-luz aqui resplandeceu
Do Oriente Maior que é de Tapir
Conduzindo as almas tristes para Deus
Neste Templo de esperança e de povir
Salve Deus, Criador,
Do Universo És o Senhor!
A bandeira rósea de Jesus
Nosso símbolo de fé sempre há de ser
Tremulando neste Vale ela traduz
As mensagens que do Astral queremos ter
Salve Deus, Criador!
Este “hino” é bastante representativo do movimento. Faz referências a figuras
míticas como “Pai Seta Branca”, à Jesus - figura mais importante da tradição cristã
- além de conceitos oriundos da tradição védica como Oriente e Astral. No Vale,
como em qualquer tradição religiosa, nada é fruto do acaso. As escolhas são
determinadas pelas posições e disputas simbólicas em jogo, principalmente aquelas
que se processam no interior do campo religioso, contudo, não se pode
desconsiderar as influências dos demais campos nestas escolhas, uma vez que isto
67
envolve um complexo jogo cultural que faz com que determinado elemento seja
escolhido. Sendo assim, elementos da tradição cristã, por exemplo, - ainda que seu
significado original tenha sido modelado de acordo com as demandas culturais do
movimento - podem ser utilizados como uma forma de legitimação, mas isso não
impede que “novos” elementos que fazem referências diversas, cimentados pela
dinâmica New Age sejam incorporados.
Num segundo momento, um espaço reservado aos iniciados no qual
estes rezam uma oração ao “Pai Nosso”, adaptada. Na doutrina do Vale do
Amanhecer o Pai Nosso é rezado da seguinte forma:
Pai nosso que está no céu e em toda parte, santificado seja o teu santo
nome, venha nós o teu reino, seja feita a tua vontade assim na Terra como
nos círculos espirituais. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje, Senhor, e
perdoa as nossas dívidas, se nós perdoarmos os nossos devedores. o
nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal porque em ti brilha a
luz eterna, a luz do reino, da glória e do poder por todos os séculos sem fim.
Ao final da oração repetem três vezes: “Louvado seja nosso senhor Jesus
Cristo!”, “Para sempre seja louvado”, sendo que ao final dessa frase, o adepto bate
no peito esquerdo com a mão direita.
Quando se referem aos “círculos espirituais”, por exemplo, podem estar
evidenciando tanto a influência da Nova Era, quanto a do espiritismo kardecista.
Percebemos dois elementos importantes; o diálogo com o catolicismo e a
necessidade de diferenciadores. Com efeito, no universo religioso brasileiro, todas
as religiões dialogam em algum grau com o catolicismo, (CARVALHO, 1991) não
apenas porque esta tradição está muito arraigada, para legitimar-se, há necessidade
de utilizar elementos oriundos deste credo. Por outro lado, ao buscar ofertar novos
“bens de salvação”, fazem emergir a necessidade de diferenciadores, inclusive
lingüísticos, aos credos que ao mesmo tempo são questionados e buscados
enquanto elementos de legitimação. Portanto, de acordo com Guerreiro, (2004,
2006) trata-se, antes de tudo, de um processo de apropriação e utilização metafórica
de signos e símbolos retirados de seu contexto original, sincretizados,
ressignificados e reinventados (GUERRIERO, 2004, 2006).
também uma forte presença de cânticos, que lembram muito em termos
de melodia os hinários do catolicismo, estes, no Vale, são chamados de mantras,
68
numa referência lingüística às tradições orientais. Em nossas entrevistas houve
unanimidade em relação ao significado destes mantras para os adeptos. Segundo
explicam, os mantras seriam um meio de ligação do médium com o mundo espiritual
que pode se realizar tanto através da recitação de cânticos entoados pelos adeptos,
quanto pela simples escuta de gravações em CDs.
No Brasil, é muito comum, que a cantoria seja encarada como uma forma de
se “chegar as divindades”, como nos elucida DaMatta (1997b). “Coletivamente, o
modo mais comum é através da cantoria, onde a prece faz com que se juntem todos
os pedidos num só, que deve ‘subir’ aos céus levado pela harmonia das vozes que o
entoam” (Op. cit, p. 110). Mais que isso, no caso específico do Vale do Amanhecer,
como há uma forte influência do espiritismo, entendemos que também há uma
função específica da realização destes cânticos em voz alta, pois a oralidade em alto
e bom tom, no espiritismo, tem uma conotação de fazer-se ouvir pelos espíritos
menos evoluídos que necessitam desse estímulo sonoro (LEWGOY, 2004).
Neste momento, os chamados “pacientes”, ou seja, os não adeptos que vão
em busca dos serviços espirituais oferecidos pelo Vale, ficam sentados fora do local
onde ocorre a realização dos cânticos e preces, no qual também são lidas a Bíblia e
algumas mensagens deixadas por Tia Neiva.
Enquanto estas atividades estão sendo realizadas, um adepto passa pelo
templo espalhando incenso, tal como nos rituais de missas católicas. Segundo
explicam, o incenso visa purificar o ambiente. Aos domingos, além destes rituais,
crianças vestidas de magos e ninfas circulam pelo templo entoando cânticos. Esta
cantoria também é vista como um ritual purificador.
Os rituais iniciais desenvolvidos no Vale constituem uma espécie de
preparação para os “trabalhos” que serão realizados, são “pré-requisitos”. Pode-se
mesmo falar de uma gradação do tempo simbólico para os adeptos. Num primeiro
momento, o tempo ordinário, no qual eles se dedicam a suas atividades
cotidianas, este é interrompido com a chegada ao templo, no qual se processa uma
mudança em termos visuais, lingüísticos e gestuais que funciona como preâmbulo
para o no “segundo tempo simbólico”, no qual as atividades são iniciadas e há uma
preparação para os “trabalhos”, ao final do qual, adentram no “terceiro tempo
simbólico”, no qual são realizados os rituais de incorporação e cura espiritual. É o
69
tempo do contato direto com o sagrado, o tempo do “circuito de cura e
experimentação do Vale”, que se encerra no mesmo local onde começa, na mesa
evangélica, quando as atividades são finalizadas e os adeptos voltam ao seu tempo
ordinário. Portanto, para o adepto, uma divisão em três tempos simbólicos
dotados de uma especificidade cíclica na qual o tempo deixa de ser linear e passa a
ser ciclico, regido por uma lógica imanente ao movimento.
A seguir descreveremos os rituais do trono, de cura, passe e defumação,
realizados no templo do Vale Amanhecer de Campina Grande analisando-os a partir
dos estudiosos e das significações e explicações a eles atribuídas pelos adeptos e
“pacientes”.
1.4.2. O Trabalho do Trono
O trabalho chamado de “Trono” é realizado após a preparação. Nos
encontramos aqui no que chamaremos de primeiro momento do terceiro tempo
simbólico, já que para nós, este tempo poderá ser divido em quatro ou cinco
momentos, rituais que podem ser em número de três ou quatro, e o momento de
encerramento e de retorno ao primeiro tempo simbólico, configurando, assim, o
caráter de ciclicidade, não sendo, portanto nem rígido, nem linearmente
estabelecido.
Finda a preparação a ritualização ocorrida na “mesa evangélica”, os membros
da “doutrina” saem do espaço reservado à mesma, deslocando-se para um espaço
entre a “Pira” e uma imagem de Jesus Cristo em trajes verde e branco. A imagem é
aparentemente de gesso e em tamanho natural. Um dos “mestres” inicia outro
“ritual”. Antes, porém, o “mestre” identifica-se, anunciando sua “linhagem espiritual”
indicando o seu lugar na hierarquia do templo, a que outro “mestre” ele se vincula,
bem como à chamada “ordem” e então, pede para que os “trabalhos” possam ser
realizados de maneira satisfatória.
70
Imagem de Jesus Cristo no Templo de Campina Grande/fonte: Do autor.
Após esse rito inicial, os chamados “pacientes” podem sair dos bancos em
que se encontravam dirigindo-se a outros bancos também coloridos - os da
esquerda são amarelos e os da direita são vermelhos - localizados no espaço onde
se realizará o “trabalho” de “trono”. No formato, estes bancos lembram os bancos
escolares, ao fundo, uma cruz negra envolta num tecido branco. Antes de iniciar
os “trabalhos” um dos membros percorre todo o templo com um defumador, tal como
descrito anteriormente.
Neste “trabalho”,os membros se posicionam nos “bancos” sempre em duplas,
o médium de incorporação, conhecido como “apará” (caso seja mulher), ou “jaçanã”
(caso seja homem) permanecem sentados. Estes fecham os olhos e estralam os
dedos, esperando a incorporação, ao passo que o outro membro, denominado
“doutrinador”, posiciona-se atrás, colocando as mãos sobre o primeiro médium, e
apontando para o alto. Em seguida passa, as os por este, e por fim, estrala seus
dedos atrás de si, nas costas. Tal movimento é repetido inúmeras vezes. As
“palavras rituais” o constantes como em todos os “trabalhos” do VDA. Quando
finalmente os médiuns incorporam, os “pacientes” são chamados, um outro
“mestre” que fica controlando a entrada e fornecendo-lhes instruções, instruções
71
estas que são repetidas pelo “doutrinador”. Entre outras, que o “paciente” matenha
as pernas descruzadas na parte interna do “banco”, ponha as mãos juntas abertas e
voltadas para cima e saúde o “medium de incorporação” com a expressão “Salve
Deus”, e finalmente, que diga seu nome completo e sua idade.
Espaço reservado ao ritual do Trono no Templo de Campina Grande/fonte: Do autor.
À saudação “Salve Deus”, o “médium de incorporação”, responde da mesma
maneira. aparás no templo de Campina Grande. Seguindo-se à saudação,
após o paciente ter dito o seu nome e sua idade, o médium começa a citar inúmeras
entidades sempre com a saudação “Salve” antes do nome de cada uma delas, o
número de entidades citadas varia entre 12 à 23, sendo uma constante á referência
á Jesus, Pai Seta Branca e Mãe Iára, as demais entidades são citades em
concordância com a falange (grupo espiritual ao qual cada médium se vincula,
sendo num total de 22 na doutrina do VDA) do medium. Ao término das reverências
às diversas entidades, o “médium de incorporação” pergunta se o que o “paciente”
deseja, mesmo que este não peça nada, pede que ele pense no que deseja e
“mentalize Jesus”. Toda a conversa entre “médium de incorporação’ e “paciente” é
acompanhada atentamente pelo “doutrinador” que faz repentinamente intervenções
sobre o outro médium, intervenções símiles às que antecederam à incorporação. Ao
fim da consulta o “paciente” é encaminhado a outro espaço.
72
Para os adeptos, o trabalho do trono tem como foco a “manipulação de
energias sensíveis”. É através do processo de interação entre os médiuns e as
entidades que a “cura desobsessiva” ocorre. Segundo José Carlos, se um paciente
chega tenso e cheio de cargas negativas, o Preto Velho ou o Caboclo – por isso que
os bancos são em cores distintas, pois estas duas entidades atuam durante o ritual –
as atrai para o apará, ou jaçanã. O processo de contração dos médiuns é entendido
como uma possível atração da “carga magnética” do paciente ou de algum espírito
sofredor, desencarnado ou um obsessor. O objetivo deste ritual (trabalho) é a
“limpeza de aura” do paciente.
1.4.3. O “Trabalho” de Cura
O espaço semelhante a uma sala onde se realiza o ritual de cura, fica por trás
de uma grande imagem do “Pai Seta Branca”. Ao entrar nesse ambiente, o
“paciente” fica sentado esperando que outros cheguem ao local para que o “mestre
que comanda a cerimônia, juntamente com os demais membros e um “médium de
incorporação”, possam iniciar os trabalhos. Esta sala é menos colorida que as
demais, possuindo em seu interior não apenas bancos para a espera como também
uma imagem de Jesus na parede e uma cruz negra envolta em tecido branco, como
se pode ver na foto abaixo.
73
Espaço reservado ao ritual de “Cura” no Templo de Campina Grande/fonte: Do autor.
Quando o “mestre” adentra no ambiente os “trabalhos” o iniciados, como
nos demais, este inicialmente identifíca-se repetindo toda a sua “linhagem espiritual”.
O “médium de incorporação” recebe uma entidade que se diz médico, porém não
com nomes em alemão, como é comum em alguns ramos do espiritismo no Brasil,
mas sim com nomes lusófonos, como “Francisco de Assis”. Um a um os “pacientes”
são encaminhados para o local onde se localizam as camas (que são separadas por
uma parede baixa, do local onde se espera, ainda que ambos se localizem no
mesmo ambiente). Os pacientes deitam-se na cama do meio, o “médium de
incorporação” se coloca na cabeceira e os demais oficiantes ao lado do paciente.
Neste ritual o “paciente” é convidado a deitar-se. Em seguida, é coberto com
um lençol branco. Pede-se ainda que diga o seu nome completo, idade e mantenha
os olhos abertos. Olhando para cima verá uma imagem de Jesus pede-se que
pense em Jesus. À esta altura, o médium incoporado passa as mãos tremulando
pelo corpo principalmente na cabeça, porém sem tocá-lo. Este ritual é o mais pido
dos três. Em seguida, o “paciente” deve sair desse ambiente e se dirigir a outro
outro. Para os adeptos este seria “trabalho” no qual há uma manipulação de
energias mais enfática, de modo a livrar o paciente de possíveis males físicos
causados por espíritos obsessores.
74
1.4.4. O “Trabalho” de Passe
O último dos três rituais pelos quais o “paciente” passa é o chamado “passe
6
,”
como no segundo, ele deve esperar a chegada de outros, também esperará
sentado, ao seu lado se encontram algumas torneiras onde quem desejar pode
encher com água, ou um copo ou mesmo uma garrafa, para que ele “capte as
vibrações”. Notoriamente a simbologia das águas é uma forma de significação
presente nas mais diversas sociedades. Uma leitura interessante sobre o lugar da
água junto às tradições mágico-religiosas é o estudo de Eliade (2002a) “As águas
simbolizam a soma niversal das virtualidades; elas são fons e origo, e reservatório
de todas as possibilidades de existência; elas precedem toda forma e sustentam
toda criação” (Ibidem, p.151).
Espaço reservado ao ritual de “Passe” no Templo de Campina Grande/fonte: Do autor.
6
Popularmente conhecido como “passe”, também denominado “energização.”.
75
Espaço reservado ao ritual de “Passe” no Templo de Campina Grande/fonte: Do autor.
A utilização da água desse modo remete-nos às matrizes sincréticas do VDA,
tal forma de utilização da mesma é muito comum em centros espíritas, bem como
em outras práticas religiosas. Mas não apenas a utilização da água dessa forma nos
remete às matrizes espíritas do VDA, a própria terminologia utilizada para esse
último ritual é uma terminologia eminentemente espírita, que é a idéia de “passe”,
diferenciando-se no VDA o fato de que nesse momento os médiuns encontram-se
incorporados por “caboclos”, e dista-se ainda mais devido não apenas às entidades
mencionadas no decorrer do ritual como pelo fato de que o “paciente” deve passar
necessariamente por três “caboclos” distintos.
Neste ritual os médiuns encontram-se sentados, como nos demais, um
“mestre” inicia o ritual identificando-se em relação à sua “linhagem espiritual”. Em
pouco tempo os mediuns incorporam. Ao iniciar as incorporações, o “paciente” deve
entrar pela esquerda, onde deve ingerir uma pequena quantia de sal, segue em
direção a um dos médiuns, abre as mãos e o saúda dizendo “Salve Deus”! Nesse
momento, o médiun responde com a mesma saudação e estralando os dedos segue
entoando o nome das mais diversas entidades, também entre 12 e 23 até que o
médiun libere o “paciente” e este possa seguir ao encontro do seguinte “caboclo”.
Ao final, após ter passado pelas três entidades, o “paciente” saí pelo lado direito,
antes, porém, deve passar um pouco de perfume nas temporas e nos pulsos.
