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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUISTA FILHO
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
LEANDRO JOSÉ CLEMENTE GONÇALVES
TÁTICA DO EXÉRCITO BRASILEIRO NA GUERRA DO PARAGUAI
ENTRE 1866 E 1868
FRANCA
2009
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1
LEANDRO JOSÉ CLEMENTE GONÇALVES
TÁTICA DO EXÉRCITO BRASILEIRO NA GUERRA DO PARAGUAI
ENTRE 1866 E 1868
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade de História,
Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, como requisito parcial para
obtenção do título de mestre em História. Área de
concentração: História e Cultura Política.
Orientador: Prof. Dr. Héctor Luis Saint-Pierre
.
FRANCA
2009
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LEANDRO JOSÉ CLEMENTE GONÇALVES
TÁTICA DO EXÉRCITO BRASILEIRO NA GUERRA DO PARAGUAI
ENTRE 1866 E 1868
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de
História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em História. Área de
concentração: História e Cultura Política.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: _________________________________________________________
Prof. Dr. Héctor Luis Saint-Pierre,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
1º Examinador: _____________________________________________________
2º Examinador: _____________________________________________________
Franca, ______ de _________________ de 2009.
3
Dedico ao meu pai Edgard (in memoriam) e minha
mãe Benedita, sem a persistência dos quais não
teria chegado até aqui, e ao meu filho Murilo para
que nunca presencie os sofrimentos da guerra.
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar e mais importante, meu eterno agradecimento à dedicação e
amor de meus pais que lutaram contra imensas dificuldades para educar todos os filhos.
Ao tio “Boa”, que desde minha infância me chama de “mestrão”, e sempre, ao seu
modo, defendeu os sobrinhos e soube empurrá-los para frente. Aos meus irmãos, Carlos
César, Marco Aurélio e Daniela cujo incentivo, material e moral, nos momentos difíceis foi
essencial.
Ao professor doutor Héctor Luis Saint-Pierre, pelo apoio e confiança em mim
depositados, mesmo depois de passados alguns anos do meu afastamento em relação à
Universidade para dedicar-me à carreira de professor de “cursinho”, sua dedicação ao estudo
da história militar e da guerra, foi contagiante desde a graduação.
Aos professores doutores, Suzeley K. Mathias, Samuel Alves Soares e Paulo
Loyola Kulhmann, cujos conselhos e apontamentos serviram para a correção de rumos e
indicação de novos caminhos, todos importantes na escolha de meu tema e no
desenvolvimento e conclusão do presente trabalho.
Aos amigos de tantos anos: Delton M. Ramos, Samuel Fernando de Souza,
Fernando Kinoshita, Fernando Berardo, Marcos R. de Castro, José Biagini Netto e tantos
outros que, ao longo de minha história, contribuíram de alguma forma para minhas escolhas
profissionais.
À Maria Itália, diretora do arquivo histórico do IEB-USP, e a todos os
funcionários do IEB-USP, que foram extremamente prestativos e atenciosos na digitalização
de memórias da Guerra do Paraguai, sem as quais não seria possível a realização do que me
propus a fazer.
Ao Capitão Corrêa, diretor do Arquivo Histórico do Exército (AHEX) _instituição
que luta contra graves carências de ordem financeira dentro do próprio Exército Brasileiro
para poder se manter _, cujos conselhos, disponibilização de amplo material documental e
profundo conhecimento _ que tive o prazer e o privilégio de usufruir _ acerca da Guerra do
Paraguai e da História Militar em geral, me serviram de fonte de trabalho e inspiração para a
consecução do presente estudo.
Aos funcionários da Pós-Graduação da Unesp-Franca, especialmente Maísa, que,
com eficiência, além de paciência única e inabalável, sempre me orientaram pelos meandros
da burocracia acadêmica.
Por fim, mas não menos importante, à minha esposa Karina e meu filho Murilo
cuja paciência e amor tanto sacrifiquei em proveito de meus estudos. Sem os dois creio que
não teria a vontade e o senso de responsabilidade necessários para tanto.
Minha eterna gratidão a todos!
Eventuais erros e defeitos são de minha exclusiva responsabilidade.
5
Nestes tempos de reorganização militar, talvez não
seja fora de propósito estudar um pouco o homem
no combate e o próprio combate.
Ardant Du Picq
6
RESUMO
A Guerra do Paraguai contra a Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) encontra-se
dentro do contexto da Segunda Revolução Industrial. Tal fato levou muitos historiadores a
suporem que este seria um conflito moderno, marcado pelas inovações tecnológicas da época,
tais como: mosquetes e artilharia raiados, balões, telégrafos, guerra de trincheiras. Contudo,
tais inovações tiveram um impacto muito mais mido do que se supõe, pois os soldados
aliados, mais especificamente os brasileiros, não eram bem treinados para extraírem o melhor
de seus equipamentos, especialmente as armas portáteis. Assim, pretende-se explorar, por
meio da análise de memórias de guerra (diários, cartas e reminiscências) e Relatórios
Ministeriais da Pasta da Guerra, até onde tais inovações da era industrial foram capazes de
condicionar o resultado do conflito. Nos deteremos, portanto, na fase mais brutal desta luta
gigantesca: de abril de 1866 a dezembro de 1868.
Palavras chave: Guerra do Paraguai, armamentos, tecnologia industrial, história militar.
7
ABSTRACT
The Triple Alliance (Argentine, Brazil and Uruguay) war against Paraguay is rooted in the
context of the Second Industrial Revolution. This evidence led many historians to suppose
that it would certainly be a modern conflict, marked by technological innovations of the time
such as: rifled muskets and artillery, balloons, telegraph, trench warfare. Nevertheless, such
innovations have had a very shy impact than it was expected and that is because the allies,
especially the brazilian army, were not as well as trained to get the most of it from their
equipment, including portable weapons. Therefore, the goal is to explore through the analysis
of memories of war (diaries, letters and reminiscences) and Official Reports from the Warfare
Ministry to that extent such innovations from the industrial age were able to interfere on the
result of the conflict. We will focus in the most violent period of this huge fight|: from april
1866 to December 1868.
Key words: Paraguayan war, weapons, industrial technology, military history.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
MAPAS ANEXOS
1 Invasão aliada ao Paraguai.................................................................................................85
2 Ocupação de Curuzu e assalto a Curupaiti.......................................................................86
3 Marcha de flanco até Taii...................................................................................................87
4 Batalha de Curupaiti...........................................................................................................88
5 Sítio de Humaitá e evacuação da fortaleza pelos paraguaios .........................................89
6 Marcha de flanco.................................................................................................................90
7 Segunda batalha de Tuiuti..................................................................................................91
8 A dezembrada......................................................................................................................92
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11
CAPÍTULO 1 AS OPERAÇÕES DE GUERRA NO PARAGUAI ENTRE ABRIL DE
1866 E DEZEMBRO DE 1868...............................................................................................16
1.1 A Invasão ao Paraguai (16 a 18 de abril de 1866)..........................................................16
1.2 Operações e batalhas terrestres entre 02 de maio e 22 de setembro de 1866..............18
1.2.1 Batalha de Esteiro Bellaco (02 de maio de 1866)........................................................18
1.2.2 Batalha de Tuiuti (24 de maio de 1866).......................................................................20
1.2.3 Batalha de Yataiti-Corá (10-11 de julho de 1866)......................................................24
1.2.4 Batalhas de 16 e 18 de julho..........................................................................................25
1.2.5 Batalhas de Curuzu e Curupaiti (setembro de 1866).................................................27
1.2.5.1 Batalha de Curuzú (3 de setembro de 1866) ............................................................28
1.2.5.2 Batalha de Curupaiti (22 de setembro de 1866).......................................................30
1.3 O comando de Caxias e a estagnação das operações ofensivas (outubro de 1866 a
julho de 1867)..........................................................................................................................33
1.4 A Marcha de Flanco (julho de 1867)...............................................................................35
1.5 Segunda Tuiuti (3 de novembro de 1867).......................................................................36
1.6. O cerco a Humaitá (2 de novembro de 1867 a 25 de julho de 1868)...........................36
1.7 A manobra do Piquiciri e a Estrada do Chaco..............................................................41
1.8 A Dezembrada (6 a 27 de dezembro de 1868)................................................................42
1.8.1 Batalha de Itororó (6 de dezembro de 1868)...............................................................42
1.8.2 Batalha de Avai (11 de dezembro de 1868) .................................................................44
1.8.3 Lomas Valentinas (21 a 27 de dezembro de 1868)......................................................45
CAPÍTULO 2 REVOLUÇÃO MODERNIZADORA OU DITADURA DOS
COSTUMES?..........................................................................................................................47
2.1 O armamento portátil ......................................................................................................51
2.2 Artilharia...........................................................................................................................68
2.3 Balões de observação........................................................................................................71
2.4 Telegrafia militar..............................................................................................................74
10
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................79
ANEXOS .................................................................................................................................84
11
INTRODUÇÃO
“Existe profunda suspeita de que escrever sobre a
guerra é aprová-la, mesmo glorifica-la _ uma
suspeita não infundada na história da escrita da
história militar. Mas reconhecer a importância de
um objeto no estudo do passado não significa
aprova-lo, como qualquer historiador do
Holocausto atestaria.”
