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Esse decreto demonstra o seguinte: os espartanos se indignaram com Timóteo de
Mileto porque, ao introduzir uma música mais complicada na mente das crianças, as qua
is
acolheu para educar, estragava-as e as afastava da medida da virtude; também se indignaram
porque ele havia trocado a harmonia
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, que recebera simples, pelo gênero cromático, que é
mais efeminado. Tão grande era entre eles a preocupação com a música, que acreditavam que
inclusive os ânimos eram governados por ela.
Com efeito, é conhecimento comum que frequentemente uma canção refreou iras, e
que muitas maravilhas fez nas disposições dos corpos e das almas. Quem desconhece que
Pitágoras, cantando um espondeu, tornou mais sossegado e dono de si um jovem ébrio de
Taormina, que havia se excitado pelo som do modo frígio
19
? Nessa ocasião, uma prostituta
havia se trancado na casa de um rival e o jovem, furioso, queria incendiar a casa. Pitágoras,
segundo seu cost
ume, estava examinando o curso noturno das estrelas e, quando percebeu que
o jovem, incitado pelo som do modo frígio, mesmo com muitos conselhos dos amigos
não
queria desistir de seu feito, ordenou trocar o modo e, assim, aplacou o ânimo do jovem
enfurecid
o até um estado de mente muito pacífico
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.
Certamente, Marco Túlio, no livro De consiliis suis, recorda isso de outro modo,
como se segue:
podem ser observados ainda nos manuscritos mais antigos, que datam do século IX d.C, e o que sucedeu foi erro
em cima de erro. Bower (1989, p. 186-188), apresenta uma reconstrução do texto à forma que possivelmente
seria a original grega. A tradução que será apresentada a seguir apoiou-se nas apresentadas por Guillén (2005. P.
26) e Burguess (apud Bower, 1989, p. 188): Como Timóteo de Mileto, vindo para a nossa cidade, desonrou a
música antiga e, rejeitando a melodia da lira de sete cordas, corrompeu os ouvidos dos jovens através da
introdução de uma variedade de sons; como, com o aumento das cordas e com a inovação na melodia, tornava a
música efeminada e complexa ao invés de simples e uniforme (ao compor sua melodia no gênero cromático no
lugar do enarmônico, usando a variação antistrófica); e como, convidado ao Festival de Eleusis em honra de
Deméter, compôs um poema impróprio para a ocasião (que descrevia aos nossos jovens as dores de Sêmele no
nascimento de Baco, sem a devida reverência e decoro); por tudo isso fica resolvido que os Reis e os Éforos
devem censurar Timóteo e obrigá-lo a cortar, das onze cordas, as supérfluas, voltando às sete, para que todos os
homens, vendo a severidade da nossa cidade, sejam desencorajados de introduzir em Esparta qualquer coisa que
não seja bela, ou que não condiga com a virtude e à honra .
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A palavra grega h
armonia
, fora de um contexto musical, significa aquilo que une, adapta, que ajusta
uma coisa na outra. Musicalmente, como
modus
(cf. nota 3), tem o sentido genérico de afinação, arranjo de
notas em um sistema. Especificamente, era usado para designar determinados arranjos de notas (escalas)
cons
agrados na música grega antiga. Também pode se referir a o que resulta do uso desses arranjos, ou seja, a
própria melodia. Em certos contextos (Aristóxeno,
Harmonica 1.2, 23
), a palavra se refere ao gênero enarmônico
(cf. nota 88). Na presente passagem, Timóteo é repreendido por promover alterações na escala e, com isso,
mudar o gênero de enarmônico para cromático.
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Subphryigii modi sono incitatum deve ser lido sub phrygii modi sono incitatum, uma vez que,
algumas linhas depois, o mesmo modo é identificado como frígio, e não como hi
pofrígio
, para o qual
subphrygii
poderia ser uma latinização. A proposta também é mais condizente com a teoria musical antiga: o modo frígio,
além de ser associado à Dioniso e, por conseguinte, ao transe e ao descontrole, é mais
agudo do que o hipofrígio,
e os sons agudos, conforme se depreende da citação de Cícero logo adiante, provocavam excitação, enquanto os
graves acalmavam. Além disso, a leitura sugerida é clara, gramaticalmente possível e pode ser encontrada em
outros manus
critos e em edições mais antigas.
20
Sobre essa história, ver Quintiliano, Institutio oratoria 1.10.32 e Sexto Empírico, Adversus mu
sicos
6.8.