76
Interessante notar que no espaço reservado a este ritual, uma
ornamentação que lembra o interior de uma mata, com árvores e cachoeiras
pintadas nas paredes, ainda uma cruz negra envolta num tecido branco. Friza-se
ainda que neste ambiente outros médiuns que também incorporam, porém, como
são ainda neófitos no VDA, não podem receber “pacientes”. Eles destacam-se dos
demais por usarem vestes brancas com uma única faixa em tons roxo e amarelo.
Se nos rituais anteriores a lógica relatada pelos adeptos era de um
“movimento energético” do paciente para o médium, na medida em que se busca
livrar o paciente de “partículas negativas” que impregnariam sua aura, bem como de
espíritos obssessivos, neste outro ritual, a lógica se inverte, o “fluxo de energia”
passaria do médium para o paciente, o que faz com que este “trabalho”, que é o
último dos que ocorrem em todos os dias de atividade do templo, seja também
conhecido como “passe magnético”, pois nesse momento, são as “cargas
magnéticas” dos médiuns que são passadas para os pacientes, para que possam
“lacrar” sua aura contra possíveis “ataques espirituais”.
1.4.5. O “Trabalho” de Defumação
Concluído o ritual de “Passe”, os pacientes são encaminhados para outro
espaço. Porém, este último trabalho ocorre unicamente aos sábados. Assim como o
ritual de “Passe” é iniciado quando todos os pacientes, ou ao menos o maior
número sair do ritual de “Cura”, também se espera o mesmo para que se inicie o
trabalho de “Defumação”.
Este é o único momento em que os chamados, pacientes têm acesso à área
reservada à “mesa evangélica”, esta forma, juntamente com a “Pira”, o coração do
templo. O ponto de convergência das regiões cósmicas. Como nos elucida Eliade
(2002b) “por se situarem no centro do cosmos, o templo ou a cidade sagrada são
sempre o ponto de encontro de três regiões cósmicas” (Ibidem, p. 303), quais sejam;
o Céu, a Terra e o Inferno. Esta metáfora de regiões cósmicas se enquadra bem no
sistema de representações concebido pelos adeptos do VDA, pois, por um lado,
77
naquele espaço haveria uma forte convergência de “energias cósmicas positivas” e
espíritos de luz que estariam ali para auxiliar nos trabalhos (Céu), bem como
espíritos com baixa evolução espiritual que necessitariam de ajuda (Inferno) e por
fim, os médiuns e pacientes que estariam ali para ajudar e serem ajudados (Terra).
Todos os pacientes são encaminhados para se sentarem ao redor da mesa
evangélica, os médiuns ficam na extremidade triangular, próximos à Pira. As
disposições espaciais também são importantes neste momento, tendo em vista que
tais disposições em nossa interpretação também são demarcadores sociais. Situam-
se próximo à Pira os iniciados, aqueles que se encontram ali para ajudar. Os que
estão em busca de ajuda ficam mais distantes do “centro irradiador de energias”,
aquele ponto que para os adeptos é a síntese simbólica do universo, representação
máxima da ligação do microcosmo com o macrocosmo.
Este momento é caracterizado pelo encerramento do terceiro tempo
simbólico, as atividades são encaminhadas de modo à encerrar este tempo e
regressar ao primeiro tempo simbólico, o tempo ordinário, de volta às atividades
estritamente cotidianas para reassumirem seus papeis sociais.
Um único médium comanda as atividades, na maioria das vezes é o próprio
José Carlos. Tal como nas etapas anteriores inicialmente o dium identifica
situando-se na hierarquia da doutrina. Ele se apresenta e coloca os trajetos de
doutrinador que percorreu a atingir o nível de doutrinador, sempre utilizando a
designação de “sétimo raio”.
Basicamente, o ritual consiste em permanecer sentado enquanto um dos
médiuns defuma o ambiente, tal como no início. Efetivamente, tem-se, aí, uma forte
idéia de ciclicidade, pois o encerramento do ritual se assemelha ao ritual inicial.
Pede-se aos pacientes que mentalizem a figura de Jesus. É exatamente por isso
que uma imagem no centro da mesa, para que o processo ocorra de modo mais
fácil. A imagem figura como elo simbólico e visa operacionalizar a eficácia do ritual,
afinal “para que exista rito é preciso que exista um certo número de operações,
gestos, palavras e objetos, que exista a crença numa espécie de transcendência”
(SEGALEN, 2002, p. 33)
Concluída a defumação, os pacientes estão liberados para partir.
Normalmente estas atividades encerram-se entre 19 e 21 horas, dependendo da
78
quantidade de pessoas presente. Durante o período no qual efetuamos nossa
pesquisa de campo, o número de pessoas variou entre 8 a 17. Porém, para os
médiuns, o trabalho não termina com a partida dos pacientes. Para que possam
regressar ao primeiro tempo simbólico, precisam purificar-se e auto proteger-se
através de novos cânticos, da oração ao Pai Nosso, do agradecimento por tudo ter
ocorrido bem. Somente após os agradecimentos é que encerram formalmente
recitando a frase “dou por encerrado os trabalhos por hoje”.
Para os adeptos, a proposta deste ritual é a purificação dos espíritos e dos
corpos daqueles que procuram os serviços espirituais do Vale. Em termos de cura,
ele ocupa um lugar secundário, sendo entendido como um “extra”, e devido a tanto
ocorre nos dias de sábado, cabendo aos demais dias de funcionamento, quartas-
feiras e domingos, a realização apenas dos três primeiros rituais descritos.
No próximo capítulo examinaremos os processo de representação e a
construção das narrativas a respeito da eficácia simbólica dos rituais anteriormente
descritos tendo como substrato os referenciais teóricos aplicados à realidade social
e cultural percebida em campo.
79
CAPÍTULO 2 COMPOSIÇÃO DE SENTIDO NO CONTEXTO DA NEW AGE
POPULAR: ESTILOS DE VIDA E RELAÇÕES DE RECIPROCIDADE NO VALE DO
AMANHECER EM CAMPINA GRANDE
2.1. O CIRCUITO DE CURA E EXPERIMENTAÇÃO DO VALE: A SOBREPOSIÇÃO
DE NARRATIVAS
A dinâmica instaurada pelo Vale do Amanhecer é marcada pelos processos
de “curas espirituais”. Estes são entendidos pelos adeptos como “trabalho de
caridade”. Entendemos que estes se enquadram no que chamamos de “terapias
alternativas”, na medida em que oferecem meios diversos dos tradicionais para a
promoção da cura psíquica e física. No decorrer de nossa pesquisa percebemos que
a ênfase se sobre os chamados problemas espirituais que incluem tanto
problemas emocionais, quanto afetivos, de trabalho etc.
Para que tenhamos uma melhor compreensão do que estamos tratando,
recorremos à definição de Martins (1999). Para o autor, as terapias alternativas
“constituem sistemas de cura não-convencionais, inspirados em tradições orientais e
ocidentais espiritualistas, bioquímicas e psicológicas. Estas terapias reivindicam
cientificidade a partir de parâmetros diferentes daqueles adotados na validação dos
sistemas de cura clássicos ou orgânicos, dominantes no campo médico ocidental”
(MARTINS, 1999, p 80).
Devemos enfatizar que a prática terapêutica não convencional é uma marca
comum nas mais diversas tradições religiosas, desde o xamanismo, passando pela
umbanda, a pajelança, o espiritismo e mesmo o neopentecostalismo brasileiro. O
diferenciador da perspectiva Nova Era é o complexo processo de elaboração cultural
e o uso performático de técnicas retiradas de seu contexto original e utilizadas de
maneira metafórica com a finalidade de alcançar uma cura que se numa
perspectiva holística. Esta é uma das principais características dos trabalhos
desenvolvidos pelos adeptos do movimento NE. Para Maluf (2003) as práticas
terapêuticas o convencionais no contexto New Age adquirem especificidade no
80
contexto brasileiro em razão da pluralidade religiosa e da conseqüente
interpenetração entre o religioso, o terapêutico e a pluralidade terapêutica.
Naqueles que procuram os serviços de “cura” do Vale as queixas são as mais
diversas possíveis, variando desde dores nas pernas até problemas familiares. No
quadro abaixo sintetizamos as respostas encontradas como causas da busca dos
serviços ofertados.
Causa da ida Número de
freqüentadores
Percentagem
Nenhum Problema (Freqüentam
porque gostam de ir)
5 29, 41%
Dores no corpo 4 23,52%
Problemas familiares 3 17,64%
Problemas espirituais 3 17,64%
Problemas de terceiros (amigos,
filhos, parentes etc)
1 5,88%
Problemas de saúde diversos. 1 5,88%
Total 17 100%
A partir das respostas dos entrevistados percebemos que apesar de estarmos
lidando, em princípio, com rituais que envolvem, sobretudo, a cura espiritual, esta
não é a única que buscam os freqüentadores do Vale. Os sujeitos que para
acorrem vão em busca das mais diversas soluções, ou ao menos de um auxílio a
mais. Com efeito, em todas as entrevistas percebemos que as experiências
vivenciadas ali não tinham como finalidade única a cura de males físicos, suas
carências o bem mais profundas. Diríamos que os sintomas físicos são apenas
parte de um processo mais amplo de busca. Para a cura física, normalmente, eles
se utilizam também de outras estratégias para a obtenção dos fins almejados,
inclusive da medicina oficial (tradicional), rezadeiras, psicólogos, etc.
Labarrere (2006, p. 72) defende que a formação do universo místico religioso
do Vale do amanhecer tem origem nas mais diversas matrizes culturais, que nele se
articulam formando um universo híbrido e complexo. A referida autora sintetiza esta
origem transcultural no seguinte gráfico:
81
Em nossa opinião, este gráfico está incompleto. A autora desconsiderou a
influência da New Age, que a nosso ver é fundamental, pois este cimenta e
coerência cultural à multiplicidade de símbolos e imagens presentes no VDA. Com
efeito, é na dinâmica da Nova Era que elementos diversos são “naturalmente”
retirados de seus contextos originais, ressignificados e performaticamente utilizados
das maneira mais inusitadas possíveis. Mais que isso, no contexto da Nova Era
elementos aparentemente díspares, são ressignificados e reinventados de modo a
formarem um todo significativo, capaz fornecer sustentáculo simbólico às práticas
dos adeptos e freqüentadores. Esta seria a principal característica da NE, que tem
no holismo seu grande princípio axial (Bergeron, 1994, apud. Silva, 2000: 124).
“Contra a fragmentação crescente em todos os domínios da ciência e da experiência
cotidiana, a nova ordem é unidade, globalidade, holismo” (Ibid.).
Para Maluf (2005) as terapias alternativas no contexto Nova Era atuam
simultaneamente em três dimensões simbólicas, quais sejam: a linguagem, a
experiência e os valores compartilhados. Com base nesse pressuposto,
argumentamos que as produções sincréticas do Vale, seja no plano visual,
82
lingüístico, gestual etc., atuam simultaneamente nas três dimensões. São
simbolicamente eficazes, porque os adeptos os reconhecem enquanto capazes de
produzir determinados efeitos e estes serão assim entendidos quando
operacionalizados através do habitus. De fato, é no conjunto de predisposições do
sujeito determinado pela multiplicidade de posições nos campos onde atua que
encontraremos a chave para a compreensão da eficácia dos processos de cura
ofertados pelo Vale.
É inegável que o VDA, promove uma verdadeira recomposição da realidade
espacial e temporal e que este processo de criação é um elemento importante para
se compreender a dinâmica que nele instaurada. A possessão, os cânticos, a
disposição das pessoas, tudo conflui para a delimitação de um tempo simbólico que
se distancia do tempo ordinário. Diríamos que é exatamente esse ambiente mágico
propiciado pelo VDA que encanta e atrai os freqüentadores. A tal ponto, que a
mesmo aqueles que freqüentam assiduamente às reuniões, mas ainda relutam em
afiliar-se oficialmente ao movimento
7
não encontram nenhuma dificuldade para
estabelecer o contato intersubjetivo entre médium e paciente. É através deste
contato intersubjetivo que se cria um código lingüístico capaz de ser interpretado
quando operacionalizado através da dinâmica social.
De qualquer forma, apenas aqueles que identificam as religiões de possessão
enquanto eficazes procuram os serviços do Vale. Torna-se válido tudo aquilo que é
considerado eficaz para seu habitus, que pode ser decodificado.
Dentre os 17 freqüentadores entrevistados que ali estavam na condição de
paciente, apenas um se identificou como membro da doutrina. Porém 13 dos
entrevistados declararam acreditar na capacidade de intervenção de entidades
espirituais sobre seus problemas individuais. Dois disseram ter dúvidas a esse
respeito, e um preferiu não opinar. Todos os entrevistados (17) afirmaram acreditar
na influência de energias sensíveis em seus problemas, o que a nosso ver é
bastante significativo, pois representa 100% da amostra estudada.
Este dado é importante, uma vez que os processos envolvidos na prática
terapêutica necessitam de um substrato mínimo de valores compartilhados para que
possam se desenvolver. E mesmo que o freqüentador não comungue 100% com as
7
Alguns já freqüentam com assiduidade o templo há mais de um ano, mas não se identificam como
adeptos.
83
afirmações doutrinárias do Vale, deve haver um mínimo de predisposição para que o
trabalho se desenvolva.
Consoante Tavares, (1999) nos segmentos de terapias alternativas, “a
utilização da categoria ‘energia’ e a dinâmica envolvida na idéia de equilíbrio e
reequilíbrio energético, adquirem uma força explicativa muito forte” (Tavares, 1999:
Ibidem, p. 118).
Para os adeptos entrevistados, muitos males físicos são resultados da ação
de entidades espirituais. Segundo Galinkin (1977) no Vale uma divisão entre
“espíritos de luz/entidades superiores” e “espíritos das trevas”. Nesta segunda
categoria incluem-se os elítrios, que em sua última encarnação teriam sido
submetidos a torturas e teriam morrido com ódio de seus torturadores. Ainda
segundo a autora, estas entidades seriam, na perspectiva da doutrina, os
causadores do câncer, da epilepsia, da meningite dentre outras doenças físicas. Aos
exus, que seriam sofredores que não teriam tomado conhecimento de seus
desencarnes e ainda não teriam se conformado por estarem mortos, caberiam a
causa da loucura e do alcoolismo. Aos cobradores, espíritos que viriam cobrar a
seus devedores em vidas passadas, caberiam as causas de desequilíbrio
emocional, problemas financeiros, angustias, entre outras. Ao passo que os
obsessores, que seriam espíritos com baixíssimo grau de evolução espiritual, seriam
os responsáveis pelo desequilíbrio emocional e quaisquer tipos de dores.
Como salientamos anteriormente, somente num cenário propício a emersão
de religiosidades do tipo místico-sincrética afeita à “jogos simbólicos complexos”
seria possível o surgimento de discursos proféticos com ressonância de caráter
milenarista como o que encontramos no VDA. Com efeito, a influência das idéias
difundidas pelos movimentos NA é por demais evidente no VDA, como podemos ver
no quadro a seguir.
Crença Número de
Freqüentadores
Percentagem
Acreditam em Deus 17 100%
84
Acreditam na capacidade de
intervenção de forças
suprasensíveis sobre seus
problemas.
17
100%
Possuem alguma religião 14 82,35%
Acreditam na capacidade de
intervenção de entidades
espirituais sobre seus
problemas.
13
76,47%
Acreditam que seus problemas
se encontram interligados entre
si
12
70,58%
Acreditam em Reencarnação 10 58,8%
Acreditam que entidades
espirituais podem ser a causa de
alguns de seus problemas
pessoais
8
47,05%
Acreditam em karma 8 47,05%
Este quadro evidencia claramente a influência das idéias e valores
sustentados pelos adeptos da NE no VDA. Em nossa análise não falamos de
errantes pois compreendemos que mesmo ao falarmos de uma prática e vivência
heterogênea, falamos de sujeitos que buscam formar um todo significativo cultural,
as diversas experimentações não são entendidas como contraditórias nem umas em
relação às outras, nem com sua prática religiosa cotidiana.