Stephen Morillo e Michael F. Pavkovic
1
O estudo da Guerra em geral, ou mesmo de uma batalha em particular, pode,
como afirmam acima Morillo e Pavkovic, despertar graves suspeitas de que o pesquisador
ligado à história militar teria simpatias pela carnificina produzida pela guerra. Tal
desconfiança, que é comum no convívio acadêmico em relação aos pesquisadores da história
militar e da guerra, é fruto, no Brasil pelo menos, de anos de ditadura militar e da persistência
de uma distorcida percepção da história da guerra, que é pouco científica e muito mais
propagandística das pretensas virtudes bélicas nacionais, ressaltando e glorificando “vultos”
pátrios, sem os quais a nação não poderia se manter internamente ou defender-se de seus
inimigos externos. Além disso, a recorrência no noticiário de questões relacionadas à
violência, do crime ou dos conflitos bélicos (interestatais e internos), com suas chocantes
cenas de civis mortos, feridos, mutilados, traumatizados, desabrigados, famélicos, contribuem
para uma repulsiva e, até certo ponto, natural desconfiança em relação à guerra e aos
militares, que, em última instância, são treinados para matar.
São coisas diferentes (ou deveriam ser), entretanto, a repulsa do telespectador pela
guerra ao assistir àquelas imagens, e o tratamento sério, criterioso e científico que os
acadêmicos deveriam dispensar ao tema. No presente momento não se justifica o afastamento
_ e, por que não dizer, ranço _ que os meios universitários brasileiros mantêm em relação ao
estudo da história militar e da guerra, deixando-a de canto, como se fosse a prima pobre das
demais formas de se produzir história, ou ainda como se fosse possível simplesmente ignorar
os vários conflitos militares em andamento mundo a fora ou os elevados gastos militares
realizados por praticamente todos os governos. Parece-nos que passa ao largo deste ambiente
1
MORILLO, Stephen. PAVKOVIC, Michael. What is military history?. Lancaster, Polity Press, 2006, p. 01.
12
universitário a assertiva de Jacques Le Goff de que “[...] começa a haver uma história nova do
fenômeno militar [...]”.
2
A academia também não leva em consideração o crescimento da temática da
história da guerra fora dela; tanto nos meios cinematográficos e televisivos (tome-se o caso da
programação da emissora The History Channel, cuja programação é fortemente carregada
com documentários sobre questões relacionadas à história militar) e a imprensa mais voltada
para os chamados bestsellers militares, entre os quais muitas reportagens de guerra,
parecendo, assim, perder o passo da história em relação a esta demanda do público, fechando-
se na velha torre de marfim.
A “nova história militar”, de que nos fala Le Goff, teve sua origem tanto na
História Nova francesa quanto na História Social anglo-americana, especialmente a partir dos
anos 1950. Estas duas tendências recolocaram a história militar _ então, livre do paradigma
da história dos Grandes Homens, estrategistas sem os quais a guerra sequer seria possível _,
no mainstream da historiografia _ pelo menos na Europa e nos Estados Unidos _, ao permeá-
la com temáticas que ressoavam mais profundamente no meio acadêmico, como sociedade,
cultura, economia, gênero, entre outras.
Os estudos de história social, por exemplo, criaram um caminho vantajoso para
que a história militar _ beneficiando-se da aproximação em relação à antropologia,
arqueologia, ciência política, economia, sociologia, psicologia e a teoria cultural _ voltasse a
receber algum status na academia por meio da inter-relação entre guerra e sociedade, pois
começaram a focar
[...] o impacto da guerra mais amplamente sobre a sociedade, incluindo os
preparativos para fazê-la e os arranjos institucionais para apoiar as forças militares.
[...] Estudar o impacto da guerra sobre a sociedade também levou aos estudos do
impacto da sociedade [...] sobre como a guerra era organizada e combatida.
3
Podemos, inclusive, observar essa “nova história militar” nas obras A face da
batalhae Uma história da guerrade John Keegan. Este, por mais que possa ser criticado,
e de fato o é, estuda a guerra por um viés inovador, muito mais ligado aos avanços
metodológicos obtidos pela história cultural, utilizando-se de ferramentas intelectuais da
2
LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.17.
3
Sobre a inserção da História Militar e da Guerra no mainstream da história e sua relação com a história social,
veja-se: MORILLO, Stephen. PAVKOVIC, Michael. op. cit. p. 39-40 e 61-70.
13
arqueologia, da antropologia, da economia, da geografia, da numismática e até mesmo da
genética animal.
4
Assim, reafirmamos, não é mais possível defender tanto descaso e afastamento da
intelectualidade acadêmica em relação à história militar e da guerra em nosso país.
As duas últimas décadas do século XX testemunharam guerras com vitórias
assombrosamente rápidas e decisivas _ quando se esperava justamente o contrário: guerras
longas e desgastantes (tanto material quanto humanamente falando), tais como os conflitos do
Vietnã, Irã-Iraque e do Afeganistão. As rápidas vitórias dos ingleses no conflito das
Malvinas/Falklands, em 1982, e da coalizão pró-Kuwait encabeçada pelos Estados Unidos,
em 1991, trouxeram à tona um renovado interesse pelo estudo da história militar em vários
países. Entendia-se, como ainda se entende, que a chave para a compreensão destas vitórias
esmagadoras se encontrava no estudo da história militar.
Da mesma maneira, o estudo mais específico da tática ganhou relevância,
especialmente nos meios acadêmicos e militares americanos e europeus, porque então se
considerava que havia ocorrido, no final do século XX, uma Revolução em Assuntos
Militares (ou RMA, em inglês, Revolution in Military Affairs) em virtude do impacto das
tecnologias da microinformática e da robótica, entre outras.
Pretende-se, aqui, buscar compreender como a tática condicionou a vitória ou a
derrota no século XIX, em que medida a tecnologia de armamentos correspondeu ou deixou
de corresponder às expectativas de soldados e oficiais em combate, como ela moldou a tática
empregada nessa ou naquela situação, como o treinamento ou a carência deste foi capaz de
solucionar/criar problemas táticos e, por fim, como o pragmatismo do homem comum, praça
ou oficial, em ação, pôde dar cabo dos problemas concretos que surgiam em campo.
O início do século XIX assistiu a duas transformações que marcariam
indelevelmente a face da guerra: o nascimento, a partir da Revolução Francesa e da Era
Napoleônica, dos exércitos de massas populares de conscritos e o desenvolvimento, com a
Revolução Industrial, de uma indústria bélica capaz de suprir tais exércitos com os meios de
transporte, comunicações e de destruição, de um poder nunca antes visto. Tal foi a “dupla
revolução” de que nos fala Eric J. Hobsbawm.
5
As guerras da segunda metade do século XIX, entre as quais a Guerra do
Paraguai, inseridas já no contexto histórico da Segunda Revolução Industrial, só ocorreram no
gigantismo destrutivo em que se deram graças aos subprodutos da industrialização: navios a
4
Cf. BLACK, Jeremy. Rethinking military history. Routledge: New York, 2004, p. 37-38
5
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 41.
14
vapor blindados (encouraçados), ferrovias, rifles, canhões raiados, torpedos (minas
submarinas), revólveres, telégrafos, entre outras inovações.
A tecnologia industrial teria impactado com mais força sobre três áreas: o
armamento; o movimento estratégico e a organização das forças militares. No primeiro caso,
devemos notar que o grande avanço se deu nem tanto com o rifle (um mosquete de
carregamento bucal, com a parte interna do cano raiada), mas antes, com a introdução da bala
desenhada pelo capitão Claude Etienne Minié, que se expandia no momento do disparo,
aderindo às raias do cano da arma, aproveitando ao máximo os gases provocados pela
detonação do tiro para impulsionar o projétil, dando-lhe mais alcance e precisão. No que
tange ao movimento estratégico, a ferrovia, o navio a vapor e o telégrafo, possibilitaram
deslocar rapidamente grandes quantidades de tropas, animais e equipamentos por enormes
extensões geográficas e mantê-las supridas em suas necessidades; o telégrafo, por sua vez,
ligava os governos aos seus comandantes no campo e sustentava, ocasionalmente, quando a
luta permitia, as comunicações em combate. Por fim, o estabelecimento dos enormes exércitos
permanentes, reunidos por meio do voluntariado ou da conscrição, foi possível graças às
novas tecnologias industriais que permitiam mais produção (de armas, de calçados, de
fardamento, de materiais médicos, de meios de transporte, etc.) num ritmo mais acelerado.
6
Para alguns historiadores brasileiros a Guerra do Paraguai seria um conflito
moderno
7
, é, entretanto, nossa intenção evitar aquilo que Jeremy Black rotula como o “perigo
do determinismo tecnológico”, ou seja, a percepção de que a simples introdução de um dado
avanço tecnológico militar pode, por si, trazer profundas transformações sócio-culturais no
comportamento dos militares e da sociedade em geral, chegando a condicionar a condução da
guerra.
Estudaremos primeiramente, as operações terrestres aliadas (Argentina, Brasil e
Uruguai) contra os paraguaios dentro do período de abril de 1866 _ data do desembarque
aliado em Passo da Pátria, em solo paraguaio _ e dezembro de 1868 _ quando se deu a
campanha da Dezembrada, que praticamente eliminou o exército guarani como força
combatente convencional, sendo obrigado a continuar sua resistência por meio de uma
guerrilha. Em seqüência, no segundo e último capítulo, nos deteremos pormenorizadamente
nas condições táticas de combate encontradas pelos soldados imperiais no Paraguai entre
aqueles anos, verificando como os diversos equipamentos e _ mais especificamente _ o
6
REID, Brian Holden. The American Civil War and the wars of the Industrial Revolution. London: Cassell,
1999.
7
Tal é o caso de COSTA, Wilma Peres. A espada de mocles. São Paulo: Hucitec/Unicamp, 1996, p. 213-
215.
