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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Tese de doutorado
ESTADO, POLÍTICA e GESTÃO na/da EDUCAÇÃO
em PORTO ALEGRE (1989-2004):
avanços e limites na produção da democracia sem fim
Carlos R. S. Machado
Orientadora: Profª. Dra. Maria Beatriz Luce
Porto Alegre
Dezembro de 2005
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2
Carlos R.S. Machado
ESTADO, POLÍTICA e GESTÃO na/da EDUCAÇÃO
em PORTO ALEGRE (1989-2004):
avanços e limites na produção da democracia sem fim
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para obtenção do título
de Doutor em Educação
Orientadora:
Profª. Dra. Maria Beatriz Luce
Dezembro de 2005
Porto Alegre
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Reitor: Prof. Dr. José Carlos Ferraz Hennemann
Pró-Reitor de Pós-Graduação: Profª. Drª. Valquíria Linck Bassani
Diretora do CINTED: Profª. Drª. Liane Margarida Rockenbach Tarouco
Coordenadora do PPGED: Prof. Dr. Cláudio Roberto Batista
Bibliotecária responsável pela catalogação: Rúbia Tatiana Gattelli – CRB10 – Reg.
Prov.09/2005 (FURG).
M149 Machado, Carlos R. S.
Estado, política e gestão na/da educação em Porto Alegre
(1989-2004) : avanços e limites na produção da democracia
sem fim / Carlos R. S. Machado ; orientadora Profa. Dra. Maria
Beatriz Luce. – Porto Alegre : UFRGS, 2005.
255 f.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre -
RS, 2005.
1. Sociologia da educação. 2. Sistemas de educação. 3. En-
sino gratuito. 4. Política. 5. Sistema municipal de ensino. 6. Ges-
tão pública. I. Luce, Maria Beatriz. II. Título
CDU 37.014
4
Carlos R.S. Machado
ESTADO, POLÍTICA e GESTÃO na/da EDUCAÇÃO
em PORTO ALEGRE (1989-2004):
avanços e limites na produção da democracia sem fim
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para obtenção do título
de Doutor em Educação
Orientadora:
Prof. Dra. Maria Beatriz Luce
Aprovada em 22 de dezembro de 2005.
Profª Drª Maria Beatriz Luce...............................................................Orientadora
Prof. Dr. Armando Gandin......................................................................................
(professor da FACED)
Profª. Drª. Vera Peroni.............................................................................................
Professora da FACED)
Prof. Dr. André Marenco.........................................................................................
(Professor Ciências Políticas/UFRGS)
Profª. Drª. Flávia Werle Obino................................................................................
(Professora Visitante)
5
DEDICATÓRIA
À minha cidade,
seus cidadãos
Grândola vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
[...]
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
(José Afonso,
versos e música,
Grândola
Vila Morena).
À Gladys,
Companheira, de muitos e múltiplos significados...
que, no cotidiano (no vivido) de nossas relações e discussões
foi a ‘outra’ permanente e
base fundamental na geração das reflexões desta tese.
Ela é cúmplice de muitas idéias,
mas inocente dos erros e desatinos
que somente a mim podem serem atribuídos.
À Tainara,
a u-topia nesta tese:
de um ‘outro mundo possível’ em que ‘caibam todos’
(e seja melhor do que o que vivemos!).
Ela é uma das motivações principais das minhas forças, a de pai!
6
AGRADECIMENTO
À Maria Beatriz Luce,
Minha professora, mestra e amiga!
Foi ela a grande responsável;
nestes 10 anos de relações
me fez ascender a ‘senderos más altos’.
Foi ela quem me levou dos rascunhos mal escritos (em 1994)
e sem saber ‘mexer’ no computador
ao pesquisar, ao raciocinar articulando políticas,
leis e prática educativa democrática e autonomamente,
pois
praticante efetiva deste fazer educativo.
A ela ofereço esta tese!
Ao Steve Stoer,
que por 12 meses me orientou em Portugal,
e que marcará minha produção educativa para toda a vida.
Sua vida, a qualidade e o compromisso intelectual
ampliaram meus horizontes teóricos,
na luta por relações humanas mais solidárias.
É exemplo avançado de reflexão crítica
na produção de um paradigma emergente em educação.
Aos professores/as, aos funcionários/as, às/os bibliotecárias/os da
Universidade Federal do Rio grande do Sul,
Da Faculdade de Educação
Do Programa de Pós Graduação,
pois constituíram as condições possibilitadoras da produção desta tese.
À CAPES,
que financiou os estudos em Portugal,
sem os quais
não teria tido condições de fazer esta tese.
Aos colegas e alunos/as
da Fundação Universidade do Rio Grande (FURG)
que fazem parte do futuro melhor que estamos construindo juntos.
7
A nova luta democrática,
enquanto luta por uma democracia redistributiva,
é uma luta anti-fascista,
ainda que ocorra num campo político formalmente democrático.
...não tem de assumir as formas que assumiu a anterior, contra o fascismo de Estado.
Mas também
não pode limitar-se às formas de luta democrática que se consagram no Estado democrático.
Estamos, pois, na iminência de criar novas constelações de lutas democráticas que tornem
possíveis mais e mais amplas deliberações democráticas
sobre aspectos cada vez mais diferenciados da sociabilidade.
É neste sentido que tenho vindo a definir o socialismo como democracia sem fim.
Boaventura de Sousa Santos, 1998.
A cidadania já não é só da ordem do atribuído,
o que significa que a cidadania já não resulta imediatamente da pertença
a qualquer categoria social nacional, mas da ordem do reclamado.
...os indivíduos e os grupos querem decidir
acerca do modo como vivem,
como se educam,
como cuidam de si,
como se reproduzem, etc.
O que está em causa é o possível surgimento de uma forma de cidadania “reclamada”
pelos indivíduos e grupos contra as instituições e respectivas racionalidades.
Todavia, esta forma de cidadania emergente,
fundada em factores culturais,
tem como pressuposto a satisfação da realização da cidadania de tipo social
(tal como Marshall teorizou).
António Magalhães e Stephen Stoer, 2003.
Cada vez que um grupo social recusa-se a aceitar passivamente suas condições de existência,
de vida ou de sobrevivência,
cada vez que este grupo se esforça não somente por conhecer,
mas também por dominar as suas próprias condições de existência,
existe autogestão.
Henri Lefebvre, apud Bernard Ravenel (Movements, 2000).
8
RESUMO
Esta tese fundamenta-se na descrição e interpretação das políticas e da gestão do
ensino público desenvolvido em Porto Alegre durante os 16 anos (1989-2004) em que o PT-
Partido dos Trabalhadores, através da Administração Popular, governou a cidade, tendo como
problemática os avanços, os limites e as contribuições dessa experiência na produção de um
“outro mundo possível”.
O referencial teórico, fundamentado em autores do campo da política, sociologia, da
educação e de teorias críticas de outros campos do conhecimento, como Karl Marx, Henri
Lefebvre, Immanuel Wallerstein, Boaventura de Sousa Santos e Stephen Stoer, é apresentado
nos 3 primeiros capítulos. O mesmo desloca-se do mais global e abstrato, da globalização
econômica, política e social, inserindo nela a discussão dos conceitos Estado, de gestão (gerir,
surfar e pilotar), de política (polity, politics e policy) e as reconfigurações dos sistemas de
ensino (STOER, 2004) na transição paradigmática (SANTOS, 1999) e da crise do sistema-
mundo (WALLERSTEIN, 2005), para o mais cotidiano (LEFEBVRE, 1973, 1991) das
relações sociais e educativas na cidade. Chegando a este ponto, se verificou como
estabeleceram as relações da gestora da educação em Porto Alegre (a Secretaria Municipal de
Educação) no sistema municipal de ensino, em particular, na sua relação com as escolas e
professores, no processo de implementação das políticas educativas durante os 16 anos em
que o Partido dos Trabalhadores esteve à frente da Prefeitura Municipal da cidade.
Na parte empírica do estudo, capítulos 4 ao 8, apresento e discuto o que o PT, em seus
documentos nacionais, percebia e qualificava como educação no contexto de nosso país ao
longo dos anos oitenta e noventa, como pano de fundo e paralelo ao desenvolvido em Porto
Alegre através da SMED. Detalho manifestações de dirigentes da educação e do governo
municipal, das atividades de cada gestão (1989-2004) e das Leis encaminhadas pelo
Executivo e/ou vereadores como as que criaram o Conselho Municipal de Educação, os
Conselhos Escolares, as Eleição de Diretores e o Sistema Municipal de Ensino. Apresento
manifestações das escolas e dos professores e alunos, publicadas em âmbito acadêmico.
Portanto, a partir do referencial teórico (dialético-histórico-espacial, HARVEY, 2004)
que articulou o descritivo, o analítico-regressivo e o histórico-genético (LEFEBVRE, 1984),
na descrição, sistematização e interpretação do material empírico (políticas, documentos,
panfletos, programas do PT; mais Leis, relatórios de gestão, manifestações de dirigentes da
SMED; teses, dissertações, pesquisas e artigos de pesquisadores da UFRGS), aponto os
avanços, limites e contradições revelados na produção da democracia sem fim (SANTOS,
1998, 2005), desta experiência contra-hegemônica.
Disto, a tese: forças políticas contra-hegemônicas ao sistema capitalista em que
vivemos, ao ‘ocuparem espaços de poder’, podem avançar no desenvolvimento de políticas
alternativas àquele, bem como na produção de novas relações sociais. Neste sentido, as
escolas, professores, comunidades escolares e movimentos sociais podem se tornar sujeitos de
suas próprias ações e obra educativa, na relação com o Estado/governo, ainda que o Estado e
suas instituições estejam circunscritos a regras legais, normas e procedimentos e práticas
sociais a grupos vinculados ao status quo e ao establishment. Isto depende da forma como as
políticas, os conteúdos e as formas de implementação são geridas.
Agindo assim, constrói-se um Estado como novíssimo movimento social (SANTOS,
1998, 2005), para o qual, a experiência de gestão da e na educação municipal de Porto
Alegre, pelo PT e partidos de esquerda por 16 anos, aportaram contribuições significativas
para a efetivação de um “outro mundo possível”, em alternativa ao que vivemos.
9
RESUMEN
Esta tesis se fundamenta en la descripción y la interpretación de la política y de la
gestión de la educación pública desarrollada en Porto Alegre durante los 16 años (1989-2004)
donde el Partido de los Trabajadores, a través de la Administración Popular, gobernó la
ciudad, teniendo como problemática los avances, los límites y las contribuciones de esta
experiencia en la producción de un "otro mundo posible".
El referencial teórico, basado en los autores del campo de la política, de la sociología,
de la educación y de las teorías críticas de otros campos del conocimiento como Karl Marx,
Henri Lefebvre, Immanuel Wallerstein, Boaventura de Sousa Santos y Stephen Stoer es
presentado en los 3 primeros capítulos. El mismo se disloca de lo más global y abstracto de la
globalización económica, política y social, insertando a ella una discusión de conceptos de
Estado, de gestión (gestionar, surfar y manejar), de la política (polity, politics e policy) y de
las reconfiguraciones de los sistemas de la educación (STOER, 2004) en la transición de
paradigmas (SANTOS, 1999) y de la crisis del sistema-mundo (WALLERSTEIN, 2005), para
el cotidiano (LEFEBVRE, 1973, 1991) de las relaciones sociales y educativas en la ciudad.
Llegando a este punto, se verificó como se habían establecido las relaciones de la
gestora de la educación en Porto Alegre (la Secretaria Municipal de la Educación) en el
sistema municipal de enseñanza, en particular, de su relación con las escuelas y profesores, en
el proceso de la puesta en práctica de las políticas educativas en los 16 años donde estaba el
PT al frente de la Prefectura Municipal de la ciudad.
En la parte empírica del estudio, en los capítulos 4 al 8, presento y discuto lo que el
PT, en sus documentos nacionales, percibió y caracterizó como educación en el contexto de
nuestro país en el transcurso de los años ochenta y noventa, como trasfondo y paralelo del
desarrollado en Porto Alegre a través de la SMED. Detallo, también, manifestaciones de los
dirigentes de la educación y del gobierno municipal, las actividades de cada gestión (1989-
2004) y de las leyes encaminadas por el ejecutivo y/o los concejales (vereadores) como: las
que habían creado el Consejo Municipal de Educación, los Consejos Escolares, la Elección
de Directores y del Sistema Municipal de la Enseñanza. Presento, al mismo tiempo, las
manifestaciones de las escuelas, de los profesores y de los alumnos, a través de
investigaciones llevadas a cabo en el nivel académico en la ciudad.
Por lo tanto, del referencial teórico (dialéctico histórico-espacial, HARVEY, 2004)
que articuló lo descriptivo, analítico-regresivo e histórico-genético (LEFEBVRE, 1984), en la
descripción, la sistematización y la interpretación de los materiales empíricos (políticas,
documentos, folletos, programas del PT; más Leyes, informes de gestión, manifestaciones de
los dirigentes de la SMED; tesis, disertaciones, investigaciones y artículos de investigadores
de la UFRGS) es que afirmo los avances, los límites y las contradicciones en la producción de
la democracia sin fin (SANTOS, 1998, 2005) de esta experiencia contra-hegemónica.
Por esto, la tesis: las fuerzas políticas contra-hegemónicas al sistema capitalista en el
que vivimos, al 'ocupar espacios de poder', pueden avanzar en el desarrollo de las políticas
alternativas a aquella, así como en la producción de nuevas relaciones sociales. Sin embargo,
las escuelas, a los profesores, a las comunidades escolares y a los movimientos sociales
pueden llegar a ser sujetos de su acción y ejecución educativa en la relación con el
Estado/gobierno, aunque el Estado y sus instituciones se circunscriben a las reglas legales, a
las normas, a los procedimientos y a las prácticas sociales de los grupos vinculados al status
quo y al establishment. Pero dependien de las formas en que las políticas, los contenidos y la
implementácion son gestionadas.
Así actuando, tales encargados estarían logrando un estado con el más nuevo
movimiento social (SANTOS, 1998, 2005), y para cual, la experiencia de la gestión de y en la
educación municipal de Porto Alegre, apuntan contribuciones significativas en la puesta en
marcha de un "otro mundo posible", al que vivimos.
10
A B S T R A C T
This dissertation is based in the description and interpretation of politics of the
management of public teaching developed in Porto Alegre during the 16 years (1989-2004)
that the Labour Party (PT), through the Popular Administration, managed the town, having as
a set of problems the progress, limits and contributions of this experience in the production of
“another world is possible”.
The theorical referential, based in autohrs of the political field, sociology, education
and critics theories of others fields of knowledge as Karl Marx, Henri Lefebvre, Immanuel
Wallerstein. Boaventura de Sousa Santos and Stephen Stoer are presented in the three first
chapters. The one moves from the most global and abstract, from the economic, political and
social globalization one inserts itself the discussion of the concepts of Government, of
management (to manage, to surf and to conduct ), of politics (polity, politics and policy) and
the reconfigurations of the teaching systems (STOER, 2004) in the paradigmatic transition
(SANTOS, 1999) and the crisis of system-world (WALLERSTEIN,2005) for the more
quotidian (LEFEBVRE,1973,1991) of the social and educatives relations in the town.
Reaching this point, one verifies how the relations of the education manager were estabilished
in Porto Alegre (Municipal Secretary of Education) in the municipal system of teaching, in
special in its relation with schools and teachers, in the process of implementention of political
teaching during the 16 years in that the Labour Party was conducting the Town Hall.
In the empiric part of the studies, in the chapters 4 to 8, I present and discuss what the
Labour Party, in its domestic documents perceived and qualified as education in the context
of our Country throughout the eighties and the nineties, as back-cloth and parallel to the
development in Porto Alegre through SMED (Municipal Secretary of Education). I give full
account of the managers of the education and from the Municipal Government, of the
activities of each management (1989- 2004) and the Laws conducted by the Executive and/or
city councillors as the ones that created the Municipal Education Council, Educationals
Councils, the Election of Principals and the Municipal System of Teaching. I present
manifestations of the schools and teachers and students, through researches made at the
academic level in the town.
Therefore, from the theorical referential (dialectician spacial-historical, HARVEY,
2004) who articulated the descriptive, regressive-analytical and genetic-historical (LEFEBRE,
1984) in the description, systematization and interpretation of the empirical material (policy,
documents, brochures, programs of the Labour Party; plus Laws, statements of the
management, manifgestations of the leaders of SMED; dissertation, thesis, researches and
articles of reseachers of the Universidade Federal do Rio Grande do Sul) is that I assert the
progresses, limits and contradictions in the production of the democracy with no end
(SANTOS,1998,2005) of this experience counter-hegemoniacal.
The disserttion: political strengths counter-hegemonical to the capitalist system in
where we live in, to “occupy spaces in the power”, can progress in the developemnt of
alternatives policies to those, as well as in the production of new social relations. Hence, as
the Government and its institutions are circumscribed the legal rules, norms and procedures
and social practices to groups linked to the status quo and to the establishment, as policies, the
contents and the ways of implementation must be managed in the sense of inducing the
schools, teachers, educational communities and social moviments to became subject of its
actions and edicational work in the relation State/Government.
Acting in this way, such managers would be putting into effect a state of very new
social moviment (SANTOS, 1998, 2005), and for what, the experience of management of the
and in the Municiapl Education in Porto Alegre, by the Labour Party and the Left Wing
Parties during 16 years, took suggestive contributions in putting into effect of the “another
world is possible” as an alternative to the one we live in.
11
LISTA DE QUADROS E TABELA
Quadro 1: O Paradigma Moderno..................................................................................... 52
Quadro 2: Teses do Paradigma Emergente....................................................................... 251
Quadro 3: As funções dos Paradigmas na sua relação com a Sociedade
e a Educação.......................................................................................................................
252
Quadro 4: A Agenda Educacional Mundial Comum e a Agenda Globalmente
Estruturada para a Educação..............................................................................................
253
Quadro 5: Os Governos do PT na cidade de Porto Alegre (1989-2004).......................... 254
Quadro 6: Estudos Acadêmicos sobre Porto Alegre......................................................... 178
Tabela 1: Matrículas Ed. Infantil, Fundamental e Superior (1992-2002): Brasil.............. 254
12
LISTA DE SIGLAS
AP Administração Popular
APS Ação Popular Socialista
APMs Associação de Pais e Mestres
ATEMPA Associação dos Trabalhadores em Educação de Porto Alegre
BM Banco Mundial
CAED Comissão de Assessoria à Educação/Partido dos Trabalhadores
DS Democracia Socialista
EZLN Exército Zapatista de Liberação Nacional
FMI Fundo Monetário Internacional
FS Força Socialista
FSM Fórum Social Mundial
FURG Fundação Universidade do Rio Grande
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação
MCR Movimento Comunista Revolucionário
Multidisciplinar – Assessoria Multidisciplinar/SMED
NAI Núcleo de Assessoria Institucional
OI Organizações Internacionais
OMC Organização Mundial do Comércio
OP Orçamento Participativo
PMPA Prefeitura Municipal de Porto Alegre
PRC Partido Revolucionário Comunista
PT Partido dos Trabalhadores
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PFL Partido da Frente Liberal
SMED Secretaria Municipal de Educação
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UP/FPCE Universidade do Porto/Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
13
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................. 8
RESUMEN............................................................................................................................... 9
ABSTRACT............................................................................................................................. 10
LISTA DE QUADROS E TABELA........................................................................................ 11
LISTA DE SIGLAS................................................................................................................. 12
SUMÁRIO................................................................................................................................ 13
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 15
Contextualizando o estudo.................................................................................................. 18
A pesquisa: procedimentos, instrumentos e organização do Relatório............................... 25
A tese...................................................................................................................................
29
1 - O SISTEMA-MUNDO, A ESQUERDA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS................ 31
O sistema e a crise da alternativa de esquerda.................................................................... 32
A mercantilização das relações sociais............................................................................... 38
Os novos movimentos sociais nos anos noventa.................................................................
40
2 – O ESTADO, A POLÍTICA E A GESTÃO DO SISTEMA PELA ESQUERDA
O Estado.............................................................................................................................. 44
A Política............................................................................................................................. 47
A produção da política pelo Estado através da gestão dos sistemas de ensino...................
49
3 - OS SISTEMAS EDUCACIONAIS NA TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA E
CIVILIZACIONAL
Os paradigmas em crise e transição.................................................................................... 52
Os sistemas educacionais na transição paradigmática........................................................ 54
A reconfiguração dos sistemas educacionais na atualidade................................................ 56
A inter/multiculturalidade em educação como novo movimento social na cidade............. 59
A gestão do Estado e das políticas educacionais.................................................................
63
4 – BASES HISTÓRICAS E SOCIAIS DAS POLÍTICAS NO BRASIL......................... 66
As políticas e a gestão da educação............................................................................
68
As críticas às políticas educacionais................................................................................... 70
Os governos do PT na cidade e na educação de Porto Alegre............................................ 72
O processo de institucionalização das forças das mudanças...............................................
77
5 - O PT: A HISTÓRIA, A DEMOCRACIA E A U-TOPIA............................................. 79
A evolução política do PT através de suas resoluções...........................................................................
82
A superficialidade e a generalidade das políticas educativas do PT......................................................
94
O PT e a educação brasileira............................................................................................... 99
A evolução do debate educacional do PT...............................................................................................
100
Propostas do PT para a Constituição e a LDB........................................................................................
102
As primeiras Administrações Populares em educação...........................................................................
104
A Coordenação de Assuntos Educacionais do Partido (CAED) ...........................................................
107
O PT foi um educador que se educa educando?.....................................................................................
114
6 - A EDUCAÇÃO DO PT EM PORTO ALEGRE............................................................
117
As primeiras propostas para a educação: superficialidade e controvérsias............................................
118
O PT e a educação da cidade na segunda gestão....................................................................................
124
De educador que se educa educando para educador que dirige..............................................................
133
14
Os dirigentes e a política educacional na cidade................................................................ 138
A política e a gestão de 1989 a 1992......................................................................................................
138
A Escola Cidadã e os Ciclos de Formação.............................................................................................
143
Da Escola Cidadã a Cidade Educadora..................................................................................................
151
Continuidades e descontinuidades de um governar de esquerda............................................................
153
As atividades da SMED nos Relatórios de gestão.............................................................. 154
A primeira gestão da Administração Popular: 1989 a 1992...................................................................
154
A segunda gestão da Administração Popular: 1993 a 1996...................................................................
157
A terceira gestão da Administração Popular: 1997 a 2000....................................................................
161
A quarta gestão da Administração Popular: 2001 a 2004......................................................................
163
As relações das atividades com a u-topia num governo de esquerda.....................................................
165
As leis educacionais do PT em Porto Alegre
A gestão democrática e a educação na Lei Orgânica Municipal............................................................
167
A Lei do Conselho Municipal de Educação...........................................................................................
169
A Lei de Eleição de Diretores e sua regulamentação.............................................................................
171
A Lei dos Conselhos Escolares...............................................................................................................
172
A Lei do Sistema Municipal de Ensino..................................................................................................
173
Legislação: consolidação de conquistas democráticas ou “camisa de força”?.......................................
175
7 – ESTUDOS ACADÊMICOS SOBRE A EDUCAÇÃO EM PORTO ALEGRE
Desenvolvimento e implantação das políticas de educação........................................................... 177
O Construtivismo na primeira gestão.....................................................................................................
179
Transição e conflito dentro de um partido de esquerda..........................................................................
182
A Escola Cidadã na 2
a
e na 3
a
gestão......................................................................................................
183
A 4
a
gestão do PT na cidade........................................ ..........................................................................
188
(Des) continuidade nas 4 gestões.............................. .............................................................................
190
Os professores, as escolas e as classes populares num governo de esquerda
Os professores e as escolas diante das políticas do centro.....................................................................
195
As classes populares não são homogêneas.............................................................................................
202
Conteúdo e gestão da política educacional: as relações educativas na cidade.......................................
209
8 - DO CONCEBIDO E DO VIVIDO, ...AINDA A DEMOCRACIA SEM
FIM
Sobre o contexto do estudo na crise do sistema-mundo e alternativas...................................................
213
Alguns pontos em comum ou pontes para o projeto anti-sistêmico.......................................................
216
Contribuições da experiência de Porto Alegre (1989-2004) para a democracia sem fim......................
226
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................... .....................................
235
ANEXOS
Anexo 1............................................................................................................................... 251
Anexo 2............................................................................................................................... 252
Anexo 3............................................................................................................................... 253
Anexo 4............................................................................................................................... 254
Anexo 5............................................................................................................................... 254
15
INTRODUÇÃO
Nos últimos duzentos anos o paradigma da elaboração de políticas,
da tomada de decisão e da implementação das políticas
parece ter consistido numa espécie de gestão da mudança social ‘de cima para baixo’,
quer dizer, um centro, mais ou menos ‘iluminado’,
elaboraria planos de mudança social que,
depois de implementados, teriam efeitos na vida social.
[...]
O que parece ter-se alterado é
não só a complexidade dos processos de desenho e implementação das políticas,
mas a própria natureza da concepção da política como
projecto de mudança social.
Stephen Stoer e António Magalhães, 2005.
A democracia local e global enquanto processo sem fim e de alta-intensidade como
produção dos humanos autogeridos em suas relações e com a natureza é a u-topia desta tese
1
.
A sua efetivação adquire relevância no mundo atual, com a globalização capitalista que
“mercantiliza tudo e todos”, inclusive a própria democracia; e com crise sistêmica do mundo
constituído há 500 anos (WALLERSTEIN, 1999, 2002, 2003). Para isso, tanto o conceito
como a realidade das “democracias realmente existentes” precisam ser problematizados. Mas,
para tal problematização e a efetivação desta utopia, necessitamos de “um pensamento
alternativo de alternativas”, que articule o “trânsito” [...] “de um conhecimento-como-
regulação para um conhecimento-como-emancipação”, mas vinculando “conhecimento e
acção” (SANTOS, 1998, 2000).
Isto porque os projetos alternativos (de esquerda) produzidos e efetivados ao longo dos
últimos 100 anos devem ser ressignificados em profundidade, seja em decorrência das
contradições nas quais emergiram, ou dos limites em que se circunscreveram ao se instituírem
como teoria e prática daqueles que os implementaram. Neste sentido, os processos de
participação (e de criação) social em sentido contra-hegemônico devem incidir sobre aspectos
relacionados aos fundamentos dos sistemas de pensamento (paradigmas) constituídos
1
O conceito de produção é utilizado de acordo com Lefebvre (1973, 1976, 1977, 1991, 1999) num sentido
amplo de produção “de conhecimento, das relações, da sociedade, da produção material, de obras, das idéias.
Que é diferente de seu sentido mais restrito de produção de “bens materiais, de coisas, de produtos”.
16
secularmente no ocidente e que, através dos sistemas educacionais e políticos, se espalharam
aos quatro cantos do mundo.
Já não nos servem mais os velhos instrumentos analíticos para os novos problemas do
‘real’, do ‘virtual’ e do ‘relacional’
2
; precisamos que neles “caiban todos los mundos”
3
, das
possibilidades às soluções que deveremos produzir enquanto superação do mundo em que
vivemos atualmente.
No Brasil, tais questões adquirem maior relevância, pois até a democracia liberal ou o
“estado de bem-estar-social” ainda não alcançou efetividade; e talvez nunca se efetive ou
tenha sido pretendido como obra dos capitalistas. Com a predominância em nosso país de
uma democracia de baixíssima intensidade, com longos períodos de ditadura militar e regimes
de exceção
4
, sobre uma base colonial de quase quatro séculos de escravidão, na qual está
enraizada uma cultura racista, excludente e autoritária que permeia toda a sociedade, a
empreitada utópica se faz mais difícil, mas não menos importante e fundamental.
Trata-se da produção de uma democracia para além das eleições formais, nas quais o
eleito é dono do mandato e não tem qualquer responsabilidade junto a seus eleitores; portanto,
de formas participativas nas quais a decisão e o controle popular tenham mais força sobre os
dirigentes eleitos, seja no Legislativo, no Executivo e até mesmo no Judiciário. Pensa-se em
criar, desde já, por dentro e contra o sistema, em suas relações instituídas, um processo de
produção da democracia sem fim. A participação popular, através da criação de espaços nos
quais os cidadãos discutam e definam as políticas públicas na cidade, abre precedentes
importantes, em alguns destes aspectos. A experiência desenvolvida em Porto Alegre, de
1989 a 2004, com a Administração Popular (AP), numa seqüência de quatro mandatos do
Partido dos Trabalhadores (PT), para uma gestão municipal na perspectiva dos interesses das
classes populares, merece, pois, especial atenção como passos significativos na produção da
u-topia socialista.
No entanto, dada a história da formação social brasileira (de dominação, exclusão,
autoritarismo e, portanto, de falta de democracia, mesmo a de baixa intensidade) e a situação
2
“El mundo que queremos es uno em que [...] quepan todos los pueblos y sus lenguas, que todos los pasos la
caminen, que todos la rían, que amanezcan todos”. Comité Clandestino Revolucionário Indígena, 2 de enero de
1996, EZLN (México).
3
“Crear el mundo en el que quepan todos los mundos, propuesta central del zapatismo, es, hasta hoy, el mayor
desafio que se haya planteado movimento alguno ya que supone un cambio total de mentalidades. La nueva
cultura política de la que hablan los comunicados y la prática zapatista supone la construcción de uma visión del
mundo sobre bases epistemológicas nuevas – aunque históricamente referenciadas y recuperadoras de la
tradición, pero no la tradición capitalista sino de la tradición de las resistencias” (CECEÑA, 2005; CAL y
MAYOR, 2005).
17
de país dependente e associado aos poderes mundiais (BM, FMI, G7), deveras sensível à
ofensiva liberal-conservadora e aos mecanismos criados pelos organismos internacionais
condicionalidades, como dizem Santos (2001) e Boron (2001) , esta experiência precisa ser
rigorosamente escrutinada em termos de avanços, limites e contradições (das políticas e da u-
topia). Isto é, examinar o que foi desencadeado ao longo dos 16 anos na cidade, no contexto
das transformações/mudanças/transições nas formas e conteúdos do pensar humano e nas
bases sobre as quais este esteve assentado nos últimos 500 anos.
Além disso, ao reconhecer e partir das derrotas políticas e teóricas que a esquerda
internacional sofreu nos anos sessenta e setenta (maio de 1968, revoluções na Nicarágua, El
Salvador); e nos anos noventa, com os processos de radicalização da “mercantilização” e da
“financeirização” de todos os espaços da sociedade (espaços humanos e naturais), com o
neoliberalismo (conforme SADER, 2003 e WALLERSTEIN, 2002, 2003). E, na alternativa
mais colossal produzida, expressa como socialismo “realmente existente”, que foi o Leste
Europeu, a concepção marxista se institucionalizou no vivido destas sociedades; não deram os
“passos seguintes”, de revolucionarização das relações sociais e de efetivação da democracia
proletária (ou dos trabalhadores), como era proposta antes das rupturas com os antigos
regimes
5
. Por sua vez, a esquerda, crítica àquele sistema (ou realidade existente na URSS),
não conseguiu apresentar alternativas consistentes em outros espaços
6
. Portanto, as políticas e
a gestão estatal da esquerda que governou Porto Alegre, sendo crítica daquelas experiências
(do socialismo real), ao ser problematizada no que propôs e desenvolveu, mas tendo como
“pano de fundo” este contexto e realidade, poderá produzir contribuições para a gestão local
do Estado em educação por parte da esquerda.
Nesta tese buscarei articular o material empírico coletado e organizado
sistematicamente, interpretando-o desde o tempo atual, com as preocupações e dilemas atuais,
a partir do apoio de teóricos de esquerda, com eles dialogando ao longo do texto. Ressalto,
por oportuno, que foram fundamentais as idéias políticas e teóricas de Marx, atualizado e
ressignificado a partir (e com) Henri Lefebvre.
4
A última ditadura que vivemos (1964-1989) praticamente dizimou teórica, política e repressivamente a
esquerda brasileira. Seu processo de recuperação, ainda, não se efetivou, e está se agravando pelas políticas e a
gestão de Lula desde 2002.
5
Em 1957, Henri Lefebvre foi expulso do Partido Comunista Francês pela publicação do texto Problemas atuais
do marxismo (LEFEBVRE, 1977).
6
É verdade que, também, a crise da esquerda mundial deve-se à ofensiva político-teórica dos pensadores
capitalistas e seus “funcionários” (em cada espaço e lugar concreto e no nível mundial), bem como à alteração
das “bases materiais” (locais e globais) sobre as quais nos movíamos nos anos de 1960 a 1980, como mostraram
Harvey (1992, 2004), Lefebvre (1991) e Santos (2000, 2001).
18
Contextualizando o estudo
Esta tese tem como objetivo, então, aprofundar o estudo sobre os avanços, os limites e
as contradições das políticas de educação e da gestão do PT (Partido dos Trabalhadores) na
SMED (Secretaria Municipal de Educação), compreendendo estas como polity (teoria), policy
(conteúdo da política) e politics (gestão e processo); discutindo suas contribuições para
viabilidades estratégicas da gestão democrática do Estado, enquanto parte do processo e da
aprendizagem da produção da “obra” socialista.
Os governos da Administração Popular (Partido dos Trabalhadores e aliados), que
estiveram à frente da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, de 1989 a 2004, podem ser
caracterizados como de esquerda e alternativos ao status quo. Por exemplo, o Orçamento
Participativo, implementado desde os primeiros anos dos governos do PT, é referência
internacional de um governar com mais participação das classes populares e como mecanismo
técnico contra a corrupção política e mais eficácia na administração estatal
7
.
Na educação escolar houve democratização do acesso
8
, através da ampliação do
número de escolas, matrículas e professores e de melhoria das condições de estudo (alunos) e
de trabalho (professores e funcionários); democratização do conhecimento, através de
reformas curriculares
9
, formação continuada dos professores nas escolas e em Seminários
Nacionais e Internacionais de debates pedagógicos, em assessoria técnica às escolas e
publicações. O Fórum Mundial de Educação (2001, 2003), uma iniciativa da SMED
(Secretaria Municipal de Educação) com outros agentes educativos da cidade, trouxe o País e
o Mundo a Porto Alegre. No referente à participação, criaram-se instrumentos de
democratização da gestão (conselhos escolares, eleição de diretores)
10
e espaços como
encontros de conselhos, orçamento participativo da SMED, constituinte escolar e o Congresso
das escolas municipais. Portanto, foram muitas as realizações no sentido da democratização
política e da gestão do Estado.
7
O caráter técnico é destacado pelo Banco Mundial: “O orçamento participativo é apenas um bom modelo de
governo, de decisão em consenso. Não é uma forma política de governar, é uma técnica de tomada de decisões”
(Técnico do Instituto do Banco Mundial, no Estado de São Paulo, cit. SANTOS, 2002, p.113). Já Schwartzman
afirma que a “experiência de Porto Alegre mostra como vão sendo criados mecanismos de delegação, de pessoas
que se especializam (e se beneficiam especialmente) nesta participação, e de como a prefeitura tem que, de
alguma maneira, manter o controle do processo, implantando regras, criando mecanismos de correção e
estabelecendo princípios “técnicos” sobre o uso de parte substancial dos recursos”. Ver Machado (2002).
8
Em 1989 quando o PT assumiu havia 29 escolas; em 2004 eram 92 escolas, com um aumento enorme de
matrículas (1989, com 17.862 alunos; 2003, 58.675 alunos) desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, mas
preponderantemente no ensino fundamental obrigatório (PMPA, 2004).
9
Construtivismo, constituinte escolar, Escola Cidadã e Ciclos foram os projetos símbolos em Porto Alegre.
10
As leis e os processos adiante analisados são relativos à conselhos escolares, eleição de diretores, criação do
sistema municipal de ensino e o currículo por ciclos de formação.
19
O contexto era de final da ditadura (1964-1989), com a eleição do Presidente da
República, depois de 25 anos de governos militares; de nova Constituição Federal (1988) e de
novas Constituições Estaduais (1989) e Municipais (1990). Portanto, um novo arcabouço
legal estava sendo produzido. Nesse período, se discutiu e aprovou uma nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (1996) e um Plano Nacional de Educação (2001). Mas,
também, foi um período em que a hegemonia neoliberal, em sintonia com os movimentos
mundiais, promoveu reformas educativas, visando produzir uma nova cultura de gestão da
educação no país.
De outra parte, este estudo também pode ser contextualizado no debate da/na
administração da/na educação em suas múltiplas e complexas relações. Nos últimos 20 anos,
conforme Sander (2002), o conhecimento sobre administração e políticas educativas avançou,
sem, no entanto, serem resolvidas algumas questões centrais referentes a aspectos teóricos e
do contexto em que vivemos
11
.
Há inúmeros estudos empíricos e informações dispersas sobre o estudo e a prática da administração da
educação, mas há pouco conhecimento novo e pouca construção de novos caminhos no campo da
administração da educação para enfrentar os desafios das transformações econômicas e sociais da
atualidade. (SANDER, 2002, p.56)
Diz ele que estes desafios implicam mudanças e impõem tarefas aos dirigentes da educação:
Criar condições propícias para a formulação e implementação de políticas educacionais capazes de
promover o desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos, com a finalidade de preparar
cidadãos capazes de participar conscientemente na definição dos destinos de nossa aldeia global e de
nossas pequenas aldeias comunitárias no nível local. (SANDER, 2002, p.60)
Os objetivos seriam “propiciar e facilitar o processo de aprendizagem e de construção
do conhecimento”, para o que seria necessário “investir prioritariamente na profissionalização
permanente dos educadores, pois se quisermos melhores escolas, precisamos melhores
educadores e oferecer melhores condições de trabalho” (SANDER, 2002, p.60). Mas, observa
o autor, contraditoriamente, isto não ocorre, já que predomina uma submissão a critérios de
“eficiência e produtividade” das políticas educativas e instituições de ensino; a “avaliação” é
dominada por uma perspectiva tributária do mercado, haja vista que os organismos
internacionais, influenciados “pelo espírito competitivo da nova economia global”, dão apoio
“preferencial e financiamento generoso” à pesquisa, estudos e ações que visam “medir a
eficiência, a produtividade e a capacidade competitiva das pessoas e instituições” (SANDER,
20
2002, p.62). E isto apesar de existirem estudos e uma consciência internacional, cada vez
maior, de que os “incentivos associados à adoção de avaliação” por parte destes têm vindo a
favorecer “as escolas e estudantes economicamente mais favorecidos à custa das escolas e
estudantes menos favorecidos” (Idem, 2002, p.62). Assim, reforça que para enfrentarmos
estes desafios os estudos e pesquisas da administração da educação deveriam considerar três
planos: o pedagógico, o organizativo e o político.
O nível pedagógico é de natureza técnica e refere-se aos processos de ensino aprendizagem. O nível
organizacional ou burocrático refere-se à estrutura e funcionamento da instituição educacional. O nível
político refere-se às relações entre a escola e o entorno em que ela funciona com suas forças
econômicas, políticas e culturais. (SANDER, p.63)
Estes três planos ou aspectos também foram considerados na elaboração desta tese. A
discussão do pedagógico focaliza as principais propostas/políticas desenvolvidas
(construtivismo, gestão democrática, ciclos de formação, etc.); não somente nos espaços
escolares, mas, também, desde a perspectiva oficial da SMED, dos pesquisadores que os
analisavam e dos atores de outros níveis organizacionais, implicados na produção das leis e
políticas públicas (como eleição de diretores, conselhos escolares, regimento padrão e
constituinte escolar) e nas relações da SMED com o sistema de ensino da cidade. O aspecto
político foi tratado em termos de processos e de conteúdo das políticas do PT e seus
desdobramentos promovidos pela SMED, nas escolas municipais e no seu entorno, com as
forças econômicas, políticas e sociais.
A propósito, pode-se destacar a contribuição de Bernard Charlot (2004)
12
, ao refletir
sobre o desenvolvido em Porto Alegre:
Nesta cidade, [...] e posteriormente em várias partes do Brasil, houve um intenso debate nestes últimos
anos sobre a questão da escola ciclada (a organização da escola por ciclos), em oposição à escola
seriada (a organização tradicional por séries). Primeiro, o debate opunha a esquerda, e sobretudo o PT, a
favor da escola por ciclos, à direita, defensora da escola seriada. Depois, houve um momento em que o
debate dividiu o próprio PT. Alguns defendiam a escola ciclada argumentando que é mais justa
politicamente. O que é verdade: quando os alunos de famílias pobres têm três anos para atingir os
objetivos pedagógicos, em vez de um ano, há, em princípio, menos reprovação e repetência. Outros
observavam que a escola por ciclos permitia, em alguns lugares, reforçar o elitismo e a seleção escolar:
certas escolas haviam constituído, dentro do ciclo, grupos de alunos por níveis, que condenavam os
alunos mais fracos a ficar mais atrasados ainda. [...] O caso é interessante, pois há nisso uma oposição
entre um princípio político e determinadas conseqüências pedagógicas, contrárias a esse princípio.
(CHARLOT, 2004, p.23)
11
SANDER reconhecido como importante autor latino-americano, foi professor titular de Administração da
Educação na UNB na UFF, foi Diretor de Educação e Desenvolvimento Social da OEA e professor convidado na
CLACSO.
12 Bernard Charlot, Professor da Universidade de Paris, vem se relacionando com educadores e pesquisadores
da UFRGS no campo dos saberes escolar e exclusão social e das políticas educacionais da cidade e dos FME.
21
Ele nos leva a considerar a articulação dos aspectos políticos, pedagógicos e dos
valores, relacionando-os à ação dos agentes educativos, seja no nível organizacional central
(da SMED) ou da escola (do professor), com o projeto de homem e sociedade que almejamos.
Um projeto pedagógico não é apenas um programa de ações, de organização, de gestão, mas remete a
valores fundamentais. O inglês distingue dois termos: politics of education e policy of education. O
primeiro remete à organização, ao programa, à gestão; o segundo remete a valores, a um projeto de
homem e de sociedade. É preciso considerar que a pedagogia tem uma dimensão política no primeiro
sentido do termo, mas também, e mais ainda, no segundo sentido. (CHARLOT, 2004, p. 24)
Diz, ainda, que “um projeto pedagógico não pode ser deduzido apenas do projeto
político. Ele apresenta uma dimensão específica: é aplicado às crianças e aos adolescentes, à
educação desses jovens, à sua educação em escolas. Portanto, todo projeto pedagógico
apresenta uma dimensão política e uma dimensão específica” (Idem, 2004, p.24). E que o “ato
pedagógico é um ato, uma prática, uma situação, um contexto, com coisas que são possíveis e
outras que se gostaria de fazer, mas que não são possíveis. A realidade da escola é o que ela
desejaria fazer, mas é também o que ela faz” (Ibidem, p. 25). Ela não é “apenas aquilo que os
programas e currículos oficiais definem como o que deve ser ensinado. São os métodos
verdadeiramente empregados” e o que “a própria escola e os professores sustentam sobre
esses métodos”, e a gestão democrática “é a divisão real do poder e de responsabilidade, em
cada escola, e não os textos oficiais sobre a gestão democrática” (CHARLOT, 2004, p.24).
Portanto, há um fosso, uma contradição, entre a realidade, os discursos e as políticas.
A situação real da educação e das escolas é marcada por fortes contradições, que levam freqüentemente
à existência de um grande fosso
13
entre o discurso político que sustentam e as práticas efetivas. [...] São
essas contradições, sobre esse fosso, que é preciso trabalhar para transformar verdadeiramente a escola,
a sociedade e o mundo. Isto supõe um método, que consiste em um duplo questionamento, cada um
desses questionamentos convergindo para o outro. (Idem, 2004, p.25)
O primeiro questionamento que Charlot faz, neste mesmo tema, é sobre a dimensão política:
O que significam especificamente os princípios políticos que defendo? Que conseqüências têm em
termos de construção de escolas, de equipamento, de financiamento, de formação e de salário dos
professores, de definição de programas e de currículos, de condições de estudo e de avaliação dos
alunos? Isso é possível hoje? Se não é possível, o que se deve fazer para que se torne possível, que
programa de ações (pensado no tempo, com suas prioridades e seu financiamento) é preciso pôr em
prática para realizar meu projeto político, em sua forma pedagógica? (Ibidem, 2004, p.25)
O segundo questionamento é para os diretores de escola e para os professores:
13
Também em Portugal Stoer e Magalhães (2002) afirmam existir um fosso entre os discursos sobre políticas
e/ou o debate pedagógico e a realidade das escolas, dos professores e dos alunos/as.
22
O que significam politicamente as minhas ações pedagógicas? Dar continuidade a elas, mesmo quando
alguns alunos não as compreenderam, é democrático, é congruente com minhas escolhas políticas?
Fazer os alunos decorarem frases ou, pior ainda, fazê-los aprender frases que saberão recitar, mas que
contêm palavras que não entendem, corresponde a meu modelo cidadão em uma democracia? Passar
tarefas para fazer em casa ou, pior ainda, passar tarefas inteligentes, que supõem que o aluno procure
em livros ou mesmo na Internet, é uma atitude democrática, quando alguns alunos contam com recursos
em casa e com pais que poderão ajudá-los, enquanto outros não? (CHARLOT, 2004, p.26)
Assim sendo, procurei nesta tese considerar a questão política relacionada ao
pedagógico e medida pelo organizacional, sem esquecer de suas particularidades (reais,
locais) e dos aspectos mais amplos, como os valores (a cultura mais ampla), das relações entre
os agentes e o contexto. Uma razão para tal é que, se desejamos e lutamos por uma gestão
democrática da educação no sistema educacional, os aspectos políticos, pedagógicos e
organizacionais da/na relação da mantenedora com suas escolas, também deveriam ser
incorporados nas reflexões e estudo.
As contribuições de Licínio Lima
14
ajudam neste sentido, ao dizer que a organização
(organiza-ação) da escola é, “simultaneamente, locus de reprodução e locus de produção de
políticas, orientações e regras”, pois “as organizações são sempre as pessoas em interação
social” e, por mais impositivo que seja o centro, “os actores escolares dispõem sempre de
margens de autonomia relativa”, já que “não se limitam ao cumprimento sistemático e integral
das regras hierarquicamente estabelecidas por outrem, não fazem apenas um jogo com regras
dadas a priori, jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem selectivamente as regras
disponíveis e mesmo de inventarem e construírem novas regras” (LIMA, 2002, p.33). Então,
por um lado, a ação política e administrativa das instâncias educativas centrais “traduz-se,
entre outras formas, pela produção e reprodução de regras formais-legais, num apelo
normativista típico do império da racionalidade técnico-burocrático” (Idem, p.41),
pressupondo que a “acção organizacional, em cada escola, é exclusivamente orientada para
um modelo, é uma réplica, uma imagem refletida sem distorções assinaláveis ou no limite,
uma cópia fiel” (Idem, 2002, p.42). Mas, por outro, a realidade é mais complexa e diversa do
que as sistematizações do centro desejam, pois, quando
Focalizamos [...] as organizações escolares (periféricas) a partir da diversidade de orientações, de
práticas em contexto e de actores concretos, logo parece difícil não reconhecer que a acção
organizacional é marcada por uma pluralidade que transcende em muito o apertado e limitado rol de
disposições formais-legais, e que por essa razão ela não pode ser deduzida deterministicamente a partir
de realidades oficiais, gerais ou englobantes. (LIMA, 2002, p.42)
14
Licínio Lima, professor titular de Administração da Educação e pesquisador da temática em Portugal, é
também estudioso da obra de Paulo Freire pelo que contribui com reflexões sobre a auto-gestão em educação,
evidenciando que o poder e controle do centro sobre a periferia não é absoluto, sempre há espaço de autonomia.
23
Daí ser necessário o “reconhecimento da autonomia relativa (...) da organização
escolar com visões dialécticas sobre os processos de estruturação das interacções sociais, em
distintos contextos de acção”, pois a “força de imposição normativa nem sempre é obedecida
(LIMA, 2002, p.43).
A escola não é apenas uma instância hetero-organizada para a reprodução, mas também uma instância
de auto-organização para a produção de orientações e regras, expressão das capacidades estratégicas dos
actores e do exercício (político) de margens de autonomia relativa, o que lhes permite, umas vezes,
retirar benefícios da centralização e, outras vezes, colher vantagens de iniciativas que a afrontam.
(Idem, 2002, p.44)
E, mesmo que os gestores queiram pilotar os sistemas de ensino, seu controle “nunca
é total” pois a “acção” [...] “implica sempre interesses e escolhas” e é distinta, a “acção
prescrita” da “acção real”. Neste sentido, não “basta alterar as regras formais para mudar as
realidades escolares”. As mudanças decorrem da “capacidade [dos actores] de produção das
regras, bem como a força que lhes advém da acção, que lhes permite criar e recriar estruturas
organizacionais, mesmo se ausentes das estruturas formais globais e invisíveis no
organograma das escolas”. Tal capacidade pode ser reforçada, diz ainda Licínio Lima, mesmo
“por modelos decretados e pelas práticas da administração central e das suas estruturas
descentradas”, se deixam “espaços vazios”, consagram “a possibilidade de uma intervenção
autônoma dos actores, no respeito por princípios e regras gerais; se devolvem poderes, e
responsabilizam pela sua aplicação; se resistem à tentação centralista de prever tudo,
uniformizar e regular, então estaremos perante um cenário de descentralização e de autonomia
legítima”. Neste caso, o produzido na escola (pelos sujeitos) seria uma “obra própria e não
apenas a pressuposta reprodução de uma obra alheia, ou seja, uma co-construção ou produção
em regime de co-autoria” (Ibidem, 2002, p.45-53, que diz ter se inspirado em SILVA JR,
1990).
Stoer, Cortesão e Magalhães (2001) ao teorizarem sobre os processos de mudança
política em educação, na Europa, e em particular, em Portugal, produzem três conceitos que
articulados possibilitam a amarração das partes anteriores com o objetivo desta tese, já
anunciado na primeira frase desta introdução.
24
Pilotar a mudança é assumir um conjunto amplo, e algo vago, de metas organizacionais e/ou objetivos
pessoais a médio-longo prazo, deixando às decisões as escolhas táticas. Estas podem assumir vias
estrategicamente diretas ou mais ou menos indiretas da consecução das metas, objetivos, valores [...]
Surfar as mudanças é fluir no seu dorso, é decidir no contexto do momento, das necessidades e dos
desejos mais imediatos e aspirar apenas aos ganhos igualmente mais imediatos. É como que a tática sem
estratégia [...]. Gerir a mudança implica a assunção de um topos de decisão mais reflexivo [...] dado
que a assunção de um conjunto de metas organizacionais e/ou objetivos pessoais e valores assumem a
agência como central. Em relação à pilotagem a gestão da mudança distingue-se pelo predomínio das
estratégias sobre as táticas, do conteúdo sobre a forma e da predominância da reflexividade dos actores
sociais sobre a sua determinação estrutural. (CORTESÃO, MAGALHÃES e STOER, 2001, p.50)
Assim, a gestão da mudança em educação, como pilotar, partiria do pressuposto (no
concebido e no vivido/praticado) de que as coisas já estariam determinadas (pelo destino, pelo
econômico, pelas leis, pela estrutura socioeconômica-cultural, por sua disciplina ou área de
conhecimento, experiência, etc.). A educação e o ensino deveriam ser pilotados pelo Estado e
pelos profissionais ou pelas gerações mais velhas, enfim, pelo sistema; seriam desenvolvidos
como se estivéssemos numa estrada, na qual apenas devêssemos nos preocupar com as
curvas, a velocidade, as placas de trânsito, etc. A gestão da mudança como surfar tem as
idéias recentes de caos e de incerteza absoluta como inspiração; tem como analogia o
vivermos/estarmos sobre ondas. Em tal situação, deveríamos agir de forma flexível, nos
adaptando a cada nova onda, à realidade, vista como os ambientes competitivos em que
vivemos na atualidade.
Estas duas formas de gestão das mudanças referem-se às concepções hegemônicas da
administração em educação, ao paradigma do consenso, na acepção de Sander (1983; 1995),
assim como ao paradigma tradicional (SANTOS, 1999). A primeira, a burocrático-
administrativa, perpassou a história da administração pública e da educação em nosso País e
persiste ainda, mesclada com algumas inovações e discursos alternativos. A segunda, mais
recente, advém dos ventos neoliberais, de acordo com os quais tudo e todos devem subsumir-
se ao mercado e seus humores. Mas ambas partem de pressupostos comuns – da existência de
uma ordem, de um sistema, baseado em leis “naturais”, em verdades e em uma estrutura
social instituídas, e configuram-se no paradigma dominante (SANTOS, 1999, 2000).
A gestão da mudança em educação como gerir teria o foco nos humanos, na ação
humana e sua relação com a estrutura e o sistema. Estaria relacionada ao conhecimento-como-
emancipação (SANTOS, 1998, 2000) e à produção de obras com poiésis (LEFEBVRE, 1973,
1983, 1991); subentende que “tudo, a sociedade e a civilização” é resultante da produção
humana em suas relações sociais, podendo ser desconstruída e construída por aqueles que a
fizeram, seus produtores de fato.
25
Sendo assim, a produção/construção da gestão democrática do e no ensino, da e na
escola, do e no sistema educacional, na cidade e no País, mesmo que resultante da indução do
Estado (como novíssimo movimento social, conforme Santos (1998)
15
, deve ser
compreendida e empreendida como uma obra (LEFEBVRE, 1973, 1983, 1991) resultante da
ação criativa e emancipadora daqueles/as que em cada um destes espaços agem para que
aquela se efetive. Com isto, no entanto, deve ser assinalado, admite-se que o Estado poderia
induzir todos/as cidadãos a produzirem as políticas, os processos e seus resultados; e,
portanto, que as próprias relações sociais libertas, como obras suas (dos cidadãos), guardam
relação com a totalidade social (a sociedade), para a emancipação, a autogestão e a autonomia
de todos/as. Nessa condição concebe-se a democracia de alta intensidade e sem fim. E fica
implicada a tese de que o Estado seria um novíssimo movimento social producente da
emancipação social e individual, e não da dominação a que tradicionalmente esteve (e está)
afeito desde sua existência.
A pesquisa: procedimentos, instrumentos e organização da tese
A pesquisa que consubstancia esta tese foi realizada em diferentes momentos e com
diferentes metodologias e instrumentos de pesquisa. Henri Lefebvre foi o guia de todo
trabalho, sendo que, no particular da pesquisa, foi importante ao propor a articulação entre o
descritivo, o analítico-regressivo e o histórico-genético (LEFEBVRE, 1986, p.21-44). Daí
tirei elementos para gerir uma (minha) re-construção da totalidade do processo político-
educativo desencadeado na cidade. Assim, procedi ao:
a)Descritivo. Observação, porém munida da experiência e de uma teoria geral. Em primeiro plano,
observação participante no local da pesquisa. Utilização prudente das técnicas de pesquisa (entrevistas,
questionários, estatísticas).
b)Analítico-regressivo. Análise da realidade descrita. Esforço para datá-la com precisão (para não nos
contentarmos com a constatação dos “arcaísmos” não datados, não comparados entre si).
c)Histórico-genético. Estudo das modificações desta ou daquela estrutura previamente datada, causadas
pelo desenvolvimento ulterior (interno e externo) e por sua subordinação às estruturas de conjunto.
(Idem, 1986, p.21-44)
No entanto, para também seguir a sugestão de Boaventura de Sousa Santos (1999), em
sua tese da necessidade de uma ciência tradutora e de uma transgressão metodológica,
transgredi no citado acima, readequando-o da seguinte forma:
15
Seja, pelo teorizado por Santos (1998) e pelo desenvolvido em Porto Alegre.
26
Para compor o descritivo, com a observação e a experiência, re-memorei o vivido por
mim na cidade (o local da pesquisa) enquanto militante partidário, educador e pesquisador.
Neste sentido, tive a preocupação de relacionar o já sistematizado com anotações diversas,
inclusive sobre controvérsias e debates, visando compor um estudo com consistência e
relevância. Aproveitei entrevistas, questionários e estatísticas que estiveram na dissertação do
mestrado (MACHADO, 1999); outros estudos acadêmicos, anotações de vivências e
diagnósticos nas escolas e em salas de aula da rede municipal, que freqüentei entre 1999 e
2001; e também, estudos acadêmicos, entrevistas, observações, falas dos atores oficiais e
informações de outros pesquisadores – todos dados preciosos para as análises e conclusões
que seguem.
A teoria geral, sistematizada nos 3 primeiros capítulos deste texto, teve 3 (três)
diferentes momentos de produção, sempre revisados pelo método e pelos objetivos maiores
desta investigação.
Um primeiro, diria inicial, quando da elaboração da dissertação de mestrado, entre
1995 e 1999, com a aproximação à obra de Henri Lefebvre que me fez revisitar Marx e a
produção dos marxistas sob novos olhares. Ou seja, estudei alguém crítico de Marx, com
contribuições diversificadas e consistentes, mas que não tinha abandonado a perspectiva da
transformação e mantinha-se comunista mesmo fora dos partidos assim denominados.
Um segundo, mais aprofundado, foi o período de estudos em Portugal, sob orientação
do Professor Stephen Stoer, na Universidade do Porto, que me possibilitou a sistematização
de uma vasta bibliografia e ajudou muito na elaboração do projeto de tese (MACHADO,
2004). Além disso, o próprio “viver em outro lugar e olhar nosso país deste outro lugar” foi
extremamente fecundo para a reflexão. Incluo neste momento, ainda, a tomada de consciência
sobre as limitações de minha formação, demarcada pelo passado teórico-político, conforme
identificadas pela banca de qualificação, especialmente pelos professores Stoer e André
Marenco (UFRGS, Ciência Política). Na mesma ocasião, os professores Luis Armando
Gandin e Vera Maria Peroni (UFRGS, FACED) provocaram-me no sentido de “radicalizar” a
perspectiva analítica e de colocar mais de mim na análise e nas reflexões dela derivadas. Com
as ponderações da banca retornei (ou me aprofundei ainda mais) a Lefebvre, chegando até o
terceiro momento do trabalho que é sistematizado na Parte I como o CONCEBIDO (a
concepção sistematizada do pesquisador até o momento).
Os planos analítico-regressivo e histórico genético serviram para a elaboração da
Parte empírica desta tese. O material desta parte foi organizado em pastas/caixas contendo
documentos listados e organizados cronologicamente, lidos e sistematizados. Esse material
27
serviu de base à composição dos capítulos 4 ao 8. No entanto, a orientação geral teve no
projeto de tese (a pré-tese, o esboço da perspectiva macro-teórica, as questões, hipóteses etc.)
e num roteiro de análise (anotações e tarefas) um guia geral. Os documentos, livros, teses,
revistas, e tudo o mais, organizei em três grandes blocos/caixas: o que o PT produziu sobre a
educação; o desenvolvido na SMED pelos governos da Administração Popular e os estudos
acadêmicos.
Mas, formalmente, os documentos analisados compreendem dois tipos de literatura:
(1) as teses, dissertações, livros e artigos sobre a educação na cidade de Porto Alegre, nos
anos noventa, encontrados nas bibliotecas de Universidades da região (principalmente da
UFRGS e da UNISINOS), e na Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre; e (2) os
documentos partidários e oficiais (da SMED) relacionados a políticas, leis e processos de
regulamentação ou orientação institucional sobre os temas em foco.
As questões estruturais da análise, desenvolvidas nos capítulos relacionados entre
parênteses, foram:
a) O que é percebido e dito sobre o PT e a Administração Popular em Porto Alegre (1989-
2004)? Qual é a produção acadêmica sobre as políticas desenvolvidas pelo PT e pela AP
nestes 16 anos?
b) Quais foram as políticas de educação do PT, expressas em documentos nacionais, estaduais
e municipais de diretrizes e programas de governo ou em seus debates internos? Nestes
documentos, qual o lugar e o papel do Estado, a concepção de democracia e de educação para
a superação do sistema atual? Que utopias (educacionais) são propostas?
c) Qual é o lugar e o papel das classes populares (quais são as classes definidas como
populares na proposta e na ação da SMED (Secretaria Municipal de Educação)?; Que espaços
de participação foram propostos e institucionalizados? Quem teve a iniciativa de propor estas
leis ou medidas institucionais e quais os argumentos apresentados? No processo de discussão
na Câmara Municipal que polêmicas emergiram?
d) Como pode ser caracterizada a gestão (de gerir, de surfar ou de pilotar, conforme STOER,
et al., 1998 e 2001) da Administração Popular? Que elementos/aspectos são observados na
relação dos dirigentes municipais com os demais agentes do sistema municipal (professores,
alunos, diretores de escola, Conselho Municipal de Educação, Associação dos Trabalhadores
em Educação de Porto Alegre/ATEMPA) no sentido de fazer avançar para a autogestão de
seus projetos, proposições e utopias?
A par destas questões contava, também, com algumas hipóteses que, a partir da
redação do projeto, foram re-elaboradas ao longo da análise até se constituírem nas teses desta
Tese:
28
a) As políticas (concepção de educação, conceitos e processo de implementação)
desenvolvidas pelo governo federal, de 1995 a 2002, podem ser caracterizadas como uma
mescla de gestão tipo pilotar e surfar (CORTESÃO, MAGALHÃES e STOER, 2001, p.50);
pois, foi uma gestão com sentido sistêmico e articulado aos interesses hegemônicos do
capitalismo atual, da globalização econômica neoliberal (conforme explico no projeto de tese
(MACHADO, 2004).
b) As políticas (concepção de educação, conceitos e processo de implementação)
desenvolvidas pelo governo municipal, de 1989 a 2004, em Porto Alegre, podem ser
caracterizadas como uma mescla de gestão tipo gerir e pilotar; porque, se por um lado, o
governo local posiciona-se em contraposição às políticas nacionais hegemônicas e propunha e
instituía espaços de participação na cidade e conteúdos político-educacionais emancipatórios,
por outro, em determinados momentos, agiu no sentido do pilotar. Gerir e pilotar (e até surfar,
entre 2001 e 2002) intercalaram-se, estando o gerir mais presente no início das diferentes
gestões (a cada 4 anos) e o pilotar dos meados para o final das mesmas.
c) A gestão da educação pelo PT (Partido dos Trabalhadores), através da SMED (Secretaria
Municipal de Educação), em Porto Alegre, de 1989 a 2004, contribuiu para a democratização
do acesso, do conhecimento e da qualidade de um ensino para as classes populares e os
setores sociais mais pobres desta cidade. Também possibilitou a criação de espaços e
instituições participativas que ampliaram a gestão democrática nas escolas municipais. No
entanto, estas formas, se confrontadas com a perspectiva da democracia sem fim e de alta
intensidade, já referida, pela qual os sujeitos (no caso, das classes populares) deveriam tornar-
se os agentes da obra política educativa na cidade, tais gestões não avançaram de modo a
ocupar todas as potencialidades abertas pelas próprias políticas que desenvolveram. A gestão
democrática restringiu-se à rede escolar municipal e à gestão escolar. As políticas educativas
(o conteúdo das mesmas), que nos primeiros momentos das distintas gestões foram discutidas
de forma participativa, no seu processo de implementação, tornaram-se fetiches a serem
seguidos pelas escolas, a partir do modelo centralmente determinado, impedindo assim a
incidência na produção de relações sociais mais emancipatórias e emancipadas. Portanto, a
direção municipal da educação também não efetivou as utopias que propusera (ou
propuseram) antes de assumir os espaços de poder estatal.
d) As políticas educativas (Construtivismo, Ciclos de Formação) foram induzidas pelo
governo/Estado (SMED). Passaram de uma perspectiva da construção da aprendizagem pelas
crianças das classes populares, uma ênfase no aspecto pedagógico, para uma perspectiva de
criação de instrumentos e espaços de participação da comunidade escolar, uma ênfase no
aspecto político, para possibilitar a produção de uma educação popular e de aprendizagem
com democracia na rede municipal. Todavia, tanto o construtivismo (da primeira fase, etapa)
como os ciclos de formação (pós 1998) tornaram-se fetiches da gestão e da política no
sistema escolar por parte dos que estavam à frente da SMED, esvaziando-se de certas/suas
possibilidades emancipatórias.
e) Portanto, a gestão da educação do PT na cidade de Porto Alegre, apesar dos avanços
referidos, teve limites e contradições, que podem ser associados à não efetivação, de fato, de
uma Cidade Educativa (STOER, 2001), ou seja, aquela cidade que como um todo tem na
política pública uma via de articulação das diferentes redes de ensino (intra e inter-redes, inter
e intra-escolas, e entre professores e alunos/as) para a construção de uma educação popular e
29
emancipatória em todos estes espaços. Ainda predominou uma perspectiva de hegemonia (na
política e na organização do partido e do Estado), que transitou da crítica superficial do lugar
e do papel do Estado e da gestão das políticas de forma instrumental, nos primeiros governos,
para elaborações mais sofisticadas, como a do público-não-estatal, mas que, no entanto,
apenas evidenciam uma adaptação à institucionalidade do referido. Ou seja, tal conceito
evidencia a produção de um “novo conceito” que não busca superar o sistema instituído, mas
instituir o Estado enquanto gestor e articulador dos consensos produzidos nestes espaços
denominados de público não-estatal
16
. Além disso, os quadros dirigentes e suas interlocuções,
bem como suas políticas, não incorporaram o diverso e o diferente, enquanto parte de um
todo; não se tratou da “unidade na diversidade”, como fundamento da viabilidade estratégica
da democracia de alta intensidade e sem fim. Como pode um partido no Estado/governo, que
não consegue incorporar e envolver seus grupos e tendências internas de forma solidária,
apesar das divergências, ampliar a democracia ou efetivá-la enquanto sem fim?
A tese
Muitos foram os documentos, teses, dissertações, relatos de pesquisa e artigos que me
possibilitaram a produção de “um estado da arte” sobre a educação na cidade de Porto Alegre,
nos anos noventa, durante dos governos da Administração Popular. Com este panorama,
retomei os dados e os posicionamentos, as ponderações diversas, os focos de análise e as
fontes utilizadas, para ousar mais indagações e hipóteses, mais aprofundadas, e desde um
“olhar” que pretendi estar em outro lugar que não o partido ou a SMED. Da sistematização
dos documentos do PT, se tornou evidente a superficialidade daquela produção, em especial,
o discreto lugar da educação nas resoluções e documentos gerais do Partido. Isto avança um
pouco na produção de intelectuais do Partido e das Administrações Municipais, depois de
1989; no entanto, perde em radicalidade. As proposições anteriores à assunção ao “poder”
institucional modificam-se após e na medida em que se processa a gestão e se desencadeiam
políticas públicas. Por fim, os documentos da SMED, sejam as atividades realizadas como as
leis e propostas do Poder Executivo Municipal (em matéria de educação), sejam as
manifestações dos dirigentes no período, todos devidamente arrolados, possibilitaram uma
visão de conjunto das políticas e da gestão em seu processo, ao longo do tempo, que evidencia
diferenciados conteúdos e níveis de radicalidade, sendo perceptíveis algumas variações até
conforme o espaço que o produtor do discurso (da política) ocupava no momento de sua
manifestação.
Em decorrência disso e de argumentos adiante apresentados, reafirmaria a pré-tese,
modificando-a para afirmá-la como a tese deste trabalho, da seguinte maneira:
16
Adiante, no debate sobre o Estado, Roger Dale (2001), ao resgatar e apontar limites da produção de
Habermas, em parte semelhante a de Tarso Genro (sobre o público não-estatal), aprofundo e amplio os
argumentos.
30
As forças contra-hegemônicas, ao ocuparem o Estado e suas instituições, podem
desenvolver políticas “funcionais” a seus interesses estratégicos, como ocorreu com o Partido
dos Trabalhadores em Porto Alegre nos governos da Administração Popular, de 1989 a 2004.
No entanto, deveriam permanentemente buscar constituir nos/pelos/com os movimentos
sociais populares, e no caso, da educação, com as comunidades escolares, escolas e
professores, através da participação e dos espaços e leis criadas, a perspectiva destes se
tornarem sujeitos de seus interesses e produtores de sua própria obra educativa. O
Estado/governo pode ser lugar desencadeador de um novíssimo movimento social
(emergente) e educativo, desde que, na sua relação com os demais entes do sistema educativo
na cidade, torne-se transparente, constitua espaços e instrumentos de participação e de
fiscalização e controle dos cidadãos sobre suas políticas e ações. Portanto, a produção pelos
cidadãos, de forma participativa, das diretrizes gerais e específicas das políticas públicas na
cidade é uma ação concreta do processo que tem a democracia sem fim e de alta intensidade
como utopia. No entanto, para isso, a concepção instituída de política, o Estado, a estratégia
transformadora, a gestão das políticas e dos governos, bem como a u-topia a ser produzida
nestes espaços de governar alternativo, deveriam ser ressignificados permanentemente, além
de problematizadas as próprias fundações dos paradigmas de tais perspectivas na busca da
construção/produção/criação de um novo.
31
1 - O SISTEMA-MUNDO, A ESQUERDA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS
Sem macroteorias que procurem mapear cognitivamente
as novas formas de desenvolvimento e de relações sociais [...],
ficaremos condenados a viver entre fragmentos.
O mapeamento cognitivo é,
por isso, necessário para fornecer orientação teórica e política
à medida em que penetramos num novo e confuso terreno social.
Kellner, 1990.
Experiências contra-hegemônicas em governos locais fazem parte e articulam-se ao
que se desenvolve no “global”, mesmo que não tenham uma relação imediata, mas indireta e
por diversos flancos e influências (LUCE e MACHADO, 2002). Importa para isso
compreender o sistema-mundo, enquanto relações sociais na conjuntura e na estrutura
mundial, ou como concebido – a totalidade destes fenômenos e a relação deste conhecer com
o lugar/contexto vivido, as relações sociais e a luta de classes em determinado momento e
processo concreto. É nesta perspectiva, que nos capítulos 1 ao 3 parto do mais global e
abstrato, de alguns conceitos centrais que orientaram a sistematização e a reflexão do material
empírico (dos Capítulos 4 ao 8), para expressar uma interpretação dos conflitos no mundo
globalizado atual e ‘enquadrar’ o que se desenvolveu nos governos do PT de 1989 a 2004 em
Porto Alegre.
Assim, discuto o sistema-mundo capitalista e sua transformação ao longo dos séculos,
da recente mercantilização das relações sociais e da alternativa contra-hegemônica e sua crise
nas últimas décadas do século XX. Também apresento novos movimentos sociais emergentes
contra o sistema-mundo capitalista hegemônico, para os quais a experiência de Porto Alegre
pode contribuir. Trata-se da relação da experiência local no Estado/governo no sentido de um
“novíssimo movimento social” (SANTOS, 1998, 2005). No entanto, para isto é “preciso
cortar a própria carne”, em outras palavras, analisar criticamente tal experiência em seus
limites, avanços e contradições.
32
O Sistema e a crise da alternativa de esquerda
Sistema é um conceito e uma realidade de um todo articulado e dinâmico (é concebido
e vivido sob um determinado contexto histórico-geográfico) que, em seu interior, contém
partes que tendem a se instituir subsumidas ao establishment.
São produtos, resultados de forças históricas (econômicas e sociais) que os fazem surgir, mas que, cedo
ou tarde, os superam. É possível, pois, extraí-los, mas não temos o direito de isolá-los; não se pode
estudá-los fora de um devir que já os abandona ao lado do caminho no mesmo momento em que se
manifestam como constituídos e constituintes da realidade social. (LEFEBVRE, 1999, p.102)
Se circunscritas aos limites sistêmicos, (seja o conceito ou as determinações instituídas
na realidade social) as forças internas das mudanças se adaptarão através de reformas que o
aperfeiçoam. O pensar e o agir, numa perspectiva que vá além do sistema (e portanto anti-
sistêmica) buscando a superação no/do concebido, no/do vivido e no/do instituído das
relações sociais e da realidade social, política e educacional instituída deve desenvolver-se ou
ser produzida num processo sem fim.
O contexto em que vivemos é o capitalista, é um sistema social-eco-político histórico,
portanto, um Sistema-Mundo (WALLERSTEIN, 1974).
O Sistema-Mundo é um sistema social [...] que possui muitas estruturas, grupos associados, regras de
legitimação e coerência. A sua vida é feita das forças em conflito que o mantêm unido por tensão e o
dilaceram na medida em que cada um dos grupos procura eternamente remodelá-lo em seu proveito.
(Idem, p.337)
Dos quinhentos anos de existência do capitalismo, Boaventura de Sousa Santos
(SANTOS, 1999, 2000) argumentou que, nos últimos 200 anos, teria emergido um paradigma
que se tornaria dominante (o paradigma moderno), dando à modernidade ocidental seus
fundamentos. Esse paradigma induziu formas de compreensão dos humanos, de seu viver e
conceber ou representar. Ao longo de seu processo de produção, constituiu os aspectos
centrais indutores das políticas e da gestão educativa implementados pelos Estados nacionais,
através dos sistemas educacionais e desde os países “mais desenvolvidos” para os “menos
desenvolvidos”, dos países centrais aos da periferia.
As “sociedades não podem ser reduzidas à sua dimensão adaptativa” e muito menos,
apenas, a articulação dos conceitos, pois, como disse Lefebvre (1999), esses também são
resultado de forças sociais, portanto dos diálogos entre grupos, classes, setores sociais em
relações entre si e com a realidade em que vivem. Tudo isto, compõe um conjunto de relações
e de sistemas “em constante mudança que tendem a uma diversificação e a uma flexibilização
33
crescentes devido à evolução dos interesses, das reflexões e das decisões” (BERTRAND E
VALOIS, 1994, p.14). Nesta totalidade, o sistema educativo constitui-se como um
conjunto de relações sociais que ocupa uma posição intermédia (entre o capital e o trabalho, e que é
deficitário em termos de autonomia estrutural), [...] com uma composição interna heterogênea devido ao
facto de agregar elementos de todos, ou quase todos, os lugares estruturais (nomeadamente, I] a
domesticidade, II]a produção, III] a cidadania, IV] a mundialidade. (SANTOS, 1985, p.311-312, in.
STOER, 2001, p.252, nota 1)
Diz Stoer (2001a) que, historicamente, a educação escolar “tem tido uma relação de
orientação, em diferentes momentos, com esses quatro lugares (ou espaços estruturais)” e que,
na atualidade, a escola “está em transição entre o espaço de cidadania e o espaço mundial
como espaço dominante na orientação educativa” (STOER, 2001a, p.253, nota 1).
Os Estados e as Organizações Internacionais agem no sentido de que, ao articularem
um conjunto de elementos estruturados e vinculados ao establischment (ver Anexo 3, e Dale,
2001), “visam certos fins determinados pela sociedade, apoiados em estratégias e tácticas
(BERTRAND e VALOIS, 1994, p.13), para “concretizar estas orientações na realidade
quotidiana e traduzi-las em práticas” conforme os paradigmas que professam. Mas as
organizações escolares (os professores e professoras também) contribuem “para a
modificação das orientações da sociedade” ao “intervir nas suas próprias orientações [...] quer
aceitando-as, adaptando-as ou contestando-as” (BERTRAND E VALOIS, 1994, p.14).
O Capitalismo como sistema-mundo de economia-mundo estaria, conforme Immanuel
Wallerstein (1974, 1999, 2001, 2002, 2004), desde o final dos anos sessenta numa crise
sistêmica e civilizacional. O sistema-mundo é social e histórico, possui estruturas, grupos e
forças em conflito e se desenvolveria em permanente tensão e transformação em decorrência
de suas contradições internas. A crise atual significaria que
os mecanismos até então usados para re-estabelecer o equilíbrio relativo do sistema não podem mais
funcionar [...]; na linguagem dos cientistas da complexidade, que o sistema se moveu para longe do
equilíbrio, que está adentrando um período de caos, que seus vetores bifurcarão, e que finalmente um
novo sistema ou sistemas serão criados. (WALLERSTEIN, 2002, p.25)
O capitalismo tem a sua razão de ser na acumulação de capitais através da: 1)
exploração do trabalho; 2) dos recursos naturais; 3) da apropriação de impostos da sociedade
pelos capitalistas (Idem, p.21). Por mais de “500 anos e através da economia-mundo
capitalista como um todo, os custos da apropriação da riqueza decorrente destes três itens
subiram estavelmente, [em] porcentagens do valor total produzido”, não ameaçando assim o
34
sistema e seus beneficiários centrais (WALLERSTEIN, 2002, p.21). No entanto, nas últimas
décadas tais condições e realidade mudaram e chegou-se a uma ‘encruzilhada’.
Podemos considerar toda a ofensiva neoliberal das duas últimas décadas como uma tentativa gigantesca
de desacelerar os crescentes custos de produção - primeiramente por meio da diminuição do custo de
salários e impostos e, num segundo momento, através da diminuição dos custos dos insumos via avanço
tecnológico. (Idem, 2002, p.21)
Mas a esquerda mundial, que poderia (e pode) propor e desenvolver projetos
alternativos, convive com dois “passados” referenciais paradigmáticos que bloqueiam suas
proposições e suas ações alternativas: a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Russa
(1917). Ambas experiências, revolucionárias, de superação do sistema social são
significativas contribuições para diferentes grupos e setores anti-sistema, mas Wallerstein
destaca que, nessas, a idéia de progresso/evolução dos processos históricos e a incompletude
dessas revoluções, estariam constituindo-se como limites às lutas e ao pensar anti-sistêmico
na atualidade.
A questão da evolução ou progresso teria emergido com a Revolução Francesa
fazendo a cabeça de liberais do centro e de parte da direita ao longo dos séculos XIX e XX.
Sua premissa residia na crença no progresso e na essencial racionalidade da humanidade. De acordo
com tal teoria, a história poderia ser vista como um processo ascendente linear. O mundo estava a
caminho da boa sociedade, e a Revolução Francesa constituiu e simbolizou um grande salto nesse
processo. (WALLERSTEIN, 2002, p.15)
Tal teoria encorajava até mesmo “aqueles que eram privilegiados” a buscar a mudança
da situação na qual as sociedades viviam, pois os benefícios do progresso e da racionalidade
da boa sociedade atingiriam a todos e, também, porque “os oprimidos parariam de incomodar
os opressores com suas reclamações” (Idem, 2002, p.16).
A Revolução Russa ultrapassou os limites estabelecidos pela experiência anterior,
problematizando os fundamentos da sociedade capitalista liberal, mas evidenciará seus
próprios limites no decorrer do século XX. A “teoria da história representada pela Revolução
Russa estava incompleta, uma vez que somente se sustentava à medida que o proletariado (ou
as massas populares) estava em atividade sob a égide de um dedicado grupo de funcionários
qualificados, organizados como um partido/Estado”. Tal concepção, sistematizada no
marxismo-leninismo de Stalin como a teoria oficial na URSS, se espalhou pelo mundo através
dos partidos comunistas pró-soviéticos (WALLERSTEIN, 2002, p.16-17).
Foi assim que, nos anos sessenta, tanto o capitalismo social-democrata como o
socialismo burocrático foram questionados pela revolução mundial de 1968. As derrotas
35
destes movimentos e a contra-ofensiva econômico-político-teórica dos neoliberais e seus
pensadores possibilitaram, em alguns países, dos anos setenta aos noventa, a retomada da
ofensiva econômico-político-ideológica através do neoliberalismo.
Ainda no início do século XXI, as perspectivas críticas e de superação do sistema
continuam muito debilitadas por parte daquelas forças tradicionalmente definidas como de
esquerda. Isto porque parte da esquerda mundial, diante da crise, entendeu que a “teoria
original permanece correta, mas sofreu alguns reveses temporários [...] Tudo que temos que
fazer é reiterar eficazmente a teoria (e a práxis)” (WALLERSTEIN, 2002, p.17). Tal
interpretação “parece ser um típico caso de wishful thinking por parte de algumas pessoas
bancando avestruzes” (Idem, p.17), pois não reconhecem que as causas dos dilemas e dos
problemas são:
[...] tanto causa quanto conseqüência da crise do sistema-mundo capitalista. [...] Sustento que a própria
teoria da história amplamente abraçada pela esquerda - ou seja, por aquilo que eu chamaria de
movimentos anti-sistêmicos nas suas três variantes históricas - comunismo, social-democracia e os
movimentos de libertação nacional - era em si um produto do sistema-capitalista. [E a] própria crença
na inevitabilidade do progresso era essencialmente despolitizadora, particularmente depois que um
movimento anti-sistêmico chegou ao poder de Estado. (WALLERSTEIN, 2002, p.18)
Se, por um lado, a idéia da inevitabilidade do progresso enquanto concepção era
abraçada pela esquerda, no sentido de que ao se desenvolver a economia automaticamente
melhorariam as condições sociais e de vida de todos, ao ‘assumir o poder’, a esquerda não
conseguiu dar seqüência a tal promessa. Os processos de transformação não se
concretizaram
17
. A “discrepância entre o que era prometido [...] e o que era realizável dentro
da estrutura do sistema-mundo existente [...] se tornou inevitavelmente muito grande”, tendo
como momento decisivo desse processo a “revolução mundial de 1968” (Idem, p.18). E “mais
do que uma expressão de solidariedade para com os vietnamitas” e a condenação da
“hegemonia/imperialismo estadunidense” foi a condenação do “conluio da União Soviética
com os Estados Unidos”, dos partidos comunistas tradicionais hostis a 1968, e da Velha
Esquerda (os movimentos de libertação nacional no Terceiro Mundo, Social-democrata na
Europa Ocidental, New Deal nos EUA (Ibidem, p.21).
