
38
desse conceito – limites que, como veremos logo à frente, ele propõe estender de maneira
significativa – que determinam o alcance de toda a abordagem sintática.
O melhor caminho para expor a nova concepção do método formal proposta por
Carnap (baseada agora no conceito de “conseqüência direta”) é por meio da comparação
entre o seu método e os métodos tradicionais, utilizados até então na exposição de sistemas
de lógica simbólica. Isso é possível porque, conforme observamos também no Capítulo 1
(ver seção V), a formulação de sistemas formais de lógica, por meio de regras sintáticas,
não constitui uma inovação de Carnap. Pelo contrário: Carnap aproveita, com grande
conhecimento de causa, todo o vasto repertório técnico legado por lógicos e matemáticos
anteriores, que desde meados do século XIX dedicavam-se à tarefa de reorganizar essas
disciplinas
37
. A comparação nos permitirá ver, com maior nitidez, em que sentido Carnap
busca estender a concepção formal, para que essa possa servir aos propósitos que ele julga
necessários.
Tradicionalmente, uma linguagem formal compõe-se de regras de dois tipos. Em
primeiro lugar, regras de formação, cuja função está em indicar quais expressões da
linguagem devem ser consideradas como “sentenças”
38
. Em segundo lugar, regras de
transformação, que determinam quais sentenças do cálculo são conseqüência de quais
37
Podemos destacar, entre os lógicos cujo trabalho havia sido essencial para a formação de Carnap, os nomes
fundamentais de Russell e Hilbert e, em alguma medida, também aqueles de Brouwer, Ramsey, Chwistek e da
escola polonesa (Lesniewski, Lukasiewicz etc.). A importância desses pensadores, sobretudo dos dois
primeiros, fica evidente pelo número de referência que Carnap inclui a eles em
SLL. O caso de Wittgenstein é
bastante peculiar: sua influência sobre Carnap é suficientemente conhecida e debatida; não diz respeito,
porém, às técnicas de lógica formal propriamente ditas, na medida em Carnap não assimilou nenhuma de suas
propostas mais características (a respeito, por exemplo, da utilização de variáveis, do sinal de identidade etc.).
É importante mencionar ainda, como ficará evidente no decorrer desta exposição, os nomes de Gödel e
Tarski, contemporâneos com quem Carnap pôde debater grande parte de suas idéias. A relação entre o projeto
articulado por Carnap em
SLL e o trabalho desses dois gigantes da lógica e da matemática constituirá, mais à
frente, tema específico de nossa análise.
38
A importância da noção de “sentença”, para uma linguagem formal qualquer, reside no fato de que somente
as sentenças são capazes de expressar afirmações acerca do domínio de objetos para cuja descrição a
linguagem foi desenvolvida. Em outras palavras: As sentenças são, do ponto de vista
descritivo, as unidades
básicas de uma linguagem, pois somente por meio delas é possível descrever um domínio de objetos. Essas
questões, no entanto, não precisam nos preocupar agora. Do ponto de vista de
SLL, elas dizem respeito à
utilização de uma linguagem formal como instrumento científico. Uma tal discussão, portanto, ultrapassaria
os aspectos puramente formais da linguagem, que devem – segundo o esquema fundamental de
SLL – ser
estudados de maneira independente (embora tal estudo, uma vez realizado, mostre-se útil justamente pela
possibilidade que oferece de um tratamento mais rigoroso para as questões científicas, por meio da utilização,
na descrição de domínios científicos, de linguagens rigorosamente construídas e analisadas).
O que importa, por enquanto, é o fato de que, tanto nos sistemas tradicionais como no de Carnap, uma
linguagem deve possuir uma classe rigorosamente definida de expressões – as chamadas “sentenças” –, e que
essa definição deve ser fornecida por meio de regras sintáticas, vale dizer, formais.