Os processos de experimentação passam a configurar como parte de sua
prática, porém de modo diverso de uma filiação religiosa, a própria idéia de
comunidade passa ser relativizada. Segundo Amaral (2000) estas práticas
terapêuticas configurariam “comunidades sem essência”, que possuem enquanto
representação simbólica o “Imaginário Holístico”. Discordamos do posicionamento
da autora ao entendermos que a essência dessa comunidade encontra-se em sua
fluidez, oferecendo àqueles que vivenciam as experimentações no Vale uma nova
forma de lidar com o sagrado, inclusive em termos sociais. A freqüência ao templo é
uma escolha eminentemente individual, uma adesão fluída que depende unicamente
do ir e vir da esfera subjetiva do individuo. Esta, no entanto, mesmo diante de uma
identidade fragmentada (HALL,2006) é articulada de modo a se tornar uma prática
85
que embora vivenciada de maneira fluída, não deixa de ser dotada de sentido para
o sujeito. E embora que a priori se busque unicamente a resolução de problemas
imediatos, os processos de experimentação levam, necessariamente à reformulação
da prática cultural que se estabelece entre estes freqüentadores.
Argumentamos que o VDA além de se configurar como um espaço válido no
circuito neo-esotérico da cidade de Campina Grande, produz, de forma autônoma
um circuito completo. Um dos seus maiores “atrativos” para quem procura os
serviços do VDA é a possibilidade de vivenciar, simultaneamente, diversas práticas
espirituais no mesmo espaço. Com efeito, num mesmo ritual, combinam-se
elementos católicos, espíritas, umbandistas, pré-colombianos, orientais, matrizes
africanas, etc, não apenas em termos lingüísticos, mas também simbólicos e
imagéticos, como as figuras dos pretos velhos, signos da religiosidade popular como
as princesas encantadas, todos estes elementos sendo constantemente
ressiginificados e recriados no universo mágico do Vale. também referências
visuais, as imagens dos pretos velhos convivem lado a lado com aquelas das
princesas encantadas, da “Mãe Iara”, do “Pai Seta Branca”, de “VoHindu”, e do
próprio Jesus Cristo, além de imagens diversas elaboradas pelo próprio Vale. Na
foto abaixo podemos visualizar algumas das imagens encontradas no templo do
VDA de Campina Grande.
Imagens de Entidades no “Circuito do Vale”
86
Imagem de entidades /fonte: Do autor.
Imagem de Tia Neiva /fonte: Do autor.
Imagem do “Vovô Hindu” /fonte: Do autor.
87
Imagem do Pai Seta Branca /fonte: Do autor. Imagem da Mãe Yara/fonte: Do autor.
Todo este complexo que forma o “circuito do Vale produz narrativas, em
torno dos mediadores simbólicos. Narrativas estas que se sobrepõem àquelas
produzidas pelos pacientes e médiuns. Entendemos aqui que estas três dimensões
constituem um importante fator a ser considerado para a compreensão do
movimento, pois estas dão feição à experiência vivenciada.
Se no circuito Nova Era a ênfase recai sobre a multiplicidade de experiências
(AMARAL, 1999), não entendemos que isso implique automaticamente falta de da
profundidade das mesmas, como pontuamos anteriormente, os processos de
experimentação vivenciados no movimento Nova Era, e em especial no VDA,
caracterizam-se por uma fluidez que configura uma nova forma de lidar com o
sagrado, no qual a conversão perde a centralidade e dá lugar à adesão. Porém, isso
não significa que não haja conversões, mas estas passam a pertencer a um plano
secundário. De fato, para vivenciar o Vale o precisa ser adepto, basta aderir à
doutrina, ainda que de forma esporádica, o que implica, necessariamente no
compartilhamento dos valores por ela difundidos.
Desse modo, os freqüentadores desfrutam de inteira, liberdade de
participação. No interior do templo, porém, sua liberdade é limitada pelas regras
impostas pelo ritual, é nesse momento que se a produção das primeiras
88
narrativas pelos pacientes. As narrativas produzidas tangem não apenas ao que é
relatado e confidenciado, aos motivos da ida ao templo, como também a toda
linguagem não verbal que é externalizada corporalmente nesse sujeito. Com seus
dizeres, motivações e gestos, o paciente marca o seu lugar social nos rituais que se
desenvolvem. Ele não é um simples observador, mas um sujeito, seu
comportamento é ao mesmo tempo estruturado a partir da totalidade simbólica na
qual ele se insere, mas também é estruturante, no sentido de que sua narrativa se
sobrepõem às demais e as modifica, em especial no que diz respeito ao processo de
interação com o médium, no qual a construção de uma linguagem intersubjetiva
que condiciona os comportamentos de ambos.
Podemos afirmar, portanto, que tal condicionamento de mão dupla configura o
processo de teatralização das relações sociais descritas por Goffman (2005), na
qual muitos comportamentos dos atores são condicionados pelos anseios da platéia.
Ser paciente é uma postura esperada pelos médiuns em relação àqueles que
chegam ao templo, da mesma forma que ser dium é uma postura esperada por
aqueles que acorrem, e é nesse continumm de interpenetração de
comportamentos subjetivos que se configura e se localiza cultural e socialmente o
individuo que se coloca e se assume enquanto paciente durante o ritual.
Aos médiuns caberá um papel específico, estreitamente associado à
produção de narrativas suis generis, estas bastante elaboradas, pois sua localização
enquanto sujeitos se vincula diretamente ao seu trabalho nas atividades rituais. Uma
voz mais autêntica, um batido no peito mais forte, suspiros mais intensos, estes
comportamentos performáticos, situam os médiuns, tanto para com os pacientes
como em relação a eles próprios.
As falanges às quais se vinculam, as entidades que incorporam, ou que
intermediam, o processo de incorporação, no caso do médium doutrinador, são
marcadores indentitários. Porém como estes sujeitos possuem uma história de vida
própria, são sujeitos biografáveis, seus percursos nos diversos campos também são
considerados, inclusive entram no cálculo do grau de eficácia de seu trabalho.
No decorrer da pesquisa encontramos dois casos emblemáticos. Uma
senhora que é apará no templo de Campina Grande. Era, inicialmente,
freqüentadora de terreiros no bairro das Malvinas e este fato era conhecido por
89
todos os adeptos do templo. Por esta razão a qualidade de seu trabalho era posto a
prova, muitos médiuns se referiam a ela como “macumbeira”, “xangoseira”,
“catimboseira”. Mesmo, quando entrevistada e indagada a respeito de sua filiação
religiosa anterior, se declarou ex-católica, como de hábito, no Brasil, entre os
adeptos de religiões de matriz africana. O outro caso, diz respeito a um médium
jaçanã, o qual, anteriormente tinha sido membro da Assembléia de Deus. Ao
contrário do caso anteriormente descrito, seu trabalho sempre era visto como de boa
qualidade. E quando a ele se referiam, os adjetivos “muito sério”, “muito competente”
eram abundantes no discursos dos médiuns. Quando entrevistado, fez questão,
antes mesmo de ser indagado, de enunciar sua origem religiosa como se esta fosse
um atestado de suas qualidades como médium. No que diz respeito a estes
marcadores identitários nas religiões de possessão, Velho (2003) faz as seguintes
colocações:
“Toda dramatização dos rituais implica em algumvel um processo de
identificar quem é quem, discutindo, relações e individualidades, um
processo diferenciado de ênfase, de acordo com cada religião e culto. Isso
permite a construção de sistemas de classificação em que indivíduos-
agentes empíricos e entidades sejam identificados e situados. Através de
suas relações e inter-relações, mais ou menos complexas, elabora-se um
mapa sociocultural que define campos de significado e demarca
identidades” (VELHO, 2003, Ibidem, p. 61).
Temos, assim, que, toda dramatização dos rituais implica em algum nível um
processo de identificação dos indivíduos que deles participam, o que permitiria a
construção de sistemas hierárquicos de classificação conforme a posição do sujeito
no campo simbólico e o grau de legitimidade do credo a que pertence. Assim, no
VDA, os processos de possessão configuram-se enquanto marcadores de distinção,
ser médium, não é apenas um fazer religioso. Desse modo, ser macumbeiro,
protestante ou médium é também um fazer cultural. No caso do médium no VDA,
podemos mesmo dizer que a partir da entrada do sujeito no corpo doutrinal este
sofreria um processo de ressocialização, como bem coloca Silveira (1994). Segundo
o autor, este é possível através tanto da “Cura espiritual quanto a espera do
milênio” (Silveira,1994:Ibidem, p. 23).
Contudo, dado a força do estigma (Goffman, 1998:11-50), o processo de
ressocialização não se daria da mesma maneira para todos, pelo menos no início.
90
Um sujeito oriundo de uma religião discriminada, como é o caso da ex-macumbeira,
apesar de ter-se tornado médium, continua desacreditada.
Bourdieu (2007c), ao discutir ao discutir os processos que levam a
valorização estética de certas obras de arte faz as seguintes considerações:
“De fato, ao designarem, e consagrarem certas obras ou determinados
lugares (tanto o museu quanto a igreja) como dignos de serem
freqüentados, é que as instâncias investidas do poder delegado de impor
um arbitrário cultural ou seja, no caso particular, uma certa delimitação
entre o que é digno ou indigno de ser admirado, amado ou reverenciado
podem determinar a freqüência no termo da qual essas obras aparecerão
como intrinsecamente ou, ainda melhor, naturalmente dignas de serem
admiradas ou saboreadas. Na medida em que ela produz uma cultura
(habitus) - que na é senão a interiorização do arbitrário cultural , a
educação familiar ou escolar tem como efeito, pela inculcação do arbitrário,
dissimular cada vez mais o arbitrário da inculcação” (Ibidem, p. 164)
Temos, desse modo, que os processos valorativos e significativos se dão a
partir de disputas simbólicas travadas no campo.
Para além das narrativas produzidas pelos adeptos e freqüentadores,
podemos dizer que em torno de mediadores simbólicos também são produzidas
narrativas, e incluímos o próprio espaço físico no qual se desenvolvem as
atividades da doutrina, que segundo Martins (2004) “foi desenhado com a finalidade
de materializar os rituais da doutrina. Nesse sentido, não apenas os rituais, mas
também os outros elementos presentes na doutrina, como as heranças religiosas de
povos de civilizações passadas, concretizam-se em formas espaciais” (Martins, Op.
cit, p. 138).
Em torno dos espaços, imagens, objetos, produzem-se narrativas que só se
fazem decodificáveis através do habitus dos sujeitos, elas estão ali arranjadas de
modo a produzir mensagens e empatia naqueles que venham a freqüentar o templo.
É o conjunto de símbolos arranjados e identificados que operacionalizam a eficácia
das atividades desenvolvidas no templo.
Para Maluf (2005) “Os símbolos e as imagens não possuem valor em si,
mas existem enquanto contexto” (Op. cit, p. 514). Enfatizamos que não se trata
apenas de contexto ritual, no qual o tempo e o espaço são manipulados visando à
construção de um universo significativo próprio, mas sim de um contexto social. Os
símbolos e imagens possuem significados e valor contextual para os adeptos e
91
freqüentadores, ou seja, fazem-se socialmente eficazes, não per se, mas a partir de
um complexo jogo de luta simbólicas valorativas.
Interessantemente, o Vale do Amanhecer realiza um processo de inversão
valorativa em relação às disputas travadas nos campos. Perfazem um movimento de
mão dupla, pois por um lado se utilizam do que é desvalorizado em diversos
campos, seja no estético, utilizando indumentárias que seriam consideradas
“bregas” pelo excesso de cores e brilho, seja no simbólico ao se utilizarem de
entidades oriundas das religiões de matriz africanas, entendidas enquanto menos
legítimas no campo, ressignificando-as. A combinação destes diversos elementos,
por mais desvalorizados que sejam nos processos de disputas simbólicas entre os
diversos campos, nela são simbolicamente eficazes e decodificáveis pelo conjunto
de adeptos e freqüentadores. Desta maneira, o Vale produz o que chamamamos de
New Age Popular.
A categoria New Age é necessária para a compreensão do VDA, porém,
insuficiente, pois mesmo noções estéticas e valorativas em termos culturais,
mostram-se diversas dentro do que chamamos de New Age Popular. O exemplo
mais factual seria o processo valorativo dos elementos oriundos da umbanda, ainda
que ressignificados no VDA. De fato, o VDA não apenas se constitui no contexto da
NE, como a diversifica, enriquecendo-a consideravelmente ao introduzir as tradições
reelaborando-as no contexto brasileiro de um modo totalmente inusitado.
Como nos mostra Bourdieu (2005), a categoria popular emerge num processo
continuo de disputas simbólicas no qual os grupos detentores de maior capital
simbólico lançam mão de estratégias para se auto-legitimar e reproduzir suas
posições e privilégios, cria as categorias de cultura e religião popular, com o objetivo
de deslegitimá-las. Sob este ângulo, elas passam a ser vistas como formas
imperfeitas, logo ilegitímas, da cultura erudita e da religião eclesiástica oficial.
Em nossa discussão teórica, cunhamos o termo New Age Popular, não no
sentido de um grupo detentor de maior capital simbólico em relação a outro detentor
de menor capital. No presente trabalho, New Age Popular deve entendido como uma
forma específica de reapropriação simbólica de discursos emitidos por um grupo
diverso daquele que o formulou aprioristicamente, “popularizando-o”, “massificando-
o”.
92
Oliveira (2003) afirma que na teoria de Bourdieu, uma limitação pois este
não subestima o poder dos leigos enquanto produtores de discursos religiosos. Para
ele, no campo religioso, o produto dos leigos é por vezes, apropriado pelos
sacerdotes, detentores de maior capital simbólico, reformulado e trazido de volta
para os leigos sob uma “nova roupagem”, buscando, deste modo, reproduzir através
das relações instauradas pelo poder e pela violência simbólica, as posições
ocupadas pelos sacerdotes no campo.
Fenômenos como o VDA, evidenciam que não apenas os detentores de maior
capital simbólico, mas também os de menor capital, também se apropriam dos
discursos propostos pelos detentores de maior capital reformulando-os e utilizando-
os com fins a uma mudança de sua posição no campo. Sobre isso, retomamos
Bourdieu (1996) quando aponta que tais “estratégias”, são norteadas por aquelas
disposições semi-conscientes que os agentes possuem no campo, a partir da
interiorização das regras do mesmo, que o autor chama de senso prático.
Com efeito, de acordo com Bourdieu, a distância que se de estabelece entre
os produtores dos discursos religiosos, os intermediadores e os receptores, leva,
necessariamente, a um processo de reinterpretação (Bourdieu, 2004). É, nesse
sentido, que propomos a criação de uma categoria teórico-analítica que seja capaz
de dar conta do nosso objeto de estudo.
Isto é plenamente justificável em nosso caso, tendo em vista que o processo
de produção dos discursos que envolvem o universo New Age se deu num contexto
europeu e norte-americano, intermediado pelas classes média e média/alta. No
Brasil, além das classes média e média/alta, este discurso também foi apropriado e
ressignificado pelas camadas populares que compõe a maior parte dos adeptos do
VDA (Cavalcante, 2000). Para que este pudesse formar um “todo significativo” fez-
se necessário não só sua reinterpretação, como também sua reinvenção.
Em nossa definição, portanto, New Age Popular são discursos e práticas
religiosas ou não que têm como substratos os discursos new agers “clássicos”,
quando apropriado por camadas populares - tal como no caso do DVA no Brasil
contemporâneo - que através destas, sofre um processo reinterpretativo que os
‘rearranja’ em conformidade com sua vivência e necessidades, de modo a torná-los
significativos num contexto sócio-cultural distinto do originário.
93
Invertendo valorativamente alguns aspectos estéticos e culturais oriundos das
camadas socialmente favorecidas, as camadas socialmente desprestigiadas
buscam, através deste processo, legitimar-se no campo religioso mais amplo. No
caso específico do VDA, ao inverter valorativamente alguns aspectos estéticos e
culturais das camadas socialmente mais prestigiadas, aspiram legitimar seu
movimento no campo religioso brasileiro mais amplo.