17
No caso brasileiro, a esquerda hegemônica representada pelo Partido Comunista nunca assumiu o “poder”, e
Sader assim sistematiza sua experiência e desenvolvimento nas lutas sociais no Brasil: “Desde que se constituiu
como força própria, a partir dos anos 1920, a esquerda brasileira enfrentou situações muito diferenciadas: da
clandestinidade daquela época, diante de um regime oligárquico-liberal, à disputa de hegemonia com o
getulismo até a aliança com ele e seu modelo de desenvolvimento, voltando à clandestinidade durante a ditadura
militar, da breve tentativa de resistência militar à aliança com a oposição liberal e, finalmente – até aqui – a
situação de luta dentro da legalidade por uma democracia com inclusão e justiça social” (SADER, 2003, p.61).
36
As raízes da desilusão, conforme Wallerstein, “estavam nas suas realizações bem
sucedidas”, pois “tendo chegado ao poder de Estado em quase todas as partes do mundo entre
1945 a 1968” realizaram melhorias nas condições de vida das populações as quais
governavam, porém, não tornaram “o mundo mais igualitário” depois que chegaram ao poder,
e no interior de seus regimes colocaram “um novo estrato de beneficiários (uma
Nomenklatura) no lugar dos beneficiários que os governos liberais anteriores tinham
empossado” (WALLERSTEIN, 2002, p.21).
No entanto, seria a própria estratégia (e implícita nela uma concepção subjacente) que
Wallerstein questiona, ao dizer que o erro da esquerda seria de: “primeiro obtém-se poder
estatal, depois transforma-se o mundo”. Processo de “obtenção” do “poder” de Estado
sintetizado pelas estratégias revolucionárias de “assalto ao poder” ou de “revoluções
insurrecionais” do século XX que canalizavam todas as lutas políticas. Isto fez sentido, na
medida em que
o controle da maquinaria estatal parecia o único modo de superar o poder econômico e cultural
acumulado pela camada privilegiada e o único modo de garantir que novos tipos de instituições
pudessem ser construídos - e preservados de contra-ataque. [...E] essa visão parecia ser confirmada pelo
fato de que vários outros caminhos para a transformação, sempre que tentados, conduziram a um
contra-ataque agressivo e, no final das contas, ao fracasso. (Idem, p.28)
Depois de ‘assumir o poder’ as revoluções não deram os passos seguintes. Além disso,
ao ‘ocupar o poder’, a esquerda chocou-se com os poderosos do mundo, o que reforçou a
idéia de que “parecia impossibilitar que quaisquer mudanças verdadeiramente fundamentais
pudessem ser feitas antes que os movimentos obtivessem o poder de Estado. E a maioria da
esquerda estava provavelmente certa sobre isso” (Ibidem, p.29). A realidade, então, “impeliu
[estes movimentos e forças transformadoras] a ver o Estado como um mecanismo de defesa
dos interesses coletivos dentro do sistema-mundo, um instrumento mais relevante para a
ampla maioria dentro de cada Estado do que para uns poucos privilegiados” (Ibidem, p.29).
Também as perspectivas e análises (da esquerda) “empurravam em direção ao
estatismo”, à homogeneidade, à centralização e à idéia de que a igualdade significa identidade
em contraposição à heterogeneidade, à descentralização”, etc; e, ainda, “o caminho
homogenizador pareceu o mais fácil e rápido” (WALLERSTEIN, 2002, p.29). Este aspecto
dos paradigmas será mais desenvolvido adiante, com Boaventura de Sousa Santos e Henri
Lefebvre.
A Revolução Francesa proclamou a “liberdade, igualdade e fraternidade”, e o
liberalismo apropriou-se da idéia de liberdade e de igualdade, subsumindo-as ao mercado. A
37
liberdade (definida em termos puramente políticos) era a única coisa que importava, pois a
“igualdade representava um perigo para a liberdade e deveria ser negligenciada ou totalmente
esquecida” (WALLERSTEIN, 2002, p.30). A esquerda, influenciada por esta perspectiva
liberal, insistiu no contrário: que a “igualdade (econômica) deveria ter prioridade sobre a
liberdade política”, justificando o epíteto de que “os fins justificariam os meios”.
Não há [...] como separar liberdade e igualdade. Ninguém pode ser livre para escolher se suas escolhas
são cerceadas por uma posição de desigualdade. E ninguém pode ser “igual” se ele/ela não tem o grau
de liberdade que os outros têm, ou seja, não desfruta dos mesmos direitos políticos e do mesmo grau de
participação em decisões reais. (WALLERSTEIN, 2002, p.30)
A superação da crise da esquerda deverá passar, então, pela construção de pontos em
comum ou mínimos que possam nos unir na reconstrução de um mundo “mais democrático e
igualitário”; e, a partir destes dois critérios mínimos, mas, na verdade, cruciais da esquerda
mundial, serem articuladores de ações significativas (diversas e por diferentes flancos) na
transformação de nossas esperanças. O aspecto crucial neste processo de transformação nos
próximos 25 ou 50 anos seria a
desmercantilização dos processos econômicos mundiais. Cumpre salientar que desmercantilização não
significa desmonetização, mas sim eliminação do lucro como categoria. O capitalismo tem sido um
programa para a mercantilização de tudo. Os capitalistas ainda não o implementaram totalmente, mas já
caminharam bastante nessa direção, com todas as conseqüências negativas que conhecemos. O
socialismo deve ser um programa para a desmercantilização de tudo. Daqui a 500 anos, se trilharmos
esse caminho, possivelmente ainda não o teremos percorrido totalmente, mas poderemos ter avançado
muito nessa direção. (Idem, p.27, 36)
Se estes aspectos, a questão da relação da democracia com a liberdade e a igualdade, a
luta socialista pela desmercantilização das relações sociais, podem ser apontados como
elementos para a discussão de um projeto mínimo das esquerdas, desde já, no entanto, estas
deveriam começar a ser construídas e testadas as alternativas nos espaços locais. Do
desenvolvido em Porto Alegre, pelos governos da Administração Popular, aportam
contribuições importantes neste rumo proposto por Wallerstein.
[D]evemos tentar construir [e testar] estruturas alternativas agora, e também nos próximos cinqüenta
anos, durante o período de transição.[...] no âmbito tanto das experiências mentais quanto concretas.[...]
Pois, se [não] o fizermos, a direita aparecerá com novas alternativas não-capitalistas que nos envolverão
numa nova ordem mundial hierárquica e não igualitária. [...] Além do mais, não o fazemos em tempos
de tranqüilidade, mas sim em tempos caóticos. [...] que nos oferece esta oportunidade, mas ao mesmo
tempo essa atmosfera caótica nos confunde e nos pressiona a desviar, da reconstrução a longo prazo de
um sistema histórico-social, para a solução a curto prazo de problemas urgentes. (Ibidem, p.38)
Na parte seguinte, avanço um pouco mais na discussão da mercantilização que se
constituiu nas últimas décadas em decorrência dos processos desencadeados pelos capitalistas
e seu sistema hegemônico em todos os espaços da sociedade.
38
A mercantilização das relações sociais
As mudanças no/do capitalismo e o processo de mercantilização das relações sociais,
tiveram início na virada do século XIX para o XX, com a mundialização (imperialismo)
18
que
começa a alterar a “configuração tradicional”, analisada por Marx, em O Capital
(WALLERSTEIN, 1999). Até esse período, os capitalistas buscavam mercados para seus
produtos incorporando-os a sua lógica (os lugares, as produções e as relações) e
subordinando-os ao centro (ocupação quantitativa e domínio dos mercados de diferentes
países do centro). Tal processo é diferenciado em cada lugar e conforme os processos
concretos e sua efetivação
19
, seja nos espaços controlados pelos capitalistas bem como nos
espaços ditos socialistas
20
. Também nos espaços onde se desenvolveram as lutas de libertação
colonial, ao mesmo tempo em que libertavam povos das forças coloniais, os aprisionavam à
lógica da mercadoria e em suas relações, neste sistema-mundo, através do comércio, das
concepções implementadas de desenvolvimento interno, dos empréstimos financeiros (dos
organismos internacionais constituídos no pós II Guerra) e de suas ‘condicionalidades’, na
‘formação de seus quadros’ no exterior e na organização de seus sistemas educacionais. Na
América Latina, foram as ditaduras militares e as intervenções dos EUA que cumpriram essas
tarefas na potencialização da subordinação dos países e povos ao sistema capitalista ao longo
do século XX. Portanto, para além das relações internacionais de domínio e de subordinação,
esse processo de relações entre os países era de dominação e subordinação dos que estavam
no centro (do sistema) sobre os que estavam na periferia – e, neste sentido, também eram
relações ‘educativas’ (pedagogicamente assujeitadoras).
No entanto, a “crise dos anos sessenta”, que WALLERSTEIN (1991) chama de
Revolução Mundial de 68 (conf. STOER, 2001a, p.10) desatada em diferentes lugares, teve
um sentido anti-capitalista, através da luta contra a sociedade de consumo e contra os regimes
18
“A grande indústria estabeleceu o mercado mundial que o descobrimento da América preparara. O mercado
mundial deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. [...] “A
necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos persegue a burguesia por todo o
globo terrestre. Têm de se implantar em toda a parte, instalar-se em toda a parte, estabelecer contactos em toda a
parte de um modo cosmopolita a produção e o consumo de todos os países” (MARX e ENGELS, 1997, p.37).
19
Nos primeiros quinze anos do século XX, desenvolveram-se as bases da industrialização brasileira, bem como
potencializou-se a existente, em parte significativa devido à guerra (FURTADO, 1996). Mas, até os anos trinta, a
agricultura (o café), principalmente, ainda manterá sua hegemonia, até a crise mundial, e a “impossiblidade” do
País seguir adiante com tal “modelo econômico baseado na agricultura” fará com que um latifundiário (Getúlio
Vargas) direcione o desenvolvimento rumo à industrialização.
20
Através, por exemplo, da “revolução num só país”, do marxismo enquanto “ideologia oficial” e das
implicações da “positivização” deste, das perseguições e morte dos críticos, da “aceleração” do desenvolvimento
econômico e da indústria (das relações de produção) sem e sobre as “forças produtivas – os humanos - e até com
a morte destes (o caso da coletivização forçada da agricultura na URSS) e o “estabelecimento das relações
sociais como reflexo da economia e do modo de produção” (LEFEBVRE, 1978).
39
socialistas burocratizados (WALLERSTEIN, 2002, 2004), fez com que a ‘época de ouro’ do
sistema fosse questionada.
A configuração do capitalismo, a partir dessa crise (1970), com a hegemonia gradual e
depois efetiva do capital financeiro sobre os demais capitais
21
, tem implicações substanciais
em todos os espaços humanos e nas relações sociais, nas relações internas aos territórios
nacionais e locais ou dos Estados/governos nacionais com os governos/estados locais e suas
sociedades, nos sistemas educacionais e na produção/re-produção material, social, mental e
simbólica. Portanto, é o próprio processo de produção da hegemonia no/do sistema capitalista
na/das relações sociais nos anos sessenta do século passado que emerge como central.
A globalização tem um aspecto inegavelmente material, [...] é possível identificar, por exemplo, fluxos
de comércio, capital e pessoas em todo o globo. [...] facilitados por tipos diferentes de infra-estruturas –
física (como os transportes e os sistemas bancários), normativa (como as regras do comércio) e
simbólica (a exemplo do inglês) – que criam as pré-condições para formas regularizadas e relativamente
duradouras de interligação global [...] [Mas] gera uma certa mudança cognitiva, que se expressa numa
consciência popular crescente do modo como os acontecimentos distantes podem afetar os destinos
locais (e vice-versa), bem como em percepções públicas da redução do tempo e do espaço geográfico.
(HELD e McGREW, 2001, p.12-13)
Lefebvre (1973, p.9) nos diz que:
É neste momento que o modo de produção [o capitalismo] domina os resultados de sua história, deles se
apodera, integra a si próprio os “sub-sistemas” estabelecidos antes...(as redes de intercâmbio, comércio,
idéias, a agricultura, a cidade, o campo, o conhecimento, as ciências e as instituições científicas, o
direito, a fiscalidade, a justiça, etc.), sem por isso conseguir constituir-se em sistema coerente,
purificado de contradições [...] pois não há totalidade completa, consumada [...] há sem dúvida um
“todo” que absorveu as suas condições históricas, sem aceder por isso à coesão e homogeneidade que
buscava.
A produção de mercadorias avança a setores cada vez mais sofisticados (informática,
comunicação) e descartáveis (com tempo de vida reduzido), como o turismo, o prazer e o
lazer, a moda, a alimentação, os espetáculos, a prostituição masculina, feminina e infantil, o
tráfico de órgãos e de drogas - setores dinâmicos do capitalismo (HARVEY, 1992).
O modo de produção capitalista modificou-se, transformando o mundo. Ao desenvolver-se, realizou-se,
contornando, destruindo obstáculos e mundializando-se. Inicialmente o que se mundializa é a troca, a
partir da constituição de uma rede complexa que inclui o desenvolvimento das comunicações; o
mercado, por meio das multinacionais; depois o Estado e o sistema de Estados. O estágio monopolista
na escala nacional perdeu o sentido, as crises suscitaram, de um lado, modalidades originais de controle
e gestão, a qual se realiza no nível do Estado, e, de outro, consolidaram sua mundialidade. (CARLOS,
1996, p.123)
21
Segundo Harvey (1992, p.268) “a moeda se ‘desmaterializou’, isto é, ela já não tem um vínculo formal ou
tangível com metais preciosos, [...] não se apóia exclusivamente na atividade produtiva dentro do espaço
particular. Pela primeira vez na história, o mundo passou a apoiar-se em formas imateriais de dinheiro (aquele
registrado em unidades monetárias designadas)”.
40
O espaço ganha a “dimensão de produto social, posto que contém relações sociais de
reprodução, lugares apropriados, relações de produção[...]”, nas quais o Estado, “na escala
mundial, pesa sobre a sociedade, planifica-a e organiza-a racionalmente com a contribuição
da ciência e da técnica” (CARLOS, 1996, p.123).
O espaço mundial se reproduz acentuando as conexões locais e nacionais com as forças produtivas, com
as tecnologias avançadas (notadamente o informacional), com as relações de propriedade (notadamente
as do Estado com o território), com as formas de organização (notadamente as firmas mundiais), com as
ideologias (notadamente as representações do espaço aéreo, informacional, etc.). (Ibidem, p.124)
Diz Lefebvre (1973, p.14), que apesar destas transformações ou reconfigurações, o
capitalismo “mantém o essencial das relações sociais (de produção e propriedade) no decurso
de um crescimento das forças produtivas”, ao mesmo tempo em que produz “novas relações
(no seio dos grupos parciais - a juventude, as mulheres, os trabalhadores, etc. Mas, também,
naquilo que o processo reprodutivo utiliza: o quotidiano, o urbano, o espaço”. E é através das
relações sociais dos humanos entre si (e entre cada um deste grupos, classes, etc.) que se está
a produzir o mundo, as coisas e as formas de pensar e de fazer tudo isso (LEFEBVRE, 1973,
1975, 1991, 1999). Organizados social e politicamente, as classes e os grupos que controlam
os poderes instituídos, vinculados aos sistemas hegemônicos – o establishment – buscam
mantê-lo e continuá-lo sempre (produzi-lo e reproduzi-lo) avançando, assim, para a
mercantilização totalitária.
Os novos movimentos sociais nos anos noventa
Noam Chomsky afirma que os Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial,
através de sua diplomacia, vem construindo um “novo desenho” e funcionamento das
instituições internacionais, visando sua supremacia e governabilidade (conforme BORON,
2001, p.43). Isto levou à criação de uma tríade de instituições: aquelas emanadas dos acordos
de 1944, assinados em Bretton Woods, e que fizeram nascer o Banco Mundial, o Fundo
Monetário Internacional, e pouco depois, o Acordo Geral de Tarifas (GATT); outras, de
sentido mais amplo, como as Nações Unidas (ONU), a FAO, UNESCO, OIT, OMS, PNUD,
UNICEF e, na América Latina, a OEA, e por fim, aquelas decorrentes de alianças militares,
devido à ameaça soviética, concebidas como “cordão sanitário” àquele regime e suas áreas em
diferentes regiões (OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte; a Escola Inter-
Americana de Defesa).
41
No entanto, nas últimas décadas, uma série de funções que se encontravam na
UNCTAD, OIT e UNESCO foram passadas a outros organismos ligados ao sistema
financeiro
22
.
La política laboral la fijan ellas en lugar de la OIT; los temas educativos son también objeto de
preferente atención y de eficaz monitoreo por el BM y ya no más por la UNESCO; la problemática de la
salud fue también en gran medida extraída de la OMS y puesta al cuidado del BM y el FMI, al igual que
las políticas sociales y previsionales en donde ambas instituciones cooperan con la OMC fijar los
parámetros de lo que debe hacerse en esas materias. (BORON, 2001) (Negrito CM)
Com o fim do socialismo soviético, em 1989, emerge o chamado Consenso de
Washington, que constituirá, ao longo da década seguinte, as referências políticas,
econômicas e ideológicas dos capitalistas em nível mundial. Esse consenso ou meta-consenso,
segundo Boaventura de Sousa Santos (2001), subscrito pelos Estados centrais do sistema
mundial, abrangia o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e,
especificamente, o papel do Estado na economia
23
.
Segundo Chomsky (2000a, 2000b), outro mecanismo que surgiu nesse período, e que
favoreceria apenas os interesses americanos e das grandes empresas, foi o AMI (Acordo
Multilateral de Investimentos). Esse veio à tona em meados de 1997, quando uma ONG
canadense, a Council of Canadians, obteve uma cópia e divulgou na Internet e, assim, acabou
não se efetivando, pois sua aprovação significaria colocar nas mãos de tiranos privados, que
secretamente e sem prestar contas a ninguém, decidiriam os destinos do mundo e da
democracia (CHOMSKY, 2000b, p.259, cit. BORON, 2001). Para Lander (1999, p.89), o
AMI implicaria uma “disminución drástica de la democracia, al limitar severamente la
capacidad de los sistemas políticos y estados para tomar decisiones [...] (relativas a) cualquier
política pública que pueda ser interpretada como discriminatoria en contra de la inversión
extranjera”.
22
No FMI - “Su órgano ejecutivo se rige por un sistema de voto calificado que coloca el poder decisional en
manos del capital y principalmente del representante norteamericano. [...] los países que forman parte del FMI
[...] entran a un club en donde sólo unos cuantos tienen voto, mientras el resto está condenado a un papel pasivo
y subordinado. Así, los Estados Unidos tienen el 17,35% del poder de voto [...] al Japón – controla el 6,22% de
los votos. Ahora bien: cualquier decisión importante requiere una mayoría calificada del 85% los votos del
directorio. Por lo tanto, USA tiene poder de veto y no sólo derecho a voto” (BORON, 2001).
23
Os quatro aspectos do consenso ou as idéias-força, que nortearam ideologicamente o mundo nos anos noventa,
eram: 1) tínhamos entrado em um período em que “desapareceram as clivagens políticas profundas. As
rivalidades políticas entre países (duas guerras mundiais) deram origem à interdependência entre as grandes
potências, à cooperação e à integração regional”; 2) “os conflitos entre capital e trabalho se institucionalizaram
nos países centrais depois da Segunda Guerra Mundial, e agora, 3) num período “pós-fordista”, podem ser
desinstitucionalizados “sem que isso cause qualquer instabilidade”; 4) desapareceram “as clivagens entre
diferentes padrões de transformação social, ou seja, reformismo e revolução”, que opunham o “comunismo”
(URSS) e os movimentos revolucionários e, por outro lado, o reformismo, através dos Estados de bem-estar
social”.
42
Portanto, se por um lado, os capitalistas, visando gerir seu sistema-mundo diante da
crise sistêmica e civilizacional em que vivemos, constituíram mecanismos desde meados do
século XX, e que necessitaram de atualização no avanço do controle do sistema-mundo em
crise, por outro, emergiram, também, entidades e novos movimentos anti-sistêmicos neste
espaço global. Sejam, então, as ONGs alternativas como a que denunciou o AMI; ou as que
mobilizam movimentos sociais para “infernizar” as reuniões dos Organismos Internacionais;
ou que se reúnem nos Fóruns Sociais Mundiais, que tiveram início em Porto Alegre, no ano
de 2001. Mas, ambos movimentos, seja dos agentes do sistema e suas organizações
internacionais, seja dos agentes anti-sistêmicos, não se restringindo apenas a ações no cenário
mundial mas, relacionam-se ao processo de efetivação no local e na produção de valores e
relações sociais condizente com seus objetivos mais utópicos. No caso dos agentes do sistema
na produção da mercantilização de todas as relações sociais (vivido, concebido e nas
representações).
Ana Esther Ceceña, no site do Forum Social Mundial (2002, p.1)
24
ao discutir as
estratégias de dominação e os mapas de construção da hegemonia mundial, afirma que a
mesma se processa através de uma articulação, por parte dos americanos, do desenvolvimento
informático, comunicacional e militar, dentre outros: na construção, na manutenção e no
exercício da/na hegemonia no poder mundial, para evidenciar elementos dessa dominação e,
conseqüentemente, da luta pela sua superação.
Para tanto, destaca o conceito de hegemonia (GRAMSCI, apud Ceceña, 2002):
A hegemonia é uma categoria complexa, que articula a capacidade de liderança nas diferentes
dimensões da vida social. O hegêmone, ou líder, que neste caso é necessariamente um sujeito coletivo,
tem que ser capaz de dirigir pela força e pela razão, por convicção e por imposição. Ou seja, a
hegemonia emerge de um reconhecimento coletivo que compreende tanto qualidades e preceitos morais
que adquirem estatuto universal como a energia ou força para sancionar seu cumprimento (CECEÑA,
2002, p.2)
À hegemonia e à dominação se incorporaram concepções de mundo dos dominantes e
dos dominados, forjando “uma complexa mescla de justificativas, perspectivas, sentimentos,
que vão além do racional e muito mais ainda dos conceitos, chegando até a vida cotidiana”
(CECEÑA, 2002, p.2).
A hegemonia só é possível mediante um compromisso estabelecido coletivamente que leva a avalizar e
compartilhar as regras de um jogo que, se não oferece perspectivas de ganhar, pelo menos não atenta
contra a coesão social; a governabilidade está garantida sempre e enquanto se jogue, sem mudar as
normas, mesmo sabendo que o jogo não nos pertence, ainda que nos inclua.
24
Ver também: CECEÑA (2005); CAL Y MAYOR (2005).
43
Se o espaço de concorrência é o mundial, onde os Estados (e suas instituições)
cumprem um papel de articulação e de construção da hegemonia, é no local (no nacional,
regional e local, até as relações sociais e cotidianas) que os processos de mercantilização se
efetivam e produzem ou re-produzem a hegemonia do sistema. No entanto, tal processo nunca
se absolutiza, “é um per-fazer-se permanente” e, portanto, permeado de contradições e lutas
diversas. E, não somente nos aspectos do real interpretado (concebido), também na própria
relação dessa realidade com o pensamento, posto que “o pensamento e o raciocínio não
podem desterritorializar-se na abstração pura, pois as relações têm por suporte o espaço
social” (CARLOS, 1996, p.128). Ou seja, somos obrigados “a espacializar o pensamento
político, levando em conta os lugares e as regiões, as diferenças e as múltiplas associações
conflituais, presas ao solo, à habitação, à circulação de pessoas e coisas, ao funcionamento
prático do espaço”(p.128). E é nestes interstícios, que o poder dominante não consegue
abarcar, capturar, que emergem as “rebeliões” contra o sistema, sejam parte das “vítimas”,
dos discriminados, dos dominados, dos explorados (MARCOS, 1997; DUSSEL, 1993)
25
ou
dos lutadores da utopia, como as esquerdas emancipatórias, libertárias, socialistas e
comunistas, ao buscarem subverter aspectos instituídos (e ultrapassados) de seus paradigmas.
Um exemplo, de movimento anti-sistêmico, que agiria num sentido diferente e
contrário àquele, dos capitalistas e seus prepostos, de envergadura mundial, simbólica e
politicamente alternativa, são os Zapatistas, no México, ao apresentarem aspectos mais
radicais de uma utopia alternativa no contexto e perspectiva acima. Nesta, todos e todas
deveriam tornar-se sujeitos/atores na efetivação da superação do existente e da produção “de
um outro mundo possível”: um mundo em que caibam todos os mundos, que se caminhe no
passo do mais lento, mandar obedecendo (consignas dos zapatistas), poderiam servir de
roteiro às lutas contra qualquer dominação, exploração, discriminação e segregação no
cotidiano e nos sistemas que nelas se sustenta e mercantilizam as relações sociais.
Nas partes seguintes, a problematização das estruturas de poder (Estado, das políticas
e da gestão), com o fito de concebermos/vivermos experiências alternativas a partir dos erros
e acertos do desenvolvido em Porto Alegre.
25
“São mulheres, crianças, anciãos, jovens, indígenas, ecologistas, lésbicas, homossexuais, soropositivos,
trabalhadores e todos aqueles/as que ‘sobram’, que ‘molestam’ a ordem e o progresso mundial. Sabendo-se
iguais e diferentes, os excluídos da ‘modernidade’ começam a empreender resistências contra o processo de
44
2 - O ESTADO, A POLÍTICA E A GESTÃO DO SISTEMA PELA
ESQUERDA
O Estado
A ocupação do Estado e de suas instituições sempre esteve entre as prioridades das
forças políticas nos últimos 200 anos, fosse para a manutenção da ordem e de climas
favoráveis aos negócios, por parte dos setores comprometidos com o status quo, fosse pelas
forças anti-sistema para, a partir deste espaço, induzir as transformações. Vimos que as
estratégias dessas últimas redundaram em fracassos, pois não deram o segundo passo, ou
foram derrotadas pelos capitalistas. Além disso, os primeiros conseguiram avançar para a
“mercantilização de tudo” nas sociedades atuais, chegando ao ponto de alguém afirmar que
teríamos “chegado ao fim da história”.
No entanto, depois da “ocupação do estado e de suas instituições” o processo que se
desenvolve é mais complexo, pois os grupos diferenciados, pensadores especializados,
portanto, por forças sociais, impõem ideologias (LEFEBVRE, 1979, p.102) como paradigmas
compreensivos das “coisas”, das “relações” e do “mundo” visando assim constituir as bases
de seu domínio/hegemonia. Mas tais grupos sociais, classes e estamentos ao assumirem
instituições (Estado) elaboram argumentos e justificativas para suas políticas como gestoras
dos “negócios” deste.
El Estado [...] necesita de una burocracia, es decir, de una clase media que tiende a volverse parasitaria,
al mismo tiempo que “competente” al alzarse con el Estado por encima de toda la sociedad (no sin
conflictos con los que poseen los medios de producción, es decir, con las restantes fracciones de la clase
dominante. (LEFEBVRE, 1979, p.20)
Esta burocracia, como gestora do Estado (portanto, Estado em Ação) se desenvolve
em dois sentidos:
Por un lado, administra la sociedad de acuerdo con la hegemonía de la clase dominante y dirigente:
según sus intereses actuales y sus proyetos estratégicos. Engendra, por tanto, una educación, un
conocimiento y unas ideologías, unos “servicios” sociales, por ejemplo, la medicina y la enseñanza,
según los intereses de la clase hegemónica (dominante). Al mismo tiempo se alza por encima de la
sociedad entera, de modo que las personas que controlan el Estado (fracción de la clase hegemónica o
desclasados) poden llegar a dominar e incluso a explotar durante algún tiempo a la clases
económicamente dominante, privándole de su hegemonia. (LEFEBVRE, 1975, p.19)
destruição/despovoamento e reconstrução/reordenamento que leva adiante, como guerra mundial, o
neoliberalismo” (MARCOS, 1997).
45
A concepção de Estado utilizado neste trabalho inspira-se em Marx, mas vai além, a
partir de Henri Lefebvre, já que estudos em educação, numa perspectiva crítica relacionada ao
marxismo, tradicionalmente iniciam fazendo uma sistematização do Tomo I do Capital de
Karl Marx (1968), não dariam conta da complexidade dos processos de produção e re-
produção das relações sociais na totaldiade da sociedade. Tais estudos evidenciavam a
exploração da força de trabalho e a extração da mais-valia
26
e, assim, davam por constituídas
as bases do Estado e das políticas sociais e dos sistemas educacionais, como determinados
funcionalmente a partir daquela base. Neste texto, tento arregimentar outras bases e
fundamentos.
Henri Lefebvre defende a necessidade de incorporar o Estado às análises das relações
sociais, da produção e da exploração e dominação capitalista, desde o início do processo
enquanto totalidade sistêmica. Em seu clássico A produção e a re-produção das relações
sociais (LEFEBVRE, 1973; MARTINS, 1996) argumentou sobre o lugar e o papel do Estado
neste processo de permanência e manutenção do sistema capitalista enquanto articulador da
sociedade como um todo e na garantia do bom funcionamento do mercado. Sposito (1996) e
Martins (1996) disseram que o Estado é o responsável pelo laço social, pela garantia de que
através das leis, das normas, dos contratos, as relações desiguais – da e na sociedade, da e na
produção – sejam aceitas e garantidas como iguais (também em LEFEBVRE, 1979).
Entretanto, destaco, que o próprio Estado ao produzir leis e normas para garantir a
constituição e a ordem, está produzindo as próprias relações sociais capitalistas
27
.
Para Henri Lefebvre, o Estado cumpre o papel de articulação da totalidade dos
processos produtivos materiais no modo de produção de mercadorias. A “extração da mais-
valia” seria apenas a primeira parte deste processo que finaliza quando as mercadorias são
vendidas (sendo valor de troca para quem as vende e valor de uso para quem as compra). Tal
processo e relação, a equalização dos desiguais (ou a troca de equivalentes), no processo de
26
Mais-valia é a diferença não paga da força de trabalho realizada pelo trabalhador e apropriada pelo capitalista
no processo de produção material (na fábrica, na empresa, etc.). Na perspectiva tradicional do marxismo a
educação seria indiretamente influenciada por tal processo e relação de exploração.
27
Ernest Mandel (1982) em sua Introdução ao Marxismo dialeticiza as relações de produção e das forças
produtivas e do Estado na sociedade de uma maneira que vai além do marxismo tradicional: “o nascimento do
Estado é, pois, produto duma dupla transformação: o aparecimento de um sobre produto social permanente, que
permite libertar uma parte da sociedade da obrigação de efetuar trabalho para sua subsistência – parte essa que
cria assim as condições materiais de sua especialização nas funções de acumulação e de administração; uma
transformação social e política que permite excluir os restantes da coletividade do exercício das funções políticas
que eram outrora comuns a todos” (p.21-22). Ele é usado para (parte dele) para “pagar os membros do aparelho
de estado” e quanto maior “o Estado se pode estruturar através de um número crescentemente elevado de
soldados, de funcionários e de ideólogos” (p.23); o Estado desempenha também uma função de integração
ideológica. Cabe aos produtores de ideologias assegurarem esta função (MANDEL, 1982, p.21-23).
46
produção, da distribuição e do consumo (troca) e do papel do Estado (leis, contratos) neste
processo é um dos menos compreendidos de Marx, diz Lefebvre (1973, 1979, 1991).
As análises marxistas simplificadas, de que o “Estado capitalista é um comitê das
classes dominantes” e que tem como base a economia, ou ao contrário, aquelas que dão
destaque apenas aos processos políticos, não dão conta da complexidade do como se
desenvolve/produz o processo de dominação em sua inteireza
28
, e portanto, seu lugar e papel
na produção das relações sociais através das políticas, leis e gestão que implementa.
Azevedo (2001), ao discutir a educação como política pública, – aponta a necessidade
de análises que “façam interseções” – e busca compreender o fenômeno como: o “Estado em
ação”, inspirada em Pierre Muller. Thenborn (1983) também já havia mostrado que os
marxistas, ao longo do século XX, muito pouco tinham estudado, analisado ou teorizado
concretamente, sobre como o Estado exercia aquilo que afirmava ser um “comitê das classes
dominantes”.
Enfim, parto do pressuposto de que o Estado é capitalista e, portanto, articula-se e
relaciona-se a uma institucionalidade vinculada à ordem, ao sistema social e a paradigmas
concretos de agir dos agentes estatais e sociais, mas que nem tudo está determinado ou
estabelecido desde o início e nem para sempre. Nos processos de implementação das políticas
e ações (do Estado em ação), os gestores estatais (a burocracia = classe média funcionária do
Estado) produzem a mudança através da ação concreta
29
.
O processo de equalização da desigualdade pelo Estado na sociedade produz-se
através da garantia da ordem (no sistema social e na produção material) e da lei (contratos) ao
igualizar as desigualdades como ponto de partida e no processo (equalizar os desiguais como
iguais). Portanto, na totalidade da sociedade e, no circuito da mercadoria (da produção, da
distribuição ou circulação e no consumo) o Estado, ao garantir as leis e os contratos dos
diferentes como se fossem iguais, produz a sociedade, produz as relações desiguais como
iguais (SPOSITO, 1996, a partir de Lefebvre).
28
Lefebvre (1976, p.54-55), inclusive mostra que, na produção de Marx sobre o tema da relação das forças
revolucionárias e o Estado existem posições contraditórias a tal simplificação. Na Comuna de Paris, ele propõe o
processo de destruição e ocupação do Estado pelos trabalhadores avançando para a autogestão da sociedade
pelos mesmos; já na Alemanha, sua proposição vai ao sentido da indução por parte do Estado às transformações.
Esta última parece que teria influenciado, na prática, os processos desencadeados na Rússia (1917) e nas
revoluções posteriores. Diz Lefebvre que esta tese do socialismo estatal é de Lassale e não de Marx.
29
Giddens (1996) dirá que há uma dualidade na relação da estrutura com a agência e vice-versa e, portanto, o
processo é complexo e duplamente contraditório, mas diferente dos que enfatizam a estrutura como determinante
ou ao contrário, daqueles que enfatizam o papel da agência humana. Mas, é Marx que inspirou Giddens!
47
A atividade estatal deve garantir e realizar as equivalências, aproximando-as da identificação pura e
simples; ela as realiza pelo alto e como centro, penetrando todas as esferas das relações sociais, até as
mais banais e cotidianas. O Estado institui a política como atividade superior, envolve o conjunto das
instituições, das condutas e das representações mas não se define por nenhuma delas. Sendo a forma do
político, o Estado se comporta como o centro de institucionalização e de decisões; não protege os
organismos sociais, a não ser na condição de colocá-los sob tutela. (SPOSITO, 1996, p. 45)
Portanto, o Estado produz a sociedade através das políticas que articula e implementa.
Mas o produzir aqui é diferente do processo que se desenvolve na primeira etapa da produção
da mercadoria; porém incide, como naquele, sobre as relações sociais entre os humanos em
diferentes espaços e lugares de poder.
La produción de cosas (productos) incluye la producción de relaciones sociales; esta doble producción
no puede fijarse (cosificarse) a sí misma en una simple re-producción de las mismas cosas y las mismas
relaciones. Por tanto, no hay reproducción del pasado o del presente sin producción de algo nuevo.
Deste modo adquiere originalidad en Marx la dialética hegeliana. La creación revolucionaria de nuevas
relaciones es inevitable, incluso sirviéndose de instrumentos políticos, como la opresión y la persuasión
(ideológica). (LEFEBVRE, 1976, p.19)
Neste sentido, a própria produção da política democrática e da igualdade com
liberdade, ampliada e radicalizada (sem fim e de alta intensidade), no processo de
desmercantilização das relações sociais, deverá, nesta perspectiva, ser efetivada em
permanente contraposição ao sistema realmente existente e à sua concepção limitada de
política democrática e de baixa intensidade.
Para tanto, o próprio conceito de política deve possibilitar uma perspectiva que dê um
sentido de totalidade aos aspectos que venho desenvolvendo. No caso, a política enquanto
teoria, enquanto conteúdo e processo/método de efetivar-se. Tais aspectos, na perpectiva anti-
sistêmica, deveriam ser relacionados à problematização do Estado, como fiz acima, e também
da própria gestão das políticas por parte deste. Na parte seguinte discuto o conceito de política
relacionado-a ao Estado e a seguir a gestão destas políticas, por parte do Estado, sobre os
sistemas de ensino e a educação.
A Política
Os anglo-saxões diferenciam dois sentidos para a palavra política: policy e politics
(LAFER, 1975, p.22; MARR, 1994, p. 14; CORTESÃO, MAGALHÃES, STOER, 2001, p.
46). Recentemente, MULLER e SUREL (2004) incorporam um terceiro termo ao conceito:
polity.
Para Lafer (1975, p.22), policy é uma política, no sentido de um programa de ação
(uma política do café, uma política cambial, uma política educacional etc.) e a politics se faz
48
quando se busca atender a interesses da sociedade, de seus grupos, que não são compatíveis e
consistentes em determinado momento, para a manutenção e a estabilidade do sistema pelo
Estado. Portanto, uma política é policy, quando justificada como de “bem comum” ou de “boa
prática’; portanto, algo que trabalha com os interesses contraditórios existentes na sociedade).
Politics se faz quando o Estado ou as políticas são desafiadas em sua legitimidade como
representante de todos; portanto, quando a igualização das desigualdades é colocada em
xeque por sua materialidade contraditória ao professado e/ou há ameaças ao consenso ou
equilíbrio de sustentação do Estado. O Estado e seus atores fazem politics aqui por coerção ou
cooptação para re-estabelecer a ordem e o bom funcionamento do sistema e das instituições.
Para Marr (1994, p.14-15), um partido à frente do governo executa uma policy nas
relações com outros países, ou no que diz respeito à saúde, aos transportes, à educação: tem
mais a ver com a administração dos negócios públicos que com a realização de interesses
sociais. E quando ele participa do debate parlamentar ou da disputa pelo governo está (no
caso de um partido) no terreno da politics. Ou seja, no terreno da disputa pelo poder.
Cortesão, Magalhães e Stoer (2001, p. 46), autores portugueses, também chamam a
atenção para a distinção dos dois temas da língua inglesa para os quais não temos vocábulos
correspondentes. A politics, dizem eles, se relaciona à concepção mais ampla de uma política
que orienta as mudanças sociais a serem implementadas (portanto, está na perspectiva
paradigmática). Já as policies são as políticas concretas que materializam aquela. Avançam,
portanto, nas elaborações anteriores ao relacionar ambos os conceitos, vinculando-os
enquanto processo de mudanças efetivadas pelos agentes políticos e ao afirmar que a decisão
e o seu processo assumem, aparentemente, esta partição e instalam-se essencialmente nas
segundas (nas policies), no carácter técnico e pragmático da sua implementação ou na sua
justificação e legitimação no quadro de metas estabelecidas como quadro político (politics).
Este, o paradigmático (o quadro político ou referencial teórico de fundo) raramente é
discutido e problematizado.
Já Muller e Surel (2004) adendam um terceiro termo: polity. Para eles, há um espaço
que chamam de esfera política (polity), que se diferencia da atividade política (politics) e da
ação pública (policy). Estes conceitos se relacionam ao dito por Luce:
A administração da educação tem sido por nós vista como uma área de estudos e como uma prática.
Enquanto área de estudos pretende-se a elaboração teórica e aspira-se à condição de ciência (polity).
Configura-se o saber sobre a organização, as decisões e as relações na educação e entre educação e
sociedade, bem como com os demais setores da vida sócio-econômica e política (politics). [E a] prática
da administração da educação é a realidade viva e atual. Dá-se no concreto, pela atuação individual e
coletiva no desempenho de papéis de um projeto político pedagógico (policy). A prática dá origem,
qualifica e revela valores e possibilidades da educação e de sua estrutura. (Luce, 1984, p.1-2) (Adendo
em negrito de CM)
49
Para Luce (1984) é importante o processo, que diz respeito às ações, ao modo de
reconhecer, decidir e levar a efeito os interesses de cada um e de todos quanto ao objeto, que
revela as necessidades e os interesses de cada um e de todos. Assim, a teoria política (polity),
a política específica (policy) e a política como método ou processo de implementação ou
política-domínio (politics) possibilitam uma perspectiva de totalidade do educativo na cidade.
A produção da política pelo Estado através da gestão dos sistemas de ensino
O Estado se materializa através da burocracia, das instituições, das leis que lhe dão
uma existência e pelas políticas que os governos desenvolvem (LEFEBVRE, 1979). No
entanto, esta coordenação e articulação do Estado na sociedade desenvolve-se de forma
complexa, através da sua atuação nos sistemas educacionais e políticas educativas.
Codd (1988), ao estudar as políticas educativas, destaca que para a concepção liberal,
o Estado “promove políticas que são do ‘interesse público’ e de cada pessoa que as aproveita,
ou não, segundo os seus próprios esforços”. A função da educação na relação do Estado e a
Sociedade está “na promoção de mobilidade social” e na proteção dos “interesses de todos os
membros da sociedade, através de um sistema de regras e regulação aplicado a todos”. Por
sua vez, na versão marxista, diz o mesmo autor, o Estado não serve “necessariamente nem
automaticamente aos interesses da classe capitalistas” (OFFE, 1997, conforme CODD, 1988),
mas sim, relaciona-se com as instituições e os processos necessários para assegurar a
dominação dessa classe (e do sistema). Nessa concepção, todas as classes e interesses podem
ser promovidos pelo Estado se forem do interesse do funcionamento do sistema. No entanto,
devido às crises, as soluções passariam pelo debate público, constituindo um consenso geral,
no qual as “políticas do Estado são legitimadas”. Portanto, a gestão das “crises” pelo Estado
passaria pela produção de um consenso e de legitimação
30
.
Para evidenciar esse processo de legitimação da ordem social, Robertson e Dale (2001,
p.124) dizem que Offe (1997) contribuiu ao estudá-la em dois sentidos (o dos lugares
estratificados e da necessidade da previsibilidade e da estabilidade social). Isto porque, se
determinadas condições criam conflito e instabilidade na ordem social (afetando, por
exemplo, o poder de trabalho humano e as funções produtivas), o Estado desenvolve ações
30
É claro que tal processo baseia-se principalmente nos casos de países desenvolvidos, pois, no nosso o que
predominaria, de forma mais extensiva e recorrente, ao longo de nossa história, seria a coerção.
50
que buscam colocar as pessoas nos seus lugares retomando a estabilidade e o fim dos
conflitos (OFFE, 1997, p.81, conforme DALE e ROBERTSON, 2001, p.125)
31
.
A questão é controversa e complexa. Por exemplo, Habermas ao destacar o tema da
legitimidade, que para ele “significa o reconhecimento do valor de uma ordem política”,
explica que esta deveria estar “aberta à contestação e depende do reconhecimento da
sociedade civil e do capital” (HABERMAS, 1979, p.122, citado em ROBERTSON e DALE,
2001); deveria passar pelo “reconhecimento da autoridade política do Estado”. Isso, por sua
vez, estabeleceria as “condições previsíveis para o desenvolvimento econômico, mas também
para assegurar um nível de coesão social entre a população e para apoiar a governação do
Estado”, pois a “estabilidade da ordem de dominação cria as condições para a reprodução
dessa ordem social” (HABERMAS, 1979, citado em DALE, 2001).
Nesta perspectiva, portanto, apoiar a acumulação de capital passaria pela garantia de
coesão social para permitir a produção e a reprodução pacífica das relações sociais da
economia capitalista e legitimar o sistema capitalista (Idem, DALE, 2001). Mas a legitimação
é um processo (ROBERTSON e DALE, 2001) que, no caso das leis e dos contratos nas
sociedades, são garantidos pelo Estado.
No neoliberalismo, por exemplo, na medida em que os contratos são flexibilizados e
se dá ênfase à empregabilidade, colocando sobre os indivíduos a responsabilidade por seu
trabalho e seu empreendedorismo, desvincula-se o Estado da precariedade dessas condições
de trabalho (gerado pelo próprio capitalismo). Isto porque o “contracto de trabalho é [...]
localizado ao nível do indivíduo e não ao nível do Estado e do cidadão; o indivíduo interioriza
ideologicamente o Estado e ao mesmo tempo o risco potencial da precariedade”
(ROBERTSON e DALE, 2001, p.125). As privatizações, o desenvolvimento de uma
educação para a competitividade, o fim das políticas de segurança social, etc... criam uma
instabilidade que não é relacionada imediatamente ao sistema e seus desenvolvimentos, mas
a cada indivíduo, por seus méritos e esforços (Idem, 2001)
32
.
31
Em primeiro lugar, “este processo proporciona às pessoas expectativas relativamente estáveis quanto às suas
pertenças e quanto à conduta apropriada no trabalho e na vida. Em segundo lugar, as sociedades devem dotar as
populações, de forma igualmente padronizada e rotinizada, dos meios de existência em troca das funções
valorizadas que elas desempenham (ou desempenharam) e como condição prévia para a continuação do
desempenho dessas funções. Esses meios incluem o salário (ou pelo menos o direito a meios de consumo de
bens) e proteção (ou pelo menos parcial compensação de riscos ou de ocorrência de prejuízos) (OFFE, 1997, p.
81, apud ROBERTSON e DALE, p.125).
32 “O Estado identifica, homogeneiza, equaliza, destrói particularidades e diferenças, reúne as cadeias de
equivalências em uma entidade política que se produz e se reproduz como tal [...] A equalização forçada do
desigual, a equivalência forçada do não-equivalente, a identificação forçada do não-idêntico, a homogeneização
por coerção do diverso e das particularidades, tais são as funções maiores, iniciais e finais do Estado”
(KOMINSKY et alli, 1996, p.60). Ver também António Magalhães e Stephen Stoer (2002a, 2002b).
51
Portanto, a “identidade de uma sociedade, [é] determinada de forma normativa pelo
Estado, [e] pode ser vista como sendo construída e reproduzida no interior de e através de um
regime de verdade que tem efeitos aos níveis do indivíduo, da instituição e da formação
social(ROBERTSON e DALE, 2001, p.126). E na medida em que os indivíduos vivem no
local, “na sua atividade de auto-governação ‘pensam’ o Estado através de escolhas auto-
reguladas na ‘comunidade’ e no ‘mercado’ regulados pelo Estado” (ROSE, 1999, apud
ROBERTSON e DALE, 2001, p.127) como resultantes do consenso construído pelo próprio
Estado ao instituir “novas estruturas e práticas institucionais do novo regime de regulação”
(p.127). Pois:
o poder identitário do Estado produz indivíduos reduzidos ao status de signo e sinal: registros de
nascimento, carteiras de trabalho, contratos de casamento, etc. essa identificação, que confisca as
identidades (concretas) e as diferenças, é instituída e fundada pela ditadura da escrita: “a identificação
dos elementos do Estado – identidade fixada a cada elemento da identificação geral como membro do
Estado – se faz pelo papel, sobre o papel, com os papéis”. (LEFEBVRE, 1978, III, p.58)
Efetivamente, o Estado pode gerir e dominar vidas inteiras, reduzindo-as a simulacros
no cotidiano (NASSER et al., 1996, p.34; NASSER, 2001). A educação é fundamental neste
processo já que desde pequenos somos inseridos em seus processos de construção de
subjetividade, de concepções, valores etc., em conformidade ao instituído hegemônico, no
qual o Estado e suas instituições regulam, controlam, legitimam e produzem enquanto ordem
e estabilidade normal e únicas. Certamente, os três problemas (coesão, legitimação e
acumulação) não esgotam a agenda dos sistemas educativos, nem tudo que acontece nas
escolas ou universidades pode ser relacionado a eles (DALE, 2001, p.121). Contudo,
“moldam de forma fundamental” a educação que se relaciona àquela e também são moldados
pelas “dinâmicas sociais dentro da sociedade civil”
33
.
33
“A conexão entre os sub-sistemas que asseguram esta vida social (ensino, fiscalidade, informação, justiça,
etc.) e a sua subordinação ao conjunto só são asseguradas pelo Estado e pela intervenção do poder estatal. Este
poder, quando intervém no domínio do espaço, não age em nome de uma concepção e dum saber do espaço. Ele
utiliza representações , instrumentos, coisas no espaço. O poder multiplica-se em poderes parciais sem perder a
sua propriedade divina, a Unidade soberana. Por delegação, procura reter ou voltar a ter nas mãos as instituições
que o constituem e tendem a emancipar-se, autonomizando-se” (LEFEBVRE, 1978, In. CARLOS, 2001, p.123).
52
3 - OS SISTEMAS EDUCACIONAIS NA TRANSIÇÃO
PARADIGMÁTICA E CIVILIZACIONAL
Os paradigmas em crise e transição
Boaventura de Sousa Santos (1999, 2000), diz que os fundamentos subjacentes aos
modos de pensar e de viver, estão em crise e em transição, mas que, apesar disso, ainda na
atualidade “os grandes cientistas sociais que estabeleceram e mapearam o campo teórico em
que nos movemos, viveram e trabalharam entre o século XVIII e os primeiros anos do século
XX”
34
predominam como referências nas diversas áreas do saber/conceber/viver. Parece que
chegamos ao século XXI sem ter terminado o XX, pois as transformações atuais, as traduções
dos conhecimentos acumulados, as reflexões e as descobertas do e no conhecimento nos
colocam numa situação de ambigüidade junto com a “complexidade da situação do tempo
presente, um tempo de transição, síncrone com muita coisa além ou aquém dele, mas
descompassado em relação a tudo o que o habita” (Idem, p.6).
Isto porque o paradigma atual que se constituiu “a partir das revoluções científicas do
século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes no Ocidente”, tendo como base “as
ciências naturais”; e no “século XIX estende-se às ciências sociais emergentes” (Ibidem,
p.11), no caso a sociologia, a antropologia etc., a partir de uma ruptura com o anterior, para a
produção do novo, e ainda mantém seu vigor e influência em todos os campos do
pensamento. Suas características estão sistematizadas no Quadro n° 1:
Quadro 1: O Paradigma Moderno
Era “uma nova visão do mundo e da vida” [...] [qe] “reconduz-se a duas distinções [...] entre conhecimento
científico e conhecimento comum, por um lado, e entre natureza e pessoa humana por outro”. Ao mesmo
tempo, “desconfia sistematicamente das evidências das nossas experiências imediatas”, ao buscar a
“separação total entre a natureza e o ser humano”, pois a natureza é “passiva, eterna e reversível” e formula
“leis”, para a controlar e dominar . “As idéias que presidem à observação e à experimentação são as idéias
claras e simples a partir das quais se pode ascender a um conhecimento mais profundo e rigoroso da
natureza”, essas são as “idéias matemáticas” , que “fornecem à ciência moderna [...] o instrumento
privilegiado de análise, [...] a lógica da investigação [...] e o modelo de representação da própria estrutura da
matéria”; “conhecer significa quantificar” [...] “dividir e classificar para depois poder determinar relações
sistemáticas entre o que se separou”. Privilegia o como funciona das coisas em detrimento de qual o agente ou
qual o fim das coisas. Tem como pressuposto metateórico “a idéia de ordem e de estabilidade do mundo, a
idéia de que o passado se repete no futuro”, sendo “a pré-condição da transformação tecnológica do real”. No
plano social “é esse também o horizonte cognitivo mais adequado aos interesses da burguesia ascendente que
via na sociedade em que começava a dominar o estádio final da evolução da humanidade e leis na e da
sociedade.
Fonte: SANTOS (1999, p.12-18).
34
Passando de “Adam Smith a Ricardo, Lavosier e Darwin, de Marx a Durkheim, a Max Weber e Pareto, de
Humboldt a Planck, Poincaré e Einstein” (SANTOS, 1999, p.5).
53
Como exemplo, e resgatando o enfoque deste trabalho, a idéia/concepção de progresso
e/ou evolução nas concepções de história/desenvolvimento das sociedades que
permeou/permeia a esquerda do século XX estaria “encharcada” de aspectos do paradigma
moderno. Neste, haveria o “privilégio ao como funcionam as coisas”, em detrimento da
função, ou mais precisamente “de qual o agente ou qual o fim das coisas”, como característica
do paradigma emergente. Uma perspectiva que articulasse a política (polity, politics e policy)
com o Estado em ação estaria mais relacionada ao paradigma emergente.
Sobre o Paradigma Emergente, Santos (1999) elabora algumas teses desenvolvidas em
profundidade teórica e na prática em estudos e ações em diversas partes do mundo.
Santos (1999) cita Ilya Prigogine, Fritjot Capra, dentre outros, como produtores de
diversos aspectos do Paradigma Emergente que ele chamará de “Um Conhecimento Prudente
para uma Vida Decente” (SANTOS, 1999, p. 37). No quadro 2 (Anexo 1) estão resumidas as
teses de Santos sobre o Paradigma Emergente e suas características, as quais podem ser
consultadas para detalhes.
Destaco destas teses alguns aspectos para relacionar com o desenvolvido nas partes
anteriores. É necessária a problematização da experiência desenvolvida em Porto Alegre,
enquanto exemplo de movimento emergente e contributivo ao referido paradigma.
Ao afirmar como um dos aspectos do paradigma emergente a “introdução da
consciência no ato de conhecimento”, da “superação das dualidades”, de colocar “a pessoa no
centro”, e de que não “há natureza humana porque toda a natureza é humana” (tese 1), Santos
nos possibilita elementos para a afirmação da necessidade de relacionarmos a polity, com a
politics e a policy, que através da gestão das políticas processam-se tendo o humano como
central (agência) e não as estruturas. No entanto, ambas (estrutura e agência) se relacionam e
se influenciam mutuamente (espacialmente) e desenvolvem-se (temporalmente) num processo
de estruturação e desestruturação permanente. Então, sendo o homem que estaria no centro e
não os conceitos (sejam, o Estado, a educação, os ciclos, o partido, etc.), seria necessário,
ainda, referir-se ao concreto, ao local, ao vivido cotidiano de cada um
35
. Tal aspecto se
relacionaria à tese 2 de Santos (1999).
Nesta, além da idéia do conhecimento como totalidade que é também local, Santos
(idem, 1999) estaria relacionando temas, conceitos a grupos concretos no local. Desta tese,
destaco também a idéia de uma ciência tradutora (como “um conhecimento sobre as
condições de possibilidade de ação humana projetada no mundo a partir de um espaço-tempo
35
Adiante, nas conclusões, lembro que Harvey (2004) disse ser necessário relacionar os dois extremos dos
discursos atuais - a globalização e o corpo – na produção de alternativas pela esquerda na atualidade.
54
local”) e da possibilidade de uma “pluralidade metodológica” (possível pela transgressão
metodológica), a partir da imaginação pessoal do cientista e da tolerância discursiva (tese 2).
Portanto, ao contrário dos enquadramentos do método científico tradicional, no qual a
simples apresentação metódica seria pré-requisito da correção/verdade dos resultados, na
perspectiva de Santos, método e processo de descoberta desenvolvem-se de forma articulada e
influenciando-se mutuamente, e sendo passíveis de “afiliações” diversas. Assim, a “ciência
não descobre”, é o cientista que “cria”; os “pressupostos metafísicos”, os sistemas de crenças,
os juízos “são partes integrantes da explicação” (tese 3).
Por fim, destaca Santos a necessidade de resgatar o senso comum, o vivido, o
cotidiano pois eles “dão sentido às nossas vidas” e de que o “salto qualitativo” do
conhecimento científico, no paradigma emergente, deverá ser neste rumo (tese 4), como
elementos fundantes do referencial teórico desta tese
36
. Neste aspecto, no paradigma
dominante, haveria um privilegiamento do saber sistematizado/científico sobre/em detrimento
do saber comum/do vivido cotidiano. O conhecer é um processo que parte do saber sobre o
senso comum/a ignorância. No paradigma emergente, parte-se da realidade, do senso comum,
do cotidiano, num dialógo (e diria, de problematização do conhecimento sistematizado
enquanto absoluto e impermeável à contestação) permanente com o conhecimento científico.
Este como aquele são permanentemente ressignificados e potencializados em suas relações e
possibilidades de compreensão/ação sobre o real/vivido.
Os sistemas educacionais na transição paradigmática
Nas sociedades modernas (ocidentais), é através dos sistemas educacionais, e tendo o
Estado (através do Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e Municipais no Brasil)
como indutor principal que se faz a produção das concepções, valores e relações das atuais e
novas gerações. É o que dizem Bertrand e Valois (1995) ao analisarem as relações entre a
escola e as sociedades e afirmam estar no cerne desta relação (e ação) “educar os membros da
sociedade” (Idem, 1995, p.11). É evidente que as escolhas estatais não são as únicas
possíveis, e os sistemas educativos não podem ser reduzidos somente a um papel de
adaptação dos individuos à ordem e ao sistema hegemônico, pois internamente (os diferentes
níveis estatais e dentro de cada um deles (no caso da educação, nas redes de ensino, escolas,
comunidades, e em cada uma delas) perspassam contradições e conflitos, além de contarem
36
Sobre a questão de ruptura do cotidiano programado enquanto produção e criação dos sujeitos como poiésis
(obra humana e produção humana) veremos adiante, com Henri Lefebvre.
55
com “uma certa autonomia”, podendo efetivar outras alternativas que aquela emanada do
Estado.
Por exemplo, a escola, conforme Bertend e Valois (1995),
visa, através de determinados processos, a realização de determinados fins. Ao receber uma ordem de
uma entidade exterior, ela tende para um fim, a saber, que um estudante possa adquirir, entre outros,
valores, comportamentos, capacidades e conhecimentos específicos. A organização educativa procura
atingir este fim ao tratar precisamente da informação. Recorre, então, aos atores (professores,
educadores, administradores) e a modelos de tratamento da informação a que chamamos estratégias
pedagógicas. A organização educativa apresenta-se, então, como um subsistema aberto, atravessado por
forças provenientes de um sistema maior que constitui o seu meio. (Idem, 1995, p.20)
O processo de realização dos fins (portanto, das mudanças) conforme os autores pode
ser operacional, no qual seriam buscadas a permanência e/ou a reprodução do sistema
(Ibidem, 1995, p.22). A estratégica visaria a adaptação, recorrendo a “mecanismos de
aprendizagem e de reforço de determinadas formas de comportamento ou de organização”
(Ibidem, 1995, p.23), sem modificar os fins almejados. Por fim, a mudança paradigmática
que estaria relacionada à transformação radical e/ou criação ou produção do novo. Cada uma
destas perspectivas poderiam ser relacionadas aos paradigmas de Santos (1999) onde, as duas
primeiras (a operacional e a estratégica) estariam mais próximas do paradigma dominante, e a
paradigmática mais relacionada ao paradigma emergente. (ver Anexo 2).
As políticas, a gestão e a organização dos sistemas educativos e das organizações
educativas relacionam-se a orientações definidas desde o campo paradigmático que as orienta,
determina e/ou induz, estabelece leis, regras, normas. A perspectiva dominante deste
paradigma (que Santos chama também de tradicional), e que os autores, de “paradigma
sociocultural dominante”, tende a orientar e/ou induzir a reprodução da sociedade
correspondente (ou vigente). No entanto, os sistemas educativos, bem como a “organização
educativa poderá, também, propor novos paradigmas socioculturais” que se “oponham e
procurem substituir um paradigma dominante”, para o qual a experiência desenvolvida na
rede municipal de Porto Alegre pela SMED foi exemplo.
No entanto, se admitirmos que, no sistema municipal de ensino de Porto Alegre a
política educativa desenvolvida pelo centro de poder municipal buscou ser hegemônica (e
portanto única), também, (seria necessária conforme vimos na introdução, com Lícinio Lima,
(2002) que no interno da rede, experiências rebeldes, diferentes, e até contrárias àquela da
SMED desenvolvessem no cotidiano escolar. Mais detalhes adiante.
56
A reconfiguração dos sistemas educacionais na atualidade
As transformações decorrentes dos processos e das ações no mundo globalizado
desencadeados pelos agentes do sistema capitalista estão a reconfigurar a estrutura
organizacional e de domínio no nível global a qual impacta nos espaços locais de formas e
maneiras diferenciadas (ver DALE, 2001, e Anexo3). No referente aos sistemas educativos
não é diferente, pois estes têm sido reconfigurados em todos os países e continentes, visando
adaptarem-se (no sentido de mudanças estratégicas, Bertrand e Valois, 1995) às mudanças e
às necessidades dos processos produtivos e competitivos bem como na produção de hábitos e
valores da sociedade competitiva atual e futura (que tem sido chamada de sociedade do
conhecimento ou da informação).
Aprofundando o debate sobre o impacto da globalização nos sistemas educativos Dale
(2001) diz que a globalização afeta “as políticas e as práticas educativas nacionais”, sendo
necessário verificar as implicações na natureza do “que é que pode ser afetado e como é que
esse efeito acontece(DALE, 2001, p.134). Isto porque, ao partir da concepção de que existe
uma agenda estruturada na educação (AGEE) e, portanto, permanentemente alterada
conforme as mudanças estruturais do sistema por parte dos agentes hegemônicos. Por outro
lado, Dale contrapõe-se à idéia da existência de uma “educação mundial” ou de uma
Educação Mundial Comum (CEMC), para a qual “o desenvolvimento dos sistemas educativos
nacionais e as categorias curriculares se explicam através de modelos universais de educação,
de Estado e de sociedade, mais do que através de fatores nacionais distintivos” (DALE, 2001,
p.135).
No quadro 4 (Anexo 3) sistematizo as duas concepções comparando-as. Destaco, no
entanto, que para Dale (e para mim) é desde o mundial ou global que as forças supranacionais
influenciam as políticas e os processos nacionais e os sistemas educativos, bem como os
quadros interpretativos nacionais, como por exemplo, a abordagem do capital humano e/ou
instituindo uma agenda. Esta é estabelecida em função da conjuntura, dos contextos e casos
concretos de disputas, mas há algo que se mantém em essência, como pano de fundo, como
quadro normativo de referência ou paradigma dominante relacionado ao sistema capitalista.
Os quadros regulatórios nacionais são agora, em maior ou menor medida, moldados e delimitados por
forças supranacionais, assim como por forças político-econômicas nacionais. E é por estas vias
indirectas, através da influência sobre o Estado e sobre o modo de regulação, que a globalização tem os
seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os sistemas educativos nacionais. (DALE, 2001, p.151)
57
Para desenvolver tal processo, o autor cita das agências produtoras de normativas e
orientações ao sistema (UNESCO, OCDE, o FMI, o Banco Mundial e muitas outras) ou
aquelas que “assumem uma pertença universal”, como desempenhando um papel crucial
enquanto veículos da mensagem da CEMC (Cultura Educacional Mundial Comum)
37
.
Ao discutirem a transnacionalização da educação e seu impacto em Portugal e nos
países de língua portuguesa (PALOPs), Luisa Cortesão e Stephen Stoer (2001), utilizam-se da
produção de SANTOS (2001) do ‘localismo globalizado’ e ‘globalismo localizado’, avançam
em contribuições na relação do impacto e relação do global com o local em educação. Dizem
eles que localismo globalizado poderia ser exemplificado pelo processo no qual determinado
fenômeno local é globalizado com sucesso (exemplo, língua inglesa, fast food, leis de
propriedade intelectual). Dizem que, são soluções/produções locais dos Estados Unidos, por
exemplo neste caso, que se globalizaram ao/no local, e não percebidos como tal (no caso, de
um fenômeno local americano). Já o globalismo localizado seria o impacto específico nas
condições locais, decorrente dos imperativos transnacionais (a agenda, o CEMC), no qual
este, seria desintegrado, desestruturado e, eventualmente, reestruturado sob a forma de
inclusão subalterna
38
.
Tais conceitos/fenômenos relacionados à educação também seriam bastante
inspiradores. Por exemplo, o localismo globalizado aplicado à educação, segundo Cortesão e
Stoer (2001), teria feito emergir a escola oficial, gratuita e laica, a escola para todos, tal como
é identificada na Lei de Bases do Sistema Educativo de Portugal (1986) e na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394, de 1996) no Brasil. Tal escola seria resultante de
um localismo (europeu, pós revoluções burguesas, e tendo o paradigma dominante como
orientação hegemônica)
39
que rapidamente se globalizou, a partir do século XIX, tornando-se
37
Elas buscam construir princípios, normas, regras e procedimentos de uma pretensa “cultura política mundial” e
operam através de “uma grande variedade de formas no sentido da institucionalização das ideologias, estruturas
e práticas mundiais em nível do Estado-nação” (DALE, 2001, p.159). DALE (1999, apud CORTESÃO e
STOER, 2001) destaca alguns dos mecanismos utilizados como procedimentos destas entidades em sua
intervenção. Na realidade européia, por exemplo, a harmonização, promovida pelo tratado de Mastricht;
disseminação, presente nas atividades da OCDE, através de esforços para definir as prioridades;
estandardização, ilustra a política da UNESCO de Direitos Humanos, condição para ser membro; na
implantação de interdependência, por exemplo, na qual ONGs, através de materiais “verdes”, para os
currículos; a imposição, nas medidas obrigatórias associadas com os empréstimos para a educação pelo Banco
Mundial (p.372).
38
Neste, o que se globaliza é o vencedor de uma luta pela apropriação ou valorização de recursos ou pelo
reconhecimento da diferença, que se traduz na faculdade de ditar os termos da integração, da competição e da
inclusão, convertendo a diferença (a sua) em condição universal e exclusão ou inclusão subalternas das
diferenças alternativas (SANTOS, 2001, p.71).
39
Tal processo, no entanto, não deve ser compreendido de forma absoluta, pois a “escola e o sistema educativo”
que se constituíram no Brasil até fins do século XIX, por exemplo, tiveram muita influência nas concepções da
igreja católica. E, depois, seja nos anos 1930, no conflito com os liberais, nos anos 1950 nos debates da 1ª LDB e
na ditadura, e ainda hoje, as confissões religiosas ainda têm influência no sistema educativo como mantém
lobbys e escolas, faculdades e universidades.
58
norma internacional. Já o globalismo localizado pode ser verificado nos imperativos
educativos transnacionais e no impacto nas práticas educativas decorrentes das orientações,
normas e perspectivas dos OI e da CEMC mais recentemente.
No caso de Portugal, é perceptível na existência de um dualismo educativo (isto é, um
esforço de conciliar formação para o ‘taylorismo-fordismo’ com formação para o ‘pós-
fordismo’), funcionalmente coerente com a existência de um dualismo tecnológico, segundo
Stoer (1990, apud CORTESÃO e STOER, 2001, p.373). Ou seja, as políticas educativas que,
em princípio, foram elaboradas para enfrentar esse dualismo, ao serem implementadas através
de um “pluralismo cultural ‘benigno” (STOER, 2000), transformaram-se “em meras respostas
às hierarquias da produção e reprodução à escala mundial”.
No caso do Brasil, a influência internacional, mais recente, pode ser exemplificada nas
reformas desencadeadas durante a ditadura em decorrência dos acordos MEC/USAID que re-
estruturaram e reformaram todos os níveis de ensino, e nas duas últimas décadas nas relações
do Ministério da Educação com o Banco Mundial, a Unesco, e outros organismos
internacionais. Mais precisamente, o ministro da educação Paulo Renato de Souza (1994-
2002), o período mais longo de nossa história, assumiu o posto vindo diretamente de
Washington, pois era funcionário de um organismo internacional, e de ter trabalhado em outro
nos anos oitenta e noventa.
O ministro foi responsável pela reestruturação da educação brasileira nos oito anos em
que esteve à frente do MEC em conformidade às necessidades (a agenda) do sistema
capitalista mundial no referente aos sistemas educativos nacionais de forma qualificada e
competente. Um pequeno exemplo, o FUNDEF. Tal programa re-estruturou as finanças
educacionais dos diferentes níveis estatais, portanto, uma imposição da esfera federal sobre as
demais, induzindo a ampliação do atendimento do ensino fundamental, utilizando-se métodos
competitivos entre estados e municípios (e destes entre si) sem ampliar recursos e ao mesmo
tempo reduzir as matrículas, e portanto, ampliando as responsabilidades aos níveis estatais
subseqüentes (do federal ao estadual e ao municipal) (ver quadro 5, anexo 4, p.258).
Os movimentos em contraposição e/ou em decorrência aos movimentos dos setores
hegemônicos mundiais no campo educativo, são caracterizados por Stoer (2001) como um
novo movimento social em educação. Na parte seguinte, desenvolvo aspectos relacionados a
esta perspectiva.
59
A inter/multiculturalidade crítica em educação como novo movimento social na cidade
Se por um lado, o localismo globalizado e o globalismo localizado podem ser
relacionados às concepções hegemônicas mundiais e nacionais e, logo, ao paradigma
dominante (Santos, 1999), por outro, e ao mesmo tempo, também, os movimentos e ações
alternativas e/ou emergentes desenvolvem-se no espaço mundial e locais. Os próprios
gestores educativos de Porto Alegre, a partir de 1993, afirmaram estar desenvolvendo uma
educação contra este movimento global de mercadorização da educação e das escolas.
No entanto, relacionada ao paradigma emergente (SANTOS, 1999, 2000), a alternativa
estaria inspirada no cosmopolitismo
40
e na defesa do patrimônio comum da humanidade
41
.
Tais elementos, no espaço dos sistemas educativos e na escola (conforme CORTESÃO e
STOER, 2001), desdobram-se “através do que temos vindo a denominamos ‘relocalização do
agente educativo’”, e ao inserirem a escola em “seu desenvolvimento de características de
lugar estrutural, se assume como cidade educativa” (negrito CM). Portanto, não somente o
agente educativo teria/deveria ressignificar sua prática educativa neste “andar na navalha”, de
indução desde o exterior, ao mesmo tempo, que ao perceber-se como sujeito, age e faz de sua
vida (vivido) e obra em contextos locais e em coletivos educativos e de diálogo, expande-se
ao espaço mais amplo à escola e à comunidade até chegar à cidade educativa. No entanto esta
cidade educativa deveria ser resultante da produção das escolas que
desenvolvem/implementam uma gestão democrática, e orientadas numa perspectiva (uma
agenda) de sentido contra-hegemônico, pretendendo ser um “espaço e [um] processo [de]
inter/multiculturalidade”, de “natureza poliglota mestiça” (idem, p.373) na educação e no
ensino de forma permanente e democrática. Poderia adendar, em apoio a esta concepção, as
contribuições de Wallerstein (2002), já discutidas sobre a democracia, a igualdade e a
desmercantilização das relações sociais e das relações educativas que se produzem nas salas
de aula, escola e cidade. No entanto, em seu interior (de cada espaço) as diferenças e
diversidades seriam os fermentos da rebeldia e da produção emergente do novo e instituinte
40
O Cosmopolitismo descreve práticas e discursos de resistência contra as trocas desiguais no sistema mundial e
é usado para assinalar que é apenas possível de um modo intersticial nas margens do sistema mundial em
transição (SMT), como prática e discurso contra-hegemônico. Não quer significar universalismo, uniformização
ou colapso das diferenças, autonomias ou identidades locais, e sim o cruzamento das lutas progressitas locais,
com o objetivo de maximizar o seu potencial emancipatório in loco, através das ligações translocais/locais
(SANTOS, 2001, p.64).
41
Já o Patrimônio Comum da Humanidade seria decorrente das lutas transnacionais pela proteção e pela
desmercadorização de recursos, entidades, artefatos, ambientes considerados essenciais para a sobrevivência
digna da humanidade e cuja sustentabilidade só pode ser garantida a escala planetária (Idem, p.75).
60
permanente, e contra qualquer idéia ou concepção de homogeneização ou de hegemonismo
desde os espaços centrais sobre os demais.
Diz Stoer (2001) que a educação inter/multicultural como movimento social emerge
da tensão e das energias emancipatórias no momento em que estamos vivendo. Nesta
perspectiva, “os atores sociais de um movimento social têm que ter um autoconhecimento
caracterizado pela sua condição social, o que os atores exteriores ao movimento social não
possuem”. Eles/as visam a “construção de uma identidade social a partir de um projeto social
alternativo, o que não impede [pois] só por si que os novos movimentos sociais sejam
heterogêneos”. Baseiam-se em uma “forma de cidadania participativa”, em tensão com a
“cidadania baseada na democracia participativa” e buscam “gerir as diferenças” (Idem,
p.261). Portanto, diante da fragmentação decorrente da globalização (e diria da crise das
esquerdas e das alternativas), a educação inter/multicultural como movimento social,
desenvolve-se contra estes processos de fragmentação propondo, por um lado, a recontextualização dos
universos psicológicos e culturais dos alunos e estudantes, das suas subjetividades, na educação escolar
e universitária através do desenvolvimento de um bilingüismo cultural tornado possível pela construção
de dispositivos de diferenciação pedagógica na base de uma recomposição de saberes [...não
acumulação], e onde os saberes, sobretudo locais, são [re]valorizados (STOER e CORTESÃO, 1999, In
STOER, 2001, p.259-260).
No Forum Mundial de Educação (2001), STOER (2001), ao ser indagado sobre como
garantir a educação pública para todos como direito social inalienável (Carta do Forum),
afirma que
O caminho para a consolidação do princípio de igualdade de oportunidades educativas envolve, por um
lado, investimento na consolidação da escola pública (investimento financeiro, profissional e social),
isto é, investimento na escola chamada meritocrática e, ao mesmo tempo, investimento em novas
formas de educação escolar. Estas últimas incluem a descentração da escola pública e o
desenvolvimento de parcerias da escola com outras instituições e entidades da comunidade envolvente.
Isto implica que a escola pública sempre terá de ser uma escola que promove a excelência acadêmica
(um ensino de qualidade).(STOER, 2001)
Portanto, a produção de uma outra educação e de outra escola parte da que existe,
aprofundando-a e radicalizando-a, e também transformado-a pelos sujeitos (e atores sociais
que vivem o movimento social contra-hegemônico enquanto autoconhecimento). Tal
processo, portanto, parte do que existe transformando-o enquanto processo sem fim e de alta
intensidade, em semelhança às proposições de democracia sem fim e de alta intensidade
(SANTOS, 1998, 2005) no espaço da cidade/sociedade mais ampla.
Por esta razão, reconhecemos a igualdade de oportunidades, como bandeira limitada,
no objetivo de construção de uma cidade educativa inter/multicultural crítica e de natureza
61
mestiça e poliglota, pois pressuporia que todos têm as mesmas condições ou partem das
mesmas condições, no acesso à escola. Por isso, no Brasil, na Constituinte (1986-1988), o
princípio da “igualdade de condições...”, em contraposição ao de “igualdade de
oportunidades...”, defendido pelos liberais, acabou sendo garantido em decorrência da
mobilização do Forum em Defesa da Educação Pública, tanto na Constituição como na LDB.
Isto porque ele poderia ser o ponto de partida da idéia da consolidação da escola
pública, pois se efetivarmos a universalização do acesso à educação básica no Brasil, teríamos
um avanço democrático enorme. No entanto, ao mesmo tempo em que isso fosse se
efetivando, deveríamos ir produzindo novas formas de relações (sociais e epistemológicas) na
educação (sala de aula, nas escolas e na relação destes com o estado/governo nos sistemas de
ensino).
A descentração e as parcerias da escola pública para o desenvolvimento de ações
conjuntas com outras entidades, com a comunidade e com os movimentos sociais de bairros e
de vilas, poderiam ampliar e relacionar o educativo ao mundo real. Também se poderia buscar
a excelência acadêmica e a qualidade do ensinar, do apreender e dos conteúdos desse ensinar
e nesse aprender. Ou seja, além do que propõe a democracia representativa, a igualdade de
oportunidades de acesso (a escola monocultural), é preciso desenvolver a “escola
multicultural, baseada na democracia participativa, e tendo como preocupação principal a
igualdade de oportunidades de sucesso”, bem como das condições para que todos possam ter
excelência acadêmica e ensino de qualidade (MAGALHÃES E STOER, 2002).
Um aspecto importante que emerge desta realidade são as diferenças, donde nossa
compreensão é de que importa não o “pensamento das diferenças a partir do discurso
(científico, ético, político e estético) sobre elas, mas tê-las como ponto de partida. As
diferenças foram delimitadas pelo pensamento ocidental, tal como foi modelado pela matriz
sociocultural da modernidade, no sentido de que se constrói e justifica as diferenças de
múltiplas maneiras, apesar de se afirmar a busca da igualdade, o universal, ou a igualdade de
oportunidades para todos (STOER, 2001). A esquerda, como disse Wallerstein (2002),
sempre buscou a igualdade lutando contra as diferenças, decorrentes da apropriação
diferenciada dos meios de produção e lugar social que as classes ocupavam. No entanto, na
realidade não somos iguais, também, em relação a cor, sexo, etc. E, alguns destes aspectos
não podem (e nem devem) ser homogeneizados, pois são aspectos que caracterizam os
indivíduos. Além disso, qual é o parâmetro de referência para a igualdade? Ao destacarmos,
ao longo deste texto, o processo de produção das relações sociais, deveríamos partir dos
aspectos acima referidos como pontos de partida sobre os quais se poderia e deveria construir
62
a igualdade, sem acabar com as diferenças (unidade nas diversidades e diferenças) sociais e
culturais.
Para tanto, na produção de uma cidade educativa, é preciso contrapor à escola
monocultural (igualitarismo) e à escola multicultural benigna (que aceita as diferenças para
justificar a superioridade de uns sobre os demais, ou que trabalha com elas como folclore),
através de um movimento social da escola inter/multicultural emancipatória e poliglota-
mestiça.
A escola monocultural e o professor daltônico partem do princípio de que todos são
iguais; e a escola multicultural ‘benigna’ trabalha com as diferenças, mas enquanto naturais
e resultantes dos próprios indivíduos, buscando condições favoráveis’ ao seu livre
desenvolvimento. No mesmo sentido, a gestão controlada das desigualdades (pilotar e surfar)
leva a uma educação compensatória, a programas alternativos, currículos alternativos, ou seja,
ao afastamento ou à criação de guetos daqueles que aí são colocados, e que, na concepção
destas duas escolas, são ‘anormais’.
Na perspectiva alternativa - de educação inter/multicultural emancipatória - as
diferenças são vistas para dialogar com elas. Melhor, parte-se delas como realidade e recurso.
A forma da escola capaz de criar indivíduos capacitados para enfrentar o mercado mundializado e em
vias de reconfiguração será um mandato renovado para a escola pública, enquanto parceira da
comunidade, como lugar privilegiado de comunicações interculturais e que defende que um princípio
ético e político de justiça social deve orientar não só as práticas pedagógicas dos agentes educativos
como também a própria seleção do saber para o currículo. (STOER, 2001)
Por fim, a educação inter/multicultural crítica se “desenvolve no espaço criado pela
possibilidade da mudança no sistema” e, portanto, não pode “ser controlada pelo próprio
sistema” (Idem, p.270). Neste sentido, uma educação e movimento “contra-hegemônico [é]
crític[o] porque armada por um conhecimento sociológico reflexivo e implicado, quer dos
processos de reprodução social e cultural, quer da relação entre cidadania e subjetividade; [é]
contra-hegemônica porque, face aos excessos de regulação, se assume como parte integral do
movimento para a solidariedade, a cidadania ativa e a justiça social” (Ibidem, p.271). E o
agente educativo estará “relocalizado, articulado em rede, parceiro de um processo de
desenvolvimento local integrado, inter/multicultural na sua gestão da diferença e na sua
capacidade de promover o bilingüismo cultural” (STOER, 2001, p.272).
63
A gestão do Estado e das políticas educacionais
A concepção aqui sistematizada dos conceitos de Sistema-Mundo, Estado,
Paradigmas, sistemas educacionais, educação inter/multicultural, dentre outros, orienta a
pesquisa, sua sistematização e as reflexões. Assim, o concebido, anunciado no projeto de tese,
foi ao longo do processo de pesquisa, amadurecido. Nesta parte, ao resgatar aspectos do
desenvolvido anteriormente, faço o fechamento destes 3 primeiros capítulos para, nos
seguintes, descrever e discutir o material empírico, sistematizado e interpretado.
A esquerda ou as forças da mudança (no sentido paradigmático e anti-sistêmico)
encontram-se em crise. Wallerstein (2002, 2004) afirmou que tal crise deve-se às derrotas e à
ofensiva político-econômico-teórico-ideológica das classes e forças dominantes, e também
aos seus próprios referenciais teóricos. No caso, a concepção de progresso histórico (as leis de
cobre, de Stalin, ou a sucessão dos modos de produção), e da incompletude das revoluções
vitoriosas. Essas não deram os passos necessários na revolucionarização das relações sociais,
seja devido à sua concepção estatista ou, porque no próprio projeto havia contradições. A luta
pela igualdade acabou não sendo relacionada radicalmente com a democracia e a diversidade
humana. Portanto, urge nesse novo projeto, a assunção enquanto concebido e vivido de uma
perspectiva inter/multicultural crítica na luta pela superação das condições socioeconômicas
desiguais e de exploração.
Assim sendo, devemos avaliar profundamente tal crise, no sentido dos próprios
fundamentos teóricos e paradigmáticos que nos orientaram, e das concepções hegemônicas,
para além, apenas, dos aspectos políticos. A proposta seria a de lutarmos, a partir de algumas
proposições mínimas que nos unam, ao mesmo tempo em que buscamos, nesse programa, a
desmercantilização de tudo, já que nos últimos tempos, os capitalistas a efetivaram em todas
as relações e espaços humanos.
