Enfim, em meio aos devaneios de Matamoros, surge uma nova
personagem chamada Simeona A Burra, assim chamada porque vende água
montada em uma burra. No entanto, Simeona é exatamente o oposto da burra
– ela vê além do que os outros vêem, sabe mais do que os comuns. Tinha
fama de falar com mortos, com anjos, de fazer milagres. Assim, Matamoros foi
pedir-lhe ajuda quanto aos seus impasses e dúvidas. Essa personagem fará
uma revelação importantíssima. Assim dizia Simeona,
Mãe do Senhor, é belo como o corpo de Deus, maravilha rara,
que perfume na terra me vem desta cara, [...] que olhos de
pedra escura de ágata, que pele cor sem nome como se
misturasses o café bronze, escuta-me Maria, é homem-anjo,
nem deves tocá-lo [...] com esta boca três mil vezes bendita te
digo que é beleza excessiva para tomares posse, que hão de
amá-lo todas as mulheres porque não é homem de carne, é
pensamento-corpo sonhado por um homem de outras terras,
homem que deseja formosura de alma porque tem vida de
penumbra tediosa, ai Maria, vives com alguém feito de matéria
nova, com alguém que existe dentro de uma cabeça que tem
fome de muita beleza, cabeça que se ocuparia de letras, que
não pôde usá-las por fraqueza.[...]sei que pode construir
fantasmas de vento, de saliva, de nuvem até, mas não
conhecia o poder de transformar o pensado em grande
maravilha, pobre homem que vive tão triste e isolado.
quem?
a homem que criou teu anjo-companheiro
anjo nenhum, Simeona, já te disse que tem carne de homem,
e eu repito que não, e mais te digo: o nome que lhe deu esse
pobre-rico-coitado é nome de longe de nós, sílaba martelada e
depois nome de Deus, TADEUS, chamou-o assim porque
desse nome tem nome parecido, quer a vida que o anjo tem,
sonha com liberdades, com terras, animais, é mais raiz de
planta do que carne, liberdade de funduras é o que o outro
pretende sem poder, vive uma vida de enganos, cercado de
poeiras de matéria, tem mulher enfeitada de vidrilhos
brilhantes, tem um lago na casa [..] a vida desse outro é toda
como se fosse pintada, entendes? Não é matéria viva. E tanto
deseja viver vida de nossa gente, tanto lá por dentro a nós se
assemelha que deu forma pulsante e muito ilícita, (porque
poderes assim só os tem Deus) deu forma, Maria, ao que
sempre viveu no informe, no desejo. (HILST, 2004, p.88-90)
Nesse momento, a obra parece estar contrariando um “sistema de
respostas” buscado pelo leitor; o inesperado é lançado como explicação para