É nesse cenário que narrativas diversas se sobrepõem e se intercalam,
originando um novo evento discursivo. No decorrer do processo, a profusão
aparentemente aleatória de símbolos, dizeres e gestos ganham significado. As
experiências aparentemente fragmentadas, bem como as trajetórias individuais,
aparentemente erráticas dos sujeitos envolvidos, confluem para a formação não
apenas de um sentido referente à experimentação vivenciada naquele momento,
como também da gênese de um novo modo de vivenciar o sagrado com mais
fluidez, não necessariamente descompromissada, ou uma simples montagem
aleatória (como querem alguns), mas uma vivência marcada pela
fragmentação/desfragmentação de experiências que pode culminar num amplo
processo de ressocialização e de recomposição da identidade.
No decorrer da pesquisa, percebemos que os sujeitos realizam um complexo
processo de aglutinação das diversas experiências vividas. Todos os freqüentadores
de um total de 17 entrevistados não viam nenhuma contradição entre sua prática
religiosa e o fato de freqüentarem o Vale. Na tabela abaixo sintetizamos a origem
religiosa dos pacientes:
Origem Religiosa Número de
freqüentadores
Percentagem
Católicos 9 52,94%
Espíritas 4 23,52%
Protestante/Neopentecostal 1
8
5,88%
Sem religião/Ateu 2 11,76%
Não Respondeu 1 5,88%
Total 17 100%
8
Tal entrevistado era inicialmente protestante da Assembléia de Deus, porém, atualmente se
identifica enquanto adepto da doutrina do “Vale do Amanhecer”.
94
Percebemos, que valores compartilhados que viabilizam os trabalhos
desenvolvidos, porém estes não se articulam necessariamente com uma prática
religiosa homogênea, não falamos de adeptos, mesmo quando consideramos
freqüentadores de longa data, cremos que o termo adesão seja mais propício, tendo
em vista que este grupo não assume necessariamente compromissos rígidos com o
movimento.
Tudo parece indicar que a vivência no VDA cimenta a experiência religiosa
anterior, novo sentido e reconfigura o modo como estes indivíduos experienciam
o sagrado. Sendo assim, remodela as vivências, e reconstrói o modo de
compreender suas trajetórias individuais. Dá novo sentido ao “ser católico”, “ser
espírita”, “ser sem religião”. Reconstrói as cosmologias dando as individualidade e
especificidades a partir da experiência. A idéia de transformação e de metamorfose
esteve presente em todas as entrevistas, tal como no ideário New Age, muda-se de
dentro para fora, transforma-se a partir do sujeito, e este, em transformação,
mudaria também o ambiente, o planeta.
O Vale do Amanhecer se propõe preparar a humanidade para o terceiro
milênio, e esta preparação inicia-se nos sujeitos, sejam eles adeptos que reorientam
suas vidas considerando os preceitos doutrinários do Vale, sejam eles apenas
freqüentadores que recebem os serviços espirituais por ele oferecidos, e a partir
disso, mudam sua prática espiritual. A emergência de uma nova forma de
espiritualidade que aflora a partir de um movimento difuso, intitulado Nova Era,
apresenta uma de suas faces mais complexas no circuito de experimentação e
vivências do VDA, possivelmente, o mais sincrético de todos os que compõem o
circuito “neo-esô”.
95
2.2. O DOM EM SUAS MÚLTIPLAS DIMENSÕES NO VALE
2.2.1. A dádiva entre Adeptos e Entidades Espirituais
Iniciamos nossa discussão considerando as relações entre aqueles que se
identificaram enquanto adeptos da doutrina do VDA e as entidades espirituais que
compõe o universo cosmológico dessa denominação. Frisemos nesse momento que
nem todas as entidades existentes inicialmente no panteão do VDA são utilizadas na
composição do universo religioso do templo de Campina Grande, pois estas
entidades necessitam da construção de espaços específicos para que possam
“trabalhar” junto aos médiuns, de modo que devido à limitação espacial do templo de
Campina Grande nem todas são utilizadas nos rituais ali desenvolvidos.
Apesar de não haver oficialmente na doutrina uma pessoalização das
entidades, na prática é recorrente nas narrativas dos médiuns esse processo, os
caboclos, os pretos velhos, os índios, entre outros são tratados como um ser íntimo.
Nos médiuns de incorporação tal fato é extremamente recorrente, podemos afirmar
que em todas as entrevistas realizadas entre médiuns de incorporação havia
elementos de pessoalização das entidades, de modo quer por vezes era-nos dito
que os “trabalhos” com ela não se limitavam unicamente à sua atuação no Vale, em
casa, eles também continuariam a entrar em contato e desenvolver atividades
espirituais, mas, estas não foram especificadas. Talvez, por ocorrerem no espaço
doméstico, são atividades sobre as quais os adeptos possuem maiores ressalvas
em publicizar.
Para Brandão (1994) os sistemas religiosos no Brasil compõem o que ele
denominou como código da alma, que seria:
“Um sistema de valores e preceitos que define identidades e estabelece a
norma de situações e princípios por meio dos quais pessoas vivas e a
pessoa viva do morto podem viver entre elas: desejos, temores, gestos e
troca de bens, serviços e sentidos, em uma verdadeira lógica de
reciprocidade” (BRANDÃO, 1994, p. 182)
96
Este conceito ser-nos-á demasiadamente caro , pois nesse momento,
buscaremos identificar o código da alma existente no VDA em Campina Grande,
com o objetivo de verificar como as relações de reciprocidade entre vivos e mortos
são entendidas e vivenciadas neste contexto religioso.
Para os adeptos, relacionar-se com uma entidade espiritual é uma atividade
que vai para além do templo, pois, como colocamos, estas entidades passam a
ser pessoalizadas, acompanham a vida do médium. Em nosso entender, é nesse
processo de pessoalização das entidades que o médium demarca-se socialmente, e
constrói sua identidade espiritual no templo. No momento em ele que uma
“biografia” a uma entidade, no sentido em que esta se pessoaliza não para ele,
como para todos os adeptos do templo, ele também remodela sua biografia,
constitui-se enquanto sujeito para o grupo.
Os processos de comunicação entre entidades e adeptos são essenciais
nesse sentido. Quando indagamos o porquê de uma entidade se mostrar, se
comunicar e “trabalhar” com um médium, a chave para a compreensão da resposta
é sempre a mesma: o que eles chamam de trabalho de caridade.
Para os adeptos, as entidades, estariam engajadas num “trabalho de
caridade” que contribui para a evolução espiritual de todos. Desde aquele que
recebe o bem espiritual ofertado, o “espírito obsessor”, o médium e por extensão, a
comunidade como um todo. Desse modo, quando um “paciente” chega ao templo
com algum problema, e uma entidade como um preto velho ou um caboclo, interfere
em seu favor, estaria ao mesmo tempo ajudando a evolução espiritual do paciente,
do “espírito obsessor” que supostamente seria o causador de boa parte dos males
que o levaram ao Vale e assim, sucessivamente, num diversificado e infinito circuito
de dádivas.
Esta categoria de “caridade” no VDA aparentemente tem sua origem na
doutrina espírita, devido a seu uso. Nesse ponto nos são elucidativas as colocações
de Cavalcanti (1983):
“Cada homem, ser individual, e a humanidade em geral têm no Espiritismo
uma natureza dupla: são corpo e alma, matéria e espírito. Todos os homens
são assim ‘irmãos em Deus’, seres da mesma natureza, partes do mesmo
todo. Eles diferenciam-se, contudo, ao longo das sucessivas encarnações
97
regidas pela evolução. A evolução é a de uma individualidade cósmica, o
Espírito, que caminha no sentido do progresso, de um ponto zero de
materialidade e inferioridade a um ponto mais relativo de espiritualidade e
superioridade. Se a trajetória evolutiva é assim em um plano individual, ela
é necessariamente referida ao outro. Um dos requisitos fundamentais para
que ela se é o ‘amor ao próximo’: O progresso é o progresso junto com
o outro’. O destino de cada homem e da espécie humana estão
imbricados.(...) Nessa relação entre o eu e outro terreno a caridade ocupa
um lugar central. Toda tarefa espírita é em sentido amplo caridade, pois é
serviço de amor ao próximo. Receber Espíritos sofredores na reunião de
desobsessão é caridade, dar um passe num freqüentador é caridade”
(CAVALCANTI, 1983. p. 65)
É, portanto, devido à perspectiva de interligação entre todos os seres do
universo que o “trabalho de caridade” se faz possível, perspectiva esta que para os
adeptos abarca seres humanos ou não, encarnados ou desencarnados a crença
esta dominante no espiritismo e no esoterismo como um todo Considerando que as
entidades seriam o que eles chamam de “Espírito de Luz”
9
, por terem atingindo alto
grau de evolução espiritual, estariam aptos a auxiliar todos os que sofrem, sejam
estes encarnados ou desencarnados, como é o caso dos espíritos obsessores,
segundo os adeptos.
O médium também realiza um trabalho de caridade, afinal é através dele que
a entidade pode agir de forma “factual” sobre os “pacientes”, nesse processo
médiuns de incorporação e doutrinadores estão envolvidos, pois é o doutrinador que
prepara o ritual, que “chama a entidade”, e auxilia o apara ou jaçanã no processo de
possessão.
Leford (1979, apud. Campos, 2006) ressalta que não se com o objetivo
de receber, mas sim para que o outro seja levado a doar. A partir dessa colocação,
temos que o médium ao se colocar a serviço do “paciente”, tendo o outro como fim,
ativa o circuito de dádivas, ele entrega o que possui, no caso seria a categoria
“energia”
10
, para o “paciente”, manipula também as energias deste, absorvendo as
9
Esta categoria também tem sua origem entre nós na doutrina espírita, designando os espíritos que
já teriam alcançado elevado grau de evolução espiritual.
10
Entendida enquanto uma categoria subjetiva da qual todos os seres humanos, e tudo que no
universo de modo geral, são portadores, que o manipuladas pelos médiuns no decorrer do ritual
com o fim de ajudar o próximo, considerando que é o equilíbrio ou o desequilíbrio de energias que
controlará o bem estar dos indivíduos.
98
negativas, atraindo-as para si. Nesse momento, a entidade “também dá”, entregando
o que possui, ou seja, sua energia purificada.
Ao se doar ao outro e ao colocar o próximo como fim, o médium se mostra
capaz de receber a dádiva do espírito de luz, pois no complexo jogo de dons,
aquele que se abnega é capaz de receber. Não apenas porque a dádiva seja uma
relação troca, mas porque, para receber, é preciso estar disposto a doar, muitas
vezes, dar mais que recebeu, ou, talvez, do que nunca receberá. Na vida social, a
incerteza do retorno faz com que o dom seja caracterizado enquanto um ato de
generosidade (CAILLÉ, 2006).
Porém, enfatizamos que no universo da crença a dádiva possui, por vezes,
outras significações, em especial quando consideramos o universo NA , no qual a
idéia de karma se faz presente de modo significativo, neste caso o ato de doar pode
tanto significar um processo de expiação de dívidas oriundas em outras vidas, como
também refletir um alto grau de evolução espiritual no qual tal ser (humano ou não,
encarnado ou não) preocupa-se apenas em doar que teria superado as
necessidades recorrentes nos demais seres. Tia Neiva, segundo os adeptos, teria
vindo nesta vida expiar parte de sua dívida cármica, culminando com a sua morte,
cuja forma – em decorrência de problemas pulmonares – teria refletido sua dívida,
que em outra vida teria matado uma outra mulher com uma punhalada no peito,
movida por ciúmes.
Se a proposta do VDA é preparar a humanidade para a chegada do terceiro
milênio, que se “caminhar junto”, como disse um dos nossos entrevistados.
uma necessidade de entregar-se, abnegar-se, o que tem implicações para além dos
planos imediatos, materiais, aquele que é capaz de ser generoso, capaz de dedicar
seu tempo e esforço, inclusive físico, para as atividades de caridade é marcado
socialmente como superior, são muito bem vistos os médiuns que são assíduos nas
atividades desenvolvidas no Vale. Para se conseguir uma nova sociedade neste
terceiro milênio é preciso partir de categorias como generosidade e caridade, afinal
“conceitos como caridade e misericórdia trazem consigo uma imagem ideal de
sociedade, uma utopia” (CAMPOS, 2006, p. 152).
Se entre os trobiandeses eram os colares e pulseiras que circulavam, entre os
adeptos do Vale, é a energia que circula, e esta, para além de um valor de uso, ou
99
de troca, possui um alto valor de elo (CAILLÉ, 2006). Entregando o que possui a
outro o médium, repactua com os “planos espirituais superiores”. Caso ele apenas
“entesourasse” o que possui, não se colocando a serviço dos outros, não se
preocupando com sua “cura desobssessiva” e com sua “evolução espiritual”, como
poderia ainda assim receber o que lhe foi dado? Na lógica da dádiva, pode-se
receber aquilo que se capaz de abrir mão, de fazer circular.
As entidades, por sua vez, ao estarem integradas à totalidade espiritual
“recebem” com a evolução espiritual dos seres humanos e dos espíritos obsessores,
como nos elucidou Cavalcanti (Ibidem) a evolução espiritual é referida ao outro.
Frisamos aqui que não falamos em relações de reciprocidade stricto senso, como se
houvesse nesse momento interesses ou cálculo nas ações dos médiuns. Não que a
dádiva não considere a esfera do interesse, mas ela se posiciona exatamente contra
o interesse e o cálculo (CAILLÉ, 2002b), de tal forma que “o modelo linear da
racionalidade instrumental é incapaz de explicá-la” (GODBOUT, 2002, p. 74), a
retribuição não é o fim da diva (GODBOUT, Op. cit, p. 73). Em termos
sociológicos, seria mais um meio para a criação, manutenção e recriação do elo
social.
2.2.2. A Dádiva entre os Adeptos e os “Pacientes”.
Todo “paciente” que chega ao templo do VDA de Campina Grande é
recepcionado por um médium doutrinador. Neste templo são sempre mulheres,
porém, não uma obrigatoriedade em relação a isso. Ao chegar ao templo, o
“paciente” é orientado em relação às atividades que serão desenvolvidas, explica-se
onde se deve esperar, qual o momento exato de se levantar, etc. Caso haja algum
problema com a vestimenta, como uma camisa muito aberta, ou muito decotada, é
pedido gentilmente para que isso seja corrigido.
Em nossos primeiros contatos, quando apresentados à médium que estava
na recepção cumprimentamos a mesma apertando as mãos, porém depois foi-nos
corrigido que tal ato deveria ser evitado, pois aqueles que vinham da “ruatraziam
100
consigo uma “carga de energia” específica, que através do toque poderia ser
passada ao dium e atrapalharia o desenvolvimento dos “trabalhos”. Porém, o
que mais nos chamou a atenção, foi a resposta da médium quando pedimos
desculpas e indagamos o porquê de ainda assim ela ter recebido o nosso aperto de
mão e ela nos respondeu que os médiuns não devem receber abraços e apertos de
mãos depois que estão trajados com suas indumentárias para a realização dos
rituais, porém não podem recusar tais atos.
Se para Mauss (2001) a obrigatoriedade tripartite da dádiva se na
obrigação porém livre para dar, receber e retribuir, em com relação aos
presentes, nos lembra que estes dons são “ao mesmo tempo obrigatória e
voluntariamente dados e obrigatoriamente e voluntariamente recebidos” (MAUSS,
2001, p. 362). Percebemos, que uma de suas faces: a obrigatoriedade voluntariosa
em receber, inclusive receber aquilo que “faria mal”, o gift possui desse modo
sempre um gift.
A obrigatoriedade voluntariosa estende-se também aos gestos e palavras.