Com Boaventura de Sousa Santos (1999, 2000) discuto crise do paradigma
dominante e as teses do paradigma emergente que calam fundo nos fundamentos da ordem
e do sistema atual: a modernidade e o paradigma hegemônico, necessário à produção das
alternativas. Destaco destas teses: a relação do conhecer (processo) com o conhecido
(conteúdo), tendo as pessoas no centro da relação do conhecimento (e da ação) enquanto
totalidade, mas localizada a partir da ação de grupos, interesses, práticas, do rompimento das
amarras delimitadas pelos referenciais teóricos tradicionais sobre o real. A noção de que na
ciência não se descobre, mas se cria (portanto, é produção humana, Henri Lefebvre) e de que
as crenças, os juízos, etc. são integrantes da explicação do cientista social contribuem neste
64
sentido. Além disso, seria necessário resgate do senso comum, do vivido, do cotidiano, pois é
o que dá sentido às nossas vidas (e, com Lefebvre, perceber no cotidiano e senso comum os
momentos de ruptura; da assunção da agência, dos humanos como produtores e gestores de
suas vidas, saberes e fazeres, mesmo que sob determinadas condições, ver MARTINS,
2001) como fundante para este referencial teórico.
Os sistemas educativos e as organizações escolares, vimos com Bertrand e Valois
(1995), apesar de seguirem normas, orientações e leis visando a adaptação ou mudanças
instrumentais, conforme o sistema e a ordem (paradigma dominante), têm espaços de
autonomia entre as macro orientações e o cotidiano onde se desenvolve a ação (a escola).
Portanto, ao se efetivar a educação (ou as ações educativas e políticas educativas), não
necessariamente transformará o existente no sentido de sua ruptura, mas poderá servir para
manter e/ou aperfeiçoar o sistema e a ordem social existente. A perspectiva da transformação
estaria melhor relacionada à paradigmática, se visasse a transformação radical da sociedade,
não se restringindo apenas aos aspectos teóricos (paradigmáticos), mas incidindo sobre: o
paradigmático, o político e o organizacional.
O Estado seria fundamental nesse processo, e relaciona-se também ao sistema
educativo. O Estado moderno emergiu no sistema mundial (países e Estados) - do centro e da
periferia (XIX) - através da criação de instituições de força (forças armadas e policiais) e da
regulamentação (leis, instituições, com a criação e consolidação de mecanismos fiscais e
redistributivos), da criação de uma infra-estrutura nacional de comunicação; tem um papel
fundamental na articulação e na produção da totalidade social em conformidade ao sistema.
Mas produção que é na realidade produção e re-produção das relações sociais, que se
desenvolve na totalidade da sociedade, exigindo uma análise do processo global da
mercadoria na sociedade (produção, distribuição e consumo), no qual o Estado tem papel
fundamental.
Marx explicitou a forma da troca enquanto cadeia de equivalentes, ele não considerou suficientemente
os seus momentos. Um deles, a equalização do desigual, que se realiza por um ato de constrangimento,
traz o poder e a violência como inerentes ao ato de troca, à sua dimensão conflituosa; ou seja, o poder é
a produção política do laço social e tanto ele como a violência não seriam assim extra-econômicas ou
extra-materiais, mas estariam pressupostos nos laços fundantes da troca social, mediatizada pela
mercadoria. (SPOSITO, 1996, p.44)
Ou seja, o capitalismo, ao desenvolver-se, reproduz-se, ampliando os espaços da
mercadoria até chegar ao mundial, no sentido territorial, e a toda a sociedade em todos os
espaços. Mas, Lefebvre diz que a re-produção não é somente reprodução enquanto igual,
porém “inovação, criação, é algo novo”, ou seja, os dominados produzem e re-produzem não
65
somente as suas condições, enquanto reprodução – igual – mas enquanto práticas e relações
novas, diferentes. E o Estado é o articulador global desse processo (SPOSITO, 1996); como
produtor da política para a sociedade, ele garante e produz a igualdade a partir das
desigualdades (de classe, de raça/etnia, de gênero, etc.), através das leis, dos contratos, da
ordem, do universal, das normas e dos valores. O Estado estaria no centro - é o poder
instituído ligado ao sistema hegemônico – o capitalismo. E com a globalização ou a
mundialização e a emergência do espaço mundial, os processos de ocupação do cotidiano
(programação burocrática e penetração da “mercadoria”) humano e social foram levados ao
extremo.
Sobre o Estado e a gestão das políticas, mostrei, com Lefebvre, que na totalidade da
sociedade o Estado cumpre o papel de amarrar o sistema e a ordem para sua permanência e/ou
reprodução, legitimação. Mais, a produção da própria igualdade, a partir das desigualdades
existentes através da leis, normas e orientações (políticas e sua ação) na sociedade e no
cotidiano das relações sociais. Portanto, é sobre as relações sociais que ele incide no sentido
de perpetuação do existente ou de melhorias funcionais, que não coloquem em risco a ordem.
No mesmo sentido, as políticas em seus três significados devem ser relacionadas às
perspectivas paradigmáticas (SANTOS), pois como nos alertaram Cortesão, Magalhães e
Stoer (2001) geralmente se discute o conteúdo das políticas educativas e muito raramente seu
referencial ou quadro teórico. Portanto, as forças da contra-hegemonia ou anti-sistêmicas ao
ocuparem espaços de poder.
Finalmente, retomo, sobre as mudança em educação, Cortesão, Magalhães e Stoer
(2001) ao discutirem políticas educacionais e as mudanças em educação na Europa e, em
particular, em Portugal, destacam três conceitos: pilotar, surfar e gerir. Estes me servirão
para amarrar as questões acima, na problematização da gestão democrática desenvolvida no
sistema de educação em Porto Alegre nos governos do PT.
66
4 – BASES HISTÓRICAS E SOCIAIS DAS POLÍTICAS NO BRASIL
La producción de cosas (productos) incluye la producción de relaciones sociales;
esta doble producción no puede fijarse (cosificarse) a sí misma en una simple re-producción de las mismas
cosas y las mismas relaciones.
Por tanto, no hay reproducción del pasado o del presente sin producción de algo nuevo.
Deste modo adquiere originalidad en Marx la dialética hegeliana.
La creación revolucionaria de nuevas relaciones es inevitable,
incluso sirviéndose de instrumentos políticos,
como la opresión y la persuasión (ideológica).
Henri Lefebvre, 1975.
De 1500 a 1822, o Brasil foi colônia de Portugal e, em tal condição, sua função era
gerar e produzir recursos e riquezas, bens para a metrópole através da escravidão, da
exploração e do autoritarismo sobre enormes contingentes de seres humanos. No entanto, tal
sistema também produziu relações sociais racistas e discriminatórias que ainda persistem e se
articulam à dominação e aos processos de produção e re-produção do sistema capitalista
brasileiro em vigência.
No período de 1822 até 1889, no Império, tais condições sociais e culturais não foram
superadas e nem questionadas em profundidade.
A República, instituída em 1889, portanto há
115 anos, foi uma “ilusão” (FAORO, 1989)
42
no sentido de ter produzido uma gestão da res-
pública, por parte dos governantes, elitista e circunscrita à democracia representativa (voto de
4 em 4 anos, voto não secreto, exclusão da mulheres e analfabetos, etc.), quando não
interrompida por golpes militares quando as elites julgassem necessário. Além disso, o regime
republicano foi resultante de uma “quartelada” e as questões sociais, até 1930
43
, foram caso
de polícia; o voto não era secreto, as mulheres não votavam e os analfabetos passaram a votar
somente em 1988.
42
“Primeira ruptura de verdade em nossa História, a República renegou a soberania popular e instaurou o
patrimonialismo - em que o Estado serve de biombo para a velha ordem” [...] Deodoro chega ao Palácio
aclamado [...] provisório o governo, permanente o poder da espada, contra a qual a Carta de 1891 nada fez
(FAORO, 1989, p.63).
43
Contraditoriamente, será da década de trinta, com o Manifesto dos Pioneiros, que as lutas educativas e por
outras políticas sociais mais radicais assumem uma visibilidade na história de nosso País. A partir de 1930, com
o governo de Getúlio Vargas, surge o Ministério da Educação, leis de ensino profissionalizantes, a primeira
universidade, etc.
67
De 1964, quando os militares assumem o poder, até 1984, os governantes foram
indicados pelos militares e as elites para as zonas de segurança nacional e as capitais, eleitos
nos demais locais através dos dois (2) partidos consentidos, e o presidente através de uma
junta militar. O processo de transição, a partir do final da década de 1970, foi articulado pelas
elites (FAORO, 1988), visando garantir a governabilidade lenta e segura ao novo regime
dentro do sistema
44
.
Então, a ‘aliança’ das elites com antigos oposicionistas, no caso da luta pelas diretas
em 1984, através de movimentos de massas em todo o País, ao circunscrever-se ao espaço
controlado do Congresso Nacional e à votação da lei, possibilita a transição almejada, de
forma segura, com a absorção de antigos opositores. O avanço realizado em tais
circunstâncias, na melhoria das condições de vida e consumo (Plano Cruzado, 1986), que
possibilitará a eleição arrasadora de representantes do PMDB (partido majoritário no governo
de então, e durante a ditadura, o único de oposição ao regime militar, como MDB), logo será
substituído por estratégias afinadas ao sistema social vigente e à sua governabilidade no
processo de elaboração da nova Constituição (de 1987 a 1988).
De forma breve, portanto, podemos perceber que a história pregressa (de escravidão,
autoritarismo, uso privado/elites do público/estado, racismo, etc.) impõe-se sobre o presente
garantindo-lhes (às elites e aos setores dominantes da sociedade e do capitalismo no Brasil) a
hegemonia nas relações sociais que perspassam a sociedade e mantêm a extrema desigualdade
socioeconômica de nossa sociedade.
No período mais recente, de 1985 até 1989, diferentes forças políticas, antes na
oposição, foram gradualmente ocupando espaços de governo e re-estabelecendo uma nova
institucionalização da dominação burguesa, de certa forma colocando fim à transição. Nos
anos noventa, no plano internacional, com o fim do socialismo burocrático, e com as políticas
neoliberais, de Reagan (Estados Unidos) e Thatcher (Inglaterra), que ganharam força com a
eleição de Collor (1989) e tiveram continuidade com Fernando Henrique Cardoso (I e II), e
em certo sentido, no governo de Lula, até o presente, a esquerda e o imaginário transformador
sofreram um duro golpe, estando hoje em crise política profunda.
44
Em 1988, Faoro advertia que “a conciliação já não podia funcionar”, pois “os governadores recém-eleitos logo
dividiram o poder com Sarney”, o que de fato ocorreu (p.8). A conciliação aludida nas palavras de Faoro, em
entrevista em 1985: “o primeiro ano da nova república começa nos dias finais da grande articulação de Tancredo
Neves para vencer no Colégio Eleitoral e encerra-se com a formulação inicial do que deverá ser o governo
Sarney” [...] “um governo duro, oligarca [...] que vai buscar certos apoios, escoras, para durar [...] que são as
68
As políticas e a gestão da educação
As políticas de Sarney (PMDB), de 1986 a 1989, de Collor (1990/92) e de Itamar
(1993) podem ser consideradas como de transição até a chegada de Fernando Henrique
Cardoso ao governo em 1994. Já na campanha eleitoral, Paulo Renato de Souza (que veio a
ser o Ministro da Educação de FHC) estava envolvido na produção política para a área. As
políticas e a gestão em educação (1995-2002) evidenciam um sentido hegemônico e
perspectiva neoliberal, pois visaram a construção de uma nova configuração
45
do setor
(concepções, valores e práticas), em conformidade com as necessidades dos processos
produtivos (em ambiente de globalização) e de sua hegemonia na sociedade e no cotidiano
dos processos educativos.
Em janeiro de 1995, o ministro, ao sistematizar as razões estratégicas do governo no
campo educacional (MEC/Plano Estratégico/1995-1998), afirma que, a longo prazo, o
“Estado [...] estaria responsável somente pelo gerenciamento das políticas para a educação e
pela modernização gerencial, cabendo aos estados e municípios o papel de executores,
enquanto que, na União, haveria uma conseqüente redução deste papel” (Idem, p.4). Mas, as
políticas aplicadas pelos descentralizadores, no entanto, deveriam seguir a “estrita
observância da política estabelecida” (Ibidem, p.4). A simplificação das leis e normas visava
“estimular a ação de agentes públicos e privados na promoção da qualidade de ensino”, para a
qual a descentralização do sistema levaria os recursos para quem os executa, articulando
estados e municípios e repassados de forma automática. Para a crise do magistério, os baixos
salários e suas graves distorções, prevê uma gradativa mudança, mas que não resolverá estes
problemas sozinho (o MEC), isto será apenas com a mobilização da sociedade como um todo
(Ibidem, p.8).
No último ano de governo (2002), na Revista Investindo na Cidadania sobre o avanço
na educação no Brasil, o Ministro reafirma os objetivos perseguidos em sua gestão: melhorar
a qualidade, descentralizar e ampliar o atendimento, [...] concretizar uma base sólida para
transformar definitivamente a educação brasileira [...] e superar entraves históricos [...]
melhorando, de modo significativo, diversos indicadores sociais do País (Idem, p.9). Destaca
que, ao colocar as crianças na escola, estimular a formação dos profissionais da área, avaliar
mesmas do regime militar: o empresariado, o setor conservador, e estabelecer o controle das demandas que
afrontaram o regime anterior - reforma agrária, luta sindical, formação de consciência sindical”, etc.
45
Reconfiguração é um termo usado pelos partidários da Terceira Via, no Reino Unido, para descrever a
natureza dos processos através dos quais mudam a política, e que a instituem (a reconfiguração que dizem fazer)
como a “perspectiva segundo a qual está a acontecer”, bem como os próprios “debates cujos parâmetros são
estabelecidos pela idéia de reconfiguração”. Ao contrário, devemos ter como escopo central, “a análise da
natureza das mudanças”, diz Dale (2002, p.6).
69
os alunos, os cursos, os professores e as escolas e investir na permanência dos estudantes nas
salas de aulas, ao propiciar a eqüidade no atendimento, a descentralização dos recursos e as
competências, o fortalecimento da capacidade de gestão do conjunto do sistema e a melhoria
da qualidade do ensino, estaria propiciando a igualdade de oportunidades às crianças e aos
jovens brasileiros. Tem como suas realizações a aprovação da nova LDB (1996) e “as [...]
políticas do governo [que] passaram a privilegiar as ações de caráter estrutural e a melhoria da
gestão dos programas para atingir as raízes das deficiências do sistema educacional” (p.10)
46
.
A LDB “trouxe autonomia para as escolas, flexibilizou os currículos e estimulou amplamente
a qualificação dos professores”, tendo “os estados, os municípios e o governo federal definido
as suas responsabilidades”.
O Ministro destaca, ainda, que o “envolvimento dos pais, das empresas e das
organizações das comunidades na gestão e na fiscalização do dinheiro público destinado à
educação constituem mudanças culturais inegáveis”
47
e que os “salários dos professores da
rede pública aumentaram 29,5%” (REVISTA Investindo...2002, p.9). O INEP “passou a ser o
órgão produtor de informação qualitativa e quantitativa, com o objetivo de monitorar e
subsidiar as políticas educacionais nos diferentes níveis”, relacionado, portanto, à avaliação e
ao controle da qualidade do acompanhamento da produtividade do sistema, por parte do MEC
(p.12-13)
48
.
Como podemos perceber, desenvolveu-se, nessa gestão de Paulo Renato de Souza,
uma complexa e eficaz gestão em sintonia ao sistema-mundo capitalista que reconfigurava
seus sistemas de ensino para melhor adaptar as condições em conformidade aos interesses dos
capitalistas. Mas, para além de constatar isto, mais importante é perceber ou identificar como
tal processo de exercício e de produção da hegemonia desenvolveu-se nesta gestão.
46
Com a Emenda Constitucional n. 14 (FUNDEF) “o Ministério definiu critérios justos e objetivos transparentes
de distribuição e utilização dos recursos, levando em conta o número de crianças matriculadas” (p.13).
47
Em 1995, havia 11.643 escolas com APMs, em 2001 chegam a 71.660. Isto “evidencia o estimulo à criação”
desses espaços de participação de pais e mestres, visando o uso e o controle dos recursos repassados à escola. No
entanto, no mesmo quadro no qual o INEP apresenta esses dados, é possível perceber que o recurso despendido
em 1995 foi de C$ 229.348.00 reais e, em 2001, de C$ 307.160. 00 reais. Ou seja, as APMs aumentaram em
700%, mas os recursos em apenas 50% (MEC/INEP, 2002, p. 12).
48
Foram realizados inúmeros Censos da Educação Nacional: em 1995 e 2002, da educação básica, infantil, de
jovens e adultos e especial e do ensino superior, em 1995 e 2000; do professor, em 1997, da educação
profissional em 1997, etc. (MEC/INEP, 2002, p.13).
70
As críticas às políticas educacionais
A contestação às reformas e às políticas de Paulo Renato de Souza ocorreu através de
greves e de manifestações dos professores e funcionários das universidades federais, por parte
dos reitores, de governos municipais e estaduais, de sindicatos municipais e estaduais de
professores e funcionários de escolas, de movimentos de pais e alunos, de ONGs populares,
dentre outros. A culminância dessas manifestações teve nos Congressos Nacionais de
Educação (1996, 1998, 2000, 2002) - articulados pelo Fórum em Defesa da Educação Pública
e Gratuita e milhares de entidades sociais e populares - um espaço muito importante.
A contraposição decorreu de sua orientação político-ideológica (neoliberal) nas
reformas e ao fato de se assemelharem àquelas emanadas dos organismos internacionais
49
. Na
reforma do Estado, a burocracia seria substituída por um enfoque gerencial (KEINERT,
2001), voltado ao cliente e aos resultados, uma gestão mais técnica, de controle e sob
inspiração das formas de gestão empresarial focadas no lucro e em cenários de competição
(mercados) que se traduziram na produção de quase-mercados na educação (DALE, 2001)
50
.
Nos oito anos de governo, FHC foi induzido à descentralização, numa “progressiva
municipalização do ensino fundamental, da educação infantil e de jovens e adultos”
(AZEVEDO, 2002), com o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Formação e
Valorização dos Professores (FUNDEF) e a alteração constitucional (Emenda 14), através da
redistribuição de recursos entre estados e municípios e das matrículas. Assim, o ensino
fundamental (Quadro 5, Anexo 4, p.258) chegou a em torno de 5 milhões de matrículas,
indicando redução das matrículas, nesse nível, pelos estados, e o deslocamento significativo
dessas matrículas aos municípios.
49
No Boletim do BM (2003) sobre a parceria com o Brasil afirma-se: o Brasil é parceiro há mais de cinqüenta
anos. Em relação à educação e à saúde: “o País fez grandes progressos nos setores [...] nos anos noventa [...] a
parcela de crianças de 7 a 14 anos que não estão na escola reduziu-se a 5% (de 20%, em 1992; o analfabetismo
reduziu-se a 10%, etc.). Estas e outras reformas “provêm da adoção de iniciativas como a descentralização” [...]
na saúde e de mudanças no sistema de transferências intergovernamentais. Diz-se que o FUNDEF ataca as
“desigualdades regionais no financiamento e no acesso à educação” nas regiões e nos setores mais pobres (p.11);
“o Brasil está trabalhando com o Banco e outros parceiros para descentralizar ainda mais os sistemas de saúde e
educação e aumentar a participação das comunidades locais nos gastos e no planejamento de programas” (p.11).
Cita-se que o Fundescola estaria recebendo 384 milhões de dólares para expansão do programa e que haveria
testado recentemente outros programas que transferem [...] dinheiro às famílias (bolsa escola) (p.13) para afirmar
que a “transferência da responsabilidade para as comunidades” é essencial para “o sucesso e a sustentabilidade
da reforma educacional” (p.13). (Negrito CM)
50
A introdução de mecanismos de mercado aos sistemas educacionais e na educação em mercadoria não passam
somente pela privatização da educação, como mostram estudos desenvolvidos em países como Inglaterra, Nova
Zelândia, Austrália e outros (ROBERTSON e DALE, 2001, DALE, 2002).
71
A descentralização, anunciada pelo Ministro, evidencia algo mais profundo: a redução
da participação da União na educação
51
, decorrente da transferência de responsabilidades
(indução, segundo o ministro) aos demais entes federados. Assim, o governo, no período, ao
mesmo tempo buscava a reconfiguração do sistema educacional e da gestão da administração
(uma mudança estrutural), construía no interior do sistema e entre os entes federados, as
escolas e comunidades, os professores, as APMs, os conselhos escolares etc. práticas
competitivas (a nova cultura), por meio de processos de redistribuição das matrículas e de
recursos entre estados e municípios, estímulos a concursos de gestão e de difusão da avaliação
como forma de controle.
A produção de práticas competitivas e de controle evidencia-se no processo de
implementação da reforma e nos procedimentos realizados pelos governo, pois, de um lado,
segundo Azevedo (2002), cresceu o “poder regulatório da ação estatal”, com “aumento dos
controles centralizados” e, de outro, as práticas (execução) descentralizadas (AZEVEDO,
2002, p.60). As políticas de assistência técnica e de assessoria a programas via FNDE
52
e os
conselhos, como do FUNDEF ou da Alimentação Escolar, são exemplos desses
procedimentos, visto que a “maior parte dos programas federais colocou para os espaços
locais a obrigatoriedade de criação de novos mecanismos de gestão [...]” surgindo “uma
multiplicidade de conselhos”
53
.
Houve uma “transferência de competências da esfera central de poder para as locais”,
relacionada ao “objetivo de redução do Estado às suas funções mínimas” (Idem, p.54),
levando a novas “formas de definição e de articulação entre os espaços local, nacional e
global, com profundas repercussões para os padrões societais, para as políticas sociais e,
portanto, para a educação que vem se reformando em escala planetária” (Ibidem, p.57).
51
Por outro lado, “os valores totais liquidados pelo MEC em 2000 representam 96,1% do valor de 1995 […],
uma queda de 3,9% na despesa […] entre 1995 a 2000 (em termos reais); “os recursos aplicados pelo governo
federal na educação, quando comparados ao PIB, indicam uma queda de 0,2% entre 1995 e 2000”. “Houve uma
diminuição da participação percentual da despesa com educação na despesa total não financeira da União,
passando de 16,2%, em 1995, para 13,1%, em 2000” (IBASE, 2001, p.110). Sader diz que “o endividamento
público passou de 30% do PIB, em 1994, para 61,9%”, e os “gastos em educação representam 20,3% das
receitas correntes em 1995; em 2000 eram apenas 8,9%. Enquanto isso, os gastos com juros da dívida subiram
de 24,9% das receitas para 55,1% em 2000” (SADER, 2002, p.13-14).
52
“Os diversos programas executados pela autarquia [o FNDE] refletem as ações e mudanças na busca da
melhoria da qualidade do ensino. Um exemplo é a descentralização da execução, que tem demonstrado ser um
instrumento ágil no atendimento às necessidades dos alunos e gerador de economicidade na aplicação dos
recursos, além de estimular as comunidades a exercerem o seu importante controle social” (MEC/INEP, 2001).
53
Azevedo (2002) diz que tais conselhos (FUNDEF, Programa Dinheiro Direto na Escola, Programa Merenda
Escolar, etc.) tiveram pouca eficácia no sentido de contribuir, de fato, na democratização da gestão, devido à
dificuldade dos gestores municipais em constituí-los e fazê-los funcionar, a maioria funciona pro forma por
exigência legal, etc.
72
Na educação, a reforma do Estado, entre outros aspectos, traduz-se no entendimento de que é preciso
ajustar a gestão dos sistemas de ensino e das escolas ao modelo gerencial, conforme divulgado pelo
poder central, em consonância com o discurso das agências externas de cooperação e financiamento.
Segundo tal entendimento, esse é o modo de garantir a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos,
com base no princípio da eficiência e na busca da relação ótima entre qualidade e seus custos. (MARE,
1995, cit. AZEVEDO, 2002, p.59)
Houve, portanto, “mudança na ação estatal”, através de um novo tipo “de regulação
das políticas sociais”, uma espécie de ‘expansão’ dessa ação, demonstrando a compatibilidade
entre Estado-mínimo e o Estado-forte” e de “práticas de mercado”.
Não se trata do regresso do princípio do mercado, mas de uma nova articulação, mais direta e mais
íntima, entre o princípio do Estado e o princípio do mercado [...] A força do Estado, que, no período do
reformismo, consistiu na sua capacidade em promover interdependências não-mercantis, [através da
promoção de políticas públicas de corte social], passou a consistir na sua capacidade de submeter todas
as interdependências à lógica mercantil. (SANTOS, 1999, cit. AZEVEDO, 2002, p.59).
Portanto, dentro do processo de transição do regime e da consolidação de um novo
bloco hegemônico das elites brasileiras (1989-1995), se efetivou uma nova institucionalidade
(leis e normas) e também uma nova forma de regulação, na qual o Estado/governo através de
leis, políticas e ações produz e re-produz o sistema, efetivando no cotidiano dos agentes
educativos a mudança cultural e sistêmica que propôs.
A experiência desenvolvida em Porto Alegre, desde 1989, antes da gestão de FHC
(1995-2002), afirmava-se alternativa e contraposta ao capitalismo e ao sistema hegemônico e,
depois de 1995, contraposta, também, ao que se desenvolvia no nível federal pelo Ministério
da Educação. Vejamos detalhes das gestões do PT na cidade e na educação, avançando para
aspectos mais específicos de suas políticas.
Os governos do PT na cidade e na educação de Porto Alegre
De 1964 até 1984, os militares indicaram os prefeitos. Em 1985, Alceu Colares (PDT)
é eleito pelo voto popular para um mandato “tampão”, até 1988. De 1989 a 2004 será o PT,
através de sucessivas reeleições, que governará a capital, como outras cidades antes
designadas áreas de segurança nacional, onde se elegem subseqüentemente partidos de
esquerda e centro-esquerda (HARNECKER, 1993, 1995). No entanto, dessas prefeituras,
somente Porto Alegre será governada por tanto tempo pelo mesmo partido (1989-2004), pelo
que se justificam os estudos. Nesse processo, podemos perceber aspectos de continuidade e
aprofundamento nas políticas educacionais desenvolvidas, mas também de rupturas, dentro de
um mesmo campo político, ou seja, entre partidos (ou dentro do mesmo partido) que se
pretende(m) representante(s) da (s) classe (s) popular (es).
73
Descrevo, inicialmente, os governos do PT na cidade com aspectos gerais das políticas
desenvolvidas, e depois, as gestões em educação com seus aspectos principais. Viso com isto
dar um panorama dos governos e de suas políticas que serão discutidos em profundidade nas
partes seguintes (Ver Quadro 6, Anexo 5).
No primeiro governo, com Olívio Dutra (1989 a 1992), o PT afirma ter buscado
colocar a casa em ordem e se apropriar do funcionamento da máquina administrativa
municipal. Apesar de graves dificuldades no início, como o lock out dos transportadores de
passageiros, consolidou-se como uma administração pública séria, competente, democrática e
participativa. Conseguiu criar melhores bases financeiras, através do saneamento e
reorganização das finanças municipais, e, visivelmente, melhorou os serviços públicos de uma
forma geral. Isto tudo, somado à implementação do Orçamento Participativo (OP) e à
Participação Popular.
No segundo governo, de Tarso Genro (1993 a 1996), o PT ampliou as políticas
estratégicas para a cidade com a consolidação do OP e de vários projetos de desenvolvimento
junto com diversos setores sociais e institucionais. O processo chamado Cidade Constituinte
reuniu diferentes setores, especialistas e população, visando constituir diretrizes de longo
prazo. Plenárias temáticas e de serviços, as rodadas intermediárias do OP, dentre outras,
acabaram criando novos espaços de discussão e deliberação dos cidadãos em relação às
políticas municipais. O I Congresso da Cidade e as Resoluções da Cidade Constituinte
prepararam o caminho para o governo seguinte.
No terceiro governo, de Raul Pont (1997 a 2000), o PT ampliou, ainda mais, as
políticas participativas, envolvendo a população na discussão de diretrizes gerais do Plano
Plurianual, dando continuidade às desenvolvidas anteriormente no OP. Ao mesmo tempo,
ampliaram-se as relações com cidades co-irmãs na Europa e outros continentes, bem como
realizaram-se o II e o III Congresso da Cidade (em maio de 2000).
No quarto governo, (2001 a 2004) com Tarso Genro até 2002 e João Verle, até 2004,
realizou-se, em janeiro de 2001, a primeira edição do Fórum Social Mundial articulado
conjuntamente pelos governos estadual e da capital, constituindo-se no maior evento da
década contra as políticas neoliberais mundiais. Na educação, realizou-se em outubro deste
mesmo ano, o Fórum Mundial de Educação. Até 2004, continua sendo aperfeiçoado o OP e
realiza-se mais uma edição do FME (outubro 2004) e do FSM (janeiro de 2005).
Na educação, os governos do PT na Educação em Porto Alegre, portanto, as políticas e
ações da SMED, de 1989 a 2004, para a rede municipal de ensino, permitiram muitos avanços
na melhoria das condições de estudo e ensino, mas também nas condições de trabalho (e de
74
salários) dos professores/as e nos processos de participação desencadeados. Melhoraram as
condições das escolas, de infra-estrutura material, humana, merenda, dentre outras; os espaços
participativos da comunidade escolar, dos alunos, professores, funcionários. Houve
significativa expansão do atendimento escolar, inclusive com marcante ampliação da oferta
municipal.
A gestão de Esther Grossi (1989 a 1992), buscou responder ao desafio da construção
de uma escola possível para as classes populares, começando pelas séries iniciais e a
ampliação de vagas no atendimento. Teve, no Construtivismo, sua referência teórica
principal, ainda que, ao final, tenha ampliado a perspectiva com outros teóricos. As ações e
políticas, seminários e assessorias contribuíram para que o educador rompesse com uma
postura ingênua de conhecimento, ao mostrar o caminho de uma epistemologia crítica, dizia
um documento do PT na época. No entanto, sendo o Construtivismo uma concepção
epistemológica do conhecimento, por si só não supriria a formação de uma postura política;
era preciso uma política educacional que lhe desse direção política, definindo o conteúdo da
educação.
A SMED relutou em aceitar as eleições na Escola Infantil (o projeto não previa);
recusaram a modificação da lei de eleição dos diretores; e maior amplitude de poder dos
Conselhos Escolares. Além do mais, a política da SMED em relação ao Conselho Municipal
de Educação foi inexistente, pois depois de criado, em 1991, o mesmo ficou sem recursos
financeiros e humanos e sem infra-estrutura para exercer seu papel, conforme previsto em
Lei. Todos estes aspectos eram pauta partidária e mais ampla nos foros de democratização do
país, sendo então propícia à crítica da condução de Esther e à assunção de outros grupos ao
poder municipal na educação.
A gestão de 1993-1996 teve dois momentos distintos: Nilton Fischer (1993) e Sônia
Pilla Vares (1994 a 1996). No início se buscou partir do acumulado pelo partido e na
educação popular, bem como da consulta e envolvimento participativo da rede e setores
internos da SMED, para a construção das diretrizes políticas educacionais, de forma coletiva.
No entanto, a partir do segundo semestre, começaram a divergir sobre aspectos do conteúdo
das políticas, das responsabilidades e encaminhamentos. Perpassavam, então, concepções de
fundo, relacionadas aos métodos de construir e efetivar as políticas junto às escolas e na
gestão interna da SMED. Tais conflitos levaram à saída o professor Fischer e sua substituição
por Sônia Pilla Vares.
Com Sônia Pilla Vares inicia um segundo momento da Administração Popular em
educação, com a ênfase na gestão democrática, como parte do processo de construir uma
escola contra-hegemônica voltada aos interesses populares e da melhoria da educação. É
75
lançado o projeto Escola Cidadã, que ao longo de 1994 será implantado, através do Projeto
Constituinte Escolar, dos Conselhos Escolares, tornados lei em 1993, e das eleições de
diretores, em 1995 todos estes seriam espaços e instrumentos da Escola Cidadã. No início de
1995, internamente na SMED, começa a discussão de uma nova concepção de escola,
currículo e conhecimento, motivada pelo anúncio público de que as escolas seriam
reestruturadas (nestes aspectos), a partir do Congresso das Escolas (Zero Hora, diversas datas
em fev./mar de 1995). Já no final de 1994, no Gabinete da Secretária estava sendo discutida
uma proposta de organização curricular alternativa, por ciclos de formação, que seria efetuada
a partir de dezembro, na Escola Municipal Monte Cristo. Em maio e junho (1995) realizaram-
se encontros regionais e o Congresso Municipal de escolas, dos quais saíram as diretrizes da
Escola Cidadã. No ano de 1996, houve discussões sobre os novos regimentos, balizados pelos
princípios da Escola Cidadã
54
.
A gestão de José Clóvis Azevedo (1997 a 2000) deu continuidade ao processo
anterior, com ênfase à implementação da proposta de organização curricular por ciclos.
Registra-se que, apesar dos esforços “de formação”, até fins de 1996, nenhuma escola tinha
decidido se organizar desta forma; adotada, então, apenas pela E. M. Monte Cristo e aquelas
que eram inauguradas (4 escolas) pela SMED. A proposta implementada na E.M. Monte
Cristo, em 1995, e nas novas escolas era apresentada como tendo sido aprovada no Congresso
das Escolas Municipais, na gestão anterior.
A implementação dos ciclos foi acelerada na gestão de José Clóvis Azevedo, de modo
que ao final deste governo todas as escolas estavam assim organizadas.
Ainda nesta gestão se desenvolveu o Orçamento Participativo da SMED, com as
escolas construindo projetos visando recursos ao seu financiamento dentro de sua região
(NAI); houve continuidade dos seminários nacionais e internacionais e do trabalho de
assessoria às escolas; também conquistas salariais e manutenção ou aperfeiçoamento da infra-
estrutura educativa; e, ainda, encontros diversos de educadores e da comunidade escolar, bem
como o II Congresso das Escolas Municipais. Todas estas ações eram notoriamente
articuladas à implantação dos ciclos.
A gestão de Eliezer Pacheco (2001-2002) resultou de uma composição de grupos e
forças políticas diversas, com diferentes posições em relação às políticas de educação e aos
ciclos. Num primeiro momento, foi constituído um espaço coletivo de decisão e de
implementação das decisões, com a saída massiva dos assessores da gestão anterior
55
. Nos
54
Um estudo detalhado deste período pode ser consultado em Machado (1999).
55
Ver notas finais no livro de KRUG (2002) comentado adiante.
76
primeiros meses, buscaram junto às escolas, professores/as e assessores, diagnosticar a
realidade, em relação ao que era vivido. Passados alguns meses, urgia a explicitação de linhas
mais claras da política a ser implementada naquele governo (2002-2004). Na impossibilidade
de que isso ocorresse, somado a desacordo quanto a procedimentos internos de gestão, no
planejamento e na coordenação pedagógica, um grupo de assessores retira-se da assessoria e
retorna às escolas
56
. Na continuidade desenvolve-se a gestão, sem avançar na apresentação de
um projeto global, com políticas pontuais
57
, mas também com eventos de efeito e de massas,
cujo grande destaque foi o Fórum Mundial de Educação. Este ampliou significativamente as
relações e os espaços de intervenção dos grupos que permaneciam na SMED e, sem dúvida,
deu visibilidade às posições político-educacionais da cidade, na rede escolar interna e no
mundo.
Quando Tarso Genro não é eleito governador em 2002, Verle permanece como
prefeito e reorganiza sua equipe de secretariado, bem como a composição política de
sustentação. Na SMED assume Sofia Cavedon, que permanecerá até meados de 2004,
quando se licenciará para concorrer e elege-se vereadora. Assume em seu lugar Fátima
Baierle, que era sua adjunta na secretaria.
Portanto, desde o final da ditadura militar, a direita não governa a cidade e tais
governos tiveram como resultante, ao longo dos anos noventa, e início do milênio, através das
políticas desenvolvidas (Orçamento Participativo, a mais conhecida, mas também na
educação e em outras políticas sociais e administrativas), um contraponto às políticas de
cunho neoliberal que permeavam o País e o mundo. Tanto que, em 1998, o PT (Partido dos
Trabalhadores) e seus aliados conseguiram eleger o governador do Estado (Olívio Dutra, ex-
prefeito de Porto Alegre) e, em 2001, 2002 e 2003, foram realizados na cidade o Fórum
Social Mundial, contraponto ao de Davos (Suíça), que reúne anualmente a elite política e
financeira mundial, e também, em 2002 e 2003, o Fórum Mundial de Educação (em 2004 será
em julho), no qual se institui mais um espaço de discussão de alternativas políticas em
educação. Portanto, a cidade pode ser considerada espaço de construção de alternativas às
políticas hegemônicas, ainda na atualidade.
56
Exemplos: (1) nos encaminhamentos da assessoria pedagógica e às escolas havia “ruído” entre a coordenadora
e o vice-coordenador; decisões foram desconstituídas após tomadas, pela não concordância da coordenadora ou
por não se fazer presente quando das decisões; (2) no setor de planejamento, havia falta de coesão interna e
inconformidade quanto aos procedimentos de controle e de falta de informações sobre recursos e
disponibilidades, que eram controlados pelo GAPLAN (Gabinete de Planejamento do Prefeito).
57
Os três (3) eixos gerais da campanha desdobraram-se em: combate à violência, informática nas escolas,
alfabetização nos galpões de reciclagem, além da continuidade das políticas da gestão anterior. A diferença, e
marca, irá se constituir a partir de abril/maio de 2001, ao ser afirmado que a Escola Cidadã estava esgotada e
seria necessário avançar para a idéia de Cidade Educadora e a organização do Fórum Mundial de Educação.
77
O processo de institucionalização das forças das mudanças
Ao discutir as bases da educação na história e nas políticas educativas em nosso país,
afirmei que ocorreu a institucionalização do maior partido da oposição (e único durante a
ditadura) o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) ao longo dos anos oitenta, em
particular, através da articulação que efetivou a chamada Nova República tendo o senador
José Sarney como vice de Tancredo Neves, na indicação, pelo parlamento do presidente, em
alternativa à dirteas já decorrente da mobilização do movimentos neste sentido.
No período seguinte, de 1985 até 1989, diferentes forças políticas, antes na oposição,
foram gradualmente ocupando espaços de governo e re-estabelecendo uma nova
institucionalização da dominação burguesa, de certa forma colocando fim à transição.
Colocaria como movimentos, neste processo, a Constituição Federal e as leis subsequentes, a
assunção de governos por parte de forças que antes estavam na oposição, das negociações e
acordos visando a “governabilidade”, etc. Tanto é assim, que partidos e grupos antes na
oposição começam a fazer alianças e articulações com grupos e partidos antes apoiadores do
regime militar.
Os partidos de esquerda (PT, PC do B, PCB, PV, PSB, etc.)
58
nesse período acabaram
constituíndo uma frente e articulações que se caracterizavam como críticos àqueles, e
propondo políticas e ações ao assumirem governos diferentes e radicalmente contrárias
àquelas. No entanto, no caso de Porto Alegre, já no final de 2000, se evidenciava um
esgotamento das políticas e dos processos desencadeados, bem como do envolvimento da
militância partidária e das assessorias da PMPA no projeto que se desenvolvia
59
. Na
campanha eleitoral, tanto de 2000 como em 2004, a já tradicional militância apareceu apenas
no final e, mesmo assim, nesta última, sem conseguir reverter a situação (MACHADO,
MARTINS e MELLO, 2004).
O desenvolvido em educação na cidade de Porto Alegre, então, teve como pano de
fundo o contexto do país e do mundo e, a história e o contexto da cidade. No nível nacional,
com a transição da ditadura, a nova forma de dominação hegemônica teve em Fernando
Henrique Cardoso o articulador dos setores de elite e, na gestão da educação, um dos seus
mais qualificados quadros políticos. Este visou e realizou uma mudança estrutural, legislativa
e política de grandes proporções, reconfigurando e constituindo um ‘quase mercado’ em
educação no Brasil. As políticas desenvolvidas na gestão de Paulo Renato de Souza
58
Partido Comunista do Brasil, Partido Verde, Partido Comunista Brasileiro, Partido Socialista Brasileiro.
78
efetivaram uma perspectiva alinhada àquela emanada dos organismos internacionais e de
sentido hegemônico no mundo: o neoliberalismo. Além do conteúdo, os processos
desencadeados construíram a hegemonia que pregavam e/ou compactuavam. Por isso, é que
as mesmas (as mudanças que efetivaram) podem ser caracterizadas com uma mescla de
pilotar e surfar. Pilotar, pois induziram eficazmente a concretização de seus objetivos, mas,
por outro lado, deixaram que a educação surfasse no mercado (ao incentivar a competição no
interior dos sistemas educativos e entre redes e escolas).
Porto Alegre, nos anos 50 e 60, foi governada por governos populares e também
depois, de 1984 até 2004. Foi somente durante a ditadura, de 1964 até 1984, que governantes
de direita estiveram à frente da cidade. No entanto, e mais recentemente, com as políticas da
administração popular (1989 a 2004), é que se deu esta diferenciação política e de gestão da
educação na cidade em contraposição aos demais entes federativos (seus gestores e políticas).
Isto porque, se de um lado se contrapôs àquelas afirmando-se contra-hegemônicas no
conteúdo e nas práticas, avançando em aspectos do gerir democrático (pela criação de
instrumentos e espaços de participação) na cidade; de outro, também pilotou a mudança ao
induzir, desde o centro, suas concepções pedagógicas (Construtivismo e Ciclos de Formação).
Mas, percebemos, também, a ênfase no gerir, nos primeiros anos dos governos, e no pilotar,
nos anos finais, quando da aproximação das eleições. E, finalmente, entre 2001 e 2002, até
surfou. Avançemos em profundidade sobre tais questões nas partes seguintes.
59
Nesta campanha do PT emergem, de forma explícita, pela primeira vez, “cabos eleitorais” pagos, tanto na
campanha majoritária como nas proporcionais (vereadores).
79
5 – O PT: HISTÓRIA, A DEMOCRACIA E A U-TOPIA
André Singer (2001)
60
expressa a interpretação da evolução das políticas da concepção
majoritária do PT. A origem do Partido dos Trabalhadores, diz ele, ocorreu a partir das
mobilizações e greves dos metalúrgicos no final dos anos setenta, ainda durante a ditadura
militar, no ABCD
61
, pois alguns de seus líderes - entre eles LULA - resolveram organizar um
partido
62
(muitos deles sem experiências de luta e de organização sindical anterior à ditadura).
Também contribuiu para a criação do partido a mudança da lei eleitoral pelos militares.
Ele destaca o papel dos trotskistas e de suas proposições ao Manifesto de Fundação do
PT, que se assemelham às do Manifesto Comunista de 1848
63
. No entanto, muitos grupos e
posições políticas estiveram, desde o início na luta e na organização do Partido dos
Trabalhadores, a exemplo, a Ala Vermelha que, nos anos oitenta, se unificará a mais duas
organizações (o MEP e a OCDP) formando o MCR e, no final desta década, na tendência
Força Socialista. Atualmente (desde junho de 2004) é a Ação Popular Socialista
64
. Outro
grupo importante do PT (e no RS e Porto Alegre) é a DS (Democracia Socialista), desde o
início presente nos debates e na organização do Partido dos Trabalhadores
65
.
Diz Singer (2001, p.26-27) que a “hegemonia do novo partido, fundado oficialmente
em fevereiro de 1980, ficaria [...] com os sindicalistas”, mas já no final dos anos 80, tinha
mudado, pois se, em 1980, dos 16 membros da comissão provisória, 12 deles eram
sindicalistas, dez anos depois, ao final da década, somente 10 dos 20 membros da executiva
60
Foi repórter e editor da Folha de São Paulo, é professor de política na USP e, é atualmente o porta-voz do
Presidente Lula.
61
Gorender (1991) diz que as primeiras greves e manifestações, não se iniciaram em São Paulo, como marcos da
crise e pequena distensão da ditadura militar. Diz ele que desde os finais dos anos sessenta teriam ocorrido em
Minas Gerais movimentos protagonizados por trabalhadores metalúrgicos e de outras categorias.
62
Lula convidou 12 sindicalistas nos quais somente três deles, José Cicote, Jacó Bittar e Paulo Skromov aceitam
fundar um partido dos trabalhadores. Depois aderem Olívio Dutra, Hemos Amorina e Wagner Benevites: “este
será o pequeno grupo que levará adiante a proposta do PT” (SINGER, 2001, p.21).
63
A estrela vermelha de cinco pontas foi sugestão da Ala Vermelha simbolizando a união dos trabalhadores dos
cinco continentes.
64
Para a história das tendências e grupos do PT, além de Gorender já citado, ver Silva (1985). Depois das
últimas eleições do Partido (setembro, 2005) com a derrota do candidato (Plínio de Arruda Sampaio), de sua
chapa, o candidato como outras lideranças da APS, como os deputados Ivan Valente (SP), Chico Alencar (RJ),
Maninha (DF) e mais sindicalistas, estudantis, do movimento popular, dentre outros, deixaram o PT. Singer
erroneamente diz que o PRC de Tarso e Genoíno teriam entrado no PT até 1981. No entanto foi somente depois
de 1984/85 que o fizeram (estavam no PMDB). O interessante deste grupo é que de pregadores da revolução
(1985) passou ao final da década à direita da direita do PT.
65
Ressurge o PTB e sua divisão o PDT, pois, Ivete Vargas com os militares se apodera da sigla; o MDB vira
PMDB e o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) são legalizados.
80
nacional eram sindicalistas. Leôncio Martins, ao verificar quem participava dos Encontros
Nacionais do PT, afirmou que o mesmo poderia ser caracterizado como de “classe média
assalariada”, pois predominariam professores e profissionais liberais (MARTINS, cit.
SINGER, 2001, p.26-27).
Da composição original restaria o carisma de Lula e a presença dos metalúrgicos para contrabalançar a
ascensão dos outros segmentos no interior da legenda. Sem os metalúrgicos e a liderança carismática de
Lula, o PT provavelmente não seria mais do que um dos múltiplos pequenos grupos marxistas
existentes no país ou um partido católico, democrata-cristão, ou talvez mais provavelmente social-
cristão. (MARTINS, cit. Singer, 2001, p.27)
E, no final dos anos de 1990, diz ainda Singer, havia uma mescla mais equilibrada,
pois lideranças de destaque do partido, “ao lado de Lula, a principal liderança de oposição no
país”, estavam os ex-bancários Olívio Dutra que era o governador do Rio Grande do Sul
(1998 a 2002) e Zeca do PT que era governador do Mato Grosso do Sul; e a ex-favelada
Benedita da Silva tornara-se vice-governadora do Rio de Janeiro. Por sua vez, o prefeito de
Porto Alegre, Tarso Genro, é advogado, o deputado federal Aloizio Mercadante (SP) é
economista, a prefeita de São Paulo é psicanalista (Marta Suplicy), o senador Eduardo
Suplicy é professor de economia, assim como o ex-governador de Brasília, Cristovão
Buarque. Dos representantes das alas da direita e da esquerda, diz, da primeira, José Genoíno
é professor e, da segunda, Valter Pomar, é historiador. Por fim, o presidente do PT, José
Dirceu é advogado (SINGER, 2001, p.27-28).
O resultado desta evolução também pode ser verificado nos documentos partidários e
na alteração das composições internas, através do abandono da idéia de revolução
66
para a
assunção da democracia como referencial estratégico do partido.
Embora o PT jamais tenha defendido o uso da violência e, portanto, nunca tenha se enquadrado por
completo na primeira acepção, assim como segue interessado em exercer o poder e por isso não se
ajusta perfeitamente à segunda, pode-se dizer que transitou da proximidade de uma para a vizinhança de
outra. Isto é, evoluiu da ênfase na ocupação do Estado pelo proletariado para a proposta de uma
profunda transformação social, que é denominada nos documentos internos, de “Revolução
Democrática”. (SINGER, 2001, p.31)
Sobre as composições internas, o momento derradeiro teria sido o 1
o
Congresso,
realizado em 1991, onde os setores da Articulação ficam no centro e emerge uma direita
partidária, com Genoíno, Tarso e Eduardo Jorge. Mas, no ano de 1993, estes grupos
66
Para Bobbio, Matteucchi e Pasquino (1995), é a ‘tentativa, acompanhada do uso de violência, de derruba das
autoridades políticas existentes e de substituí-las, a fim de efetuar profundas mudanças nas relações políticas, no
ordenamento jurídico-constitucional e na esfera socioeconômica’; para Outheaite, Bottomore, Gellner, Nisbeet e
81
(hegemônicos) sofrem uma divisão, com a saída do deputado Rui Falcão (SP) e sua
incorporação às posições do campo da esquerda, fazendo com que, por dois anos, estes
setores assumissem o controle partidário
67
. Mas, em 1995, portanto depois da eleição de FHC
(em 1994), a Articulação assume novamente o controle partidário ao se aliar à direita
(Democracia radical) constituindo, desde então o dito campo majoritário com 70% dos
representantes no diretório nacional.
As alterações do II Congresso de 1999 decorreram das derrotas eleitorais de 1994 e
1998 e se voltaram para a primeira etapa da revolução democrática, que desde 1995 seria um
“programa de reformas que o PT quer para o Brasil” (SINGER, 2001, p.43). Assim, foi
definido: “detalhar a proposta de uma nova política econômica”, a ser adotada pelo partido
caso chegasse ao poder (Idem, p.43), visando criar “um amplo mercado interno de bens de
consumo de massas”; promover “um gigantesco programa de educação”; prover “o
financiamento do Estado para que este possa impulsionar políticas sociais consistentes” e uma
distribuição radical da riqueza, com políticas de renda que aumente a participação dos salários
na renda nacional (Resoluções 2
o
Congresso PT, 1999, apud SINGER, 2001, p.44).
Na perspectiva de Singer (2001), tal estratégia estaria dando certo, pois ao final dos
anos noventa, o PT estava governando inúmeras capitais, cidades e alguns governos estaduais.
Isto porque, se em 1982, o PT elege apenas dois prefeitos (Diadema (SP) e Santa Quitéria
(MA), em 1988 elegerá em oito grandes cidades e capitais, e mais 33 prefeituras no interior
68
,
e em 2000 ampliam-se significativamente
69
. Lula, outro exemplo, como candidato a
governador, em 1982, fez 14% dos votos naquele estado; já em 1989 foram 11.662.673; em
1994 fez 17.126.291, aumentando para mais de 30 milhões nas seguintes eleições.
A seguir resenharei e comentarei, os documentos dos encontros do PT, constatando os
aspectos referidos por Singer para fazer ponderações diferenciadas desse autor.
Touraine (1996), a ‘revolução usa-se, por vezes, para descrever qualquer mudança fundamental, quer seja ou não
violenta ou súbita’” (SINGER, 2001, p.30).
67
Constituiu-se nesse período o Movimento na Luta PT, da avaliação da crise interna e afastamento do partido e
de seus dirigentes das lutas sociais. Foi vitorioso, no plebiscito, Presidencialismo x Parlamentarismo, mas não
conseguiu maioria para a convocação das eleições gerais e assume Itamar.
68
Porto Alegre (RGS), São Paulo, Santos, São Bernardo, Santo André (SP), João Molenvade e Ipatinga (MG) e
Vitória (ES) e mais 33 prefeitos do interior.
69
Porto Alegre (RGS), Belém (PA), SP (SP), Goiânia (GO), Recife (PE), Aracaju (SE), vice BH (MG) mais
Ribeirão Preto, Diadema, Santo André (duas vezes). RGS – 34 e MG – 31: Total 187 prefeituras.
82
A evolução política do PT através de suas resoluções
Na apresentação do livro com as resoluções de Encontros e Congressos do Partido
(PT/Nacional, 1998)
70
, José Dirceu, então presidente do PT, destaca o 5º Encontro Nacional
(1987) como o marco da história do partido, por lhe ter armado para os embates da década de
noventa:
foi um momento de mudança radical [...] no Partido. O PT assume que seu objetivo é chegar ao
governo. Começa, assim, a construir programas de governo e elaborar políticas públicas. [...] Além de
lutar pelo poder e apresentar programas de governo, o PT decide-se pela política de acúmulo de forças,
pela construção da democracia e por uma política de alianças. [...] Essa tática colherá frutos em 1998,
com a vitória do PT em capitais importantes do Brasil. [...] até chegar à conquista de governos
estaduais, em 1994. Num segundo momento, vamos ter um salto de qualidade na elaboração do
programa de governo da campanha Lula - Presidente, em 1989, que se aperfeiçoará em 1994. E, em
1998, aparecerá já como um programa de uma ampla frente de esquerda. (DIRCEU, 1998, In:
RESOLUÇÕES...PT, 1998)
Tendo essa data como referência feita pelo ex-deputado e líder maior do PT, para
enfatizar, na sua interpretação, a hegemonia de seu grupo (e/ou na sua interpretação) e da
estratégia eleitoral (chegar ao governo federal) como a mais correta, resgato partes dos
documentos partidários anteriores e posteriores para constituir uma evolução mais detalhada
do PT através de suas resoluções. Destaco, entretanto, a semelhança desta posição de Dirceu
com a avolução socializada/expressa na parte anterior com André Singer.
O programa e o manifesto do PT são claramente anticapitalistas, mas foi somente no
discurso de Lula no encerramento da 1º Convenção Nacional que o Partido (1981) é definido
como socialista, de forma mais explícita. Este foi destacado como objetivo do partido:
Nós, do PT, sabemos que o mundo caminha para o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a
iniciativa histórica de propor a criação do PT já sabiam disto muito antes de terem sequer a idéia da
necessidade do Partido. [...] sabemos que é falso dizer que os trabalhadores brasileiros, deixados à sua
própria sorte, se desviarão do rumo de uma sociedade justa, livre e igualitária. [...] Que sociedade é esta
senão uma sociedade socialista. [...] Sabemos que não nos convém, nem está em nosso horizonte, adotar
a idéia do socialismo para buscar medidas paliativas aos males sociais causados pelo capitalismo ou
para gerenciar a crise em que este sistema econômico se encontra. [...] O socialismo que nós queremos
se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares, como resposta política e
econômica global a todas as aspirações concretas que o PT seja capaz de enfrentar. [...] nas lutas do dia-
a-dia, do mesmo modo como estamos construindo o PT. (LULA, 1981, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998,
p.114)
No Manifesto é ressaltada a mudança do caráter do Estado:
70
Daqui para diante será referenciada como RESOLUÇÕES PT, 1998.
83
É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as
condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende
chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos
trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade
para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados e nem
exploradores. (PT/Manifesto,1980, In: RESSOLUÇÕES PT, 1998, p.67)
Se por um lado, a explicitação do socialismo petista foi destacada como sendo
resultante da prática do povo, e como objetivo do partido, por outro, nas próprias afirmações
de Lula, no manifesto do partido sobre o socialismo e o lugar do Estado nesta estratégia,
podemos indicar contradições. Dizer que “sabemos que o mundo caminha para o socialismo
poderia assemelhar-se às concepções evolucionistas dos dirigentes do ex-bloco soviético e/ou
da idéia de progresso comentada e criticada, anteriormente, com Wallerstein. Além disso, se o
mundo já caminha para o socialismo bastaria apenas esperar, e não seria necessário que os
próprios trabalhadores lutassem e/ou o construíssem. Mas outra contradição decorreria da
afirmação de Lula, de que “não bastam medidas paliativas” ou de “apenas gerenciar o
capitalismo”, etc. com a afirmação de que a chegada ao Estado seria para “criar condições
para a livre intervenção dos trabalhadores”.
Mas como? Se o Estado seria a expressão da sociedade, e portanto, expressando
também as contradições existentes em seu interior, e não apenas - parte delas - os
trabalhadores?! Veremos adiante que ao se caracterizar a sociedade brasileira, identifica-se a
existência de uma burguesia, a de trabalhadores, e ainda uma camada marginalizada.
O Programa apresenta em linhas gerais aspectos de suas bandeiras e lutas
A alimentação e a saúde, a educação e a cultura são direitos do povo que, contudo, vêm sendo
transformados em campo livre para o enriquecimento de uma minoria de privilegiados. A deterioração
e a privatização crescentes do ensino e da saúde pública prejudicam, a um só tempo, professores e
estudantes, médicos e pacientes. Serviços de educação e saúde públicos são direitos básicos de uma
nação verdadeiramente democrática. O PT lutará por estes direitos e desenvolverá, em cada uma destas
áreas, a sua política de atuação juntamente com sua base social. O detalhamento do seu programa
surgirá da prática política das suas bases sociais. (RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.114)
A educação, citada acima, aparecerá no Plano de Ação do Partido, também por meio
da luta por “Ensino público e gratuito em todos os níveis, voltado para as necessidades dos
trabalhadores” e pela “criação de creches públicas nos locais de moradia e trabalho”
(RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.73).
Na Plataforma Eleitoral Nacional (PT/Nacional, 1982) decorrente do 2
o
Encontro
Nacional do Partido destacam-se a educação e a cultura como direito e não como privilégio de
classe. Para tanto, “pelo menos 12% do orçamento nacional” deveria ser aplicado em
educação, mas que somente a mobilização e articulação nacional dos movimentos culturais
84
populares poderia efetivar tal proposição (RESOLUÇÕES..., PT, 1998, p.123). Além disso,
nas administrações do PT, os currículos deveriam incluir “programas de educação ambiental
nos [...] 1º e 2º graus e do ensino universitário” e as escolas deveriam ser “controladas por
pais, mestres, alunos e funcionários” e seriam “colocados a serviço da mobilização e
organização das classes trabalhadoras”.
Também neste momento destaca-se, na linha das ênfases anteriores, que o poder e a
democracia seriam processos a serem construídos, e não apenas resultantes do “assalto ao
poder”:
Para nós o poder não apenas se toma, mas também se constrói. O PT confia na possibilidade de
construir o poder a partir das bases da sociedade, dos movimentos populares, dos sindicatos e de outras
formas de organização dos explorados - como, por exemplo, a criação de conselhos populares - e
desenvolver esse poder com uma política de crescimento, de acumulação de forças e de construção de
uma alternativa popular. A democracia que interessa aos trabalhadores não se esgota nas instituições,
mas se articula com formas diretas e massivas de participação popular. Essa participação deve conduzir
a uma sociedade sem explorados nem exploradores, e sem a divisão entre governados e governantes. A
nossa luta é pela construção do socialismo (PT/Nacional, 1982, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.153)
Podemos perceber, nesse momento, novamente a explicitação de uma contradição e
uma tensão dentro do partido, que em contradição ao afirmado na citação, se expressava na
prática de dois grandes campos em confronto, e que tenderá nas décadas seguintes para uma
contraposição, dos que defenderiam o “assalto ao poder”, que foram derrotados, com os
vitoriosos que, por sua vez, não dão seqüencia, à construção do “poder” e à “democracia”
desde as bases, mas a transforma em meio de chegada ao governo através das alianças e
estratégias eleitorais.
Tal estratégia, desenvolve-se, apesar de, por exemplo, nas resoluções do Encontro
Nacional Extraordinário (PT/Nacional, 1985), ao se referirem à contrariedade ao pacto social
proposto, destacarem aspectos da luta institucional e extra-institucional, a qual poderia ser
uma melhor orientação aos processos que desenvolveram-se.
Só com este acúmulo de forças no plano não-institucional será possível obter mudanças democráticas
no País. [...] No plano institucional, propomos a imediata convocação de eleições diretas, inclusive para
prefeitos das capitais e áreas ditas de segurança nacional, em 1985, e não como quer a Aliança
Democrática, que defende o mandato de Tancredo por quatro ou seis anos. Exigimos também a
revogação da legislação eleitoral e sobre os partidos políticos, bem como os critérios vigentes de
representação popular. Exigimos a livre organização partidária, o voto para os analfabetos, cabos e
soldados e o igual acesso dos partidos aos meios de comunicação e ao fundo partidário (PT/Nacional,
1985, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.187, 188)
Em 1986, avançando um pouco na caracterização das classes e de sua relação com o
Estado (no 4
o
Encontro Nacional) é rememorado o controle do movimento operário durante o
85
período governo Vargas (1930-45) através da repressão, da cooptação e da constituição de um
modelo corporativo, assim como o breve período democrático (1948 a 1964) e como tais
aspectos foram ampliados pelos militares, pós 1964, relacionado-o com as lutas naquele
momento.
Para o Plano de Ação Política e Organizativa do Partido (PT/Nacional, 1986) para os
anos 1986 a 1988, é feita uma caracterização das classes sociais na formação social brasileira.
Haveria uma poderosa classe burguesa, os trabalhadores e camadas marginalziadas. A
burguesia seria
originária dos antigos senhores de terra da época imperial e que foi, gradativamente, incorporando e
integrando setores mercantis e comerciais, o setor industrial (1930), o setor latifundiário e financeiro
(1950), o setor de serviços e de comunicação, bem como o setor de monopolização e
internacionalização do capital (1964) etc. (PT/Nacional, 1986, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.247)
Ao longo deste período, a burguesia, teria controlado e exercido o poder em seu
benefício, sendo tributária das condições sociais e culturais produzidas historicamente ao
longo dos últimos séculos. Se as classes dominantes constituem um bloco dominante
71
. Os
trabalhadores, por sua vez, não “conseguiram integrar e unificar de uma forma satisfatória os
seus diversos setores, de origem e história diferenciadas”, sendo constituída de três grandes
setores: a classe média (rural e urbana), os assalariados urbanos (com uma fração que se
destaca dos demais - a classe operária) e os assalariados do campo. Mas nas cidades, haveria
camadas marginalizadas que não encontram lugar no mercado de trabalho ou dele são expulsas, tanto
pelo desemprego estrutural quanto pelo conjuntural, que sofreu grande elevação nos últimos anos. Essas
camadas marginalizadas de trabalhadores, não conseguindo entrar ou reentrar no mercado de trabalho
urbano ou rural, acabam engrossando o banditismo, a prostituição, a violência, o tráfico de drogas e
outras formas anti-sociais de sobrevivência, cujas principais vítimas são os próprios trabalhadores
assalariados e as camadas inferiores da classe média (PT/Nacional, 1986, In: RESOLUÇÕES...PT,
1998, p.249)
Podemos perceber, que o partido refere-se aos incluídos, mas apenas, aos incluídos
assalariados. Os setores populares (dos movimentos sociais de bairros, de terra, etc.) apesar de
existentes e vinculados ao partido, sua expressão interna era “marginal”, pois se priorizavam
as lutas no espaço produtivo (empresas, fábricas, etc.). Ao mesmo tempo, as mesmas
71
Esta questão da existência de um bloco dominante como caracterizada em 1986 seria controversa, pois, já
estaríamos em processos avançados de crise e transição da ditadura militar e a emergência de indicadores da
nova forma de dominação, e portanto de uma “ruptura” deste bloco, aqui apresentado como hegemônico. Na
década de noventa, outras produções afirmaram que será somente com FHC que tal bloco se reconstituirá,
estabelendo assim, as bases da dominação atual, a qual poderia servir como base explicativa da impossibilidade
(sic?!) da efetivação das proposições de Lula e do PT de antes da assunção ao governo federal e sua não
efetivação (melhor, sua diluição na década anterior a 2002, das referidas proposições) agora quando no governo
federal brasileiro.
86
poderiam ser associadas aos setores marginalizados (anti-sociais?!). Mas, luta contra as
conseqüências do sistema é anti-social?
Para articular esta realidade social e o desenvolvimento capitalista brasileiro, do ponto
de vista dos dominadores, o Estado, ao final do século XX (em 1986), seria “moderno,
poderoso, aparelhado material e culturalmente; ramifica-se em ministérios, órgãos, repartições
e instituições que detêm grande conhecimento concreto da realidade brasileira, bem como os
mecanismos para interferir e alterar essa realidade...” (PT/Nacional, 1986, in
RESOLUÇÕES...PT, 1998, p. 249), indicava que servia aos interesses da burguesia,
controlando:
direta ou indiretamente grande parte da rede educacional e das atividades culturais e artísticas, da
comunicação social (rádio, TV, imprensa etc.), dos sindicatos, federações e confederações, de
numerosas entidades da sociedade civil. [...] têm, ainda, hegemonia ou predominância significativa nas
universidades, nas instituições científicas e técnicas, na maior parte dos serviços públicos, cada vez
mais explorados por empresas privadas ou mistas, e em numerosas entidades associativas e
representativas (PT/Nacional, 1986, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.249)
Para tanto, os trabalhadores teriam “pela frente um longo e dificultoso processo de
acumulação de forças e fortalecimento de sua organização”, combinando desde já suas lutas
por “conquistas reais no plano político, econômico e social, que lhe permitam avançar no
caminho” de seu objetivo estratégico; teriam de cuidar das alianças que realizassem, pois a
experiência histórica do Brasil e de outros lugares mostra “que as alianças [...] com a
burguesia só favorecem os interesses desta, e atrasam ou impedem o avanço da organização
daquela, bem como o caminho para o socialismo” (PT/Nacional, 1986, In:
RESOLUÇÕES...PT, 1998, p. 253). Mas também deveriam avançar na democracia:
A democracia, no socialismo, deve ser entendida como a socialização dos meios de produção e também
dos mecanismos de poder entre os trabalhadores. Isto significa ser favorável à liberdade de associação e
organização, à livre expressão de idéias, à liberdade de culto, ao direito social à comunicação e a
liberdade política, partidária e sindical. Aos trabalhadores caberá a tarefa de institucionalizar o Estado
socialista através de um processo constituinte livre e democrático, que garanta direitos e liberdade e que
também assegure, dentro da nova legalidade, instrumentos e meios de defesa da sociedade
(PT/Nacional, 1986, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p. 256)
Na eleição de 1986 e no processo de elaboração da Constituição (1986-1988) o PT
centrou-se na “democratização radical do Estado e da sociedade, a partir da garantia de
direitos fundamentais dos trabalhadores”, para o que seria necessário “o controle popular
sobre as estruturas dos governos e dos esforços para descentralizar e descondensar o poder do
87
Estado” (PT/Nacional, 1986b, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.278)
72
. E durante o processo
(em 1987, no 5
o
Encontro Nacional), ao estabelecer um Programa Democrático-Popular
reafirma o direito ao ensino “público e gratuito em todos os níveis para todos, com a
proibição de o Estado destinar verbas para escolas privadas” como um direito.
A conquista do Estado seria a chave da efetivação destas mudanças radicais devido à
sua “capacidade [...] em atender às necessidades sociais e adaptar uma política econômica que
complemente, de forma integral, aquela capacidade” da economia socialista, estatal ou
coletiva, que deveria ser complementada, ainda, pela permanência da “pequena economia
mercantil” numa certa “escala” (PT/Nacional, 1987, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.315). E
precisando melhor a estratégia socialista, diz-se que
é necessário, em primeiro lugar, realizar uma mudança radical; os trabalhadores precisam transformar-
se em classe hegemônica e dominante no poder de Estado, acabando com o domínio político exercido
pela burguesia. Não há qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade
sem colocar o poder político - Estado - a seu serviço. (PT/Nacional, 1987, In: RESOLUÇÕES...PT,
1998, p.312)
Ao assumir o poder de Estado e desencadear as mudanças, portanto, o estado socialista
do PT estabeleceria
uma legalidade nova, democraticamente construída e válida para todos, como manter e/ou criar
mecanismos de participação e consulta popular nos mais diferentes níveis e nas relações entre tais
níveis. A participação operária e popular na gestão das fábricas, das granjas e fazendas, dos bairros e
conjuntos residenciais, das comunidades, vilas e distritos é de suma importância para o funcionamento
de uma extensa democracia de base. Entretanto, talvez essa não seja a questão-chave da democracia no
socialismo. “Os problemas mais sérios vão aparecer nas relações entre os mecanismos democráticos de
participação e consulta na base com os mecanismos de participação e consulta nos níveis intermediários
e superiores do poder. (PT/Nacional, 1987, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.317)
O projeto socialista deveria incorporar as “perspectivas colocadas pelos diferentes
movimentos sociais que combatem opressões específicas, como os das mulheres, dos negros,
dos jovens e dos homossexuais, e suas expressões ideológicas, em particular o feminismo”,
pois também seriam “indispensáveis para golpear importantes pilares da dominação exercida
pela burguesia e engajar, em profundidade, a maioria da população brasileira num processo de
transformação revolucionária” (PT/Nacional, 1987, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.317-
318).
72
O poder estaria concentrado no Executivo e deveria ser colocando “a serviço das necessidades populares e sob
o controle da sociedade” pela “radicalização da democracia”, “conquistas fundamentais no plano social e
político” e colocando na ordem do dia transformações econômico-sociais (PT/Nacional, 1987, In
RESOLUÇÕES...PT, p. 278-281).
88
Podemos perceber, aqui, novamente aspectos contraditórios (e tensos) que ao serem
desencadeados possibilitariam momentos de difícil solução. De um lado, diz-se (enfatiza-se) a
necessidade da assunção e o controle do poder (e do governo federal) deveria incorporar e ser
uma síntese dos diferentes movimentos sociais. Sobre a ênfase “tomada do poder” já
referimos antes, no entanto, lembramos aqui, a permanente tensão desta com a relação do
partido como resultante dos movimentos sociais (e suas aspirações) com o de partido
dirigente. Se os movimentos sociais (terra, mulheres, negros, etc.) obrigam o partido a
assumir suas bandeiras (ou o partido as incorpora), na verdade, o fato é que a caracterização
feita anos atrás da sociedade brasileira não é levada em consideração.
Em 1988 houve eleições municipais (o PT já estava administrando três prefeituras) e,
em 1989, as primeiras eleições para presidente da República desde 1964. No Programa de
Ação de Governo de Lula (PAG, 1989) consta a proposta de “redistribu[ir] a renda;
erradicação da pobreza, pela eliminação das desigualdades sociais e regionais; que redefina o
papel do Estado, [...] promova o crescimento econômico, condição indispensável para
assegurar emprego, casa, comida, acesso à educação e possibilidade de expressão cultural
para todo o povo” (PT/Nacional, 1989, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.398)
73
.
Mas para efetivar tais proposições terá que enfrentar “os interesses dominantes na
sociedade brasileira, que se expressam na dívida externa, no monopólio da terra, no papel do
Estado e no domínio do capital financeiro, industrial, monopolista, sobre a economia”. No
entanto, a sociedade a ser construída garantiria o “pluralismo partidário, as liberdades de
imprensa e sindical, de credo, [e o] respeito integral aos direitos humanos”, como aspectos
fundamentais no processo de construção do socialismo:
Não encaramos a democracia como uma concessão das classes dominantes, dos de cima, nem como
uma formalidade passageira, como a burguesia o tem feito em nosso país, ao golpeá-lo sucessivamente
cada vez que os trabalhadores ampliam seus direitos. A democracia é uma conquista dos trabalhadores,
arrancada na luta política contra as classes dominantes. No Brasil, queremos transformar as liberdades
políticas formais da Nova República em valores democráticos reais, permanentes, apropriados pelos
trabalhadores e por toda a sociedade. (PT/Nacional, 1989, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.402)
73
No relacionado às políticas e as medidas imediatas: “A primeira delas consiste na ampliação das políticas
sociais de educação, saúde, transportes, habitação, saneamento etc., democratizando as prioridades e ampliando
sua abrangência; segundo, é necessário implantar urgentemente uma política de preços, com mecanismos
democráticos de administração dos mercados, para impedir que o poder dos grandes capitalistas acabe por
reverter, por meio da inflação e da desorganização do abastecimento, os avanços conseguidos; terceiro, deve-se
repensar a política de salário-família, procurando proteger de fato os trabalhadores mais carentes; quarto, definir
uma política previdenciária mais justa, para assegurar aos trabalhadores aposentados um fluxo de renda
compatível com suas contribuições previdenciárias prévias” (PT/Nacional, 1989, In: RESOLUÇÕES..., PT,
1998, p.410).
89
A realidade educacional brasileira foi caracterizada com estratificação e exclusão
social, predominando o clientelismo e a transferência de recursos públicos à rede privada
através de um verdadeiro mercado educacional.
A escola brasileira ainda tem caráter excludente e antidemocrático, por isso precisamos construir uma
escola pública popular, quanto ao seu acesso, permanência e conclusão, e quanto à sua gestão,
garantidas a competência e a boa qualidade. Uma escola construída como projeto a curto, médio e longo
prazo, mobilizadora da sociedade, espaço de formação política e cultural, transformadora e construtora
do conhecimento. O ato humano de educar não só se dá no trabalho pedagógico da e na escola, mas
também no ato de lutar em todos os espaços sociais por outro tipo de escola, por melhores condições de
vida, por outra sociedade (PT/Nacional, 1989, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.419)
E propõe o Partido nas eleições de 1989 para a educação brasileira: 1) Ampliação da
rede pública, para em dez anos dotar todos os níveis de ensino público de um mínimo de 4
horas diárias (com um padrão de qualidade fiscalizado, transparente) e mais quatro horas
(facultativas) de estudos complementares, culturais, realização tarefas etc.; 2)
Democratização da gestão do sistema escolar, com a extinção do CFE [Conselho Federal de
Educação], a criação do Conselho de Desenvolvimento Educacional, “que deve gerir,
inclusive, a política integrada educação/desenvolvimento”, a modernização do Ministério da
Educação, controle democrático da rede pública e privada através de conselhos fiscalizadores
e deliberativos nas esferas estaduais e municipais, aplicação das verbas mínimas
estabelecidas; o ensino superior teria autonomia e seriam criados “conselhos de escola no
ensino de primeiro e segundo graus e eleições diretas em todos os níveis”; 3) Estabelecimento
do Padrão Nacional de Qualidade Educacional, com planos de carreiras e salários para os
educadores nos três níveis de ensino público e privado, formação e reciclagem obrigatória
para docentes do primeiro e segundo graus, indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão (prioritariamente no 3º grau), condições mínimas de trabalho na rede pública e
privada (instalações, material didático, número mínimo de alunos por sala de aula,
reformulação da jornada de trabalho) e reforma curricular integrando todos os níveis de
ensino visando assim a produção de uma qualidade educacional; 4) Política integrada de
educação e desenvolvimento, onde as políticas setoriais de saúde, educação, habitação,
trabalho deveriam se integrar num “plano global das diretrizes socioeconômicas do governo”,
através da “rede formal de educação a sistemas de TV e rádio, formação e aperfeiçoamento na
rede de ensino superior de profissionais especializados” naquelas áreas; desenvolvimento
científico e tecnológico prioritariamente nas universidades públicas; 5) Implementação do
Plano de Emergência, a partir de um recenseamento educacional nacional bianual, com o
acesso da população a programas de alfabetização e de erradicação do analfabetismo
90
funcional e ao 1º ano do primeiro grau, sem detrimento da manutenção e funcionamento
normal dos restantes níveis de ensino, no prazo máximo de quatro anos (PT/Nacional, 1989,
In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.419-421).
O PT foi derrotado em 1989, e no ano seguinte realizou-se o 7
o
Encontro Nacional, as
prefeituras municipais aparecem com um maior destaque do que nas resoluções anteriores,
sendo caracterizadas como instrumento de disputa de hegemonia, na medida em que junto
com as populações lutem contra a burguesia, por um mundo novo, socialista; e, portanto, era
rejeitada a “ocupação de espaço no aparelho do Estado com fins meramente administrativos.
A “competência técnica e administrativa deve estar a serviço da alteração da correlação de
forças entre as classes populares e as elites dominantes”; mas criticar as prefeituras populares
não seria sabotagem, pois a era dos partidos tiranos ou dos partidos domesticados, dóceis nas
mãos dos estados, porta-vozes oficiais dos governos, estava chegando ao fim com o
desabamento dos regimes autoritários do Leste Europeu. No município, o orçamento
municipal e a educação seriam terrenos privilegiados para a participação da população. Mas
o partido deveria se instrumentalizar para dirigir:
[...] a política exercida pelos petistas nas administrações e possa avaliar, criticar e formular políticas.
Sem um trabalho nesse sentido, buscando afirmar o caráter dirigente que cabe ao Partido-responsável,
em última instância, enquanto projeto político permanente, pelo sucesso ou fracasso das administrações,
o que veremos, rapidamente, será a ampliação da distância entre o Partido e as administrações.
(PT/Nacional, 1990, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p. 468)
No entanto, parece que se vislumbravam aspectos, em muitas prefeituras do partido,
de um governar não condizente com essa resolução já que muitas estavam dando respostas
contábeis e administrativistas à crise estrutural, conciliando conflitos e governando:
para toda a população e perdemos de vista nossa base social e política. Não podemos perder a visão da
centralidade do Estado na nossa formação social, as funções históricas que por isso ele cumpre, de que
modo as cumpre. Estamos atrofiando as nossas possibilidades de gestão do poder e despolitizando nossa
oposição radical ao atual sistema. (PT/Nacionaol, 1990, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.469)
Os governos municipais petistas não estavam radicalizando “os mecanismos
democráticos de expressão, participação e representação” e nem evitavam a “prevalência da
lógica do mercado e do capital”, “ultracentralizando as compras de equipamentos”; atrasando
na “implementação de reformas e mesmo o constrangimento da ação de secretaria-fim, como
as de educação, saúde, obras, habitação e transporte” e as secretarias de finanças sendo tiranas
no controle dos recursos e da máquina administrativa. (PT/Nacional, 1990, In:
RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.471).
91
Tais problemas se relacionariam à concepção de governo, de gestão e da prória utopia
a ser construída, como também indicador referente à adaptação dos governantes petistas:
é forçoso reconhecer que, passado mais de um ano da posse de cerca de três dezenas de petistas à frente
de algumas das mais importantes prefeituras do País, esta é ainda uma questão não equacionada
adequadamente. [...] Por um lado, trata-se de responder que o Partido governa para toda cidade, mas o
faz do ponto de vista da parcela majoritária da sociedade: daquela explorada e oprimida da população.
Neste sentido, esta ótica se materializa na priorização não de todos, mas, efetivamente, da maioria dos
eternos alvos dos discursos oficiais, mas sempre esquecidos das práticas governamentais (PT/Nacional,
1990, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.473-474)
Com tais dilemas e questões o PT chega ao I Congresso Nacional (1991), e que
deveria recolher as experiências e as críticas “acerca das administrações democrático-
populares, transformando-as em estímulo e solidariedade necessários para promover
correções de rumo, que permitam aos nossos governantes combinar o atendimento das
aspirações populares com a luta dos trabalhadores pela construção do socialismo”
(PT/Nacional, 1991, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.481-482).
Tendo como eixos a luta anti-imperialista, antimonopolista e antilatifundiária (dos 5º e
6º Encontros Nacionais do PT) com críticas ao socialismo instituído na URSS e nos países do
Leste que eliminaram a democracia política com o “crescente poder no novo Estado e no
Partido com ele imbricado de uma burocracia que se autonomizou de qualquer tipo de
controle” busca atualizar o programa e o projeto histórico do partido, dizendo que:
Aí predominam concepções como a edificação integral do socialismo em um só País, fundado na
estatização dos meios de produção, sob controle burocrático; um Estado burocrático radicalmente
separado da sociedade civil e com um caráter contrário aos interesses dos trabalhadores; o partido único
imposto por lei; a substituição da democracia socialista por um regime de opressão burocrática; a
vulgarização - em verdade a negação - do marxismo e sua transformação em ideologia de Estado; uma
idéia de transição ao socialismo desumanizada, despolitizada e tecnocratizada, como simples batalha
pela produção. (PT/Nacional, 1991, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.494)
Diante disso, no novo projeto de socialismo do PT,
a força de trabalho não [seria] uma mercadoria; onde opressão política ceda lugar a instituições sob
controle de toda a sociedade, dentre as quais um governo dos indivíduos livremente associados; onde
haja qualquer forma de opressão por motivo de raça, idade e convicções religiosas; onde as terras não
sejam destrutivamente ocupadas e os ecossistemas devastados; onde homens e mulheres, libertos
progressivamente de toda opressão material, possam construir novas relações sociais; onde a busca da
felicidade seja um direito efetivo de todos os indivíduos e comunidades; onde, enfim, a igualdade social
possibilite o pleno florescimento das potencialidades individuais. (PT/Nacional, 1991, In:
RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.497)
Na concreticidade deste projeto articulado a um “novo modo de fazer e viver a
política, uma nova práxis partidária e social, que incorpore, de fato, os valores libertários e
92
socialistas” as prefeituras dirigidas pelo partido e nos movimentos sociais admite-se a
existência de práticas e concepções tributárias do socialismo real.