15
armamento se comportava nas mãos destes, como era o treinamento das tropas, como o clima
podia interferir no desempenho das novas tecnologias bélicas introduzidas na segunda metade
do século XIX e, assim, chegar a alguma conclusão sobre a modernidade ou arcaísmo das
condições de luta na Guerra do Paraguai.
Antes, porém, de darmos prosseguimento, precisamos fazer alguns
esclarecimentos que julgamos importantes sobre o armamento portátil das infantarias do
século XIX. O rifle, por exemplo, muito usualmente confundido com arma de repetição
(repeater) _ ou seja, quando municiada com vários projeteis é acionada por meio da repetição
constante de um movimento de alavanca ou ferrolho, dependendo do modelo _, é na verdade
uma arma cuja parte interna do cano (alma) era estriado (raiado) para dar mais estabilidade à
bala, proporcionando, simultaneamente, maiores precisão e alcance, sendo que seus modelos
iniciais eram monotiro de antecarga (carregamento bucal). Seu acionamento era obtido por
meio da queima de uma pequena cápsula de fulminato (um invólucro de cobre com mercúrio
em seu interior), operação que reduzia o tempo de carregamento da arma, acelerando,
também, a cadência de fogo. Todavia, muitas forças armadas _ casos da maioria das unidades
das infantarias russa, durante a Guerra da Criméia, ou paraguaia, na Guerra do Paraguai _
ainda se utilizavam dos mosquetes Brown Bess, armas acionadas por uma pequena pederneira
acoplada ao seu cão, com canos de alma-lisa e alcance e precisão bastante limitados.
8
8
MYATT, Frederick. The illustrated encyclopedia of 19th century firearms.London: Salamander, 1979, p.
13-16.
16
CAPÍTULO 1 AS OPERAÇÕES DE GUERRA NO PARAGUAI ENTRE ABRIL DE
1866 E DEZEMBRO DE 1868
Neste capítulo nossa principal preocupação se centrará em esclarecer ao leitor as
operações desenvolvidas durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai no período
colocado entre abril de 1866, quando se deu a invasão aliada (Argentina, Brasil e Uruguai) ao
território da pequena república guarani, e dezembro de 1868, momento no qual os
remanescentes do exército paraguaio são derrotados na campanha aliada da “Dezembrada”.
Escolhemos este período da guerra por considerá-lo mais prolífico em tentativas
de inovação tática durante toda a história do conflito, especialmente enquanto o marquês de
Caxias esteve à frente do comando das operações _ a princípio das forças imperiais,
posteriormente, de todas as forças aliadas.
1.1 A Invasão ao Paraguai (16 a 18 de abril de 1866)
durante a invasão ao território paraguaio ficaram evidentes os problemas que
caracterizariam a campanha subseqüente por muitos anos: deficiências logísticas, de
comunicações, de coordenação no comando das forças aliadas, carências de cavalaria e
animais de tração (para a artilharia e os transportes) em número suficiente, de artilharia de
sítio, desconhecimento cartográfico do teatro de operações, mas, fundamentalmente, de
subestima sobre o potencial de resistência dos paraguaios.
Nos preparativos para o desembarque no sul do Paraguai, por exemplo, o
almirante Tamandaré afirmou que o exército aliado deveria simplesmente coadjuvar as
operações da esquadra contra as posições fortificadas dos paraguaios ao longo da margem
esquerda (oriental) do rio Paraguai (do sul para o norte: Curuzu _ construída durante a guerra
_, Curupaiti e Humaitá). Posteriormente, porém, já com alguma experiência acumulada sobre
17
as condições topográficas do sul do país inimigo e da navegação ao longo do rio, as opiniões
tornaram-se muito mais cautelosas.
9
Segundo Lyra Tavares:
A grande operação que a Tríplice Aliança iria realizar era, no seu conjunto, a
transposição do rio Paraná e a conquista de uma cabeça-de-ponte na área do Passo
da Pátria, como primeira fase, tendo em vista desalojar o inimigo da sua posição
defensiva, a fim de, numa segunda fase, prosseguir o ataque, no interior do seu
território, para atingir Humaitá. No quadro dessa manobra, a conquista da Ilha da
Redenção, diante da qual as forças aliadas enfrentaram o forte paraguaio de Itapiru,
se inseria como ação preliminar para neutralizar os seus fogos, de modo a impedir
que eles viessem a molestar a operação principal, perturbando a operação técnica da
transposição do rio.
10
Em abril de 1866 havia sido escolhida a abordagem de invasão ao território
paraguaio. Esta previa a tomada da ilha da Redenção (posteriormente denominada ilha
Cabrita, em homenagem ao oficial brasileiro _ tenente-coronel de engenheiros Carlos de
Villagran Cabrita _ que comandou a operação de tomada) de onde alguma artilharia pudesse
bater a posição paraguaia em Itapiru, na margem direita do rio Paraná. Em 5 de abril, a força
de Cabrita, que compreendia 900 homens, quatro canhões La Hitte de calibre 12 e quatro
morteiros de 220 mm, desembarcou no local. No dia 10, após bombardeios recíprocos, 1200
paraguaios, em duas chalanas e trinta canoas atacaram a ilha, perdendo 640 homens entre
mortos e feridos, e 62 prisioneiros
11
. Neste combate se observam algumas feições que
marcariam o conflito: os brasileiros lutaram por detrás de trincheiras, protegidas por sacos de
areia, preparadas pelo batalhão de engenheiros; operações combinadas entre forças de terra e
navais; uso do fogo a queima roupa, mesmo com armas que conferiam um alcance superior a
300 metros, no caso dos rifles brasileiros, e mais de 800, caso da artilharia brasileira, que
contou principalmente com metralha, uma munição dispersiva de curto alcance, e o fanatismo,
coragem e afinco com que os paraguaios, mesmo numa completa assimetria de meios, se
batiam contra as forças invasoras.
9
Em ofício ao ministro da marinha, de 10 de maio de 1866, o almirante diz que havia sido resolvido entre os
comandantes aliados (os presidentes da Argentina e do Uruguai, Bartolo Mitre e Venâncio Flores,
respectivamente, e o general Osório e o próprio Tamandaré, representando o Império) que “[...] depois de
operada a invasão, o exército procurará bater o inimigo, onde ele se achar, enquanto a esquadra se ocupará em
destruir as fortificações da margem [...] esquerda do rio Paraguai até Assunção.” In: SOUZA, Octaviano Pereira
de. História da Guerra do Paraguai. Revista do IHGB, v. 156 (2º de 1927), Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1929, p. 150.
10
TAVARES, General A. de Lyra. Villagran Cabrita e a engenharia de seu tempo. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1981, p. 115.
11
Cf. FRAGOSO, Gen. Augusto de Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1957, p. 368.
18
Após a conquista da ilha ficou evidente aos paraguaios que a invasão aliada se
daria por Itapiru, na margem direita do rio Paraná, todavia, a operação anfíbia que resultou na
invasão se deu na margem esquerda do rio Paraguai, tomando López e seus subordinados de
surpresa:
Ao amanhecer de 16, quatro couraçados, duas corvetas, 11 canhoneiras e duas chatas
artilhadas, montando 90 bocas de fogo, tomaram posição em frente a margem direita
do rio Paraná, formando uma extensa linha de ataque, desde a foz do Paraguai até
acima do Itapirú. As 8 ½ horas da manhã do mesmo dia, 12 vapores, uma chata, dois
avisos e 12 canoas, tendo a bordo 9.465 brasileiros e oito peças, lograram a margem
esquerda do referido Paraná e aproaram rumo ao Itapirú, justamente quando a
esquadra começou a fazer fogo, envolvendo a costa paraguaia sob um vento
favorável, num dilúvio de fumaça, o que sobremodo concorreu para o bom êxito da
surpresa. Brevemente, porem, os transportes deslizaram rio abaixo, velozmente, para
oeste; e guiados, afinal por uma canhoneira entraram a foz do Paraguai, rumo ao
norte até meia gua acima da confluência, num ponto que já tinha sido reconhecido
[...]. As 9 horas da manhã começou o desembarque.
12
Após tal surpresa, ocorreram breves, mas importantes combates terrestres. Nestes,
o apoio da marinha com seus bombardeios teria convencido Solano López a evacuar sua
principal base no sul até então, Passo da Pátria, e permitir que os aliados a tomassem sem luta,
(ver mapa “1”). Tal postura, longe de ser covardia, reflete o perigo que o exército paraguaio
então corria, visto que Passo da Pátria estava dentro do alcance da potente artilharia de
Tamandaré que podia devastá-lo, como de fato o fez no bombardeio preparatório para o
assalto terrestre. Sendo assim, López optou pelo abandono da posição (retirando seu exército
entre os dias 19 e 23 de abril) em favor de uma outra mais forte, Esteiro Bellaco. Os aliados,
por sua vez, mantiveram-se parados, preparando-se para marchar ao norte, entre os dias 24 de
abril e 02 de maio, quando foram acometidos pelos paraguaios na batalha de Esteiro Bellaco.
1.2 Operações e batalhas terrestres entre 02 de maio e 22 de setembro de 1866.
1.2.1 Batalha de Esteiro Bellaco (02 de maio de 1866)
Ao retirar-se para o norte do Esteiro Bellaco, López garantiu a segurança de seu
exército, colocando-o fora do alcance da artilharia da esquadra brasileira (ver mapa 2 do
12
Cf. SOUZA, op.cit., p. 158-159.
19
anexo, as linhas vermelhas representam a retirada paraguaia e as azuis a perseguição aliada).