Nesse sentido, Lévi-Strauss (2003) nos alertava que os homens trocam
principalmente mulheres, presentes e palavras. Em nosso entender, a dádiva não se
limita à simples troca, quando recebemos algo nos ligamos ao doador, e tal fato, nos
incita a uma contrapartida (CHANIAL, 2004, p. 31). Ainda acerca da troca de
palavras pontua Caillé (2002a):
”À semelhança da troca cerimonial, a conversação com vários interlocutores
obedece, portanto, a regra de desafio, lançado e aceito, a regra de partilha,
e mistura-se a uma lógica sacrificial e vindicativa. À semelhança dessa
troca, seu próprio desafio é a honra e a face dos participantes; à
semelhança dessa troca, a conversa funciona em conformidade com a tripla
obrigação de dar, receber e retribuir, ou seja, a obrigação paradoxal de ser
o mais espontâneo e o mais generoso possível em palavras” (CAILLÉ,
2002a, p. 103)
Ainda assim continuamos a indagar nossos entrevistados: porque receber
algo que faz mal ao médium? Que interfere no desenvolvimento dos rituais? A
resposta novamente remete a idéia de “caridade”, esta deve-se fazer presente em
todos os momentos e em todas as suas dimensões possíveis. Consoante a Campos
“[...] caridade implica atitudes e disposições psicológicas, implica ser generoso,
101
benevolente, amoroso. Disso, entendo que caridade implica um modo de ser no
mundo” (CAMPOS, 2003 , p. 231).
Ser generoso, ser capaz de se deixar prejudicar apenas movido pela vontade
de ajudar, de praticar a caridade” com o seu semelhante marca o sujeito
socialmente, a lógica da dádiva é a lógica da multiplicação das dívidas, pois esta,
voluntariamente mantida, é uma tendência essencial da dádiva (GODBOUT, 2002,
p. 74). Multiplicam-se dívidas que nunca serão pagas (GODELIER, 2001) para que
os elos possam ser multiplicados. Esta lógica passa a ser possível quando as
pessoas são consideradas mais importantes que suas funções no sentido utilitário
do termo –, neste contexto, o elo é mais importante do que qualquer outra instância.
No decorrer de nossa investigação concluímos que nas relações entre
adeptos e “pacientes” a regra é ter o outro como fim, é entregar-se, abnegar-se, isto
é colocado pelos adeptos no nível do discurso e das práticas culturais. Consoante
Rodrigues (2006), no trabalho mediúnico, o condutor deve esforçar-se, cansar, não
o espírito como também o corpo, contorcer-se durante o ato performático,
demonstrar sua dor, circunscrever sua generosidade através de uma expressão
corporal específica, afinal “reconhecemos no nosso corpo e no das pessoas que
conosco se relacionam um dos diversos indicadores da nossa posição social e o
manipulamos cuidadosamente em função desse atributo” (RODRIGUES, 2006, p.
49). Não basta ser generoso, deve-se demonstrar sua generosidade, para que
desse modo possa haver uma marcação social especifica em relação àquele que
realiza seus atos voluntariamente obrigatórios.
No decorrer do processo de pesquisa encontramos mais indagações que nos
pareceram pertinentes, afinal se a doutrina do VDA baseia-se na crença da
reencarnação e do karma, encontrando nestas crenças as explicações para alguns
dos males apresentados por pacientes e adeptos, por que o “trabalho de caridade”
seria tão importante nesse contexto? Nesse momento nos veio mais uma “surpresa”,
afinal se a noção de karma na tradição indiana tem um caráter quase fatalístico, ao
menos nessa vida, no VDA isso não aparece, o que é extremamente recorrente no
universo New Age. “O processo de auto-conhecimento e de encontro com o eu
superior, ou eu maior, e de limpeza do karma seria tão poderoso que as dificuldades
102
do cotidiano, as doenças, os karmas físicos, poderiam desaparecer. Haveria a
possibilidade da auto-cura a partir da consciência” (SIQUEIRA, 2003, p. 37).
O ato de abnegação, portanto, mostra-se enquanto importante veículo de
purificação e evolução espiritual, segundo os adeptos, o “trabalho de caridade”
desenvolvido contribuí diretamente para o adepto na medida em que permite a sua
evolução espiritual, e de modo indireto na medida em que contribuí para a evolução
espiritual de toda a humanidade, seu sacrifício hoje é, desse modo, a sua
recompensa de amanhã, nesta ou em outra vida, porém é deve ser sempre um ato
de generosidade, na medida em que uma incerteza social do retorno. Em termos
espirituais, ainda segundo os adeptos, aquele que doa de forma não
verdadeiramente generosa não garante a sua evolução espiritual, esta ocorre
quando o ato de doar-se é verdadeiro, fruto da generosidade do médium.
Imaginemos, desse modo, quão alto seria o valor de elo de uma ação que
culmina com a “limpeza do karma de alguém, algo que poderia demorar um
processo longo e sofrido de várias encarnações, mas que pode ser purgado a partir
dos bens de salvação ofertados pelo VDA, nesse sentido retomemos a discussão de
Bourdieu (2004) ao colocar que o profeta enquanto representante de uma nova
expressão religiosa emergente busca contestar a eficácia de dos bens de salvação
ofertados pela religião instituída e ao mesmo tempo ofertar novos bens de salvação,
é nesse contexto que esta “cura” é ofertada no templo do VDA, o movimento se
apresenta enquanto uma nova alternativa às possibilidades já postas.
Porém, se dádiva se configura enquanto um sistema complexo de prestação e
contraprestação qual seria a contraprestação ofertada pelos pacientes? Uma das
entrevistas realizadas com José Carlos nos foi bastante elucidativas. Quando
indagamos o que eles “ganhavam” ao realizar este trabalho de caridade com os
“pacientes”, ele nos falou sobre o fato de todas as coisas no universo estarem
interligadas e, que ao ajudar alguém a pessoa também se ajuda, pois o destino de
toda a humanidade estaria interligado, por isso a missão do VDA seria preparar toda
a humanidade para o terceiro milênio. Os “trabalhos de caridade” são, neste
sentido, direcionados não apenas para os fins específicos que movem os adeptos
até o templo, mas também para outros fins considerando a perspectiva da totalidade
do sujeito.
103
É nesse contexto que se , de maneira geral, a dinâmica da dádiva entre
pacientes e adeptos, estes se entregam visando o outro, aqueles retribuem na
medida em que se “equilibram espiritualmente” contribuindo para a totalidade, para
nós o interessante é a capacidade dos valores presentes nestas narrativas de criar
vínculos sociais, neste sentido devemos considerar que “Se a vida não visa nada
além da própria vida, o dom visa a reprodução não biológica, mas sociológica, ao
estabelecimento da relação social.” (CAILLÉ, 2006, p. 61).
2.2.3. A Dádiva entre os Adeptos.
Outra esfera complexa diz respeito às dádivas que circulam entre os adeptos,
outras realidades estão imbricadas nesta dinâmica, como a relação com as
entidades, porém devemos reconhecer que o dom estabelecido entre as entidades –
em especial quando falamos das entidades mais altas do panteão do VDA como a
imagem de Jesus e do Pai Seta Branca e os sujeitos é um dom vertical, ao passo
que aquele estabelecido entre os sujeitos é dom horizontal. Apenas na perspectiva
da totalidade é que o sujeito pode entregar algo aos “seres espirituais superiores”,
porém entre seus pares há uma infinidade de dádivas que podem e devem circular.
Dona Fátima, em uma das entrevistas, nos disse que todos os adeptos
sempre tinham algo a fazer no templo do VDA de Campina Grande, pois mesmo
quando não podiam ofertar algo deveriam vir para receber. Isso ocorre, por exemplo,
quando um médium fica doente, ou é afetado por problemas pessoais. Nestes
casos, não deve ofertar seus serviços espirituais, porém é interessante que ele
ao templo receber ajuda de outros médiuns. Neste ponto. chegamos a uma
constatação interessante, pois a lógica vai para além de ter o outro como fim e ser
recompensado na perspectiva da totalidade. Ser generoso não está desvencilhado
de ser humilde, pode receber quem é capaz de dar, e pode dar quem é capaz
de receber, esta lógica que parece ser circular, a primeira vista possui uma
significabilidade própria na dinâmica do dom. “A aposta sobre a qual repousa o
104
paradigma do dom é que o dom constitui o motor e o performador por antonomásia
das alianças. O dom é o que as sela, as simboliza, as garante e lhes vida”
(CAILLÉ, 2002b, p. 19).
Mais uma vez, a idéia de energia se mostra fundamental para a compreensão
do fenômeno. Como nos alerta Tavares (1999) o “discurso energético” figura
enquanto uma moeda corrente no segmento das terapias alternativas no universo
New Age de modo geral. Ainda segundo a autora:
“[...] a categoria energia possui uma conotação genérica, referida à idéia de
energia cósmica: todos os seres vivos ou inanimados estariam submetidos
a um mesmo princípio ou lei cósmica, que regeria, numa espécie de
‘pulsação universal’, o ciclo da vida em suas mais diversas manifestações.
Essa acepção do termo generalizante e difuso apresenta-se em
consonância direta com a orientação de fundo própria a consciência
holística” (Op. cit, p. 118)
Esta categoria difusa, portanto, funciona como o verdadeiro dom que deve
circular, porém, rememoremos que esta circulação se alcança através da obrigação
de alcançar a espontaneidade, é a obrigação de “[...] testemunhar sua liberdade e
forçar o outro a afirmá-la também, obrigação de criação e inovação” (CAILLÉ, Op.
cit., p. 9). Sendo “obrigatoriamente espontâneo” os indivíduos entram num complexo
processo de criação de dívidas, selando alianças que podem ser mais ou menos
fortes.
Os sujeitos envolvidos nas dinâmicas mágico-religiosas do VDA em Campina
Grande, são sempre sujeitos biografáveis, que se deslocam nos diversos campos,
este deslocamento possui implicações sobre a formação do habitus dos sujeitos, e
sobre o processo de acumulação de capital simbólico dos mesmos. Na dinâmica do
campo haverá uma constante luta em busca da acumulação de capital simbólico,
nesse caso objetivado enquanto capital social. A lógica imanente é que quanto maior
o capital social angariado maior a capacidade de realizar mais vínculos, e mais
duráveis, e estes implicam de volta numa acumulação ainda maior de capital social,
o processo é, portanto, de mão dupla. Criam-se vínculos para acumular, acumula-se
para criar vínculos. Neste sentido recorremos à problematização realizada por
Bourdieu (1998) acerca da categoria de capital social:
105
“O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão
ligados á posse de uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconheciment ou, em
outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não
somente são dotados de propriedades comuns (passiveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas
também são unidos por ligações permanentes e úteis. Essas ligações são
irredutíveis às relações objetivas de proximidade no espaço físico
(geográfico) ou no espaço econômico e social porque são fundadas em
trocas inseparavelmente materiais e simbólicas cuja instauração e
perpetuação supõe o re-conhecimento dessa proximidade. O volume de
capital social que um agente individual possui depende então da extensão
da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume de
capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um
daqueles a quem está ligado. Isso significa que, embora seja relativamente
irredutível ao capital econômico e cultural possuído por um agente
determinado ou mesmo pelo conjunto de agentes a quem está ligado (como
bem se no caso do novo rico), o capital social não é jamais
completamente independente deles pelo fato de que as trocas instituem o
inter-reconhecimento supõem o reconhecimento de um mínimo de
homogeneidade ‘objetiva’ e de que ele exerce um efeito multiplicador sobre
o capital possuído com exclusividade.” (BOUDIEU, 1998, p. 67)
Colocamos anteriormente que os sujeitos, ao passo que são biografáveis, têm
o grau de eficácia simbólica de seus “trabalhos espirituais” influenciados pelos seus
percursos nos diversos campos, percursos estes indispensáveis para a
compreensão de uma biografia (BOURDIEU, 2006). Os sujeitos que irão receber
determinados “serviços espirituais” também são biografáveis, e seus percursos nos
campos conferem a estes indivíduos um conjunto de pré-disposições objetivadas
através do habitus, esta categoria possibilita a compreensão de algumas das
dinâmicas realizadas no templo do VDA de Campina Grande.
Lévi-Strauss (1967), ao descrever o processo da eficácia simbólica num ritual
xamânico de parto, demonstra como o contínuo processo discursivo, através da
utilização de signos, em especial lingüísticos, consegue produzir um efeito tal que
culmina com a viabilização do parto da parturiente. Em nosso entender, tal grau de
eficácia se faz possível na medida em que o habitus da parturiente permite que ela
reconheça aqueles signos enquanto simbolicamente eficaz, Segalen (2002) coloca
que os rituais não podem ser realizados de todo modo, que um conjunto de
símbolos, palavras e ações que devem ser seguidos, mas este conjunto faz
sentido dentro de um universo social significativo, é através das estruturas sociais
incorporadas que encontramos respostas para esta eficácia. Ainda segundo
Bourdieu (2007a)
106
“As estruturas cognitivas utilizadas pelos agentes sociais para conhecer
praticamente o mundo social são estruturas sociais incorporadas, O
conhecimento prático do mundo social que supõe a conduta ‘razoável’
nesse mundo serve-se de esquemas classificatórios ou, se preferirmos,
‘formas de classificação’, ‘estruturas mentais’, ‘formas simbólicas’, ou seja,
outras tantas expressões que, se forem, ignoradas as respectivas
conotações, são praticamente intermutáveis –, esquemas históricos de
percepção e apreciação que são o produto da divisão objetiva em classes
(faixas estarias, classes sexuais, classes sociais) e que funcionam aquém
da consciência do discurso. Por serem o produto da incorporação das
estruturas fundamentais de uma sociedade, esses princípios de divisão são
comuns ao conjunto dos agentes dessa sociedade e tornam possível a
produção de um mundo comum e sensato, de um mundo de senso comum”
(BOURDIEU, 2007a, p. 435-436)
Entendemos que as relações estabelecidas entre os adeptos têm por fim a
criação, manutenção e recriação dos elos sociais, visando à acumulação de capital
social, porém esta possibilidade se abre a partir do momento em que o adepto, na
dinâmica de campo, acumula capital simbólico.
Temos, portanto, duas direções seguidas pelo adepto no campo religioso: a
acumulação inicial de capital simbólico pautada no senso prático do mesmo,
portanto, num processo continuo de disputas ele apresentará posturas heterodoxas
no campo que visam sua mudança posicional, lançando mão das mais diversas
estratégias (BOURDIEU, 2005), esta acumulação inicial será objetivada através de
signos reconhecíveis por um determinado grupo social, sua acumulação e sua
exteriorização são, portanto, contextuais sócio-culturalmente.
Num segundo momento, este capital simbólico acumulado, principalmente
capital religioso, será o meio viabilizador da acumulação de uma quantia maior de
capital social, sua acumulação inicial lhe permite que haja uma marcação simbólica
em relação aos demais adeptos, diríamos mesmo que um elemento de distinção.
A oferta de serviços espirituais a outros adeptos não possui os mesmos
efeitos para todos, aspectos como a origem religiosa, quantidade de capital cultural,
tempo no movimento e conhecimento acerca da doutrina que a nosso ver
configura-se num tipo de capital religioso e cultural ao mesmo tempo, por se tratar
de um processo de erudição sobre os conceitos religiosos trabalhados entram no
cálculo. Indivíduos oriundos de credos “menos legítimos” no campo religioso
brasileiro, possuidores de menor quantia de capital cultural, aqueles que estão
107
menos tempo no movimento e que possuem um conhecimento menos elaborado
acerca da doutrina, produzem dádivas de menor valor de elo.
Em teoria, todos os adeptos poderiam participar de quaisquer rituais, desde
que respeite sua colocação como médium doutrinador ou médium de incorporação,
porém, na prática, observamos outro caminhar. Entre os médiuns de incorporação
as diferenças eram mais tênues, sendo percebidas apenas através das narrativas
produzidas pelos adeptos, que hierarquizavam os “trabalhos” desenvolvidos
enquanto mais ou menos eficazes, e atribuíam tais graus de eficácia às
peculiaridades biográficas de cada médium. Buscamos sintetizar graficamente as
representações dos elementos que entram no grau de avaliação da eficácia
simbólico do “trabalho mediúnico”, baseado nas entrevistas realizadas com os
adeptos.