É preciso reconhecer que no ‘petismo real’ existem, em quantidade exagerada e perigosa, fenômenos
como o aparelhismo, o sectarismo, as manobras espúrias, a falta de democracia. Sem superar tudo isso,
o discurso acerca de nosso projeto de um socialismo renovado ficará no papel. (PT/Nacional, 1991, In:
RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.497)
No Programa Alternativo para o Brasil, mercado e planejamento estatal deveriam
articular-se, visando:
propiciar o desenvolvimento econômico com igualdade na distribuição das riquezas, negando, dessa
forma, a preponderância e a centralidade do capital na dinâmica das relações sociais. Para que isso
aconteça, será necessário que o Estado exerça uma ação reguladora sobre a economia, através de suas
próprias empresas e de mecanismos de controle do sistema financeiro, de políticas tributárias, de preços,
de crédito, de uma legislação antimonopolista e de proteção aos consumidores, aos assalariados e aos
pequenos proprietários. (PT/Nacional, 1991, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.501-502)
Portanto, do Estado como expressão da sociedade, e de indutor ou dirigente das
transformações passamos agora para a concepção de um Estado que exerceria uma ação
reguladora na sociedade do capital. Neste momento, então, para o PT, a conquista do poder
político não começaria nem terminaria, tampouco se reduzia, simplesmente, à clássica
representação simbólica da ocupação do palácio governamental. Assim sendo, “acreditamos
que o socialismo virá através de um ininterrupto e linear crescimento das forças e da
hegemonia socialistas dentro da sociedade, sem que ocorram choques e confrontos intensos”.
A revolução social seria decorrente de “reformas profundas e estruturais em nossa sociedade”
pelo acúmulo de forças para estas transformações revolucionárias, radicalmente democráticas
e socialistas (PT/Nacional, 1991, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p. 503-4) resultante da “obra
de milhões e milhões”.
No Encontro de 1995, depois da derrota eleitoral para FHC, o PT estaria precisando de
“uma nova orientação estratégica, um projeto de sociedade e estratégia de poder”
(PT/Nacional, 1995, In: RESOLUÇÕES...PT, 617, 618). Na verdade, tal estratégia ou projeto
seria uma melhor explicitação das resoluções anteriores ao dizerem que o PT lutaria pela
“manutenção do controle do Estado sobre as empresas estatais estratégicas”, com gestão
transparente e fiscalização sobre o Estado, pois “quando democraticamente controlado, pode
impor custos aos capitalistas, para garantir a unidade política da nação, a integração dos
vários segmentos sociais no consumo, a construção de um mercado nacional integrado”
(PT/Nacional, 1995, In: RESOLUÇÕES...PT, 1998, p. 620).
93
Em realidade seria um novo modo de governar que estaria sendo efetivado pelos
governos municipais e os governos estaduais do PT (o Modo Petista de Governar):
É preciso intensificar as atividades de intercâmbio de experiências [...]. dar maior divulgação às
experiências de governo e de ação parlamentar, [...] As prefeituras e os governos de estado do PT estão
radicalizando a participação democrática. [...] imprimi[u] uma nova e diferente marca na atividade
política, voltando-a para o interesse da maioria da população. As experiências de orçamento
participativo - em que a população decide onde e como aplicar os recursos públicos - já se generalizam
nas cidades e nos estados em que o PT é governo. [...] o Partido realiza uma revolução cultural e política
na educação, organização, comunicação e coloca na ordem do dia a distribuição de renda, a cultura e o
controle social do Estado. Em muitas prefeituras, o PT está modernizando e racionalizando as empresas
estatais, sem adotar nenhuma das bandeiras neoliberais. (PT/Nacional, 1995, In: RESOLUÇÕES...PT,
1998, p.629-630)
No 11
o
Encontro (PT/Nacional, 1997), no processo de elaboração da plataforma
comum para as eleições de 1998, com a emenda da reeleição a presidente, etc., emerge a
proposta de uma revolução democrática:
A primeira questão democrática é a construção do próprio Estado de direito no País, com uma reforma
profunda do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, além de enfrentar com coragem o fim dos
monopólios dos meios de comunicação e a defesa dos direitos do consumidor. [...] A democracia exige
o respeito às diferenças, à convivência com as múltiplas influências culturais de nosso povo e um povo
padrão de civilização, das instituições e do cotidiano da sociedade civil. (PT/Nacional, 1997, In:
RESOLUÇÕES...PT, 1998, p.653)
Nessa Revolução Democrática seria universalizada a educação básica, adotada a renda
mínima e a bolsa-escola, criada infra-estrutura tecnológica e científica e mecanismos e
espaços de participação e controle popular deste desenvolvimento sustentável e solidário.
Num Encontro Extraordinário (1998), destaca-se a ampliação das bases de apoio a
Lula, e o programa representaria esta composição:
As reformas que o Programa propõe, ainda que situadas no marco de uma sociedade capitalista, se
chocam com o capitalismo realmente existente no Brasil. A implementação de um programa radical de
reformas - por seus efeitos econômicos, mas sobretudo por sua capacidade política de agregar forças
sociais- contribuirá para a refundação de uma perspectiva socialista no País. [...] assentada em três
eixos: distribuição de renda e riqueza, defesa da soberania nacional e democratização radical da política
e da sociedade brasileiras, numa perspectiva socialista. (PT/Nacional, 1998, In: RESOLUÇÕES...PT,
1998, p.675)
Uma novidade, neste Encontro, foram os questionamentos, as decisões e a intervenção
do Diretório Nacional, anulando ou alterando decisões de Encontros Estaduais. No Rio de
Janeiro, a intervenção “revogou a decisão do Encontro Estadual de lançamento de candidatura
própria ao governo do Rio de Janeiro” e manteve “a decisão do Diretório Nacional de [...]
apoiar o candidato do PDT a governador, Anthony Garotinho”. A intervenção em
94
Pernambuco esteve relacionada às políticas de alianças e à falta de quorum. No Acre, o
diretório regional tinha aprovado coligação com o PSDB em apoio a “candidatura de Jorge
Viana a governador do Acre”, e a votação realizada manteve a decisão de coligação com o
PSDB. Sobre o Amazonas, foi apresentado recurso “contra a decisão aprovada pelo Diretório
Regional do AM, de o PT participar da coligação majoritária que inclui o PMDB e PSDB, em
apoio à candidatura de Serafim Corrêa (PSB) a governador do Estado”. No pleito, uma
pequena maioria votou contra (diferença de 209 x 206, 17 abstenções) (PT/Nacional, 1998,
In: RESOLUÇÕES...PT, p. 682-683).
A superficialidade e a generalidade das políticas educativas do PT
A concepção da política à semelhança do processo que se desenvolve no mercado
perpassa em Singer (2001, notadamente nas páginas 56, 59, 61 e 65), ao utilizar, de forma
insistente, a expressão competitivo, na evolução do partido, na ampliação eleitoral e em sua
concepção de democracia, restrita aos processos eleitorais competitivos.
As eleições de 2002 colocaram problemas a tal interpretação, pois a derrota
esmagadora do PT evidenciou que a tal competitividade (com critérios apenas eleitorais e
com abandono das proposições mais originais do partido) poderá levar à derrocada do PT,
mais rápido do que dos partidos tradicionais ou social-democrata da Europa, que levaram
quase um século até se tornarem neoliberais, ou de abandonarem as proposições que mais o
caracterizavam como tal, na realidade, essa perspectiva acabou incorporando-se às práticas do
fazer político partidário dos petistas.
A concepção de democracia, restrita às eleições e aos processos políticos, em nossa
sociedade, autoritária e excludente, limitou-se a aspectos formais e de um liberalismo não
praticado pelas elites brasileiras. O PT desde o início defendeu um socialismo democrático,
apesar de divergências em relação a qual democracia. Florestan Fernandes, inclusive, teorizou
sobre o papel estratégico da democracia na efetivação do socialismo em nosso país. Além,
disso, Marshall (MAGALHÃES e STOER, 2004; TORRES, 2001) já elaborara, nos anos
1950, críticas aos limites da cidadania (democracia) liberal, propondo perspectivas mais
amplas que incorporem o social, o econômico etc., além do político; e Machperson (1978,
1991) já tinha criticado e estabelecido os limites dos processos eleitorais-políticos como
“mercados” propostos por Schumpeter. Mais recentemente, Santos (1998, 2005) vem
defendendo uma democracia como processo sem fim e de alta intensidade necessária à luta
socialista (e democrática) nestes tempos de fascismo societal (ou neoliberal). Portanto, há
95
contribuições de liberais e social-democratas para os países desenvolvidos
74
que vão além das
proposições de Singer (2001), que podem contribuir para orientar a efetivação da democracia
em nosso país.
Portanto, se a tensão/contradição do assalto ao poder (e a própria idéia de poder como
coisa, objeto a ser tomado, e não como relações sociais de poder) já tinha sido superada, pois
não apareceria nas resoluções partidárias, por outro lado, a estratégia de ganhar as eleições ou
assumir espaços de poder institucional, estatal, atráves das eleições não foi acompanhada da
“construção do poder popular desde baixo” e/ou com as incorporação dos movimentos sociais
populares na estratégia eleitoral, desde e a partir dos inícios dos anos noventa.
Neste processo, tanto a diluição programática como a ampliação das eleições (e a
amenização dos discursos mais radicais bem como das propostas partidárias) avançaram ao
mesmo tempo em que o PT ocupava espaços de governo, municipais e depois estaduais, e ia
abandonando ou reduzindo sua participação crítica nos movimentos sociais (e quando o fazia
buscava colocá-los sob controle, ou subordinar suas lutas e estratégias ao calendário eleitoral).
Neste sentido, revisão das análises e decisões do PT (1980-1998) permitem perceber a
trajetória política do Partido em dois grandes movimentos: um até 1991 e outro, após 1995 até
o presente. Tal divisão, no entanto, não significa que tenha havido rupturas; houve um
processo gradual de mudança de rumo do Partido, de sua institucionalização e de ampliação
no conteúdo de suas políticas, com redução da radicalidade antes presente em seus
documentos e ações.
No início dos anos oitenta, o socialismo petista seria definido como “uma sociedade
justa, livre e igualitária” (Lula, 1980). Mas, se sua definição seria decorrente de uma
construção, por um lado, de “todo o povo”, resultante da “experiência de suas lutas” e do
“dia-a-dia” enquanto “obra” e “emancipação” dos próprios trabalhadores, por outro,
ressaltava que, ao assumir o Estado, o PT deveria mudar seu caráter “para que o povo
[pudesse] construir a sociedade igualitária, sem explorados nem exploradores”.
O Estado seria a expressão da sociedade, resultante da chegada do PT ao governo e à
direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores,
tanto no plano econômico quanto no plano social. As políticas sociais, a educação, a saúde, a
cultura, como direitos do povo, deveriam ser privilegiadas nas ações de governo, mas seu
detalhamento deveria ser resultante, também, da prática política das suas bases sociais. No
Plano de Ação de 1982 e do 2
o
Encontro Nacional, as políticas de educação ainda aparecem
74
Apesar de muitas destas contribuições referirem-se a contextos de países desenvolvidos ou da periferia da
Europa, em muitos aspectos tais contribuições podem ser úteis. No caso de Santos, suas contribuições, em
96
com indicações gerais e superficiais. Neste último se diz, por exemplo, que utilizar-se-á 12%
do orçamento nacional, que os currículos deveriam incorporar programas de educação
ambiental e que pais e alunos deveriam controlar as escolas; ou ainda, que o analfabetismo
seria erradicado através de uma ampla mobilização.
A tensão entre a tomada do poder e/ou do PT enquanto dirigente
75
e àquele de que o
socialismo seria decorrente de um processo, a partir das experiências, das lutas e do dia-a-dia,
perpassam os primeiros documentos. Também está nas afirmações que para o PT o “poder
não apenas se toma, mas também se constrói”; que a democracia “que interessa aos
trabalhadores não se esgota nas instituições, mas se articula com formas diretas e massivas de
participação popular”; e que essa participação “deve conduzir a uma sociedade sem
exploradores nem explorados, e sem a divisão entre governados e governantes”
76
.
No processo de transição dos anos oitenta para os noventa, este debate sobre o poder, a
tomada do poder e a efetivação da nova sociedade vai sendo subsumido à realidade de gestão
de governos petistas, que buscam soluções para os problemas imediatos da população que
governavam, das instituições, da relação do governo com o Partido e os movimentos sociais, e
com a utopia produzida até então. Para tanto, seria necessário articular a luta institucional com
a extra-institucional, pois só com “acúmulo de forças no plano não-institucional será possível
obter mudanças democráticas [...] no plano institucional”. Tal elaboração surge em
decorrência da análise da formação social brasileira (sua história e da composição das classes)
e do caráter do Estado na articulação desta totalidade, que mostrava que as classes dominantes
tinham experiência e trajetória qualificada de dominação e de manutenção de seu sistema
apesar da desigualdade social extrema. Mas, também, da não efetivação de inúmeras
bandeiras das próprias revoluções burguesas, como a democracia, a reforma agrária ou a
ampliação significativa e qualificada da educação. Entretanto, os trabalhadores não tinham
ainda conseguido se unificar; eram diversas suas motivações, a composição de hierarquias de
grupos e de origens. Destacavam a existência de camadas marginalizadas nos centros urbanos,
mas não os incorporavam na estratégia revolucionária proposta, a qual estaria centrada nos
trabalhadores. A educação e as redes de ensino seriam como poderosos meios de dominação,
controlados pelo Estado, e subordinadas aos interesses da burguesia. Por fim, as alianças para
a assunção ao Estado deveriam ser cuidadosamente pensadas, pois a história mostrava que
alianças com setores da burguesia somente as tem beneficiado em prejuízo dos trabalhadores.
particular (SANTOS, 1998) é feito referência ao caso brasileiro.
75
Relacionado a esta questão, também, esteve o debate entre partido de massas e de quadros.
76
Contudo, não avançou a problematização da relação entre dirigentes e dirigidos.
97
No processo Constituinte de 1986 a 1988, o PT centrou-se na democratização radical
do Estado e da sociedade, do controle popular sobre o Estado e a descentralização em
contraposição ao excessivo Poder do Executivo. Isto visava que os trabalhadores se
transformassem em classe hegemônica e dominante no poder de Estado. Portanto,
gradualmente, a assunção do “poder” de Estado começa a ganhar destaque, inclusive os
aspectos do “Estado socialista” como uma nova legalidade válida para todos com mecanismos
de consulta e participação popular, gestão operária e popular das fábricas, granjas e fazendas,
bairros e conjuntos residenciais, comunidades, vilas, distritos numa enorme “democracia de
base”. Tal projeto de Estado deveria incorporar a perspectiva de diferentes movimentos
sociais (negros, mulheres, gays) para golpear “importantes pilares da dominação”.
As administrações petistas aparecem com destaque nas eleições de 1988, governando
algumas desde 1985; se inserem como na luta (para mostrar que o PT sabia governar); mas
também como parte contributiva às eleições que se realizariam em 1989. Somente neste ano
(1989) é que haverá um documento partidário com uma melhor explicitação das propostas
educacionais. Nesse propõe-se a ampliação da rede pública, tornando em dez anos todas as
redes públicas e de qualidade, com democratização da gestão do sistema escolar,
estabelecimento de um padrão mínimo de qualidade e uma política integrada da educação
com o desenvolvimento. Para imediatas ações havia um Plano de Emergência. Todas as
propostas, como podemos perceber, seriam efetivadas num governo democrático e
progressista, portanto bem longe das proposições de mudanças radicais ou muito
diferenciadas dos governos burgueses.
Com as derrotas eleitorais nacionais em 1989 e 1994, adquirem maior relevância as
ações nas Administrações de cidades importantes, mas, ainda, como instrumentos para a
conquista de estados e do governo federal, porque nestes estariam concentrados o poder das
classes dominantes. Começa-se a dar maior ênfase aos aspectos eleitorais e/ou institucionais e
constituiu-se o dito “Modo Petista de Governar”. No entanto, a tensão de governar de forma
eficiente, tanto as finanças como a organização da cidade e de suas políticas, acabaram
hegemonizando as concepções deste “modo de governar”, o que inclusive é criticado nos
documentos e resoluções partidárias.
O I Congresso também reviu as estratégias e perspectivas, seja do socialismo ou de
chegada à sociedade brasileira almejada. Na análise crítica dos regimes do leste europeu, é
dito que a “estatização dos meios de produção”, a “substituição da democracia socialista por
um regime de opressão burocrática”, a negação do marxismo, transformado em “ideologia do
Estado”, dentre outros, não eram objetivos do PT e de suas lutas. O projeto deveria ser re-
98
elaborado, pois a conquista do poder político não começa nem termina com a ocupação de
palácio governamental; o socialismo não seria decorrente de um “ininterrupto e linear
crescimento das forças e da hegemonia socialista”, mas resultante de um longo processo de
“acúmulo de forças para as necessárias transformações revolucionárias, democráticas e
socialistas” (PT/Nacional...In: RESOLUSÕES...PT, 1998).
Percebe-se, então, que a estratégia socialista que pensava em momentos anteriores em
acúmulo de forças, relacionando a luta institucional e a extra-institucional, e a ocupação de
espaços ou instituições centrais de Poder (governo federal), para em seguida realizar as
transformações, começa a mudar. Não seria mais o socialismo o objetivo, mas a sociedade
democrática. O Estado não é mais de classe e pode ser regulado conforme os interesses de
quem o ocupa, como estariam mostrando as prefeituras municipais. Estas estariam produzindo
um novo modo de governar. Por fim, as alianças começam a ser realizadas visando força
eleitoral para a ascensão ao governo federal, independentemente de quem sejam os aliados. O
projeto e a prática de gestão em Porto Alegre fazem parte deste contexto, como se poderá
adiante compreender.
99
O PT e a educação brasileira
Como as partes anteriores, nas resoluções nacionais do PT, a educação e/ou as
políticas sociais aparecem de forma relativamente marginal e subordinadas às políticas gerais
e econômicas. Destaquei os aspectos relacionados ao socialismo, ao Estado e ao processo de
assunção aos governos e as transformações que foram sendo propostas, para situar como estes
conceitos (nas proposições) no processo vão se alterando, na medida em que o Partido vai
perdendo as eleições nacionais e assumindo governos municipais e estaduais. Além deste
processo geral, no particular dos governos municipais, percebemos/e destaquei a tensão e
críticas à institucionalização e a adaptação dos dirigentes com mandato em prefeituras
fazendo com que suas políticas visassem mais a “gestão” do capitalismo sem relacioná-lo à
transformação socialista.
No entanto, veremos que a produção política em educação, descrita a seguir, parece
seguir um rumo diferente e mais aprofundado do que as indicações presentes nas resoluções
partidárias anteriores. Mais precisamente, não podemos identificar uma relação entre a
produção geral, descrita anteriormente, com a produção seguinte sobre educação. Naquelas,
as políticas sociais e educacionais apareceram de forma marginal e subordinada aos aspectos
econômicos e políticos da disputa pelo poder. Ou seja, os aspectos políticos no processo de
luta e de implementação da estratégia baseados apenas na idéia de disputa política estratégica,
em políticas abstratas que não se desdobravam concretamente, em políticas efetivas no
cotidiano, pois fragmentadas e contraditórias. Tais aspectos acabaram hegemonizando o
“modo petista de governar” adaptando à institucionalidade os gestores sob estruturas
históricamente instituídas, e no desenvolvimento de políticas democráticas e de ampliação do
atendimento, sem no entanto, articularem efetivamente a proposta mais utópica.
A seguir, são analisadas posições de educadores petistas, ou simpatizantes, que
oferecem idéias mais ampliadas e aprofundadas sobre aquelas indicações presentes nos
documentos partidários anteriores.
100
A evolução do debate educacional do PT
Em 1982, um grupo de educadores (Paulo Freire, Moacir Gadotti, Carlos Rodrigues
Brandão e Dermeval Saviani) elaboram um texto que é publicado pelo PT-RS como subsídio
ao debate sobre uma educação popular dizendo que o “O PT aprende o que é educação ao
fazer educação”, “educa, educando a massa, capacitando os seus militantes para que desafiem
a massa a superar a pura sensibilidade dos problemas” e que “todo partido político é sempre
educador” (PT/Porto Alegre, 1982, p.4). No entanto, seria preciso explicitar de quem e do que
se está a favor, pois
Quem controla o poder político de uma sociedade controla a sua educação formal (“oficial”,
institucional). Controla o poder sobre o povo também através da educação. Enquanto o sistema político
do país estiver sustentado por princípios de desigualdade, oposição e arbitrariedade, a sua educação terá
duas funções principais: 1) difundir e inculcar, como conhecimento, os valores que justificam o estado
atual de coisas, ocultando tudo o que há de opressor e transitório nele (trabalho pedagógico de
ocultamento da realidade); 2) separar tipos de trabalhadores e tipos de dirigentes intelectuais através da
distribuição desigual do saber e, conseqüentemente, do poder que nele existe (PT/Porto Alegre, 1982,
p.9)
O Partido seria um instrumento de luta “pelo poder”, de “educação de seus militantes”
e da “educação mais ampla, na medida em que forma quadros, conscientiza, capacita pessoas
e grupos para uma ação”, mas, principalmente ao agir “como um instrumento crítico [dos]
sistemas educacionais vigentes e pensa[r] politicamente outros sistemas educacionais”
(PT/Porto Alegre, 1982, p.5). Mas, como educador, o PT não poderia ser como aquele que já
sabe tudo:
que já tem uma verdade intocável, diante de uma massa popular incompetente a ser guiada e salva. Um
educador para quem o futuro seja algo pré-estabelecido, uma espécie de fado ou sina ou de destino
irremediável. Enquanto educador, se, de um lado, não pode aceitar que a educação seja a alavanca das
transformações sociais não pode, por outro, desconhecer seu papel indiscutível nas transformações.
Papel que se realiza, entre outros momentos, fundamentalmente no esforço mobilizador e organizador
das massas populares como também da capacitação de seus quadros militantes”. (PT/Porto Alegre,
1982, p.4)
Portanto, no processo de luta política o PT iria construindo as alternativas, educando e
se educando, em todos os níveis e aspectos educacionais. E, quando no poder, o PT deveria
efetivar uma outra educação (PT/Porto Alegre, 1982, p.11).
Para os trabalhadores, a educação e a cultura são fundamentais no seu avanço político. Para as classes
populares interessa defender o ensino público e gratuito em todos os níveis, pois esse é mais um veículo
de elaboração de sua cultura de resistência. Educação, para elas, representa maior elevação cultural.
(PT/Porto Alegre, 1982, p.12-14)
101
A diversidade regional, da organização educacional e outros fatores, deveriam ser
levadas em conta neste processo, pois consta que as escolas brasileiras, ao contrário, tinham
um programa uniforme para realidades diversas, matando a criatividade e a crítica, atrelando-
a ao Estado centralizador, mero instrumento da classe dominante. Portanto, a descentralização
política e administrativa e a autonomia se faziam necessárias na prática escolar, através da
“entrega do controle da escola às organizações da sociedade civil (conselhos populares de e-
ducação, sindicatos, partidos, associações de bairro...)” (PT/Porto Alegre, 1982, p.16).
A “ilusão liberal’ de que o Estado é neutro advém da força da “ideologia política do
nacional-desenvolvimentismo”, que dava suporte à “política populista” e que tinha
possibilitado às “forças progressistas aproximarem-se do poder, alimentando, inclusive, o
controle efetivo do aparelho governamental” (Idem, p.20), criando a “crença na possibilidade
de uma revolução social via controle do aparelho político constituiu, para muitos, forte
tentação” (Ibidem, p.20). O PT deveria exigir “que o Estado assuma plenamente os encargos
que garantam as melhores condições possíveis de funcionamento da rede de escolas públicas.
E isto aí só será viável na medida em que as organizações populares exerçam severo controle
sobre a educação ministrada nas Escolas mantidas pelo Estado” (Ibidem, p.30).
Noutro documento, um dos autores, Carlos Rodrigues Brandão (BRANDÃO, 1981)
falando do caráter educativo do Partido diz:
Para um partido de trabalhadores - que em nada se confunde com um “partido populista” (falsamente
dirigido por elites para o povo), mas deve ser um autêntico partido popular (dirigido pelo povo, para a
nação - , a sua dimensão de educador, a sua crítica da educação dominante e o seu projeto para uma
nova educação têm a ver com as questões políticas que envolvem a educação do povo e têm a ver com
as questões pedagógicas que envolvem o trabalho político do povo, dos trabalhadores, sejam eles
militantes diretos ou não do partido. (BRANDÃO, 1981, p.19)
E outro educador, Moacir Gadotti, sendo mais explícito em relação ao socialismo do
PT, afirma-o como lutando por uma
democracia socialista. Para atingir esse objetivo, o PT luta para que todos os trabalhadores gozem dos
direitos que um Estado democrático deve garantir: o direito ao trabalho, à moradia, ao transporte, à
saúde e à alimentação, à cultura, educação e lazer, à terra a quem nela trabalha, direito à livre expressão
e organização de qualquer grupo ou minoria etc. (GADOTTI, 1982, p.29)
A educação deveria relacionar a “qualidade à quantidade e à estrutura de poder nas
instituições escolares”, através da democracia na educação existente, com “propostas relativas
[...] aqueles que estão fora da escola, adultos e crianças”. O Estado deveria levar a sério a
formação e a valorização profissional do professor, mediante salários adequados, condições
102
de trabalho, programas de formação e de aperfeiçoamento do educador”; e realizar a
descentralização democrática dos serviços educacionais para fazer frente ao burocratismo
estatal” (descentralização democrática, ou seja, de recursos financeiros, do processo de
preparação e atualização dos recursos humanos, da merenda escolar, a elaboração de plano
conjuntos do Estado com as prefeituras etc.) (GADOTTI, 1982, p. 32). Por fim, a educação do
PT buscaria superar
as habituais dicotomias da educação burguesa, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, entre
teoria e a prática, entre o ato de aprender e o ato de ensinar, entre o conhecimento conhecido e o
conhecimento novo, entre o saber e a consciência, entre a competência técnica e o compromisso
político, na direção de uma educação socialista. (GADOTTI, 1982, p.32)
Destacaria, deste documento e da produção destes autores, todos importantes
educadores petistas, a questão do processo político como sendo educativo e da ação política
como educativa no movimento popular; da perspectiva crítica em relação ao Estado, e de que
o mesmo deveria ser colocado a serviço dos movimentos sociais. Para tanto, a
descentralização democrática, o controle dos espaços públicos e educativos pelos usuários
bem como a participação destes, na definição dos objetivos educativos, seriam fundamentais.
Tais objetivos, se perseguidos na história e nos processos políticos partidários nas décadas
seguintes, poderiam ter sido uma estratégia eficiente nas lutas políticas. Além disso, tal
questão estaria diretamente relacionada e, poderia, talvez, equacionar aquela
tensão/contradição já anunciada nos documentos das políticas gerais que tendeu para uma
adaptação do partido aos processos eleitorais e institucionais estatais.
Propostas do PT para a Constituição e a LDB
O processo Constituinte (1986-1988) e de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (1988-1996) foi um momento significativo para o PT. Em 1986, defendendo uma
educação livre, democrática e soberana, Moacir Gadotti faz algumas proposições:
Como trabalhadores, os educadores têm em primeiro lugar o objetivo de se empenhar na luta principal
de todo o povo brasileiro, que é a ruptura com o regime político vigente; mas também uma luta
específica, que se refere à importância que será atribuída à educação e à cultura nesta 9.ª Constituição
brasileira. [...] A Nova Constituição em nada avançará em relação às anteriores em matéria de educação,
se não se definir claramente em relação a esta questão e se não obrigar o Estado a implantar
definitivamente o ensino básico e eliminar toda forma de exploração comercial, do ensino. [...] Por
outro lado, deve-se superar a atual concepção conservadora e burocrática, estimulando o nascimento de
escola crítica e criativa, centro irradiador da cultura, e garantir a participação de pais, alunos,
professores e funcionários nas decisões da política educacional e na administração dos sistemas de
ensino. (GADOTTI, 1986, p.127)
103
Florestan Fernandes também produzirá sugestões no processo Constituinte destacando
que a educação é:
um direito fundamental, universal e inalienável [e que todos deveriam ter] oportunidades iguais de
acesso à Educação Escolar e a seus frutos, o desenvolvimento pleno da personalidade humana, a
aquisição de aptidões para o trabalho, a formação de uma consciência social crítica e a preparação para
a vida em uma sociedade democrática. (FERNANDES, 1987, p.162)
Caberia ao Estado o dever de “assegurar a todos a igualdade de oportunidades
educacionais, através do ensino público, laico e gratuito, em todos os níveis e graus de
ensino”; e, para tanto, as “famílias de baixa renda deverão receber meios, facultados pelo
Estado, que lhes permitam garantir a seus filhos, desde o nascimento, o acesso e a
permanência em creches, jardins de infância, escolas pré-primárias e escolas do 1º, 2º e 3º
graus”, fornecendo “material escolar, transporte, alimentação, assistência psicológica, médica
e odontológica, orientação pedagógica e de bolsas de ensino, destinadas a substituir a
contribuição do estudante à renda familiar ou a subvencionar a sua manutenção”.
(FERNANDES, 1987, p. 163)
77
.
Sobre a Organização da Educação Nacional, Florestan Fernandes, propõe (às
diferentes esferas estatais e de acordo com a LDB) normas adequadas às
condições históricas atuais, às exigências de descentralização e de democratização do ensino em todos
os graus e a uma política efetiva de combinação do planejamento educacional democrático com a
incorporação em massa de segmentos pobres da população nos diversos tipos de escolas, da pré-escola à
universidade, bem como a recuperação qualitativa do ensino, à reciclagem dos corpos docentes e à
expansão da pesquisa científica e tecnológica. (FERNANDES, 1987, p.165)
Seriam ainda criados, conforme a LDB, com a participação dos diferentes segmentos e
entidades educativas, um Conselho Nacional de Desenvolvimento Educacional, que
estabeleceria as metas e os programas de curto, médio e longo prazos do Plano Nacional de
Educação. No entanto, já estariam fixadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, a
descentralização e a democratização nos âmbitos dos sistemas nacional, estaduais, do Distrito Federal e
municipais de ensino, das escolas ou estabelecimentos educacionais de todos os graus e níveis, levando
em conta as contribuições e as potencialidades do ensino público e do ensino privado leigo e
confessional. (FERNANDES, 1987, p.165)
77
Mas também intervir no “combate ao analfabetismo e à marginalização cultural”, devendo dispensar “nunca
menos de 13% (treze por cento) e os Estados, o Distrito Federal e os municípios 25% (vinte e cinco por cento),
no mínimo, de sua receita tributária global na manutenção e desenvolvimento do ensino público e gratuito”.
104
Ressalta, no entanto, que a escola é a unidade básica “do sistema de educação
brasileiro e a sala de aula um ponto de partida e o ponto terminal do ensino como atividade
pedagógica criadora”, cabendo-lhe:
a vinculação de algumas formas de trabalho manual, de atividades recreativas e de práticas esportivas
ao ensino, como condição de amadurecimento concomitante das potencialidades perceptivas e
cognitivas do aluno e como fator de incremento dos laços de camaradagem e de solidariedade humana;
a associação dos vários tipos de conhecimento, do folclore, as artes, as ciências e as filosofias como
base da elaboração de um horizonte intelectual equilibrado; a formação da consciência social
democrática do cidadão e a construção de uma cultura cívica civilizada; a identificação, a crítica
objetiva e o combate aos preconceitos sociais contra indígenas, o negro, os brasileiros estigmatizados
[...] os pobres, os favelados, os portadores de deficiências físicas ou mentais, as mulheres, os idosos, os
filhos ilegítimos e os menores abandonados, os transexuais etc.; a inculcação do repúdio às práticas
discriminativas correspondentes, abertas ou encobertas; o estudo e a explicação da história real ou
verdadeira do Brasil, com a explicitação dos crivos ideológicos que fermentaram uma consciência falsa
da formação e desenvolvimento da sociedade brasileira, com a exaltação do branco e das classes
dominantes e o menosprezo do indígena, do negro e do branco ou mestiços pobres; a difusão do
conhecimento dos povos do Terceiro Mundo e, em particular, da América Latina; a compreensão do
papel da luta de classes na transformação da sociedade moderna e na conquista da a autonomia do
Brasil em todas as esferas da organização da economia da sociedade e da cultura. (FERNANDES, 1987,
p.165)
Tais processos e as concepções acima visariam, segundo Florestan, “encetar um novo
processo criativo, que una o micro (a escola e a sala de aula) ao macro (a sociedade global e
o Estado)”, com o fim último de “extinguir a deformação e a selvageria do capitalismo
periférico: emancipar as classes trabalhadoras e a nação e, ao emancipá-las, liberar os donos
do poder de seu jugo à dominação econômica, cultural e política externa” (FERNANDES,
1987, p.169).
As primeiras administrações populares em educação
No entanto, até o momento, as políticas educativas e os debates restringiam-se a
proposições sem espaços de concretização, sejam aquelas políticas gerais analisadas na
primeira parte dos documentos gerais e resoluções do partido, sejam aquelas dos educadores
petistas. Mas, na produção anterior, nos debates da Constituinte e na elaboração a nova LDB
as proposições, muitas delas, se concretizaram na Legislação de 1996. Foi a partir das
primeiras administrações populares, ainda nos anos oitenta, que muitas proposições políticas
começam a ser efetivadas, como foi o caso de Diadema (1983), depois, Fortaleza e Vila Velha
(1985), e em 1988, São Paulo, Santos, Vitória, Diadema e Porto Alegre
78
. Veremos aspectos
de algumas destas prefeituras e suas proposições para a educação.
78
Marta Harnecker (1993) estudou experiências de gestão das Administrações Populares através de entrevistas
com dirigentes partidários e das administrações em Alcaldías de Santos y Diadema: de armonia e conflictos;
105
Nas diretrizes para a Prefeitura de Diadema de 1983 aparecem as idéias de
“conscientização dos direitos de cidadania”, “envolvimento e a participação da comunidade
na elaboração e execução dos objetivos e práticas educacionais”; “geração de alternativas que
possibilitem a melhoria das condições de vida da população” e transformação da “relação
cidadão – governo”, através da “elaboração de objetivos da educação” na discussão “com toda
a comunidade”.
Pretendemos implantar uma filosofia de educação libertadora que estimule a melhoria de condições de
vida da população e que assegure o direito à informação sobre as questões básicas que dizem respeito à
população, para que ela possa decidir com conhecimento de causa.[...] uma educação que envolva todos
os segmentos da população (entidades religiosas, associações de bairros, sindicatos etc.), pois, afinal a
responsabilidade é de todos.[..] que a escola é um lugar onde se passam informações e onde ocorre a
formação dos futuros cidadãos; [...] através da criança deve-se influir no processo de educação da
própria família, principalmente através da consciência das potencialidade da mesma (família) e das
organizações populares como instrumentos de melhoria e transformação das atuais condições sociais;
[...] o educador deve estar alerta para que, no ensino e em contato com o educando, com sua família e a
população do bairro e da cidade, se realize um processo de aprendizado mútuo onde o educador e
população aprofundem o conhecimento e consciência da sua própria realidade e, em conseqüência,
ganhem melhores condições de aperfeiçoamento e objetividade (no ensino) e formas concretas da
melhoria e transformações na nossa condição de vida (nos bairros, na cidade) (PT/Diadema, 1983, p.63)
Portanto, a implementação de uma educação libertadora com o envolvimento de todos,
e que, no processo educativo os educandos influenciassem na aprendizagem e o educador
também fosse educado enquanto totalidade do processo educativo seriam os objetivos. Tais
proposições se assemelham àquelas propostas no documento dos educadores petistas.
Em 1985, o PT elege Maria Luisa Fontanele para Prefeitura de Fortaleza, depois de
um ano e meio de governo, numa reflexão sobre a gestão e a educação municipal, afirma que
a Secretaria de Educação deveria canalizar seus esforços para o atendimento das necessidades
de educação das “camadas populares” através de uma “filosofia de trabalho e de uma
educação democrática e libertadora”. Mas, não somente para aperfeiçoar “as capacidades, mas
[...] [para] que desenvolva a dimensão solidária e que seria transformadora da ordem social”.
A escola deveria ser “competente e crítica, respeitando as diferenças culturais de sua clientela,
garantir-lhe conhecimento básico e habilidades necessárias à formação do cidadão
responsável e do profissional competente”. Portanto, importa “instrumentar os educadores
para que a posse do saber universal e crítico facilite a apreensão de sua situação de classe e a
Alcadía de Vitoria: triturados por el aparato institucional; São Paulo: uma alcadia assediada; Porto Alegre:
aprendiendo a governar; e Licínio Lima, em dois trabalhos: Mudando a cara da escola – Paulo Freire e a
governação democrática da escola pública (1998) e em Organização escolar e democracia radical. Paulo Freire e
a governação democrática da escola pública (2000), estudou a experiência de gestão e educação desta cidade.
No entanto, os estudos de Marta Harnecker não foram analisados neste trabalho, mas aproveitei suas conclusões
nestes estudos, quando adiante fiz referência ao Orçamento Participativo; e do professor Lícinio, sobre São
106
utilização dos meios adequados à superação das gritantes desigualdades sociais”. Para tal
propõe:
1. A universalização do ensino de 1.º grau, com a garantia de acesso e permanência na escola pública à
população escolarizável que a procura. 2. A socialização do saber sistematizado indispensável à
formação e ao exercício da cidadania. 3.Democratização das relações de poder ao nível da escola, com o
envolvimento da comunidade escolar: profissionais da educação, alunos, pais, funcionários técnico-
administrativos e também dos setores organizados (conselhos comunitários, associações de moradores e
congêneres) existentes na localidade onde a escola se situa. (PT/Fortaleza, 1987, p.141)
O projeto central da Administração Popular seria o Alfabetizando Fortaleza,
caracterizado:
por uma educação do povo a partir do próprio povo, fundamentado em ações onde o pedagógico tem
como substrato a ação política e coloca a educação não só como um ato de ler, escrever e contar, mas
como processo de participação, organização, democratização e núcleo gerador de meios que propiciem
a melhoria do nível de vida da comunidade envolvida. (PT/Fortaleza, 1987, p.141)
Para isso seria importante a “reavaliação dos conteúdos e da metodologia de ensino”, a
configuração de um novo “currículo (com respectivos livros didáticos e de ensino -
aprendizagem)” e a “definição de uma proposta de capacitação de profissionais da educação
de cuja qualificação depende também o êxito da escola pública”. Afirma-se a necessidade da
“valorização do profissional da educação”, de “condições adequadas de trabalho” e que a
“participação da comunidade escolar na discussão das decisões tanto administrativas quanto
pedagógicas é um reflexo do autoritarismo que impediu que a escola atendesse as
necessidades concretas dos educandos das camadas populares”.
Nessa gestão estaria se criando e ampliando “oportunidades de participação dos
envolvidos direta ou indiretamente na ação educativa municipal”, na “ótica da democratização
em nível escolar”, contra o “esfacelamento das funções educativas no interior da escola” e
“no combate aos privilégios acobertados sob o manto do corporativismo”. Mas, também, no
nível da Secretaria “a democratização reclama uma urgente reestruturação, a fim de torná-la
ágil, eficaz e transparente em suas relações com as escolas”, as quais teriam sido identificadas
por uma comissão:
[...] setores esvaziados das funções para as quais foram criados, gerando ociosidade e frustração das
pessoas neles envolvidos ou levando-as ao desempenho de funções estranhas à sua competência; uma
estrutura organizacional ultrapassada em face da criação de outros órgãos e do surgimento de novas
necessidades; indefinição de funções e atribuições de cada setor; duplicidade de funções ou atividades
paralelas em diferentes setores; lentidão nas providências por parte da SECM para solucionar problemas
da rede de ensino (PT/Fortaleza, 1987, p.141)
Paulo, pois o objetivo deste estudo não era fazer comparações. Mas, Licínio Lima foi referência, já anotada no
início e retomada ao final da tese.
107
Por fim, fala da necessidade da “atualização do estatuto do magistério que disciplina
atualmente a carreira dos profissionais de educação cujo ingresso será feito, impreterível e
exclusivamente, mediante concurso público” visando a “melhor organização do trabalho
escolar será revisto o Regimento escolar, que deverá adequar-se às demandas da educação
voltada para as camadas populares” (PT/Fortaleza, 1987, p.141).
Vila Velha (ES), outra prefeitura em que o PT é eleito nesse período, elaborou um
Plano Emergencial para a educação (1987) que “não pretende esgotar todas as preocupações
da nova equipe de governo municipal, mas desenvolver um conjunto de atividades com
professores, técnicos, alunos e pais de alunos, que venham desembocar no I Congresso
Municipal de Educação”. Assim, este integraria o planejamento num “processo educativo,
outros setores da administração municipal, para a implantação de um plano conjunto,
principalmente na área de saúde, cultura e ação social” e ainda envolver “todo o pessoal da
Fundação Educacional, pais de alunos, outras escolas do município e técnicos em educação
do Estado, com a finalidade de se pensar e refazer os rumos da educação escolar na rede
municipal de ensino” (PT/Vila Velha, 1987, p.155).
A Coordenação de Assuntos Educacionais do Partido (CAED)
Ao final dos anos oitenta, no processo de discussão das primeiras eleições
presidenciais do país desde 1964, ocorreu o 1º Encontro Nacional de Educação do PT. Diria
que, a partir desse momento as produções esparsas e fragmentadas começam a ser
sistematizadas e organizadas através da Comissão Nacional de Educação (CAED) criada ness
período (1989/1990).
Decorrente disso, em encontro em Porto Alegre, (PT/CAED, 1992) as controvérsias
das lutas petistas nos movimentos sociais de educação como aqueles à frente das prefeituras,
passam a ser mais discutidas, ainda mais no referente à cidade de Porto Alegre, devido ser
uma capital onde todas as forças políticas petistas estavam presentes.
As prefeituras estariam valorizando os educadores “através da política salarial, [...] das
propostas de estatuto do magistério”, mas o piso do DIEESE deveria ser revisto ao “verificar
a receita e os investimentos priorizados para que a negociação possa se estabelecer”. Na
iniciativa privada, diz o documento, se “pode reivindicar diminuição dos lucros, no caso do
Estado a reivindicação situa-se noutro plano”, cabendo ao governo do PT “socializar as
informações relativas a orçamento e execução do mesmo, para que a população possa,
108
progressivamente, superar a visão fragmentada dos problemas e da cidade e aperfeiçoar sua
condição de cidadania” (PT/CAED, 1992, p.1).
Podemos perceber que as proposições salariais (por exemplo) como outras defendidas
pelo PT quando fora dos governos não conseguiram ser efetivadas quando assumiam os
espaços institucionais. No entanto, as divergências não se relacionavam apenas à
possibilidade ou não de serem efetivados níveis salariais propostos anteriormente pelo
Partido, mas também no referente ao conteúdo das políticas, como o da proposta pedagógica
de Porto Alegre, através do Construtivismo.
A controvérsia, nesta cidade, sobre a política pedagógica, colocou na secretaria de
educação, Esther Grossi, de um lado afirmando que
vivemos num momento de revolução do ‘como se aprende’. Dentre as três grandes linhas pedagógicas
(inatismo, empirismo e construtivismo) posiciona-se por esta última, a partir de sua experiência
concreta na educação de Porto Alegre. Não fala em nome de todo o PT, mas acredita que há inúmeros
setores favoráveis a esta linha (PT/CAED, 1992, p.5)
De outro, aqueles que estavam fora da SMED, na ATEMPA, no Partido ou outros
espaços políticos, argumentando que o PT não deveria ter uma única linha teórico-político, e
que
deveria ser formulada sobre eixos básicos unificadores de nossa situação, sem isto implicar definição
exclusiva de uma linha teórico-pedagógica, o que não implica, naturalmente, que o construtivismo não
seja como, aliás, tem sido uma referência, teórico-metodológica para o trabalho pedagógico. [...] não
deve rotular nossa política nacional; [...] Ainda há muito que se discutir, formular e reformular sobre o
trabalho com outras áreas do conhecimento na fase de domínio da escrita, bem como sobre questões
teóricas e metodológicas das várias áreas do conhecimento nas fases subseqüentes do aprendizado.
Seria um tanto empobrecer, sintetizar todas essas questões sob o conceito “construtivista” como marca
de nossa política”. (PT/CAED, 1992, p.5)
Outro aspecto importante das políticas educativas do PT seria a defesa da democracia
através da “participação e [da] gestão democrática da escola” como marca da atuação do PT.
Mas, isto também estaria tendo dificuldade de efetivar-se “em função das resistências e
posturas cristalizadas resultantes do autoritarismo da política educacional e da própria
sociedade em nosso país”. Argumentava-se que a “implantação de organismos de gestão
como conselhos de escola e de conselhos municipais contribuem não só para a participação da
comunidade na definição da política educacional no âmbito da escola como também para a
divisão do poder de decisão sobre a política educacional na cidade. (PT/CAED, 1992, p.5-6).
A questão era: aqueles que estavam no governo/SMED já tinham a sua política
(pedagógica e de gestão) e, portanto, não pretendiam discutir com toda a comunidade escolar;
109
por outro lado, aqueles que estavam fora do governo, e não tendo influência sobre aquelas
políticas, poderiam, com “a criação de espaços de participação e de decisão da comunidade
escolar” interferir nas decisões das políticas educacionais. No entanto, no caso de Porto
Alegre os espaços de participação mais efetivos, como os conselhos escolares, o conselho
municipal de educação, as eleições de diretores, os congressos das escolas, etc. somente serão
instituídos depois de 1993, portanto, somente no 2º governo da Administração Popular e,
depois da saída da SMED de Esther Grossi
79
.
Decide-se que, no ano de 1992, as Administrações Municipais do Partido no referente
às políticas educativas deveriam avançar na
[...] a socialização de informações e o poder de decisão da população, em alguns casos, através da
criação de canais orgânicos. A participação nas decisões como instrumento chave do processo de
democratização do estado e de auto-organização da sociedade não pode se restringir a situações
episódicas e pontuais. A criação de canais orgânicos institucionalizados e o processo de auto-
organização são essenciais para que a população possa se apropriar das informações afetas ao
funcionamento do Estado e às orientações políticas por ele implementadas. Também são fundamentais
para que a sociedade possa participar de decisões sobre orientações, diretrizes e prioridades da política
governamental inclusive no que se refere a definições orçamentárias. (PT/Nacional/Educação, 1992,
p.12)
Nas resoluções do Encontro de Educação do PT (1992), decide-se quais os eixos
norteadores da Política Educacional do Partido, a gestão democrática e seus instrumentos:
Nas prefeituras por nós governadas a instituição dos conselhos de Escola, ou Comissões de Escola,
como organismos de gestão, e dos Conselhos Municipais de Educação – que buscam integrar as várias
esferas de governo, os legislativos e as entidades representativas da sociedade civil - têm contribuído
para a qualidade da educação e para a democratização das relações na cidade. (PT/Nacional/Educação,
1992, p.13)
A própria concepção de educação se articularia à Gestão Democrática, na qual o
Estado deveria alimentar a auto-organização da sociedade.
Através da socialização de informações e do poder de decisão visando a formação de uma cultura
democrática e de sujeitos políticos que construam no presente, as bases de uma sociedade socialista
democrática. [...] Cabe à escola partir da experiência social, cognitiva, afetiva e cultural do educando
para buscar através da síntese superá-la. A escola ao construir e desenvolver seu currículo vai encontrar-
se com a comunidade e a sociedade como objeto de investigação. (PT/Nacional/Educação, 1992, p. 15 e
18)
80
79
Mostro no Capítulo VI que as Leis propostas pelos petistas na câmara de vereadores tiveram como objetivos
criar e/ou ampliar os espaços de democratização e participação da comunidade escolar. No entanto, os
propositores das respectivas Leis quando fora do governo foram mais radicais em suas proposições, pois ao
assumirem a gestão estatal vão gradualmente arrefecendo sua radicalidade.
80
A idéia da auto-organização e separação dos movimentos sociais dos governos/Estado aparece com destaque
neste documento: “o processo de democratização do Estado e de auto-organziação da sociedade não pode se
restringir a situações episódicas e pontuais” (p.12); “a criação de canais orgânicos institucionalizados e o
processo de auto-organziação são essenciais para que a população possa se apropriar de informações afetas ao
funcionamento do Estado e as orientações políticas por ele implementadas” [...]; “a auto-organização da
110
No referente à melhoria da qualidade da educação, se diz não ser suficiente de que
Que o conhecimento da realidade do aluno, e da comunidade na qual vive, se dê unicamente na sala de
aula. É fundamental que a escola ao construir e desenvolver seu currículo tome a comunidade e a
sociedade como objeto de investigação. É fundamental, também, que os representantes da comunidade
estejam presentes na escola discutindo, elaborando e decidindo sobre o conjunto do trabalho, o que pode
permitir aos pais, funcionários, alunos e educadores se apropriarem coletivamente do conjunto da
experiência educacional como forma de construção da qualidade. (PT/Nacional/Educação, 1992, p.15)
Portanto, não se define explicitamente o que é educação de qualidade ou qualidade na
educação, apenas se referindo aos meios e às condições de sua efetivação. Mas, por outro
lado, é dito que o PT não deveria ter “uma linha teórico-pedagógica exclusiva”, pois seria da
prática que “todos os sujeitos estarão em condições de elaborar novas concepções de
educação e de escola” (PT/Nacional/Educação, 1992, p.17).
Por fim, defende-se ainda a elaboração de forma participativa das diretrizes aos Planos
Nacionais, Estaduais e Municipais de Educação “envolvendo não só os setores ligados dire-
tamente à educação, mas o conjunto dos diversos segmentos da sociedade”; a revisão das
“bases de financiamento do sistema educacional”; o investimento na “valorização profissional
dos educadores - recuperação salarial, estabelecimento dos estatutos do magistério e formação
sistemática” e a recuperação e manutenção do “prédios escolares, provimento das escolas
quanto a equipamentos e materiais”, e, novas estruturas curriculares, programas e projetos a
partir da reflexão e elaboração de concepções teóricas e metodológicas acerca do
conhecimento e da aprendizagem, trabalhadas nas atividades de formação de modo
permanente a partir da experiência profissional dos educadores” (PT/Nacional/Educação,
1992, p.18-27).
As resoluções do Encontro de Educação de 1992, constituíram as bases do Programa
de Governo (PAG) Lula em 1994, publicado pela Revista Teoria e Debate em Caderno
especial. Em seu governo seriam investidos 10% do PIB em educação nas três esferas da
administração pública. Ao mesmo tempo impulsionaria uma ampla mobilização educacional
no sentido de “eliminação do analfabetismo”, “universalização do ensino fundamental” e
“expansão do médio, regular e profissional”, “expansão e transformação das universidades”,
dentre outras (CADERNO T&D, 1994, p.72).
No referente à gestão democrática ela deveria ser desenvolvida:
sociedade é condição necessária para a construção de uma escola pública de qualidade”; “que no âmbito da
escola e do conjunto do sistema educacional, seja assegurada liberdade de expressão e organização para os
diversos segmentos”; Os Conselhos Municipais “devem discutir, elaborar e propor ações para a educação nas
cidades e estados, além de contribuir para a formulação e decisão dos planos municipais e estaduais de
educação” (PT/Nacional, 1992, p.12, 13, 17)
111
No âmbito da escola e do conjunto do sistema educacional, asseguraremos liberdade de expressão e
organização para os diversos segmentos que integram a comunidade escolar, que na escola se incentive
a criação e/ou reestruturação de organismos de gestão colegiada que elaborem e discutam a política
educacional. (CADERNO T & D, 1994, p.73)
Importante destacar que o título desta parte é: A gestão democrática do sistema
educacional, e não apenas da escola e suas relações internas. Neste sentido, é “compreendida
como parte do processo global de democratização, desprivatização do Estado, auto-
organização da sociedade e construção da cidadania nas diferentes instâncias do sistema
escolar”, e que, “deve estar articulada com a busca permanente - individual e coletiva – de
uma nova qualidade do ensino” (CADERNO, T&D, 1994, p.73). Portanto, a qualidade de
ensino deveria relacionar-se à gestão democrática implicando:
A apropriação do conhecimento implica reconstrução e transformação [...] Cabe à escola partir da
experiência social, cognitiva, afetiva e cultural do educando para buscar, através da síntese, superá-
la.[...] [e] ao construir e desenvolver seu currículo, encontre-se com a comunidade e a sociedade como
objeto de investigação, Tais procedimentos contribuem para que o aluno construa sua autonomia
intelectual e defina o perfil de uma outra, uma nova qualidade do ensino. (Idem, 1994, p.73).
Para esta educação (democrática e de qualidade) seria fundamental a valorização dos
educadores, a revisão das fontes de financiamento e de cada esfera de poder, visando
assegurar a recuperação dos salários dos educadores (Ibidem, 1994, p.74-76). No programa de
Lula:
O processo educacional, ao permitir a apropriação dos conhecimentos historicamente e acumulados,
deve também criar as condições de autonomia intelectual, para que a inserção da nova geração no
mundo do trabalho ocorra na condição e sujeito, com condições criativas de contribuir para que o
desenvolvimento do país se dê a partir do vetor da produtividade e do crescimento e do mercado
interno, o que implica não apenas superar a realização alienada do trabalho, mas ampliar a capacidade
de reflexão e negociação quanto aos rumos e cada setor, da economia e do modelo de desenvolvimento
a ser adotado. De outro lado a educação deve se constituir em elemento impulsionador do exercício da
cidadania porque deve permitir, não apenas a humanização da sociedade, mas a condição de
participação ativa como condição do aperfeiçoamento da democracia. (PT/PAG, 1994, p.4)
Portanto, podemos perceber significativos avanços no referente ao conteúdo das
proposições do PT em 1992 e 1994, e no período seguinte, como mostram estes documentos e
os debates internos do PT decorrente das experiências concretas de gestão, e mais
particularmente, a partir do caso de Porto Alegre. Mas destaco 3 aspectos, do apresentado,
visando uma síntese das políticas educativas do PT até então.
O primeiro, referente à questão democrática, como uma das marcas e questão
importante nas políticas do Partido; o segundo, sobre a questão pedagógica, que começa a ser
esboçada e discutida em mais profundidade, em decorrência da necessidade de materializar-se
nas cidades em que o PT governava, além da relação entre ambas. Aspecto que ainda não
112
resolvido inteiramente pelo partido, como será percebido nas análises realizadas adiante, do
conteúdos das políticas nas gestões de 1989 a 2004, em Porto Alegre. Por fim, um terceiro
aspecto, refere-se à tensão entre os “fora” dos governos e aqueles “dentro” dos governos.
Mas, perceberemos adiante que, alguns destes grupos e setores, ao assumirem os espaços de
governo acabaram fazendo igual ou semelhante ao que criticavam antes de estarem no
governo. Mas, é importante destacar que tal tensão, ou contradição, não tem solução, mas que
poderia ter sido gerida de forma produtiva (e não destrutiva ou desagregadora ao partido) se
impulsionasse debates fraternos e solidários ao longo das gestões e não apenas nos momentos
de disputa quando das trocas de secretários e governos.
No ano de 2000, a CAED (Comissão de Educação) elaborou uma cartilha de
orientações para os planos e debates das eleições municipais daquele ano, sistematizando o
“acúmulo da Comissão e as metas que devemos buscar atingir em nossos governos
municipais” (PT/CAED, 2000). Este documento realmente poderia ser um representante da
situação da produção do partido, mais avançada enquanto síntese, no referente aos governos
municipais, às ênfases das políticas em desenvolvimento bem como das principais
experiências de gestão.
Os municípios têm um papel muito importante no sentido de reverter o atual quadro da educação e o PT
vem demonstrando isto nos municípios que governa, por meio da priorização da política educacional
local e do embate em nível do respectivo estado para possibilitar a existência de um regime de
colaboração entre a esfera estadual e municipal, assim como, a inserção ativa, na entidade nacional dos
dirigentes municipais de educação. (PT/CAED, 2000, p.8)
Diz que a “concepção de educação que o PT vem construindo e implementando em
suas administrações é basicamente a mesma expressa no PNE (Plano Nacional de
Educação)”, elaborado pela sociedade civil nos CONEDs (Congresso Nacional de
Educação)”. Nesta, os sistemas educacionais deveriam ser vistos como meios no
desenvolvimento das potencialidades humanas e se deveria “considerar a diversidade cultural
e étnica da cidade e assegurar não só o respeito às diferentes culturas, mas seu
fortalecimento”. Para tanto, seria fundamental recuperar:
para a educação a visão de sistema, superando a visão fragmentada e parcelada por idade, níveis,
componentes curriculares ou modalidades e visão multissetorial, entendendo que os problemas não se
explicam e não se resolvem a partir exclusivamente do educacional, mas a partir de uma política
econômica e social de inclusão e bem estar da população. (PT/CAED, 2000, p.8)
Entre as proposições, constam o desencadeamento de “amplo [processo de] educação
escolar”, direito do povo a “uma escola pública de qualidade” (p.9) e o “acesso e permanência
113
de todos os brasileiros à escola e uma gestão democrática”, com a reafirmação de “políticas
públicas estatais para o atendimento das crianças pequenas como parte da Educação Básica”
(p.10) e de “investimentos mais substantivos do ponto de vista da concepção ou do
financiamento, por parte do Estado” (PT/CAED, 2000, p.8).
Nos municípios em que governamos temos atuado de acordo com nossos princípios de democratização
da gestão, democratização do acesso ao ensino e da garantia de permanência na escola com qualidade
social da educação. [...] criamos diversos órgãos colegiados deliberativos com participação da
comunidade educacional, investimos pesadamente na ampliação do atendimento, principalmente da
educação infantil e dos historicamente esquecidos pelo Governo Federal e pelos Estaduais, quais sejam,
os jovens, os adultos e os portadores de necessidades especiais [...] tendo como finalidade precípua a
garantia de um padrão unitário de qualidade nas instituições públicas e privadas. (PT/CAED, 2000,
p.10)
As gestões municipais petistas estariam efetivando uma escola pública e
transformadora, voltada para os interesses das classes populares redimensionando as “práticas
tradicionalmente instituídas de caráter elitista, classificatório e seletivo:
Acumulamos um entendimento acerca do eixo central que sustenta a qualidade democrática da
educação que queremos: a indissociabilidade entre gestão democrática e qualidade de ensino. [...] gestão
democrática da escola diz respeito à democratização das relações de poder e decisão, ou seja, implica
superação das relações hierárquicas que se estabelecem no cotidiano da escola pela consolidação de um
processo coletivo de tomada de decisão. A dimensão política da gestão democrática da escola exige a
constituição de mecanismos legais de democratização da gestão, quais sejam: a eleição de diretores, a
eleição de conselheiros escolares e a realização do Orçamento Participativo na escola. [...] A gestão
democrática da escola concebe a participação como elemento fundamental para que, por meio da
discussão sobre a concepção de currículo e educação que sustentam as práticas educativas, se consiga
elevar o patamar e a qualidade de intervenção de pais, alunos e funcionários, além dos próprios
profissionais da educação. (PT/CAED, 2000, p.14)
No entanto, mesmo representando uma síntese do acúmulo do Partido, ainda persiste
neste a idéia geral (e pouco explícita) da relação da gestão democrática com a qualidade e/ou
a proposta pedagógica. Ou seja, não se diz claramente o que é qualidade da educação para o
PT, mas sim que ela seria resultante da participação, da gestão democrática, etc. Por outro, a
idéia de sistema democrático em educação ou da gestão democrática da educação, também,
apesar de afirmada ou aludida neste documento, não teve desenvolvimento, bem como, não se
avançou na sua realização nas práticas de gestão de PT nas cidades em que governou. Ou seja,
desenvolveram-se ações e políticas de democratização da escola, da educação e do ensino,
mas muito pouco em relação à gestão democrática do sistema de ensino da cidade, em sua
totalidade, ou ainda de forma mais ampla, da gestão do sistema educativo da cidade.
114
Apesar de reconhecer que a realização dos Congressos das Escolas municipais ao
definirem as diretrizes das políticas poderiam, se radicalizados em sua ampliação e poderes
sobre o executivo municipal, ser um bom exemplo neste rumo.
O PT é um partido educador que se educa educando?
Se comparativamente o que é dito nos documentos e resoluções gerais do Partido
sobre a educação e a produção dos educadores petistas, nos programas eleitorais municipais
e/ou em encontros de educadores do Partido, ou nas primeiras administração populares e
debates no processo constituinte, encontramos proposições mais consistentes. No entanto,
nestas também se percebem ambigüidades e contradições, decorrentes de perspectivas
diferenciadas dos indivíduos e/ou grupos partidários com os espaços efetivos de realização
das respectivas proposições.
A proposição de que o PT deveria ser um educador, que ao mesmo tempo se educa,
não conseguiu avançar na trajetória do Partido, pois o educador que sabe tudo e que é
dirigente das massas, etc., acabou predominando tanto na esquerda (aquela que era acusada de
querer tomar o poder de assalto) como na direita do Partido (aquela que se julgava dona do
partido, que teria surgido das bases, etc.). O mesmo se pode observar em relação à submissão
da educação e das políticas sociais aos aspectos relacionados à economia e à gestão do Estado
mas, também, há submissão dos educadores às políticas gerais do Partido. De outro lado,
aqueles que deram ênfase ao aspecto popular, de base, do que o povo vivia e sentia, não
perceberam que o espontâneo também pode ser programado pelo Estado e pelas perspectivas
dominantes.
Na prática, venceu ou desenvolveu-se uma perspectiva intermediária, de defesa de
uma educação para a cidadania, com participação e ampliação da democracia, através do
acesso e da qualidade do ensino para, primeiro, as classes populares e, depois, todos. Nos
últimos anos, tal perspectiva foi sistematizada através da democratização da gestão, do acesso
e do conhecimento (Cartilha às eleições municipais em 2000 e documento da Campanha à
Presidente
81
). Tal elaboração teve antecedentes como a defesa da democratização das
oportunidades de acesso e da qualidade de ensino, depois abandonada no Rio e em São Paulo,
em 1986. Mesmo propostas que seriam a marca do PT, como a democracia na educação e
seus instrumentos como os conselhos de escola e o congresso das escolas municipais
(desenvolvidos em Porto Alegre, depois de 1993), e outras, foram ensaiadas nas primeiras
115
administrações populares e nas propostas à Constituição na parte referente à educação, não
avançaram para a descentralização e à gestão democrática dos sistemas de ensino. No governo
municipal de Porto Alegre, como nas experiências comentadas, se deu ênfase à gestão e à
democratização, apenas no espaço escolar.
Propostas que poderiam possibilitar um avanço maior da estratégia socialista de
democracia sem fim, e que ao serem efetivadas poderiam ser testadas na prática, como
descentralização e a autonomia das unidades escolares, como inclusive constam da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), não foram efetivadas por inteiro e
homogeneamente nos governos do PT
82
.
A proposta do fim do controle estatal das escolas públicas, colocando-as sob controle e
fiscalização popular, foram abandonadas ou rejeitadas. Argumentou-se que teriam sido
apropriadas pela direita (neoliberais), mas também que se efetivadas de fato poderiam
dificultar o controle das direções partidárias (e depois do Estado/governos que assumiram)
sobre estas diferentes autonomias e diversidades.
As Administrações Populares, com a criação da CAED, têm uma sistematização das
políticas e dos debates, superando as proposições gerais anteriores. Agora, nos governos, se
deveria ter políticas concretas, planos, orçamentos, etc. e os discursos genéricos não tinham
mais espaço. Se isto serviu para o crescimento político, teórico e de prática de gestão a
inúmeros militantes, por outro lado é evidente que estes acabaram tensionados pelas
estruturas legais, normas, práticas e fazeres burocráticos, arrefecendo suas perspectivas mais
radicais. Nas regiões ou cidades em que o partido era organicamente fraco, com pouca
representatividade dos movimentos sociais e dos educadores, não se manteve o mínimo de
autonomia destes em relação às gestões municipais, e setores oportunistas e da direita
partidária avançaram na institucionalização dos gestores e do Partido. E mesmo naquelas
administrações em que a esquerda era maioria ou forte nos movimentos sociais, acabaram
subsumindo às vontades mais radicais e rebeldes, como Porto Alegre. Nestas, as políticas (seu
processo de implementação e conteúdo) colocaram em cheque as elaborações simplistas e
superficiais anteriores do partido. Também emergiram conflitos entre os que estavam fora
com os que estavam dentro do aparelho estatal. Exemplo: os grupos políticos preteridos na
primeira gestão, em Porto Alegre, criticavam Esther Grossi pela exclusividade do
81
Na campanha de 2002 constituiu-se um grupo de educadores visando produzir documentos de subsídios a uma
política educacional, caso Lula fosse eleito. Este documento não foi analisado aqui.
82
Nos debates Constituintes percebemos inúmeras proposições que foram incorporadas a LDB atual. Uma tarefa
interessante seria confrontar ambas e verificar que proposições e/ou alterações realizaram-se na atual lei; outra,
poderia ser, o que o PT propôs, e foi incorporado, e que não realizou em seu governos ou que foi além em suas
gestões municipais.
116
Construtivismo e pela falta de debate partidário, mas quando exerceram o governo municipal
acabaram por apresentar uma proposta que todos deveriam seguir na rede municipal: os
Ciclos de Formação, o regimento escolar padronizado, o atrelamento do Conselho Municipal
de Educação aos gestores estatais, etc. Estes aspectos como outros veremos no capítulo
seguinte.
117
6 - O PT E A EDUCAÇÃO EM PORTO ALEGRE
Neste capítulo depreender-se-á que o PT, ao assumir o governo municipal, acabou por
não circunscrever-se pelas proposições, ou suas próprias resoluções gerais, nem pelas
concepções produzidas pelos educadores petistas projetados, nacionalmente, no
desenvolvimento de suas políticas. Mais do que isso, as tensões e contradições da produção
política em educação, e a disputa por parte daqueles que estavam fora dos espaços de poder
(SMED) com os gestores em educação são explicitadas mais ampliadamente nesta parte,
porque também contribuíram no acima afirmado.
A gestão de Esther Grossi passou ao lado da produção petista existente (mesmo que
limitada), decorrente dos encontros ou de deliberações pré-campanha, que sistematizei em
partes anteriores, motivando controvérsias na transição do primeiro ao segundo governo na
cidade; mas a gestão de Esther também fez o Partido incorporar novas temáticas e aspectos de
políticas educativas, antes ausentes de seus debates e em sua produção educativa e política
como o referente ao pedagógico (e/ou a uma explicitação melhor neste campo). No entanto, se
alguns criticaram (ou acusaram) a Secretaria devido a isso, em momentos de disputa e
transição de governo, no nível interno, não se percebem nas análises e/ou diretrizes de
governo, tais debates e/ou conflitos internos, e muitos menos vieram a público.
Portanto, não foram publicamente assumidas as divergências e/ou contrariedades de
fundo entre as políticas desenvolvidas, as ações e as atitudes dos secretários/as e outros temas.
Tais aspectos, que poderiam ser considerados como pano de fundo do debate do PT em
educação e das políticas educacionais desenvolvidas, e como inerentes aos processos
contraditórios de uma gestão alternativa do Estado democrático, não aparecem nos debates e
discussões do Partido na cidade. Veremos detalhes desta evolução a seguir, para ao final
retomar estas considerações iniciais com exemplificações.
118
O PT e as primeiras propostas para a educação: superficialidade e controvérsias
No material da campanha eleitoral de 1985, depois de uma breve descrição das lutas
em educação na cidade e no país, fica destacada a luta pelo acesso das classes populares à
escola e pela democracia na escola:
a população da periferia organizou o movimento “pela expansão e melhoria do ensino” (Zona Sul,
Zona Norte, Partenon e Lomba do Pinheiro) cujas reivindicações básicas são: o ensino público e
gratuito, a ampliação das escolas existentes, a construção de novas escolas, o funcionamento das
escolas no turno da noite, a criação de pré-escolas de 1° grau completo, de supletivos e de escolas de 2°
grau. (PT/Porto Alegre, 1985, p.3)
E o PT comprometia-se com estas reivindicações: “não se pode admitir que a maioria
das escolas das vilas onde moram os trabalhadores permaneçam fechadas à noite” (PT/Porto
Alegre, 1985, p.3).
Vamos criar cursos noturnos, tais como: l° grau completo, inclusive com as séries iniciais, 2° grau,
supletivo e alfabetização de adultos. [...] vamos utilizar os equipamentos físicos já existentes na
comunidade, tais como: os prédios das comunidades religiosas, associações de bairros, sindicatos e
outros do gênero que possam ser aproveitados para atividades educacionais. [...] com a participação dos
Conselhos Populares vamos encaminhar um estudo através de pesquisas e ampla discussão com a
população, para verificar e definir os locais em que serão necessários a construção das novas escolas.
(PT/Porto Alegre, 1985, p.3)
O referido material de campanha segue o sentido geral das resoluções do Partido, ou
seja, evidenciam proposições superficiais, e para além das possibilidades de serem realizadas
na esfera municipal, e que, inclusive, não foram efetivadas nas futuras gestões do PT.
Exemplificando: a expansão do 2º grau (Ensino Médio) e da abertura das escolas aos fins de
semana e à noite. Nenhuma destas proposições foram efetivadas nos 16 anos de gestão do PT.
As escolas de ensino médio continuaram sendo duas e as escolas não abriram aos fins de
semana.
As condições de viabilização, nos documentos da campanha de 1985, diziam: “vamos
utilizar todos os gastos com educação até os limites físicos suportáveis pelas finanças da
prefeitura, propondo-se assim ir muito além dos 25% do orçamento para a Educação”. E
propunha acionar “Conselhos Populares para que a população organizada e a prefeitura
pressionem o Estado e a União, para que estes assumam as suas responsabilidades com a
educação” (PT/Porto Alegre, 1985, p.3).
Mas, desta feita o PT não consegue alçar-se à gestão da cidade, o que ocorreu somente
nas eleições de 1988. Num encontro do PT, em dezembro de 1988, antes de assumir a
119
Secretaria Municipal de Educação, Esther Grossi vai buscar contribuições de Emilia Ferrero,
Ana Teberosky e, principalmente, como referencial principal de Piaget para sua gestão:
na concepção teórica de Jean Piaget, de uma aquisição de conhecimentos a partir da interação do sujeito
com o objeto a ser reconhecido, as pesquisadoras assumem a hipótese epistemológica para a prática
pedagógica segundo a qual o aprendizado da leitura e escrita é entendido como o questionamento a
respeito da natureza, função e valor deste objeto cultural [...] (PT/Porto Alegre, 1988, p.8)
Para esta gestão, o trabalho pedagógico deveria partir da cultura, de conteúdos
significativos das comunidades; e os professores deveriam ter o “direito de conhecer estes
estudos a respeito do processo cognitivo”. Para tanto, o GEEMPA teria “uma proposta
didática de alfabetização” que seria utilizada na rede municipal, visando:
Instrumentalizar os educadores através de grupos de estudos e seminários [nas] propostas mais
avançadas na área da alfabetização [...], da forma mais dinâmica, cujos resultados favoráveis se
constituam num elemento motivador do trabalho do professorado; [...] Garantir o acesso e a
permanência dos trabalhadores e seus filhos a nível de l° grau nas escolas municipais. [...] Rediscutir a
proposta dos CIEMs aproveitando a discussão feita por um grupo de educadores da APMPA [...] [e do]
projeto alternativo de funcionamento para esta estrutura [que teriam elaborado]. (PT/Porto Alegre,
1988, p.9)
Como podemos perceber, a ênfase é no pedagógico, e não no aspecto da participação,
da ampliação do atendimento ou da gestão democrática como os documentos que analisamos
nas partes anteriores mostraram. Portanto, houve uma deslocamento na ênfase dada pela
secretária Esther em sua gestão com àquelas que vinham sendo acumuladas pelo Partido.
No ano de 1992, realizou-se em Porto Alegre e no RS encontros de educadores do PT,
preparatórios ao Encontro Nacional já referido (PT/RGS, 1992a). O Partido (municipal e
estadual) tendo hegemonia de setores críticos às políticas educativas de Esther Grossi,
publicam as resoluções num informativo do partido, dando realce às deliberações dos
encontros (PT/RGS, 1992b). Na verdade, estavam respondendo ao que vinha sendo
desenvolvido por Esther à frente da SMED, e ao documento publicado pela mesma, em
inícios do ano de 1992, intitulado o Modo Petista de Governar em Educação (PT/Porto
Alegre, 1992). Analisemos este documento, para depois nos referirmos aos documentos dos
encontros partidários, e das críticas, confrontando-os.
Os petistas da SMED, capitaneados por Esther Grossi, no ano de 1992, no documento
O Modo de Governar Petista em Educação destacam que, em decorrência da complexidade
das transformações mundiais e da busca de sínteses, o “Construtivismo nos mostra que na
psicogênese de cada campo conceitual passamos por estruturações parciais” e que a eficácia
das ações humanas se realiza em três áreas fundantes: a administrativa, a científica ou técnica
e a social.
120
A área ou a dimensão administrativa [...] se refere, quando aborda as instâncias do poder, é o saber
fazer. É o campo que contempla os recursos necessários para qualquer ação. A área cientifica ou técnica
diz respeito aos conhecimentos que norteiam o saber e a organização dos recursos de uma empreitada
humana. A área ou dimensão social compreende o apoio dos atores humanos que envolvem esta ação.
Toda ação é produzida no contexto do grupo, da aprovação de outros, no seio de batalhas de hegemonia.
(PT/Porto Alegre, 1992, p.2)
Neste sentido, ao aspecto político ou a dimensão social é fundamental e, portanto, a
busca de respaldo político das maiorias, mas esta deve estar articulada às outras duas
dimensões. No entanto, isto não é compreendido por uma facção da esquerda, diz o
documento:
[Há] um exagero do valor da participação quando a considera como único elemento de transformação
da realidade. Esperamos que isto venha a ser um nível de aprendizagem, momento de um processo e
não um dogma, uma verdade intocável, um produto acabado. A participação vista como uma plenitude
gerará a desilusão dos implicados nas ações políticas, quando for percebida sua ineficácia. (PT/Porto
Alegre, 1992, p.3)
Agindo assim, tais setores do partido estariam discriminando os implicados, pois, ao
defender que tudo seria domínio de todos (todos têm que opinar sobre saúde, sobre educação,
sobre cultura, sobre a organização da cidade), estariam colocando de lado a complexidade dos
organismos superiores e não dividindo tarefas e responsabilidades, em conformidade com as
competências, “confundindo-se opinião com argumento e universalidade de responsabilidades
com responsabilidades específicas” (PT/Porto Alegre, 1992, p.4).
Por outro lado, não tendo a escola substituto para realizar a aprendizagem e a
socialização da bagagem acumulada pela humanidade, nela deveriam estar implicados os
professores e os pais, e sua participação articularia a garantia de que a escola cumprisse seu
papel, de socialização da:
bagagem científica e cultural que a humanidade vem produzindo em sua trajetória. Esta bagagem
constitui, hoje, elemento indispensável para ser cidadão do mundo, tanto para usufruir as formas de vida
que este oferece para nele atuar e continuar a transformá-lo. [...] a escola socializa em torno do contrato
didático. As relações na escola estão marcadas pelo objetivo que a define, que é o de produzir
aprendizagens. [...] Aos pais cabe exigir desempenho competente dos professores, demanda de respeito
pela inteligência de seus filhos, resultados positivos no seu rendimento escolar, de modo que eles façam
cada série em um ano, sobretudo se alfabetizando em um ano letivo, como qualquer criatura do mundo.
[...] face [aos] baixíssimos índices de aproveitamento escolar dos alunos oriundos das camadas
populares. (PT/Porto Alegre, 1992, p.6-7)
A par do debate sobre a concepção/ação pedagógica, é importante examinar o lugar do
projeto/compromisso de expansão do acesso das classes populares à escola e da
democratização da gestão nessa gestão. Verifica-se, nesse período (1989-1992), que houve
uma ampliação do acesso à escola, com a ampliação das matrículas, a construção de escolas e
121
a nomeação de professores/as, mas, de outro, houve pouca ênfase na gestão democrática,
restringindo-a subordinadamente aos processos de aprendizagem, mais explicitamente, à
implementação do Construtivismo.
Esther Grossi, no artigo Trajetória da Esquerda em Educação (PT/Porto Alegre, 1992,
p.33-39), no mesmo documento, diz que a “direita acalentou e vendeu a falsa idéia da
neutralidade da competência técnica, acima de posicionamentos ideológicos” fazendo com
que a esquerda, indevidamente, veja a competência técnica e o preparo científico com
desconfiança,
supervalorizando as atividades agremiativas e estabelecendo uma dissociação entre cultura e cultura
popular, confundindo ainda ciência, somente como instrumento generalizado de dominação e não como
conquista de todos os homens que deve ser posta também a serviço de todos, como instrumento
indispensável ao desenvolvimento. (GROSSI, 1992, p.36)
No entanto, salienta a Secretária, que a libertação da classe trabalhadora deverá incluir
o “manejo adequado dos instrumentos de pensamento que possam garantir o desenvolvimento
global, o qual está imbricado no econômico, porque justiça e liberdade se assentam sobre
condições materiais”, mas que não é condição suficiente de sua realização (GROSSI, 1992,
p.37). Isto porque, na atualidade, os meios de produção “repousam sobre uma tecnologia que
está a exigir como condição de sua agilização uma produção mínima de conhecimentos, que
se tornam elementos inerentes de formação básica de mão de obra”, e no qual, o “não domínio
da leitura e da escrita é um impeditivo decisivo do desenvolvimento de qualquer país”.
(GROSSI, 1992, p.37)
A oportunidade duramente conquistada que a esquerda passa a ter de administrar algumas instâncias do
poder público no Brasil nos coloca em face de um compromisso singular na área da Educação - o de
produzir concretamente a escola pública de qualidade que sempre defendemos e com a qual
alimentamos nossos mais legítimos sonhos. Para isso [...] [devemos] dar uma resposta concreta muito
além das demandas corporativas, aliás que estão sendo revistas à luz da nova conjuntura, [...]
Garantidos salários razoáveis, eleições diretas para diretores de escola, participação da comunidade
mediante colegiados instituídos, etc., como acontece na rede municipal de Porto Alegre, apareceu-nos
com tremenda clareza, [agora] o desafio da tarefa eminentemente democrática da escola, de fazer os
filhos dos trabalhadores se apropriarem construtivamente dos saberes e conhecimentos necessários para
a transformação da sociedade. (GROSSI, 1992, p.38)
No artigo, Os desafios da CAED do PT (SANTIAGO, 1992, p.40), Paulo Rubem
Santiago, membro da CAED, professor da Universidade Federal de Pernambuco e vereador
do PT, investe contra as facções que dominam o partido, mas que não contribuem para a
produção de um “projeto político que expresse nacionalmente a intervenção partidária”,
122
transcendendo o “corporativismo que lhes é próprio, como para sistematizar e sintetizar seu
acúmulo de experiências e produção acadêmica” (SANTIAGO, 1992, p.40).
Aponta que a organização sindical do partido e os trabalhadores não conseguiram
relacionar a “produção coletiva no campo da política pedagógica, da prática em sala de aula,
do desenvolvimento curricular e da relação escola-trabalho e comunidade”. Diz ainda Paulo
Rubem que “temos propostas para a reposição das perdas salariais, a democratização da ges-
tão escolar, mas não temos um projeto abrangente de difusão e construção do conhecimento
em sala de aula” (SANTIAGO, 1992, p.41). E também acusa que a produção científica dos
cursos de pós-graduação não tem mediatização junto à prática na sala de aula; e o que
produzem como ciência não é socializado “junto aos trabalhadores em educação do dia-a-dia
das salas de aula” (SANTIAGO, 1992, p.41).
Até hoje, nossa produção nesse setor tem se limitado à apresentação de concepções partidárias e
algumas propostas no plano eleitoral. Aos poucos, timidamente, vamos falando das nossas
administrações. Neste sentido, esgotada no nosso ponto de vista a legitimidade e representatividade da
atual CAED, faz-se necessária sua reestruturação e a própria redefinição de seu efetivo papel nacional,
tornando-se também imprescindível a afirmação de um programa de trabalho com condições e tarefas
claras para cada região e segmento educacional do País, bem como a consolidação de uma nova postura
da direção nacional do PT quanto a esse desafio. (SANTIAGO, 1992, p. 43)
Portanto, para ele, o PT deveria se debruçar “sobre os seus limites internos e até
mesmo dificuldades regionais para assim apontarmos, globalmente, um projeto educacional
que transcenda o imediatismo, o espontaneismo, o academicismo e o corporativo das lutas
econômicas”. Sendo assim, conclama os “companheiros que hoje atuam na CAED, nas
administrações petistas, no DNTE-CUT (Departamento Nacional Trabalhadores em Educação
da Central Única dos Trabalhadores), no movimento estudantil e nos meios populares a um
esforço concentrado para sairmos dessa maré”, para o que, contribuíram as resoluções e
proposições de um encontro de 24 prefeituras administradas pelo PT reunidas em Porto
Alegre, no início de 1992, já que nestas se estaria gestando um modo diferente de governar e
educar: o modo petista de governar em educação
83
. Tais gestões estariam mostrando que
parcos recursos podem ser transformados “em bons salários para os professores e escolas
atrativas à criançada” e que era “intenção do encontro” fazer “dos 90% de aprovação local
uma média alcançada em todas as escolas do País” (SANTIAGO, 1992, P.46).