Paralelamente, entretanto, esperava desferir golpes contra o exército aliado, colocando em
prática sua defensiva estratégica combinada com uma tática ofensiva. Assim, a 2 de maio,
4.000 paraguaios (3.400 infantes e 1.600 cavaleiros) caíram sobre a desprotegida vanguarda
aliada
13
. Apesar do pânico causado entre os aliados e da captura de quatro modernos canhões
raiados pelos paraguaios, estes amargaram a retirada e a perda de cerca de 2.300 de seus
camaradas, além de armas e munições.
Ao buscar explicar as razões da ausência de perseguição dos aliados aos
paraguaios após tal vitória, J. M. da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, fez algumas
interessantes observações sobre a própria demora em concluir a guerra com uma vitória
aliada. Considerando que López ainda devia dispor, dentro de suas posições, de
aproximadamente 25.000 homens, nos diz o Barão:
[...]cumpre ainda ter em vista que elas se achavam em terreno talhado para a defesa,
resguardadas por pântanos, esteiros e bosques, e protegidos por trincheiras [...].
Deveria acrescentar que os aliados, caminhando às cegas, não dispondo de mapas, e
de informações exatas, aventuravam-se a ir provocar o inimigo em seu próprio
território sem os elementos necessários para uma guerra de invasão e sem estar
prontos para assumir imediatamente a ofensiva. [...] hoje que o terreno e os recursos
dos beligerantes deixaram de ser um mistério, ninguém desconhecerá que os
generais aliados não podiam ser bem sucedidos atacando com pouco mais de 30.000
homens, inclusive cavalaria, trincheiras defendidas por força igual a dos assaltantes.
[...] Os que se admiram da longa duração da guerra não atendem às circunstâncias,
que apontamos, e por isso deprimem os generais aliados só porque não marcham tão
rapidamente como costumam faze-lo os exércitos europeus, através de estradas e
campos conhecidos, onde encontram todos os recursos. [...] O erro capital cometido,
não pelos generais, mas pelos governos aliados foi não terem invadido o Paraguai
com 80 ou 100.000 homens. então poderiam os impacientes exigir que os
generais fizessem mais do que fizeram. [...] o ataque sempre é mais difícil que a
defesa, desde que esta se apóia em fortificações e tira o necessário partido dos
acidentes do terreno.
14
Após sua vitória em Esteiro Bellaco, os aliados seguiram mais para o norte, em
direção a Tuiuti (no extremo norte daquele esteiro), chegando a 20 de maio. Esta nova
posição era totalmente desfavorável aos aliados, pois ao sul está o Bellaco, ao norte um outro
esteiro, o Rojas _ em cuja porção setentrional López havia organizado sua linha de trincheiras
_, a leste e terreno era pantanoso e totalmente desconhecido dos aliados e, por fim, a oeste
havia a lagoa Pires, que se ligava ao rio Paraguai
15
(ver mapa 2 do anexo).
13
Erro que os aliados não mais cometeriam, doravante todos os seus estacionamentos seriam protegidos por
entrincheiramentos, valas, redutos e tudo mais que a arte da engenharia de fortificações recomendasse.
14
SCHNEIDER, Louis. A Guerra da Tríplice Alliança contra a Republica do Paraguay (1864-1870). Rio de
Janeiro: H. Garnier, 1902, nota 2, p. 24-25.
15
Cf. FRAGOSO, op. cit., v. II, p. 424.
20
Na apreciação de Gustavo Barroso:
Por trás das trincheiras, adensadas nas matas, conhecendo todas as veredas e passos,
os paraguaios estavam no seu elemento verdadeiro de luta, a tocaia. Os aliados
estavam dentro de um verdadeiro saco e López vai aproveitar o desfavor de sua
posição para lançar contra eles o seu exercito em massa, afim de aniquilá-los.
16
1.2.2 Batalha de Tuiuti (24 de maio de 1866)
López havia recebido informações de que os aliados se preparavam para um
reconhecimento em força ao norte de Rojas no dia 25 de maio e, portanto, decidiu surpreende-
los no dia 24
17
. Sua decisão desencadearia a maior batalha travada na América do Sul e,
também, uma derrota desastrosa para seu exército.
Seu dispositivo de ataque compreendia: 8.000 infantes e 1.000 cavaleiros para
atacar a esquerda aliada; 5.000 infantes com quatro peças de artilharia pelo centro; 7.000
cavaleiros e 2.000 infantes deveriam cair sobre Yataiti-Corá, na direita aliada, totalmente
guarnecida pelos argentinos
18
.
Novamente apelamos para Gustavo Barroso, que nos mostra o dispositivo
defensivo aliado:
Flores acampa com a vanguarda diante da mata [...]. Apóia-o o glorioso
regimento de artilharia a cavalo [...] comandado pelo tenente-coronel Emilio Mallet
[...], com as baterias em posição por trás de um fosso largo e profundo, cavado no
silêncio noturno e sem respaldo ou parapeito, de modo que não podia ser suspeitado
pelo inimigo. Mais atrás, as divisões brasileiras de Vitorino e Sampaio. Depois as de
Argolo e Guilherme Xavier de Souza. Enfim, a cavalaria, quase toda a [...]. Na
retaguarda [...] a brigada do general Neto. Eram 21 mil homens prontos para a luta.
Na frente, os orientais numeravam pouco mais de mil homens. A direita, os
argentinos, mal passavam de 10 mil. São, ao todo, uns 32 mil homens. Contra eles,
López vai atirar 24 mil soldados escolhidos, num ataque frontal secundado por dois
ataques de flanco.
19
16
BARROSO, Gustavo. História Militar do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935, p. 273.
17
Ainda existem dúvidas quanto ao caráter da operação planejada pelos aliados, ou seja, se seria um
reconhecimento em força ou um ataque geral com objetivo de conquistar as linhas de Rojas.
18
Cf. THOMPSON, George. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Conquista, 1962, p. 124.
19
BARROSO, op. cit., p. 273-274.
21
Com o assalto planejado para as 09:00 horas, só iniciou às 11:00, quando as tropas
aliadas se preparavam para o almoço, pois os contingentes paraguaios demoraram para
assumir suas posições. Octaviano Pereira de Souza chama atenção para o fato de que:
[...] Foi o ataque duplamente envolvente [...] contra a força da vanguarda,
duplamente envolvente sobre a retaguarda do acampamento. [...] O plano defensivo
dos paraguaios era, sem dúvida, superior ao ofensivo que eles puseram em prática a
24 de maio [...] Na defensiva contariam eles com as vantagens permanentes do
terreno [...] que ocupavam, para contrabalançar a sua falta de preparo militar. Ao
passo que na ofensiva executada, foram grandes as suas desvantagens, ainda mais
com um plano bi-duplamente envolvente e, como tal, inconvenientissimo, porque o
efetivo de seu exército era menor [...] De tal sorte que o ataque bi-duplamente
envolvente acumulou todos os inconvenientes do ataque de envolvimento duplo,
elevados ao dobro.
20
Na luta que se seguiu podemos observar vários elementos táticos da guerra do
século XVIII, apesar da presença de armamentos modernos da era da 2ª Revolução Industrial,
sendo: infantarias lutando em quadrados e apegadas ao culto da baioneta; cavalaria utilizada
como arma de choque; artilharia disparando a curta distância e com metralha. É interessante
notar, no caso da artilharia (1º regimento a cavalo), no centro do dispositivo aliado, Mallet
contava com 28 peças raiadas, de longo alcance, mas disparou-as a queima roupa, aliás,
como também o fez a infantaria neste dia
21
.
Sobre o resultado da batalha, para os paraguaios, deixemos que fale o general
Resquin “foram notáveis as baixas que o exército paraguaio sofreu. Dos vinte e três mil
homens que entraram em ação, somente sete mil saíram sãos e três mil feridos levemente; os
demais, ou foram mortos, ou feridos com gravidade”
22
.
Para o tenente-coronel George Thompson, inglês a serviço do exército paraguaio,
tal catástrofe se deveu ao fato de que:
Os aliados levaram enorme vantagem, não só por terem sido atacados em suas
próprias posições, e por soldados sem instrução militar, mas porque toda a sua
artilharia foi empenhada na luta, enquanto a artilharia paraguaia estava inativa.
Tinham também a vantagem de lutar na proporção de dois para um, e de suas armas,
que eram melhores. Os paraguaios dispunham de pouquíssimos fuzis raiados, e a
maior parte de seus mosquetes era de pederneira. Os aliados, por outro lado, não
tinham uma única arma de foto portátil que não fosse raiada, e de toda a sua
artilharia somente umas poucas peças, pertencentes aos argentinos, eram de alma
lisa.
23
20
SOUZA, op. cit., p. 179-180.
21
FRAGOSO, op. cit., vol II, p. 431. CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai,
1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, diz que o de infantaria atirou sobre o inimigo à
queima roupa.
22
RESQUIN, Francisco Isidoro. Datos Históricos de la Guerra del Paraguay contra la Triple Alianza. [s.l.]:
Imprenta Militar, 1971, p. 39. Podemos notar a diferença em números, Thompson e Resquin falam em 23 mil,
enquanto Barroso fala em 24 mil.
23
THOMPSON, op. cit., p. 125.
22
As perdas aliadas chegaram a 3913 (2935 mortos e 996 feridos), sendo que a
maioria das vítimas era de brasileiros, com 719 mortos e 2292 feridos
24
.