Se entre os médiuns de incorporação as diferenças eram mais nues e
perceptíveis apenas no nível dos discursos, no caso dos médiuns doutrinadores, as
108
diferenças são mais claras. Em todos os rituais realizados os médiuns doutrinadores
também participam, pois caberia a eles intermediar a relação de possessão, porém,
para ocupar tal posto - que é percebido com hierarquicamente superior em termos
de marcação social, o que implica numa atividade de maior valor de elo que as
demais - faz-se necessário que o médium possua um conhecimento da doutrina
mais refinado, o que normalmente está atrelado a uma maior quantidade de capital
cultural. Àqueles que não possuem um conhecimento tão aprofundado da doutrina,
normalmente, ficam responsáveis por atividades secundárias, como na parte da
recepção, do encaminhamento dos “pacientes” e da manutenção do equipamento de
som.
Em nossa análise, argumentamos que os elementos biográficos dos médiuns
são continuamente modelados e arranjados pelos mesmos, pautados em estratégias
de acumulação de capital simbólico, de modo que em nenhuma das entrevistas
encontramos sujeitos que se identificaram enquanto originários de credos de matriz
africanas, nas 20 entrevistas realizadas 14 declararam ter sua origem religiosa no
catolicismo, 4 no espiritismo, 1 no protestantismo e, 1 declarou não possuir religião
antes do ingresso no VDA.
Para que seus “trabalhos mediúnicos” possam ser entendidos enquanto
simbolicamente mais eficazes, os médiuns articulam suas biografias, enfatizam
aspectos que antecederam a ligação ao VDA e, situam-se num complexo jogo de
afastamentos e aproximações em relações a outros credos. Esta articulação se faz
necessária para que os demais adeptos percebam seus “trabalhos” como eficazes,
o que é possível quando o médium possui uma considerável quantia de capital
simbólico. Todo este jogo se direciona tendo em vista a acumulação de capital
social, como expusemos, somente quando os serviços o entendidos enquanto
dotados de uma alto grau de eficácia simbólica é que sua dádiva possuirá um alto
valor de elo.
Sendo a dádiva uma oferta obrigatória (voluntária) de algum serviço visando o
elo, devemos considerar que a dádiva tem valor contextual, cultural e
socialmente. Os colares e braceletes dos trobiandeses possuem valor não per se,
mas quando inseridos na totalidade simbólica significativa para os sujeitos e para a
coletividade. É o habitus dos indivíduos que permite o reconhecimento destes
109
colares e braceletes enquanto possuidores de determinado valor de elo, e é ainda
através deste habitus que se produzem hierarquias entre os diferentes tipos de
dádivas, situando-as enquanto possuidoras de maior ou menor valor de elo, a partir
dos elementos valorativos instituídos socialmente e das dinâmicas instauradas nos
diversos campos.
Tem mais valor aquilo que é doado por alguém possuidor de grande quantia
de capital simbólico. E que a dádiva nunca deixará de pertencer ao donatário
inicial, tal como seu doador, esta também possui grande valor (GODELIER, 1991).
Desse modo, quanto maior o capital simbólico do doador, maior será o valor de elo
atribuído pela coletividade e pelos indivíduos que recebem. Assim, estabelecem-se
elos mais ou menos duradouros e preciosos, que se transfiguram e se objetivam em
capital social, o qual também compreende o capital simbólico afinal, se a dádiva
implica retribuição, é interessante que seja ofertada a quem possa lhe retribuir com
igual ou maior valor do que o recebido, pois, assim, será capaz de gerar uma
acumulação mais eficaz de capital social.
Retomamos aqui a idéia de energia enquanto dádiva. Quem a recebe retribui
socialmente. De fato, a doação de um “serviço espiritual” tem como retribuição o
reconhecimento de quem o recebe. Este atesta sua eficácia e socializa a
informação com os demais. Desse modo, são construídas as narrativas dos sujeitos
sempre a partir do outro. No templo do VDA em Campina Grande, os sujeitos são
mais do que simples indivíduos, pois, , atrelado à eficácia dos serviços oferecidos e
sendo estes diretamente vinculados às trajetórias individuais, , são uma construção
social e simbólica. É devido a isso que a criação de dívidas se faz importante, para
se construir, faz-se necessária a abnegação, a entrega, entrega coletivamente
eficaz, capaz de gerar teias de sociabilidades. Doa-se energia em troca de
reconhecimento prestígio, entrega-se para o outro para que este outro possa
constituir o sujeito.
110
CAPÍTULO 3 PERTENCER, VIVENCIAR, SER: A CONSTITUIÇÃO DE UM
ESTILO DE VIDA NO VALE DO AMANHECER DE CAMPINA GRANDE
3.1. O SAGRADO E A CONSTITUIÇÃO DE UM ESTILO DE VIDA: O CASO DO
VALE DO AMANHECER DE CAMPINA GRANDE
Nos estudos de sociologia e antropologia da religião, mostra-se clara a idéia
de que o universo religioso é capaz de criar e recriar estilos de vida constituindo,
assim, um ethos particular a cada tipo de vivencia e experiência com o sagrado.
Weber, em sua obra mais conhecida, A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo (2005 [1920]) demonstrou como uma ética religiosa é capaz de produzir
efeitos sobre a vida “mundana” de seus seguidores. Para o autor, seu estudo não se
interessava pelos ensinamentos religiosos per se, mas sim “na influência de tais
sanções psicológicas, originadas nas crenças e práticas religiosas, que orientavam a
conduta prática dos indivíduos e assim os mantinham” (WEBER, 2005, p. 78).
A maior parte dos estudos sobre New Age desconsidera esta possibilidade
neste universo, apontando, sobretudo, para o que Leila Amaral (2000) chama de
“comunidades sem essência”, onde o ideal de comunidade é vivenciado apenas
naquele momento, no contato da experimentação do sagrado, logo se desfazendo
os laços assim que termina a sessão terapêutica, xamânica ou de qualquer outra
forma. Porém, como alertamos anteriormente, o universo New Age abarca uma
infinidade de possibilidades, sendo as “comunidades sem essência” apenas uma
delas. Argumentamos, neste sentido, que neste universo também a formação de
novos estilos de vida, em especial no que tange às novas formas de lidar com o
sagrado.
Siqueira (2003) afirma que “Os freqüentadores ou adeptos dos grupos
místico-esotéricos e um público mais ou menos religioso, consumidor de práticas e
de produtos não-convencionais ou alternativos, buscam um novo estilo de vida ou
uma melhor qualidade de vida” (SIQUEIRA, 2003, p. 108). Porém, como classificar
este novo estilo de vida? Considerando os dados obtidos em nossa pesquisa,
111
enfatizamos que esta formulação se direciona em prol de uma nova forma de lidar
com o sagrado marcado pela autonomia, que frisamos, mais uma vez, não equivale
a uma aleatoriedade na composição de práticas e crenças.
Na medida em que a religião e a religiosidade se deslocam para o domínio da
subjetividade, como apontado por Bittencourt Filho (2003), torna-se mais viável as
pretensões new agers de autonomia como ideal. Para Carozzi (1999) este
movimento apresentaria as seguintes características:
“[...] a absolutização da autonomia individual, a negação de toda influencia
do entorno sobre o sujeito, leva à elaboração de explicações sobrenaturais
como a postulação de uma ‘nova erapara as inegáveis coincidências e
semelhanças nas condutas e crenças daqueles que participam na ‘rede
alternativa’ e a postulação de um interior não socializado, sábio, sadio e
conectado energeticamente com o universo como motor das
transformações individuais. (...) Neste sentido, podemos falar na Nova Era
como a ala religiosa do macromovimento autonômico pós-sessentista”
(CAROZZI, 1999, p. 186-187)
Desse modo, entendemos que a forma New Age de lidar com o sagrado
marca-se pela autonomia e individualidade características da modernidade, porém,
esta não influenciaria da mesma forma a todos aqueles que experimentam esta
vivencia religiosa, o comportamento dos freqüentadores dista, em muitos pontos,
daqueles dos adeptos, em especial quando consideramos movimentos iniciáticos
como VDA. Nesta, a dinâmica instituída pela condição de freqüentador permite
maior liberdade na composição de cosmologias e de práticas, em relação aos
adeptos, porém, estes últimos, são mais livres do que os de outras religiões
“tradicionais” cristalizadas no campo religioso brasileiro, pois a liberdade de “ir e
vir”, no VDA é maior, uma vez que é fortemente marcada por uma dinâmica de
“destradicionalização” da sociedade brasileira.
Se aquela religião “herdada da família” traz consigo inúmeras implicações em
termos de obrigatoriedade do adepto para com o grupo religioso, aquela a qual se
adere posteriormente, é marcada pela liberdade de escolha, os vínculos assumidos
possuem um caráter eminetemente pessoal. A escolha de permanecer ou não
naquele credo, é do sujeito, diferentemente da situação anterior, a decisão de
desvincular-se da religião de sua família não tem grandes implicações sociais, como
no passado. O que não significa que não haja outras implicações, afinal, tornar-se
112
adepto de uma expressão religiosa implica a criação de novos vínculos sociais e
afetivos, e se estes, forem novamente desfeitos, certamente repercutirão no sujeito
e no grupo.
No que tange aos freqüentadores, a liberdade é quase total no que diz
respeito a sua composição religiosa. A esfera da subjetividade se sobrepõe em
relação às demais, porém, sempre intermediada por uma totalidade simbólica, na
qual articulam-se os conhecimentos e práticas adquiridas no DVA, a origem religiosa
do sujeito, bem como as crenças, práticas e técnicas variadas anteriormente
vivenciadas, de modo a compor um universo próprio.
Argumentamos que esta composição por parte de adeptos e dos
freqüentadores, apesar de ocorrer de modos diversos, obedecem a lógica imanente,
presente no campo. É nas disputas travadas no campo que se constitui a visão
legítima do mundo (BOURDIEU, 2006b), porém esta visão pode ser reproduzida ou
contestada a partir da posição que os sujeitos ocupam nesse campo, ao possuírem
menor quantia de capital simbólico, tendencialmente, buscam questionar esta visão
com fins a impor uma nova, porém, estas “visões de mundo” são sempre visões
parciais, pois é na posição ocupada pelos agentes nos diversos campos que
encontraremos a chave para a aceitação ou questionamento destas visões.
Consoante Bourdieu, no campo religioso, a religião institucionaliza busca
deslegitimar os movimentos emergentes, que se cristalizam normalmente na figura
do profeta. Porém no universo New Age, a figura do profeta pode ser difusa e por
vezes, de difícil identificação. No caso do VDA, Tia Neiva cumpre este papel, sendo
a mesma a empreendedora individual da salvação, que ao formular uma nova
expressão religiosa marcada por uma nova história cósmica e por novas profecias,
entra em disputa no campo simbólico, buscando ofertar novos bens de salvação.
A postura do VDA no campo religioso é um tanto ambígua, pois quando
pensado em relação à outras religiões institucinalizadas no campo religioso
brasileiro, sua postura se assemelha àquela do profeta, cabendo um movimento de
contestação e de oferta de novos bens espirituais de salvação. Na perspectiva dos
adeptos, se mostra como uma religião institucionalizada, pois apesar da liberdade e
por vezes da negação do termo religião, é recorrente a preferência por se auto-
denominar como doutrina, embora sem grandes diferenciações. Diríamos que em
113
termos práticos, a estrutura organizativa e hierárquica do VDA aponta para uma
vivência religiosa institucionalizada. Por fim, na perspectiva dos freqüentadores do
templo de Campina Grande, a relação instaurada é símile àquela com o mago,
limita-se à oferta de serviços espirituais. Esta última forma de relacionamento com o
Vale é a mais diferenciada. Alguns freqüentadores comparecem apenas
esporádicamente, outros com regularidade variável de dias ou semanas, podendo
ocorrer, inclusive, a adesão daqueles que buscam receber estes serviços
espirituais, os quais, depois de devidamente preparados passam a também oferta-
los.
É nesta dinâmica que o VDA busca constituir um novo estilo de vida para
seus adeptos, fundamentado em práticas simbólicas e morais. Neste sentido, a
ressocialização daqueles que se iniciam na doutrina se mostra fundamental, faz-se
necessário que os preceitos sejam compreendidos e vivenciados para que o sujeito
possa se integrar como membro do movimento.
Argumentamos que a participação no VDA, mesmo no caso do freqüentador
esporádico, implica uma modificação do habitus dos sujeitos. Estes são modificados,
na medida em que um deslocamento dos mesmos no campo religioso, ao
aderirem a uma religião que ocupa uma posição contestatória, em relação às
religiões cristãs. Se nas práticas religiosas anteriores destes da maioria destes
indivíduos a religiosidade é vivenciada pela coletividade visando o próprio sujeito, no
Vale, o fim é o ‘outro’ no sentido de que a dádiva em benefício do outro é a
condição sine qua non para atingir o aperfeiçoamento espiritual. Desse modo,
entregar-se ao outro, doar-se, abnegar-se torna-se parte essencial do processo de
ressocialização do sujeito.
Quando indagados se notaram diferenças em seus comportamentos depois
do ingresso no Vale, todos foram unânimes respondendo positivamente.
Sintetizamos na tabela abaixo as principais mudanças por eles relatadas.
Mudanças Número de Adeptos Percentagem
Sentiram-se mais generosos 9 45%
Sentiram-se mais calmos 4 20%
114
Largaram alguma forma de vício 3 15%
Tornaram-se mais espiritualizados
2 10%
Não conseguiu definir 1 5%
Não respondeu 1 5%
Total 20 100%
É interessante ressaltar que a generosidade foi apontada como principal
mudança percebida pelos adeptos. Em nosso entender, isso se deve,
principalmente, ao fato de que o foco do processo de ressocialização vivenciado no
Vale é através da oferta de serviços espirituais a terceiros, centrado numa prática
espiritual que tem com fim o bem do outro. Como discutimos anteriormente, esta
prática ganha significabilidade num universo no qual a compreensão da realidade
em termos espirituais e religiosos se dá a partir da perspectiva da totalidade.
Cruzando estes dados com aqueles referentes à origem religiosa dos
adeptos, constatamos que a maioria 18 dos entrevistados que declararam sentirem-
se mais generosos, 9 no total, são de origem religiosa católica 6 , espíritas 2 e
protestante 1. Entre aqueles que se declaram mais calmos 3 eram católicos e 1
espírita. Todos que os que abandonaram algum vício eram de origem religiosa
católica. Entre os que afirmaram terem-se tornado mais espiritualizado 1 não
possuía religião anterior e outro era católico. Aquele que não conseguiu definir, era
originalmente espírita e o que não respondeu era inicialmente católico.
Em decorrência do fato de que os adeptos de origem religiosa católica
constituírem a maioria, estes figuram em maior número em quase todas as
caterigorias de mudança declaradas. Contudo, o deixa de chamar atenção o fato
destes estarem-se sentindo mais generosos após o ingresso na doutrina do VDA.
Esse resultado não é apenas uma questão de quantidade, pois a tradição
cristã,seja ela católica, espírita, ou protestante, é recorrente, a idéia de que,
auxiliando o outro beneficiaremos ao todo e a nós próprios, seja através da
caridade, centrada na esmola, ou em obras assistenciais como no catolicismo, no
espiritismo e no protestantismo, ou, na oferta de serviços espirituais como no VDA e
no espiritismo. A diferença, é que o protestantismo é um credo marcado por uma
forte centralidade no individuo baseado na idéia de salvação. Sendo esta,
115
eminentemente pessoal, depende da aceitação do salvador e de uma vida ascética,
inteiramente dedicada à causa em todos os sentidos.
Argumentamos que a experiência mística do VDA de Campina Grande se
operacionaliza a partir da constituição de uma forma de vivenciar o sagrado,
marcada pela capacidade de formulação de cosmologias próprias e sincréticas,
operacinalizadas por um conjunto de técnicas que visam o desenvolvimento
espiritual a partir da ação para o outro - tendo este como fim -, sendo as mesmas
formuladas a partir de uma síntese entre elementos oriundos da religiosidade
popular e de diversas práticas retiradas do seu contexto original e utilizadas
performaticamente, como é recorrente no NA, todo esta dinâmica marcada por uma
maior fluidez que permite àquele que vivencia esta forma de lidar com o sagrado
maior liberdade na experiência mística.