83
Seminário que contou com “estrelas nacionais, como o membro da executiva Jorge Bittar, do Legislativo
Federal, deputado José Fortunati, e estadual, Flávio Koutzii”, alcançou consenso: É possível garantir recursos
materiais adequados, investir na formação de professores e transformar as escolas em grupos democráticos de
trabalho. Mais, “o eixo do programa é o antimétodo que tem feito pedagogos e alunos comemorarem o fim da
ditadura da cartilha escolar: a chamada proposta Construtivista” (ZH, 1992, p.55).
123
Em maio de 1992 realizou-se um Encontro Estadual do PT, preparatório ao Encontro
Nacional (PT/RGS, 1992b), o qual acabou se tornando contraponto às políticas desenvolvidas
por Esther Grossi na SMED e a muitas das afirmações anteriores comentadas. Na parte da
concepção de educação é afirmado que o PT não deveria ter uma “linha teórico-pedagógica”
exclusiva e que todos da comunidade deveriam ser “envolvidos na construção de propostas
político-pedagógicas” (PT/RGS, 1992b, p.2). Portanto, contrapõe-se ao caderno publicado
pela SMED, e esclarece que o PT defendia uma “Educação libertadora, crítica, unitária e
transformadora”
84
. Nesta linha, caberia à escola:
trabalhar o conhecimento acumulado e sistematizado historicamente, sendo uma escola alegre,
mobilizadora, irradiadora da cultura popular, não para reproduzi-la, mas para recriá-la, transcendendo o
senso-comum; criando e recriando o saber inerente às experiências e as práticas sociais desenvolvidas a
partir de necessidades objetivas. (PT/RGS, 1992b, p.2-3)
A democratização do ensino confrontaria a “formação social brasileira” excludente e a
cultura autoritária que permeia as relações em todos os espaços da vida social. A luta deveria
ser imediata pela “democratização da gestão da escola e do sistema educacional”,
transformando a escola num “laboratório de aprendizagem democrática, espaço privilegiado
da prática da participação, da experiência da tomada de decisões, da superação da lógica de
reprodução de relações autoritárias da escola tradicional, portanto da formação da cidadania e
da construção da cultura democrática”. Para isso, o PT comprometia-se, “além da
democratização do acesso à escola, [com] a democratização das relações escola/sistema, das
relações no interior da escola, direção/segmentos da comunidade escolar, professor/aluno, e
das relações escola/comunidade” (PT/RGS, 1992b, p.3-4).
Os professores deveriam ser valorizados através de cinco eixos: “1- Condições de
trabalho; 2- Salário e plano de carreira; 3- Formação político-pedagógica; 4- Gestão da escola
(com a participação efetiva dos profissionais da educação na construção e reconstrução da
proposta político-pedagógica e na gestão da escola); 5- Relação com o funcionalismo e o
sindical” (PT/RGS, 1992b, p.4).
Inicialmente, destaco que havia uma disputa entre aqueles que ocupavam a liderança
da SMED com aqueles que predominavam no PT ou na Associação dos Trabalhadores e
84
Libertadora porque busca superar todo tipo de opressão, exploração e obscurantismo, promovendo os valores
éticos, a liberdade, o respeito à vida, à pessoa humana e à natureza. A escola unitária produzirá o conhecimento
baseado na ação-reflexão-ação, desenvolvendo uma formação geral capaz de compreender e fazer uso dos
fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos, leis fundamentais que regem as ciências a
natureza, as ciências sociais, as relações dos homens com a natureza e dos homens entre si. Transformadora,
porque está permanentemente contribuindo na disputa que o Partido trava para a conquista da hegemonia na
sociedade e para a construção do poder democrático-popular no rumo da sociedade socialista.
124
Educação (ATEMPA). No entanto, a gestão democrática, se é afirmada na crítica à Secretaria
Municipal (que deveria envolver toda a comunidade e as relações escola/SMED/sistema), na
parte das proposições (eixos), nesse documento, a mesma não se refere à gestão democrática
do sistema educacional.
Nesta ocasião reafirma-se a posição contrária à municipalização, pois:
A garantia da qualidade do ensino depende da co-responsabilidade das esferas federal, estaduais e
municipais e os critérios que definirão estas responsabilidades serão determinados pelo custo-aluno-
qualidade, onde cada esfera de poder aplicará as verbas destinadas ao ensino.. Com isto, constituir-se-á
uma rede pública de qualidade voltada aos interesses da maioria da população. (PT/RGS, 1992b, p.4)
No caso da municipalização da educação, expressa e reafirmada a contrariedade do
PT, então, lembro que anteriormente, tendo como referência os educadores analisados (em
1982), e também, Florestan Fernandes, com as proposições na Constituinte e a LDB, se falava
de descentralização e de autonomia das escolas nas proposições do PT para a educação. Mas,
agora, evidenciam-se proposições contrárias à municipalização, portanto, diferenciando-se
daquelas, e que não tinham sido efetivadas nas primeiras gestões em educação do PT. Em
documento posterior, na cidade, nas diretrizes ao governo na campanha eleitoral de 1992,
podem ser constatadas proposições como “descentralização e regionalização” das ações e das
políticas semelhantes àquelas proposições de significado democratizador.
No entanto, nessa época, na educação, os organismos internacionais e no Rio Grande
do Sul, através da Secretaria de Educação Estadual, se estava propondo processos de
prefeiturização, chamados de descentralização e de municipalização da educação, repassando
responsabilidades e “encargos” educacionais, ou seja, o repasse das responsabilidades dos
níveis federais e estaduais aos municipais, sem os recursos correspondentes. É neste contexto
que, tanto Esther Grossi como seus opositores em Porto Alegre, passam a contrapor-se à
descentralização associando-a à municipalização.
Para avançarmos neste debate, na parte seguinte, sigo no debate do PT municipal em
suas políticas e proposições aos governos municipais relacionado-os às proposições para a
educação na cidade.
O PT e a educação da cidade na segunda gestão
Nas diretrizes para as eleições de 1992, o Diretório Municipal do PT diz que daria
continuidade às transformações iniciadas em 1989, a partir do “acúmulo de experiências”,
aprofundando e acelerando “a reorganização do Estado no rumo de uma maior participação e
125
controle pela população organizada”, com “disseminação e desenvolvimento dos Conselhos
de Gestão Participativa dos Equipamentos Públicos (escolas, centros comunitários etc) e
consolidação do Foro do Orçamento Participativo; com ampliação de seu âmbito de
incidência para além dos investimentos”, da “descentralização e regionalização de estruturas
políticas e de prestação de serviços, de modo a criar as efetivas condições para o controle
popular sobre a máquina pública e para ampliação da agilidade e eficiência no atendimento à
cidade”, a promoção de “políticas de ação afirmativa no âmbito do combate à discriminação
racial e sexual” e na educação, qualificando “ainda mais os equipamentos das escolas,
mantendo especial atenção para o processo pedagógico e a valorização dos educadores”
(PT/Porto Alegre, 1992).
É interessante observar que, neste momento, defendem um “governar para toda a
cidade”, a partir “da perspectiva dos trabalhadores”, visando uma transformação “no sentido
de que os próprios trabalhadores possam ser sujeitos de sua emancipação” através da
socialização dos “meios de governar”, da democratização dos “equipamentos públicos”
colocando-os sob “controle popular”. No entanto, para atrair os
trabalhadores a esta alternativa, é preciso que isto seja acompanhado da capacidade de obter melhorias
reais na vida popular. O povo explorado não permanece engajado em perspectivas que não mostrem sua
eficácia, particularmente se isto lhe requer parcelas de seu exíguo tempo livre e uma perseverança
paciente. [...] [Para tanto a] reestruturação eficaz dos serviços e das políticas públicas a partir e em torno
das prioridades populares e de valores democráticos (como a luta anti-racista, anti-machista, a
valorização do menor, dos idosos, dos portadores de deficiência). (PT/Porto Alegre, 1992)
Os servidores deveriam ser envolvidos no projeto bem como a população organizada,
mas de forma autônoma face ao Estado, criando um poder popular.
Não pode haver democratização real sem esta autonomia, pois democratizar é sempre democratizar -
para - outro, o que exige a participação popular na qualidade de sujeito independente. Isto recoloca a
questão de que a luta pela democratização não pode ser travada apenas a partir do Estado. Ao contrário,
exige um trabalho político e pedagógico permanente do Partido no sentido de fortalecer a organização e
a mobilização politizada dos trabalhadores na sociedade civil, fortalecer experiências como a dos
Conselhos Populares e disputar sua condução. (PT/Porto Alegre, 1992)
Entretanto, o governo não deveria esperar que condições “ótimas” estivessem
construídas, pois isto “retardaria o processo e impediria o aprendizado necessário tanto ao
governo como aos movimentos sociais”, diz ainda o documento.
No ano de 1993, em Encontro Municipal do Partido no bojo da avaliação da vitoriosa
campanha do Fora Collor, onde se “reconhece que a indissociabilidade da luta popular com a
ação institucional é vital para a atualização da estratégia democrática – popular”, e que, seja
126
capaz de “inverter prioridades em direção à maioria da sociedade, estimular a participação
direta dos cidadãos e democratizar o Estado”. Os eixos de ação da PMPA:
Consolidar e ampliar nossa hegemonia na sociedade; aprofundar e radicalizar o processo de
democratização da cidade; reforma da cidade; [...] fazer frente à crise de espaços urbanos; qualificar os
serviços prestados à comunidade; projetar POA no estado, no país e no cone-sul. [...] radicalização da
inversão de prioridades atingindo cada vez mais os setores excluídos e marginalizados da cidade (ex.:
meninos e meninas de rua, analfabetos, desempregados e miseráveis); desenvolvimento das políticas
antidiscriminatórias (negros, mulatos, mulheres...) de forma articulada e global, no governo, com
organismos próprios para o desenvolvimento das políticas públicas.
(PT/Porto Alegre, 1993)
Sobre o 1º governo do PT (1989-1992), com Olívio Dutra e Esther Grossi, afirma-se
que o mesmo “consolidou a imagem da transparência, da honestidade, deu demonstrações de
eficiência, comprovou na prática sua disposição de inverter prioridades”; que o “Orçamento
Participativo inaugurou uma nova forma de relação da população com o Estado”; e que o
desenvolvido em “Educação, o Saneamento e a Pavimentação na periferia, demonstrou na
prática seus compromissos populares” (PT/Porto Alegre, 1993).
Sobre a relação do Partido com a Administração, é dito que o PT precisa “participar,
de forma mais orgânica, do processo de DEMOCRATIZAÇÃO que fazemos no município,
inclusive, dirigindo os movimentos sociais que deles participam. Somente dessa forma o PT
poderá apropriar-se e capitalizar o acúmulo político e organizativo da ADMINISTRAÇÃO
POPULAR”. Mas também é dito que o partido precisa “retomar as ruas e as lutas populares
(PT/Porto Alegre, 1993). Não há, todavia, nessas resoluções de orientação (ou nos
documentos do debate) para a gestão municipal que se iniciava, mais atenção a questões
específicas da educação ou das divergências e contrariedades neste campo. Houve um debate
público entre os apoiadores de Esther e de sua saída, que logo foi superado pela definição
interna do novo secretário e ao processo de transição (ver Esther Grossi, 2000, comentado
adiante).
No ano de 1995, o PT municipal produziu uma série de cadernos de debates (PT/Porto
Alegre, 1995) sobre temas da Administração Popular, afirmando que esta se consolida “pela
qualidade de sua proposta programática e capacidade de recriar a relação da sociedade com o
Estado”, ao ter invertido “prioridades, construiu laços de decisões com os movimentos sociais
organizados, governados para o conjunto da Cidade, governando com ação popular, para
todos”, e através do
127
Orçamento Participativo, [com as] Plenárias Temáticas, [que ampliou] o OP com a participação de
categorias profissionais, acadêmicas, sindicais, empresariais; [com] o projeto Porto Alegre mais-Cidade
Constituinte, [...] pelo segundo ano consecutivo no Congresso da Cidade [...] traça diretrizes para a
capital; o saneamento financeiro bem sucedido - provando, ao contrário do que afirma o neoliberalismo,
que não é preciso desconstituir no Estado para recuperar suas finanças. Estes resultados [...] permitem
auferir um caráter de radicalidade e de ampliação em direção a um socialismo democrático, capaz de
fomentar estruturas e políticas de profundo enraizamento popular. (PT/Porto Alegre, 1995a)
Noutro caderno de debates municipais em que é discutida a democracia e a
participação em administrações populares na América Latina, há um comentário de Marta
Harnecker que diz:
Ao assumir tarefas de governos, perceberam com maior clareza que não basta mudar o motorista para
que o mesmo veículo transite pelos difíceis caminhos da participação popular. Se faz imprescindível
mudar também o veículo. [...] ao serem iniciativas organizadas pela prefeitura, se não se consegue ir
construindo, ao mesmo tempo, movimentos sociais autônomos, correm o risco de desaparecer se o
prefeito não consegue se reeleger ou se não se elege um novo prefeito com o mesmo projeto do anterior.
(HARNECKER, 1995)
Tal manifestação é emblemática, pois lembramos que, é neste mesmo período que as
resoluções do PT (Capítulo V) estavam apontando a adaptação e institucionalização de
gestores municipais do partido em detrimento dos objetivos estratégicos das
transformações/mudanças estruturais. Além disso, sua citação se relaciona à tese deste
trabalho de que o Estado deve/pode induzir (ou em suas palavras) “ir construindo estruturas
autônomas” no processo de gestão estatal. No entanto, no mesmo texto, mas num sentido
diferente, o prefeito Tarso Genro fala sobre um “controle público não-estatal”, para o qual o
Orçamento Participativo de Porto Alegre seria exemplar:
um sistema de regras e de relações, [que] marcam um limite na autonomia dos sujeitos que integram
essa esfera. Ou seja, o mundo do Direito invade a esfera pública não-estatal, cria um tecido normativo,
articulado, consensual, negociado, e passa a orientar a conduta dos sujeitos que a integram. A normativa
da esfera pública não-estatal passa a comandar e a conduzir não só o processo negocial interno das
lideranças, para escolher as prioridades e determinar as obras, como também produz a possibilidade de
que o próprio governo se dirija a ele a partir de um eixo normativo consensualizado. (GENRO, 1995)
O Orçamento Participativo seria uma esfera pública não-estatal regrada
através de um direito que não foi imposto coativamente nem pelo Estado, nem pela força da
Administração, nem constituído de fora. É um regramento autônomo, articulado, que orienta condutas e
que abre um espaço de disputa democrática, pautada pela hegemonia interna que se realiza
politicamente nas regiões, de uma maneira completamente previsível, previsibilidade que é uma das
características essenciais do Direito. (GENRO, 1995)
Como argumento a favor de suas proposições contrapõe-se a dois extremos – não
desejáveis - e historicamente instituídos de democracia. De um lado, aquela do controle
128
absoluto do Estado sobre a sociedade (tipificado como o dos ex-regimes socialistas), de outro,
das democracias liberais atuais, manipuladas pelas mídias. Neste sentido, então, diz que o
“controle do Estado sobre o cidadão ou deste sobre o Estado, de maneira completa,
configuram os limites extremos da questão da democracia”, onde, tanto na “democracia
revolucionária no Estado Moderno, ou de uma democracia manipulada e controladora”, o
indivíduo seria “objeto de uma planificada e massiva propaganda que incide autoritariamente
sobre os seus hábitos e a sua cultura”; [...] “objeto de uso autoritário da ciência e da técnica”;
[...] “criado e subjugado pela mídia...” (GENRO, 1995).
Diante dessa realidade, e do distanciamento cada vez mais profundo da representação
política tradicional, entre o representado e o representante, o PT estaria recuperando a
densidade da cidadania no qual o cidadão exerceria seus direitos para mudar a sua qualidade
de vida através da criação da dita esfera pública não-estatal, de controle e fiscalização e de
indução do Estado. Em decorrência disso, o Estado estaria produzindo
conscientemente uma dinâmica social que lhe é ‘hostil’, que é ‘hostil’ à sua autoridade que é ‘hostil’ à
delegação puramente formal recebida pelo processo eleitoral, porque os cidadãos são instigados a serem
cidadãos ativos. Este processo produz sobre o governo um controle reiterado, que funde e dissolve os
diferentes interesses privados na elaboração de um projeto público permanentemente aberto. Ele se
alicerça no reconhecimento de que existem valores humanos que transcendem às classes sociais, sem
deixar de reconhecer que o ponto-de-vista de classe, mediado por esses valores, informa politicamente a
elaboração de um projeto democrático e transformador. (GENRO, 1995)
Por sua vez, Raul Pont (então vice-prefeito), sobre o Orçamento Participativo, diz o
seguinte:
Ao assumir a prefeitura de Porto Alegre em janeiro de 1989, a Administração Popular trouxe o
compromisso de governar a cidade através de um exercício permanente de transparência, de
democratização das decisões e de reversão das prioridades da cidade, tradicionalmente definidas em
benefício dos ricos e poderosos. A prática política nestes dois mandatos, vem contribuindo para uma
revitalização da cidadania da vida pública. E sem dúvida, ajuda a construir uma opção solidária e
coletiva de vida oposta à ideologia neoliberal, tão propagada nos últimos anos, que faz apologia do
individualismo e de um Estado descomprometido com a regulação e o bem estar social. (PONT, 1995)
Para o prefeito, então, o projeto de indução do Estado sobre os cidadãos para que se
tornem sujeitos através dos espaços “públicos não estatais” criados pela Administração
Popular (o OP), visariam criar esta tal esfera como um “terceiro” na relação entre as classes a
partir de valores humanos que as transcenderiam. E para o vice-prefeito, “governar com
transparência” e democracia nas decisões e nas prioridades (invertendo-as), a revitalização da
“cidadania”, construir uma opção oposta à neoliberal e de um “Estado comprometido com a
regulação e o bem estar social” seria o que o PT estaria desenvolvendo em Porto Alegre.
129
Para outros membros do governo municipal (responsáveis pela coordenação do OP),
este seria um instrumento revolucionário de “planejamento democrático” e de “elaboração do
orçamento público e do plano de investimento”. Mas levantam problemas como os
relacionados à necessidade de transcender a “esfera do município, a limitação dos recursos
financeiros fiscais, políticas macroeconômicas”, evitando, assim, que tendências reformistas e
localistas se tornassem hegemônicas.
Caso contrário, cairíamos em uma lógica reformista imaginando que a administração municipal poderia
resolver problemas que dependem do engajamento na luta dos setores oprimidos nos planos nacional e
internacional. Por isso mesmo, devemos fazer encaminhamentos políticos incorporando os setores
populares que atuam no OP, nas lutas estruturais que visam as transformações necessárias para uma
sociedade socialista e democrática. (SOUZA, FILHO e FEIL, 1995)
Numa perspectiva diferente, e na mesma linha que venho desenvolvendo, Eno Filho
questiona a “idéia de ser Porto Alegre Vermelha”, como qualificada por dirigentes
municipais. Ele destaca avanços do segundo mandato como “a progressiva descentralização
do OP, o programa de Descentralização da Cultura, a criação da Secretaria de Esportes, a
iniciativa pelos Conselhos Escolares, o aprofundamento da despoluição do Guaíba e o início
da Municipalização da Saúde”, mas chama a atenção para aspectos não incorporados pelo
Partido e não efetivados pela Administração Popular, como o
Programa anti-racista (que tem seu único momento de impacto nos 300 anos de Palmares) e,
especialmente, a ótica de gestão global da cidade, cujas concretizações não se desenvolveram em grau
apreciável. [...] a concentração de gastos em obras, ao lado de um perfil histórico de pequena oferta de
serviços em saúde, educação e habitação por parte do Município (a União e o Estado tem presença
predominante na capital gaúcha), trouxe uma marca de timidez nas tradicionalmente chamadas áreas
sociais. Para contrabalançar tal limitação, o segundo mandato optou por uma prioridade para
Assistência Social, que vem sendo mais retórica do que prática. (FILHO, 1995)
Mais ainda, o mesmo autor aponta a política “errática em relação ao funcionalismo,
cuja disposição em votar novamente na Frente Popular não é segura e exige do PT uma
alteração de rumos”. Diz, ainda, que o critério de julgamento do governo de Porto Alegre
deveria ser a medida que os “trabalhadores avança [ram] em sua organização autônoma, em
solidariedade e em consciência anti-capitalista”. Para ele, a resposta sobre esta questão não
seria tão positiva como vinha se apregoando.
O discurso de governo, que deveria descortinar o sentido socialista da prática petista, permanece
majoritariamente acanhado. E as práticas especificamente políticas, em grande parte das vezes, seguem
o mesmo rumo. Ao invés de impulsionar “zonas liberadas” da influência burguesa, às vezes o que se
constituem são “ilhas de mando” desta ou daquela liderança como em outros governos menos exitosos.
(FILHO, 1995)
130
Por fim, sobre a esfera pública não estatal, que “é lembrada como a grande
contribuição conceitual de nossa experiência de governo”, esta seria em verdade uma
justificativa da
timidez em tomar iniciativas de democratização direta da esfera estatal que nos cabe governar. E, de
outro lado, justifica que representações do governo privilegiem o diálogo com os que integram esta
nova ‘esfera’ de representação em detrimento das organizações de massa que os mandataram, quando
isto é conveniente. São limites que um governo vermelho deve necessariamente superar se quiser
merecer este título. (FILHO, 1995)
Em Seminário Interno do governo, em outubro de 1995, a Administração Popular é
caracterizada como de pequenas obras e serviços, que “não consegue conceber um
planejamento para o conjunto da cidade, [...] relegando a segundo plano as grandes obras
urbanas e viárias, como soluções para os constantes congestionamentos do trânsito”
(GENRO, 1995b).
Neste seminário, nos documentos publicados sobre a educação encontramos aspectos
mais detalhados sobre o desenvolvido em gestões anteriores e aspectos de avaliação de
diferentes momentos:
Na primeira gestão houve o investimento [...] na formação didático-pedagógica das professoras e
professores, a discussão do Construtivismo e o início dos investimentos na educação infantil e na
recuperação salarial. A partir do segundo mandato desenvolve-se na cidade o projeto Gestão
Democrática na educação, imprimindo a marca da participação da comunidade na escola. A eleição de
diretores e vice e a constituição dos Conselhos Escolares formados [...] por professoras/professores;
alunas/alunos; funcionárias/ funcionários e famílias são os desencadeadores do processo chamado
Constituinte Escolar. [...] no período de 1994 a 1995 [e constituíram] os atuais princípios da educação
pública municipal [...] [e] têm como conteúdo 98 princípios, [...] responsáveis pela democratização
escolar: no acesso, na gestão e no conhecimento. Norteados por estes princípios, as instituições
educativas construíram suas propostas político-pedagógica e seus regimentos. Consolidam, na terceira
gestão, práticas educativas transformadas. A democratização [...] expressam em Porto Alegre, a
construção de uma escola democrática, onde a escola tradicional e excludente é transformada em uma
escola participativa e prazerosa que prepara o sujeito para a intervenção na vida da sua comunidade, de
seu município e que ativa seu desenvolvimento individual a partir de práticas coletivas. (PT/Porto
Alegre, 1995)
Devemos ressaltar que a leitura a posteriori do desenvolvido em educação, como o
resenhado na citação do documento, nos levam à conclusão de que o desenvolvido seguiu
uma evolução natural e aos acúmulos presentes sem contradições ou conflitos. Ou seja, as
discussões e controvérsias, as disputas e os limites, em cada gestão (das propostas de Esther e
as críticas a elas; da crise na transição da 1
a
a 2
a
gestão; e dos conflitos e substituição de
Fischer, no 1
o
ano da segunda gestão) não é referido. Em conseqüência, dessa visão linear e
cumulativa (de progresso diria), a terceira gestão, consolidaria o que vinha sendo
desenvolvido através da escola cidadã e da implantação dos ciclos de formação no ensino
131
fundamental, mas que seria implementada de forma “gradativa, a partir da discussão com
cada idade escolar”.
Em dezembro de 1995, é realizado um Seminário do Diretório Municipal, ampliado,
no qual se constituem grupos de trabalho setoriais para a elaboração do Programa para a
eleições de 1996. Nesse documento são estabelecidas as diretrizes principais para o 3
o
mandato da Administração Popular:
o Projeto Escola Cidadã e que tem a Gestão Democrática e a Qualidade de Ensino [...] que apontam
para profundas mudanças de construção curricular, que rompam com o caráter conservador, autoritário
e excludente da escola tradicional. Neste sentido, a SMED, além de propiciar as condições necessárias
às experiências inovadoras já existentes, está implementando com a comunidade escolar de quatro
escolas novas de 1º grau: Monte Cristo (1995), Morro da Cruz, Migrantes e Neuza Brizola (1996).
(PT/Porto Alegre, 1996)
No entanto, não somente a mudança curricular por Ciclos de Formação estaria sendo
discutida com as “escolas da rede, em substituição à estrutura seriada”, mas também sendo
discutido e efetivado um processo de Orçamento Participativo da SMED, que estaria dando
suporte financeiro à consecução das propostas político- pedagógicas e administrativas da escola. A
autonomia da escola em decidir sobre a utilização dos recursos não está dissociada das políticas globais
de construção da Escola Cidadã, mas remete à deliberação integrada, orgânica e coletiva sobre as
prioridades da escola, imbricada às diretrizes tiradas no Congresso Constituinte. Esta pedagogia de
participação ultrapassa o espaço escolar, no momento em que os investimentos sobre construção,
ampliação, reformas ou serviços- expansão do SEJA e do Convênio com as crenças Comunitárias- são
decididos no Orçamento Participativo. (PT/Porto Alegre, 1996)
Não foi correto dizer que a SMED estaria dando suporte às “experiências existentes” e
às escolas “Monte Cristo, Migrantes, Neuza Brizola e Morro da Cruz” para que
implementassem a organização por Ciclos de Formação como se esta decisão tivesse sido
apenas a partir das escolas e de suas comunidades. Primeiro, porque não existiam
“experiências” de ciclos em outras escolas que não as criadas pela SMED, as quais são as
citadas como integrantes das discussões com as comunidades. Houve, sim, não apenas a
discussão e o envolvimento da comunidade, mas a decisão de ser ciclada, ou não, já estava
definida pela SMED.
Veremos adiante que estas afirmações, desde o ponto de vista dos gestores da SMED,
em 1995 e 1996, consubstanciadas nas resoluções do PT Municipal para as eleições desse
ano, e para a gestão de 1997-2000, não traduziram todas as perspectivas e/ou interpretações
no referente à relação da “democracia” nesse processo de decisão e implementação dos ciclos
na rede municipal. Tanto é assim que novos grupos hegemônicos na campanha de 2000 (4ª
132
gestão) e ao gerirem os dois primeiros anos (2001-2002) visaram flexibilizar a implantação
dos ciclos, destacando a “necessidade de ouvir” as escolas e as comunidades escolares.
A Administração Popular na 4
a
gestão (2001-2004), então, deveria aprofundar a
democracia participativa e projetos que induzissem o desenvolvimento com vistas “às
carências mais explícitas das parcelas da população que sofrerim os efeitos da crise nacional”
conforme seu Programa de Governo:
o combate a exclusão social, a radicalização da democracia e o desenvolvimento sustentável, com
trabalho e tecnologia. [...] traduz[iriam] a vontade e o compromisso de que, no quarto mandato, nossa
administração continue sendo um exemplo de resistência às políticas neoliberais e da possibilidade real
de um projeto social radicalmente democrático. (PT/Porto Alegre, 2000, p.3)
E na educação, o 4
o
mandato deveria estar fundado na inclusão social, desdobrada em
três grandes linhas de atuação, a democratização do acesso ao ensino, a democratização da
gestão e a democratização do conhecimento, através de:
Ampliação da rede de atendimento de 0 a 6 anos, através de construção de creches comunitárias
administradas pela sociedade civil (Creches Comunitárias). Aprofundar a organização político-
pedagógica das escolas do ensino fundamental, tomando com referência a proposta de ciclos de
formação e os princípios do I e II Congressos da Educação e das conferências setoriais (Aprofundar os
ciclos de formação ). Investir na ampliação da informatização da Rede Municipal de Ensino
(Informatização da Rede de Ensino). Criar [...] um Centro de Pesquisa, Aplicação e Formação de
Educadores Populares (Centro de Pesquisa, aplicação e formação de educadores). Continuar o projeto
de Planejamento e Orçamento Participativo nas escolas municipais (Orçamento Participativo nas
escolas). Ampliação do Programa Municipal de Trabalho Educativo, com bolsa auxílio (Trabalho
educativo). (PT/Porto Alegre, 2000, p.29-30)
Em documento produzido em julho de 2001, portanto, depois da eleição de Tarso
Genro, ficam evidentes as divergências em relação às políticas de educação a serem
desenvolvidas (PT/Porto Alegre, 2001). Por exemplo, sobre a necessidade de construção de
um Plano Municipal e que nesse os diferentes agentes do sistema tivessem autonomia e
geridos de forma democrática e não unitária:
Um Plano Municipal de Educação para a cidade de Porto Alegre, numa perspectiva democrática de
construção da autonomia e independência dos diferentes agentes deste Sistema, a partir da coordenação
do Conselho Municipal de Educação e da Secretaria Municipal de Educação. Articulação das diferentes
Redes (municipal e estadual) e instituições conveniadas. (PT/Porto Alegre, 2001)
Mas também, na proposta de “aprofundar a discussão do Sistema Municipal de Ensino
com o Forum dos Conselhos Escolares, com o Conselho Municipal de Educação e com fóruns
da sociedade civil por regiões”, com o envolvimento do “maior número de pessoas
comprometidas com o novo paradigma da educação em Porto Alegre na busca de um novo
133
patamar de relações entre os movimentos populares e forum do OP da região, consolidando a
gestão democrática das unidades de ensino e do sistema”.
O Plano Municipal de Educação somente foi proposto em meados de 2004
(SMED/CME, 2004), e discutido em fóruns de setembro a novembro deste ano, e a partir de
um documento referência elaborado pela SMED e pelo Conselho Municipal de Educação.
Sendo aprovado, ao final de 2004, foi engavetado pelo governo que sucedeu o PT até então.
Portanto, houve tentativas de inclusão, ou pelo menos alusão, a proposições que
pudessem ir no sentido de ampliação da gestão democrática no sistema municipal de
educação entre seus múltiplos agentes na efetivação das políticas educativas. No entanto, não
conseguiram transformar-se em realidade. Além disso, diria que houve, neste momento, o
reconhecimento de que não estariam consolidados os ciclos nem a gestão democrática, depois
de seis anos de inúmeras ações neste sentido. Observa-se, ainda, que a proposição de
“articular os Conselhos Escolares por regiões, em conjunto com a mantenedora, dando conta
das demandas das unidades de ensino, buscando parcerias com organizações governamentais
e não governamentais, mas preservando a autonomia político-pedagógica das instituições
municipais de ensino”, que não foi efetivada pela SMED, também, poderia ir no sentido da
gestão de relações democráticas nas redes de educação da cidade. Possivelmente, por isso
nunca tenha sido efetivada.
De educador que se educa educando para educador que dirige
É possível verificar que as diretrizes e/ou proposições do PT, registradas em suas
resoluções e deliberações, não foram estritamente ou imediatamente desenvolvidas no
governo da cidade. A Administração Popular de Porto Alegre colocou em prática políticas e
ações que foram além ou diferentes das proposições gerais da campanha eleitoral e/ou dos
documentos partidários. É também notável como as políticas e ações parecem estar mais
relacionadas aos dirigentes ou grupos à frente da Secretaria Municipal em determinado
momento (o Construtivismo de Esther, os Ciclos de José Clóvis, o Forum Mundial de
Educação de Eliezer, etc) que a uma evolução ou a uma reorientação programática do Partido.
Por fim, em nenhum momento se buscou checar o que era proposto com o que foi realizado,
os problemas do porquê isto não ocorreu ou que deveriam ser aprofundados.
Por outro lado, as escolas municipais de Porto Alegre vieram a adotar mecanismos de
gestão financeira nos moldes preconizados pelo governo federal (FHC); a SMED passa a
privilegiar os convênios com entidades privadas (contra a bandeira) de “verbas públicas
134
exclusivamente para a educação pública”), em vez de dar curso ao planejamento das escolas
municipais de educação infantil.
Portanto, se ao início e meados da década de noventa, as proposições (e os discursos)
se contrapunham frontalmente ao neoliberalismo (de FHC e Britto), parece que a partir desta
época (1994-95), e mais depois de 1998, quando o PT assume o governo do estado do RS,
arrefecem as críticas do PT municipal aos limites das políticas desenvolvidas pelo gestor
estadual; como não são realizadas políticas com a radicalidade proposta anteriormente e que
serviam de contraponto às estaduais e federais. Ao final da década, as proposições
(discursivas) centram-se em políticas específicas para a cidade e em articulações regionais e
com o governo estadual para a implementação de acordos e assessorias.
Observo que de tais questões decorreram (e evidenciam) limites teóricos e políticos
nas concepções educacionais do Partido, postos em cheque no relativo hegemonismo de
governar o estado do Rio Grande do Sul, a capital e inúmeros municípios e de inúmeros
atores no processo de constituição do projeto da Universidade Estadual. Todos estes espaços,
pessoas envolvidas e potencialidades, não possibilitaram a efetiva articulação em ações,
políticas e atividades conjuntas entre a educação estadual e municipal, desenvolvendo assim,
aspectos mais avançados na educação e outras políticas sociais de cunho democrático e
inclusivas. O ano de 2002 se encerra sem um projeto (plano) de educação para o Estado do
Rio Grande do Sul, um regime de colaboração mais apurado ou avaliações aprofundadas e
críticas do desenvolvidos, seus limites e erros cometidos.
É importante notar, ainda, que ao longo dos 16 anos da história de nossa cidade e das
políticas educativas desenvolvidas, o PT (seus militantes e dirigentes) passa da intervenção
nos movimentos sociais (de bairros) e de entidades como Associações de Moradores,
Sindicatos (ATEMPA e CPRGS e outros) para o espaço de gestão estatal (PMPA e SMED). E
nesse processo de mudança de espaço, de condições e responsabilidades diferenciadas com a
anterior militância, estes agentes políticos de uma posição bastante crítica à organização e
forma de operação do Estado para, gradualmente, afirmar estarem “governando para todos”.
No entanto, e apesar disso, cabe também salientar, que a experiência de Porto Alegre, para a
esquerda, os progressistas, os democratas teve papel importante para as conquistas de
governos estaduais e do país, pela forma como foi conduzida, pois identificados com valores e
utopias solidárias, democráticas e de justiça social, e que contribuíram ao contraponto, às
hegemônicas e ao establishment.
No relacionado à política educacional e à gestão democrática da educação, não há
dúvidas de que foram desenvolvidas em sentido contrário às políticas hegemônicas
135
neoliberais, conquanto como método possam guardar semelhança àquelas. Em outras
palavras, se tenho como pressuposto interpretativo e referências teóricas desta/nesta tese de
que não se deve buscar homogeneizar o fazer pedagógico u-tópico; considerar as diversidades
e os conflitos existentes entre aqueles que lutam contra a ordem estabelecida (e que estão fora
do aparelho estatal), e que, portanto, mesmo se criticando não são inimigos; que, os agentes
propositores das políticas devem estar abertos à contestação e à aceitação de proposições de
fora de suas hostes, a gestão e as políticas educativas desenvolvidas em Porto Alegre, nesses
16 anos, chegaram num limite em que não conseguiram mais avançar na produção de uma
educação e gestão democrática que afirmavam defender, consolidando e em ampliação.
Neste sentido, parece ter faltado, nas políticas e na gestão do PT e educação na cidade
de Porto Alegre, maior visibilidade a uma perspectiva baseada num paradigma emergente
(SANTOS, 1999). Se atentarmos para as proposições de Esther Grossi, de ênfase ao conhecer
e ao conhecimento, podemos encontrar paralelo, na época e na atualidade, com as análises de
que estaríamos entrando numa sociedade do conhecimento e/ou da informação, de forma a-
crítica. Já nos referimos ao paradigma emergente (Parte I) e aos debates da crise da transição
de paradigmas, que não é apenas de Santos, mas de inúmeros autores em todo o mundo, mas
que parece que esteve impermeável às discussões e proposições do PT em educação na
cidade. E mesmo a produção de clássicos do marxismo, referência de inúmeros setores e
grupos partidários, nunca foi resgatada ou utilizada, seja de forma crítica ou para afirmar sua
superação pelo que vinha sendo desenvolvido. Exceção, diga-se de passagem, faz KRUG
(2002), adiante analisada que ao referir-se aos Ciclos de Formação diz tratar-se de resgate de
experiência da União Soviética através dos complexos temáticos e/ou da escola do trabalho de
Pistrak.
Por outro lado, as divergências, os conflitos e as ponderações de grupos de fora do
poder estatal, seja no Partido, nas escolas ou nos movimentos sociais foram em diferentes
momentos derrotados, e pouco consideradas, pelas verdades daqueles que controlavam as
estruturas de poder. Muitos cidadãos, como muitos professores, sentiram-se boicotados.
Outro aspecto é que as políticas educativas foram desenvolvidas para as classes
populares, na perspectiva das mesmas ou em seu nome. Em nenhum momento se avançou, até
em cogitação, no sentido de que as classes populares se tornassem sujeitos das políticas que
eram desenvolvidas/apresentadas em seu nome. Até porque, quando o PT estava fora dos
“espaços de poder”, lutava para que, nestes, às escolas e aos professores fosse possível a
produção e a gestão das políticas educativas; mas, ao assumir o Estado, vai gradualmente
propondo e impondo suas políticas (desde o Estado/SMED) e uma gestão condizente a sua
136
efetivação, sem no entanto, resgatar aquela perspectiva de que no processo as classes
populares se tornassem sujeitos das políticas educativas coordenadas pelo Estado.
Se, por um lado, é de mérito a análise e a crítica da globalização em que vivemos
(neoliberal, capitalismo, etc.) e o confronto com os projetos de governo do estado do RS
(Britto, 1994-1998) e do Brasil (FHC, 1994-2002), as políticas da SMED de Porto Alegre
podem ser caracterizadas como alternativas àquelas. Por outro lado, na relação da SMED com
suas escolas e professores, portanto, na gestão do sistema municipal de educação na cidade, o
método hegemonista de uma única perspectiva (o Construtivismo e os Ciclos de Formação
seriam momentos de um pensamento único de esquerda?!) parece ter sido o principal limite,
fazendo com que a experiência ficasse aquém das potencialidades que ela mesma criou.
Assim, os agentes educativos nas escolas e suas comunidades tiveram “abortado” o fato de
que os projetos anunciados lhes possibilitariam que produzissem e gerissem seus próprios
projetos e fazer educativo (no sentido de gerir). As diretrizes gerais do Congresso das escolas
municipais em 1995 poderiam constituir-se pressupostos comuns e articuladores (da unidade)
do sistema municipal, no qual cada escola, grupo de professores e comunidade, com seus
projetos diversos e diferenciados (diversidade), poderiam potencializar e fazer avançar muito
mais o que se fez nestes 16 anos em Porto Alegre.
Mas, o sentido foi outro. A forma como os dirigentes municipais trataram os
problemas e dilemas da proposta em desenvolvimento, decorrentes da ação dos professores e
das escolas em seu cotidiano, interpretando-os como rebeldia e contestação a suas posições,
evidencia que eles não conseguiram vencer o autoritarismo impregnado na organização do
poder central municipal. É neste sentido que, no processo de gestão da educação em Porto
Alegre, o PT acabou produzindo aspectos de uma nova modalidade de gestão, como
produtora de uma hegemonia, mas em sentido contrário à neoliberal e termos de conteúdo da
política. Por outro lado, a dura avaliação dos limites desta experiência revela que não foi
possível, ainda, superar os limites teóricos e práticos de gerir as políticas e o Estado tributário
dos referenciais da esquerda anterior, e que comentamos nos 3 primeiros capítulos desta tese,
a partir das contribuições de Wallerstein e de Lefebvre.
A produção de uma democracia sem fim, de alta intensidade na qual os seres humanos
em suas diversidades e diferenças estejam no centro da prática pública, permanece um
desafio, e foi um dos limites da experiência desenvolvida em Porto Alegre. Em outras
palavras, ao se criar espaços de participação e de debate, bem como condições de infra-
estrutura educativa - condições de estudo, trabalho, salários, espaços de formação, etc. - e,
portanto, efetivando uma democratização do acesso, de forma ampliada, democrática e
137
popular, se estava produzindo uma hegemonia na sociedade através do Estado (SPOSITO,
1996). Mas, neste processo, a população participante do Orçamento Participativo e outras
tantas atividades organizadas pela PMPA/SMED (e também, as contrárias a estes processos),
não “recebiam” as mensagens do centro de forma única, mas diferenciadamente; além disso,
ao participarem começam a exigir mais, a cobrar, e, portanto, ao se tornarem sujeitos críticos,
como tantas vezes se afirmou em documentos de propaganda ou divulgação da Prefeitura.
O sentido homogeneizador de uma hegemonia que não pressupõe a “unidade na
diversidade” (e até a contrariedade, em inúmeros aspectos, dentro de um mesmo campo
político alternativo ou anti-sistêmico), não contribuiu para que a experiência pudesse ir além
do que foi.
No relacionado aos aspectos da gestão da escola e do conhecimento, a par de
significativos avanços, cabe também reconhecer que as mudanças no setor da educação não
estiveram sempre ou preponderantemente articuladas/vinculadas numa perspectiva de
totalidade do político (policy, politics, polity) e no sentido de gerir - onde o topos
fundamental estivesse no sujeito (agência humana, ação humana, ator). A democratização no
sistema educacional restringiu-se aos processos escolares e, mesmo assim, com limites ao
longo do processo. Falava-se em democracia, mas as escolas deveriam seguir um regimento
outorgado pela SMED; os assessores da SMED mais visavam garantir os “ciclos” do que
“induzir” a produção da autonomia da escola, de sua produção e conhecimento.
138
Os dirigentes da Administração Popular e suas políticas de educação
Nesta parte apresento e discuto mais aprofundadamente as políticas educativas
implementadas e a gestão da educação através da manifestação de dirigentes da SMED em
diferentes períodos e gestão, das atividades realizadas em cada ano e ao longo dos governos e
as Leis propostas e aprovadas nestes governos. Mostro e discuto, apenas, aspectos destes
documentos e discursos que se relacionam ou se vinculam ao que venho construindo nas
partes anteriores enquanto descrição e interpretação do desenvolvido em educação na cidade
de Porto Alegre.
Destacarei nesta parte os três grandes projetos ou proposições desenvolvidas pelo PT,
nos dezesseis anos de Administração Popular: o Construtivismo, os Ciclos de Formação e o
Forum Mundial de Educação, segundo manifestações de dirigentes e/ou gestores da SMED no
período. O primeiro, o Construtivismo, foi desenvolvido especialmente durante a gestão de
Esther Grossi; o segundo, os Ciclos de Formação, durante a gestão de José Clóvis Azevedo.
Por suas características, os governos de Fischer (1993) e de Eliezer (2001-2002) podem ser
considerados como de transição, o primeiro; de continuidade crítica, o segundo. Não tiveram,
cada um destes, um projeto marcadamente próprio, a postura foi mais descentrada. No
entanto, farei referência ao Forum Mundial de Educação, como realização dos dois primeiros
anos da última gestão da AP.
A Política e a gestão de 1989 a 1992
Esther Grossi foi Secretária Municipal de Educação de 1989 ao final de 1992, quando
foi substituída por Nilton Fischer. Em 1994, é eleita deputada federal pelo PT, sendo reeleita
para o período 1998 a 2002. No ano de 2000, publica um livro chamado A Coragem de
Mudar em Educação (GROSSI, 2000), com artigos, anotações e reflexões, diz ela, produzidos
ao longo do período em que esteve à frente da SMED. Utilizei-o para esta parte. Esther é
doutora em educação, professora de matemática e sua tese foi relacionada à aprendizagem
nesta área. É coordenadora do GEEMPA (Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de
Pesquisa e Ação) que, em 2000, completou 30 anos, e autora de mais de vinte livros.
Ao assumir como Secretária Municipal de Educação, indicada por Tarso Genro, não
tinha grandes vínculos com o PT; inseria-se na proposição do vice-prefeito de ampliar a
139
representatividade do governo que se iniciava. Sua indicação teria não teria sido referendada
pelos grupos e setores políticos que, em Porto Alegre, tinham apresentado seus candidatos
85
.
No início de sua gestão, Esther apresenta um discurso afinado ao Partido, mas
gradualmente vai construindo a sua própria trajetória e debate na política educacional. Até
porque o próprio PT não tinha “acúmulo político-teórico” no campo da educação, como em
outros setores e temáticas, que pudesse dar subsídio real à gestão do Estado e àqueles que
assumiam cargos públicos.
A partir da ênfase na possibilidade de aprendizagem das classes populares, às
condições necessárias e às atividades de formação (com assessorias chamadas de “ativação
curricular”), Esther Grossi vai desenvolvendo um perfil de gestora, manifesto nas atividades
que realizou até os debates de que participou, angariando simpatias e construindo avanços
necessários e positivos, na primeira gestão da Administração Popular. Além disso, os grandes
eventos (como Seminários Internacionais) que realizou, exibiram forte investimento em
marketing; as publicações e outras ações, apesar de criticadas nas gestões seguintes, foram
utilizadas e aprofundadas.
Sua substituição decorreu, em parte, da nova correlação de forças no segundo governo,
pois Raul Pont, então vice de Tarso, referendou, junto com Flávio Koutzi e outros dirigentes
partidários, uma mudança na gestão da SMED. Vejamos, a seguir, alguns aspectos e
ponderações de Esther sobre suas políticas e os processos que vivenciou no período em que
foi Secretária Municipal de Educação.
No livro (GROSSI, 2000) a autora afirma serem “falácias de todos os governos, da
esquerda à direita, fazendo de conta que se ocupam da educação”, mas não o fazem; e que a
“coragem de mudar” não seria um slogan do PT, mas de sua gestão, pois esta teria sido para o
PT “não só um fato isolado mas um corpo estranho, porque, a bem da verdade, não se
sustentou sequer na segunda administração petista de Porto Alegre” (GROSSI, 2000, p.9).
Relembra e ressalta sua inconformidade com os altos índices de “não aprendizagem” (ou
reprovação) na educação brasileira, principalmente das classes populares, atribuindo tal
fracasso às “propostas educacionais [que] patinam em teorias inteiramente ultrapassadas” e
que a escola não encontrou, ainda, um substituto para “sua tarefa de oportunizar
aprendizagens complexas” (Idem, p.13).
Resgatando seu discurso de posse, em 1989, diz que para enfrentar tais dificuldades
seria preciso “admitir a [...] inadequação das propostas didáticas até hoje oficialmente
85
Um destes foi José Clóvis Azevedo que tinha trabalho sindical no CPERS e apoio na ATEMPA; pertencia a
uma das principais forças políticas no PT municipal, que detinha a maioria nos cargos dirigentes.
140
disseminadas nas escolas, inclusive em Porto Alegre” (GROSSI, 2000, p.17) e que a didática
seria a questão central a ser desenvolvida. Vale a pena, sobre isto, ver o capítulo “Uma Nova
Ciência que Nasce” (GROSSI, 2000, p.217) e também outros artigos e comentários.
A autora define didática como “um conjunto de atividades que tem por objetivo fazer
aprender um certo conjunto de saberes e conhecimentos, por uma certa população
determinada” (GROSSI, 2000, p.17) e que esta última variável (certa população, população
determinada) “condiciona a própria proposta, uma vez que a aprendizagem é um fenômeno
enraizado em situações concretas e estas não são universais” (GROSSI, 2000, p.17). Mas,
enfatiza, que uma população determinada, ou determinadas classes e condições, não são
impeditivas à aprendizagem de todos, de “vencer as condições e exigências do ensino
tradicional”, sendo, portanto, possível às classes populares também “ascender aos saberes e
conhecimentos acumulados pela humanidade” (GROSSI, 2000, p.18). A isto sua gestão teria
se dedicado.
Portanto, o acesso ao conhecimento, é um dos aspectos primeiros de sua gestão na
SMED (Idem, p.23), pois a “libertação [....] dos grupos excluídos do jugo da dominação inclui
de forma contundente o manejo adequado dos instrumentos de pensamento”, para o qual,
“num mundo informatizado, por exemplo, o não domínio da leitura e da escrita é um
elemento decisivo de marginalização” (Ibidem, p.28). Assim, a conquista da administração
pública pela esquerda “nos coloca em face de um compromisso singular na área da educação
– o de produzir concretamente a escola pública de qualidade que sempre defendemos e com a
qual alimentamos nossos mais legítimos sonhos” (ib, p.29).
Garantidos salários razoáveis, eleições diretas para diretores de escola, participação da comunidade
mediante colegiados instituídos, conselho municipal de educação funcionando etc. – como acontece na
rede municipal e Porto Alegre – apareceu-nos com tremenda clareza o dificílimo desafio da tarefa
eminentemente democrática da escola, de fazer os filhos dos trabalhadores de baixa renda, dos
desempregados, dos bóias-frias, de toda a gama de excluídos se apropriarem construtivamente dos
saberes e conhecimentos necessários para a transformação da sociedade. (GROSSI, 2000, p.29)
No entanto, no desenvolvimento desta tarefa, destaca, “alguns” achavam que bastavam
espaços de participação para que as propostas (ou a aprendizagem) se realizassem, que um
partido democrático e de esquerda ao assumir um governo não poderia ter proposta, pois isto
seria autoritarismo já que estas deveriam ser “gestadas inteiramente a partir da posse dos
cargos” (Idem, p.30). Ao contrário, diz Esther Grossi, os representantes são eleitos em função
de suas plataformas, têm autoridade para apresentar e desenvolver suas propostas, sem que
isto seja “enfiar goela abaixo seus propósitos, mas, efetivamente, disputá-los no respeito e na
persuasão” (ib. p.30). Foi neste sentido que, nos quatro anos de administração municipal, “nos
141
ocupamos quase exclusivamente da alfabetização com o que há de mais avançado em matéria
de recursos para ensinar”, restando ainda muitas tarefas e políticas que poderiam ter tido
continuidade nas administrações seguintes. No entanto, diz ela, não descuidou da
participação, mas relacionando-a aos processos de aprender e saber.
O tema da participação dos pais e alunos nas questões pedagógicas foi polêmico nessa
gestão, e desenvolvido em artigo específico no livro, intitulado “Participação, sim, mas
associada a saberes” (Idem, p.47-53) e em outros. Seus argumentos à associação da
participação dos pais e da comunidade à complexidade dos saberes e aos processos
“existenciais” traduziu-se na articulação de três áreas em sua gestão: a administrativa, a
científica ou técnica e a social
86
.
A dimensão administrativa [...] se refere às instâncias de poder, é o saber fazer. É o campo que
contempla os recursos necessários para qualquer ação. A área científica ou técnica diz respeito aos
conhecimentos que norteiam o saber fazer e à organização dos recursos de uma empreitada humana. A
área ou dimensão social compreende o apoio dos atores humanos que envolvem esta ação. (GROSSI,
2000, p. 48)
Para Grossi, estas três dimensões estariam articuladas, e neste espírito desenvolveu sua
gestão. Por outro lado, critica algumas facções de esquerda que “parecem” dar valor apenas à
dimensão participativa:
Quando a considera como único elemento de transformação da realidade. [...] A participação, vista
como uma plenitude gerará a desilusão dos implicados nas ações políticas quando for percebida sua
ineficácia e sua incompletude, exatamente para uma população que necessita resultados palpáveis e
rápidos, em função do grau de injustiça e marginalização a que está submetida há tanto tempo.
(GROSSI, 2000, p.49)
A participação dos pais e sua organização deve, diz ela, desenvolver-se no sentido do
“cumprimento pela escolaridade do dever básico de formação do cidadão”, ou seja, da
aprendizagem na escola, que é tarefa “precípua dos profissionais da educação”. Aos pais
caberia exigir empenho dos professores para que filhos se alfabetizem e aprendam (GROSSI,
2000, p.52-53).
Ao final do livro, Esther Grossi afirma que “aprende-se germinando perguntas”;
relaciona algumas destas germinações, como: “Por que constituímos uma ameaça para alguns
ou para muitos, inclusive dentro do PT?”; e responde, de forma irônica, apontando ter sido o
fato de ter ensinado as crianças das classes populares com resultados positivos, e não por não
86
Esta questão já foi referida atrás, na parte em que discuto as controvérsias e as tensões na primeira gestão, mas
faço-o novamente aqui, pois além de aparecer no livro de 2000, é destacado como relevante para a autora como
para o debate desta tese.
142
ter tido propostas específicas para a 4
a
, 5
a
, 6
a
, 7
a
, 8
a
e o 2
o
grau, como já tinha para as 1
as
séries, que teria sido uma ameaça. Defende e ataca, indicando que a participação do OP é
realçada pelo PT, como exemplo de participação cidadã, enquanto que o movimento que se
constituiu para sua continuidade à frente da SMED não ter sido considerado participativo e
substantivo para os dirigentes do PT.
Estes por sua vez, para sua substituição, alegaram tratar de decisões internas do
Partido e, portanto, aos cidadãos não cabia respeito. Estas são questões importantes, que no
desenvolvimento da tese, em parte, foram por mim mapeadas, ainda que sem pretender
respostas e argumentos que caberiam apenas aos atores dirigentes partidários
87
.
Como já havia referido, inúmeros aspectos das contribuições de Esther Grossi
circunscrevem-se aos limites de um paradigma moderno, em relação ao saber e ao
conhecimento, e no caso ainda, em conformidade às produções da “sociedade do
conhecimento” por parte dos Organismos Internacionais (UNESCO, por exemplo). Por outro
lado, se são corretas suas afirmações dos limites da participação, e de fato, podemos perceber
que nos dois primeiros anos da segunda gestão, ficou evidente na prática de tais limites; por
outro lado, ela cai no sentido inverso, absolutizando o aspecto pedagógico, mais
precisamente, a didática do aprender. Além disso, sua didática na qual afirma que “todos
podem aprender” num processo, o que pressuporia uma perspectiva democrática a tais
procedimentos, no processo de implementação e a perspectiva de que, apenas, o
Construtivismo e a didática criada por ela resolveriam os problemas educacionais, evidenciam
uma prática autoritária e limitada da compreensão da complexidade dos tempos em que
estamos imersos conforme Santos (1999), Wallerstein (2004) e Stoer e Magalhães (2004,
2005).
Exemplificando, ao dizer que ao “não aprender” decorre de “teorias ultrapassadas”,
não estaria sendo coerente com a afirmação da necessidade de “aprendizagens complexas”,
pois a complexidade pressuporia a compreensão daquelas, não como inferiores
hierarquicamente ou ultrapassadas evolutivamente, mas parte de um todo que seria a
complexidade sistêmica; afirmar que suas políticas, o Construtivismo e didática, estariam
possibilitando as classes populares “ascender aos saberes e conhecimentos acumulados pela
humanidade”, ao “mundo informatizado” através do “manejo adequado dos instrumentos de
pensamento, propiciar saberes e conhecimentos”, inúmeras contradições posso detectar.
87
Na dissertação já havia argumentado sobre algumas destas questões, que relembro brevemente: os índices de
aprovação de 90% na rede eram em verdade, nas séries iniciais, pois não desenvolveu o Construtivismo para as
séries seguintes. Sobre a decisão do Partido, da mesma forma como ela foi escolhida secretária, por acordo dos
143
Haveria um saber acumulado (coisa e objeto), portanto, contraditório à concepção de
conhecimento como produção humana (pregado inúmeras vezes nos textos construtivistas de
sua elaboração); mais ainda, este conhecimento estaria sendo colocado à disposição, através
do “manejo de instrumentos” das classes populares. Não é referido aos interesses das ditas
classes populares, ao conteúdo dos conhecimentos e aos interesses em conflito na sociedade.
A Escola Cidadã e os Ciclos de Formação
Na gestão de Sônia Pilla Vares (1994-1996), depois do 1º ano (1993) de diagnóstico
da rede, eventos participativos e conflitos internos, que levaram à saída de Fischer (1993), se
apresentou à rede municipal a proposta da Escola Cidadã. E, no segundo semestre de 1994,
começaram a ser elaborados aspectos da proposta por Ciclos
88
, que no final do ano passa a ser
“implantada” como modelo na Escola Monte Cristo, em final de construção e esmerada
seleção de professores. No entanto, internamente, na Secretaria, a proposta por ciclos somente
vem à tona em fevereiro de 1995, quando os assessores pedagógicos retornaram das férias e
iniciaram o planejamento do trabalho, inclusive visando à organização do Congresso
Municipal de Educação discutido ao longo do 2º semestre de 1994
89
.
Nesse momento, o Secretário Adjunto, José Clóvis Azevedo, anuncia em entrevista à
imprensa que as escolas municipais a partir de agosto, se organizariam por Ciclos de
Formação
90
. Os assessores da Secretaria, quadro técnico e escolas ficaram atônitos, pois
vinham discutindo o projeto Escola Cidadã, a partir de quatro eixos (gestão, concepção de
conhecimento, currículo e regras de convivência) e previam, com as definições do Congresso,
a elaboração de novos Regimentos Escolares em cada escola, dos quais faz partem a
concepção pedagógica e as normas de organização das turmas e de avaliação dos alunos. Não
havia sido cogitado, além do Gabinete da Secretária, até aquele momento, que as escolas
deveriam se organizar em Ciclos. Em conseqüência, no mês de março de 1995, os assessores
técnicos da SMED praticamente não foram às escolas, e, em grupo, produziram um livreto
(SMED/PMPA, 1995) que serviu de subsídio aos debates preparatórios ao Congresso.
Coloca-se, assim, no cenário da educação municipal de Porto Alegre, novamente, a
questão da legitimidade de fazer uma proposta de organização pedagógica. A questão nuclear,
dirigentes, passando por cima de espaços mais amplos de decisão, agora, método semelhante foi utilizado para
substituí-la.
88
Silvio Rocha produz um documento para debate sobre o Complexo Temático.
89
É nesse período de preparação que apareceram nas discussões com as escolas os temas: a escola que temos, a
escola que queremos e como construí-la.
90
Ver Zero Hora, Março de 1995.
144
então, era o método de anúncio e, depois, de “implantação” (que é diferente de
implementação) dos ciclos, pois radicalmente contrário à noção de gestão democrática. A
produção de Andréa Krug (2002), adiante comentada, é bem ilustrativa dos argumentos
teóricos-pedagógicos dessa “proposta”. Ao mesmo tempo em que era enfatizado o processo
participativo e de construção coletiva das escolas com a SMED, e que esta respeitaria o que
fosse decidido no Congresso e pelas escolas em seus processos deliberativos institucionais, os
dirigentes da mantenedora apresentam uma “proposta” bastante definida. De outro lado,
registra-se nos argumentos dos propositores que tal proposta “resgatava” as lutas e anseios
dos movimentos de luta pela democratização da educação, motivo pelo que todos deveriam
aceitá-la. Tais afirmações não diferenciavam os atores do campo político e profissional na
SMED (propositora), dos da comunidade escolar ou dos cidadãos porto-alegrenses. As vozes
dissidentes e de resistência nas escolas foram fracas, como adiante veremos, na produção de
pesquisa acadêmica e de manifestações isoladas de grupos e pessoas e setores ligados ao
partido. Estes, afirmavam que o método não diferia no método-práticas hegemônicas no país e
sistema-mundo de imposição de um pensamento único.
No Congresso (1995) e após, mesmo tendo as novas diretrizes para a elaboração de
seus regimentos, as escolas resistiram de forma silenciosa ao não “ciclarem”. Até o fim de
1996, somente as escolas novas tinham tal organização, apesar do tensionamento da SMED
para que todos os regimentos se “enquadrassem” e fossem remetidos para a devida
regularização pelo Conselho Municipal de Educação. A partir de 1997, as escolas foram mais
pressionadas e, assim, em fins de 2000, todas as escolas já se organizavam por Ciclos de
Formação. No entanto, das 46 escolas, 42 decidiram, em assembléia ou votações, ciclar, mas
quatro delas resistiram, mas acabaram por fazê-lo em função de determinação da SMED
(AZEVEDO, 2000).
A indicação de Tarso Genro à próxima eleição para prefeito, confirmada no pleito,
substitui a direção da SMED, com Eliezer Pacheco na função de Secretário. Contudo, por
apenas dois anos, já que em 2003, com o afastamento de Tarso Genro da Prefeitura, o grupo
anterior retorna, tendo à frente Sofia Cavedon.
Para a discussão mais aprofundada desta parte utilizarei dois textos de José Clóvis
Azevedo (um de 2000 e outro de 2003), que atuou como Secretário substituto (1993-1996) e
como Secretário de Educação (1997-2000), passando a Reitor indicado da novíssima
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (2001-2002). Sua produção é ilustrativa do
pensamento do grupo que lhe deu sustentação, apesar dos textos serem assinados pelo autor,
são reflexões coletivas do grupo a que pertencia então.
145
O primeiro texto, elaborado ao final de sua gestão (2000), faz uma retrospectiva das
políticas e da administração da SMED; e o segundo, elaborado após (2003), possibilita
algumas comparações entre a sua visão propositiva e a visão ex post facto. Saliento que, em
minha análise, as perspectivas e argumentos de Azevedo (2000) diferem de Azevedo (2003) e
que essas diferem deveras da interpretação que venho fazendo nesta tese. Trato de explicitar
mais a seguir.
No ano de 2000, José Clóvis Azevedo é convidado à 23
a
Reunião Anual da
Associação Nacional dos Pesquisadores em Educação (ANPED), para apresentar a realização
de três gestões do PT (1989-2000) na educação de Porto Alegre. Ao abordar concepções
sobre “Estado, a escola, a participação e a democracia” diz que a “Escola Cidadã é
irreversível”, pois
Porto Alegre tem experimentado e praticado uma nova concepção de Estado que supera visões de
Estado nas suas diferentes modalidades e expressões históricas. Trata-se da criação de mecanismos de
desprivatização e democratização que colocam o aparelho estatal a serviço de interesses da cidadania.
Este processo tem como princípio fundamental a prática da participação dos indivíduos na construção,
na implementação e na fiscalização das políticas públicas. (AZEVEDO, 2000, p.3)
O princípio fundamental – a prática da participação dos indivíduos na construção,
implementação e fiscalização – no entanto, não evidenciaria uma nova concepção de Estado
em processo de produção, mas apenas a indução, do governo/Estado sobre a sociedade: “O
Governo Popular redefiniu o papel do Estado dentro das possibilidades e limites da esfera
municipal. [...] estabeleceu um amplo e profundo processo participativo para tomada de
decisões”, concretizada na “formação de esferas públicas de decisão, não estatal, onde a
participação popular induz as ações do Estado, atuando na construção e na fiscalização da
aplicação das políticas públicas” (p.3).
A idéia de Estado como novíssimo movimento social expressa por Santos (1998,
2005), que poderia guardar semelhança ao expresso por Azevedo difere deveras. Isto porque,
a participação neste último é instrumental, já que em nenhum momento ele a estabelece como
decisão das classes populares e/ou os cidadãos (apenas construir, implementar e fiscalizar a
aplicação) sobre o conteúdo das políticas. Tanto é assim que, diz que o “governo popular
redefiniu o papel do Estado”, “estabeleceu [...] o processo de participação”; etc.
Sobre a cidadania assim se expressa:
A cidadania é um elemento histórico que envolve um conjunto de direitos e deveres, cujo exercício
depende da correlação de forças existentes na sociedade. A conquista da cidadania vai para além do
jurídico; é uma questão política que implica conquista de legitimidade social para um conjunto de
direitos, de valores e relações socioculturais. (AZEVEDO, 2000, p.9)
146
No mesmo sentido, restrito e contraditório, do aspecto referente ao Estado, cabe
ressaltar que a cidadania não pode ser apenas definida por (ou apenas o exercício dos) direitos
alcançados com legitimidade, na correlação de forças na sociedade e aos aspectos políticos. É
preciso dar conteúdo a estes direitos e aos deveres; e percebê-los em permanente movimento e
como produção dos cidadãos, além de sua ampliação para aspectos como o social, o cultural,
etc.
Além disso, caberia perguntar: quem deveria assegurar tais direitos e deveres? Pelo
texto, ao observarmos que são ressaltadas apenas ações estatais, ao ser dada ênfase sobre a
cidadania em Porto Alegre, seria a este – Estado – tal efetividade. Por exemplo, ao se ressaltar
que na primeira gestão, da criação das “escolas infantis” e do conceito de “educação infantil”,
a criação do “SEJA” e a “a expansão do atendimento” e da “discussão de uma proposta
pedagógica”; e na segunda gestão a “construção e implementação da Escola Cidadã, a partir
de 1993 [que] significou a articulação do projeto educacional com o projeto da Administração
Popular” ou, ainda, a discussão da “democratização do Estado que orienta a administração
municipal em seu conjunto. [...] também na esfera educacional”. (AZEVEDO, 2000, p.9-10).
Todas são ações e iniciativas por parte do Estado.
O trecho seguinte também é ilustrativo de que as políticas propostas da SMED
buscaram hegemonizar (ou seria homogeneizar) o conjunto da rede municipal:
Era necessário, portanto, criar na educação uma esfera pública não estatal que possibilitasse à cidade
discutir e influenciar a construção da política pública para a educação. Em outras palavras, através da
criação de mecanismos e de espaços de participação, iniciou-se, na segunda gestão, a transformação da
escola estatal municipal em uma escola pública municipal. (AZEVEDO, 2000, p.10)
Portanto, são enfatizadas as ações do poder estatal sobre ou em direção às escolas (e à
cidade) e aos professores, visando a ampliação do acesso, a melhoria das condições de
atendimento e a qualidade do ensino. Estas, portanto, não representariam uma nova forma de
ação do Estado, seriam ampliação e melhoria das tradicionais formas de atuação do Estado
em educação. As dificuldades na implementação da proposta por Ciclos de Formação é
interpretada como problemas atribuídos aos professores, pois não teriam se convertido à
concepção do que governa:
147
Há dificuldades também na superação da concepção de avaliação classificatória e seletiva, na
identificação das concepções emancipatórias que valorizam e perseguem o avanço contínuo do aluno,
na compreensão das necessidades pedagógicas decorrentes das diversidades das relações socioculturais
das comunidades e da baixa sensibilidade para buscar alternativas pedagógicas aos que chegam na
escola já marcados pela exclusão ou que estão nos limites dela. Outro ponto de dificuldade é a carência,
em alguns educadores, da aspiração de uma consciência cidadã, quando não percebem a necessidade de
afirmação e de reconhecimento da legitimidade social alcançada pelo seu trabalho e persistem na
afirmação do seu poder e de sua autoridade através de instrumentos punitivos e excludentes, entre eles,
a avaliação classificatória e o instituto da reprovação. Finalmente, há a dificuldade do trabalho coletivo
e da postura corporativa que não percebe a necessidade de retribuir ao cidadão contribuinte um
resultado qualificado de ação educativa. Estes são desafios que vivemos neste momento. (AZEVEDO,
2000, 16).
Os problemas das escolas municipais, que adotaram os Ciclos de Formação, seriam
responsabilidade (ou culpa) dos professores, que não teriam assimilado direito (ou
compreendido a proposta)? A insistência em “punir, reprovar, classificar, excluir” seriam a
razão de viver destes professores? Em que medida este diagnóstico (de resistência das escolas
e dos professores) difere do feito por Esther Grossi quando da implantação do
Construtivismo?
Até 1993, portanto, na segunda gestão, diz o autor, a “rede” e/ou a “administração”
(que parecem ser confundidas ou entendidas como uma só coisa) “não tinha uma política de
formação sistematizada, [...] não tinha políticas definidas de manutenção e conservação, [...]
não tinha uma preocupação politicamente explícita em relação à exclusão social, [...] não
tinha mecanismos de participação institucionalizados, [...] não tinha política de pessoal, [...]
não tinha acesso às tecnologias de ponta, [...] não tinha uma proposta pedagógica que
estivesse articulada com o processo de democratização e com todos os espaços da instituição
escolar, tem hoje parâmetros para avaliar e perceber a sua travessia” (AZEVEDO, 2000, p.18-
19).
Então, como explicar outro discurso recorrente, de que as políticas e ações absorveram
“todo o acúmulo do movimento dos educadores pela democratização [e] intensamente
discutida e socializada entre as escolas”, como os conselhos escolares, a eleição de diretores,
na gestão democrática?
Os Ciclos de Formação, continua o autor, “não é uma estrutura ‘nova’ criada para um
reenquadramento dos educandos”, o que se contradiz com a citação acima em absolutizar
referências negativas associadas aos professores e escolas que resistiam aos ciclos. Mas, uma
tentativa de “traduzir na estrutura escolar os ciclos da vida” com “espaços e tempos que
buscam responder o desenvolvimento dos educandos”, em substituição “à camisa de força do
tempo do ano letivo” mas num processo “permanente de desenvolvimento” (AZEVEDO,
2000, p.26). Sobre o processo de implementação dos Ciclos de Formação na rede diz:
148
a implantação dos Ciclos de Formação foi um processo rico em discussão, por vezes polêmico.
Propiciou confronto entre o conservadorismo pedagógico, o corporativismo e as visões identificadas
com concepções educacionais emancipatórias e comprometidas com as metas de inclusão social. A
adesão dos Ciclos foi efetivada por tomada de decisão das Comunidades Escolares, com a participação
de segmentos, através de assembléias, plebiscitos, dando legitimidade à proposta em todas as escolas.
[...] O caráter democrático das decisões é inegável, embora as posições vencidas nos espaços de
deliberação levantem criticas ao processo. É importante registrar que as últimas duas escolas a ciclarem
o fizeram sem ter uma posição majoritária pró-ciclos. Contudo, depois de quatro anos de discussão, é
muito lógico e democrático prevalecer a vontade da maioria da Rede. (AZEVEDO, 2000, p.26-27)
O autor não faz referência, ao fato, de que tanto a LDB e o Congresso das escolas
municipais, não instituírem a obrigatoriedade dos ciclos. A primeira, abre a possibilidade de
diferentes estruturas curriculares, inclusive, justifica a existência dos ciclos, e a segunda,
estabelece a possibilidade de diferentes modalidades de organização curricular na rede de
ensino de Porto Alegre. Sobre o Congresso e suas deliberações (os princípios da Escola
Cidadã), no entanto, afirma o contrário disso.
Estas diretrizes orientaram a reestruturação curricular que reorganizou o ensino, criando novos espaços
e tempos, redefinindo e superando a organização seriada da escola tradicional, organizando o ensino em
três ciclos de formação correspondentes às fases de desenvolvimento do ser humano na idade
correspondente ao ensino obrigatório (a infância, a pré-adolescência e a adolescência. [...] (AZEVEDO,
2000, p.19)
Depois de citar o caso da Monte Cristo, diz o autor que o Plano Plurianual, criou as
condições e a legitimidade da implantação dos ciclos na terceira gestão da Administração
Popular.
A terceira gestão é a fase de implantação gradativa da proposta no conjunto da Rede e o início da sua
consolidação; transformou o plano plurianual, até então um instrumento formal, num instrumento vivo
de planejamento participativo. Foram, então, estabelecidas metas para serem cumpridas até o ano de
2000. [implantação de Ciclos de Formação em todas as escolas do ensino fundamental, dentre outras]
(AZEVEDO, 2000, p.19-22).
Ao final, merece atenção o registro de que, no 2
o
Congresso (1999), foi apontada a
necessidade de “consolidação e aperfeiçoamento, tanto dos ciclos como dos espaços de
participação” (p.28), como decorrente da “falta de experiências democráticas, de referências
históricas de práticas coletivas dificultam o processo democrático, ainda contaminado por
práticas autoritárias, principalmente em algumas comunidades, onde o processo de
participação é insuficiente” (AZEVEDO, 2000, p.29). E isto apesar de todos os argumentos
anteriores, no referente à legitimidade, legalidade e concordância de toda a rede: a vontade da
maioria, diz ele.
No artigo Desafios da Educação Municipal (AZEVEDO, 2003), o mesmo autor
149
discute o Estado, o planejamento e a democratização da educação:
As questões relativas à gestão pública da educação estão subordinadas a um conjunto de problemas
históricos que afetam a estrutura e o caráter do Estado brasileiro. [...] a gestão pública na educação,
principalmente nas duas últimas décadas, tem sido abordada através da utilização de conceitos
diferenciados e pressupostos com significados e entendimentos distintos. A abrangência física e a
delimitação do espaço de incidência dos instrumentos de gestão do funcionamento institucional, em
geral, ainda carregam, no campo das concepções, o predomínio do âmbito administrativo. [...] A
predominância dos meios sobre os fins quase sempre permitiu e justificou a concentração da aplicação
dos recursos em assessorias, planejamento e consultorias, desviando-os, freqüentemente, das suas reais
finalidades, ou seja, da prestação de um determinado serviço à sociedade. A busca de soluções simples,
como o protagonismo de experiências coletivas produzidas pela cultura das comunidades, é caso raro na
história das relações entre Estado e sociedade do Brasil. (AZEVEDO, 2003, p.87-88). (Negrito CM)
O destaque dos investimento nas atividades-fim em detrimento das atividades-meio é
apontado como sinal de mudança em relação às gestões tradicionais; no texto de 2003, são
criticadas as atividades-meio, como assessorias, planejamento e consultorias
91
. Por outro lado,
as reais finalidades estariam no “protagonismo de experiências coletivas produzidas pela
cultura das comunidades”. Portanto, uma gestão qualificada e eficaz das políticas públicas
democráticas seriam de:
fundamental importância que a gestão pública seja democrática, mas a democratização da educação
transcende os mecanismos institucionais de democratização da gestão e de universalização do acesso.
Faz-se necessária a democratização do acesso ao conhecimento – a um conhecimento pertinente aos
sujeitos sociais reais, a partir dos quais, de suas experiências concretas, se estabeleçam relações
constitutivas dos elementos racionais de sua cultura com o conhecimento orgânico, sistematizado.
(AZEVEDO, 2003,p.89)
Diz o autor, ainda, que “descentralização e participação não são necessariamente
sinônimos de democracia”. Por outro lado, a diferença do uso destes conceitos pelas forças
democráticas e socialistas do conteúdo que fazem uso os neoliberais não é simplesmente por
estarem “alheias ao macroprojeto de sociedade”, e de não “comprometidas com a
transformação das condições objetivas” (AZEVEDO, 2003, p.92).
Pelo contrário, é no processo de democratização, de descentralização e de
participação, avançando para que os próprios sujeitos, coletiva e individualmente, em grupos,
classes, etc. tornem-se gestores de suas vidas e sociedades que avançaremos na produção do
“macroprojeto” de transformação diferenciados dos projetos neoliberais que, ao proporem a
descentralização, a municipalização, mantêm o controle dos aspectos centrais e globais (ver
Capítulo 1 ao 3). Os neoliberais e aqueles que defendem o status quo e o Sistema têm seu
91
No início de 1993, foram registradas críticas à gestão de Esther Grossi, em relação à quantidade de assessores,
por parte dos gestores que assumiam, mas os mesmo que a criticaram, ao implantarem os ciclos de formação
também tinham em fins de 2001 mais de 100 assessores (ver KRUG, 2002. p. 113).
150
macroprojeto, pois o defendem, buscam garanti-lo e legitimá-lo. Para eles a democracia é
sinônimo de defesa e garantia “disto que está aí”.
A luta histórica pregressa das forças progressistas não pode ser resgatada e contada
como justificadora do que o Estado estaria implementando e como argumento de autoridade a
justificativa da aceitabilidade da proposta do Estado, como é feito abaixo:
Os movimentos sociais envolvidos com a educação foram pródigos em produzir quadros que se
transformaram em dirigentes políticos, atuando nos parlamentos e executivos, sendo portadores diretos
de interesses de bases sociais ligadas à educação. [...] A exigência de protagonismo por parte dos
educadores, dos estudantes e das famílias coloca a discussão da educação em todos os planos. A
educação pública compreendida como direito produziu a necessidade de uma discussão qualitativa
sobre os seus resultados. (AZEVEDO, 2003, p.97)
Isto justificaria as propostas que foram implementadas por seu governo como
legítimas daqueles, sendo, portanto, os legítimos representantes deles, pois “portadores diretos
dos interesses das bases sociais ligados à educação”. Em outras palavras, são os próprios
agentes estatais justificando a canalização de suas ações e políticas através do
Estado/governo, apenas:
A democratização da escola pública [...] está hoje dialeticamente relacionada com a implantação das
ações práticas governamentais dentro das contradições e das relações decorrentes das duas grandes
vertentes conceituais em disputa: a educação como direito – expressão dos movimentos democráticos –
e a educação como cultura mercadológica – filiada ao ‘modelo’ de mercantilização da vida. Se o
fundamentalismo de mercado é hegemônico em termos de macropolítica, não o é no âmbito das práticas
e das microrelações que operam na cultura política do cotidiano da vida nos serviços públicos. Essa
contradição constitui o campo de batalha, o espaço de conflito e, sobretudo, a possibilidade de
universalização da escola pública, desde que vista na perspectiva de um projeto estratégico de
desenvolvimento nacional alternativo à tendência dominante. (AZEVEDO, 2003, p.99)
A polarização na citação é falsa, pois a macropolítica se traduz (se produz e re-produz
no cotidiano, senão as classes dominantes não estariam exercendo a sua hegemonia, (ver
Caspítulo 1 ao 3) no micro-político. De outro lado, não é verdadeiro que todo o micro-político
seria democrático e mudancista, pois como o próprio autor argumentou, estaria ocorrendo
resistência às suas proposições “revolucionárias”. Mas, de forma mais aprofundada veremos
detalhes desta complexidade em capítulo adiante quando sistematizo e discuto a produção
acadêmica sobre o cotidiano dos processo de implementação dos Ciclos de Formação.
Além disso, o Estado/governo não está isento de normatividade e de regras a serem
cumpridas, que o condicionam em seu agir transformador, como mostrei teoricamente em
partes anteriores, mesmo sendo geridos por governos de esquerda e populares. Sendo assim,
afirmar que a polarização estaria apenas restrita ao âmbito da implementação das políticas
desde o Estado/governo abstrai toda uma realidade e complexidade das relações na sociedade
151
civil, e dentro desta as contradições e conflitos inerentes às sociedades de classes, excludentes
e desiguais como a nossa
92
.
Em seus argumentos finais, ao justificar a necessidade de uma nova escola e educação,
mas sem soluções finais (estruturas, modelos, etc.) teorizadas, advindas dos processos
desencadeados na efetivação das políticas e ações no Estado/governo, compreende:
É preciso reinventar a estrutura institucional da escola, entendê-la como uma estrutura superada,
imitativa da organização produtiva fabril taylorista-fordista, fragmentada, com funções especializadas,
trabalho individualizado, parcializado, seqüenciado. Esta estrutura escolar baseada em pré-requisitos,
seriada, com tempos e espaços determinados, poderia servir a uma concepção de repetição de
informações, de transmissão de ‘conhecimento’, mas não serve como espaço de construção de
conhecimento. O espaço de construção do conhecimento demanda uma estrutura que contemple o
trabalho coletivo, com novos espaços e tempos que dialoguem com as fases de desenvolvimento da
criança e do adolescente, e que, pela sua dinâmica, não cabe na estrutura da escola tradicional.
(AZEVEDO, 2003, p.106)
Se o conteúdo geral da citação é correta, o autor desliza ao não explicitar o fato de que
propõe uma nova estrutura de organização curricular – os Ciclos de Formação – (ver
BECKER, 2004, adiante), implementada quando Secretário de Educação (1997-2000) em
Porto Alegre. Além disso, a relação mecânica entre a escola e o sistema de produção é
simplista, como argumentei na Parte I desta tese, e para a qual remeto os leitores.
Em fins de 2000, José Clóvis Azevedo deixa a SMED e assume um novo gestor, a
partir da eleição de Tarso Genro como prefeito. Veremos o que dizia o novo Secretário sobre
suas perspectivas educacionais para a cidade.
Da Escola Cidadã à Cidade Educadora
A substituição do grupo partidário que comandava a SMED anterior – propositor e
defensor apaixonado da estrutura curricular por Ciclos de Formação - deu-se pelo grande
questionamento sobre a imposição da estrutura que propôs
93
. Da manifestação do novo
Secretário Municipal de Educação destaco aspectos sobre a realidade educativa encontrada, e
da relação da SMED com a rede municipal na implantação dos Ciclos:
92
O exercício da hegemonia desenvolve-se através da coerção e do consenso, conforme Gramsci. A coerção é a
repressão e o consenso é o convencimento. E ambos desenvolvem-se no cotidiano (CECEÑA, 2001).
93
Os grupos que apoiaram Tarso Genro exigiram mudança nas posturas “autoritárias”, não condizentes com o
“espírito” de gestão democrática. Ver, por exemplo, o relato do processo de organização curricular por ciclos de
formação na Escola Municipal Campos do Cristal (STUMPF, 2004, p.18); pelo vereador Renato Guimarães, em
2000: “precisamos questionar as nossas certezas, não nos restringindo a uma discussão sobre a estrutura da
organização curricular (ciclos, etc.) ou da gestão da escola”, pois esta é uma “obra inacabada, que tem autoria
coletiva e deve estar sujeita a modificações”, porque “a superação [...] extrapola as possibilidades de uma
intervenção individual, exigindo de todos – professores, funcionários, pais e alunos – de fato, possam sentir-se
protagonistas, sujeitos desse processos e não objetivos dele” (GUIMARÃES, 2004, p.133).