Muitas foram as críticas, inclusive entre os militares, novamente a respeito da
falta de uma perseguição aos remanescentes do exército paraguaio e da conseqüente
possibilidade de tomada de Humaitá imediatamente. Antonio de Sena Madureira, por
exemplo, nos diz que
Derrotado o inimigo a 24 de maio, era de esperar que os aliados marchassem
imediatamente em sua perseguição, a fim de colherem as vantagens de tão grandioso
triunfo. Contra toda expectativa, porém, conservaram-se imóveis as forças da
aliança, e aplicaram-se a fortificar suas posições! [...] Napoleão dizia que a vitória
estava quase sempre nas pernas dos seus soldados. [...] Por que, pois, não
prosseguimos em 25 de maio, depois do necessário repouso das tropas, em
perseguição do inimigo, destroçado na véspera, e que fugia em debandada?! Seria
porque a nossa cavalaria achava-se a pé? Mas, desde quando tornou-se indispensável
ter cavalaria para atacar posições fortificadas, e marchar quando muito três léguas,
como era apenas necessário, para chegar a Humaitá: [...] É incrível a nossa
imobilidade no dia subseqüente ao de uma vitória tão explêndida, esterilizada
completamente por nossa própria culpa! Grande e grave responsabilidade perante a
história pesa sobre a cabeça daquele que dirigia as operações da campanha [...]
25
Bernadino Bormann escrevendo em tom bastante parecido, mostra que
Todos esperavam que no dia seguinte, 25 de maio, memorável na história da
república argentina, o presidente e general em chefe do exército aliado, D.
Bartolomeu Mitre, avançasse a frente dele e fosse armar as tendas dos soldados
vencedores ao redor de Humaitá que ali estava perto. [...] O general em chefe viu a
espantosa mortalidade do inimigo e, quando um exército é despedaçado como foi o
exército paraguaio, custa a refazer-se, a reorganizar-se, a voltar a si, por assim dizer
da sincope produzida pela hemorragia copiosa, abundante. Assim, cumpre avançar
[...]. Os destroços do inimigo vagam pelas matas; aquelas linhas formidáveis estão
desguarnecidas: avançar é enfrentar com Humaitá e apoderarmos de mais de 100
canhões [...] Porém, o general em chefe não avança; alega que não tem cavalaria e
outros meios de mobilidade para o exército argentino, e ainda mais deficiência de
víveres! A pouca cavalaria que temos é suficiente porque as posições que vamos
tomar são nas matas e para isso temos baionetas e canhões de sobra. Ali não pode
manobrar a cavalaria [..] Alega-se que se desconhece o terreno [...] Não há desculpa.
Não avançar no dia 25 de maio não foi um erro; foi um crime
26
.
Até mesmo Thompson concorda com os insatisfeitos oficiais brasileiros, ao dizer
que “Depois da batalha de 24, os aliados poderiam ter marchado, flanqueando a esquerda
24
FRAGOSO, op. cit., vol II, p. 459.
25
MADUREIRA, Antonio de Sena. Guerra do Paraguai. Brasília: UnB, 1982, p. 27.
26
BORMANN, José Bernardino. História da Guerra do Paraguay. Curitiba: Impressora Paranaense, 1897, v.
I, p. 166-167.
23
paraguaia, e poderiam ter capturado Humaitá e alcançado pela retaguarda as baterias do rio,
sem para isso precisarem disparar um tiro.”
27
A defesa da postura assumida pelo comandante em chefe, Mitre, pode ser
encontrada em carta dirigida por ele ao vice-presidente da República Argentina, Dr. Marcos
Paz: “o inimigo voltou a encerrar-se em suas linhas fortificadas, tendo se salvado de ser
completamente destruído antes de asilar-se nelas, pelas dificuldades do terreno que nos
rodeia, que não permitiam uma perseguição ativa e continuada.”
28
O coronel Palleja, do exército uruguaio, num posicionamento bem mais
ponderado que o de seus aliados brasileiros, coloca que “poderíamos ter dado cabo do inimigo
hoje se continuássemos a persegui-lo: provavelmente teríamos dormido diante de Humaitá,
porém o exército precisava tomar alimento e não estava preparado para um movimento
geral.”
29
Posteriormente, ainda acrescentou que
A cavalaria aliada, salvo uma ou outra exceção, como o de linha argentino, não
tomou quase parte no combate. Na vanguarda não tivemos nem um esquadrão
sequer. Como eu profetizei, a nossa cavalaria acha-se muito mal de cavalos, e o
terreno que ocupamos é infernal: não pode um corpo carregar em ordem, porque a
cada duzentos metros se encontra um banhado ou uma depressão no terreno [...] com
água até a cintura, ou um bosque que desarranja a formatura; e é nestes lugares onde
se faz forte o inimigo.
30
Assim, ao que parece, Mitre tinha, na responsabilidade de comandante-em-chefe,
que se preocupar com o terreno desconhecido _característica esta que não cessou até o final
do conflito_ e com questões logísticas, especialmente no que tange aos animais, não somente
utilizados pela cavalaria mas, também, para tracionar carroças e canhões, além de mulas de
carga, cuja carência impediria a mobilidade até mesmo da infantaria e da artilharia,
inviabilizando o avanço que Sena Madureira e Bormann, então tenentes, pretendiam. Por
outro lado, o exército tinha que tratar de militares feridos e, por fim _uma suposição que
levantamos_, talvez Mitre não desejasse arriscar uma derrota frente à posições entrincheiradas
justamente na maior data cívica argentina (25 de maio, data comemorativa da Independência
Argentina).
27
THOMPSON, op. cit., p. 129.
28
Carta de Mitre a Paz, 24 de maio de 1866, in Partes Oficiales Y Documentos Relativos a la Guerra del
Paraguay, p. 44.
29
SCHNEIDER, op. cit., v. 2, p. 13 (nota 4).
30
SCHNEIDER, op. cit., v. 2, p. 14 (nota 1).
24
Após a batalha de Tuiuti, e devido à inatividade dos aliados, López buscou
reforçar suas trincheiras e reformar os combalidos quadros de seu exército, sendo que,
segundo Fragoso, a batalha “havia lhe patenteado de modo exuberante não lhe ser possível
afrontar em campo aberto o exército inimigo”
31
.
López buscou, além disso, interligar todas as suas principais posições
entrincheiradas por meio de telégrafos elétricos. Seguiram-se, então, duelos de artilharia que
se estenderam de maio a julho.
32
Paralelamente a tudo isso, as tropas da aliança eram reforçadas com a chegada de
novos recrutas, especialmente brasileiros. Contudo, os extenuantes treinamentos a que eram
submetidos e as más condições sanitárias de Tuiuti, elevaram “[...] as entradas para os
hospitais, em princípio de maio, a perto de cem por dia.”
33
.
Ou pior ainda
As moléstias não se limitaram aos homens; acometeram também aos animais, e o
número dos cadáveres subiu tanto que não eram dados à sepultura, mas
queimados. Mencionamos estes fatos para explicar até certo ponto a pausa que então
principiou a dar-se nas operações.
34
Thompson afirma que as forças aliadas foram drasticamente reduzidas pela cólera,
sendo que os argentinos tiveram uma redução de 15 mil para 9 mil homens e que os
brasileiros teriam sofrido tanto quanto
35
.
Foi neste momento que López aproveitou-se da imobilidade aliada em Tuiuti.
1.2.3 Batalha de Yataiti-Corá (10-11 de julho de 1866)
Ao que parece, a partir daqui, López havia modificado suas perspectivas; seu
ataque à ala direita do exército aliado, ocupada integralmente por forças argentinas, visava
possibilitar a construção de novas posições de artilharia de onde pudesse enfiar o flanco
31
FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 5.
32
FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 6-7 e 9.
33
SCHNEIDER, op. cit., p. 43.
34
SCHNEIDER, op. cit., p. 43-44.
35
THOMPSON, op. cit., p. 133.
25
direito aliado. Assim, entre 10 e 11 de julho acossou os argentinos, sendo derrotado com 400
baixas
36
.
Lopes voltou, então, sua atenção para a ala esquerda aliada _ guardada por
brasileiros e uruguaios. Os paraguaios supunham que se colocassem artilharia nesta localidade
poderiam atingir tanto os quartéis-generais aliados, quando forçar as tropas da aliança a
combaterem fora de suas posições fortificadas.
George Thompson, o engenheiro inglês de que falamos, foi encarregado de
construir uma trincheira _dividida em dois segmentos, Punta Ñaró e Isla Carapá _ que dispôs
bem próxima às posições da esquerda aliada, relatou que
[...] num total de aproximadamente 700 ferramentas foram enviadas para Sauce, e o
e batalhões (que tinham feito a terraplanagem na estrada de ferro e os
entrincheiramentos de Humaitá) foram mandados para o trabalho. Recomendou-se
aos soldados que mantivessem silêncio, cuidando em não bater com as ferramentas e
as armas, pois do contrário o inimigo haveria inevitavelmente de ouvi-los. A fim de
proteger o trabalho, colocou-se uma centena de homens, em linha de atiradores, a
vinte jardas do traçado em que seria cavada a trincheira; e para que vissem melhor
quem se aproximasse, ficaram os soldados deitados de barriga para baixo. Em
alguns lugares, estavam eles tão misturados aos cadáveres que era impossível
perceber-se a diferença. Marquei a linha com o auxílio de uma lanterna [...]
encoberta das vistas do inimigo por um couro, e os homens foram alinhados na
direção da luz. Puseram ao chão seus fuzis, cada homem postado diante do lugar em
que devia trabalhar. Começaram a cavar a trincheira de uma jarda de largura e uma
de profundidade, lançando a terra para frente, a fim de construírem um abrigo para
seus corpos o mais rapidamente possível. As linhas inimigas estavam tão próximas
que podíamos ouvir distintamente o alerta das sentinelas, e aas risadas e a tosse
dos homens do acampamento. [...] Mas o extraordinário é que o inimigo nada
percebeu até o sol levantar-se, quando, em todo seu comprimento de 900 jardas,
estava a trincheira de tal modo adiantada que podia abrigar as tropas que nela
trabalhavam [...]