A dádiva, encontra-se no âmago desta vivência religiosa, e é através da
ressocialização dos adeptos, legitimada numa profecia específica, que o Vale produz
um estilo de vida particular.
Partindo do modelo weberiano, teríamos que, as cinco grandes religiões
mundiais deram origem à duas profecias. São elas, a exemplar e a emissária, que
podem ser caracterizadas do seguinte modo:
“A primeira mostra o caminho pela vida exemplar, habitualmente por
uma vida contemplativa e apático-extática. A segunda dirige suas
exigências ao mundo em nome de um deus. Naturalmente, essas são
exigências éticas; e têm, com freqüência, um caráter ascético
predominante” (WEBER, 2002 [1915], p. 200)
No universo cosmológico do Vale do Amanhecer, encontramos um tipo de
profecia híbrida, uma vez que pode ser, em certo sentido, igualmente enquadrada
como exemplar bem como emissária ou (missionária).
Por um lado, a profecia do Vale é emissária, pois, centra-se na adoção de um
modelo de vida a ser seguido, seja do Pai Seta Branca num plano espiritual ou da
própria Tia Neiva num plano material e acredita que emissários de Deus um dia
retornarão à terra para resgatar os pecadores. Esta profecia, segundo Weber, exige
uma prática no e para o mundo. Por outro lado, seria também exemplar, no sentido
de que a responsabilidade por tudo o que acontece de bom e de ruim na vida de
uma pessoa é responsabilidade do próprio sujeito. Desse modo, cada um,
116
individualmente, deve assumir suas próprias dívidas e estas, serão expiadas através
de um aperfeiçoamento interno e de práticas de interiorização. Entretanto, ambas as
faces da profecia do Vale convergem em alguns pontos, seja no sentido do fim
almejado, que é a preparação de toda a humanidade para o terceiro milênio e
posteriormente para a “volta” ao planeta “Capela”, seja no sentido de que tanto o
comportamento exemplar quanto ético se direcionam para o outro como fim, tendo a
dádiva como fio condutor.
Weber ressalta, ainda, que “na profecia missionária, os devotos o se
consideram como vasos do divino, mas antes como instrumentos de um deus” (Op.
cit, p. 201). No Vale, ambas as atitudes estão presentes, pois enquanto vasos do
divino consideram-se portadores de energia, portanto, devem auxiliar os outros
quando necessário, seja transmitindo energia, seja em seu processo de
aperfeiçoamento individual. No Vale, os comportamentos exemplar e ético estão
acoplados, e desse modo constroem um novo estilo de vida para os adeptos. A
“errância” apontada por Amaral (1999), lugar a uma busca espiritual centrada
numa nova forma de vivenciar o sagrado, ao menos para aqueles que são adeptos,
constitui um novo habitus para o sujeito, uma nova forma de percepção e de
vivencia do sagrado que se torna significativo a partir da miríade de dádivas
acionadas entre os diversos agentes que dele participam.
3.2. DINÂMICAS CULTURAIS NO CAMPO RELIGIOSO: DISPUTAS E UNIDADE
NA REINVENÇÃO DO VALE DO AMANHECER DE CAMPINA GRANDE
Neste momento, nos centramos na análise das dinâmicas culturais no templo
do VDA Campina Grande, situando-o tanto em relação ao contexto do VDA nacional,
bem como no campo religioso brasileiro. Nosso objetivo é verificar de que modo se
articulam os diversos campos e como estas dinâmicas são vivenciadas pelos
adeptos locais, destacando, sobretudo as continuidades e rupturas na relação entre
o local e o nacional.
117
No decorrer de nossa pesquisa, percebemos que uma “tensão”
estabelecida entre a dinâmica do templo do VDA em Campina Grande e o
movimento nacional.
Argumentamos que em cada campo, “micro-campos” relativamente
autônomos, marcados por disputas e por uma lógica própria. Nesse sentido, os
diversos templos do VDA espalhados pelo Brasil e pelo mundo, se marcam
enquanto agentes relativamente autônomos, e como tal, entram no complexo jogo
de disputas simbólicas guiados pelo senso prático dos sujeitos, visando a mudança
ou simplesmente, a manutenção posicional.
Com efeito, se por um lado, o VDA Campina Grande se dinamiza no campo
religioso brasileiro através de estratégias de busca de acumulação de capital
simbólico articulado ao movimento nacional, por outro, observa-se a formação de um
campo relativamente autônomo marcado por disputas e por uma lógica própria.
O primeiro templo do VDA, na cidade de Brasília, se coloca enquanto
detentor da maior quantia de capital simbólico do movimento e, enquanto tal, visa
manter sua posição do campo, lançando mão da violência simbólica.
Consoante Bourdieu (2005), o Estado, através da expedição de títulos, exerce
seu monopólio da violência simbólica. Aplicando esse raciocínio ao campo religioso,
verificamos que tal qual o Estado, o VDA de Brasília exerce seu “monopólio” a nível
nacional, pois, ainda que existam templos iniciáticos espalhados pelo Brasil, tal
iniciação é válida quando reconhecida pelo templo sede (ou templo mãe como os
adeptos a ele se referenciam). O monopólio exercido pelo templo sede no processo
de reconhecimento do ingresso na doutrina é, possivelmente, o meio mais eficaz de
violência simbólica utilizado, porém, não é o único, pois é também desse templo que
partem as determinações em relação às indumentárias, à construção de templos,
hinários, etc.
Em decorrência de estarmos lidando com algo que ocorre na esfera do
sagrado, os processos de legitimação dos discursos, utilizados como instrumentos
de violência simbólica no VDA, se apresentam de modo sui generis, afinal, as
ordens não seriam produzidas neste mundo, porém no outro. Controlar o modo
como indumentárias, rituais, hinos e templos devem ser configurados, por exemplo,
não seria atributo da “esfera terrena”, mas, quando o faz, há uma defesa discursiva,
118
de que apenas está se limitando a uma reprodução do que no “outro mundo”.
Porém, o sagrado é produzido e gerido no plano terreno, e são as dinâmicas sociais
que animam o mágico, o religioso, o sagrado, o transcendental, são os homens, que
por mais que se considerem reflexos dos deuses, são máquinas produtoras de
deuses, como colocou Bastide (2006).
Nesse sentido, devemos buscar a compreensão do sagrado não per se, mas
inserido em complexas teias sociais e culturais. Não à toa, Weber (1999) distingue a
religiosidade vivenciada pelas camadas positivamente privilegiadas, daquela, das
camadas negativamente privilegiadas. Ele mostra que, as aspirações e profecias
são distintas nas diferentes classes. As camadas positivamente privilegiadas tendem
a se centrar em profecias que legitimem a sua posição nesta e na próxima vida, ao
passo que aquelas negativamente privilegiadas, buscam aliviar o seu sofrimento
seja nesta ou na próxima vida.
Buscamos, assim, compreender a lógica imanente das dinâmicas culturais
existentes no VDA. O templo de Brasília assume posições e, produz discursos,
visando a sua legitimação e manutenção posicional. Tudo que é produzido e criado
deve obedecer aos designios do templo mãe, sendo deslegítimo o que se produz
fora desse discurso de autoridade. Porém, dada a complexidade do fenômeno,
sempre há uma margem de possibilidades posta aos indivíduos.
Em contraposição ao autoritarismo da produção discursiva por parte do
templo mãe, a ‘filial’ de Campina Grande lança mão de estratégias com o objetivo
de mudar sua situação posicional. Pois, malgrado à pequena margem de que
dispõem, os adeptos locais modelam seu próprio discurso de modo a atingir seus
fins. O jogo se num movimento de proximidade e alteridade com o templo de
Brasília. Por um lado, aproximam-se do discurso estabelecido pelo templo mãe, de
modo a garantir sua legitimidade dentro do movimento, por outro, afastam-se do
mesmo, buscando a configuração de uma singularidade.
Como havíamos posto, de Brasília que partem as instruções relativas às
indumentárias, hinos, construções do templo, rituais etc, porém, sempre uma
margem de possibilidades postas, afinal, mesmo obedecendo a ordem fixa para a
construção do templo, pode-se adaptatá-lo ao espaço físico disponível.
119
No caso das indumentárias, a questão se mostra mais clara, nas imagens que
temos do templo de Brasília, percebe-se a presença recorrente das chamadas
“Ninfas”, que se caracterizam pela utilização de muito brilho, strass e cores em suas
indumentárias, porém, no templo de Campina Grande estas indumentárias são
pouco recorrentes, sendo mais comum a utilização de roupas mais discretas, menos
coloridas, mais conservadoras por assim dizer. Em nossas entrevistas, quando
indagamos sobre o porquê da utilização deste tipo de indumentária, a explicação
apresentada pelos adeptos se referia a à idéia de gosto, porém, sabemos que este
não é inato, muito pelo contrário, é constituído socialmente, logo estas opções
transparecem nas dinâmicas do campo religioso de Campina Grande e do
Nordeste, de modo geral.
Nesse sentido recorremos a Bourdieu (2007a) acerca do não inatismo do
senso estético.
“[..] a disposição estética é a dimensão de uma relação distante e segura
com o mundo e com os outros que pressupõe a segurança e a distância
objetivas; a manifestação do sistema de disposições que produzem os
condicionamentos sociais associados a uma classe particular de condições
de existência quando eles assumem a forma paradoxal da maior liberdade
concebível, em determinado momento, em relação às restrições da
necessidade econômica . No entanto, ela é, também a expressão distintiva
de uma posição privilegiada no espaço social, cujo valor distintivo
determina-se objetivamente na relação com expressões engendradas a
partir de condições diferentes.” (BOURDIEU, 2007a, p. 56)
Desse modo, o gosto que leva as adeptas, em especial, a não escolherem as
indumentárias das “Ninfas”, não reflete apenas uma escolha individual, mas sim, o
que seu habitus, pois embora a esfera da subjetividade exista, esta pode ser
operacionalizada a partir de um sistema simbólico significativo. Os sujeitos, ao se
inserirem na experiência mística do VDA, modificam seu habitus, pois esta é uma
categoria dinâmica que se modela de acordo com os percursos nos diversos
campos. O habitus, neste sentido, operacionaliza a dinâmica vivenciada no VDA de
Campina Grande, permitindo a vivência esotérica.
Ao demostrarem um “gosto” específico por determinadas indumentárias e, por
determinados hinos e rituais o que implica na construção de certos espaço do
templo e não de outros, já que cada espaço é construído para um ritual específico
os adeptos do templo de Campinas Grande marcam-se socialmente em relação aos
demais templos, por um lado, fazendo escolhas de acordo com suas preferência
120
dentre as opções oferecidas, e assim, legitimando-se no movimento e por outro,
distinguindo-se.
Ainda segundo Bourdieu em relação ao senso estético:
“Como toda a espécie de gosto, ela une e separa: sendo o produto dos
condicionamentos associados a uma classe particular de condições de
existência, ela une todos aqueles que são o produto de condições
semelhantes, mas distinguindo-os de todos os outros e a partir daquilo que
têm de mais essencial, já que o gosto é princípio de tudo o que se tem,
pessoas e coisas, e de tudo o que é para os outros, daquilo que serve de
base para se classificar a si mesmo e pelo qual se é classificado” (Op. Cit)
Em nosso entender, neste processo de configuração de “gostos” está imbuído
um complexo jogo de disputas simbólicas. Ao buscar dentro do seu campo de
possibilidades uma marcação identitária própria, o VDA de Campina Grande ao
mesmo tempo em que reproduz as regras dos jogos, abre novos espaços em
direção a uma guinada posicional.
A construção estético-estilística e a escolha de hinos e rituais demarcam sua
peculiaridade neste campo de disputas.
Temos, portanto, que o VDA de Campina Grande por um lado reproduz e
reforça a própria estrutura do VDA em nível nacional e por outro, a enfrenta,
dinamizando a estrutura, ao buscar uma marcação identitária própria que se
manifesta através dos “gostos” que são postos discursivamente enquanto inatos,
porém constituídos a partir das diversas disputas. Portanto, a singularidade do VDA,
se guia por uma postura heterodoxa, que visa galgar maior liberdade e mais capital
simbólico, para além do “microcampo”. Nestas disputas, as práticas são o vetor
através do qual as escolhas são concretizadas e reveladas.
3.3. NEW AGE POPULAR: UMA NOVA SÍNTESE
Argumentamos que o VDA se insere no movimento New Age de modo
singular, configurando o que denominamos New Age Popular, que vem a ser uma
nova releitura, a partir de um contexto social próprio, de práticas e de tradições
121
culturais originadas no Brasil e no exterior - entre as quais, a umbanda, elementos
da religiosidade popular, o espiritismo kardecista e, o catolicismo popular,
principalmente - nos moldes típicos da New Age, que recria aspectos culturais
como os rituais, principalmente os de possessão, das religiões populares no Brasil,
além do aspecto estético – , que até então, não haviam sido enfatizados pelo
movimento.
Tendo em vista que o processo de produção dos discursos New Age se deu
nos contextos europeu e norte-americano, produzidos principalmente por indivíduos
oriundos das classes média/classe e média alta, e que no VDA, a maior parte dos
adeptos, são oriundos das camadas populares, (Cavalcante, 2000) que o
reinventaram e reinterpretaram, de modo a que estes compusessem um “todo
significativo” e em assim fazendo introduzem no universo NA características das
chamadas religiões populares brasileiras, consideramos apropriado nomeá-la de
New Age Popular, uma vez que a categoria New Age se mostra-se insuficiente para
designa-la. Com efeito, embora o discurso e os modos de abordagem da realidade
NA estejam claramente presentes no VDA, as noções estéticas, e valorativas em
termos culturais mostram-se bastante diversas. O exemplo mais evidente da
diversidade entre a NA e a NAP é adoção e valoração dos elementos oriundos da
umbanda, ainda que nesta, apareçam ressignificados.
Antes de prosseguir, frisamos, mais uma vez, que o termo popular aqui não
se remete à clássica oposição “popular versus erudito” no sentido de
“inferiorioridade versus superiorioridade” - mas ao fato de que estamos lidando com
uma disputa simbólica que resultou numa releitura que “democratiza” duplamente
idéias e práticas difundidas pelo movimento NA no Brasil.
Com referência à popularização da NA, poderíamos dizer, com base em Silva
(1989/2000) que a NAP apenas ampliou um processo iniciado pela própria NA. De
acordo com a referida autora, a NA contém em si o germen da “democratização”
(popularização) desde o início, ela própria teria deslanchado o processo (SILVA,
1989: p. 665 (retomado em 2000: pp. 76, 114 -141).
Com efeito, no caso do VDA, por um lado, favorece a inserção de indivíduos
oriundos de camadas menos instruídas em um movimento originalmente circunscrito
às camadas mais intelectualizadas da população mundial. Por outro, enriquece o
122
MNA, ao inserir tradições originalmente brasileiras até então repudiadas por grande
parte de pessoas oriundas das camadas intelectualizadas da população brasileira,
facultando o acesso a estas, a grupos que até então não tinham sido inseridos na
NA.
Argumentamos, neste sentido, que tal inserção se a partir da reelaboração
dos discursos de práticas NA, de modo a torna-los reconhecíveis e simbolicamente
eficazes para as camadas mais populares, ao inserir elementos significativos em
especial elementos rituais e visuais – das expressões de religiosidades populares.
Para situar o VDA no contexto New Age basear-nos-emos em Medeiros
(1998), o qual elenca as principais características que nos permite considerar o
VDA como um dos partícipe deste movimento. De acordo com o referido autor, as
principais características presentes no VDA e na NA são:
Exigência de transformação, de mudança ao nível individual e coletivo, como
preparação para uma Nova Era.
UM otimismo radical que acredita que a humanidade está sendo introduzida
numa convivência baseada na harmonia, respeito às pessoas, ao planeta Terra.
O movimento é desculpabilizador: isto é, tende a retirar as culpas pessoais,
atribuindo-as a agentes externos, sejam terrestres, sejam de outros mundos, sejam
agentes do plano espiritual.