152
[...] a necessidade de mobilizarmos o potencial educativo da cidade como um todo. (p.4) [...] com a
caminhada que constituiu os Ciclos de Formação enquanto proposta Político-Pedagógica de organização
do ensino valorizando as crianças e os adolescentes enquanto sujeitos de sua aprendizagem. [...]
constituir os meios para que este processo se realize de modo envolvente a todos os sujeitos da escola,
com abertura para que o conjunto da sociedade discuta e opine sobre a educação pública em Porto
Alegre. [...] (p.5). [...] [Mas também] a relação com os trabalhadores [...] que atuam tanto na Secretaria
de Educação como nas escolas deve ser profundamente democrática. [para a] correção e [os]
reencaminhamentos que venham a se fazer necessários. Para isto, a SMED conta com uma composição
plural, envolvendo todos os segmentos do campo da Frente Popular [...] (p.5). Entretanto, é com o saber
coletivo, com a participação plural de todas as formas de pensamento e com uma gestão radicalmente
democrática que poderemos avançar na busca deste objetivo. (p.6) [...] é visível que, por tratar-se de
uma experiência nova e inovadora [...]. Algumas escolas tiveram de implantar os Ciclos sem que
estivessem adequadamente preparadas ou motivadas para esta experiência apaixonante, mas difícil.
(PACHECO, 2001, p.4-6)
Define-se pela manutenção dos Ciclos, mas com ênfase da autonomia das escolas:
Não reprovar não significa “empurrar” o aluno para frente. [... ]um dos valores mais caros a todos os
educadores progressistas é a autonomia pedagógica da escola. Nesta medida, sem abrir espaços ao
retorno às fórmulas atrasadas como a organização seriada rígida, as escolas devem ter a mais ampla
autonomia para, em conjunto com a comunidade, estabelecer o seu Projeto Político-Pedagógico. É
indispensável também radicalizar a democracia, fortalecendo e qualificando o Conselho Escolar como a
instância política mais importante no espaço escolar. [...] Ampliando os espaços de autonomia
pedagógica das escolas, possibilitando que diferentes propostas pedagógicas sejam construídas.
Promoção, através da política de formação continuada, de discussões acerca do currículo (equilíbrio
entre os saberes locais e saberes universais acumulados pela humanidade) e dos critérios de avaliação e
progressão continuada dos alunos, tendo em vista a perspectiva da permanência com a aprendizagem na
RME. (PACHECO, 2001, p.6-8)
Eliezer Pacheco apresentará, por outro lado, propostas pontuais, de início e em
continuidade ao que vinha se desenvolvendo. Buscará afirmar que a Escola Cidadã enquanto
conceito e realidade estava esgotada, sendo necessário avançar para a idéia de Cidade
Educadora. Neste sentido, considero que a mais importante de suas realizações foi a
transformação dos Encontros Internacionais no Forum Mundial de Educação.
El Foro Mundial de Educación, proyectado con los mismos presupuestos que el Foro Social Mundial,
con la intención de constituir um espacio mundial específico para la discusión de la ‘educación como
política pública y como prática social’, cuya significación atraviesa y sobrepasa el espacio de la
educación escolar, encarnándose em todas las práticas humanas e institucionales. [...] Alcanza um
sentido de universalidad y de posibilidad en la perspectiva de uma esfera pública, en la que Estado y
sociedad, en sus más diversas formas de organización y acción, recrean la vida coletiva”. [...] Tal
perspectiva únicamente es posible si se ‘impone el diálogo’ como parte consustancial de los nuevos
modus vivendi que generamos. El diálogo, que presupone ‘escucha’, ‘reconocimiento del outro’ y que es
la base para conseguir la ‘profundización de los modelos de democracia’ que conocemos. (MOLL,
2002, p.61-64)
Em virtude do afastamento do Prefeito Tarso Genro para concorrer ao governo
estadual, houve uma reconfiguração dos grupos partidários no Poder Político Municipal. Em
153
2003, a equipe de Eliezer Pacheco (em parte) foi substituída por muitos dos que tinham saído
em 2000, com José Clóvis de Azevedo, conforme Krug (2002) comentou
94
.
Continuidade e descontinuidade de um governar de esquerda
Em síntese, cabe apontar que mudam, sutilmente, os discursos dos dirigentes do
durante e do após mandato. Tanto de Esther como de José Clóvis, foi possível constatar,
quando estavam na SMED e fora dela. No caso da primeira, apesar de resgatar textos
produzidos quando Secretária para publicar o livro analisado (GROSSI, 2000), mantendo
inúmeros aspectos de sua produção sobre o Construtivismo, a autora não deu ênfase ao fato de
que até meados de 1992, defendeu o Construtivismo, e mais tarde, passa a afirmar que o
mesmo estaria superado (ver GROSSI, 2004, in ZH). Do segundo, o mesmo sentido, de um
discurso governista em 2000, parece mais livre e reflexivo em 2004; no entanto, sem externar
intenção de avançar em sua produção para além da apologia do que tinha realizado, pois não
percebemos nos textos consultados, em nenhum momento manifestação ou indício de
qualquer aspecto crítico de tais gestões.
Avançaremos, nas partes seguintes, sobre os aspectos das descontinuidade e
continuidade nas gestões, mas deixo expresso que, numa visão panorâmica, parece que as
gestões eram de partidos diferentes e não de um mesmo partido. Em nenhum momento, como
síntese da experiência da aprendizagem coletiva do partido e de seus educadores.
94
Parte dos assessores da SMED na gestão de José Clóvis Azevedo vai para as escolas (em especial a Escola
Municipal Timbaúva, na zona Norte) e outra para a UERGS, para qual José Clóvis de Azevedo foi indicado
154
As atividades da SMED nos Relatórios de Gestão
Todo ano, em março ou abril, o poder executivo (a prefeitura) encaminha à câmara de
vereadores um Relatório de Atividades do desenvolvidas pelas secretarias municipais no ano
anterior para conhecimento e aprovação. Aqui descrevo as atividades dos Relatórios de cada
uma das gestões. Afirmo, porém, que foi desde a perspectiva do poder executivo, ou seja, de
como os gestores do PT na SMED apresentaram as atividades que realizaram aos vereadores
da cidade.
A primeira gestão da Administração Popular: 1989 a 1992
O primeiro Relatório de Atividades da Administração Popular, com Olívio Dutra
(1989), será somente produzido em 1990. No ano de 1989, referente a 1988, da gestão
anterior, de Neuza Canabarro (SMED) e de Alceu Colares (PMPA) que foram apresentados
95
.
O prefeito Colares, destaca a centralização dos recursos/tributos por parte do poder
central (estado e governo federal) e o bloqueio de recursos destes ao governo municipal, as
dívidas e o sucateamento das máquinas e dos serviços municipais. Ele tinha sido eleito em
1985 em substituição ao prefeito “biônico” Antônio Dib. No governo estadual (1982-1985)
esteva Jair Soares (PDS) e no federal João Figueiredo (militar) que seriam os centralizadores
dos recursos referidos pelo prefeito. No referente à educação os CIEMs (Centro Integrado de
Educação Municipal) eram proposições importantes da gestão de Colares.
Através da Secretaria Municipal de Educação, esta Administração definiu uma política educacional que
assume como prioridade a educação da população de baixa renda buscando, com a participação da
comunidade, diminuir as desigualdades sociais. Os projetos “Nenhuma criança sem Escola”, “Nenhum
Adulto Analfabeto”, “Casas da Criança”, “Escolas Técnicas”, “Iniciação Profissional” e “Centros
Integrados de Educação Municipal – CIEM’s”, viabilizam a nossa proposta de uma educação popular
participativa. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1989)
como Reitor provisório.
95
“Quando assumi o Governo em Janeiro de 1986, encontrei todas as naturais dificuldades de uma administração
que se inicia, quais sejam as dificuldades de caixa, pesados encargos da dívida, aliados ao sistema tributário
centralizado no que se refere às rendas públicas. A inexistência de projetos de execução e de projetos para
financiamento em tramitação, bem como a constatação de um parque de máquinas em vias de sucateamento,
retardaram, de uma certa forma, a ação de governo. Foi necessário concentrar a atenção em medidas que tiveram
por objetivo o saneamento das finanças e a elaboração de projetos de toda a ordem capazes de atender a curto e
médio prazo as grandes necessidades da população. O bloqueio no aporte de recursos estaduais e federais quer
forma de financiamentos, quer sob a modalidade de fundo perdido, levou a Administração a programar-se
concentrando prioritariamente os seus esforços no seu projeto educacional, na saúde. Na melhoria das condições
de vida nos bairros e vilas mais carentes e no Projeto de Humanização do Centro, ao mesmo tempo em que
buscava novos caminhos para a obtenção de recursos próprios capazes de suportar tais investimentos”
(COLLARES, 1989).
155
A população prioritária a ser atendida era a de “baixa renda”, através de uma série de
exemplos citados pelo respectivo prefeito como:
número de entidades assistidas pulou de 14 para 90 creches, sendo 69 conveniadas e as demais re-
cebendo alimentação e diversos, de acordo com a disponibilidade além de mais 178 lares vicinais ou
substitutos, 88 clubes de mães; 30 entidades de assistência a idosos e carentes e 34 que assistem a
excepcionais e deficientes (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1989)
Podemos afirmar que das proposições e das realizações encontramos aspectos e
indicadores de um projeto popular nesse governo do PDT na cidade. Outro projetos
destacados foram “Deixe Porto Alegre Respirar”, “Adote uma Praça”, “Feiras Livres”,
“Feiras de Economia”, “Feirão do Povo” e o “Projeto Cabra”
96
.
O Relatório do 1989, já se refere as atividades desenvolvidas pelo PT no governo de
Olívio Dutra e de Esther Grossi como secretária. Diz o documento que a política educacional
da Administração Popular estaria embasada no pressuposto de que a escola possui valor social
e de construção de conhecimento, a partir da relação didática entre a ciência (conhecimento
acumulado historicamente pelo homem) e a cultura, no processo vivenciado pelo sujeito.
Todos teriam direito à educação e se resgataria a práxis do professor, enquanto agente direto
do processo vinculado com a sua formação profissional, lhe garantindo acesso às mais
recentes descobertas em educação.
Ressalto que a valorização do professores se relacionaria (ou estaria subordinada?) “às
mais recentes descobertas”, as quais lhes possibilitariam realizar a “articulação da teoria com
a prática”. Por outro lado, as políticas educativas deram ênfase na problematização das teorias
e práticas que afirmavam que as crianças pobres, com déficit, não podiam aprender.
Dentro da prioridade de construção de proposta pedagógica para as classes populares procedeu-se a um
trabalho integrado entre as equipes de diversas áreas e as atividades de valorização profissional dentre
as quais: cursos de alfabetização (participaram 25% dos alfabetizadores da rede municipal), encontro
sobre avaliação em 1ª série; Seminário “A Expressão lúdica e a Criatividade na pré-escola”, encontro de
estudos para os professores da pré-escola; Palestra com Madalena Freire; encontros com os monitores
dos centros infantis (SMSSS); I Encontro de Bibliotecários das escolas municipais; seminário sobre o
exame médico conjuntamente com a SMSSS aos professores de Ed. Física; Projeto Ioschpe - utilização
do vídeo na aprendizagem das artes plásticas. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1990)
A afirmação de que as propostas educacionais eram para as “classes populares”
aparecerá ao longo dos 16 anos em variações da expressão, mas com sentidos diferenciados,
pois já no Relatório do ano seguinte (1990), a maior ênfase da gestão estaria nas realizações
da SMED:
156
no sentido de resgatar a função precípua da escola pública enquanto lugar de aprendizagem,
especialmente aqueles sujeitos excluídos do processo aquisição do conhecimento letrado. Nesse sentido,
apresenta como metas a universalização do acesso e permanência na escola que se constata pela
ampliação 9.945 novas vagas em função da otimização do espaço público, e nomeação de 739
professores (dados 1989/1990). Atuando no sentido de generalizar a proposta construtivista de ensino e
aprendizagem com ênfase na alfabetização. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1991)
Se ao longo do primeiro ano de governo do PT se deu “prioridade à construção da
proposta pedagógica para as classes populares”, no segundo ano, tal proposta já estaria
definida como sendo o Construtivismo visto buscar-se sua “generalização” na rede municipal
como percebemos na citação cima.
A ênfase na aprendizagem como componente central da proposta da Administração
Popular amplia-se através dos meios para o atendimento e na generalização do
Construtivismo, possibilitando assim, o acesso à escola e à permanência, exemplificado
através da ampliação das matrículas e da alfabetização. Mas, também, na nomeação de
professores (739) e um “programa de valorização profissional” para se “democratizar os
saberes científicos” como forma de tornar eficaz a intervenção “no campo da educação”; um
“programa de educação infantil”, através e em decorrência da criação de “20 escolas infantis
dentro da nova concepção político-pedagógica da SMED/PMPA”.
97
Um terceiro programa
referido foi as “atividades alternativas”, que buscaram aumentar a participação da
comunidade em horários alternativos na escola. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades,
1991).
Tal aspecto, do Construtivismo, como vimos, será motivador de debates nos encontros
partidários do PT, pois além de se buscar constituir como central nos debates partidários,
colocava em segundo plano aquelas proposições mais relacionadas à gestão democrática e à
participação. Por outro lado, evidenciava a falta de proposições do PT nesse aspecto (o
pedagógico) até então.
A participação, como aparece com mais destaque no Relatório de 1991, portanto, no
terceiro ano do governo da Administração Popular, a partir da afirmação de que os projetos
educativos estariam em “sintonia com a vontade popular” através da criação de “canais de
participação política e recuperando espaços públicos”, ou da criação do “forum do orçamento
participativo”; da relevância do “método construtivista” com as primeiras “séries-classes
construtivistas” (a alfabetização de 90% nas escolas municipais); e novamente, ao ser
destacada a “escola como lugar de aprendizagem”.
96
“...o seu animal de estimação”, que “proporcionou a distribuição de cabras à população de baixa renda das vi-
las visando melhorar o nível alimentar destas”.
97
As “casas das crianças”, de Collares, foram inauguradas ou ampliaram-se na gestão de Esther.
157
O ano de 1992, último de Esther como secretária, foi produzido em 1993, portanto,
pela nova equipe que tinha assumido a educação municipal, e que tinha substituído Esther
Grossi em decorrência das disputas internas no partido (e da mudança da correlação de forças)
se diz que a proposta da SMED visou a “construção e garantia de uma escola pública
democrática e de qualidade”, a qual passaria, “pela consolidação de uma proposta pedagógica
clara, voltada aos interesses das classes populares” (PMPA/SMED/Relatório de Atividades,
1993):
Partimos da premissa que os alunos oriundos das classes populares têm todas as condições de aprender
como qualquer criança ou adolescente desde que sejam confrontadas com uma proposta didática
adequada. Mais do que nunca, nossa experiência tem desmistificado que a desnutrição ou carências
sociais e afetivas sejam as responsáveis pelos baixos resultados e pela evasão dos alunos das escolas
freqüentadas por alunos de classes populares. A adoção da proposta construtivista em nível de escolas
municipais de Porto Alegre através da SMED, veio exatamente no sentido de inverter este quadro,
apontando para a construção de sujeitos autônomos. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1993)
Portanto, se reconhece o trabalho desenvolvido (e a ser consolidado), pois a “adoção
da proposta construtivista” nas escolas municipais teria papel importante nas políticas
educativas desenvolvidas.
A SMED teria adotado uma “estratégia de educação para sua implantação nas escolas
municipais”, através de três linhas de intervenção de 1989 até hoje: 1) Formação e a
remuneração digna dos professores; 2) A garantia de recursos materiais adequados; 3) A
Construção de relações democráticas e Participação popular. No entanto, tais questões
deveriam (ou buscaram ser) articuladas ao fundamental: a adesão dos professores para que se
“obtivesse sucesso na sua implantação e adequação à realidade das escolas municipais”, pois,
o resgate da dignidade “através de uma remuneração justa e condizente com a importância de
seu papel”(dos professores) e a “realização das eleições diretas para escolha de diretores” no
aspecto da democratização, teriam sido os elementos da construção da proposta.
A segunda gestão da Administração Popular: 1993 a 1996
No ano de 1993, o relatório das atividades será integral da nova equipe. Mas a troca do
secretário, em outubro de 1993, não é referida ou relacionada a qualquer alteração do que foi
realizado. Então, o relatório depois de destacar a quantidade de eventos realizados (35
eventos: 19 cursos, 02 oficinas de trabalho, 06 painéis, 04 palestras, 03 promoções diversas,
01 seminário Internacional) e do público atingido (25.958 pessoas)
98
nas atividades de
98
Na época os professores não chegavam a 3 mil.
158
formação e aperfeiçoamento dos professores, destaca aspectos de diferenciação da política
educacional gestão anterior:
A Secretaria Municipal de Educação - SMED desenvolveu no ano 1993, um projeto educacional [...]
apostando na possibilidade de aprofundar o já realizado e introduzir uma nova Perspectiva Político-
educacional. [...] a partir do entendimento de que a Educação não é apenas um fato epistêmico, de
conhecimento, mas [tem] caráter social [...] dimensão cultural e política. A contextualização da
Educação, que considera as bases sociais e políticas da educação institucional, levou a uma redefinição
na política educacional e à introdução de novos procedimentos. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades,
1994)
A redefinição da política, dizia-se ter referência no Forum Nacional em Defesa da
Escola Pública, e os novos procedimentos foram o desencadeamento de reuniões, seminários,
a implantação de Conselhos Escolares, de Grêmios Estudantis, e a realização de estudos sobre
a eleição de diretores e vice-diretores e o repasse mensal de verbas às escolas. Ao mesmo
tempo, na intervenção da DEE (Departamento de Educação e Ensino) junto às escolas
buscando “avançar no debate em torno da Educação Pública e os imperativos da democracia”:
A construção do projeto pedagógico partiu da compreensão que a Escola é um espaço de elaboração de
afirmação e de crítica. Visando ir além do senso comum, que apenas reproduz o dado, e construir um
novo saber escolar. O conhecimento é elaborado através de interação social e dependente de variáveis
provenientes da cultura, contexto, etc. E a prática docente se faz aliada às vivências e história da
comunidade. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1994)
Então, neste primeiro ano, os objetivos da intervenção seriam “romper com a
fragmentação do processo de construção do conhecimento e do próprio sistema escolar, e
superar sua descontextualização”, mas também, rever “o papel dos professores”, realizar uma
“reorientação e ampliação do currículo”, a “reorganização do uso do espaço e tempo escolar”,
mas “fundamentalmente alcançar a qualidade da educação”. A autonomia da escola e a
participação seriam os parâmetros da intervenção, pois buscava uma “relação dialógica entre
os diferentes atores do processo” e a partilha do poder de decisão. Foi constituída uma
Assessoria Comunitária (em 1993) com o “intuito de mediar, fortalecer e democratizar as
relações entre o poder público e a sociedade, entre SMED e as comunidades escolares, entre
os educadores e os pais/alunos; entre as praças/parques e comunidades” no processo de
produção da política municipal de educação de forma participativa (PMPA/SMED/Relatórios
de Atividades, 1994).
No Relatório de Atividades de 1994, a equipe que permaneceu, depois da saída do
professor Fischer, destaca que para a “construção de uma sociedade democrática e cidadã” é
necessária uma educação a “serviço das classes populares”, enfrentar e romper com práticas e
159
procedimentos que impedem a “construção democrática e participativa em todas as instâncias
do Sistema de Ensino Municipal”, através da criação da Escola Cidadã. E que ao longo do
ano, se buscou, através do debate da “escola que temos” e da “escola que queremos” e “como
construí-la”, enraizar estes pressupostos (democráticos e populares) nas comunidades
escolares de uma escola: cidadã, democrática, plural, crítica e de qualidade
(PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1995).
Para se construir uma cidade cidadã, é preciso pensar na garantia e no avanço dos direitos sociais de
todos os cidadãos. Estes direitos também perpassam a estrutura escolar, a gestão, organização
curricular, o sistema de avaliação e as regras de convivência no cotidiano das escolas. Nesta
perspectiva, a proposta político-pedagógica desta gestão, caracteriza-se pela radicalidade no que
concerne ao rompimento com práticas e procedimentos que obstaculizam a construção democrática e
participativa em todas as instâncias do Sistema de Ensino Municipal. (PMPA/SMED/Relatórios de
Atividades, 1995)
O projeto Constituinte Escolar buscou a “reestruturação curricular, novas regras de
convivência dentro das escolas, a sua gestão democrática e a definição de novos padrões de
avaliação”, e que, ao ter iniciado no 2
o
semestre de 1994, culminaria em “1995, na elaboração
de novos regimentos em cada escola, contendo propostas de todos os segmentos da
comunidade escolar”. A SMED criou, também outros mecanismos e canais para a
participação para “consubstanciar sua proposta político-pedagógica” como o “processo
interno de planejamento participativo, a partir do diagnóstico das escolas”
(PMPA/SMED/Relatórios de Atividades, 1995).
O Relatório de 1995 inicia, destacando os objetivos do ano de 1994 e sua efetivação:
consolidação do processo de gestão democrática em todas as instâncias do Sistema de Ensino
Municipal; consolidação da política de valorização dos trabalhadores em educação;
democratização do acesso e qualificação da permanência; dotação de infra-estrutura
indispensável à oferta de ensino de qualidade; integração das prioridades da SMED com as
políticas públicas da Administração Popular.
Portanto, conforme a SMED, suas ações estiveram relacionadas com a construção da
escola cidadã “plural, radicalmente democrática, participativa, transformadora, preocupada
com uma nova qualidade de ensino e com a ruptura da verticalidade institucional”,
desencadeadas através do “processo de gestão democrática em todas as instâncias do sistema
de Ensino Municipal” e numa “nova estrutura organizacional da SMED”, na “instituição dos
Conselhos Escolares em 100% das escolas municipais”, na “realização [...] de eleição direta
de diretores e vice-diretores” e no “Congresso Constituinte Escolar” e nas atividades de
160
formação de professores. Todas estas ações estariam consolidando os princípios do Congresso
Constituinte e de democratização
99
(PMPA/SMED/Relatórios de Atividdes, 1996).
No Relatório de Atividades de 1996 destaca-se que a partir do Congresso das Escolas
Municipais (em 1995), estas estariam elaborando seus os novos regimentos escolares, no
rumo do “projeto Escola Cidadã, tendo como diretriz a educação democrática, emancipadora,
autônoma e de qualidade” (PMPA/SMED/Relatórios de Atividades, 1997):
O Projeto Escola Cidadã, que a SMED está implantando, fundamenta-se na democratização dos espaços
e práticas escolares, a partir de mecanismos que garantam com a Comunidade Escolar a socialização e o
exercício de escolhas e decisões, promovendo a compreensão coletiva do conhecimento e a
descentralização do poder. Este projeto desdobrou-se em ações, entre as quais o processo de construção
dos regimentos escolares, em consonância com os princípios discutidos no conjunto das escolas, no
Congresso Constituinte Escolar, em 1995. E, durante o ano de 1996, foram elaborados 19 novos
regimentos escolares, sendo que desses, 11 já foram encaminhados ao CME para aprovação.
(PMPA/SMED/Relatórios de Atividades, 1997)
Depreende-se daí que, as escolas estariam elaborando seus próprios regimentos, e não
necessariamente, a organização em ciclos, e que estes, como proposta da SMED, estariam
sendo implantados por iniciativa da Secretaria nas escolas que inaugurava. Tanto é assim, que
ao final de 1996 somente as que tinha inaugurado assim se organizaram.
a SMED propôs à Rede Municipal de Ensino, que o ensino fundamental fosse estruturado em três ciclos
de formação, compostos de um conjunto de princípios e conhecimentos que norteiam, complexificam e
aprofundam o trabalho pedagógico e o caminho percorrido do início até o final da educação básica.
Desta forma, a experiência de ensino organizado por ciclos de formação foi implementada em 1995, na
Escola Municipal de 1° Grau Monte Cristo, sendo ampliada para mais três escolas de 1° grau, durante o
ano de 1996, beneficiando 1.529 alunos que passaram a freqüentar uma escola não seriada, invertendo-
se assim, a lógica da exclusão, representada, em especial, na reprovação. (PMPA/SMED/Relatório de
Atividades, 1997)
Finalmente, o crédito escolar é destacado como mais uma medida de “manutenção e
qualificação do processo pedagógico” das escolas e como mais um “passo para esta
descentralização na aplicação de recursos financeiros da SMED”.
99
O III Seminário Nacional da Escola Cidadã “buscou aprofundar o processo de qualificação do ensino, através
da constituição da escola enquanto um espaço público importante para a construção da cidadania”; os Encontros
regionais - Constituinte Escolar mobilizaram “4.000 representantes dos segmentos da escola, que se reuniram
nas 7 (sete) regiões dos Núcleos de Ação Institucional da SMED, para debaterem a partir das discussões nas
escolas, princípios e concepções, objetivando a reestruturação curricular e reelaboração ou construção dos
Regimentos Escolares”; o Congresso Constituinte “definiu os princípios e as diretrizes globais que embasarão os
Regimentos Escolares,” o Curso “A organização dos Ciclos [...] no contexto da reestruturação curricular”
objetivou “pensar na diferença, para professores e assessores da RME” ao “estabelecer um estudo comparativo
das propostas de organização do ensino, por ciclos de formação, em diferentes países” e, outros eventos
realizados, relacionaram-se à democratização do acesso do aluno à escola e à qualificação da sua permanência;
ampliaram-se os convênios, as bolsas de estudo, a otimização de espaços físicos e de infra estrutura nas escolas,
os kits de materiais, o transporte escolar, etc. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1997).
161
A terceira gestão da Administração Popular: 1997 a 2000
No Relatório de 1997, se inicia falando dos objetivos: “a consolidação da proposta
político-pedagógica com a construção de uma escola de qualidade, democrática, cidadã e
comprometida com os interesses das classes populares”, chamada escola cidadã:
aprendizagem para todos. Portanto, quase igual ao ano anterior, mas adenda-se que, o ano de
1997 foi adverso às forças populares com o neoliberalismo (de Britto e FHC), mas,
“superadas muitas dificuldades e concretizadas ações estratégicas relevantes do trabalho
educativo” da SMED pela articulação com outras Secretarias Municipais de Educação da
grande Porto Alegre; pela participação em debates de rádios e TVs; assessorias à prefeituras e
secretarias do interior; participação ativa no II CONED (Congresso Nacional de Educação);
etc. Em Porto Alegre se estaria radicalizando a democracia e a aprendizagem “através da
implantação da Escola por Ciclos de Formação, do MOVA (Movimento de Alfabetização de
Adultos), além das novas propostas curriculares para a Educação infantil, Educação especial e
para o Ensino Médio” (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1998).
Por sua vez, o repasse trimestral às escolas, teria “qualificado a administração escolar,
promovendo-a para autonomia no gerenciamento de suas expectativas contextualizadas no
projeto político de educação para o Município de Porto Alegre”. E todas estas ações
revertendo “o quadro de repetência e evasão dos alunos”. Para o ano de 1997, a SMED
pretendia “atingir 10 escolas da rede municipal” com os ciclos, mas tinha chegado a 13
escolas (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1998).
O Relatório de Atividades de 1998 (PMPA/SMED, 1999) novamente, se afirma a
contrariedade ao projeto neoliberal que, através do FUNDEF, reduziu recursos municipais e
induziu à municipalização, desresponsabilizando o “Estado” e afastando-o de “determinados
setores, dentre eles a responsabilidade com a manutenção da escola pública e gratuita”. Mas,
em Porto Alegre, se estaria resistindo e suas ações, consolidando um projeto de escola cidadã:
aprendizagem para todos, sem sentido contrário àquele.
Este desafio cotidiano de construir coletivamente a “escola que queremos”, tendo como prioridade o
amplo processo de reconstrução curricular, articulado a partir e pela profunda democratização da escola,
está alcançado na proposta de organização do Ensino por Ciclos de Formação. (PMPA/SMED/Relatório
de Atividades, 1999)
Tal fato, seria corroborado, pelos indicadores de aprovação de 85,5% e de 2,43% de
evasão nas escolas municipais em decorrência da proposta. Uma novidade na organização
deste relatório é o destaque a três eixos: democratização do acesso ao ensino, a
democratização da gestão e a democratização do conhecimento.
162
Assim, a democratização do acesso ao ensino estaria ocorrendo via: “Projetos e a
[implementação de] ações com vista à democratização [...] via alternativas concretas de
atendimento dos excluídos a partir da ampliação e da qualificação dos espaços já existentes
nos diferentes níveis e modalidade de ensino”
100
.
Para a democratização da gestão e na democratização do conhecimento são citados
pelo secretário: “A gestão democrática garante o comprometimento das escola Municipais
com a transformação social e com a formação de sujeitos cidadãos, democratizando as
relações de poder no interior de cada unidade de Ensino”
101
. Já a democratização do
conhecimento se relacionaria, também, à democratização da escola ao
Cria[r] espaços para a formação de sujeitos cidadãos na dimensão política da pedagogia da participação
e, no âmbito pedagógico tende a romper os “muros culturais” que isolam a Escola da Comunidade
possibilitando a articulação do trabalho pedagógico com o contexto cultural dos usuários.
(PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1999)
As ações da SMED, no ano de 1998, giraram em torno destes objetivos (e
concepções?!), seja, na formação dos trabalhadores em educação, dos funcionários, alunos, da
comunidade escolar, nos cursos, seminários, estudos, etc., e nas publicações da Secretaria
Municipal de Educação.
O Relatório de Atividades de 1999 diz que a AP tem como “eixo central [...] a
democratização das relações do poder público com a sociedade civil, fundamentada na
participação popular, na democracia direta, incorporando os diferentes atores sociais no
exercício da cidadania, no direito à cidade e aos seus serviços”, que estariam sendo
efetivados, na educação, através do Projeto Escola Cidadã. Este, ao ser implementado, estaria
promovendo a “compreensão coletiva do conhecimento e a descentralização do poder,
construindo e transformando a escola em espaço permanente de prática democrática” em
disseminação no “corpo social” (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 2000).
Novamente, José Clóvis de Azevedo é citado, para corroborar que a Escola Cidadã
estaria se consolidando no cotidiano através da democratização do acesso ao ensino, do
conhecimento e da gestão. O discurso contra o neoliberalismo desaparece, e se diz que, desde
1996, se vêm trabalhando com a Secretaria de Educação (RS, na gestão de Britto, portanto) na
100
Citam-se ações relacionadas ao MOVA, à Educação Especial, ao Ensino Médio, e ainda, a expansão do
atendimento na Educação Infantil, visa convênios com creches comunitárias (10 novos), a expansão da proposta
por ciclos de formação para mais 25 escolas, mais 3.578 vagas (com a conclusão de 3 novas escolas) e o início
da construção de mais duas escolas decididas no OP de 1998. (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 1999)
101
Traduzidas nas políticas implementadas pela SMED (nas eleições de diretores, no repasse de recursos
trimestrais as escolas, no OP da escola Cidadã, na criação do Sistema Municipal de Ensino). Os argumentos
parecem indicar que apenas a implantação destes mecanismos efetivariam a gestão democrática (Idem, 1999).
163
unificação das matrículas. As bolsas de estudos, em 1999, teriam atingido 1.432 e a SMED
teria promovido a “integração destes alunos no mercado de trabalho”; realizou-se o II
Congresso das Escolas precedido de encontro dos Conselhos Escolares visando “aprofundar
as diretrizes educacionais que sustentam o projeto Escola Cidadã-Aprendizagem para todos”;
o 1
o
Encontro Brasileiro de Cidades Educadoras; implantado o Sistema Municipal de
Ensino
102
(PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 2000).
A quarta gestão da Administração Popular: 2001 a 2004
O Relatório de Atividades de 2001 foi realizado por outro grupo, pois com a eleição de
Tarso em finais de 2000, a equipe que estava à frente da SMED desde 1993 é substituída. Um
destaque, inicial, seria de que nos três (3) relatórios seguintes (2000, 2001 e 2002), se diz que
“a Prefeitura apresentou novamente um balanço equilibrado de suas finanças”, mas, no ano de
2003 tal referência não é feita
103
(PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 2001).
O relatório de 2001 diz que os desdobramentos das políticas da AP teriam na educação
os seguintes eixos: “o combate à pobreza absoluta, a radicalização da democracia e o
impulsionamento da inovação tecnológica no âmbito do desenvolvimento da economia local”.
Mais especificamente, na educação, “além de resgatar o acúmulo de 12 anos de trabalho”,
seria “dimensionando o alcance social das políticas até aqui desenvolvidas e diagnosticando
as mudanças necessárias para qualificar as escolas da Rede Municipal de Ensino”. Estas,
seriam necessárias, para se relacionar a construção do “Projeto Porto Alegre Cidade
Educadora” (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 2001).
Partia-se da compreensão de que a “educação não acontece apenas nos limites da
escola, mas no conjunto dos espaços educativos da cidade”. E, ao se referir ao sistema de
Ciclos de Formação no ensino fundamental, diz ser necessário continuar, mas aprofundá-lo, e
que, para isso as assessorias às escolas foram modificadas para “contribuir com a perspectiva
de Cidade Educadora” (de 7 NAIs para 4 zonais). Realizaram-se atividades de formação
permanente e organizou-se o Forum Mundial de Educação
104
(PMPA/SMED/Relatório de
Atividades, 2001).
102
O Relatório de 2000 é praticamente igual ao do ano anterior, ressalvando que, “o projeto de organização do
Ensino por Ciclos de Formação teve sua implantação consolidada até o final de 2000, atingindo todas as escolas
de Ensino Regular e de Educação especial”.
103
E neste ano se afirma o desequilíbrio financeiro da PMPA e o fim dos reajustes bimestrais aos funcionários.
104
Este evento foi bastante significativo e, ele, somente, poderia ser matéria de estudo e pesquisa. No entanto, na
perspectiva que venho trabalhando, os fatores determinantes aos processos que se configuraram e bases à
interpretação da tese aqui defendida, já estariam consolidados, e na medida em que, esta gestão foi pífia em seu
164
O relatório de 2002 reafirma os três eixos anteriores, da cidade educadora, de que a
escola ocorre também nos espaços fora da escola, na cidade, das ações realizadas e que dentre
estas promoveram-se “cursos de qualificação profissional no setor da construção civil” para
um grupo de cinqüenta jovens da rede municipal e das assessoria por áreas, por regionais e
outras ações foram destacadas (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 2003).
No Relatório de 2003, novamente a equipe da SMED é mudada, e assume o grupo que
tinha saído em 2000, e retornam, também, à “Escola Cidadã”, dizendo-se que ela vem sendo
construída “ao longo dos 15 anos de Administração Popular afirmando-se como referencial de
qualidade em educação no plano teórico, ético e político-pedagógico e obtendo
reconhecimento nacional e internacional”. Tal escola apresentaria um “avançado e
consolidado projeto de educação pública democrática e de qualidade social que busca inserir a
cidade no processo de apropriação autônoma do conhecimento construído pela humanidade,
concedendo o direito à educação como um compromisso assumido e não um privilégio de
poucos” (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 2004).
Tal projeto tinha três eixos (a democratização do acesso, mas com adendo da palavra
inclusão; a democratização do conhecimento, com adendo da palavra aprendizagem; e a
democratização da gestão). No primeiro item, se diz que, a escola por ciclos estaria ampliando
as vagas e matrículas através da central de vagas, bolsas, políticas de permanência, a merenda,
Ficais, e projeto da gestão anterior. No segundo, a democratização do conhecimento–
aprendizagem, diz-se que “pressupõe a garantia da inclusão como princípio e o sucesso
escolar como meta, pois compreendemos que a aprendizagem se constrói dialeticamente na
relação de ensinar e aprender a partir de saberes de cada indivíduo e de suas singularidades” e
que isto estaria sendo realizado pela “organização escolar por Ciclos de Formação”,
consolidada até o final de 2000. Finalmente, o terceiro item, seria o pilar de sustentação do
“Projeto político-pedagógico da SMED”. Neste, a escola seria um “um laboratório de
cidadania” e de participação ativa de todos através dos “conselhos escolares, das gestão dos
recursos materiais e financeiros, [das] orientações pedagógicas e gestão político-
administrativa das escolas” (PMPA/SMED/Relatório de Atividades, 2004).
tempo e mais ainda em suas realizações (com esta exceção!), pois, ao saírem em fins 2002, retornaram os antigos
gestores e pouco restou de evidências do que teriam produzido de novo.
165
As relações das atividades com a u-topia num governar de esquerda
Um primeiro aspecto que emergiu da sistematização das atividades realizadas foi que,
ao longo do processo, as proposições e até o discurso dos relatórios vão arrefecendo em sua
radicalidade, e adaptando-se ao funcionamento da lógica institucional.
No início da gestão de Esther Grossi, podemos perceber aspectos relacionados a sua
política voltada às classes populares e ao acesso e à aprendizagem. Mas, gradualmente, as
ênfases se relacionaram ao Construtivismo, às ações de efetivação da proposta e às últimas
novidades científicas. E, no ano de 1991, a implementação da proposta Construtivista é
relacionada aos índices de aprovação, que também será um recurso usado por José Clóvis
para corroborar que os ciclos de formação estariam dando certo. A ênfase à escola, enquanto
lugar de aprendizagem, destacado por Esther em inúmeros momentos, também pode ser
vinculada ao papel dos ativadores junto às escolas e aos professores para que estes se
“apropriassem” do Construtivismo, e assim, fazer com que os outros (os alunos) aprendessem.
No início da segunda gestão, em 1993, percebemos a referência à “qualidade e à
gestão democrática” e à autonomia, que as escolas tinham projetos plurais e que a gestão
democrática seria garantida em todas instâncias do sistema
105
e de que os conselhos escolares
e o eleição diretores seriam os instrumentos desta participação. Nos anos seguintes (1994-
1996) as ações desenvolvidas se relacionaram à gestão democrática e à escola cidadã, a
qualidade desaparece das referênciais principais. O projeto Constituinte Escolar e o
Congresso das Escolas deveriam contribuir, também, como espaços de produção dos novos
regimentos a serem concluídos em 1996 dessa escola. Duas alterações ocorreram, nesse
período.
O Congresso das escolas, marcado para final de 1994, somente ocorrerá em meados de
1995 e, depois, somente as escolas criadas pela SMED se organizaram em Ciclos de
Formação. Sobre esta última questão, no Relatório de 1996, se afirmou que inúmeros
regimentos foram enviados à SMED, e não sendo aprovados (?!), deduzo que somente
aqueles que referendassem a proposta da SMED seriam aprovados. É o que percebemos no
Relatório de 1997, e inclusive, ao ser fazer referência ao Regimento Padrão para as escolas.
Por sua vez, a ênfase, na gestão de José Clóvis, de que até o fim de 2000, todas as escolas
seriam por ciclos condicionam ou induzem-nos a interpretar que todas as atividades realizadas
relacionaram-se a este objetivo: ser implantado em todos as escolas regulares e de educação
especial.
105
Esta questão da gestão democrática em todas as instâncias do sistema foram citados até os relatórios de 1995.
166
A gestão de 2001 e 2002, a partir dos relatórios, será sem grandes novidades, com
exceção da realização do Forum Mundial de Educação pela transformação dos grandes
eventos internacionais. E, no ano de 2003, com o retorno e a reafirmação do desenvolvido de
1994 a 2000, e com pequenos adendos de palavras, não apresentam grandes novidades aos
impasses que vinham se configurando.
Ao chegar ao último relatório percebia um arrefecimento das “paixões” político-
pedagógica ou do “espírito” dos elaboradores dos primeiros. Naqueles, parecia que visavam
apresentar e evidenciar aspectos e ações das mudanças realizadas; a mesmice fica evidente na
continuidade, na permanência, na manutenção do que vinha sendo feito, sem grandes
novidades.
167
As leis educacionais do PT em Porto Alegre
Na análise política dos processos referentes às etapas da produção legislativa, desde a
formulação do projeto de lei até sua votação final e publicação, bem como a de posterior
regulamentação, percebem-se conflitos, tensões e interesses a partir das intervenções e
alterações da proposta de lei original até a versão final da votação. Nesta seção do texto, não
realizaremos toda esta análise, pois me deterei em lei de iniciativa do executivo ou de
vereadores da base do governo. Mas será dada atenção a alguns elementos de contexto, ou
seja, a antecedentes dos projetos de lei encaminhados pelo Poder Executivo Municipal de
Porto Alegre à Câmara de Vereadores; ao seu conteúdo e debates; e também ao tempo de
tramitação dos projetos de lei e ao tempo de sua regulamentação, i.e. da publicação da Lei até
o início efetivo de sua vigência ou implementação. Com isso pode-se perceber alguns
impasses ou divergências existentes entre grupos, nos diferentes espaços de poder.
Dos projetos de lei apresentados pelos governos da Administração Popular desde 1989
destacam-se os seguintes: A criação do Conselho Municipal de Educação (1991), dos
Conselhos Escolares (1993), a Eleição de Diretores (1995) e o Sistema Municipal de Ensino
(1998). Veremos, a seguir, aspectos da Lei maior da cidade (a Lei Orgânica Municipal)
elaborada antes das demais Leis, para em seguida apresentar e discutir o conteúdo das
mesmas.
A gestão democrática e a educação na Lei Orgânica Municipal
A produção da nova institucionalidade para o país, na “transição” da ditadura à
“democracia”, teve na elaboração da Constituição Federal (1988), na Constituição Estadual
(1989) e, finalmente, na cidade de Porto Alegre, na Lei Orgânica Municipal (1990), a
finalização deste processo. Destacarei da Lei Municipal (a Constituição Municipal), aspectos
relacionados à participação, ao poder popular e à gestão democrática.
A LOM de Porto Alegre, elaborada sob o governo do PT (a partir de 1989), e no bojo
das lutas por democratização do país, afirma a luta pela “construção de uma sociedade
soberana, livre, igualitária e democrática, fundada nos princípios de justiça, do pleno
exercício da cidadania, da ética, da moral e do trabalho” e o uso pleno “de sua autonomia
política, administrativa e financeira” (PMPA/Lei Orgânica Porto Alegre, 1991). Reconhece
que “todo o poder do Município emana do povo porto-alegrense, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Lei Orgânica”. Assim sendo, dentre os
compromissos dos gestores, destaca-se a “participação popular nas decisões” (Art. 6
o
, III) e
168
que os “bens de uso comum do povo” (Art. 14
o
) deverão ter um mínimo de “elementos
naturais e obras de urbanização”, bem como que o uso dos “bens municipais por terceiros”
deve ser estabelecido em decorrência de “ampla discussão com a comunidade local”. Neste
sentido, também é garantida a participação popular no planejamento e nas discussões do
Orçamento Municipal: “nas diversas esferas de discussão e deliberação” (art. 85, Parágrafo
Único) e o Poder Executivo, em Lei, determinará a “forma como se efetivará a
descentralização político-administrativa” (PMPA/Lei Orgânica, 1991, art. 86).
A participação popular é objeto do Capítulo VII, e se expressaria:
I - pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos; II - pelo plebiscito;
III - pelo referendo; IV - pela iniciativa popular; V - pela participação popular nas decisões do
Município e no aperfeiçoamento democrático de suas instituições; VI - pela ação fiscalizadora sobre a
administração pública; VII - pela tribuna popular” (art.97).
Os Conselhos Municipais são “órgãos de participação direta da comunidade na
administração pública, tendo por finalidade propor, fiscalizar e deliberar matérias referentes a
cada setor da administração”; já os Conselhos Populares deveriam ser reconhecidos pelo
Poder Público como “autônomos, não subordinados à administração municipal” e como
“instâncias regionais de discussão e elaboração de políticas municipais, formados a partir de
entidades representativas de todos os segmentos sociais da região” (Art. 101). É crime o
prefeito agir contra o “o livre funcionamento dos conselhos populares” (art. 96, VII)
106
.
Na parte relacionada à educação, constam o “direito de todos e dever do Estado, da
família e da sociedade” e princípios de “democracia, justiça, liberdade. Solidariedade e
respeitos aos direitos humanos e do meio ambiente”, tendo como finalidade:
I - o exercício de uma cidadania comprometida com a transformação social livre de qualquer
preconceito e discriminação, contrária a todas as formas de exploração, opressão e desrespeito aos
outros homens, à natureza e ao patrimônio cultural da humanidade;
II - o preparo do cidadão para a reflexão, a compreensão e a crítica da realidade social, tendo o trabalho
como princípio educativo, mediante o acesso à cultura e aos conhecimentos científicos, tecnológicos e
artísticos historicamente acumulados (Art.177). [...]
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas
VI - a gestão democrática (PMPA/LOPA, Art.178)
A garantia de “pais, professores, alunos e funcionários organizarem-se em todos os
estabelecimentos de ensino municipal, através de associações, grêmios e outras formas” está
106
A LOM estabelece a garantia da “participação da comunidade, a partir das regiões do Município, nas etapas
de elaboração, definição e acompanhamento da execução do plano Plurianual, de diretrizes orçamentárias e do
orçamento anual” (PMPA/LOPA, 1991, Art.116, I).
169
no art.181; e a responsabilização da “autoridade educacional que embaraçar ou impedir a
organização ou o funcionamento das entidades referidas neste artigo” no seu Parágrafo Único.
O Art. 182 aponta especificamente que as escolas municipais contarão com “conselhos
escolares, constituídos pela direção da escola e representantes dos segmentos da comunidade
escolar, com funções consultiva, deliberativa e fiscalizadora”; e o Art. 183 que,
trimestralmente, o município promoverá a “transferência de verbas às escolas públicas
municipais, garantindo-lhes autonomia de gestão financeira, através de sua competência para
o ordenamento e execução de gastos rotineiros de manutenção e custeio”. Ainda, proíbe-se
“às direções, aos conselhos de pais e mestres e aos conselhos escolares de escolas públicas
municipais a cobrança de taxas e contribuições para manutenção e conservação das escolas”
(Art.185). As escolas deverão “ter um regimento elaborado pela comunidade escolar,
homologado pelo conselho da escola e submetido a posterior aprovação do Conselho
Municipal de Educação” (Art. 189).
Como se percebe os princípios democráticos e de participação popular mais à feição
do PT e dos partidos de esquerda, no bojo do processo de democratização, puderam ser
inscritos ainda na Lei Orgânica Municipal de 1990. Igualmente, observa-se na Lei Orgânica
Municipal de Porto Alegre a incorporação dos mais caros preceitos defendidos pelo Forum
em Defesa da Escola Pública na Constituinte e pelos partidos de esquerda.
A Lei do Conselho Municipal de Educação
Se da breve descrição da LOM, acima, podemos perceber aspectos de garantia da
participação e da democratização da/na cidade e na/da educação, nas partes seguintes veremos
seus desdobramentos em Leis que aprofundam e garantem a efetivação daqueles princípios
jurídico-legais instituídos na Lei maior da cidade. Iniciaremos pela Lei do Conselho
Municipal de Educação, criado através da Lei Complementar n. 248, de 1991, é criado o
Conselho Municipal. São suas competências:
a) elaborar o seu regimento interno; b) zelar e incentivar o aprimoramento da qualidade de ensino no
município; c) promover o estudo da comunidade, tendo em vista os problemas educacionais; d)
estabelecer critérios para a conservação e, quando necessário, ampliação da rede de escolas a serem
mantidas pelo município; e) estudar e sugerir medidas que visem à expansão e ao aperfeiçoamento do
ensino no Município; f) traçar normas para os planos municipais de aplicação de recursos em educação;
g) emitir parecer sobre: assuntos e questões de natureza educacional que lhe forem submetidos pelo
Poder Executivo Municipal; Concessão de auxílios e subvenções educacionais, convênios, acordos ou
contratos relativos a assuntos educacionais que o poder Público Municipal pretenda celebrar; h)
estabelecer critérios para concessão de bolsa de estudos a serem custeadas com recursos municipais; i)
manter intercâmbio com o Conselho Estadual de Educação e com os demais conselhos municipais de
educação; j) exercer as atribuições que lhe forem delegadas pelo Conselho Estadual de Educação; 1)
aprovar e fiscalizar a aplicação trimestral dos recursos destinados à manutenção e ao custeio do ensino
em conformidade com o § 2° do art. 183 da Lei Orgânica Municipal; m) traçar normas para os planos
municipais de educação, conforme o art. 216, § 2° e § 4° da Constituição Estadual, bem como o art. 34,
inciso III das Disposições Transitórias da mesma. (PMPA/Câmara Municipal, Lei n. 248/1991, art.6
O
)
170
É interessante notar que, apesar de estar entre suas atribuições “traçar normas para os
planos municipais de educação”, desde 1991, isto nunca foi realizado. Apenas em agosto de
2004, o CME e a SMED começaram um processo de discussão visando elaborar o Plano
Municipal de Educação, que não progrediu até agora, com a nova administração. Além disso,
em muitas ocasiões têm sido discutidos os limites e complementaridades das atribuições do
Conselho Municipal e do Poder Executivo que, às vezes, em suas práticas, parecem estar
motivados pela idéia de instituírem-se mutuamente num mesmo poder devido às afinidades
políticas entre ambos.
O Decreto nº. 9.954 (PMPA/Câmara Municipal, Decreto 9954, 1991) estabelece a
composição do CME, com quinze membros, dos quais dez são professores e apenas cinco dos
demais segmentos (pais, alunos e funcionários), fato que por si só já daria hegemonia
quantitativa ao servidores em detrimento dos usuários desse serviço público municipal. O
Prefeito Municipal designará livremente três representantes dos professores (2 da SMED e 1
da comunidade educacional); 7 professores serão indicados por sindicatos da própria
categoria (5 da ATEMPA, 1 do SINPRO e 1 do CPERS)
107
. O restante do CME é integrado
por um membro da comunidade educacional de Porto Alegre; um membro indicado pelos
estudantes de Porto Alegre; um membro pela União das Associações de Moradores de Porto
Alegre; um membro pelos funcionários de escolas municipais, através de sua entidade de
classe; e dois membros indicados pelos pais de alunos, através de sua entidade.
A partir do descrito anteriormente que, esta Lei (CME) e sua composição teve uma
motivação democratizante maior, nesse período, em decorrência do fato de que os grupos (e
seus representantes) que as elaboraram estavam fora do poder executivo municipal de
educação. Assim podemos perceber, que a composição majoritária de professores e as
atribuições do conselho decorreram de divergências com Esther Grossi. De forma explícita, os
grupos de opinião que questionavam e queriam constituir um espaço de contestação à sua
gestão tiveram nestas Leis espaços de instituição legal de tais possibilidades. Nas gestões
seguintes, tais grupos de opinião, tendo representantes docentes da ATEMPA, do CPERS e do
SINPRO no CME assumem espaço na SMED, a garra e a combatividade anterior
transformam-se em cooperação, trabalho conjunto e ponderações mais radicalizadas.
107
Na ocasião, a ATEMPA, que era controlada pelos grupos contrários à Secretária Esther Grossi, indicaria 5 e
poderia ampliar seu espaço com mais 1 dos professores representantes do Poder Executivo. Além disso, o
CPERS e o SINPRO poderiam, ainda, aumentar a representação dos mesmos grupos políticos.
171
A Lei de Eleição de Diretores e sua regulamentação
A eleição de diretores sempre foi uma proposta que esteve presente nas proposições do
PT. Durante a gestão de Esther Grossi uma lei instituía a eleição de diretores pelo colegiado.
Na segunda gestão, a Lei nº. 7.365, de 1993, institui a eleição direta para Diretores e Vice-
Diretores e extinguiu o colegiado escolar, estabelecidos pela Lei nº. 5.693, de 26 de dezembro
de 1985, e pela Lei nº. 7.165, de 16 de outubro de 1992 (PMPA/Câmara Municipal, Lei 7365,
1993). A Lei foi regulamentada no Decreto nº. 11.295, publicado somente em 03/08/1995
(PMPA/Câmara Municipal, 1995).
A análise do texto da Lei e do Decreto evidencia, nos termos do Art. 1
o
, que fica
“consolidada e assegurada, efetivamente, a eleição direta para as funções de Diretor e Vice-
Diretor(es) das unidades de ensino da rede municipal”, ambos serão eleitos pela comunidade
escolar, através de voto secreto universal e com peso proporcional, paritariamente, atribuindo-
se 50% aos professores e funcionários e 50% aos pais e alunos.
108
Será constituída uma
comissão para 'dirigir' o processo eleitoral. O candidato a diretor deverá entregar “à Comissão
Eleitoral, no ato de inscrição de sua chapa, síntese do plano ou programa de trabalho que
pretende executar”, não sendo permitida “a participação de elemento estranho à comunidade
escolar no processo eleitoral”. O período de gestão é de “03 (três) anos e a posse ocorrerá em
até 30 (trinta) dias após promulgação dos resultados, em data a ser marcada pela Secretaria
Municipal de Educação (SMED)” (PMPA/Câmara Municipal, Decreto 11.295, 1995).
A Lei cria os instrumentos e apresenta um processo que abre possibilidades à
democracia; induz à participação com a discussão dos projetos dos candidatos, mas confere à
SMED controle do processo e impede a participação da comunidade mais ampla. Novamente
observa-se certa contradição com os relatórios e a manifestação dos dirigentes da SMED, que
diziam pretender com a gestão democrática extrapolar os muros da escola (ver AZEVEDO,
2000) pois restringe apenas aos alunos e seus responsáveis, além do corpo docente e
administrativo, a discussão e a participação da escolha dos diretores, embora faça referência a
que o processo eleitoral visaria a “participação efetiva de todos os segmentos da
comunidade”, com “caráter formativo, democrático e transparente” e para contribuir com “o
processo coletivo de construção do projeto político-pedagógico” da “Escola Cidadã” (ver
AZEVEDO, 2000 e KRUG, 2002).
108
Terão direito a votos todos os alunos maiores de 10 anos e um dos pais ou responsáveis legais pelo aluno
menor de 18(dezoito) anos, perante a escola; todos os membros do magistério e os servidores públicos em
efetivo exercício na escola no dia da eleição.
172
Há também outros dispositivos práticos ao processo que podem ser considerados
diretivos, como: (1) os candidatos membros do magistério têm de ter “tempo mínimo de 02
(dois) anos de exercício de magistério, para o qual será levado em conta o período trabalhado
nos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e particular”; (2) os membros da
“Comissão Eleitoral” serão determinados pelo “Conselho Escolar e, na falta deste, pela
Direção”; (3) a eleição indireta do vice em caso de vacância do mesmo, que “incumbe ao
Diretor, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, contados da vacância da função do Vice-Diretor,
apresentar lista tríplice ao Conselho Escolar, que elegerá o substituto em 03 (três) dias úteis,
contados de seu recebimento” (PMPA/Câmara Municipal, Decreto 11.295, 1995).
Destaco que houve um tempo de 2 anos, entre a publicação da Lei e sua
regulamentação, que é contraditório com o discurso dos gestores da SMED do período, em
relação à importância da gestão democrática e da própria Lei.
A Lei dos Conselhos Escolares
Os Conselhos Escolares foram instituídos pela Lei Complementar nº. 292, de janeiro
de 1993 (PMPA/Câmara Municipal, Lei 292, 1993), em cumprimento ao disposto no Art. 182
da Lei Orgânica do Município. Em cada unidade municipal de ensino, será composto “pela
direção da escola e representantes dos segmentos da comunidade escolar”, sendo a
comunidade escolar entendida como “o conjunto de alunos, pais e responsáveis por alunos,
membros do magistério e demais servidores públicos em efetivo exercício na unidade escolar”
(PMPA/Câmara Municipal, Lei 292, 1993, Art.1
o
). Dentre as atribuições do Conselho Escolar
estão:
III - criar e garantir mecanismos de participação efetiva e democrática da comunidade escolar na defini-
ção do projeto político-administrativo-pedagógico da unidade escolar; (IV) - propor, coordenar a
discussão junto, aos segmentos da comunidade escolar e votar alterações no currículo escolar. no que
for atribuição da unidade, respeitada a legislação vigente; (VIII) - propor, coordenar a discussão junto
aos segmentos e votar as alterações metodológicas, didáticas e administrativas da escola, respeitada a
legislação vigente; (Parágrafo Único) ) definição das questões pedagógicas, deverão ser resguardados os
princípios constitucionais, as normas e diretrizes dos Conselhos Federal, Estadual é Municipal de
Educação e da Secretaria Municipal de Educação. (PMPA/Câmara Municipal, Lei nº. 292, Art. 3º,
1993)
Portanto, ao Conselho Escolar, órgão máximo da escola municipal cabe a definição do
projeto político-pedagógico da escola; no que se verificou muitas vezes a intervenção por
ações marcantes da política educacional na AP: Esther Grossi não poderia ter determinado
que as escolas fossem construtivistas, José Clóvis de Azevedo não poderia determinar que se
organizassem unicamente em ciclos de formação. Até porque a Lei Municipal atende a
173
legislação federal (a LDB) que possibilita a organização curricular em diferentes
modalidades, sendo os ciclos apenas uma delas; e também reserva às escolas e aos professores
a decisão sobre o projeto pedagógico. Ademais, nessa matéria incide o princípio
constitucional legal de pluralidade de idéias e concepções pedagógicas (CF, Art. 206,III).
Cabe, a respeito questão, a observação de que pessoas/grupos que propuseram esta Lei,
visando garantir a autonomia da escola e de seu projeto, quando exerceram cargos na SMED
trabalharam para que todas as escolas tivessem organização em ciclos e muitas outras regras
gerais.
A Lei do Sistema Municipal de Ensino
A Lei nº. 8.198, publicada em 26/08/1998, criou o Sistema Municipal de Ensino de
Porto Alegre (PMPA/Câmara Municipal, Lei 8198, 1998) com base na Lei Diretrizes e Bases
da Educação, de 1996, que facultou aos municípios organizarem seus respectivos sistemas de
ensino. A partir deste ato, o Poder Executivo Municipal passou a não mais depender de
autorização do Conselho Estadual de Educação para a criação de escolas e passou a ter
competência de regulação e supervisão das instituições privadas de Educação Infantil no
Município. Assim sendo, o Município evocou a si maiores atribuições de gestão da educação
na cidade, conquistou maior autonomia na organização do ensino.
A Lei estrutura e organiza o sistema municipal de ensino integrando nele:
I - As instituições de ensino fundamental, médio, de educação infantil e educação profissional mantidas
pelo Poder Público Municipal;
II- As instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada;
III - o Conselho Municipal de Educação;
IV - a Secretaria Municipal de Educação (PMPA/Câmara Municipal, Lei nº. 8.198, Art. 5
o,
1998)
Para a organização curricular e administração do ensino estabelece:
As instituições de ensino fundamental organizar-se-ão por ciclos de formação e todas as formas de
organização do ensino que propiciem uma ação pedagógica que efetive a não exclusão. O avanço
continuado através da garantia do respeito aos ritmos e tempos de aprendizagem de cada aluno. A
construção do conhecimento através da interdisciplinaridade de forma dinâmica, criativa, crítica;
contextualização, investigativa, prazerosa, desafiadora e lúdica (idem, Art.13). As instituições dos
diferentes níveis devem construir, coletivamente, com os diversos segmentos da comunidade escolar,
seus Regimentos Escolares ( PMPA/Câmara Municipal, Lei nº. 8.198, Art. 15
o,
1998).
Como se pode facilmente observar, a Lei determina a organização curricular das
escolas municipais de Ensino Fundamental em ciclos de formação (Art.13), mas acrescenta de
forma pelo menos intrigante e polêmica “e todas as formas de organização do ensino que
174
propiciem uma ação pedagógica que efetive a não exclusão”. Esta redação é denotativa de
valores pedagógicos democráticos (como a “não exclusão da escola”), mas sem dúvida
também de dificuldades de expressão ou decisão dos seus autores. De qualquer modo, a Lei
Municipal é muito mais indicativa (ou melhor dizendo, restritiva) que a LDB e as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. E, inclusive, como antes comentado,
diante do princípio constitucional federal que é reiterado no próprio Art.30, II, desta Lei que
estabelece “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas” (PMPA/Câmara Municipal,
Lei 8198, 1998).
Outro ponto controverso seria o Art. 4
o
, sobre os fins da educação, que revela uma
perspectiva liberal, tributária da Revolução Francesa e da modernidade ocidental: (I) “pleno
desenvolvimento do ser humano e seu aperfeiçoamento”; (II) a “formação de cidadãos
capazes...”; (III) ou “preparo do cidadão para o exercício da cidadania...”. Todos estes itens
partem do pressuposto de que a Lei e seu executor, o Estado, induziriam a produção de
cidadãos capazes, perfeitos etc., em conformidade àquilo que o Estado (e o sistema)
estabelece como o correto, o justo, o verdadeiro (PMPA/Câmara Municipal, Lei 8198, 1998).
É evidente que, se compararmos com a perspectiva de regulação com àquela expressa
antes por Tarso Genro e Raul Pont sobre o Orçamento Participativo e o papel do Estado, tal
perspectiva certamente seria correta. No entanto, sendo assim, por outro lado, colocaria em
questão o caráter libertário e democrático do projeto socialista do PT que transferia das
classes poderosas ao Estado o controle da sociedade.
A gestão democrática do ensino público é instituída, no Título IV, Art. 16 ao 18,
destacando o “Congresso Municipal de Educação como Forum máximo de deliberação”, a ser
realizado, no mínimo uma vez, a cada gestão municipal. Por outro lado, sua convocação ficou
a cargo da SMED, portanto, sob controle do Estado/governo (PMPA/Câmara Municipal, Lei
8198, 1998).
Reafirma a eleição para diretor das escolas municipais de forma direta e uninominal
“com participação de todos os segmentos de comunidade escolar” e a “autonomia da
comunidade escolar para definir seu projeto político pedagógico”.
Ressalta-se, ainda, que:
As escolas terão autonomia de gestão financeira, garantida através de repasses de verbas, a partir de
Plano de Aplicação, em conformidade com o Projeto Político-Administrativo Pedagógico da escola,
mediante prestação de contas, aprovado pela Mantenedora e pelo Conselho Escolar, conforme
legislação vigente. (PMPA/Câmara Municipal, Lei 8198, Art. 18, 1998)
O Conselho Municipal de Educação é definido como o “órgão consultivo, normativo,
deliberativo e fiscalizador”, tendo como competências:
175
I - fixar normas, nos termos da Lei, para: o currículo dos estabelecimentos de ensino; a elaboração de
regimentos dos estabelecimentos;
II - aprovar: o Plano Municipais de educação, nos termos da legislação vigente; os Regimentos e Bases
Curriculares das Instituições do Sistema Municipal de Ensino; acompanhar e avaliar a execução dos
planos educacionais do Município; manifestar-se sobre assuntos e questões de natureza pedagógica, que
lhe forem submetidos pelo Prefeito ou Secretário de Educação e de entidades de âmbito municipal
ligadas à educação. (PMPA/Câmara Municipal, Lei 8198, 1998)
Curiosamente (ou reveladoramente), nada foi estabelecido sobre a relação destas
atribuições com as do Congresso Municipal de Educação. Mas, também, fica aquém das
atribuições indicativas na LOM, referente aos Conselhos Municipais de “propor, fiscalizar e
deliberar matérias referentes a cada setor da Administração” ((PMPA/Câmara Municipal, Lei
8198, Art. 18, 1998, art. 101).
Legislação: consolidação de conquistas democráticas ou “camisa de força”?
A análise das leis municipais elaboradas nesse período possibilita verificar como a
educação em Porto Alegre avançou em sintonia com as propostas de democratização, mas
também permite identificar certas contradições que eivaram o ambiente político dos processos
de sua produção e outras situações ou limites específicos, comentados nos itens anteriores.
Podemos, ainda, contextualizar as leis e seus processos de produção com o que foi discutido
nos capítulos anteriormente, ou seja, com o que as escolas municipais e os acadêmicos
ponderaram sobre as políticas desenvolvidas, na interpretação dos sentidos e dos limites das
concepções teóricas e práticas do PT e dos incumbidos da AP . No entanto, restringindo-me
às leis e seus processos, busco fazer outras considerações.
Uma questão é sobre o lugar que os propositores das leis ocupavam, quando o fizeram
e suas motivações. Exemplifico, com a Lei do Conselho Municipal de Educação e dos
Conselhos Escolares, elaboradas e propostas por grupos de petistas que estavam fora do Poder
Executivo. Tem-se, no caso, exemplos de ampliação e de potencialização dos espaços e
instrumentos de participação na decisão e exercício da democracia na rede municipal de
ensino; comprova-se a possibilidade de fiscalização, controle e problematização das políticas
conduzidas pelo Executivo. Ao ocuparem espaços de poder (o Executivo), Esther Grossi foi
criticada por sua imposição do Construtivismo e José Clóvis, pela imposição dos Ciclos.
Outro aspecto é que no Relatório da gestão de 1994 a 1996, não foi possível perceber
proposições que colocassem em risco o Sistema, ou que pudessem ser classificadas como de
contraposição ao neoliberalismo, identificado no Governo Federal e nas orientações de
organismos internacionais, segundo discursos e artigos dos gestores da SMED, em especial do
176
Secretário de Educação. Os princípios estabelecidos na Lei do SME, como mostrei, não
avançaram sobre as disposições constitucionais da década de 1980 e a LDB; pelo contrário,
fazem uma opção de poderes mais centralizados e por uma forma padrão de organização
curricular. Além disso, apesar da apologia da Lei de Eleição de Diretores, nos relatórios de
atividades, ela somente foi regulamentada dois anos após aprovada, constituindo-se num
discurso que não se traduziu em rapidez na implementação.
Em suma, não posso deixar de apontar contradições ou opções mais limitadas entre a
Lei Orgânica Municipal, a Lei do Sistema e a Lei dos Conselhos Escolares, em termos da
autonomia da escola para elaborar seu projeto pedagógico, definir sua organização curricular
e a tutela da SMED em alguns dispositivos regulatórios sobre escolas municipais e seus
professores/as.
177
7 - ESTUDOS ACADÊMICOS SOBRE A EDUCAÇÃO EM PORTO
ALEGRE
Quanto à reprodução do conhecimento,
ela comporta não somente a reprodução das relações sociais (através da relação: professor/aluno)
mas de ideologias, misturadas aos conceitos e teorias,
em forma de temas, de citações reveladas ou escondidas,
de ‘pesquisas’, de perspectivações,
de redundâncias, elas próprias misturadas às informações,
de reduções mais ou menos opostas etc.
Uma certa relação entre o saber e o não-saber que a ideologia mantém juntos se transmite também.
Principalmente no que concerne ao marxismo, à cidade etc.
Henri Lefebvre, 1999.
Um levantamento, relativamente exaustivo, resultou na identificação de 30 trabalhos
acadêmicos acerca das políticas educacionais desenvolvidas ao longo dos governos nas
Administrações Populares (1989-2004), em Porto Alegre. Em sua maioria, o material
sistematizado é de pesquisadores e professores da UFRGS (FACED e ESEF)
109
.
109
Destes 30 trabalhos, analisei 27, sendo um realizado na Unisinos (por KRUG, 2002). O levantamento foi feito
em 2001, e ampliado em inícios de 2003, tendo incorporado alguns trabalhados em 2004. Ele não pretende ser
um “estado da arte” ou um panorama da totalidade dos estudos sobre a educação, no entanto, apresenta uma
“mostra” representativa, e significativa, à qual me possibilitou fundamentação às conclusões desta tese. Os
seguintes trabalhos não incluídos nesta versão final: ALESSANDRINI, 1998; PERONI, 2002, por tratarem de
temas não diretamente ligados à pesquisa realizada neste trabalho.
178
A organização da apresentação, decorrente da sistematização realizada, seguiu a
ordem cronológica e tipo do trabalho (tese, dissertações, pesquisas, artigos, e assim por
diante), conforme representado no quadro abaixo.
Quadro 6: Estudos acadêmicos sobre Porto Alegre
Categoria Quantidade Ano/autor
Tese 4 POOLI, 1999; XAVIER, 2003; CARVALHO, 2000; M. BECKER, 1998
Dissertação
8
MACHADO, 1999; GUNTER, 2000; WITTIZORECKI, 2001;
RODRIGUEZ, 2002; LINCH, 2002; KRUG, 2002;.BOSSLE, 2003;
MEDEIROS, 2003.
Monografia
Especialização
3
MISTRELO, 2000; MEDEIROS, 2000; R CARVALHO, 2002.
Trabalho ou
pesquisa em
anais
2
CENPEC/UNESCO, 1993; CARVALHO, 2001.
Artigo
acadêmico
científico
12
ARROYO, 2004; FISCHER, 2004; MOLL, 2004a; 2004b; M. BECKER,
2004; XAVIER, 2004; MOLINA e NETO, 2004; BECKER, 2004a,
2004b; MOREIRA, 2004; TITTON, 2004; COSTA e POOLI, 2004.
Total 29
No entanto, ao avançar na reflexão do estudo, organizei-os em 3 grandes partes com
subdivisões. Na primeira, apresentava como as políticas educativas eram vistas desde a
perspectiva dos acadêmicos, desde a SMED e desde as escolas; na segunda, discutia o
Construtivismo e os Ciclos de Formação; e, na terceira, aspectos específicos das políticas e
discutia como as classes populares eram vistas nas políticas educativas da Administração
Popular. Esta foi a versão apresentada à banca.
No entanto, o referido material, apresentava-se mais como um relato do que uma
discussão e reflexão do pesquisador com o conteúdo do material empírico. Foi assim, que por
sugestão da orientadora (e depois pela banca), reorganizei o material como segue.
Dividi-o, em duas grandes partes, com pequenas subdivisões e uma final com
considerações sobre o apresentado. Na primeira parte, que chamarei – desenvolvimento e
implantação das políticas municipais de educação em Porto Alegre - apresentarei aspectos
relacionados à primeira gestão (1989-1992), mais particularmente, as políticas desenvolvidas,
(o Construtivismo) seguido da discussão dos conflitos na transição da 1
a
a 2
a
gestão do PT
em educação na cidade (1992-1993); da Escola Cidadã na 2
a
e na 3
a
gestão (1994-2000),
transformada em escola organizada em Ciclos de Formação e aspectos da 4
a
gestão (2001-
2004). Finalmente, faço considerações sobre a/as (des)continuidade/s nas quatro gestões. Na
segunda parte, apresento e discuto como as escolas e os professores perceberam e se
manifestaram sobre a “proposta” de ciclos e seu processo de implantação, seguida da
discussão da concepção de classes populares presente nas políticas da Administração Popular.
179
I - Desenvolvimento e implantação da política de educação nas gestões do PT
O Construtivismo na primeira gestão
O estudo patrocinado pelo CENPEC/UNICEF (1993) destacou que a proposta
desenvolvida em Porto Alegre na gestão de Esther Grossi (1989-1992) foi “adequada às
crianças das classes populares”, com uma “política de capacitação definida” e “assessorias às
escolas”
110
. Assim se manifesta a coordenadora do CENPEC, co-patrocinadora da pesquisa:
uma proposta adequada à alfabetização de crianças das classes populares, na qual o aluno é o próprio
sujeito de sua aprendizagem, construindo conhecimentos a partir de suas experiências e onde o
professor é o mediador do processo [...] um projeto arquitetônico de escola adequado à sua concepção
de ensino-aprendizagem, onde os espaços foram organizados, de tal forma a facilitar e promover a
constituição do grupo e a interação das pessoas em sala de aula e da escola como um todo. [...] uma
política de capacitação definida, com ações permanentes, que vão desde o trabalho dos supervisores
junto aos professores, na unidade escolar, até a realização de cursos, a edição de revistas e cadernos
pedagógicos e grandes eventos, atingindo a todos os profissionais da rede municipal.
(CENPEC/UNICEF, 1993, p.35-39)
Também Alfredo Veiga-Neto, professor da UFRGS, no relatório da pesquisa, conclui
dizendo que esta gestão combinou “uma proposta pedagógica” com a melhoria “das
instalações” e a “inovação do processo de gestão”. Com efeito, já neste período, percebe-se
melhoria nos indicadores de aprovação e de redução da evasão escolar, principalmente, nas
séries iniciais do Ensino Fundamental:
A existência de uma proposta pedagógica é tão importante para um ensino de qualidade quanto a
melhoria das instalações e a inovação nos processos de gestão; a mudança das relações interpessoais
dentro da escola como resultado da participação e compromisso cria condições para o melhor
funcionamento das escolas; a criatividade pode ser atributo de qualquer administrador.
(CENPEC/UNESCO, 1993, v.1, p.21-22)
João Paulo Pooli (1999) aponta como fatores da melhoria da qualidade educacional
prestada à ação direta nas escolas (no que também concorda Maria Luiza Becker, 2004), os
cursos e os grandes eventos de formação e discussão da política educacional oferecidos aos
professores, e por fim, a clareza da proposta recomendada:
110
Ativação Curricular eram “grupo de assessores [...] junto aos professores e discutindo a proposta com a
comunidade escolar”; “Realizava assessoria semanal, primeiro na 1
a
série do 1
o
grau; e em 1990, já eram 65%
dos educadores da rede municipal que trabalhavam com a proposta [...], estes constituíam as “Vanguardas
Pedagógicas”, compostas de professores, supervisores ou orientadores, e foram formados e assessorados pela
UFRGS, PUC e GEEMPA com recursos do Ministério da Educação (CENPEC/UNICEF, 1993, p.42).
180
A ação pedagógica construtivista tinha grande impacto na comunidade em geral pelos resultados que
apresentava, reduzindo drasticamente a reprovação e evasão nas séries iniciais do sistema de ensino
público municipal. Através de uma ação direta junto às escolas, cursos de aperfeiçoamento, grandes
eventos educativos, a proposta se consolidou como modelo a ser seguido (CM) com grande
popularidade. Este modelo não contemplava diretamente um projeto de democratização e ampliação
para toda a rede dos efeitos positivos do construtivismo. (POOLI, 2004, p.188-189)
No entanto, a proposta ficou restrita aos anos iniciais do ensino municipal, não se
estendendo às demais etapas e modalidades de ensino, como foi apontado pelas tendências
Internas do PT, “deixaram em aberto uma discussão sobre a validade de políticas circunscritas
a zonas especiais de atendimento, que não eram estendidas ao sistema como um todo, que era
parte do projeto político-pedagógico do PT” (POOLI, 2004, p.188-189).
Para além disso, também, a questão da democratização não teria sido desenvolvida
nessa gestão É o que analisa, Pooli (1999), relacionado-o aos aspectos da democracia e da
transição num governo de esquerda, dizendo não ser
tarefa fácil em configurações sociais marcadas por estruturas autoritárias e historicamente construídas.
O desenvolvimento de programas de gestão pública da educação somente pode ter um caráter
democrático, se permanecerem críticos, tendo como ponto de partida a escuta sensível e dialógica da
sociedade. (
POOLI, 1999, p.4)
É o que, igualmente, aponta Isabel Medeiros (2000, 2003), ao estudar a gestão
democrática na sua inter-relação entre contexto global e local, através do estudo da relação de
uma escola municipal, suas relações internas e espaços de participação com o sistema de
ensino (Ibidem, p.3-4). Diz ela, que foi o sindicato que tomou a iniciativa da gestão
democrática no governo de Esther Grossi.
[Foi a] ATEMPA, Associação de Trabalhadores em Educação da Rede Municipal, que encampava as
reivindicações sindicais específicas da categoria, organizou a luta pela gestão democrática na rede de
ensino, mobilizando para a construção destes “pilares fundamentais”: os conselhos escolares, a eleição
direta para diretor e a descentralização de recursos. (MEDEIROS, 2000, p.11; 2003, p.19)
Em 1991 se discutiram os conselhos escolares a partir de projeto de Lei apresentado
pelo vereador José Valdir (PT), gerando polêmica da SMED com alguns vereadores:
Uma questão bastante polêmica, [entre muitos professores e na própria Secretaria Municipal de
educação] foi a proposição da função deliberativa nas questões pedagógicas, sob o argumento de que
esse aspecto demandaria o conhecimento especializado de professores, constituindo-se impertinente,
pois, alunos e funcionários poderem deliberar sobre questões de ‘competência técnica’. Esta posição foi
derrotada na votação do projeto. (Ibidem, 2003, p.12)
181
Maria Luisa Becker (M. BECKER, 2004) ao examinar as convergências encontradas,
na sua tese (1998), sobre a relação da epistemologia genética e a prática pedagógica
(Alfabetização Construtivista, 1989-1992) com os resultados da pesquisa de Jaqueline P.
Linch (2002) sobre a Escola Cidadã (1999-2001) evidencia elementos do impacto da política
pedagógica construtivista no cotidiano da escola e da sala de aula. A prioridade, na primeira
gestão, era de que a aprendizagem afetivamente ocorresse:
A orientação que se enfatiza como marca para a escola era: ‘todo mundo que entra aqui pode aprender,
vamos fazer por onde esse pessoal possa aprender’ e os professores brigavam muito com isso,
argumentando que os alunos eram muito difíceis, que eles não tinham suporte para isso. Então, se
iniciou um grande investimento para dar suporte para eles. (MEDEIROS, 2003, p. 222-223)
No entanto, os “depoimentos sobre as intervenções” na efetivação deste suporte
mostravam um “ideário preconceituoso dos professores e a pouca disponibilidade dos
mesmos para acolher dificuldades inerentes ao processo de mudança”, talvez decorrente da
complexidade teórica da proposta, do pouco tempo necessário às transformações docentes ou
da “insegurança [...] de sustentar “dogmas”, como o de que “todos são capazes de aprender”.
Vemos isso na fala de uma professora:
... eu acho que havia alguns dogmas que a gente acabava tendo que sustentar como o de que toda a
criança aprende, não é? Mas se a criança não aprende, o problema está na relação estabelecida no
contexto, na relação com o professor e com a escola. Eu acho que às vezes uma criança não aprende
mesmo, e a questão tem de ser buscada na própria criança. Não que isso não fosse feito em algum
momento, mas havia sempre um movimento de primeiro buscar na escola a causa. E a escola resistia
muito a isso, fazia o movimento oposto. Acabava sendo o encontro de duas forças em choque. (M.
BECKER, 2004, p. 225)
Titton (2004), também ao analisar as intervenções políticas e pedagógicas da SMED
nas escolas, entre 1989 e 2002, evidenciou descontinuidades e rupturas.
É possível reconhecer, nos projetos pedagógicos das escolas, a influência dessas políticas e os reflexos
das descontinuidades e rupturas. A vivência desses projetos revela a construção de conhecimento por
parte dos docentes. O grande desafio, no entanto, é a construção e a manutenção desses projetos
pedagógicos, considerando as inúmeras interferências exercidas pelos diferentes gestores da Secretaria
de Educação, ao longo desses anos. (TITTON, 2004, 113)
De fato, no primeiro governo do PT, em 1989, o slogan na SMED era “Coragem de
mudar em educação” e suas “ações são desencadeadas no sentido de um amplo processo de
inclusão de alunos, de professores, de funcionários e de pais. Começa aí um movimento de
desconstrução, reconstrução e construção de concepções e de práticas” (TITTON, 2004,
p.114). Sendo assim, a pedagogia do construtivismo “passou a construir um modo de ser” e a
182
“condenar outros métodos de alfabetização, crucificar e culpar os que insistiam em continuar
ensinando do mesmo jeito” (TITTON, 2004, p.116).
Os professores, por sua vez, ficaram insatisfeitos em decorrência da “forma autoritária
como esses assessores conduziam os estudos nas escolas, de certa forma excluindo os que não
se dispunham a realizar mudanças em suas práticas” (Idem, p.120). Conjuga-se a isso, a falta
de destaque nestas políticas e relações com as escolas da questão social (das classes sociais,
da questão de gênero, étnica, da cultura, etc.) como deveria, pois restritos ao âmbito da sala de
aula sem relação com aspectos mais amplos da sociedade e do mundo:
Ao longo dessa gestão – 1989/1992 – da SMED, cujo slogan era coragem de mudar em educação,
críticas foram dirigidas aos seus administradores no sentido da ausência das questões sociais no fazer
pedagógico das escolas. Questões de classe social, de gênero, de etnia, de cultura ocuparam muitos
debates que combatiam a discriminação e a exclusão e defendiam a coexistência das diferenças
culturais, porém ainda restritas ao espaço e ao âmbito da sala de aula. A vida cotidiana, comunitária e
planetária não foram adequadas e suficientemente contempladas e valorizadas como possibilidades de
leitura e de reflexão sobre a realidade e, conseqüentemente, como possibilidade de transformação dessa
realidade. (TITTON, 2004, p. 121-122)
Estas questões (os méritos das políticas desenvolvidas na 1
a
gestão, e os problemas, a
oposição e a resistência de tendência e grupos preteridos, os limites e abrangência do
construtivismo de Esther Grossi e sua relação as “políticas educativas” do PT e a não
implementação da gestão democrática bem como a disputa interna no PT) levaram à saída de
Esther Grossi, da SMED, e à assunção de Nilton Fischer como secretário de educação.