37
A posição construída pelos paraguaios compunha-se de duas trincheiras
avançadas, próximas da direita do acampamento aliado, e um corredor, na forma de uma larga
picada (posteriormente apelidada de “Bocaina” ou “Boqueirão”), que levava a uma sólida e
elevada trincheira de retaguarda, Sauce. A construção das trincheiras avançadas desencadeou
as sangrentas batalhas de 16 e 18 de julho.
1.2.4 Batalhas de 16 e 18 de julho
36
LEUCHARS, Chris. To the bitter end. Westport: Greenwood Press, 2002, p. 132.
37
THOMPSON, op. cit., p. 135-136.
26
Tendo o general Osório sido substituído, por motivo de doença, na chefia do
Corpo, pelo general Polidoro da Fonseca Q. Jordão, no dia 15, decidiu-se pela investida aliada
às novas posições paraguaias.
No dia 16, ao amanhecer, a extremidade sul da trincheira (Punta Ñaró) foi
assaltada de frente e pelo seu flanco direito, sendo que após sua tomada por contingentes
brasileiros e argentinos os paraguaios tentaram recuperá-la quatro vezes, fracassando em
todas.
Entre as 5h30 e 18h00, os brasileiros empenharam 4 batalhões de infantaria e 3
regimentos de cavalaria no flanco paraguaio, e utilizaram 26 batalhões seus e mais 4 dos
argentinos para tomar a trincheira e revezarem-se em seu controle. As perdas aliadas foram de
1.746 brasileiros, entre mortos e feridos, e 71 argentinos.
No dia 17 os paraguaios abandonaram o prolongamento norte da trincheira (Islá
Carapá) e se concentraram na trincheira de apoio (Sauce), que ficava por trás daquela. O
acesso a Sauce era possível com um ataque frontal através de um Boqueirão, ou Bocaina,
cuja extensão era de cerca de 400 metros (400 jardas) e a largura mal chegava, no ponto
extremo, a 40 metros (40 jardas).
Chris Leuchars considera que atacar Sauce _ que além daquelas condições do
Boqueirão, era uma posição elevada, guarnecida por tropas experientes e que contavam com
reservas substanciais, dada sua proximidade das linhas de Rojas, de onde López poderia
facilmente envia-las _ foi uma decisão tomada pelo general e presidente uruguaio Flores, que
acreditava que apenas a conquista de Sauce garantiria a posse das duas outras trincheiras
tomadas entre os dias 16 e 17
38
.
Mesmo fazendo uma pequena confusão entre Punta Ñaró _tomada em
16.07.1866_ e Islã Carapá_ em 17.07.1866_, Leuchars nos oferece uma interessante
apreciação das razões da derrota aliada frente a Sauce
39
:
A batalha de Sauce havia sido um desastre para os aliados, mais de 3000 de seus
homens haviam caído, enquanto os paraguaios haviam perdido apenas a metade
daquele número. A culpa se devia largamente a Flores, que estava nominalmente no
comando naquele dia, mas também às falhas da estrutura de comando aliada que
levou a algum grau de caos e falta de coordenação. Foi a decisão de Flores de
pressionar adiante com a captura da trincheira de retaguarda, que causou tantas
baixas. A tomada de Punta Ñaró devia ter significado o fim da batalha, não apenas
porque a trincheira de retaguarda em Sauce era uma posição quase impregnável, mas
porque não podia ser mantida de qualquer maneira, tão distante que ela estava das
38
LEUCHARS, op. cit., p. 136.
39
Em BORMANN, op. cit., p. 173-174, e em FRAGOSO, op. cit., p. 22-23, v. III, podemos ver que primeiro foi
atacada Punta Ñaró e, depois, Islã Carapá.
27
principais linhas aliadas e tão próxima das dos paraguaios. A falta de reservas foi
outra falha técnica do comandante uruguaio [...], Flores não estava totalmente
consciente da situação, desde que ele não se moveu de seu posto de comando e
assim tinha pouca idéia sobre para o que ele enviava seus homens.
40
Nestes dois combates estão presentes alguns dos elementos que tanto contribuíram
para longa duração da guerra: falta de comando unificado e de coordenação, uma vez que
Polidoro, a 16.07, e Flores, a 18.07, agiram isoladamente; desconhecimento cartográfico, por
parte dos aliados, do terreno onde se lutava; e, por fim, o sistema de entrincheiramentos
defensivos paraguaios, somando à tenacidade do soldado comum.
1.2.5 Batalhas de Curuzu e Curupaiti (setembro de 1866)
Antes de prosseguirmos é preciso descrever as duas posições paraguaias para
melhor compreensão do leitor sobre aquilo que se passou nas duas batalhas.
Ambas localizavam-se na margem esquerda (leste) do rio Paraguai e, a principio,
tinham por finalidade cobrir Humaitá (centro do sistema defensivo de Solano López, que
vedava a navegação naquele rio) contra a aproximação da esquadra imperial.
Curuzú, a posição mais meridional (1760 metros ao sul de Curupaiti)
41
, foi
construída com uma bateria de três canhões apontados para o rio e uma trincheira que lhe
cobria toda a frente terrestre contra um eventual desembarque aliado que tentasse toma-la. Tal
trincheira tinha cerca de 900 metros de comprimento (sentido leste-oeste) e assentava seu
flanco direito na barranca do rio e o esquerdo numa lagoa (ver mapa 2 do anexo). O terreno
imediatamente a sua frente era plano e facilmente batido pelo fogo de seus defensores.
Possuía, ainda, um fosso frontal de dois metros de profundidade por dois de largura e um
parapeito de quatro metros de largura por dois de altura, onde estavam abrigados seus cerca
de 2.500 defensores quando da batalha.
Curupaiti, por sua vez, era uma posição muito mais forte, pois estava assentada
num terreno bastante elevado, muito vantajoso para seus defensores. Contava com fortificação
paralela ao rio, com 13 canhões. Estendendo-se por terra, na direção leste (até a lagoa
Mendez) havia uma trincheira de 900 metros que, no dia da batalha (22 de setembro de 1866)
40
LEUCHARS, op. cit., p. 138.
41
Cf. SOUZA, op. cit., p.225.
28
estava guarnecida por 5.000 homens e 36 peças de artilharia. Tinha parapeito mais elevado e
fosso mais largo e profundo do que Curuzú, além de contar com uma trincheira que lhe cobria
a frente e, entre esta e a trincheira principal, uma enorme linha de abatises
42
que fechava o
acesso a Curupaiti quase completamente (ver mapa 3 do anexo).
O terreno interposto entre as duas posições era de difícil travessia por ser
alagadiço, além de praticamente desconhecido dos aliados.
Assim descrito o cenário, passaremos ao drama desenvolvido.
Ao analisar os fatos em torno da batalha de Curupaiti muitos historiadores
enfatizaram as querelas políticas entre os aliados (especialmente entre o almirante Tamandaré
e o general Porto Alegre, de um lado, e os generais Bartolomé Mitre, Polydoro Jordão e
Venâncio Flores, de outro) como forma de justificar o desastre ocorrido com as tropas
argentinas e brasileiras frente aos soldados de Solano López
43
. Nossa intenção é contribuir
com subsídios para uma outra razão, de caráter propriamente tático, relacionada às condições
de combate das guerras da segunda metade do século XIX e do cenário da batalha de 22 de
setembro de 1866, propriamente dita, que explique o ocorrido naquele campo de peleja sul-
americano _ sem, com isso, desqualificar qualquer versão que valorize um olhar mais político
sobre as causas da tragédia.
A batalha de Curupaiti (22 de setembro de 1866), durante o curso da Guerra do
Paraguai, foi uma expressiva vitória obtida pelas armas guaranis às custas dos aliados
(brasileiros e argentinos). Tal combate pode ser compreendido como a expressão da
superioridade da defensiva entrincheirada sobre o assalto frontal _ mesmo sendo os
defensores dotados de armamento de qualidade (alcance e precisão) inferior ao dos
assaltantes.
1.2.5.1 Batalha de Curuzú (3 de setembro de 1866)
Em agosto de 1866, quando o alto-comando aliado optou pela operação conjunta
entre a esquadra (sob comando do almirante Tamandaré) e o exército brasileiro (2° Corpo de
42
Abatises são troncos de árvores derrubadas cuja galhada é voltada na direção de um inimigo que ataca, para
dificultar-lhe o avanço. Sobre tal modelo de fortificação de campo de batalha, veja-se: GRIFFITH, Paddy. Battle
tactics of the Civil War. New Haven and London: Yale University Press, 2001, p. 127-128.
43
Tal é o caso de DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 237-
238.