A existência de constantes desterritorializações sígnicas e simbólicas:
reordenam, transferem e reinterpretam os significados dos símbolos religiosos.
A convicção de que a mente, o corpo e o espírito devem estar preparados para
a passagem para a Era de Aquário.
Enfatizamos, porém que a New Age Popular é uma proposta de síntese
inteiramente original. De acordo com Magnani (2006) o New Age no Brasil possuiu,
em princípio, uma característica muito mais universal que local, de modo que:
123
“[...] muito mais freqüentes eram as referências aos índios das planícies
norte-americanas, a Castañeda, aos incas, ao xamanismo siberiano isso
para não falar no esoterismo europeu, das filosofias orientais, dos cultos
místicos das Antiguidade Clássica, da tradição wicca, do paganismo celta,
etc” (MAGNANI, 2006, p. ,171)
No VDA percebemos a presença destes elementos, porém, além destes,
outros vêm à tona. O Pai Seta Branca, por exemplo, apesar de ser retratado com
indumentárias semelhante às utilizadas pelos os índios americanos, em especial,
aquelas que aparecem nos de filmes de Faroeste, é apresentado como sendo um
Tupinambá, que em uma de suas encarnações teria sido São Francisco de Assis,
conhecido santo católico de devoção popular em nosso país.
O VDA, portanto, inova, ao propor uma síntese entre os signos modelados
pelo movimento New Age com elementos oriundos das religiões populares
brasileiras. Em nosso entender, esta proposta de síntese se faz necessária
enquanto instrumento de legitimação do movimento, uma vez que opera através de
signos que configuram a vivência dos sujeitos pertencentes aos referidos extratos.
Para Brandão (2007):
“Como os sistemas sociais e simbólicos do sagrado fazem parte do próprio
miolo das identidades da classe, seus nomes estão presentes na ideologia
teórica e nos repertórios cotidianos de regras de conduta dos subalternos
como preceitos próprios e impostos e como preceitos internos e externos ao
âmbito das relações da própria classe” (BRANDÃO, 2007, p. 472)
Argumentamos que, na medida em que os signos vivenciados nas
expressões de religiosidade popular constituem o próprio miolo das identidades de
classes, para aqueles que nela se encontram imersos, a recorrência a estes, pode
funcionar como uma eficaz estratégia de legitimação.
Nesse sentido, qualquer expressão religiosa pode ser eficaz na medida em
que é reconhecida pelos sujeitos como parte do de seu habitus enquanto religião
legítima. Nesse sentido, o VDA propõem uma nova síntese que de certo modo,
deslegitima ao mesmo tempo em que se apropria dos signos da religiosidade
popular. Por um lado, se nas religiões populares os seus sacerdotes “não dominam
um saber estranho” (Ibidem, p. 146), no VDA este saber é manipulado de modo a
124
torná-lo estranho, não nega-se a eficácia das rezas oferecidas pelas benzendeiras,
dos passes ofertados em centros espíritas, das orações católicas, porém, é posto
que foi através da revelação recebida por Tia Neiva que eles puderam ter acesso ao
domínio correto desses elementos, destes bens de salvação.
Bourdieu (2004b) nos elucida que o profeta, ao entrar no jogo disputas,
busca deslegitimar os bens de salvação ofertados e, oferecer novos, porém estes
novos não são, por vezes, mais que releituras de bens ofertados anteriormente
por outro credo institucionalizado, ou não, inclusive por bens ofertados pela figura
típico-ideal do mago, no qual poderíamos enquadrar as benzendeiras. Os bens de
salvação são deslegitimados não em sua essência, mas pelo contexto no qual se
inserem. Ao serem retirados de seu contexto original, ganham novos significados, e
do mesmo modo, são também sincretizados por signos mundiais desterritorializados.
Na síntese elaborada pelo VDA, signos que até então não haviam ganho
força junto ao movimento New Age, reemergem de maneira sempre plural. Assim é
que, nesta complexa elaboração cultural, São Francisco de Assis figura num ciclo
cármico de encarnações, como na tradição hindu, tendo sido antes um ser
extraterrestre e, novamente encarnando como um índio que comunica-se com uma
médium, visando preparar a humanidade para o terceiro milênio. Na construção
cultural do VDA, tal narrativa ganha significado coerente tanto em termos globais
como individuais. No primeiro caso, como parte da profecia que alimenta, no
segundo, é capaz de dar sentido às experiências individuais, vivenciadas pelos
sujeitos, compondo e rearranjando as construções cosmológicas e identitárias de
adeptos e freqüentadores do templo de Campina Grande.
O New Age Popular distingue-se da New Age tal como se apresenta na
Europa e Estados Unidos e, como se apresentou no Brasil inicialmente, não apenas
pela proposta de síntese que incorpora signos da religiosidade popular, é que nesta,
estes elementos ganham centralidade, em especial no que tange aos cultos afro-
brasileiros, só recentemente introduzido no movimento.
que se enfatizar ainda, que na New Age Popular, a instituição ganha
maior relevância, enquanto no movimento New Age de modo geral, a centralidade é
no indivíduo, na esfera da subjetividade, apesar de também haver espaços
institucionalizados. A diferença, é que na New Age Popular, a instituição e a
125
comunidade são basilares para o movimento, os ritos, os signos, os nticos, tudo é
legitimado por uma expressão religiosa que é essencialmente institucional, embora
que não se apresente assim oficialmente, inclusive, rejeita ser denominada religião,
optando pelo termo doutrina. Contudo, diferentemente da maioria dos movimentos
carcterísticos da NA, exige exclusividade de seus adeptos centrando-se na idéia de
conversão e de obediência hierárquica , etc.
Por fim, a última especificidade do VDA que gostaríamos de assinalar se
no âmbito da construção estilística. Considerando que os campos constituem
espaços de disputas por legitimação e que esta inclui gostos e idéias, e que estas,
refletem a classe social à qual se referencia, no universo New Age, as construções
estéticas refletem a percepção de mundo das classes médias, seu público
majoritário, (MARTINS, 1999) guiando-se pelo que é considerado “de bom gosto”,
“clean”, ao contrário daquelas do VDA, cuja construção visual se referencia nas
camadas populares, profundamente marcadas pela profusão de elementos, cores e
muito brilho.
Com efeito, ao construir o universo mágico do VDA, Tia Neiva, provavelmente
teria sido influenciada pelo que estava circunscrito em seu habitus, o que
possivelmente explica a valorização do brilho, do colorido, uma construção visual
bastante valorizada por camadas populares. Nesse sentido, argumentamos que
outra importante característica da New Age Popular que a distingue do modelo New
Age, é justamente esta valorização estética de gostos típicos das camadas
populares.
Por outro lado, a escolha da composição visual do universo do VDA pode
funcionar também como uma estratégia de legitimação no campo religioso, na
medida em que identidade ao movimento. De fato, observamos que o templo do
VDA de Campina Grande realiza escolhas visuais que visam legitimar o movimento
no âmbito local, pois operacionalizam escolhas que refletem os gostos e
preferências incorporadas nos habitus dos seus praticantes. Na composição deste
universo religioso, escolhem-se e modelam-se os signos que podem ser
reconhecidos pelos habitus dos adeptos. Entre os inúmeros signos disponíveis, são
escolhidos aqueles simbolicamente mais eficazes para determinado habitus. Este
processo de escolha e modelação de signos se dá a partir de estratégias de
126
legitimação movidas pelo senso prático dos agentes no campo, o que lhes permite
agir de maneira adequada e em consonância com as regras do jogo incorporadas
nos campos (BOURDIEU, 2007b, p. 169).
A partir de uma vivência social inventa-se o místico, o sagrado, o eterno. Com
efeito, os homens e suas invenções criam, recriam, arranjam e modificam o mundo,
no universo New Age o poderia ser diferente. O VDA enquanto nova expressão
religiosa da NA, compõem um contexto específico que denominamos New Age
Popular, no qual, instituiu uma forma totalmente inusitada de lidar com o sagrado.
Talvez, um “sagrado selvagem”, como diria Roger Bastide (2006) ou mesmo um
“sagrado mágico”, em resposta a uma sociedade desprovida de encantos, onde a
dura realidade pesa demasiadamente no ombro dos desvalidos de direito e de
oportunidades. Mais que isso, promove uma síntese audaciosa, onde elementos e
leituras do esoterismo europeu, do kardecismo, das religiões orientais, da umbanda,
do catolicismo, entre outras matrizes culturais diversas formam uma eferverscência
religiosa única, complexa e pulsante.
Bastide (2001) enfatiza que: “[...] em planos diferentes do real, são
encontradas as mesmas entidades. Os orixás, os Exus e os erês existem fora de
nós, constituindo o mundo divino, e ao mesmo tempo dentro de nós, constituindo
parte de nossa estrutura interna (...) O sagrado é ao mesmo tempo transcendente e
imanente” (BASTIDE, 2001, p. 244).
Temos, portanto, que o sagrado pulsa, salta aos olhos, porém, inseridos nas
teias que nós construímos e incorporamos. Guia-nos através da realidade social
para criar nossos universos, e estes, se apresentam enquanto respostas para as
nossas perguntas. Para além do plano da subjetividade, disputamos simbolicamente
nossa existência, nossa visão de mundo, pois somos, por excelência, aquilo que
conseguimos ver. A New Age Popular é uma destas visões de mundo, uma
construção sobre o real, uma construção do divino, do sagrado, do imaginário, de
nosso universo de representações e práticas sem finitude.
A New Age aflora como uma nova forma de lidar com o sagrado, uma forma
mais fluída, capaz de arranjar signos diversos retirados de seu contexto original
visando a fins específicos. Nesta nova forma de lidar com o sagrado brotou a New
Age Popular, oriunda de uma reapropriação dos discursos new agers, a partir de um
127
código social específico, revelando uma nova visão de mundo, uma nova proposta
de síntese, convergência entre o novo e aquilo o que de mais cristalizado na
devoção popular brasileira. Esta proposta, como visão de mundo legitimada, reflete
os anseios, perguntas e respostas de um grupo social específico, cujo core,
encontra-se na esfera mais profunda da subjetividade humana, permeada pela
totalidade social e imersa na imensidade simbólica.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nosso estudo de caso no templo da cidade de Campina Grande,
analisamos como as dinâmicas e práticas culturais vivenciadas neste núcleo do VDA
questionam e reinventam a estrutura posta em nível nacional pelo templo mãe,
configurando uma realidade sui generis, que ao mesmo tempo em que delimita seu
próprio espaço no campo religioso, reafirma a estrutura anteriormente posta, pela
matriz, pois, em assim fazendo, reforça o discurso do templo e, legitima sua
crença a nível macro e assim, reforça sua própria identidade. Ao reproduzir os
fundamentos e os rituais dentro das possibilidades de escolha que estes lhes
facultam, escolhem quais destes serão reproduzidos, criando, assim, uma identidade
local própria.
Desse modo, o Vale do Amanhecer demonstra plasticidade e inventividade ao
lidar com o sagrado e isto é possível numa situação de grande liberdade
religiosa. Para além de um processo de bricolagem, a VDA criou uma síntese
original, um universo místico religioso único, no qual os mais diversos elementos
religiosos e culturais são modelados e reinventado nas cosmologias e práticas,
individuais e coletivas dos sujeitos que experenciam o sagrado neste movimento.
Nesse sentido, as técnicas possuem centralidade, pois na sua prática, o elo
social é como que ‘repactuado’. Essa repactuação se em três diferentes níveis;
entre os adeptos e as entidades, entre aqueles e os visitantes, e entre os próprios
adeptos. A referida repactuação se faz possível, através da dinâmica do dom, que,
ao contrário do misticismo analisado por Silva (2000) permite aos não iniciados a
prática da vivência do sagrado no interior do templo, fato que aponta para o que esta
denominou de “democratização do êxtase místico”.
A NA permite que a prática mística possa ser experimentada pelos não
inciados, democratizando, assim, o êxtase místico. O processo se deu, inicialmente,
nas classes médias e dias altas. No Brasil, ao ser apropriada por algumas
camadas oriundas das classes populares, a New Age Popular viabiliza a ampliação
deste processo. Sujeitos que podem acessar o êxtase místico, não apenas por
ofertar gratuitamente seus serviços pois muitos outros movimentos religiosos
129
também o fazem mas principalmente, por, ofertar serviços reconhecíveis e
decodificáveis pelo habitus dos sujeitos oriundos das camadas mais populares.
Em nosso processo de pesquisa, a formulação da categoria teórico-analítica
New Age Popular pode representar um dos nossos principais avanços no estudo da
questão, porque permite delimitar o movimento no contexto NA em sua
singularidade, se considerarmos que esta, ao propor uma nova síntese místico-
esotérica, se insere no movimento New Age de modo idiossincrático, no qual os
discursos new agers se singularizam a partir das realidades religiosa e cultural
brasileiras agregando elementos das expressões populares.
Neste sentido, a New Age Popular permite que a vivência do místico ganhe
novos rumos no Brasil, torne-se decodificável por outros habitus, para além das
classes médias/médias-altas. Sua vivência sincrética e fluída formula uma nova
proposta de vivência do sagrado, na qual os credos populares legitimam as
experiências e dão a estas eficácia simbólica. Para além do circuito “neo-esô”
apontado por Magnani (1999), a NAP mostra-se enquanto mais uma opção, que se
diferencia pela modelação de signos direcionados a um novo público oriundo das
camadas populares.
As práticas místicas neste contexto, permitem a formulação de cosmologias
próprias, através da utilização performática dos mais diversos elementos religiosos e
culturais, que ganham novos significados quando vivenciados no VDA, sendo
rearranjados ao lado de novas práticas. Desse modo, uma nova forma de lidar com
o sagrado emerge, através de uma nova proposta de síntese.
Na New Age Popular, por um lado, a prática New Age torna-se decodificável,
ao agregar elementos da religiosidade popular, por outro, estes elementos ganham
um novo fôlego ao serem sincretizados com o êxtase místico.
As preocupações dos adeptos do VDA de Campina Grande não se centram
apenas nas questões apocalípticas, numa espera pelo fim dos tempos, quando viria
um julgamento sobre os humanos, mas, também, na preparação individual e coletiva
para um novo tempo sem dor e sem sofrimento, que emergiria no terceiro milênio.
As técnicas que teriam vindo dos “planos espirituais superiores” cumpririam este
papel, preparam o indivíduo, habilitando-o a instruir outras pessoas no mesmo
caminho. Práticas estas, recorrente no universo NA.
130
Em nossa pesquisa adentramos numa realidade culturalmente densa, repleta
de símbolos e de rituais. Buscamos, no decorrer deste trabalho, descrever e
analisar as dinâmicas culturais vivenciadas neste movimento religioso, as quais
envolvem processos extremamente complexos que exigem estratégias inteligentes
apropriadas, através das quais são modelados os discursos visando por um lado,
legitimidade no campo religioso, e por outro, ao reconhecimento partir de
determinado habitus.
Ansiamos dar continuidade à nossa pesquisa posteriormente em nível de
doutorado, o que nos permitirá maior grau de aprofundamento nas questões postas
e, o levantamento de novas. Considerando que o nosso objeto de pesquisa
apresenta altos graus de complexidade e de elaboração cultural, podemos lançar
uma infinidade de olhares sobre o seu universo, almejamos com isso colaborar com
o nosso campo de estudos tanto na área de sociologia como de antropologia da
religião, em especial no que se refere ao estudo dos novos movimentos religiosos.
O universo das práticas religiosas é o universo da inventividade humana, da
capacidade criativa a partir de suas angustias e aspirações. A esfera da
subjetividade aflora de modo factual, construindo e reconstruindo o místico, o
religioso e o mágico. No VDA esta construção chega ao seu “ápice” constituindo o
universo religioso mais complexo que já se teve notícia.
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PUBLICAÇÕES DO VALE DO AMANHECER
ÁLVARES, Bálsamo. Tia Neiva – Autobiografia Missionária. Brasília: s/n, 1992.
SASSI, Mário. O que é Vale do Amanhecer?. Brasília: s/n, 1994.
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