Transição e Conflito dentro de um partido de esquerda
Nilton Fischer teve como pontos principais a democratização do sistema de ensino, a
educação popular e o respeito às manifestações, às propostas e às inovações vindas das
experiências de professores e alunos das escolas. Mas, esta 2
a
gestão em educação teve 2
momentos. O primeiro, até outubro de 1993, inicia, com Nilton Fischer comprometendo-se a:
superar os limites da anterior [...] Busca-se a ampliação e a aproximação das políticas públicas com as
lutas dos movimentos populares no campo da educação. São apresentados como eixos da política
educacional a educação popular, a educação transformadora e a educação democrática, que visava a
democratização do sistema, da escola e do acesso como parte da democratização do Estado. Esta gestão
deu início ao processo de implementação dos Conselhos Escolares. (MEDEIROS, 2000, p.15-16)
Entretanto, nos primeiros meses desta 2
a
gestão (1993), as escolas “foram atravessadas
pelo intenso debate interno que ultrapassava os limites e as preocupações administrativas” no
interior da SMED (POOLI, 1999, p.198).
183
o que estava em jogo também era a vinculação delas [das assessorias] aos propósitos da tendência do
partido, que avalizou o nome de Fischer para o cargo e de seus oponentes. Mais do que a preocupação
efetiva com uma ruptura, em relação ao período anterior, internamente havia uma redistribuição do
poder, e essa envolveu disputas muitas vezes longe dos preceitos éticos necessários. (POOLI, 1999,
p.205)
No desfecho deste conflito interno, a SMED leva, à assunção, Sônia Pilla Vares como
secretária de educação, e ao segundo momento desta gestão, que se desenvolverá de
novembro de 1993 até o final de 1996. Isabel Medeiros (2000) diz que entre os motivos que
geraram a crise e a troca de secretários estiveram as “concepções acerca da gestão
democrática e de seu status dentre as políticas educacionais” (p.16). Sobre isso, assim se
manifesta José Clóvis Azevedo:
A política de democratização do Estado ampliou-se para a educação, principalmente a partir de 1993. A
Segunda gestão da Administração Popular foi marcada pela prática de uma política pedagógica gestada
na luta dos movimentos populares pela defesa e democratização da escola pública. (AZEVEDO, 1997,
p. 10, In: MEDEIROS, 2000, p. 17)
É o que veremos, em mais detalhes, na parte seguinte, a partir das políticas
desenvolvidas neste período (1994-2000), bem como contestaremos este argumento
hegemonista dos gestores estatais para justificar de forma determinista através do vínculo da
mesma (as políticas desenvolvidas) com as classes fundamentais.
A Escola Cidadã na 2
a
e na 3
a
gestão
Após a saída de Fischer, emerge a Escola Cidadã como marca desta gestão (início de
1994) que, através de um processo participativo culminaria no Congresso Constituinte Escolar
(1995), com a participação de representantes de todos os segmentos das escolas – professores,
alunos, funcionários e pais - que definiu os princípios norteadores da organização do ensino
nas escolas municipais
111
.
A Escola Cidadã seria assim caracterizada:
A síntese deste processo é a Escola Cidadã, tradução para a esfera educacional da proposta política da
Administração Popular e lugar de articulação da educação como projeto estratégico de transformação
social [...]. A diretriz fundamental da Escola Cidadã é a democratização da escola, entendida como
democratização do acesso, da produção e da socialização do conhecimento e da gestão. [...] A gestão
democrática e a reorganização curricular em ciclos de formação são componentes deste projeto.
(AZEVEDO, 1997, In. MEDEIROS, 2000, p.17)
111
Inicialmente o Congresso foi marcado para o final de 1994, mas a partir dos debates nas escolas no segundo
semestre deste ano, foi prorrogado para meados de 1995.
184
A organização curricular estabelecida pelo Congresso, previa diferentes modalidades
de organização curricular, no entanto, não foi isso que ocorreu, já que a SMED determinou
que deveriam, apenas, ser organizados em Ciclos de Formação:
Embora esses princípios acolhessem séries e etapas, além dos ciclos, como formas possíveis de
organização do ensino nas escolas municipais, nenhuma proposta com séries, mesmo que apresentasse
avanços na questão da reprovação era aceita pela SMED. Usando a combinação série/reprovação para
recusar propostas das escolas, feriu-se um dos princípios construídos democraticamente no Congresso
Constituinte Escolar. Começava aí uma relação bastante tumultuada entre escolas e SMED, já que,
apesar das afirmações de seus titulares de que os ciclos não seriam impostos às escolas, era visível o
processo um tanto autoritário de sua implantação. (TITTON, 2004, p.123)
Também, Maria Luisa Xavier (2004), sobre a transição da 3
a
para a 4
a
gestão do PT
em educação (2001-2004), e as políticas anunciadas, diz que na 3
a
gestão
A principal constatação foi a de que o investimento na organização administrativa e pedagógica racional
e qualificada da instituição escolar, bem como a ampliação do espaço de participação na gestão da
escola, é fator importante, mas não suficiente para otimização do rendimento escolar e minimização dos
problemas de convivência institucional. (XAVIER, 2004, p. 177)
Afirma que no I Congresso Constituinte realizado em 1995, entre as deliberações
acordadas no artigo 45, é que a escola deveria ter autonomia para optar pela implantação dos
ciclos, seriação, etapas ou outras formas de organização (Xavier, 2004, p.186). Mas a SMED
teria determinado que até o ano 2000 todas as escolas deveriam estar cicladas
Já a assessora da SMED, Andréa Krug, na pesquisa que realizou sobre as políticas
desenvolvidas pela SMED, visando a “compreensão da Escola por Ciclos de Formação na
Rede Municipal de Porto Alegre, no que se refere às suas perspectivas teóricas e desafios na
busca da superação da escola tradicional seriada” (KRUG, 2002, p.11) interpreta de forma
diferente a questão. Para ela, os Ciclos de Formação
Constituem uma nova concepção de escola para o ensino fundamental, na medida em que encara a
aprendizagem como um direito da cidadania, propõe o agrupamento dos estudantes onde as crianças e
adolescentes são reunidos pelas suas fases de formação: infância (6 a 8 anos); pré-adolescência (9 a 11
anos); adolescência (12 a 14 anos). O conteúdo escolar é organizado a partir de uma pesquisa socio-
antropológica realizada na comunidade, onde são buscadas questões-problemas reveladoras da
contradição entre a realidade vivida e a realidade percebida pela comunidade. A partir dessa pesquisa,
reúnem-se representantes discentes e da comunidade para discutir com as professoras e professores o
eixo central dos conhecimentos a serem trabalhados na escola. [...] O planejamento atende a
proposição de atividades que envolvam os momentos de estudo da realidade, busca de conhecimentos
sistematizado e retorno para a comunidade das sínteses propostos a partir das descobertas construídas
coletivamente com estudantes. [...] Essa forma de planejar coletivamente chamada na Rede Municipal
de Ensino de Complexo Temático, tem como referencial o planejamento do ensino por “complexos”
propostos por Pistrak (após a revolução russa de 1917), acrescentando discussões trazidas pelo educador
Paulo Freire, quando trabalha sobre o Tema Gerador. (KRUG, 2002, p.17-19) (Negrito CM)
185
A interpretação das propostas pelos que as apoiam, é diferente de pesquisadores
críticos, ainda mais, se estes relacionarem o “dito” com o “realizado” no processo de
implementação das respectivas propostas. Foi o que fizeram Costa e Pooli (2004, p. 133)
estudando os processos de implementação das políticas educacionais nas escolas da rede
municipal relacionados com a democracia, desencadeados a partir de 1995:
Após a aprovação dos princípios pela Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, todas as escolas
passaram a debater e reformular seus regimentos escolares, ou seja, passaram a analisar a reformulação
da estruturação do ensino para que este ficasse coerente com os princípios promulgados. (COSTA e
POOLI, 2004, p. 139)
Os ciclos seriam implantados para dar conta de um currículo processual, como
percebemos da proposta explicitada por Krug (2002), mas na prática, os professores
começaram a apontar problemas e contradições da proposta e no processo, e nem sempre
foram ouvidos pela mantenedora.
[...] os professores procuraram apontar essas distâncias e dificuldades que surgiam no dia-a-dia da
escola, significando que eles tinham efetivamente uma grande preocupação com as questões
pedagógicas. [...] Acreditar que em um curto espaço de tempo será possível modificar completamente
uma prática pedagógica já arraigada na escola é, no mínimo, ingenuidade. [...] se esta não envolver a
participação efetiva de todos os agentes na sua construção. (COSTA e POOLI, 2004, p. 140-141)
E, mais, acreditam que “de nada adianta uma progressão plena, sem nenhuma
possibilidade de retenção, se ela não estiver vinculada diretamente a um processo de
excelência no que diz respeito ao principal compromisso da escola com a formação científica
das crianças e dos jovens” (COSTA e POOLI, 2004, p. 141). Ou seja, “de pouco vale os
gestores políticos apresentarem propostas estruturadas quando os professores que estão em
sala de aula não têm a possibilidade de discutir a efetividade metodológica do que lhes é
solicitado” (Ibidem, 2004, p.145).
Outra pesquisadora, Linch (2002), na busca de mecanismos de exclusão escolar
ocultos no cotidiano da escola na rede municipal, estudou o período da gestão e
implementação da Escola Cidadã, concluindo: a exclusão escolar oculta acontece na relação
professor/aluno e pode ser observada nos diferentes movimentos, no dia-a-dia da sala de aula
e nas avaliações escolares. Percebe-se, diz ela, nas escolas práticas educativas
típicas de uma pedagogia diretiva em que os alunos trabalham individualmente, desenvolvem atividades
repetitivas e são considerados meros receptores de conhecimento. [...] as professoras supunham-se
interacionistas, mas agiam a partir da epistemologia empirista. Diante das dificuldades das crianças
emergiam as concepções aprioristas e havia pouco ou nenhum investimento nas possibilidades de
aprendizagens das crianças. (LINCH, 2002, p. 89)
186
Em decorrência disso, diz Linch, que a exclusão escolar oculta aparece:
não como um fato isolado, mas como um conjunto de movimentos que acontece na relação
professor/aluno por meio de gestos, expressões, falas e olhares. Seus indicadores foram observados em
sala de aula, avaliações (pareceres e conselhos de classe) e entrevistas com crianças e professoras”.
“Nesta pesquisa, procuro mostrar o ‘pôr de lado, abandonar, eliminar...’ existente nas relações
professor/aluno na sala de aula e no ambiente escolar e, muitas vezes, não percebido ou compreendido
por seus envolvidos como um processo excludente. (LINCH, 2002, p.37).
Ao relacionar, os saberes comunitários e os conteúdos escolares, constata ainda:
eram desconsideradas nos momentos de planejamento e de avaliação das turmas pesquisadas. [...] as
crianças deveriam se adequar e permanecer em silêncio para aprender conteúdos, não possuindo
qualquer relação com a realidade em que viviam. [...] O trabalho de alfabetização acontecia por meio da
escrita de palavras que estavam distantes das conhecidas na comunidade. (LINCH, 2002 p. 134-5)
Portanto, “parece que os valores afirmados na proposta da Escola Cidadã e o lugar
privilegiado da cultura” [...] não ocupam o lugar destacado na prática desta escola e na prática
destas professoras, e por outro lado, há um “aparente encobrimento da perspectiva
psicopedagógica pela perspectiva sociopolítica e pela nova ordem administrativa [...]” (M.
BECKER, 2004, p. 229-231).
Sendo assim, é que podemos dizer que a gestão democrática, utilizada como um dos
argumentos de contraposição à gestão de Esther Grossi, e na criação de instrumentos de
participação com o Conselho Escolar e do processo Constituinte Escolar, ao final de 1996,
como constatam Medeiros (2003, p.117) e Machado (1999) passam por um “esmorecimento”,
em detrimento, da implantação dos ciclos de formação – que passou “à centralidade da
política educacional” na reestruturação curricular:
A própria reorganização da assessoria técnica da SMED, com caráter mais “pedagógico” e menos
“institucional”, a timidez dos empreendimentos em relação à formação dos segmentos, no que se diz
respeito a sua constituição e qualificação da participação, e também o pouco espaço de participação e
debate na dinâmica do II Congresso da Educação, evidenciando, pelo curto espaço de discussão,
conteúdo dos textos de apoio elaborados pela SMED e pela postura de assessoria, o controle para que
não houvesse propostas contrárias ao projeto da Secretaria, revela uma mudança de rota em termos de
ênfase das políticas. (MEDEIROS, 2000, p.18: 2003, p.117)
Tanto é assim que, a SMED, através do secretário José Clóvis de Azevedo, já havia
anunciado que até o final desta gestão (1997-2000), todas as escolas “deveriam ciclar”.
Essa decisão provocou um grande desgaste junto às escolas e gerou críticas dentre os próprios militantes
do PT. O efeito criado, que já vinha se desenvolvendo pela forma ostensiva de defesa adotada pela
assessoria foi o de imposição dos ciclos, muito embora tenha havido, por parte de muitas escolas ou de
parcelas da comunidade escolar, a defesa e a simpatia desse projeto. (MEDEIROS, 2003, p.120)
187
Tal processo de direcionamento, durante as discussões dos novos regimentos, depois
de 1995, por parte da MED, teve no modelo que ela elaborou, o meio de referência e de
tensionamento junto as escolas para “ciclarem”
112
.
Portanto, se num primeiro momento a formulação desta política foi participativa,
através das assessorias, as escolas e o processo que culminou no Congresso das Escolas
municipais em 1995, o desdobramento do mesmo, a partir de então, foi aos poucos,
abandonando o caráter democrático e processual. Medeiros (2000, p.29) diz que, tal processo
de democratização se contraporia à realidade histórica brasileira, marcada pela dominação
hierárquica e centralizadora do poder que impediria avanços mais significativos em tempos
relativamente curtos; além, da necessidade de percebê-la como processual e sem fim, diria eu.
Afora o Projeto Constituinte, que incidiu sobre a formulação de políticas, os demais projetos visam a
democratização do espaço escolar, desconsiderando a relação das escolas com a secretaria, ou melhor,
com a discussão na formulação das políticas. A questão do repasse financeiro é um exemplo: o
gerenciamento é do Conselho Escolar, porém, a formulação das políticas, critérios de repasse e valores,
soluções diferenciadas para questões especificas – como por exemplo, a desigualdade de condições
entre uma escola que foi equipada antes da descentralização de recursos e outra que foi criada mais
recentemente – são de responsabilidade da mantenedora, sem a participação das escolas.
Reestruturações que ocorrem na assessoria também são realizadas a partir do ponto de vista da SMED e
da avaliação dos assessores, sem incluir as escolas nesta discussão; [...]. (Ibem, 2000, p.27).
Finaliza Medeiros dizendo que:
A garantia de avanços na democratização não pode depender só de proposições do Estado. Se este
processo contar com esta única “mão”, acaba por transformar-se em cooptação ou mera legitimação. Se
faz necessária a conquista do espaço de participação, a mobilização da sociedade para ações que
busquem além dos serviços e políticas elaboradas pelo Estado, demandando a formulação de políticas
de seu interesse, tencionando para que isto seja feito através do planejamento participativo. (Ibidem,
2000, p.30)
A realidade de não unanimidade do exercício da gestão democrática por parte da
SMED, na sua relação com as escolas, na implementação dos Ciclos de Formação não era
consenso entre os próprios apoiadores nas escolas e no PT. Tanto é assim que, no ano de
2000, quando o candidato Tarso Genro (2001–2004) foi eleito prefeito, outro secretário de
112
“O Caderno Pedagógico nº 9, de dezembro de 1996, que traz o título Ciclos de Formação Proposta Político-
Pedagógica da Escola Cidadã [...] divide-se em duas partes: na primeira, a proposta político-educacional para a
organização do ensino e dos espaços-tempos na escola municipal onde estão expressas a concepção de currículo,
a relação entre a estrutura curricular por ciclos e as faixas etárias, a organização do ensino por Complexos
Temáticos nos Ciclos de Formação, a avaliação enquanto redirecionamento da ação pedagógica, notas e suas
referências bibliográficas. A segunda parte dessa publicação traz o Regimento Escolar, conhecido na rede
Municipal como regimento referência, pois é a partir dele que as escolas estudaram, organizaram e propuseram à
Mantenedora seu próprio regimento”. Nos anexos, as bases curriculares propostas pela Mantenedora e os
Pareceres de aprovação do Conselhos Municipal e Estadual de Educação (KRUG, 2002, p.22-23).
188
educação foi nomeado para a SMED: Eliezer Pacheco. No entanto, Krug (2002), interpreta a
questão de maneira diferente:
Resultado de um contexto político interno ao Partido dos Trabalhadores, o setor majoritário que sustenta
o atual governo municipal excluiu das coordenações do projeto educacional pessoas que estavam
ligadas à construção da Escola Cidadã. [...] Desta exclusão resulta a mudança geral da Secretaria
Municipal de Educação de Porto Alegre. São cerca de setenta pessoas que saem da SMED ao final de
2000, e mais trinta que são convidadas a se retirar pela nova Administração, a partir de 2001. Trata-se
de mais de uma centena de técnicos, consultores, assessores que davam sustentação a este projeto. O
que é entendido como a desconstituição do acúmulo das administrações anteriores. (KRUG, 2002,
p.113-114)
Sobre a nova gestão à frente da SMED diz a autora:
Embora seja cedo para avaliar os impactos da mudança política sobre os Ciclos de Formação, a
afirmação de que a aprendizagem dos alunos não teria avançado revela concepções de aprendizagem e
conhecimento que necessariamente divergem das que se apresentam nesta publicação. Ao mesmo
tempo, entende-se as dificuldades para a manutenção de um projeto cujo acúmulo constituído não se
encontra mais na direção da SMED. (KRUG, 2002, p.114)
Na própria manifestação de Krug, acima, podemos perceber novos argumentos à
discussão que venho desenvolvendo. Ou seja, depois de 5 anos (1995-2000) a “proposta” dos
Ciclos de Formação era, ainda, da SMED, porque se necessitava de mais de 100 assessores na
mantenedora para que a mesma tivesse “sustentação” ou da “direção da SMED”. Mas, vamos
adiante, e ampliemos os argumentos.
A 4
a
gestão do PT em educação na cidade
Os novos gestores (2001-2004) assumem, “destacando o princípio da autonomia
pedagógica e do protagonismo docente”, procurando “incentivar a construção e a socialização
de projetos próprios de cada escola, que traduzissem a sua interpretação, qualificação e
superação das propostas, até então emanadas da Secretaria” (TITTON, 2004, p.127). Porém,
em dezembro de 2002, uma nova ruptura político-administrativa interrompe a gestão iniciada
em 2001, apesar do movimento de professores para impedir a troca da equipe e reivindicar
participação na discussão sobre os motivos para isso, a substituição aconteceu (Idem, p.129).
Titton (2004) conclui, então, das gestões do PT na relação com os professores e as escolas, o
seguinte:
189
[os professores passaram] ao longo dos últimos quatorze anos, [por] verdadeiros “arrastões” que se
pretendem epistemológicos. Eles são produzidos por equivocadas formas de operacionalizar políticas
públicas, as quais, muitas vezes, desencadeiam sentimentos de frustração, de revolta e de exclusão. Os
processos de mudança, que envolvem processos de transição individuais e coletivos, nem sempre têm
considerado os professores e os grupos capazes para refletir e transformar a escola e muito menos têm
valorizado suas trajetórias e sua participação na história da educação que acontece urdida no contexto
de suas comunidades, independentemente das administrações públicas. (TITTON, 2004, p. 129)
Como forma de superar tais posturas e relações, seria preciso “acreditar na visibilidade
de projetos próprios, construídos e sustentados por coletivos de autores, em cada escola,
garantindo a concretização de políticas educacionais, na medida em que surgem de processos
autônomos e, se autônomos, inspiradores de interpretações criativas e geradoras de
desdobramentos qualificados dessas políticas. É uma questão de aposta e de investimento no
protagonismo, especialmente docente” (TITTON, 2004, p.129).
No sentido de ampliar a discussão dos ciclos de formação incluindo no processo de
“reconceituação e reinvenção [da escola] no contexto das novas configurações sociais e
culturais da contemporaneidade”, Jaqueline Moll (2004) organiza um livro sobre o tema. No
entanto, diz ela, sem qualquer
posição dogmática, favorável ou contrária, em relação à proposição da escola por ciclos, este livro
busca o debate construído por meio do diálogo entre muitas vozes e com diferentes abordagens
analíticas. O desejo de sua construção teve sua gênese na intensa e valiosa convivência com as escolas
municipais de Porto Alegre ao longo da década de 1990 e especialmente no ano de 2001 – primeiro ano
da quarta gestão da Administração Popular. (MOLL, 2004a, p.19)
Importante tal destaque, pois MOLL esteve na gestão de Fischer (1993) e na de
Eliezer Pacheco (2001-2002) como coordenadora pedagógica da SMED, e entre 1994 e 2000
como professora da UFRGS na Faculdade de Educação, acompanhando as políticas
educativas na cidade. Ela posiciona-se ao afirmar que a progressão nos ciclos não pode ser
relacionada à “empobrecida promoção automática na qual sem critério algum os alunos
avançam reforçando a cultura do “não dá nada” (“se aprendo, ou se não aprendo, se venho, ou
se fico em casa, se estudo ou se não me interesso”), pois, assim, corremos o risco de que os
“nichos de criação”
113
sejam potencializados. O desafio, segundo ela, seria a “reflexão
despatologizadora” que retire das crianças a sombra de olhares condenatórios que, no lugar
das possibilidades, enxergam apenas dificuldades e impossibilidades (MOLL, 2004b, 109).
113
Nichos de Criação: são grupos de professores, ou individualmente, que com seus alunos, com ou sem apoio
das estruturas de poder da escola, inventam práticas significativas de aprender e de conviver no cotidiano
escolar.
190
O sentido de mudar a escola só terá validez para quem vive a escola se as pequenas experiências
cognitivas, estéticas, afetivas e sociais, produzidas nos inúmeros nichos de criação construídos nas
dobras da escola, puderem ser compartilhadas por seus protagonistas. Fora desse espectro, sobra a força
aterradora daquilo que chega as escola como norma vazia de sentido, destinada a ser meramente
cumprida e, se possível, burlada. (MOOL, 2004b, p. 110)
Importante, no entanto, seria identificar por parte da autora, do lugar e papel da
SMED/mantenedora em relação a estes “nichos de criação”, dentre os quais, muitos surgidos
pela indução das políticas e espaços criados pela Administração Popular nesses 16 anos de
governo da cidade. A relação educativa de não exclusão e/ou de aprendizagem dialógica no
interior da escola poderia ser desenvolvida, também, na relação da SMED com suas escolas.
Portanto, afirmo que, não podemos cair nesta polarização, como se na escola estivesse o
positivo e o correto, enquanto na SMED ou no Estado, o negativo e o errado e autoritário. As
relações sociais excludentes, autoritárias e de dominação perpassam e são produzidas e re-
produzidas em todos os espaços sociais.
Retomarei aspectos do desenvolvido nesta primeira parte, aprofundando-os, a partir da
discussão da continuidade e descontinuidade nas/das gestões no desenvolvimento das
políticas educativas da Administração Popular nas gestões do PT, na parte seguinte.
(Des) Continuidade nas 4 gestões
Fernando Becker é professor da UFRGS, e tem o Construtivismo piagetiano como
referência teórica de seu trabalho, e ao longo da Administração Popular realizou assessorias,
palestras e orientou professores/as da rede municipal. Sobre a educação desenvolvida em
Porto Alegre diz que
não faz sentido, pois, reduzir o processo de aprendizagem e, por conseqüência, o desenvolvimento que a
fundamenta a expedientes administrativos: QPE, Calendário Rotativo, Construtivismo pós-piagetiano,
Ciclos. Os expedientes administrativos devem ampliar os horizontes intelectuais, garantir o melhor
ambiente, a melhor organização que evite, de todas as formas, obstruírem a organização didático-
pedagógica da escola. Jamais deverão tornar-se fetiche a ponto de reduzir todo o funcionamento escolar
a eles. Ciclo não é currículo, não é teoria de aprendizagem, não é processo didático-pedagógico, não é
teoria educacional à qual tudo tem de ser reduzido. É, apenas, um expediente administrativo que, se
corretamente gerido, poderá, ao lado de tantos outros, ajudarem a desobstruir caminhos de
aprendizagem – de alunos e de professores. (BECKER, 2004b, p.41-61)
Em artigo na Zero Hora (BECKER, 2004a, p.2), motivado por outro, de Esther Grossi,
(Zero Hora, 19.11.2004) que escreveu: Ciclos: a base superada dizendo que “a comunidade
científica mundial” teria decretado a superação do Construtivismo, e portanto, estaria
superado, além de relacioná-lo aos Ciclos de Formação. Para ele, o que estaria superado seria
191
o “Construtivismo (fantasmagórico!) de Esther Grossi” (BECKER, 2004a, p.2), além de que,
Esther teria “pisado na bola” ao identificar ciclos com construtivismo, pois já mostrara que os
ciclos não dão conta do construtivismo.
Esse construtivismo grossiano que reduz “objetos” a “objetos sensíveis”, deforma radicalmente o
construtivismo, reduzindo-o a um grande equívoco, a uma quimera. Mas foi esse construtivismo que a
secretária Grossi promoveu durante seus quatro anos de gestão na SMED! Até um prédio escolar
construtivista ela mandou construir... (BECKER, 2004a, p.2)
Para Miguel Arroyo (2004, p.11-17), no entanto, tal debate sobre os ciclos e séries é
instigante não pela polêmica em si, ou pela diferenciação na organização, na didática, na
avaliação, pela reprovação ou pela retenção, mas, sim, no fato de que os ciclos de formação
buscam
recuperar para a função social da escola e da docência a tarefa de educar. Recuperar a educação.
Colocar o foco nos educandos e em seus processos formadores. Reconhecer em cada criança,
adolescente, jovem ou adulto um ser humano em formação. Os processos de formação humana incluem
os processos de ensino, de aprendizagem e de construção do conhecimento. Mas vão além. Defrontam-
se com as complexas e tensas artes de formação do ser humano. (ARROYO, 2004, p.11)
Tal perspectiva colocaria a escola, a docência e a teoria pedagógica no “campo da
formação” enquanto tarefa “histórica de construirmo-nos e de sermos humanos” (Ibidem,
p.12). Mas, se por outro lado, confundimos, diz ele, ciclo “com um mero arranjo
administrativo ou com ritmos de aprendizagem ou com progressão contínua”, não
reconheceremos e não respeitaremos que “os tempos humanos, cognitivos, socializadores e
culturais dos educandos (as) são uma exigência de todo processo de ensinar e de aprender,
sobretudo de todo processo de formação humana, [além de] dificilmente nos aproximaremos
com respeito intelectual às complexas tentativas de organizar a escola em ciclos de formação
(Ibidem, p.12-13). Para captar estas dificuldades e situá-las no campo teórico dos valores, da
cultura escolar e dos docentes, diz Arroyo, ser
necessário respeitar esses tensos processos de reorientação teórica e cultural dos profissionais de
educação básica. São eles e elas os sujeitos dessas propostas educativas. Merecem respeito. Partir logo
para análises apressadas ou para avaliações que confrontam as intenções das propostas com os
resultados de aprendizagem de conteúdos curriculares pode ser uma maneira de perder-se o próprio foco
dessas propostas. Em outros termos, avaliemos, pesquisemos no campo em que as propostas buscam se
situar. (ARROYO, 2004, p.15)
Mais ainda, aos ciclos de formação humana, exigiriam teorias e ferramentas mais
refinadas, pois as pesquisas referem-se a “experiências humanas” e “pode acontecer que elas
terminem sendo questionadas pelo que sabemos e teorizamos, mas também pode acontecer
que questionem o que sabemos e teorizamos” (ARROYO, 2004, p.15).
192
Concordo com Arroyo no sentido de não se realizarem análises superficiais dos ciclos
de formação (na confrontação das intenções com os resultados) desenvolvidos pelas
Administrações Populares (Porto Alegre e Belo Horizonte). No entanto, na perspectiva deste
estudo, da relação democrática no processo de implementação dos ciclos de formação, em
Porto Alegre, seria necessário, também, diferenciar as experiências de implantação dos
“ciclos de formação” (a Escola Cidadã e a Escola Plural) com a dos “neoliberais”, como o
PSDB em São Paulo e/ou com o PFL, do Rio de Janeiro. Além disso, o mesmo “espírito de
respeito”, proposto por Arroyo, aos educadores, deveria ser utilizado pelos gestores da
administração popular de Porto Alegre (na SMED) no processo de implantação de suas
políticas
114
.
Se de um lado, nem todas as análises críticas visam a contrariedade global a proposta
por ciclos de formação, e identificam aspectos positivos e também negativos, na superação
dos problemas que surgiram no cotidiano e na “proposta”, por outro, geralmente, os gestores
(pelo menos publicamente) não aceitam contestações ou críticas, e tendem a homogeneizar e
fazer polarizações simplistas (do tipo: se não está a favor está contra!).
Veremos, a partir da discussão da aprendizagem, importante em todas as gestões, e
estudadas por Moreira (2004), o quão é importante o processo nas relações educativas. Diz ela
que, a partir de 1989, o Construtivismo constituiu uma nova fase ao enfrentamento do
fracasso escolar, ao conceber a aprendizagem como processo:
Uma das principais implicações de ver a aprendizagem como um processo é passar a conceber o
conhecimento como produto da aprendizagem. Somos forçados a trocar a figura da bagagem (que pode
ser acumulada, transferida, dada e recebida) por outra em que conhecer é fruto de trabalho pessoal e
intransferível. (Ibidem, 2004, p.154)
E desde então, nas escolas da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre vem
trabalhando para que a construção de conhecimento não seja apenas mais uma metáfora
restrita ao discurso pedagógico hegemônico, mas um compromisso com a inclusão social e
com a radicalização da democracia, de uma educação pública de qualidade para as
comunidades historicamente dela alijadas, tendo no “coração desse processo” a
problematização, por parte dos educadores, do verbo aprender (Ibidem, 2004, p.154).
Tanto é assim que, como assessora de alfabetização e como pesquisadora, ao
“percorrer várias escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre”, buscando verificar
114
Os critérios de respeito e de gestão democrática no processo de “formação humana”, como afirma Arroyo,
deveria considerar a “reconfiguração” dos sistemas educativos e societais contemporâneos descritos e
interpretados na Parte I desta tese, portanto, nos contextos em que os mesmos se desenvolvem e da relação
‘educativa’ do Estado/SMED com as escolas da rede de ensino e professores. O que não poderia ser afirmado, na
sua integralidade, da experiência de Porto Alegre.
193
“como anda a aprendizagem da leitura e da escrita de nossos alunos? (p.159)”, encontrou
alunos/as:
que ainda não liam e/ou escreviam alfabeticamente ao final do 1º ciclo. Alunos que, geralmente, haviam
ingressado na escola no 2º ano do 1º ciclo em razão da idade e com pouca ou nenhuma experiência em
eventos de letramento do tipo que a escola prioriza. Por vezes, encontrei alunos nas mesmas condições
no início do 2º ciclo. Alunos em situação de ingresso e experiências de letramento similares aos do
primeiro grupo. (MOREIRA, 2004, p.159)
Portanto, se comparada à organização por séries, seriam na 2
a
série (2
o
ano do 1
o
ciclo)
ou 4
a
série (1
o
ano do 2
o
ciclo). No entanto, nas classes finais do terceiro ciclo (7
a
e 8
a
série),
com exceção de alguns alunos com necessidades educacionais especiais, diz: “não encontrei
alunos não-alfabetizados” (MOREIRA, 2004, p.159). Por outro lado, os professores afirmam
que “os alunos estão chegando às salas de aula cada vez com menos”. Mas, pergunta ela:
“menos do que”? Diz, tratar-se de “experiência com eventos de letramento do tipo que irão
encontrar na escola”, conforme o modelo padrão no qual baseiam-se os professores e
professoras. Isto, porque se “os filhos das classes economicamente favorecidas chegam aos
bancos escolares ainda que não completamente alfabetizados, eles já são, entretanto,
altamente letrados” (MOREIRA, 2004, p.160), o mesmo não ocorre com as classes e setores
sociais que não fazem parte dos “economicamente favorecidos”, e muito menos, ao modelo
que os professores e professoras lhes impõem. É experiência com alunos letrados que confere
significado àqueles, aos filhos das classes menos favorecidas e com menos condições de
existência, tornando, assim, mais remota a leitura e a aprendizagem sem uma profunda e
competente contextualização do processo (Idem, 2004, p.160).
No entanto, na rede municipal de ensino de Porto Alegre, através da proposta
desenvolvida, vêm sendo incorporados muitos dos excluídos de outras escolas por sucessivas
reprovações e fracasso da instituição escolar. Aqueles que antes não “conseguiam relacionar,
integrar aos seus saberes cotidianos, estão permanecendo na escola e chegando aos finais do
ensino fundamental” (Ibidem, 2004, p.164) nas escolas municipais de Porto Alegre. Tal
experiência vai no sentido contrário ao da escola tradicional e do discurso dominante que “nos
vendeu a idéia de que, dando a todos o mesmo ponto de partida (o ingresso na escola), a
responsabilidade por até onde chegasse, seria de cada um. Mentira!”.
Se a escola por ciclos de Porto Alegre, a partir de sua concepção geral, procura
incorporar os excluídos dos processos de aprendizagem, há espaços para crianças com
“defasagem” muito grande entre idade/série ou idade/etapa de conhecimento nas turmas de
progressão; aos excluídos, aos debaixo, aos dominados, aos não sujeitos impõem-se uma
194
realidade que lhes busca, impõem-se sobre eles o conformismo com sua situação, mas para
além disso, ocorre um processo de produção da própria exclusão.
As turmas de progressão foram estudados por Maria Luiza Xavier (2003), buscando
verificar como eram produzidos a “sujeição” e o “disciplinamento” no processo de “produção
do sujeito-aluno” (Idem, 2003, p. 213, 215, 216).
O que começa a se tornar mais claro é que o comportamento usualmente esperado, desejado e definido
como comportamento de aluno/a, condição necessária para o desenvolvimento das aulas, parece não
ocorrer naturalmente. Ele parece ser decorrente de um processo de construção do sujeito aluno/a, e, o
que se constata, é que não se fala nisto, ao menos de forma substantiva, no período de formação das
professoras e também não está se discutindo tal temática no recinto das escolas. (Ibidem, 2003, p.218)
Conclui a pesquisadora que, apesar de os ciclos de formação proporem e buscarem a
inclusão dos excluídos, na escola estudada, nas concepções e práticas dos professores/as,
verifica-se a existência de um modelo de aluno/a: “que não tem sido suficientemente
discutido na referida rede” (XAVIER, 2003, p.219), pois são as ‘práticas de ordem’:
diferenciações entre maneiras corretas e incorretas de entrar e sair da escola, de estar e atuar em aula, no
recreio e durante os eventos escolares. As regras implícitas nessas maneiras de estar, mover-se, falar e
atuar na escola são ensinadas no curso das interações mediante sinalizações que formam parte do que
“é” naturalmente a escola, inscrevendo nas crianças, paulatinamente, a percepção das diferenças entre o
adequado e o não-adequado em cada momento e lugar da vida escolar. (Ibidem, 2003, p.219)
Em outras palavras, há dificuldade em se admitir a existência de mecanismos de
controle e regulação na escola, já que, diz ela, se vem “nas últimas décadas [...] questionando
as posições autoritárias presentes nas organizações sociais [...] e postulando posturas mais
democráticas e igualitárias nas relações entre os indivíduos” (XAVIER, 2003, p.225).
Também as próprias teorias críticas, parecem estar impedindo o questionamento destas
práticas e concepções, pois “por estarem essas categorias comprometidas, nas suas
percepções, com a subjugação/opressão das crianças e jovens – para ficar restrita ao espaço
escolar, - o que era/é justamente o oposto de seus propósitos” (Ibidem, 2003, p.225).
Termino esta parte, lembrando algumas questões desenvolvidas, para fazer um gancho
com a seguinte: de como os professores se manifestaram em relação aos Ciclos de Formação
e os processos de sua implantação. Então, destaquei o processo de produção e a re-produção
das relações sociais, fazendo uma analogia da relação educativa da SMED com suas escolas e
professores/as e destes últimos com seus alunos/as. Veremos, então como os professores/as
perceberam as relações da SMED e de suas propostas com eles/as e suas escolas.
195
II - Os professores, as escolas e as classes populares num governo de esquerda
Os professores e as escolas diante das políticas
Vejamos agora como os professores nas escolas perceberam e se manifestaram sobre o
processo de implementação das políticas educativas da Administração Popular e críticas à
concepção simplificada das classes populares presente nas mesmas. Uma questão que me
inspirou a sistematização e a discussão desta parte foi: os professores e as escolas foram/ou
querem ser sujeitos da produção de sua obra educativa? E como a SMED e estes professores
se relacionavam/relacionam com as classes populares?
Sobre a recepção dos educadores municipais, mas escolas estudadas, Costa e Pooli
(2004) dizem que “pouco vale proposta estruturada se os professores não têm a possibilidade
de discutir a efetividade metodológica” das mesmas. Além disso, constataram “que os
professores têm uma vaga noção do que lhes foi imposto”, mas, registram, que os professores
querem discutir a sua prática.
Eles estão muito preocupados com a progressão continuada que lhes força a assistir o trágico espetáculo
da promoção irresponsável de alunos que, em um futuro não muito distante, se apresentarão
praticamente desescolarizados às concorrências do mercado, disputando vagas em um competitivo
campo de oferta de trabalho marcado pelo ingresso mediante entrevistas, provas ou testes que
denunciarão a sua questionável qualificação. (COSTA e POOLI, 2004, p.147)
Mas, os professores municipais são favoráveis a progressão dos alunos/as,
com os níveis de exigência tal que os permita uma qualificada inserção no mundo do trabalho em todos
os níveis. A mantenedora do sistema de ensino tem por obrigação usar de todos os artifícios possíveis
para impedir a reprovação ou a aprovação irresponsável e cínica que acabará por submeter os alunos a
situações de exclusão social. Garantir a diplomação não significa possibilitar a integração. (COSTA e
POOLI, 2004, p.150)
Titton (2004), ao tratar da falta de autonomia da escola e dos professores (por parte da
SMED), diz que, levantar questionamentos e críticas, não significa necessariamente ser contra
a proposta. No entanto,
A falta de diálogo entre SMED e escolas, que evitava o enfrentamento das dificuldades concretas dos
professores, pais e alunos na operacionalização das reformas pretendidas, em especial as relativas aos
ciclos de formação, [...] impedia a visibilidade de alternativas próprias e possíveis para os desafios que
se apresentavam, levou a mudanças na direção da Secretaria, por ocasião da posse do novo prefeito.
(Idem, 2004, p.127)
196
Já para Krug (2002) os problemas decorreram das “dificuldades dos professores” que,
ao perceberem, na comunidade, “quão distante [ela estava] dos direitos essenciais da
cidadania” nas pesquisas sócio-antropológicas que realizaram. Mas também, porque setores
contrários ao projeto foram tensionados e provocado a rupturas pela participação e auto-
organização nas instituições escolares. E, ainda porque, no cotidiano, os conselhos escolares
estariam “reproduzindo formas tradicionais” de democracia e de representação (KRUG, 2002,
p.103) diferente da proposta da SMED.
Diz ela que na Escola Ciclada, as crianças e adolescentes “sempre avançam com sua
turma durante os nove anos do ensino fundamental” (KRUG, 2002, p.19), e diante disso
emergiram os conflitos e problemas, e as dificuldades dos professores e professoras:
Não é gratuito o desespero que se abate, muitas vezes, sobre as professoras e professores, quando na
pesquisa sócio-antropológica ou mesmo durante as aulas, percebem o quão distante dos direitos
essenciais da cidadania estão essas populações. Mas não se trata de uma questão de “sentir pena”, as
políticas públicas em Porto Alegre respondem a essas questões com “fazer justiça”, justiça social,
solidária, redistribuindo investimentos e afirmando direitos. (KRUG, 2002, p.136)
Finalmente, porque através do projeto educacional da Administração Popular estariam
sendo produzidas “rupturas a serem processadas na relação sociedade civil e Estado” através
dos canais de participação e da auto-organização nas instituições escolares (Ibidem, 2002,
p.65 e 86).
Voltando ao cotidiano escolar e sua complexidade, para além destas polarizações
simplificadas, com R. Carvalho (2002), ao entrevistar professores e diretores, captamos
manifestações destes sobre as turmas de progressão e alunos: “não conseguem freqüentar uma
turma normal” ou da necessidade de “recuperar o tempo que eles ficaram longe da escola” (R.
CARVALHO, 2002, p.83). Assim se manifesta a professora da turma:
Normalmente estes alunos/as haviam abandonado a escola e estão retornando pela segunda vez. Devido
à faixa etária, eles não conseguem freqüentar uma turma normal.
[...] Eles vêm de escola seriada e
procuram a turma de progressão na tentativa de retornar ao estudo. A criança mais jovem que eu tenho
aqui tem 13 anos e fica muito complicado para eles a convivência e eles acabam evadindo. A turma de
progressão tem a característica de fazer com que eles consigam em curto espaço de tempo, recuperar o
tempo que eles ficaram longe da escola. Todos têm dois anos para freqüentar cada turma de progressão.
[...]Trabalhar com estes/as alunos/as é gratificante porque a gente vê os resultados, enxerga a turma
mudando de postura frente ao saber que parecia distante, impossível de ser alcançado. O conhecimento
deixa de ser um oásis no deserto e se torna realidade para todos/as que queiram desvendar a alegria de
ensinar e aprender. (Ibidem, 2002, p.83) (Negrito de CM)
R. Carvalho afirma que se percebe, “na fala da professora, resquícios de um paradigma
cartesiano/linear onde existem padrões que servem como escore comparativo entre os
educandos que compõem o universo escolar” (Ibidem, 2002, p.84). Podemos dizer que, esta
197
professora é “engajada” e/ou preocupada com a aprendizagem destes alunos e apoiadora dos
ciclos de formação. Tanto é assim, que, uma aluna destas turmas assim se manifesta:
é quando a gente tem dificuldade, a gente vem pra essa turma. Aqui é bom, a professora tem paciência,
a gente aprende de verdade. Tem uns colegas que só querem fazer bagunça (...). Aqui é diferente das
outras escolas que eu estudei, porque todo mundo tá aqui para se ajudar, tem a mesma dificuldade (...)
(R. CARVALHO, 2002, p.59)
115
E sobre a escola e sua importância e de permanecer nesta turma se manifesta outra
aluna:
...sabe, eu gostava bastante dessa turma....Mas daí, aconteceram umas coisas que eu fiquei triste
mesmo...tu sabe, quando agente sai da progressão, vão pra o ano ciclo, né. As minhas amiga foram
embora desta turma e agora ao no ano ciclo. Eu vejo elas no recreio, mas agora não é a mesma coisa,
né...elas foram e eu fiquei aqui na progressão. ...porque ainda tenho muito que aprender nesta turma.
Elas me ajudavam um montão e ajudavam os outros também. (Ibidem, 2002, p.74)
116
Por fim, na manifestação da diretora, ao explicar a tirada das “falas” das entrevistas e
reuniões com a comunidade para a composição do complexos temáticos e/ou questões
problema: “selecionamos as falas significativas da comunidade”, mas que, se dá no
desenvolvimento do ensino uma “ênfase maior para a questão da Matemática e do Português
(R. CARVALHO, 2002, p.84):
Os desafios que enfrentamos são muitos. [...] Começamos então pelo nosso planejamento: Tem um
complexo temático da escola, um geral de onde nós retiramos as falas. Nós nos reunimos por ano ciclo e
ai nós selecionamos a cada trimestre uma fala significativa da comunidade...e ai nós planejamos que
conceitos iremos trabalhar. [...] Tem um mapa de conceitos geral da escola e depois cada ano ciclo
dentro de da sua característica vai dividindo e aí nós vamos trabalhando com aqueles conceitos. [....] A
gente, é claro, dá uma ênfase maior para a questão da matemática e do português, até porque muitos
evadem da escola em função destas disciplinas. (Ibidem, 2002, p.84)
As atividades e o processo de implantação dos ciclos de formação junto aos
professores de Educação Física na rede municipal de Porto Alegre, estudados por Molina e
Neto (2004), Gunter 2000), Wittizorecki (2001) e Bossle (2003), mostram outras
manifestações da complexidade destas relações e processos de implementação da proposta.
Nas pesquisas realizadas junto às escolas, Gunter (2000) diz que os ciclos está
levando os professores a readequarem a totalidade de seus trabalhos pedagógicos. Sob essa forma de
organizar o ensino, os professores estão re-elaborando os conhecimentos adquiridos nas atividades de
formação permanente, conjugando-os com suas experiências docentes cotidianas e com suas atividades
de auto-formação (leituras, cursos realizados por conta própria, novas informações procedentes de
diferentes meios de comunicação social, etc). [...] (GUNTER, 2000, p.239)
115
Aluna: S, 15 anos, 4 irmãos, entrou na escola aos 11 anos.
116
C, histórico de violência familiar, 13-14 anos, não possui irmãos/ãs e mora casa de passagem.
198
No entanto, os eventos macro de formação, não conseguem se articular às atividades
micro (na sala de aula), além dos professores não conseguirem relacionar aqueles ao/no seu
cotidiano em sala de aula:
o conhecimento que os professores constróem durante as atividades de formação vem provocando uma
série de questionamentos sobre sua participação nas escolhas e na organização das atividades de
formação às quais desejam se submeter. Os professores desejam ser incluídos mais ativamente nos
processos de planejamento e de execução das atividades de formação permanente, para além do simples
ato de participar. (GUNTER, 2000, p.239-240)
E, finalmente, diz que os professores “foram chamados apenas para executar, quando
seria necessário levar em conta suas necessidades e interesses (GUNTER, 2000, p.179, 239,
240).
Já Wittizorecki (2001)
117
constatou que as atividades dos professores extrapolam as
desenvolvidas na sala de aula, e defende que a realidade, as condições de vida e trabalho dos
professores, também deveriam ser estudadas e valorizadas na proposta político-pedagógica da
SMED e das escolas, como é proposto nos ciclos em relação aos alunos (Ibidem, p.240, 241).
Os professores com que dialogou “consideram-se educadores comprometidos com a
especificidade da disciplina [...], da responsabilidade social que lhes cabe com relação aos
alunos e com relação à comunidade com a qual convivem diariamente”, mas que, os
problemas decorrentes da implantação da proposta são jogados nas costas dos professores
(WITTIZORECKI, 2001, p.107, 242).
não são raras as ocasiões em que acusam a falta de apoio da administração para questões cuja equação
lhes foge do controle. Não basta propor um projeto pedagógico à comunidade escolar e esperar que os
professores dêem conta dele, em todas suas nuanças e interações possíveis, e superem suas limitações.
[...] Não há como buscar uma meta-ponto-de-vista, desde a perspectiva inter-poli-transdisciplinar, sem
capacidade de escuta. (Idem, 2001, p.242)
Bossle (2003)
118
constatou a dificuldade de traduzir, na prática, a proposta; que alguns
professores não mudaram suas práticas e que outros querem participar, no entanto, falta-lhes
espaço (pois querem também decidir). Disto tudo, afirma que se constituiu (nas escolas
estudadas) uma relação tensa da SMED com os professores de Educação Física (BOSSLE,
2003, p.240, 241, 245) decorrente da:
117
“Buscou compreender a construção do trabalho docente dos professores de educação física em quatro escolas
municipais localizadas no Morro da Cruz”.
118
A pesquisa de BOSSLE desenvolveu-se entre dezembro 2000 e julho 2002 nas escolas Chico Mendes (p.81),
Piaget (p.83), Liberato (p.83) e Fátima (p.84). O problema: “a compreensão a partir da perspectiva dos
199
falta de compreensão do projeto político-pedagógico como um dos fatores que limitam o planejamento
de ensino. [...] a falta de conhecimento em profundidade para operar com as inovações, além da pouca
informação e orientação pedagógica da Secretaria Municipal de Educação. Ressaltam a falta de tempo e
de espaço no contexto particular de cada escola para promover o planejamento coletivo. (BOSSLE,
2003, 243) [E que o] que o ensino por ciclos foi pensado na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre
somente para as disciplinas com ênfase no trabalho intelectual e que não há, no âmbito do sistema como
um todo, adequação dos objetivos da educação física e dos conhecimentos que ela trata ao ensino
organizado por ciclos de formação. (BOSSLE, 2003, p.245).
Por fim, diz que é “difícil se sentir responsável por um projeto político-pedagógico
que o sujeito recebe, em grande parte, pronto para traduzir e concretizar na prática”
(BOSSLE, 2003, p.244). Por outro lado, seu estudo mostrou que:
os professores de educação física querem participar de forma intensa das atividades relativas a essa
forma de organizar o ensino, mas sublinham a necessidade de uma assessoria específica da Secretaria
Municipal de Educação e de atividades de formação que lhes ajudem de forma mais objetiva a pensar
sobre o que exatamente fazem, assim como a fazerem o que pensam. Ou seja, querem discutir,
sobretudo, o quê e como ensinar educação física no currículo organizado por ciclos de formação.
(Ibidem, 2003, p.245)
Mas, para tanto, “não basta propor um projeto pedagógico à comunidade escolar e
esperar que os professores dêem conta dele, em todas suas nuanças e interações possíveis, e
superem suas limitações” (BOSSLE, 2003, p.242).
Já RODRIGUEZ (2002), ao verificar como professoras – que se definem como
engajadas - avaliavam o processo de implementação dos Ciclos de Formação, sua concepção
de currículo, pedagogia e avaliação numa escola municipal
119
(RODRIGUEZ, 2002, p.iv),
percebeu como entraves na implantação da proposta
a ausência de uma assessoria qualificada, por parte da SMED, e a definição do processo de avaliação;
[...] destacam-se, entre outros obstáculos, a não-retenção dos alunos ao final do ano letivo condicionante
do envolvimento de professores e alunos com o processo de ensino-aprendizagem. (Ibidem, 2002, p.IV)
Na escola estudada, os ciclos de formação foram aprovados para 1997 (o 1
o
e o 2
o
ciclos) e em 1998 (3
o
ciclo). Mas, ao iniciar-se a implementação, começaram a surgir
problemas e controvérsias, em relação a temas como:
professores de educação física do planejamento de ensino” e como “o relacionam sua prática educativa com os
princípios da escola cidadã”? (p.64).
119
Estudo realizado na EM Grande Oriente que foi a primeira escola grande a se organizar por ciclos. Foi
fundada em 1987 e localiza-se no Rubem Berta, na Zona Norte. No ano de 1998, tinha 105 professores, 19
funcionários e 1.697 estudantes, distribuídos nos turnos da manhã, tarde e noite.
200
formação e atualização: o grupo questionava o seu preparo para exercer a nova prática pedagógica em
sala de aula; tinha clareza de que as mudanças não podiam ser feitas de modo precipitado; atestava que
a maneira como se lecionava tem a ver com a formação e essa não havia contemplado o Ensino por
Ciclos de Formação”; [...] relação teoria/prática: as professoras viam que a prática não estava sendo
coerente com a proposta; questionavam a validade de uma proposta “de cima para baixo” da qual o
grupo ainda não se apropriara”; prática/planejamento: as dificuldades em planejar a prática
relacionava-se ao conhecimento teórico insuficiente para respaldá-la; [...] as reuniões: nem sempre
aconteciam como espaço para a reflexão sobre as questões anteriormente colocadas e não
contemplavam as expectativas e anseios do grupo; ao comprometimento/motivação: frente ao
acúmulo de dificuldade encontradas, os professores se viam desmotivados, sem apoio necessário para
realizar o seu trabalho adequadamente [...]. (RODRIGUEZ, 2002, p.29) (Negrito CM)
Os professores, diz ela, buscaram “flexibilizar
120
as regras em relação à retenção dos
alunos no ciclo e permitir que alunos de uma turma continuem no mesmo ciclo em que se
encontram” (RODRIGUEZ, 2002, p.32). Colocá-los em turmas separadas significava
marginalizá-los; seria o mesmo fracasso escolar, só que mascarado [(na escola eram mais ou
menos 20% das crianças)].
[Propuseram] uma margem possível de retenção no Ensino por ciclos de formação [...] elaboraram um
documento e o enviaram à SMED, em janeiro de 1999, sugerindo a turma de destino de cada um dos
integrantes da turma A37 em 1999. A resposta veio em março...Porém, em 2 de março de 1999, ficamos
espantadas ao ouvirmos durante a leitura das listagens das turmas, no primeiro dia de aula, que as
crianças da turma A37 haviam sido enturmadas nas B10 (1
o
ano do 2
o
ciclo – equivalente à 3
a
série). A
decisão [...] foi tomada pelo NAI responsável pela nossa escola, após o projeto de férias – 10 dias de
trabalhos pedagógicos realizados com as crianças que apresentaram dificuldades significativas ao final
do ano letivo de 1998; e sem sequer terem consultado as professoras da turma. (Ibidem, 2004, p.32, n.
21)
Em suas conclusões, diz a pesquisadora que:
...não houve o ‘encantamento’ dos professores; poderia ter sido feito, pelo menos, um trabalho de
assessoria de qualidade para que lhes fosse dada as condições de acolher a nova proposta eficazmente
(...). ...as entrevistadas apontam a postura da Rede, na figura da SMED, como desinteressada em
estabelecer o diálogo necessário com corpo docente, dizendo-se desconfortáveis com essa situação.
...inconformidade das professoras com o trabalho que está sendo realizado em nome do Ensino por
Ciclos de Formação na Grande Oriente. Isso porque as docentes da escola que foram entrevistadas
acreditam estar fazendo o melhor que podem (em sua maioria) e sentem-se frustradas com a assessoria
da SMED, que não atende as suas dúvidas. É o acúmulo da angústia e da ânsia do que fazer que torna o
seu dia a dia tão melancólico (das três entrevistadas e das demais com questionários). (RODRIGUEZ,
2002, p.137)
Isabel Medeiros percebe no desdobramento da gestão democrática no espaço escolar,
que o Colegiado (alterado em fins de 1991, e depois findo em 1995, com as eleições de
diretores) era manipulado: “Se reuniam só para o favorecimento dos professores: expulsão de
120
Flexibilizar aqui estaria relacionado à retenção dos alunos que não alcançassem os “objetivos” que, conforme
os professores/a deveriam servir de critérios para tanto. Para além do conteúdo de tal “flexibilização”,
questionável, sem dúvida, nosso interesse prendeu-se na identificação e localização de contradição/conflito
destes professores/escola com a SMED. Ressalto, no entanto, que tal questão nas proposições da
escola/professores não deveria gerar, por parte da SMED e assessores, uma “repulsa” global a qualquer
proposição vinda daquela.
201
aluno.”(MEDEIROS, 2000, p.21), e que os conselhos escolares e a eleição de diretores
fizeram avançar a gestão democrática na rede. Mas, no relacionado ao pedagógico, a
participação dos professores ainda não superou,
na prática, a concepção de que somente os docentes são capacitados para discutir o “pedagógico” da
escola. A pesquisa realizada [...] revelou que muitos dos entrevistados – familiares e alunos – não
entendem a sua organização curricular. Também a pouca escolarização das famílias pode ser fator que
contribui nesta questão, visto que possuem elementos precários para estabelecer relações entre o
funcionamento da escola e outras formas e possibilidades de funcionamento. [...] a grande maioria dos
responsáveis pelos alunos não estudaram além da quarta série do ensino fundamental. (Ibidem, 2000,
p.22)
Voltando à relação da SMED com as escolas, Mistrelo (2000) mostra que a “proposta”
de ciclos de formação era da SMED e não podia sofrer alteração por parte das escolas. Ao
buscar, na especialização, respostas às questões surgidas durante o processo de
implementação dos Ciclos de Formação em sua escola, diz que a iniciativa da reformulação
do currículo foi da SMED, em contradição com as afirmações de gestão democrática em
relação ao processo de implementação das políticas educativas. Ou seja, se falava de
democracia e gestão democrática, descentralização, etc., mas “senti que as propostas já
estavam direcionadas”, e já estava se implantando “no município de Porto Alegre: Ciclos de
Formação” (MISTRELO, 2000, p.3).
No entanto, isto não foi impeditivo para a implantação dos Ciclos em sua escola, e
decorrente de seu trabalho junto aos professores, fizeram algumas alterações na proposta e
enviaram “ao senhor Secretário de Educação expondo nossa nova estruturação do II ciclo,
organizamos a escola para o ano 2000” (Ibidem, 2000, p.8). A motivação foram os limites na
proposta em relação à concepção de currículo:
como que esta concepção de currículo pode ser internalizada numa sociedade na qual os indivíduos se
percebem apenas como sujeitos cognitivos e não como sujeitos sociais, inclusive os próprios educadores
que devem ser multiplicadores desta concepção progressista? (...). Se o currículo e conhecimento são
idéias indissociáveis [...] penso que só poderá haver mudança de currículo na escola se o professor
desenvolver consciência política, competência técnico-prática e visão coletiva (MISTRELO, 2000,
p.29)
E sobre a globalidade da proposta dos ciclos de formação da SMED
concepção da proposta da SMED, a nova organização curricular, apontaria um novo caminho,
possibilitaria um novo olhar, uma nova lógica de perceber o conhecimento, buscando reconstruir um
novo processo de ensino aprendizagem nas escolas municipais”, na realidade, “evidencia-se medidas
isoladas de um contexto maior, resultando na inadequação da implementação destas medidas nas
escolas. Conseqüentemente temos novamente um ensino excludente e seletivo. (MISTRELO, 2000,
p.30, 35)
202
Sobre a pesquisa socioantropológica, diz que a formação acadêmica na graduação não
possibilita a “compreensão do processo de construção social do conhecimento que precisamos
legitimar nas escolas”; além disso, nas reuniões pedagógicas os professores manifestavam que
não possuíam os “conceitos e valores referentes à educação, política e conhecimento
geral/social” como propunham os ciclos e, diante disso, “como transpor estes conceitos para a
sala de aula?” Ou como “tornar os professores construtores de conhecimentos, quando são
reduzidos a executores de propostas e projetos?” (MISTRELO, 2000, p.37-41). Diante disso
tudo, os assessores da SMED diziam para trabalharmos com as “diferenças”, mas até então, a
formação dos professores e sua prática era de que deveriam “trabalhar com coletivos
homogêneos, com desempenho cognitivo”(Idem, 2000, p.45) e, por sua vez, a SMED
propunha uma única possibilidade de organização curricular e de Ciclos de Formação.
Nas propostas da Administração Popular, as classes populares tinham papel destacado
como sendo as beneficiárias daquelas. Mas, que são essas classes populares?
As classes populares não são homogêneas
As políticas desenvolvidas pela Administração Popular tiveram nas classes populares
seu direcionamento e ênfase. Neste sentido, a manifestação de alunos/as das classes de
progressão por R. Carvalho (2002) é ilustrativa. Ou seja, os sujeitos das classes populares
dizem sobre a escola: “aqui é bom, a professora tem paciência, a gente aprende”, “todo
mundo tá aqui para se ajudar” (S, 15 anos); “antes de eu entrar nesta escola, nada acontecia de
bom” (J, 14 anos, apud R. CARVALHO, 2002, p.59 e 72).
Antes de eu entrar nesta escola, não acontecia nada de bom. Eu não conseguia aprender a ler, era burra
mesmo, muito burra (...) Todo mundo dizia isso de mim. [...]...a professora dizia: - Lê J. e eu não
conseguia ler nada, eu não sabia ler nada. [....] Daí eu rodei porque não sabia ler. No outro ano, eu sabia
escrever um monte de palavra mas ainda não sabia ler de novo. [...] Lá em casa meus irmãos riam de
mim, mas eles não sabem ler nada. Então nasceu meu irmão e eu tinha que faltar bastante para ajudar
minha mãe a cuida da casa e das coisas dele. [...] Eu parei de estudar. [....].Eu ajudando em casa e não ia
mais na escola (p.71). [Sobre o fato da mãe tirar da escola]: “sabe, é que minha mãe disse que já tava
mocinha e tinha que ajudar em casa, fazer as coisas, né!! Arrumar a casa, varrer, fazer a comida e cuidar
do nenê que nasceu. Minha mãe dizia que esse é serviço de mulher, cuidar da casa e que meu irmão não
podia fazer meu serviço. Então eu fiquei sem ir na escola, né..”. (R. CARVALHO, 2002, p.72)
121
No entanto, na análise das falas e perspectivas destas meninas, percebemos, também,
contradições e complexidades que vão além da compreensão das classes populares como
203
únicas e homogêneas ou “naturalmente” críticas ao sistema social em que vivem; como os
“sonhos” dos jovens destes setores sociais são permeados por aspectos da realidade vivida e
percebida, de serem “como as mulheres que aparecem no carnaval da televisão”, em
contraposição à realidade de surras que sua mãe lhe dava, “para ser alguém na vida”. Mas, ao
mesmo tempo, e por outro lado, quer ser “alguém para ajudar a minha mãe” (L, adolescente
apud R. CARVALHO, 2002, p.64)
122
.
Eu quero ser assim como as mulheres que aparecem no carnaval da televisão. Elas são bonitas. Sabe, né,
(...) lá no abrigo dizem que eu também posso ser assim.. [...] Quando eu morava com a minha mãe, né
(...) eu apanhava muito mesmo. E ela dizia que eu era uma negrinha safada que não ia sê nada na vida
(pausa). Mas a prô diz que eu sou inteligente e posso consegui as coisas que eu querer. Sabe eu tenho
muita vontade de ir para o ano ciclo
123
e terminar meus estudos na escola, porque assim posso ser
alguém na vida (...). (p.62). ...sabe, né,...quando eu tiver as minhas coisas: a minha casa, o meu
emprego, eu vou ajudar minha mãe. [...] Ela me batia, brigava, mas gostava de mim. (R CARVALHO,
2002, p.64)
Também a discriminação e o racismo estão presentes e se re-produzem entre as classes
populares, como evidenciam os alunos que chamam P (15 anos) de “maneta, nega feia,
Teleton”; ou o papel reservado às meninas de “ajudar a mãe”, “já tava mocinha e tinha que
ajudar em casa, arrumar, varrer, cuidar do nenê... é serviço de mulher dizia minha mãe” (J, 14
anos, apud CARVALHO, 2002, p. 67 e p.74).
...eu não gosto quando meus colegas ficam me chamando de maneta, perneta, nega feia. Eles dizem que
eu tenho que procurar o Teletom, porque sou muito feia. [...] Eu tô agüentando até onde der, porque
quero estudar mas já não consigo mais viver assim com tanta gente me xingando. Sabe, as vez, eu penso
em sair da escola e só trabalhar mas lá na casa elas não deixam fazer isso, né! (Idem, 2002, p.67)
124
Maria Luisa Xavier (2003), como já comentei, ao estudar as classes de progressão,
mostra “o processo de produção do disciplinamento” e da “ordem” social, relacionado aos
comportamentos esperados, um modelo de aluno, as práticas e os objetivos, mesmo que
permeados de discursos inovadores (Ibidem, p.216, 219, 220). Há, neste sentido, a
necessidade de estudar as culturas adolescentes, pois as mesmas, além de reproduzirem
práticas “machistas” e de “exclusão”, são diferentes daquelas que os professores têm como
perspectivas suas (XAVIER, 2003, p.173, 179, 222).
Diziam as professoras: “nós, professoras, não somos as mulheres que eles conhecem
[...] na cultura machista deles, mulher não manda em homem, eles têm dificuldade de aceitar
121
J, negra, 14 anos, vinda da periferia, mora com pais, irmãos, tios, irmãos menores num único espaço. Teve
inúmeros “fracassos” na primeira série que levaram a sua saída da escola.
122
L, adolescente negra, sofreu violência sexual, tem seis irmãos moram Montenegro, ela casa de passagem.
123
Como ela está numa turma de progressão, ir para o ano ciclo, seria sair desta e ficar junto turma do ciclo.
124
P, negra, 15 anos, órfã aos 5 anos, mora casa de passagem, “trabalho infantil” (catadora de papel).
204
nossa autoridade” (Ibidem, p.178). E, dos depoimentos de estudantes das TPs, promovidos e
não-promovidos para turmas dos anos-ciclos, percebe-se que eles reconheciam sua
permanência nas TPs como “passageira e útil”, mas atribuíam sua estadia nessas turmas ao
fato de não saberem ler e escrever: “[...] o difícil é o escrever emendado, copiar as coisas do
quadro, ler, principalmente ler é muito complicado” (K., 12 anos). Os alunos acreditam que se
eles se esforçarem, fizerem os trabalhos e não conversarem, serão promovidos.
Aqui não tem prova, tem maior número de professoras; nas outras escolas é melhor, aqui tem muita
bagunça porque não dá nada depois [...]. Eu aprendia mais quando tinha prova, aqui, se a gente fala em
prova, o “xixi come”. Prova obriga a gente a estudar, testa a nossa inteligência e esforço. [...] Mas é
bom ter mais de uma professora para a gente não enjoar. [...] Aqui a gente tem línguas, teatro, música,
computação [...], mas de que adianta? O ensino é fraco, se eu for para outra escola eu sei que rodo.
(Ibidem, 2004, p. 179)
Portanto, se por um lado existe todo um conjunto de significados proveniente da
‘cultura de rua’, que até agora não havia sido levado em consideração nas instituições
escolares, de outro, esta cultura está em descompasso com a cultura escolar (Ibidem, 2004,
p.182), porque a escola ainda dá ênfase ao aspectos tradicionais e ‘normais’ dos processo de
aprendizagem:
As dimensões epistemológicas e cognitivas no processo pedagógico e ainda, dentro dessa dimensão,
privilegiando a leitura, a escrita e o pensamento lógico- matemático; (...) a necessidade de revitalizar os
Estudos Sociais e as Ciências e incorporar de forma mais substancial, saberes emergentes e
contemporâneos ao currículo escolar, e a necessidade de maior articulação entre as áreas de
conhecimento e os Complexos Temáticos, proposta do projeto Escola Cidadã ainda não suficientemente
problematizada nas escolas. (XAVIER, 2004, p.183)
Nilton Fischer (2004) discute o tempo
dos processos de implementação das políticas e
a realidade das comunidades escolares e dos alunos, dizendo que
em algumas situações em que foram implementados de forma apressada, foram reduzidos a uma
concepção que poderia ser entendida como sendo a promoção automática dos alunos, representando,
assim, o sinal invertido da antiga cultura da repetência. As mais diversas repercussões, desde as teorias
educacionais até a gestão dos sistemas educacionais, testemunham essa importância. (Ibidem, p. 28)
O ritmo das mudanças educacionais se impôs “aos tempos existentes nas rotinas, nas
práticas e nas fundamentações que educadores usam, tanto para acatar, implementar e
“arriscar”, por meio de transformações, no sistema escolar, quanto para resistir, criticar,
ignorar e “desfazer” essas mesmas reformas” (FISCHER, 2004, p.28).
Para tanto, Fischer problematiza a idéia de existência de um único contexto (ou
contexto homogêneo) nas escolas da periferia, de seus jovens, alunos e sua relação com e na
205
comunidade. Diz que, apesar das pesquisas das últimas décadas “com bom nível de
sistematizações, de aproximar os saberes escolares com os da comunidade escolar”, no qual
professores com o desejo de conhecer seus alunos se dedicaram a práticas novas, através de
pesquisas, tendo Paulo Freire como referência destas reflexões e ações, “nem sempre o
manifesto, o visível, o capturado é o elemento revelador das múltiplas interações do que está
sendo observado na atividade de campo
125
.
Realizar um trabalho de campo, com a complexidade que ele demanda, em função da especificidade dos
métodos derivados da antropologia, não pode ser reduzido a uma rápida formação, fora da estrutura de
um curso e com tão curta duração. Muito menos um curto tempo de trabalho de campo. Argumento a
favor de uma revisão dessa condição de professor pesquisador, no sentido de que estamos vivenciando
um momento em que devemos refletir mais sobre a nossa prática, levando em conta as relações que essa
prática tem com a sociedade na qual ela se produz.(Ibidem, 2004, p.30-31)
Na tentativa de aplicar os resultados de suas investigações, professores e escolas
tentam afunilar as primeiras descobertas numa espécie de didatismo, onde a sistematização
dos procedimentos e dos resultados transforma-se em regras, em normas que aprisionam os
tempos dos sujeitos “como se fossem manuais de execução” e que se “desdobram na sala de
aula, na didática, no ato de ensinar” (Ibidem, 2004, p.31).
A cultura popular não é apenas reflexo daquilo que as elites lhe atribui, demanda ou
possibilita pois:
Existem espaços de autonomia, existem estratégias de originalidade e de afirmação de identidades
populares cuja dinâmica tem surpreendido todos aqueles que se dedicaram ao seu estudo mais profundo
em qualquer uma de suas dimensões, inclusive no terreno das religiões aparentemente mais
“tradicionais. (Brandão, 1995, p.152, apud FISCHER, 2004, p.32)
Os tempos da vida, nas periferias urbanas:
revelam não só os tempos contrastantes, evidenciados pelos indicadores físicos de moradia, por
exemplo, que denunciam um projeto desigual de qualidade de vida em relação a outras categorias e
classes sociais, mas também os diferentes acessos a certos bens, entre as classes populares, mostrando
dessa forma, ritmos diferenciados entre um mesmo segmento social. (FISCHER, 2004, p. 33)
No entanto:
As classes populares, sua juventude – nossos alunos - se pautam por uma perspectiva mais imediatista e
de curta duração. Os projetos, especialmente dos alunos jovens, se transmutam em projetos do hoje, do
imediato. A escola não representaria a seqüência linear esperada pelos formuladores das políticas
públicas, mesmo estas sendo progressistas e, muito menos, sendo referidas ao mercado do trabalho.
Noções como modalidade social, ascensão e outras promessas ficam subordinadas ao retorno rápido e
sem muitos devaneios. Esses desajustes na formação social podem produzir convivências ambíguas
entre o atrasado e o avançado; o atrasado e o moderno. (FISCHER, 2004, p.33)
125
“Claudia Fonseca nos alerta para que a pesquisa dita socioantropológica tenha outra denominação para não se
comprometer com o acúmulo dessa produção no campo da antropologia, especialmente nas abordagens e
metodologias como a etnografia” (FISCHER, 2004, p.30).
206
Nas pesquisas socioantropológicas, ao se retirar, apressadamente, elementos
estruturantes do cotidiano das classes populares para uma intervenção cognitiva e mesmo de
conscientização, corremos o risco de:
transformar o epifenômeno, aquilo que se torna visível em uma primeira observação, no elemento
explicativo de alguma condição de vida dos sujeitos – alunos e familiares – em algo quase absoluto. O
cotidiano detectado dessa maneira omite o registro da transgressão ou, ainda, pouco tempo tem para
captar o espaço da vida privada, onde implica o reconhecimento do indivíduo, da individualidade.
(FISCHER, 2004, p. 35)
Nossas experiências, diz Fischer, são mais complexas do que a percepção dada pela
sistematização induzida pela política pública, do exterior sobre o interior, pois elas são
feitas de velocidade e lentidão, de movimento e repouso, isto é, da alternância e do ritmo. Esta combina
reversibilidade e irreversibilidade porque estamos contemporaneamente sobre a linha que escorre e que
nos leva do nascimento ao crescimento, ao envelhecimento, à morte, mas vivemos também no tempo
que pode tornar pra trás, que pode percorrer novamente o ciclo, porque o tempo é o da alma. O
problema de hoje é reconhecer essa pluralidade e não pretender reduzir a nossa experiência do tempo a
uma só dimensão. A pesquisa de uma unidade nos coloca hoje em dia em confronto com uma separação
crescente entre o tempo do relógio e do calendário e o tempo interno. É sobre essa separação que se
joga o desafio do cotidiano, que consiste em encontrar um fio, uma continuidade entre as partes da
experiência. (MELUCCI, 1992)
O tempo da implementação das políticas ou do cronograma e das normas de aplicação
dos “conteúdos escolares”, portanto, o tempo externo, não pode ser associado de forma
simplista à complexidade dos “ciclos da vida” das pessoas (tempo interno), bem como à vida
cotidiana das populações.
O tempo interno, aquele que acompanha afetos e emoções e vive no corpo, possui, no entanto,
características opostas. Este é múltiplo e descontínuo: na experiência subjetiva, tempos diversos
coexistem, sucedendo-se e interceptando-se e sobrepondo-se. Há um tempo cíclico, como aquele do
mito, no qual os eventos retornam idênticos a si mesmos com variantes e se manifestam no corpo, nas
emoções, nos sonhos, como sintomas, imagens e comportamentos repetitivos. Existe, pois, um tempo
simultâneo: muitos tempos existem contemporaneamente, ontem e amanhã, o meu tempo e o teu, aqui e
em outro lugar. Podemos ser adultos e crianças, brancos ou negros, no antes e no depois. A
simultaneidade do tempo interno é a abolição da não-contradição. (MELUCCI, 1992)
O mesmo autor considera que os tempos das interações dos sujeitos, com seus espaços
e trajetórias, histórias e contradições, podem e devem ser também os tempos das e nas
escolas, mas que não devem ocorrer de forma prescritiva a ninguém, muito menos pelas
mantenedoras. Ao Estado cabe garantir as condições básicas para a compreensão do “mundo
adulto, dos formuladores de políticas públicas e dos professores, que aumentem suas
compreensões sobre a riqueza do conectivo “e” entre os tempos internos e externos dos alunos
e do entorno social e cultural onde vivem, incluindo todas as diversidades e ambigüidades daí
207
decorrentes. Neste sentido, se os professores-pesquisadores, não devem ficar prisioneiros do
manifesto, do visível e dos tempos externos de alunos e professores, ao Estado caberia
formular e implementar uma política pública, que se afaste do método da inovação pela
inovação, praticando uma “escuta sensível” dos protagonistas “em seus tempos internos e
externos, e também uma compreensão profunda das múltiplas formas de enraizamento que
ocorrem no mundo da vida, com suas ambigüidades e contradições (FISCHER, 2004, p. 38),
se afirma, pretender democrática em sua gestão das políticas estatais.
Finalmente, e para concluir, em 2000 Carvalho já afirmara que a orientação política da
educação em Porto Alegre, ao privilegiar a questão das classes sociais, acabava impedida de
reconhecer a importância que merecem outras formas de produção e reprodução da ordem
social patriarcal.
Gênero e raça são questões ausentes do debate sobre democracia e cidadania nas propostas político-
educacionais. [...] os enfoques sobre a Escola Cidadã avançam uma visão universalista sobre a
democracia que, todavia, não problematizam a violência e as discriminações de gênero e de raça.
(CARVALHO, 2000, p.2)
O princípio da “Aprendizagem para todos”, que dá forma e conteúdo ao projeto da
Escola Cidadã, pressupõe um “projeto distributivo, via escolarização”, no qual a “escola seja
um importante meio de restituição da cidadania” para “reduzir as distâncias entre as classes
sociais, eliminando assim, os obstáculos ao acesso, permanência e qualificação dos(as)
estudantes de classes populares na escola” (CARVALHO, 2000, p.3):
O discurso da Escola Cidadã abrange a integração das classes populares, destacando-se os direitos
democráticos de participação na vida social e política. Cidadania, neste contexto, significa assegurar
liberdade de expressão e argumentação em igualdade de condições, [que] se fundamenta no respeito às
diferenças, buscando a superação de todo o tipo de discriminação (raça, sexo, credo, classe social).
(SMED, 1995, apud CARVALHO, 2000, p.3)
Mas tal perspectiva se encontra “presa a uma concepção tradicional de cidadania e
reproduz um modelo de cidadania através de um projeto universalista” (Walby, 1997, apud
CARVALHO, 2000), que busca a “integração dos excluídos – as classes populares” dentro do
sistema que os excluiu.
Isso ocorre quando, por exemplo, as famílias nas escolas demarcam fronteiras de classe social enviando
seus filhos (as) com merenda e roupas diferenciadas. Fato que gera tensões, violência e discordância
entre o que a escola deseja estabelecer e os efeitos deletérios advindos da estratificação social. (Ibidem,
2000, p.4)
208
A proposta da escola cidadã em verdade, desconsidera que a realidade de cada
comunidade é diferenciada, pois, lado a lado se encontram:
famílias pobres e famílias com um padrão muito próximo ao padrão de consumo de classe média, que
podem oferecer lanches variados (não quer dizer os melhores). A merenda, juntamente com as roupas,
serve para demarcar a posição de classe social; ela, na verdade, funciona como um jogo de status e o
roubo é o lado visível da acentuada competição entre os alunos. A distribuição desigual de recursos,
identificada pelas roupas e alimentos que as(os) estudantes trazem para a escola, demarcam diferenças
de classe social e geram conflitos entre eles na escola. (CARVALHO, 2000, p.4)
Tais diferenças, bem como as “discriminações e desigualdades não se restringem à
questão de classe social” e ao não serem problematizadas limitam a perspectiva emancipatória
(CARVALHO, 2000, p.5). Mais ainda, diz que a proposta de Escola Cidadã da Administração
Popular, portanto de um governar de esquerda, não poderia “desconhecer as análises e as
plataformas de diferentes atores e movimentos sociais, sob pena de reproduzir discriminações
e injustiças”, pois a luta “pela eliminação das discriminações de gênero e de raça é um projeto
educativo a ser instituído por todos aqueles que se preocupam com a democracia e a
cidadania.” (Ibidem, 2000, p.5). Portanto, diz Carvalho (2001) que no projeto da Escola
Cidadã a questão de gênero, raça, etnia, etc. não foi problematizada em profundidade, pois
reproduz uma perspectiva liberal e universalista de cidadania, inclusive nem levando em
conta aspectos e resoluções positivas de organismos internacionais. Tais elementos foram
percebidos nas relações escolares, nos documentos e nos planos escolares
126
.
Também Moll (2004b), ao chamar a atenção para os processos complexos do
cotidiano escolar, destaca a diversidade, diferenças e variedades de interesses decorrentes das
variações de “gênero, de raça, etnia, religião, agremiação esportiva, etc.”, que devem ser
acolhidas e podem ser parte de um processo de diálogo; não de monólogo e mesmice, pois se
assim procedermos estaremos “empobrecendo a progressão dos ciclos’ e não percebendo os
“nichos de criação” existentes nos espaços escolares. Se assim, enfim, a escola não estaria
cumprindo seu papel na aprendizagem das novas gerações e para sua inserção qualificada no
mundo adulto (MOLL, 2004b, p.107-108).
126
E “livre de estereótipos de gênero para todos os níveis de ensino, incluindo o treinamento de professoras(es),
em associação com os editores, professoras(es), autoridades públicas e associações de famílias; desenvolver
programas de treinamento e materiais para as(os) professoras(es) que conscientize-as(os) sobre o status, os
papéis e as contribuições de mulheres e homens na família e na sociedade; neste contexto, promover a igualdade,
cooperação, o respeito mútuo e as responsabilidades compartilhadas entre meninas e meninos desde o nível da
pré-escola e desenvolver, em especial, módulos educacionais para assegurar que os meninos tenham as
habilidades necessárias para cuidar de suas próprias necessidades domésticas e compartilhar a responsabilidade
pelo trabalho doméstico e pelo cuidado dos dependentes”. (United Nations, 1995, art. 83, apud CARVALHO,
2001, p.7)
209
Conteúdo e gestão da política educacional: as relações educativas na cidade
Em primeiro lugar, devemos reconhecer os méritos da primeira gestão em educação
em Porto Alegre que possibilitou condições de trabalho e salário melhores aos professores e
de estudo aos alunos/as; ampliou o atendimento e potencializou a aprendizagem nas séries
iniciais; assessorou as escolas e realizou encontros nacionais e internacionais de formação,
bem como criaram-se revistas e livros sobre os temas em discussão na rede municipal de
ensino e na cidade. Em segundo lugar, na continuidade das gestões, ampliaram-se os espaços
de discussão, participação e de decisão da comunidade escolar sobre as políticas educativas da
rede municipal de Porto Alegre. Por exemplo, os ciclos tencionaram as concepções e práticas
excludentes nos processos educativos das/as escolas, criaram-se os conselhos escolares e
realizaram-se eleições de diretores e Congressos e Encontros de professores e demais
segmentos educacionais da rede. Por fim, a transformação dos Encontros nacionais no Forum
Mundial de Educação em 2001 e 2003, ampliaram o debate na cidade e da educação mundial
em alternativa à educação “enquanto mercadoria”.
Disso diria, então, que as condições materiais e de infra-estrutura são fundamentais
para a melhoria da qualidade do ensino e de sua democratização, mas há necessidade de
atividades de formação e de assessoria e de uma proposta político-pedagógica que sirva de
parâmetro de referência e/ou de debate. Neste caso, um governo eleito, mesmo dentro das
regras limitadas em que isto se realize em nosso país, pode e deve, propor e apresentar a sua
proposta político-pedagógica. No entanto, a mesma não poderia pressupor uma perspectiva
totalitária em que todas as possibilidades estivessem fechadas, e não possibilitasse o
questionamento, o enriquecimento e alterações a partir de proposições de professores e
escolas. Ainda mais, de governos democráticos e populares que, pressupõe-se, governarem
em nome ou tendo os interesses populares como perspectiva de suas políticas. Diria que, em
Porto Alegre, se avançou mais do que isto, ao ser realizado o Congresso das Escolas
municipais e o estabelecimento dos princípios da escola cidadã de forma participativa e de
forma ampla. No entanto, ao longo do processo de desenvolvimento, a tensão institucional e a
vontade de poder manter-se à frente dos espaços estatais acabaram colocando em segundo
plano a gestão democrática e do respeito à diversidade e divergências na rede municipal e a
imposição de um único modelo educativo.