29
Exército, sob comando do general Manuel Marques de Souza, barão de Porto Alegre, que
havia chegado em julho ao Paraguai, vindo do Rio Grande do Sul) contra as fortificações
guaranis na margem esquerda do rio Paraguai, a intenção era abrir uma brecha nas defesas de
Solano López que deixasse seu flanco direito, assentado na margem esquerda do rio Paraguai,
exposto ao avanço aliado, possibilitando cortar o grosso de seu exército, nas linhas de Rojas
em frente ao acampamento aliado em Tuiuti, de seu principal baluarte defensivo: a fortaleza
de Humaitá. Os generais aliados pareciam querer, então, obter a iniciativa de operações
ofensivas, que até aquele momento esteve com López, quanto este desfechou os golpes de
mão de Esteiro Bellaco, Tuiuti, Boqueirão e Sauce, entre maio e julho de 1866 _ embora os
paraguaios se achassem numa defensiva estratégica, sua opção era, então, a ofensiva tática
44
.
Antes do desembarque das tropas do Corpo, a esquadra imperial bombardeou a
bateria fluvial e a trincheira de Curuzú, no intuito de “amaciar” a posição para o assalto que se
seguiria. Durante a operação de bombardeio a marinha perdeu o navio encouraçado Rio de
Janeiro, afundado devido à explosão de um torpedo em sua popa. Tais engenhos haviam
sido utilizados na Guerra Civil Americana (1861-1865) com algum sucesso _ na Guerra do
Paraguai esta seria a única belonave perdida dessa maneira, sendo também a única dos aliados
que os paraguaios conseguiram destruir ao longo de todo o conflito
45
.
Com a posição previamente batida pela marinha, o exército tomou-a no dia 3 de
setembro de 1866. O assalto, com uma carga frontal de infantaria com baionetas caladas nos
fuzis, revelou-se, embora vitorioso, extremamente custoso para os atacantes (provocando 10%
de baixas no efetivo total empregado, com 8.300 homens) pois a artilharia defensiva não
havia sido silenciada pelo bombardeio da marinha, assim como este não havia desalojado os
2.500 defensores da posição. A tomada da trincheira foi possibilitada por uma manobra de
flanqueamento pela esquerda dos paraguaios, através da lagoa que acreditavam ser invadeável
44
Cf. LEUCHARS, op. cit., p.140.
45
Por torpedoentendia-se a mina submarina, e não um míssil submarino como é atualmente. Tais engenhos
foram utilizados pela primeira vez na Guerra da Criméia (1853-1856), mas com algum êxito somente desde a
Guerra Civil Americana. O presidente paraguaio, Solano López, não hesitou em utilizar o trabalho de técnicos
estrangeiros, como George Frederick Masterman, para produzi-los e lança-los contra os navios imperiais. A
esquadra imperial também contratou um especialista estrangeiro, James H. Tomb, oficial veterano da vencida e
dissolvida marinha dos Estados Confederados da América do Norte (CSA), para localiza-los e desativa-los.
Sobre tais armas, veja-se: NOSWORTHY, Brent. The bloody crucible of courage. New York: Carrol & Graf
Publishers, 2003, p. 126. Sobre seu uso especificamente na Guerra do Paraguai, veja-se: CAMPBELL, R.
Thomas. Engineer in gray. Jefferson: McFarland & Company Publishers, 2005, p.133-158. COTNER, Robert
C.. As experiências do capitão James H. Tomb na Marinha Brasileira 1865-1870. in: Edição Especial da
Revista Marítima Brasileira, v.127, dez. 2007. LEUCHARS, op. cit., p. 142. THOMPSON, op. cit., p. 130.
30
_ sendo que três batalhões (34°, 47° e 29° de voluntários da pátria) foram lançados por esse
lado, quebrando a resistência do 10° batalhão de infantaria paraguaio e tomando a posição.
46
Apesar da temeridade que possa parecer tal ão aos olhos do século XXI, o
pensamento militar do século XIX consagrava um lugar de elevada estima e respeito pela
carga frontal com o frio aço das baionetas _ como se pode observar em várias batalhas onde
tal arma alcançou fama de eficiência, como no cerco de Sevastopol, na Guerra da Criméia
(1853-1856), ou em Solferino, no conflito Franco-Austríaco de 1859
47
.
Dentre as razões que levaram à vitória brasileira em 3 de setembro de 1866 o
coronel Juan Beverina, do Exército Argentino, cita: a grande largura do parapeito paraguaio,
que impossibilitou o fogo de enfiada dos defensores quando os brasileiros encostaram no
muro; o fato de Curuzú estar totalmente fora da cobertura da artilharia da posição principal,
Curupaiti; e a inexistência de uma infantaria paraguaia de reserva para lidar com uma
eventual penetração inimiga na trincheira; e, por fim, a opção do general Porto Alegre em
dispor seus soldados em extensas e estreitas linhas de ataque, impossibilitando que os poucos
defensores paraguaios fizessem fogo concentrado sobre algum setor da linha de ataque
48
.
1.2.5.2 Batalha de Curupaiti (22 de setembro de 1866).
Segundo o engenheiro inglês George Thompson, López havia lhe dado ordens
para reforçar a posição de Curupaiti por volta de 8 de setembro, com a construção de uma
trincheira mais consistente, 5.000 homens e muita artilharia. Isso porque “[...] se os aliados
tomassem Curupaiti, ficariam à retaguarda do restante do exército paraguaio”, nas linhas de
Rojas.
49
No intuito de obter tempo para a conclusão da obra, López convidou Mitre
(presidente argentino e supremo comandante aliado no Paraguai) para deliberar sobre um
46
Posteriormente, López mandou dizimar o batalhão, além de fuzilar oficiais escolhidos por sorteio e dissolver a
unidade espalhando os remanescentes da mesma entre vários batalhões do seu exército. Cf THOMPSON, op. cit.
p. 142.
47
Cf. NOSWORTHY, op. cit., p. 594-608.
48
BEVERINA, Juan. La Guerra del Paraguay: desde la invasion de los alliados al Paraguay hasta
Curupaity. Buenos Aires: Circulo Militar, 1933, p. 168-169.
49
Cf. THOMPSON, op. cit., p. 141-145. O barão do Rio Branco, anotador da obra de Louis Schneider, contesta
Thompson ao afirmar que foi o tenente-coronel Wisner de Morgenstern, outro militar europeu (austro-húngaro) a
serviço de López, quem projetou as defesas paraguaias em Curupaity. Cf. PARANHOS, J. M. da Silva. In:
SCHNEIDER, op. cit., 2° v., p. 92.
31
acordo de paz numa conferencia em Yatayty-Corá, em 12 de setembro. Após a reunião Mitre
ainda pensou até o dia 14 para responder negativamente às propostas do presidente paraguaio.
Além disso, as já mencionadas disputas de cunho mais político do que militar entre os
comandantes aliados retardaram o ataque à posição até o dia 17 de setembro. Nessa data,
porém, começou intensa chuva que durou até o dia 20, quando foi feita a opção por dar tempo
para que o terreno secasse um pouco. Assim, o ataque ocorreu em 22 de setembro, um dia
após os paraguaios terem completado suas novas defesas em Curupaiti.
Entre os dias 11 e 13 de setembro Mitre havia se transferido com 9.000 soldados
argentinos, 12 peças de artilharia e uma brigada brasileira de 2.000 homens, para Curuzú,
onde assumiu o comando da operação preparatória para o assalto.
No plano de ação dos aliados estavam contempladas três iniciativas para o dia 22:
o ataque frontal contra Curupaiti (sob comando de Mitre), uma demonstração de força das
tropas aliadas em Tuiuti (sob comando de Polydoro Jordão) e um avanço de cavalaria, com
3.500 soldados, pela extrema esquerda das defesas paraguaias de Rojas (sob comando de
Venâncio Flores), para explorar aquele flanco inimigo e buscar a junção, através da
retaguarda paraguaia, com os assaltantes de Curupaiti
50
.
No dia 22, após quase quatro horas de bombardeio naval, as tropas aliadas
receberam o sinal combinado com a esquadra para locomoverem-se em direção ao inimigo
entrincheirado (ver mapa 3 do Anexo: “A batalha de Curupaiti”). Durante outras quatro horas
bateram-se contra um inimigo fortemente protegido que lhes impôs pouco mais de 4.000
baixas, entre mortos, feridos e desaparecidos. Chris Leuchars nos fala de 50% de baixas entre
os efetivos argentinos e 20 % entre os brasileiros, mas chama atenção para o fato de que estes
não correspondem ao total de homens que estava em Curuzú, mas ao total realmente
empregado na refrega, sendo que em números inteiros as perdas foram semelhantes (2.011
brasileiros e 2.082 argentinos)
51
. Pelo lado paraguaio, as perdas chegaram, segundo
Thompson, a 54 mortos, vitimados principalmente pelo fogo dos mosquetes dos brasileiros
postados na margem chaquenha (direita) do rio Paraguai
52
.
Vários foram os elementos que contribuíram para a catástrofe aliada em 22 de
setembro de 1866, fazendo com que não possamos, portanto, atribuir culpas somente aos
comandantes e suas rivalidades de cunho político. Antes, deve-se procurar compreender as
condições táticas próprias do combate de meados do século XIX.
50
Para uma análise detalhada do plano de operações previstas para os generais Polydoro Jordão e Venâncio
Flores, veja-se: FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 143-147.
51
Cf. LEUCHARS, op. cit., p. 153.
52
Cf. THOMPSON, op. cit., p. 150.