É verdade, e autores analisados afirmam também, que há uma realidade histórica e
estrutural de autoritarismo hierárquico e de falta de democracia e de processos participativos,
e muito menos, de indução da participação das populações na produção das políticas
210
educativas (e das políticas em geral) por parte do Estado num sentido libertário e
transformador. No entanto, nas perspectivas políticas da Administração Popular e de
pesquisadores apoiadores destas este contexto e realidade é aludido, no entanto, não
incorporado enquanto “determinado” mas não “determinante”. Ou seja, desenvolve-se a cada
momento nas relações sociais, (sob e sobre) aquela realidade, a determinação permanente de
que “There is not alternative” ao instituído. Já argumentei, na parte I, aspectos sobre isso,
então sigo adiante. Lembrei-a aqui, para dizer que a totalidade do processo educativo e
societal implica verificar como se desenvolvem e produzem as relações sociais sob e sobre
aquelas condições de produção material e estrutural, transformando-as no sentido de criar
melhores condições, no hoje, para amanhã avançarmos ainda mais.
É no sentido educativo que o processo da relação do Estado/governo desenvolve-se
similarmente ao que se desenvolve em sala de aula, ou em todas as relações sociais na
sociedade. Se neste processo educativo, da sala de aula e na gestão do Estado/governo, como
caracterizou Boaventura de Sousa Santos (1998) como “novíssimo movimento social”, o gerir
e o aprender enquanto processo deveriam possibilitar/induzir/produzir condições para que o/s
indivíduos tornem-se produtores, portanto, sujeitos de sua própria obra educativa (Lefebvre,
1986). É claro que, ao estarem sobre determinadas condições sociais, conjunturais e
estruturais bem como de relações sociais e culturais instituídas que se produzem e re-
produzem permanentemente, conceber e viver numa perspectiva transformadora e libertária
como aludida acima, exigiria ser de fato “sujeito da própria obra educativa”.
Sendo assim, diria que processo de aprender, e apreender destas condições, e o tornar-
se agente da produção de relações sociais democráticas, libertárias e solidárias, portanto “de
um outro mundo possível” (FSM), desenvolve-se de forma análoga, por exemplo, nas
relações educativas entre alunos/as e professores/professoras. Mas, como disse, há uma
determinada escola, com determinados professores e/ou professoras, conteúdos, comunidades,
alunos/as, disciplinas ou áreas do conhecimento e utopias efetivando-se e sendo produzidas e
re-produzidas permanentemente. E foram tais concepções e práticas instituídas que o
Construtivismo e os Ciclos de Formação, mas também, os conselhos escolares, as eleições de
diretores, os congressos e encontros, etc. desenvolvidos pelos governos da administração
popular nestes 16 anos problematizaram e buscaram superar de formas variadas.
No entanto, pôde ser percebida a perspectiva homogenizadora (ou na superficialidade
analítica e relacional) da SMED/Estado (centro) em contraposição à complexidade e da
diversidade de percepções e contextos sobre os quais aquelas políticas incidem, impediu que
se pudesse avançar ainda mais. Tal perspectiva, de homogeneização ou uniformização, das
211
políticas desde a SMED, também servia para que os gestores não perdessem o controle (como
se estivessem pilotando) das respectivas políticas, pois, se o inimigo neoliberal apresentava
uma única alternativa (que não há alternativa), a contra-hegemônica deveria estar unificada
em sentido inverso. Pelo contrário, pelo que apresentei antes, verificamos a necessidade da
não homogeneizadora (ou uniformizadora) no processo de implementação/implantação das
propostas educativas que visem a democratização de fato nestas relações e da assunção de
professores/as e escolas como sujeitos. Isto porque a diversidade e as diferenças culturais de
projetos e trajetórias de escolas e professores diferenciados podem e devem ser os motores da
produção de sujeitos e de obras educativas libertas e democráticas. A unidade nesta
diversidade e na luta contra as desigualdades sociais, econômicas e políticas deve ser
privilegiada e assumida enquanto parte da gestão democrática e sua obra educativa na cidade.
Diante disso, será necessário incorporar, nesta reflexão, uma perspectiva do cotidiano
como diferente de privado, com a inclusão nesta, da diferenciação dos tempos das políticas (e
dos governos) com o tempo das pessoas (externo e interno) no processo de produção de uma
contra-hegemonia rebelde em educação, e não apenas a re-produção da hegemonia dos
centros de poder. Fischer (2004) discute tais aspectos, em relação ao cotidiano cruzando-o
com os tempos internos e externos dos sujeitos no processo de implantação dos ciclos e de
produção do pertencimento. Afirmando que a vida cotidiana está “na fábrica, no trabalho, na
rua, na casa, mas não está inteira na casa, no trabalho, nos lugares onde a contradição se faz
mais viva e o desafio à transgressão se torna mais significativo” (MARTINS, 1998), é o
oposto “de vida privada e deve ser pensada a partir do conceito de cotidianeidade”
127
, que é
quebrada na “revolução. [...] no rompimento daquilo que é propriamente rotineiro”
(FISCHER, 2004, p.35).
As políticas educativas democráticas e libertárias, não podem afirmar-se como
participativas e radicais se têm “medo” de perderem o “controle”, pois assim agindo estarão
fazendo o jogo dos dominadores. Ainda mais, se no conteúdo de tais políticas (como afirmou-
se através do Construtivismo, dos Ciclos e de outros mecanismos e espaços criados) que se
buscava, que as classes populares e/ou os alunos/as deveriam tornar-se ou ser sujeitos de seus
processos educativos e políticas educativas. E aqui chego à última parte, sobre os
destinatários das políticas, visto desde o Estado/governo.
Vimos que entre os professores há uma variada e contraditória gama de posições, que
às vezes, inclusive contraditoriamente, apóiam os Ciclos mas não comungam (ou
127
Cotidianeidade é o processo resultante da programação (do cotidiano) pelo Estado nas sociedades
contemporâneas (ver LEFEBVRE, 1991; PENIN, 1995).
212
“assimilam”) todos os seus pressupostos. Outros, sem dúvida, visando o melhor para seus
alunos propõem flexibilizar (seria melhor reter) os Ciclos visando uma “melhor” educação
aos alunos. E, ainda, outros apresentaram modificações na proposta sem serem “ouvidos”. A
questão que surge, é de que a SMED não foi a educadora que propunha na sua proposta de
Ciclos ou de Construtivismo com seus respectivos professores/as e escolas.
Na parte seguinte, retomarei estes aspectos, relacionado-os com os de outras partes
desta tese, visando a finalização com as conclusões.
213
8 - DO CONCEBIDO E DO VIVIDO, ... AINDA A DEMOCRACIA SEM
FIM
Sobre o contexto do estudo na crise do sistema-mundo e alternativas
Nas últimas décadas as esquerdas brasileiras passaram por muitos momentos e
aprendizagens. Da crise e da quase dizimação política e teórica nos anos sessenta e setenta,
para sua recuperação junto com o crescimento das lutas contra a ditadura e a emergência de
novos movimentos e atores sociais. No entanto, nos últimos vinte e cinco anos, as esquerdas,
as forças progressistas, os democratas estão vivendo uma crise significativa em suas
perspectivas de transformação do mundo; a questão desta encruzilhada é se, daqui a mais
vinte e cinco ou cinqüenta anos, haverá o “outro mundo possível”?
No período mais recente, as esquerdas brasileiras e/ou as forças anti-sistêmicas
passaram por dois momentos significativos. E novos movimentos sociais e as suas lutas
encontraram novos espaços de encontro mundial e de esperança para as lutas anti-sistêmicas.
O primeiro momento foi em 1989 quando, no bojo dos movimentos em ascensão
contra a ditadura militar e as primeiras eleições para presidente desde 1964, o “socialismo
burocrático” “desmerengou” (CASTRO, 1991) no leste europeu e na URSS. Imediatamente,
as forças liberais e conservadoras utilizaram o evento para desqualificar os projetos de
mudança. A derrota de Lula, a eleição de Collor de Melo e depois FHC I e II reconstituíram o
bloco hegemônico na década seguinte. No entanto, como estávamos “saindo” da ditadura
militar e em processo de ascensão das lutas populares, sociais e políticas, o impacto e a
percepção daquele efeito nas concepções de socialismo e nas forças anti-sistêmicas foi
diferenciado. As forças ou grupos políticos que mais sofreram seriam aqueles que Wallerstein
(2002, 2004) caracterizou como velha esquerda. Já os grupos e partidos que tinham críticas
aos regimes “socialistas”, como o Partido dos Trabalhadores, acabaram saindo relativamente
incólumes deste momento, embora tudo isto tenha influído bastante nas discussões e
resoluções do I Congresso do Partido. Será, em parte, por isso que o Partido dos
Trabalhadores, que já vinha ganhando simpatia mundial após os anos noventa, se constituirá
numa das principais referências políticas da nova esquerda mundial.
O segundo momento ocorrerá em 2002, quando este Partido e aliados assumem o
governo federal, sendo o Brasil uma das maiores economias do mundo e importante elemento
na geopolítica latino-americana e terceiro-mundista, não apenas pelo tamanho de sua
214
economia e população. Passados, no entanto, três anos de governo, as mudanças não foram
tão significativas, há muito de continuidade e nem tanto de novidade. É uma experiência que
está a desafiar os grupos no centro do governo, o Partido, a oposição, a Nação e além; o
mundo hoje olha o Brasil com curiosidade (e com preocupação ou “alívio”).
Diante de tal realidade e sentimentos, argumentei, nos 3 primeiros capítulos deste
trabalho, que devemos analisar o local no contexto do sistema-mundo (geopolítica e/ou
sincronicamente) e numa perspectiva de sistema histórico (diacrônica) de 500 anos, conforme
ensina Wallerstein (2001, 2002, 2004). Mas, o que significa isso exatamente?
Em primeiro lugar, devemos pensar o local como parte de um todo maior que é o
sistema-mundial. Portanto, há partes que se completam, se contradizem e são diferenciadas.
Em segundo lugar, que este sistema histórico tem quinhentos anos de processo de constituição
e se mundializou nos últimos duzentos, mas agora se encontra em crise profunda. Em terceiro
lugar, que o que será o mundo daqui a 25 ou 50 anos depende de cada um de nós individual e
coletivamente. Porém, também sabemos que aqueles que se beneficiam deste sistema, detém
riqueza e poder, farão tudo para preservar ou realizar “mudanças cosméticas”, que lhes
permitam sustentação, aprofundando ainda mais as condições de exclusão, de exploração do
trabalho e de destruição da natureza de regiões e contingentes populacionais cada vez
maiores.
A contradição principal (Mao) é entre o socialismo ou a barbárie (Rosa Luxemburgo).
A barbárie já está delineada: é o que está aí e vai piorando como sistema mundial, que
mercantilizou a vida, a natureza, o pensamento e as relações humanas, e agora tem até a
exploração espacial e a genética como fonte de lucro. Mas, e o socialismo? Sem resposta
definitiva, podemos e devemos aprender com os erros do passado e estabelecer pontes e
pontos em comum para esta transição, que já começou. A idéia de Santos (1998, 2000, 2005)
de democracia sem fim é bastante sugestiva e poderá contribuir neste debate entre as forças
alternativas. É neste sentido, com esta expectativa, que o desenvolvido em Porto Alegre, com
seus limites e contradições, tem muito a contribuir para o desenvolvimento do projeto de
transformação local e do sistema-mundo em que vivemos.
Ao me associar a Santos (1998, 2005) na luta pela democracia sem fim, nos aspectos
políticos e sociais, que é também, uma “democracia redistributiva”, ainda mais ao estarmos na
“iminência de criar novas constelações de lutas democráticas, sobre aspectos cada vez mais
diferenciados da sociabilidade”, para a qual Porto Alegre está a contribuir. Mas, como
explicam António Magalhães e Stephen Stoer (2004),na atualidade, a cidadania está a se
rebelar não podendo ser mais da “ordem do atribuído”, seja por parte do Estado, da nação, do
215
grupo particular, da cultura, etc., aos cidadãos, aos indivíduos, aos participantes. A cidadania,
dizem os autores, está a (e tem de) tornar-se “da ordem do reclamado”, ou seja, cada vez mais
amplas populações (individuais ou coletivamente) “querem decidir acerca do modo como
vivem, como se educam, como cuidam de si, como se reproduzem, etc.”. Dizem eles ainda
que “esta forma de cidadania emergente” está fundada em fatores culturais, mas “tem como
pressuposto a satisfação da realização da cidadania de tipo social” - tal como Marshall
teorizou (MAGALHÃES e STOER, 2004). Portanto, em minha perspectiva, a democracia
sem fim e esta cidadania do reclamado pelos próprios sujeitos ativos devem, ainda, inspirar-se
e aspirar “não somente por conhecer mas também por dominar as suas próprias condições de
existência” num processo sem fim de produção da “autogestão” (LEFEBVRE, apud
RAVENEL, 2000).
Cabe, por conseguinte, antes de resgatar o que a experiência da esquerda na gestão do
Estado, em Porto Alegre, aportou para a produção deste projeto de transformação, fazer mais
algumas considerações introdutórias.
Disse que a esquerda brasileira viveu diferentes momentos no Brasil, desde os anos
sessenta e desde 1989, em especial com dois momentos. Já a crise da esquerda mundial tem
sido apontada com suas raízes na mesma década de sessenta, pelo início da “bifurcação”
sistêmica e as rebeliões do maio de 68. Tal crise, estrutural e humana, é corroborada em
significado por Wallerstein, Santos, Morin, Lefebvre, Stoer e muitos outros intelectuais. Mas
também as mudanças que se processavam eram analisadas numa perspectiva diferente por
Bzezinski, a Comissão Trilateral, Hayek, Fridmann, Drucker e tantos outros pensadores e
institutos (thinktanks) poderosos em influência e recursos.
Com efeito, a crise de maio de 68 evidenciou problemas (e oportunidades) mais
profundos. A esquerda mundial tradicional foi colocada em cheque naqueles anos e até hoje
ainda não se recuperou. Isto já foi mais analisado na Parte I desta tese, mas diria também, que
em decorrência desta crise e da ofensiva liberal-conservadora nos anos setenta e oitenta é que,
em parte, experiências críticas aos modelos de socialismo “realmente existentes”, como no
Chile, Nicarágua ou El Salvador, por exemplo, nos anos setenta e oitenta foram derrotados.
Diante disso, nossa utopística
128
deverá ser ponderada no sentido de perspectivar o
contexto mundial e seu percurso pregresso para que possamos “unir forças” a partir de pontos
128
“Utopística é uma avaliação profunda das alternativas históricas, o exercício de nosso juízo para examinar a
racionalidade substantiva de possíveis sistemas históricos alternativos. É uma avaliação sóbria, racional e realista
dos sistemas sociais humanos, sobre em que condições eles podem existir e as áreas que estão abertas à
criatividade humana. Não o rosto de um futuro perfeito (inevitável) e sim o rosto de um futuro cujas melhoras
sejam verossímeis e que seja historicamente possível (embora longe de ser inevitável). [...] é um exercício que
ocorre simultaneamente na ciência, na política e na moralidade” (WALLERSTEIN, 2003, p.8).
216
comuns e amplas coalizões das forças anti-sistêmicas. As coligações arco-íris, as frentes
amplas, a esquerda plural, os movimentos presentes desde Seattle ao Fórum Social Mundial
de Porto Alegre são exemplos de ações e formas organizativas que mostram por onde
caminhar e construir o caminho caminhando. Mas, também, os Zapatistas desde 1994, no
México; os Sem Terra no Brasil; os Piqueteiros na Argentina; os Indígenas no Equador, na
Bolívia e no México mostram que a “história não terminou” e novos movimentos sociais
estão emergindo.
Neste contexto, e pelo que a esquerda produziu em Porto Alegre, a cidade foi a sede
dos primeiros Foruns Sociais Mundiais (2001, 2002, 2003) e é símbolo de espaços que
deveremos produzir juntos para o “outro mundo possível”. O Orçamento Participativo é
símbolo da experiência desenvolvida em Porto Alegre, como espaço educativo contra-
hegemônico na cidade, conforme temos defendido (MACHADO, 2002). Agora, de forma
mais profunda, nesta Tese, examino os avanços e os limites da educação e da gestão
democrática das políticas educacionais concebidas e vividas pela esquerda, o Partido dos
Trabalhadores) e, pelas escolas municipais e suas comunidades, ao gerir o Estado/governo
numa sociedade capitalista. Para inserir tal experiência no debate de “alternativas das
alternativas” (SANTOS, 1998), na parte seguinte, faço-o resgatando algumas contribuições de
pensadores e atores anti-sistêmicos para, na final, retomar as teses e ensaiar nova perspectiva
geradas neste trabalho, a partir do desenvolvido em educação na cidade de Porto Alegre.
Alguns pontos em comum ou pontes para o projeto anti-aistêmico
Immanuel Wallerstein
129
, é um dos inúmeros pensadores vinculados direta ou
indiretamente aos movimentos anti-sistêmicos que está produzindo reflexões sobre diferentes
aspectos que contribuem para um projeto alternativo, e que servem de pano de fundo destas
conclusões, pois já presentes no referencial hipotético-analítico, agora dão substância à tese,
de forma positiva. Recentemente, Immanuel Wallerstein, faz uma síntese em português de
suas contribuições naquele rumo, através de algumas proposições:
129
Dirige o Centro Ferdinand Braudel na Universidade de Binghamton e ensina na Escola de Estudos Superiores
em Ciências Sociais em Paris.
217
(1) Expandir o espírito de Porto Alegre: É a reunião, em forma não hierárquica, da família mundial de
movimentos anti-sistêmicos para fazer pressão no sentido de (a) clareza intelectual, (b) ações militantes
baseadas em mobilização popular que possam ser vistas como imediatamente úteis na vida das pessoas,
(c) tentativa de defender alterações mais profundas a longo prazo. [...] (2) Usar táticas eleitorais
defensivas. As vitórias eleitorais não transformarão o mundo, mas não podem ser negligenciadas. São
um mecanismo essencial contra incursões hostis a benefícios alcançados. Devem ser travadas de modo a
minimizar os danos que podem ser infligidos pela direita mundial por meio do controle dos governos do
mundo. [...] [Mas] assim que deixarmos de pensar em obter o poder de Estado como forma de
transformar o mundo, as eleições são sempre uma questão menor [...] Mas a linha de orientação geral
tem de ser a coligação arco-íris, uma esquerda plural, uma frente ampla. (3) Promover
incessantemente a democratização. A exigência popular sobre os Estados é “mais” – mais educação,
mais saúde, mais renda vitalícia. [...] Estas exigências deveriam ser promovidas vigorosamente,
continuamente e em todos os lugares. Nunca são demais. [...] Os movimentos populares não devem
poupar destas exigências os governos de esquerda que elegeram. (4) Fazer com que o centro liberal
seja fiel às suas preferências teóricas. Devemos pressionar pela abertura das fronteiras. [...] os
empresários que fracassem no mercado não deveriam ser salvos [...] devem assumir as perdas quando
falham. [...] Não envolver o governo na proteção de indústrias contra a competição estrangeira. [...]
mobilizar as comunidades mais pobres de modo a aproveitar totalmente os seus direitos legais. (5)
Fazer do anti-racismo a medida definidora da democracia.
A democracia é tratar todas as pessoas
igualmente – em termos de poder, de distribuição, de oportunidades de realização pessoal. O racismo é
o modo primário de distinguir entre aqueles que têm direitos (ou mais direitos) e os outros, os que não
têm ou têm menos direitos. (6) Avançar na direção da desmercantilização. A principal coisa errada
no sistema capitalista não é a propriedade privada, que é apenas um meio, mas sim a mercantilização,
que é o elemento essencial da acumulação de capital. (7) Recordar sempre que vivemos na era da
transição do sistema-mundo existente para algo diferente. Não só existem alternativas, como a única
alternativa que não existe é continuar com as estruturas atuais. [...] A história não está do lado de
ninguém. Depende daquilo que fizermos. (WALLERSTEIN, 2004) (Negrito CM)
Na luta por estes “pontos comuns” na construção de “pontes”, diz Wallerstein que não
há nada de certeza, mas “a única estratégia plausível para a esquerda mundial é a busca
inteligente e militante do seu objetivo básico – alcançar um mundo relativamente
democrático, relativamente igualitário. Este mundo é possível. Não é de forma alguma certo
que venha a existir. Por outro lado, também não é de forma alguma impossível”
(WALLERSTEIN, 2004, p.264).
Contudo, alerta o mesmo autor: “será uma luta, conduzida em um nível de vida ou
morte”, pois estamos “debatendo se queremos simplesmente apenas mais um tipo de sistema
histórico em que os privilégios predominam e a democracia e a igualdade são mínimas, ou se
queremos ir na direção oposta, pela primeira vez na história conhecida da humanidade”
(WALLERSTEIN, 2003, p.110); e também salienta que as lutas se desenvolverão de
“maneiras tão variadas – violência direta, batalhas eleitorais e legislativas quase diplomáticas,
debates teóricos nas estruturas de saber e apelos públicos a retóricas estranhas e muitas vezes
disfarçadas” (Idem, 2003, p.116).
No mesmo sentido manifesta-se David Harvey (2004)
130
, dizendo que os movimentos
sociais utópicos tentaram durante séculos construir uma sociedade justa mas falharam. No
130
É professor de Antropologia no Centro de Pós-Graduação da City University of New York, foi professor de
Geografia da Johns Hopkins University e da Oxford University. É membro da London School of Economics.
218
entanto, acrescenta, não devemos cair no canto de sereia de que “não existe alternativa”, mas,
por outro lado
precisamos desesperadamente de uma vanguarda socialista revitalizada, de um movimento político
internacional capaz de reunir de modo apropriado a multiplicidade de descontentes gerada pelo
exercício indisfarçado do poder burguês em busca de um neoliberalismo utópico. Não se trata do
partido de vanguarda ao estilo antigo que impõe uma meta singular e se arroga a posse de tamanha
clareza de visão que exclui todas as outras vozes. Mas trata-se da criação de organizações, instituições,
doutrinas, programas, estruturas formalizadas etc. que operem em favor de algum propósito comum.
Essas atividades políticas têm que estar firmemente assentadas nas condições históricas e geográficas
concretas no âmbito das quais se desenvolve a ação humana”. (HARVEY, 2004, p.73)
A diversidade organizativa ou de espaços de luta desta esquerda não deveria impedir a
construção de “algum propósito comum” assentadas nas “condições históricas e geográficas
concretas no âmbito das quais se desenvolve a ação humana”. Propósito comum e ação
humana, indicariam, no meu entender, também, colocar os humanos no centro destes projetos
e espaços de transformação. Neste rumo pergunta Harvey: “embora Marx tivesse profundas
suspeitas de todo discurso sobre direitos [...], em torno de que diabos se supõe que os
trabalhadores de todo o mundo devem unir-se a não ser de algum sentido de seus direitos
fundamentais como seres humanos? Ligar os sentimentos do Manifesto com os expressos na
Declaração dos Direitos Humanos proporciona uma forma de ligar discursos sobre a
globalização com discursos sobre o corpo” (idem, p. 33).
A globalização é o discurso “mais macro de todos [...] que temos à disposição,
enquanto o discurso do corpo é o mais micro do ponto de vista da compreensão do
funcionamento das sociedades[...] Esses dois regimes discursivos – a globalização e o corpo –
operam em extremidades opostas do espectro da escala que podemos usar para compreender
a vida política e social” (HARVEY, 2004, p.30). Diz o autor:
Recuso a idéia de que tenhamos opção entre particularidade e universalidade em nosso modo de pensar
e em nossa argumentação. No âmbito de uma dialética relacional, as duas se acham sempre
internalizadas e implicadas uma na outra. [...] A particularidade do corpo não poder ser entendida
independente de seu estar situado em processos socioecológicos. Se, como o alegam muito agora, o
corpo é uma construção social, não podemos compreendê-lo fora do âmbito das forças que giram em
torno dele e o controem. Um dos determinantes principais disso é o processo de trabalho, e a
globalização descreve como esse processo é moldado de maneiras distintas. [...] Mas, inversamente,
decomposta até suas mais simples determinações, a globalização tem a ver com as relações
socioespaciais entre bilhões de indivíduos. (HARVEY, 2004, p.31)
131
131
Esta relação, e a problematização ao projeto da Escola Cidadã que não incorporou, de fato, a questão de
gênero, raça/etnia, cultura, etc. subsumindo-se a uma perspectiva de classe homogeneizadora, foi analisado no
capítulo XI, em particular, a partir das contribuições de Mari Jane Carvalho (2000, 2001).
219
Adiante, Harvey diz que, de fato, Marx teria proposto “uma teoria da produção do
sujeito corporificado sob o capitalismo” e que suas contribuições têm sido lidas como um
“relato pessimista do modo como os corpos, entendidos como entidades passivas que
representam papéis econômicos performativos particulares, são moldados pelas forças
externas da acumulação e circulação do capital, é precisamente essa análise que informa seus
outros relatos de como podem ocorrer e de fato ocorrem processos transformadores advindos
da resistência, do desejo de reforma, da rebelião e da revolução humanos” (HARVEY, 2004,
p.141).
Lembro aqui, nas análises anteriores, a idéia de processo, como no referencial teórico,
que o Estado produz as relações sociais no processo de implementação de suas políticas e/ou
na garantia da lei e da ordem aos “bons negócios”; na parte dos acadêmicos que Xavier
(2003) mostrou que se desenvolve um processo de produção de “um modelo de aluno” que é
relacionado ao sistema e à ordem vigente; de um padrão de aprendizagem das classes médias,
através dos professores aos alunos das classes populares (MOREIRA, 2004; FISCHER,
2004). Adiante, avanço mais nestas anotações.
Sendo assim, seria necessário “promover uma certa ampliação da definição marxista
tradicional de “classe” (ou, mais precisamente, de “relações de classe”) sob o capitalismo de
modo a lhe dar o sentido de posicionalidades em relação à acumulação e à circulação do
capital, para podermos articular “as contradições internas das muitas posicionalidades nas
quais agem os seres humanos”. (HARVEY, 2004, p.142). Este comentário vem no sentido de
corroborar o desenvolvido acima em relação às classes populares, e da necessidade da revisão
das concepções tradicionais das classes, analisando-as em suas posicionalidades, portanto,
em ação. Porém, mais ainda, incorporando nesta análise o processo de ação das classes em
suas contradições, e tendo-as, como em permanente fazer-se e re-fazer-se no conflito com
outras classes em determinandos contextos históricos e geográficos. De certa maneira, então,
as próprias classes devem se produzir enquanto tais através de suas “posicionalidades” e
“ação” transformadora do establishment. E no núcleo da questão está a produção e a re-
produção das relações sociais capitalistas (LEFEBVRE, 1973).
Elaborações de feministas socialistas em anos recentes assumem aqui grande importância. [...]
Potencialidades de reação e revolta contra o capital são definidas a partir das diferentes perspectivas da
produção, da troca, do consumo ou da reprodução. Se a circulação do capital variável como um todo
tem a ver com a reprodução da classe trabalhadora em geral, a questão das condições de sua reprodução
biológica e social tem que ser tratada de maneira que reconheçam essas complexidades (conforme a
controvérsia entre BUTLER, 1988, e FRASER, 1997, apud HARVEY, 2004, p.157)
220
Portanto, é tendo uma perspectiva de totalidade do social (econômico, político,
cultural) e das relações humanas neste e com este contexto, é que podemos pensar a
diversidade das possibilidades transformadoras. Enfatiza, no entanto, o autor, que não se
“trata de fazer um apelo ao pluralismo, mas do esforço de buscar desvelar o conteúdo de
classe de uma diversificada gama de preocupações anticapitalistas”, que exigirá uma trabalho
de síntese arraigado “nas condições históricas da vida cotidiana”, em outras palavras,
reavaliar e revalidar as abstrações produzidas por Marx e os marxistas através da “imersão em
lutas populares numa variedade de escalas, algumas das quais podem não parecer na
superfície proletária no sentido tradicionalmente atribuído ao termo” (idem, 116).
Harvey cita Porto Alegre como exemplo de experiência desenvolvida que aporta
contribuições neste sentido:
Em cidades como Porto Alegre, na qual o Partido dos Trabalhadores tem tido o controle político há
vários anos, têm sido descobertos alguns meios muito inovadores de melhorar a dotação popular de
poder e formas democráticas de governar [...] (ver ABERS, 1998, apud HARVEY, 2004, p.246). [...]
numa dinâmica mais deliberativa espaço-temporal de democratização e dotação de poder progressistas
(do tipo que tem de fato sido construído desde os alicerce em Porto Alegre. (HARVEY, 2004, p.247)
Com efeito, também na França e na Inglaterra, o que se desenvolveu em Porto Alegre
nos governos da Administração Popular vem sendo estudado e debatido. Marion Gret e Yves
Sintomer (2002), na França, caracterizam o que se desenvolve na cidade como “a esperança
de uma outra democracia” que, depois de “um início difícil, lança uma iniciativa inovadora,
que toma uma amplitude inesperada no curso dos anos, até tornar-se uma instituição: a
participação da população na elaboração do orçamento municipal”. A partir desta experiência
a “cidade parece ter se tornado o centro desse “outro mundo” e se proclama orgulhosamente
“capital da democracia” (GRET e SINTOMER, 2002, p.8). Ao contrário da Europa onde
Os dispositivos participativos tratam principalmente das questões microlocais e muito específicas. A
política tende a reduzir-se à gestão e a participação é, sobretudo, posta a serviço de uma modernização
das políticas públicas. A participação raramente constitui uma dinâmica que questiona as relações de
poder. [...] Se a capital do Rio Grande do Sul se prepara para sediar pela terceira vez a reunião dos
partidários de uma outra globalização em janeiro 2003, é por certo porque a democracia participativa
que aí foi desenvolvida aparece como exemplar. (GRET e SINTOMER, 2002, p.9-10)
Concluem os autores, que se a experiência de Porto Alegre é exemplar e avança para
além daquelas da Europa, no entanto, não é “uma solução milagrosa e se choca contra
dificuldades reais” (Idem, 2002, p.149). Mas “confirma que é necessário inventar dispositivos
que fogem aos esquemas clássicos para que os cidadãos possam realmente participar na
221
deliberação política e exercer suas faculdades críticas”. Assim, Porto Alegre seria, na época,
“um verdadeiro laboratório da democracia” (GRET e SINTOMER, 2002, p.149).
Por sua vez, Hilary Wainwright (2005), discutindo o poder popular no século XXI, diz
ser a “experiência brasileira de democracia participativa internacionalmente reconhecida”,
pois, quando a esquerda venceu as eleições em Porto Alegre em 1989, ao estar “normalmente
comprometido com a partilha do poder com os movimentos dos quais se originou”, pôde
avançar (WAINWRIGHT, 2005, p.29). Mas também diz ser importante “não romantizá-la
nem negar os consideráveis problemas que ela enfrenta” (ibidem, p.30). pois “necessitamos
seguir em frente, criando novas formas de poder democrático localmente, nos bairros, cidades
e regiões de onde as empresas tiram seus lucros: precisamos criar um movimento pela
democracia na vida cotidiana” (Idem, p.35). E conclui sobre a experiência de Porto Alegre:
Em certo sentido, o poder cívico que cresceu em torno do orçamento participativo dependia de que as
instituições estatais quisessem compartilhar o poder. Não haveria níveis sustentados de participação, a
base popular para este poder cívico, se não houvesse significativos recursos públicos, ou seja, estatais
disponíveis. Mas a nova forma de poder que se desenvolvia na medida em que essa condição tomava
lugar possuía uma vida e uma dinâmica próprias, que o município de Porto Alegre respeitava e apoiava.
As regras e reuniões do OP institucionalizaram sua independência e protegeram-nos contra a ação
unilateral do Estado (WAINWRIGHT, 2005, p.102).
Importante destacar, que tanto Wallerstein (2005), Harvey (2004), e agora,
Wainwright (2005), falam do cotidiano: “precisamos criar um movimento pela democracia na
vida cotidiana”, seria o relevante a destacar. Isto porque, vão no sentido da tese defendida
aqui, que têm principalmente, em Henri Lefebvre, argumentos da necessidade de produção e
re-produção de novas relações sociais enquanto obra humana. Tal questão será retomada
adiante.
Voltando a Harvey, o autor lembra a importante questão do “fechamento ou do
acúmulo arraigado de tradições, de inércias institucionais e coisas do gênero que elas mesmas
produzem” (p. 244) na esquerda (seja na teoria, já analisada por ele em relação a aspectos do
marxismo, seja em experiência de gestão estatal ou organizativas, e diria eu, até individuais
quando nos fechamos em posições absolutas e não abertas ao diálogo e/ou a reflexão crítica),
que podem paralisar e/ou desvirtuar tais experiências.
A história de todas as utopias realizadas aponta para essa questão do fechamento como algo tanto
fundamental quanto incontornável, ainda que se enganar mediante o recurso a uma fechamento
antecipado seja a conseqüência inevitável. Se, por conseguinte, se deseja pôr alternativas em prática,
não se pode fugir eternamente do problema do fechamento (e do autoritarismo que ele pressupõe).
(HARVEY, 2004, p.240)
222
Assim, lembrando o debate de Esther Grossi (1992, 2000) com seus críticos,
afirmando que não se pode decidir participativamente tudo, e que portanto, seu governo
deveria e podia ter uma proposta, a questão é quão aberta e democraticamente ela foi
elaborada, no caso, já que era um governo de esquerda e que pressupunha transformar as
classes populares em sujeitos de suas vidas e projetos. Diria que, no caso de Esther a
“proposta” já estava definida por ela e sua equipe (e que tinha legitimidade para tal) e que os
processos participativos restringiram-se a “aplicar” o definido pelo centro. Processo, este, que
implicou, sem dúvida, elementos democratizantes, mas aquém da radicalidade que estou
propondo nesta tese. Por outro lado, se os críticos tinham razão em chamar a atenção e dar
ênfase à participação, é correto dizer que Esther, naquele momento (1992), tinha razão em
suas críticas, já que tais críticos não tinham proposições para além do participacionismo. Que,
inclusive, lhes favorecia, já que ao serem organicamente mais estruturados e com militância
mais ampla, podiam ocupar os espaços abertos e/ou criados para questionar a Secretária. Sua
debilidade, nos anos seguintes, do ponto de vista pedagógico, levou a que nos anos de 1993,
ao estarem gerindo a SMED, não conseguissem fazê-lo de forma democrática e com os
diferentes grupos que tinham composto a segunda gestão na educação. Gradualmente, a
proposta vai se fechando através dos ciclos de formação, para os quais os espaços de
participação e de decisão simplesmente visariam a implantação da referida proposta.
Por fim, mais recentemente, temos a contribuição de István Mészáros (2005), na
Conferência do Forum Mundial de Educação (2004), que posiciona a educação de forma mais
estratégica e teórica do que análises marxistas tradicionais, salientando o lugar e o papel desta
nos projetos transformadores. Depois de relembrar suas teses Para Além do Capital, identifica
o lugar da educação na totalidade da “incorrigibilidade da lógica perversa do capital”
(MÉSZÁROS, 2005, p.34), dizendo que a mudança educacional radical “não pode ser senão o
rasgar da camisa-de-força” de tal lógica (idem, p.35), no “interesse da sobrevivência humana”
como tarefa histórica; e que as mudanças na educação “não podem ser formais; elas devem
ser essenciais”. Em outras palavras, devem abarcar a totalidade das práticas educacionais da
sociedade estabelecida” (MÉSZÁROS, 2005, p.45). Neste rumo é preciso enfrentar “todo o
sistema de internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas” (ibidem, p.47),
pois este é o processo principal de “tanta conformidade ou consenso quanto for capaz”
(ibidem, p.45), a “educação formal nas nossas sociedades” contribui em sua produção.
223
Desde o início o papel da educação é de importância vital para romper com a internalização
predominante nas escolhas políticas circunscritas à ‘legitimação constitucional democrática’ do Estado
capitalista que defende seus próprios interesses. Pois também essa “contra-internalização” (ou
contraconsciência) exige a antecipação de uma visão geral, concreta e abrangente, de uma forma
radicalmente diferente de gerir as funções globais de decisão da sociedade, que vai muito além da
expropriação, há muito estabelecida, do poder de tomar todas as decisões fundamentais, assim como das
suas imposições sem cerimônia aos indivíduos, por meio de políticas como uma forma de alienação por
excelência na ordem existente. (MÈSZÁROS, 2005, p.61)
Ademais, enfatiza ao autor, tal papel surge “aqui e agora” e é relevante em todos os
níveis e graus de desenvolvimento socioeconômico”, salientando a “universalização da
educação e a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora” (idem,
p.65) no projeto de transformação.
A Autogestão – pelos produtores livremente associados – das funções vitais do processo metabólico
social é um empreendimento progressivo – e inevitavelmente em mudança. O mesmo vale para as
práticas educacionais que habilitem o indivíduo a realizar essas funções na medida em que sejam
redefinidas por eles próprios, de acordo com os requisitos em mudança dos quais eles são agentes
ativos. A educação, nesse sentido, é verdadeiramente uma educação continuada. [...] Portanto, [...] como
constituinte necessário dos princípios reguladores de uma sociedade para além do capital, é inseparável
da prática significativa da autogestão (MÉSZÁROS, 2005, p.75)
Novamente, reaparece a idéia de processo (empreendimento progressivo) e, ainda, a de
autogestão, como sendo os próprios indivíduos como agentes ativos nas mudanças, e para a
qual a educação seria fundamental, desde já, antes da superação da ordem e do sistema atual.
No entanto, pensar a educação na perspectiva referida por Mészáros (2005), mas de forma
mais aprofundada, requer incidir nos próprios fundamentos epistemológicos ou
paradigmáticos articuladores do pensar e do conhecer no sistema em que vivemos, para assim
podermos produzir, na transição, aspectos do novo sistema histórico a ser constituído.
As teses do paradigma emergente (SANTOS, 1999) nos ajudam em muitos sentidos, e
nestas também precisamos contribuir. Como o próprio indica,
A nossa necessidade radical [é] dupla: por um lado, a necessidade de reinventar um mapa emancipatório
que, [...] não se converta gradual e insidiosamente em mais um mapa de regulação; por outro, a
necessidade de reinventar uma subjectividade individual e coletiva capaz de usar e de querer usar esse
mapa. Esta é a única maneira de delinear uma trajecto progressista através da dupla transição,
epistemológica e societal, que começa agora a emergir. [...] reinventar mapas de emancipação social
com capacidade e vontade de os usar. Nenhuma transformação paradigmática será possível sem a
transformação paradigmática da subjetividade. (SANTOS, 2000, p.330; 333)
Portanto, muito mais do que um projeto, precisamos de projetos de transformação e de
propostas que guiem a ação; que as pessoas se mobilizem em torno delas e, ao caminhar, vão
aperfeiçoando-as, e autogerindo suas vidas e seus projetos. Mas, também, as lutas e os
224
projetos devem incidir na totalidade dos aspectos articuladores do sistema atual “realmente
existente”, em seus aspectos estruturais, subjetivos e nas relações sociais.
O paradigma emergente é o paradigma da democracia radical, isto é, da democratização global das
relações sociais assentes numa dupla obrigação política: a obrigação política vertical entre o cidadão e o
Estado, e a obrigação da política horizontal entre cidadãos e associados. Em termos do paradigma
emergente, a transição paradigmática consiste nas lutas por seis formas de sociabilidade democrática,
isto é, seis formas de democracia
132
correspondentes aos seis espaços estruturais. (SANTOS, 2000, 340)
No processo de tornar-se realidade a utopia, na utopística dos projetos e programas,
(portanto na ação), estes tenderão a tornar-se, de instrumentos de combate ao sistema (as
formas de regulação social existentes), em formas de combate às novas lutas e programas
emancipatórios que surgirem nas próprias lutas por emancipação e pelos espaços criados nas
lutas anteriores. Seria o fechamento, aludido, atrás, por Harvey (2004).
Neste rumo, ao relacionar o paradigma emergente com a democracia sem fim ou
radical, diz Santos:
Dado que combatem a regulação social existente, as lutas emancipatórios devem necessariamente opor-
se-lhe nos campos sociais em que ela actualmente se reproduz. [nos seis espaços estruturais: doméstico,
da produção, do mercado, da comunidade, da cidadania e o mundial, p.273). Seja como for, à medida
que a transição paradigmática progredir, as lutas emancipatórias deixarão de combater as formas de
regulação social que agora existem para combater as novas formas de regulação entretanto surgidas das
próprias lutas emancipatórias paradigmáticas. Esta permanente vigilância sobre si própria e a sua auto-
reflexividade distingue a emancipação pós-moderna da emancipação moderna. (SANTOS, 2000, 334)
O fechamento das organizações e das propostas transformadoras, referido acima,
conforme Harvey (2004), também, poderia ser associado ao processo chamado por Marx de
fetiche da mercadoria, ampliado com Santos (2000), a partir da citação abaixo. Neste sentido,
deveríamos estar vigilantes ao fato de que o “instituinte” (as lutas, os projetos, as proposições,
enfim o resultado da produção humana, no sentido amplo dado por Lefebvre, (1975) de
transformação das relações sociais e da sociedade) tenderá, sempre, a tornar-se instituído.
132
As seis formas de relação da estrutura-ação, portanto, das relações sociais das sociedades capitalistas no
sistema mundial são: patriarcado (espaço doméstico); exploração e “natureza capitalista” (espaço da produção);
fetichismo da mercadoria (espaço do mercado); diferenciação desigual (espaço da comunidade); dominação
(espaço da cidadania); troca desigual (espaço mundial). (p.273). Para cada um destes espaços e relações Santos
(2000) propõe formas de democracia e/ou de relações: comunidades domésticas cooperativas, produção eco-
socialista, necessidades humanas e consumo solidário, comunidades-Amiba, socialismo-como-democracia-sem-
fim, sustentaibilidade democrática e soberanias dispersas (p.336-342).
225
O fetichismo das mercadorias é a forma de poder do espaço do mercado. O sentido em que aqui utilizo
a expressão é semelhante ao de Marx. À medida que adquirem qualidades e significados autônomos que
vão para além da estrita esfera econômica, as mercadorias tendem a negar os consumidos que, enquanto
trabalhadores, são também os seus criadores. [...] Numa sociedade produtora de mercadorias, essa
organização social engendra a “coisificação das pessoas” (a força de trabalho como mercadoria) e a
“personificação das coisas”. Desse modo, segundo Marx, o fetichismo das mercadorias está ligado à
exploração, e o tipo de alienação a que dá origem pode ser encarado simplesmente como o aspectos
“qualitativo” da exploração. A meu ver, no entanto, o fetichismo das mercadorias deve ser considerado
uma forma autônoma de poder. [...] mediante a sua transformação cultural [...] vai muito para além da
exploração. [...] a crescente estetização do consumo converte as mercadorias numa configuração de
mensagens expressivas que fomentam uma concepção materialista da vida no mesmo processo em que
desmaterializam os produtos. (SANTOS, 2000, p.286).
Portanto, diria que, inclusive os próprios projetos transformadores ao se instituírem e,
“virarem” de transformadores da ordem e do sistema, de mobilizadores e indutores da
participação e da assunção dos indivíduos em cidadãos e produtores de sua obra democrática,
educativa, de suas vidas e projetos, em justificadores das políticas (conteúdo) por si só e como
manutenção de governos adaptados e cada vez menos ousados e radicais em suas proposições,
transformou-se em fetiche.
Para finalizar este pano de fundo (que é minha “comissão de frente”) busco mais uma
vez Boaventura de Sousa Santos, a partir das experiências dos Fóruns Sociais Mundiais:
[...] pela primeira vez na história ocidental moderna, o capitalismo apresenta-se como modelo
civilizacional global, que subordina praticamente todos os aspectos da vida social à lei do valor.
Confrontar este modelo, em todas as suas dimensões, constitui um novo desafio, não só em termos de
organização e de acção, mas também em termos da escala e dos tipos de acção colectiva e de estratégia
política, e ainda em termos das formas e dos processos de conhecimento que devem orientar as práticas
emancipatórias. O FSM é a expressão das exigências, das dimensões e da novidade desse desafio.
(SANTOS, 2005, p.9-10)
Por estas razões, é necessário “[...] desafiar não só as teorias políticas dominantes,
como também as várias disciplinas das ciências sociais convencionais, e ainda a idéia de que
o conhecimento científico é o único produtor de racionalidade política e social. (idem, p.13).
E, aqui, ousaria aditar que o dominante a desafiar são também as teorias dominantes da
esquerda, que em seus fundamentos mais profundos devem ser ressignificados para que possa,
assim desejando, tornar-se efetiva partícipe da produção do novo sistema histórico - em
alternativa à barbárie em que vivemos.
226
Contribuições da experiência de Porto Alegre para a produção da democracia sem fim
Ao início, na introdução deste trabalho, disse que buscaria “articular o material
empírico coletado e organizado sistematicamente, interpretando-o desde o tempo atual, com
as preocupações e dilemas atuais, a partir do apoio de teóricos de esquerda” (ver p.19). A
estes, ressalvo, agora estou chamando de pensadores e militantes anti-sistêmicos; vendo, no
entanto, Marx e Lefebvre entre os primeiros desta lista.
Visei, com este estudo, uma análise dos “avanços, os limites e as contradições das
políticas de educação e da gestão do PT (Partido dos Trabalhadores) na SMED (Secretaria
Municipal de Educação), compreendendo-as como polity (teoria), policy (conteúdo da
política) e politics (gestão e processo); discutindo suas contribuições para viabilidades
estratégicas da gestão democrática do/no Estado, enquanto parte do processo e da
aprendizagem da produção da “obra” socialista”. Justifiquei este empreendimento também
com Sander (2002), quando apontou que “há pouco conhecimento novo e pouca construção
de novos caminhos no campo da administração da educação para enfrentar os desafios das
transformações econômicas e sociais da atualidade” (2002, p.56), pelo que seria necessário
considerar três planos: o pedagógico, o organizativo e o político, diz Sander. Ainda neste
sentido pretendi seguir Charlot (2004), em que é preciso considerar a articulação dos aspectos
políticos, pedagógicos e dos valores, com o projeto de homem e sociedade que almejamos e
que haveria um fosso entre a “situação real da educação e das escolas”, marcada por fortes
contradições entre o “discurso político que sustentam e as práticas efetivas”.
Animo-me, em adendo e conclusão, a apontar que estas contradições, ou fosso, não
estão somente na escola, no discurso e práticas dos professores, porque estão também nos
órgãos do sistema de ensino e na relação da mantenedora de ensino com as escolas e vice-
versa. Com Charlot afirmo a necessidade de questionar tal relação, na dimensão política (das
escolas e dos professores; da mantenedora; e entre estes) bem como das práticas concretas e
dos valores que se relacionam a projetos de sociedade e de homem que almejam em
decorrência das atividades que desenvolvem.
Licínio Lima mostrou que não há uma determinação absoluta, e sim margens de
autonomia na escola e na ação dos professores, no espaço escolar e em suas atividades, pois
afinal “as organizações são sempre as pessoas em interação social”. Assim sendo, posso
provocar em que, se a Administração Popular propiciou espaços e instrumentos de
participação e discursos que contribuíam neste sentido, os avanços poderiam ser ainda
maiores. Mas isto não foi possível, justamente porque os “espaços vazios”, que
227
possibilitariam “uma intervenção autônoma dos atores, no respeito por princípios e regras
gerais”, na produção de sua “obra própria e não apenas a pressuposta de uma obra alheira, ou
seja, uma co-construção ou produção em regime de co-autoria” (LIMA, 2002, p.53), não
puderam em sua amplitude e radicalidade generalizar-se pelas escolas e pelo sistema
municipal de ensino ou na educação na cidade de Porto Alegre. – O que ocorreu? Como
ocorreu? Por que isto (não) ocorreu?
Ora, a mirada que deveria estar no processo de indução dos meios e espaços no sentido
de gerir, acabou tolhida, pequena em alcance. Pilotar (de dar a direção, apontar os caminhos
e as regras, determinar procedimentos detalhados, controlar a aplicação, etc.) e surfar
prevaleceram, em grande parte, no que ocorreu nos últimos anos de gestão da educação em
Porto Alegre. As análises dos capítulos referentes ao PT e sua produção em educação bem
como na parte dos dirigentes das SMED visaram mostrar elementos neste sentido.
Stephen Stoer, Luisa Cortesão e António Magalhães (1999, 2001) bem advertem que a
perspectiva de gerir a mudança não pode significar não controlar ou deixá-la livre
completamente. Que é preciso se colocar na relação ou perceber-se enquanto agente entre
uma estrutura e uma ação em processo permanente de estruturação e desestruturação, de
instituinte e instituído. Mas que para tal é preciso ser mais “reflexivo [...] dado que a assunção
de uma conjunto de metas organizacionais e/ou objetivos pessoais e valores assume a agência
como central” (2001). Mais recentemente, Magalhães e Stoer (2003) destacam que a mudança
há de ser pela “ordem do reclamado”, a partir da relação de fatores culturais e
socioeconômicos. Esta noção também está presente nas teses de Santos (1999) sobre o
paradigma emergente (o homem no centro) como na produção de outros pensadores e atores
referidos no desenvolvimento desta tese. A experiência de gestão da educação em Porto
Alegre, no período de 1989 a 2004 poderia ter sido mais subsidiária destas avançando, ainda
mais, naquilo que realizou, no sentido de colocar em prática tal proposição teórica.
Assim, colocados estes fundamentos, retomo as questões de pesquisa e as hipóteses
apresentadas ao início, visando cotejá-las com os argumentos empíricos sistematizados nos
Capítulos 4 ao 8 e, ainda, aos aspectos teóricos dos Capítulos 1 ao 3, para constituir os
argumentos finais da tese.
Da análise dos documentos nacionais e municipais, diretrizes e programas do PT,
sobre os debates internos, do lugar e do papel do Estado, concepção de democracia, de
educação e sua relação com a superação do sistema atual e utopia, resumo que:
a) As contribuições do PT sobre o Estado são/foram superficiais e não suficientes para armar
seus gestores com instrumentos teóricos e analíticos para a gestão anti-sistêmica do
228
Estado/governo, no sentido de induzir desde esse espaço a ampliação da auto-organização e
autogestão das escolas, dos projetos dos professores e das comunidades escolares em torno
dos projetos educativos que propôs e desenvolveu.
b) A democracia, apesar de definida de forma ampla (como Marshall, apud Stoer e
Magalhães, 2003), para além dos aspectos políticos (conforme Singer, 2001)
133
, foi
tensionada por perspectivas que privilegiaram, de um lado, a assunção do aparato estatal para
a sua implementação, mas descuraram dos aspectos processuais deste fazer democrático e das
contradições inerentes a tal processo. Ao mesmo tempo, houve pressão para privilegiar a
ocupação do espaço estatal, em detrimento da manutenção e ampliação (da militância e ação
partidária) nos movimentos sociais, o que impediu que estes se tornassem contraponto aos
processos de fechamento (institucionalização) de suas gestões do Estado.
c) Sobre a educação, percebemos até finais dos anos noventa aspectos gerais e frágeis de uma
proposta político-educacional. Depois, com a CAED e as primeiras administrações
municipais, houve ampliação dos conteúdos e das reflexões (bem como das contribuições),
mas esta tendeu a se tornar “única” como perspectiva política e projeto a ser desenvolvido em
todas as realidades. Com efeito, no exemplo de Porto Alegre pode-se constatar que os grupos
políticos que estavam fora da SMED na gestão de Esther Grossi criticaram-na por seguir uma
única linha pedagógica (o Construtivismo), mas quando assumiram a mesma Secretaria,
depois dos primeiros anos, impuseram também uma única visão, através dos Ciclos de
Formação. Este posicionamento também aparece na cartilha da CAED (2000) para os
municípios, onde, sutilmente, os princípios dos Ciclos de Formação são propostos como
acúmulo do Partido; da mesma forma se deu na gestão do PT no estado do RS, entre um
processo de produção coletiva da política educacional e a implantação dos Ciclos de
Formação na rede estadual.
d) Nas resoluções e debates do PT municipal não ficam tão visíveis o debate, a socialização
do acumulado em educação (inclusive, entre os produtores da Cartilha de 2000 da CAED
estavam petistas de Porto Alegre), as contradições e os conflitos. Isto pode sugerir que os
debates não se processavam tão amplamente entre a militância (e espaços partidários) e sim
mais nos bastidores, impedindo, assim, a ampliação do debate público e democrático, o qual
poderia tornar-se momento de disputa com os projetos hegemônicos.
e) Sobre a utopia e sua relação com a superação do sistema atual, as contribuições e ações
efetivas ficaram ainda mais limitadas, pois resumiram-se muito mais a manifestações menos
destacadas nos processos e instrumentos de institucionalização normativa, como os projetos
133
Perspectiva que faz parte dos primeiros documentos do PT.
229
de leis ou nas ações salientadas nos relatórios de atividades, que poderiam ser indicativos da
materialização de melhores condições para a auto-organização e auto-gestão das classes
populares, inclusive na relação com o próprio Poder Público gerido pelas forças de esquerda.
No entanto, melhoraram-se as condições de trabalho, estudo, merenda, salariais e de formação
dos diferentes segmentos da comunidade escolar e das escolas, e nestes aspectos podemos
dizer que de fato foi cumprido o papel de esquerda democrática e o compromisso com as
classes populares.
Em relação às questões da produção acadêmica sobre a educação do PT e da
Administração Popular em Porto Alegre destaco o seguinte:
a) Há uma produção variada, diversa em suas temáticas e orientações teórico-políticas e que
contribuem para perspectivarmos aspectos diferenciados da totalidade das políticas (polity,
policy, politics) e da gestão (gerir, pilotar ou surfar) no desenvolvido em Porto Alegre por
parte dos governos da Administração Popular, de forma crítica e por diferentes ângulos e
perspectivas.
b) Tais estudos mostram que houve continuidade e descontinuidade nas políticas, nas
assessorias e nas ênfases dadas em cada gestão, e às vezes, numa mesma gestão de tópicos e
aspectos das referidas políticas educacionais.
c) Que, se ao início das gestões (ou de cada gestão) se deu realce aos projetos das escolas e de
vontade de “escutar” e de “dialogar”, ao longo da gestão, tais procedimentos acabaram sendo
subsumidos às determinações do centro (leia-se da mantenedora e suas razões político-
eleitorais), no processo de fechamento, já referido antes, por Harvey (2004).
d) Afirmaria, destas conclusões, que, se as políticas educativas, em seu conteúdo (policy)
apresentam aspectos emancipatórios, o mesmo deveria ser articulado a um método e processo
(politics) de implementação (e não implantação!) coerente, portanto, democrático e
emancipatório, tendo implicação, também, nos aspectos teórico-paradigmáticos (polity)
utilizados como referência daquelas políticas, de sua gestão e utopia.
e) Mostraram a necessidade de diferenciar o tempo (e ritmo) de implementação da política (e
das necessidades do gestor) e das escolas e comunidades, não fechando sua forma de perceber
o outro (as escolas e os professores) apenas como executores, mas que devem ser “ganhos”,
230
“apaixonados”, “sentirem-se” sujeitos das propostas que, o Estado como novíssimo
movimento social (SANTOS, 1998, 2005), pode propor e desenvolver. Mas, este por sua vez,
deverá estar aberto à problematização, mudança, aperfeiçoamento de sua proposta, e
inclusive, perder seu papel de sujeito da referida proposta em detrimento daqueles que,
assumindo-a como sua, efetivem-na no dia-a-dia da escola e na sala de aula.
f) A necessária e urgente revisão do referencial de classe social (ou de classe popular) por
parte das forças anti-sistêmicas, no sentido de perceber que não são únicas, mas sim diversas,
contraditórias, e com interesses e vontades não necessariamente de transformação e sim de
conformismo e de sobrevivência. A classe deverá ser produzida e produzir-se no processo de
transformação, senão esta não acontecerá.
E sobre o lugar e o papel das classes populares e espaços de participação, e suas
polêmicas, aponto que:
a) Relativamente, as classes populares foram vistas como homogêneas e sem a complexidade
que as caracteriza, suas contradições e diversidades (gênero, raça, etnia, condições sócio-
econômicas, origens, crenças, etc.), e fundamentalmente os processos que vivem na produção
do contraditório de suas vidas. Diria mais, que o paradigma moderno e tradicional,
predominaria nas concepções dos gestores públicos da Administração Popular ao referirem-se
às classes populares, afirmado-as como únicas, unitárias, homogêneas e, como se estivessem
“paradas no tempo e no espaços”, mas não em “posições sociais” em processos permanentes
de fazer-se e re-fazer-se, produzir-se e re-produzir-se.
b) Os espaços de participação e os instrumentos foram centrais na concepção e promoção da
gestão democrática nas escolas municipais, mas ao mesmo tempo evidenciaram que nem
todos os participantes se perceberem como sujeitos das discussões e dos encaminhamentos,
pelo que os gestores estatais precisariam estar mais abertos a avanços nas deliberações sobre
os mais amplos aspectos.
c) Sobre a questão da relação do cotidiano, seja o escolar como o das vidas dos indivíduos,
aprendemos que este deve ser percebido para além dos aspectos manifestos e visíveis. Uma
teoria da transformação do cotidiano, para além do cotidiano programado (LEFEBVRE,
1991), que implique o envolvimento dos próprios produtores na transformação ou na
produção da teoria em processo, é um ponto forte em vários registros e perspectivas.
231
Finalmente, caracterizaria a gestão e a relação dos dirigentes com os demais agentes
do sistema, com base no que se evidenciou. Em que pese a complexidade das questões e
hipóteses formuladas para este trabalho, assim como as limitações de sua realização –
inclusive no âmbito de minhas responsabilidades e possibilidades pessoais – , a natureza
acadêmica de uma tese exige ousar algumas conclusões. São estas:
a) As políticas (concepção de educação, conceitos e processo de implementação)
desenvolvidas pelo governo federal, de 1995 a 2002, podem ser caracterizadas como uma
mescla de gestão tipo pilotar e surfar (CORTESÃO, MAGALHÃES e STOER, 1998, p.211;
2001, p.50), pois tiveram sentido sistêmico e articulado aos interesses hegemônicos do
capitalismo atual, da globalização econômica neoliberal. Buscaram reconfigurar a educação
em conformidade com o sistema-mundo atual, administrar a continuidade e permanência das
relações sociais capitalistas, e mais, aprofundando-as via indução à produção de “quase-
mercados” (DALE, 2001) nos sistemas de ensino brasileiro (intra e internamente) das
perspectivas em conformidade àquele, incidindo sobre o cotidiano visando programá-lo
enquanto competitivo, portanto na lógica da mercadoria. Na introdução da Parte II desta Tese
sistematizei argumentos e dados neste sentido, que servem de parâmetro comparativo para o
desenvolvido em Porto Alegre.
b) Se aquela gestão de mudanças, em conformidade com o sistema “realmente existente”,
referido acima, mesclou o pilotar com o surfar, comparativamente, na Porto Alegre de 1989 a
2004 as políticas (concepção de educação, conceitos e processo de implementação) podem ser
caracterizadas como uma mescla de gestão dos tipos gerir e pilotar. Com efeito, se por um
lado o governo local posiciona-se em contraposição às políticas nacionais hegemônicas e se
efetivou e articulou espaços e instrumentos de participação e de contestação ao sistema
“realmente existente”, bem como os conteúdos de suas políticas-educacionais visavam a
emancipação, por outro, em determinados momentos, agiu no sentido do pilotar, ao induzir e
determinar formas de organização e regras, impedindo a potencialização do que conseguira
efetivar e da contraposição ao processo hegemônico referido. Além disso, o conteúdo da
política educacional (do Construtivismo e dos Ciclos) contraditou-se com os processos de
determinação organizativa que os gestores propuseram e pretenderam garantir. – Como gerir
as mudanças se na relação com as escolas e professores se está a pilotar?
c) A gestão da educação pelo PT (Partido dos Trabalhadores), através da SMED (Secretaria
Municipal de Educação), em Porto Alegre, de 1989 a 2004, contribuiu para a democratização
232
do acesso, do conhecimento e da qualidade de um ensino para as classes populares e os
setores sociais mais pobres desta cidade. Também possibilitou a criação de espaços e
instituições participativas que ampliaram a gestão democrática nas escolas municipais. No
entanto, estas formas e espaços, se confrontados com a perspectiva da democracia sem fim e
de alta intensidade, na qual somos sujeitos (no caso, das classes populares, os professores e as
comunidades educativas e do entorno da escola), não tiveram como núcleo central da política
(polity, policy e politics) o tornar-se (ou contribuir para) agentes da obra política educativa
na cidade, o avançar de modo a ocupar todas as potencialidades abertas pelas próprias
políticas que desenvolveram.
A propósito, cabe esclarecer que estas duas formas de gestão da mudança identificam-
se como concepções hegemônicas da administração em educação, do paradigma do consenso,
na acepção de Sander (1983, 1995), assim como do paradigma tradicional de Santos (1999).
A primeira, a burocrático-administrativa, perpassou a história da administração pública e da
educação em nosso País e persiste ainda, mesclada com algumas inovações e discursos
alternativos. A segunda, mais recente, advém dos ventos neoliberais, de acordo com os quais
tudo e todos devem subsumir-se ao mercado e seus humores. Mas ambas partem de
pressupostos comuns – da existência de uma ordem, de um sistema, baseado em leis
“naturais”, em verdades e em uma estrutura social instituídas, e configuram-se no paradigma
dominante (SANTOS, 1999, 2001).
A gestão da mudança em educação como gerir teria o foco nos humanos, na ação
humana e sua relação com a estrutura e o sistema. Estaria relacionada ao conhecimento-como-
emancipação (SANTOS, 1998, 2001) e à produção de obras com poiésis (LEFEBVRE, 1973,
1983, 1991); subentende que “tudo, a sociedade e a civilização” é resultante da produção
humana em suas relações sociais, podendo ser desconstruída e construída por aqueles que a
fizeram, seus produtores de fato.
Sendo assim, a produção/construção da gestão democrática do e no ensino, da e na
escola, do e no sistema educacional, na cidade e no País, mesmo que resultante da indução do
Estado (como novíssimo movimento social, Santos, 1998), deve ser compreendida e
empreendida como uma obra resultante da ação criativa e emancipadora daqueles/as que em
cada um destes espaços agem para que aquela se efetive. Com isto, no entanto, deve ser
assinalado, admite-se que o Estado poderia induzir todos/as cidadãos a produzirem as
políticas, os processos e seus resultados; e, portanto, que as próprias relações sociais libertas
como obras suas (dos cidadãos) guardam relação com a totalidade social (a sociedade), para a
233
emancipação, a auto-gestão e a autonomia de todos/as. Nesta condição concebe-se a
democracia de alta intensidade e sem fim. E fica implicada a tese de que o Estado seria um
novíssimo movimento social producente da emancipação social e individual, e não da
dominação a que tradicionalmente esteve (e está) afeito desde sua existência.
No caso estudado, diria que a gestão democrática restringiu-se à rede escolar
municipal e à gestão escolar. As políticas educativas (o conteúdo das mesmas), que nos
primeiros momentos das distintas gestões foram discutidas de forma participativa, em seu
processo de implementação tornaram-se fetiches a serem seguidos pelas escolas, a partir do
modelo centralmente determinado, impedindo assim a incidência destas na produção de
relações sociais mais emancipatórias e emancipadas. Ou seja, os projetos de educação
(Construtivismo e os Ciclos) foram produzidos pelos sujeitos educativos na SMED, portanto
como obras destes agentes educativos a serem socializadas com e adotadas pelos professores
e as escolas. Mas, na medida em que os professores e as escolas são uma pluralidade e não
compactuam de todas as idéias e pressupostos daqueles que propunham, o projeto, para
viabilizar-se, precisava tornar-se fetiche para os gestores no processo de implentação para não
perderem o controle de todos os aspectos do político. Ou seja, não poderia ser ou tornar-se
obra deles (das escolas, professores e comunidades) pois assim, o centro perderia o controle.
E assim, em determinado momento, o construtivismo, os ciclos, o regimento quase-outorgado
viraram normatividades, algo a ser seguido por todos.
Portanto, de certa forma, pode-se interpretar que a direção municipal da educação, do
PT e da SMED, também não conseguiu efetivar as utopias que propusera (ou propuseram)
antes de assumir os espaços de poder estatal ou foram anunciadas como conteúdo doutrinário.
Veja-se que uma perspectiva acadêmica sobre a construção da aprendizagem pelas crianças
das classes populares resulta em uma política pública e um mandato de natureza pedagógico
(didática); e que um ideário de participação dos professores e da comunidade escolar deriva
em uma estrutura institucional e em um modelo curricular da SMED. Neste sentido, é que
também me refiro a que tanto o construtivismo (da primeira fase, etapa) como os ciclos de
formação (pós 1997) tornaram-se fetiches da gestão e da política no sistema escolar por parte
dos que estavam à frente da SMED, esvaziando-se de certas/suas possibilidades
emancipatórias.
Todavia, a gestão da educação do PT na cidade de Porto Alegre realizou enormes e
inúmeros avanços (acesso, democratização de espaços e instrumentos de participação,
processo e eventos de discussão pedagógica, de qualidade e quantidade de infra-estrutura
material de estudo e trabalho aos educandos e educadores de sua rede de ensino). Portanto,
234
numa perspectiva democrática avançou muito e pode ser exemplo a ser referido e de
aprendizagem a outras gestões e governos democráticos e populares. No entanto, na
perspectiva analítica desta Tese e da utopia a ela subjacente (a democracia local e global
enquanto processo sem fim e de alta-intensidade com produção dos humanos em suas
relações e com a natureza) limitou sua abrangência ao não avançar na produção de uma
Cidade Educativa (STOER, 2001), ou seja, daquela cidade que como um todo tem na política
pública uma via de articulação das diferentes redes de ensino (intra e inter redes, inter e intra
escolas, e entre professores e alunos/as) na construção de uma educação popular e
emancipatória em todos estes espaços, em contraposição ao sistema realmente existente.
Na raiz destes limites pode-se perceber uma razão de hegemonia (na política e na
organização do partido e do Estado), que transitou da crítica superficial do lugar e do papel do
Estado e da gestão das políticas de forma instrumental, nos primeiros governos (e na
produção do PT), para elaborações mais sofisticadas, como a do público-não-estatal, ainda
que apenas posta como uma adaptação à institucionalidade. Ou seja, tal conceito evidencia a
produção de um certo “novo conceito” que não busca superar o sistema instituído, mas
instituir o Estado enquanto gestor e articulador dos consensos produzidos nestes espaços
denominados de público não-estatal
134
. Além disso, os quadros dirigentes e suas
interlocuções, bem como suas políticas, não incorporaram o diverso e o diferente, enquanto
parte de um todo; não se praticou a “unidade na diversidade”, como fundamento da
viabilidade estratégica da democracia de alta intensidade e sem fim.
Por fim, a inevitável reflexão: Se o Partido que se contrapunha ao capitalismo e às
políticas neoliberais homogêneas e únicas, e que se qualificava como de esquerda - e
realmente o foi, não incorporou os dilemas da esquerda mundial em suas lutas e das
experiências derrotadas e fracassadas contra o sistema mundial capitalista, como resenhei no
início desta parte final, mas no Capítulo 1, do referencial teórico, ao gerir o Estado/governo
capitalista, mesmo que localmente (na gestão da educação em Porto Alegre) e não conseguiu
incorporar e envolver seus grupos e tendências internas de forma solidária, com o benefício
das divergências, como poderia avançar na ampliação da democracia sem fim e de alta-
intensidade, para a qual se exigirá mais “paciência’ na incorporação de múltiplos e diversos
agentes?
Para a democracia sem fim, ... um projeto político-pedagógico também sem fim!?
134
Referi à questão no debate sobre o Estado, com Roger Dale, ao resgatar e apontar limites da produção de
Habermas, e a Tarso Genro (sobre o público não-estatal) para aprofundar e ampliar os argumentos. Também com
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Anthony Giddens e Jonathan Turner). São Paulo: Editora UNESP, 1999.
______. O Sistema Mundial Moderno: A agricultura capitalista e as origens da
economia-mundo européia no século XVI. Porto: Afrontamento, 1999. Volume I. (1
a
ed.
Londres, 1974).
______. Capitalismo Histórico e Civilização Capitalista. Rio de Janeiro, Editora
Contraponto, 2001.
______. Uma política de esquerda para o século XXI? Ou teoria e práxis novamente. In.
LOUREIRO, Isabel; LEITE, José Corrêa; CEVASCO, Maria Elisa. O Espírito de Porto
Alegre. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. P.15-39.
______. UTOPÍSTICA ou As Decisões Históricas do Século Vinte e Um. Petropólis: RJ,
2003.
______. Apresentação à edição brasileira. In: O fim do mundo como o concebemos. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p. 9-29.
______. O Declínio do Poder Americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
WITTIZORECKI, ES. O trabalho docente dos professores de educação física na Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre: um estudo nas escolas do Morro da Cruz. Porto
250
Alegre: PPG em Ciências do Movimento Humano, Escola de Educação Física, UFRGS, 2001.
Dissertação de Mestrado.
XAVIER, Maria Luisa M. Os incluídos na escola: o disciplinamento nos processos
emancipatórios. Porto Alegre: UFRGS, 2003. (Tese de doutoramento sob Orientação prof.a.
Dra. Maria Lúcia Castagna Wortmann).
______. Turmas de Progressão na escola por ciclos: contribuições ao debate. In: MOLL,
Jaqueline (org). Ciclos na escola, tempos na vida: criando possibilidades. Porto Alegre:
Artmed Editora, 2004. P. 167-190.
ZERO HORA. Projeto busca a total alfabetização do País. Porto Alegre, 1992.
251
ANEXOS
ANEXO 1
Quadro 2: Teses ao Paradigma Emergente
Tese 1. Todo o conhecimento científico-natural é científico-social: As teorias emergentes “introduzem na
matéria os conceitos de historicidade e de processo, de liberdade, de auto-determinação e até consciência que
antes o homem e a mulher tinham reservado para si”. O conhecimento “tende a ser um conhecimento não dualista,
[...] que se funda na superação das distinções familiares e óbvias [...] tais como natureza/cultura, natural/artificial,
vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa”. O
sentido e o conteúdo desta superação: re-valorizar os estudos humanísticos – núcleo desta parte –, a pessoa no
centro – pois “a especificidade do humano” contrapõe-se a “uma concepção de natureza que as ciências naturais
hoje consideram ultrapassada”. A pessoa é colocada no centro do conhecimento, mas também “coloca o que hoje
designamos por natureza no centro da pessoa. Não há natureza humana porque toda a natureza é humana”.
Tese 2 – Todo o conhecimento é local e total: “No paradigma emergente o conhecimento é total
, tem como
horizonte a totalidade universal [...] ou a totalidade indivisa [...] que também “é local”. Ele se constituiu “em redor
de temas que em dado momento são adotados por grupos sociais concretos como projetos de vida locais, sejam
eles para reconstituir a história de um lugar, manter um espaço verde, construir um computador adequado às
necessidades locais, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, inventar um novo instrumento musical, erradicar
uma doença, etc.”. O conhecimento avança na medida em que seu objeto se amplia. Mas sendo local
, é também
total, pois “reconstitui os projetos cognitivos locais” que, pela exemplaridade, viram ilustrados. É baseado numa
ciência tradutora, “incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidas localmente a emigrarem para outros lugares
cognitivos, de modo a poderem ser utilizados fora de seu contexto de origem”. É “um conhecimento sobre as
condições de possibilidade [...] da acção humana projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local” [...] e
constitui-se a partir de “uma pluralidade metodológica
” que só é possível por uma transgressão metodológica
“consistindo em inventar contextos persuasivos que conduzam à aplicação dos métodos fora de seu habitat
natural. Portanto, a imaginação pessoal do cientista, de um lado, e, de outro, a tolerância discursiva. São outros
dois aspectos dessa pluralidade metodológica.
Tese 3 – Todo o conhecimento é auto-conhecimento: “A ciência não descobre, cria, e o acto criativo
protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica no seu conjunto tem de se conhecer intimamente
antes que conheça o que com ele se conhece do real”. Neste sentido “os pressupostos metafísicos, os sistemas de
crenças, os juízos de valor não estão antes nem depois da explicação científica da natureza ou da sociedade São
parte integrante dessa mesma explicação [...].
Tese 4 – Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum: “A mais importante de todas é o
conhecimento do senso comum, o conhecimento vulgar e prático, com que, no quotidiano, orientamos as nossas
ações e damos sentido à nossa vida. [...] procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de
conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo [...] [ao fazer] “coincidir causa
e intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na acção e no princípio da criatividade e da responsabilidade
individuais” [...] “é prático e pragmático; reproduz-se colado às trajectórias e às experiências de vida de um dado
grupo social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante”. “Na ciência moderna a ruptura
epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o conhecimento científico; na
ciência pós-moderna o salto mais importante é o que é dado do conhecimento científico para o conhecimento do
senso comum”.
Fonte: SANTOS (1999, p.37-57).
252
ANEXO 2
Quadro 3: As funções dos Paradigmas na sua relação com a Sociedade e a Educação
Reprodução
Reproduz e se contenta com as orientações do campo político; contribui para
manter a ordem estabelecida pela classe dominante, permanência das
orientações, das normas e regras de funcionamento dominantes; visa
interiorizar nos alunos as normas dominantes e reprimir o desenvolvimento
de novas regras.
Adaptação
Efetua mudanças no interior das estruturas em resposta às exigências
econômicas e políticas; critica os seus modos e estratégias de funcionamento,
sem questionar as orientações que emanam do paradigma dominante;
contribui para a adaptação à sociedade; discute e propõe mudanças de leis e
regras que lhe são impostas; exige maior descentralização sem questionar o
poder de um governo ou da democracia de representação, ao responder às
necessidades da sociedade sob a forma da legislação ou da administração.
Transformação
A organização educativa muda as práticas pedagógicas associadas às normas
do campo político, que dependem do paradigma sociocultural dominante, e
contribui para a transformação radical da sociedade; questiona-se, ao criticar
os elementos do paradigma dominante.
Fonte: Bertrand e Valois, 1995.
253
ANEXO 3
Quadro 4: A Agenda Educacional Mundial Comum e a Agenda Globalmente Estruturada para a Educação
Cultura educacional mundial
comum
Agenda globalmente estruturada para a educação
Globalização
A sociedade ou a política
internacional é constituída por
Estados-nação individuais e
autônomos, uma comunidade
internacional.
Implica forças econômicas operando supra e transnacionalmente
para romper/ultrapassar as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo
que reconstrói as relações entre as nações; através de pressões
econômicas, políticas, etc.; é/foi construída através de três
conjuntos de atividades relacionadas entre si – econômicas (hiper-
liberalismo); políticas (governação sem governo) e culturais
(mercadorização e consumismo); e parte dos três principais
ajuntamentos de Estados – Europa, América e Ásia; e resultou
do colapso da alternativa formal ao capitalismo e da aceleração dos
processos de mercadorização de todas as coisas.
Cultura
Mundial
A comunidade internacional implica
uma cultura partilhada de forma
igualmente acessível bem como um
conjunto de recursos em alto nível de
generalidade;
Os Estados têm sua atividade e as
suas políticas moldadas por normas e
culturas universais.
Mas “partilham a preocupação como o controle e concordam sobre
certas regras do jogo. Competem ferozmente para fazer avançar o
conjunto de acordos globais que lhes sejam mais favoráveis, mas
reconhecem que, em última análise, dependem da existência de um
mundo que seja seguro para o prosseguimento da procura do lucro
e não de um mundo que seja seguro para perseguir o seu lucro
próprio a expensas de outros”.
Educação
Parte de modelos universais (os
estilos de professores, técnicas de
gestão das organizações e diferentes
ideologias) e as diferenças no interior
das realizações locais são limitadas e
no âmbito do quadro cultural mais
amplo.
Deve centrar na resposta de três questões: a quem é ensinado o quê,
como, por quem e em que circunstâncias?; como, por quem e
através de que estruturas, instituições e processos são definidas
estas coisas, como é que são governadas, organizadas e geridas?
Quais são as consequências sociais e individuais destas estruturas e
processos?
Como a
globalização
afeta a
Educação e
os sistemas
educativos
nacionais
O desenvolvimento dos sistemas
educativos nacionais, e as categorias
curriculares se explicam através de
modelos universais de educação, de
Estado e de Sociedade, mais do que
por fatores nacionais distintos;
As instituições são moldadas a um
nível supra-nacional através de uma
ideologia do mundo dominante
(ocidental); e que ao se construírem
dão um sentido às entidades nacionais
modernas e sua ação, tendo um
sentido mais amplo e universal.
Pela força diretora da globalização (agenda) ao procurar
estabelecer seus efeitos, ainda que mediados pelo loca, sobre os
sistemas de ensino; seu estudo deverá centrar-se nos “princípios e
processos da distribuição da educação formal, na definição,
formulação, transmissão e avaliação do conhecimento escolar e em
como estas coisas se relacionam entre si”, para descobrir como é
que “estes processos são financiados, fornecidos e regulados e
como este tipo de governação se relaciona com concepções mais
amplas de governação” e como é que “estas estruturas e
processos” (sistemas educativos) “afetam as oportunidades de vida
dos indivíduos e grupos e a totalidade das relações dos sistemas
educativos com as coletividades e instituições sociais”. Portanto, os
componentes chaves do sistema educativo (e de seu estudo) seriam:
conceito de mandato, capacidade e governação e sua inter-
relação.
Agenda
A ação econômica, educacional ou
política é legitimada em afirmações
gerais de progresso, justiça e ordem
natural; as reivindicações e definições
institucionais se assemelham em
quase todos os lugares (pois as
diferenças entre as “realizações
particulares resultam de organização
dessa realização a partir de ênfase
variável ou das interpretações de
regras institucionais mais gerais”.
É um conjunto sistemático de perguntas incontornáveis para os
Estados-nação enquandrados por sua relação com a globalização;
são dispositivos político-económicos para a organização da
economia global; manter o sistema; ou seja, os factores globais
enquadram a agenda do Estado e de seus componentes, no apoio ao
regime de acumulação, assegurando o um contexto que não iniba a
expansão e forneça uma base de legitimação para o sistema como
um todo.
Meyer Dale
Fonte: Dale (2001)
254
Anexo 4
Tabela 1: Matrículas Educação Infantil, Fundamental e Superior (1992-2002): Brasil
Matrícula Infantil
Matrícula Fundamental
Matrícula Ensino Superior
Redes/
Matrículas/
Entes
federados
Brasil Brasil Brasil
1992 1997 2001 1992 1997 2001 1992 1998 2002
Federal
0,2 0,0 0,0 0,1 0,1 0,0 21,9 19,22 15,27
Estadual
24,9 13,4 5,7 57,8 55,7 42,3 14,0 12,93 11,94
Municipal
48,1 62,8 66,7 30,5 33,0 49,6 5,7 5,69 3,00
Privada
26,7 23,8 27,7 11,6 11,2 9,1 58,4 62,14 69,78
Total
100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Matrículas
3.795.000 4.640.220 5.912.150 30.106.000 33.131.27 35.298.089 1.661.000 2.125.958 3.479.913
Quadro a partir de Azevedo (2002). Dados 1992, PNE da Sociedade Brasileira (p. 39). Ensino Superior, PNE (IVAN) para 1998 e
2002 e INEP/MEC (2002).
Anexo 5
Quadro 5: Os governos do PT na cidade de Porto Alegre (1989-2004)
Período
1989-1992 1993-1996 1997-2000 2001-2 2003-4
Prefeito Olívio Dutra Tarso Genro Raul Pont Tarso
Genro
João
Werle
Ações
principais
Apropriação da
máquina, OP, conflito
transportadores
coletivos.
Cidade Constituinte,
Plenárias serviços, I
Congresso da Cidade,
continuidade OP
Plano Plurianual, II e
III Congresso da
Cidade, continuidade
OP, Plenárias
Temáticas.
Forum Social
Mundial, Forum
Mundial de Educação,
OP e temáticas.
Secretário/a
educação
Esther Grossi Nilton
Fischer
Sônia Pilla
Vares
José Clóvis Azevedo Eliezer
Pacheco
Sofia
Cavedon
e Fátima
Baierle
Ações
principais
Construtivismo Gestão democrática, lei
dos conselhos escolares,
eleições diretas,
Congresso das escolas e
Ciclos
Ciclos de Formação e
II Congresso das
escolas, Encontro das
cidades educadoras.
Forum Mundial de
Educação, cidade
educadora.
Elaboração Carlos RS Machado
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