32
O general Fragoso, por exemplo, nos mostra que Curupaiti ocupava posição
naturalmente forte, pois era elevada e, dessa maneira, dominava o terreno em frente, porém,
salienta que os paraguaios reforçaram-na de tal maneira entre os dias 8 e 21 de setembro que
ela se tornou praticamente inacessível para quem vinha de Curuzú. O traçado da trincheira
principal era marcado por reentrâncias _ ao contrario de Curuzú cuja trincheira era
praticamente uma linha reta _ que possibilitavam o tiro de enfiada (aquele que é feito quando
se está em posição bastante protegida e vantajosa em relação ao inimigo, que não pode ou
dificilmente consegue se proteger) contra assaltantes que eventualmente entrassem no fosso e
se encostassem no sopé do parapeito. Em virtude das chuvas que caíram entre 17 e 20, o
terreno entre Curupaiti e Curuzú estava encharcado, tornando sua travessia uma verdadeira
provação para os soldados aliados. Por fim, Fragoso destaca os erros cometidos pelos aliados.
Entre estes: o fato de realizarem reconhecimentos muito superficiais, não descobrindo sequer
a natureza do terreno que teriam que atravessar; a artilharia terrestre aliada era muito limitada,
em quantidade e poder de fogo para causar qualquer estrago de proporções consideráveis
entre os defensores; o tempo que os aliados “concederam” aos homens de López para que
reforçassem a posição, devido às disputas estéreis e às deliberações de paz após a conferência
de Yatayty-Corá
53
.
O capitão Octaviano P. de Souza, por sua vez, não aceita a alegação, muito usual
após a batalha de Curuzú, de que faltaram meios móveis (cavalos, mulas e bois) aos
brasileiros para que tomassem Curupaiti imediatamente após 3 de setembro, pois o terreno
entre as duas posições possibilitaria a transposição por infantaria. Acrescenta que a
presença de vários batalhões no Chaco (margem direita do rio Paraguai) teria causado danos
bem maiores aos paraguaios e seriam muito mais eficazes, pois a maioria das baixas guaranis
foram provocadas pelo fogo de enfiada dos mosquetes raiados dos homens dos 16° e 12°
batalhões brasileiros. Mostra que a linha de abatises era um obstáculo impenetrável para um
assalto frontal. Conclui, num breve resumo, quais teriam sido as causas imediatas da derrota:
atraso em atacar a posição logo após a queda de Curuzú; reconhecimentos mal conduzidos
que levaram à informações incompletas sobre a posição inimiga; ineficiência do bombardeio
naval de 22 de setembro; a força da posição paraguaia; carência de artilharia terrestre de
grosso calibre entre os aliados; a formação de uma maciça linha de assalto aliada para
atravessar o campo, proporcionando grandes e múltiplos alvos à artilharia paraguaia em
posição elevada e atirando de enfiada contra os assaltantes; e, finalmente, o fato do ataque ter
53
Cf. FRAGOSO, op. cit., p. 148-149.
33
ocorrido a luz do dia e não durante a noite, quando esta seria, para Octaviano, a alternativa
mais aconselhável _ embora se possa criticar tal afirmação com a simples constatação de que
o comando e o controle durante a noite são muito mais difíceis do que durante o dia
54
.
Chris Leuchars trata das mesmas qualidades das fortificações de Curupaiti (fosso,
parapeito, linha de abatises, terreno alagado, pesada artilharia, presença de muita infantaria)
que os demais autores. Destaca, entretanto, o descuido dos aliados em não destruir a linha de
abatises com sua artilharia antes de lançarem seu assalto. Nos mostra, também, que as tropas
de assalto estavam sobrecarregadas e, portanto, eram demasiadamente lentas. Por fim, chama
atenção para o fato de que o único problema sério dos paraguaios era selecionar alvos entre as
mais variadas opções que se lhes apresentavam para destroçar brasileiros e argentinos.
O tenente-coronel Juan Beverina, por fim, deixa a culpa da derrota recair
especialmente sobre a marinha imperial, cujo comandante, almirante Tamandaré, havia
prometido arrasar, com a artilharia de grosso calibre a bordo de seus encouraçados, toda a
área de Curupaiti, mas não poderia fazê-lo, segundo o militar e historiador, porque não
dispunha de observação _ dado que dos navios da esquadra não era possível verificar os
estragos naquele terreno tão elevado em relação ao rio _ e comunicações adequadas para
tanto. Beverina não isenta, entretanto, Mitre, a quem acusa de ter conduzido um ataque
suicida contra trincheiras que não haviam sido adequadamente reconhecidas e com tropas
sobrecarregadas de materiais como escadas e faxinas, que eram utilizadas para preencher os
fossos e possibilitar a travessia dos mesmos pela infantaria _ isso porque as tropas de
pontoneiros e sapadores (soldados de engenharia) haviam ficado para trás, protegendo os
canhões aliados
55
.
Achamos interessante deixar aqui um testemunho ocular sobre as vantagens da
posição de Curupaiti, do então tenente da Marinha Artur Silveira da Motta:
A posição era naturalmente tão forte, que quatro ou cinco mil homens de boa tropa
com uma dúzia de canhões, atrás de uma trincheira de pouco relevo, que a natureza
do terreno permitia levantar em vinte e quatro horas, bastavam para resistir a um
ataque na proporção de um contra dez. Isto não quer dizer que a posição fosse
inexpugnável, mas sim que não poderia ser tomada sem sacrifício de quinze ou vinte
mil homens, que era o número total dos assaltantes. [...] Tive ocasião de percorrer
grande extensão do descampado por onde avançaram as nossas colunas, se não no
dia do ataque, mas poucos dias depois, indo como parlamentário às avançadas
inimigas, com uma comunicação do Almirante a López relativamente a suspensão
de hostilidades durante o tempo necessário para a nossa linha de bloqueio ser
transposta por um navio de guerra americano que conduzia o Ministro Washburn.
[...] finalmente, depois que López concentrou seu exército em Humaitá, percorri as
54
Cf. SOUZA, op. cit., p. 239-241.
55
Cf. BEVERINA, op. cit., p. 236-237.
34
trincheiras das quais havíamos recuado e grande parte do terreno que elas
dominavam acessível por alguns passos entre banhados profundos. Os assaltantes
tinham de estreitar nesses passos a ordem em que avançaram e ali eram fulminados
pela metralha, enquanto procuravam remover os abatises para se estenderem de
novo. Um espectador imparcial da batalha de Curupaiti nada teria tido que admirar
na resistência do inimigo protegido por suas trincheiras em posição tão vantajosa.
1.3 O comando de Caxias e a estagnação das operações ofensivas (outubro de 1866 a
julho de 1867)
Após a derrota frente à Curupaiti, Polidoro, Tamandaré e Flores retiraram-se de
suas posições de mando, além disso, o marquês de Caxias assumiu o comando unificado dos
e corpos de exército e da esquadra (que passou ao comando do visconde de Inhaúma,
Joaquim José Ignácio), e deu início, com o suporte do general Osório, à organização do
corpo no Rio Grande do Sul.
Caxias chegou a Tuiuti em 18 de novembro de 1866 e deu início a várias
mudanças. Na viagem de ida reorganizou o serviço hospitalar e os depósitos do exército no
Uruguai e na Argentina. Chegando ao Paraguai constatou as profundas diferenças
administrativas entre os e Corpos de Exército brasileiros, ao ponto de afirmar
posteriormente, que “[...] pareciam pertencer a diferentes nações [...]
56
.
As condições sanitárias, disciplinares e materiais do exército eram tais que Caxias
teria, necessariamente, que gastar tempo para corrigi-las e posteriormente pensar em abrir
operações contra o inimigo. Temos, no texto de Forjaz, a descrição do quadro tenebroso em
que se encontrava o exército brasileiro:
O Exército estagnava depois de Curupaiti. A ociosidade levava ao vício e ao
relaxamento. A tropa não andava; desandava. O comércio e a prostituição
imperavam, explorando o dinheiro dos soldados nos momentos de folga. Foram
tantas as trocas de peças de uniforme em escambo que muitos andavam descalços e
seminus.
A higiene quase não existia. Não havia água tratada [...] O estado sanitário da tropa
era tão precário que os aliados perderam mais de um terço de seu efetivo vítima de
enfermidades. [...] O lera dizimava mais do que os projéteis do adversário e cerca
de um terço de seu contingente achava-se enfermo.
A cavalaria estava desmontada. Os cavalos remanescentes sobreviviam das
pastagens naturais, pobres em nutrientes. Forragem praticamente não havia. O
armamento era deficiente e ruim. Bastava inutilizar a vareta do fuzil Minié para
deixa-lo inoperante. [...] A partir de então as hostilidades teriam um novo curso. O
56
FRAGOSO, op. cit., v. 3, p. 193-194.
35
novo comandante-em-chefe [...] reorganizaria tudo, mesmo que lentamente, afiaria a
espada para depois partir celeremente atrás do oponente.
57
Reconhecendo o elevado valor da fortificação de campo, Caxias providenciou o
reforço dos entrincheiramentos aliados em Tuiuti _ dado que também era seu plano realizar
uma marcha pelo flanco esquerdo paraguaio e sitiar Humaitá, deixando em Tuiuti apenas uma
pequena guarnição que pudesse defender a base por meio de boas fortificações _, com a
construção de um reduto central e de linhas telegráficas que interligassem estas novas
posições. Paralelamente, implantou um serviço de observação com balões cativos para mapear
as posições paraguaias e,dessa forma, solucionar parte do problema do desconhecimento
cartográfico.
Eram, portanto, múltiplos os problemas que exigiam solução e várias as tarefas a
realizar. Demandava-se tempo! A imprensa da corte, em especial, passou a criticar
severamente ao marquês pela morosidade em iniciar operações, contudo os jornalistas não
compreendiam as questões que cercavam o teatro de operações.
1.4 A Marcha de Flanco (julho de 1867)
Contando com novos efetivos imperiais e com uma cavalaria reconstituída _com
3000 cavaleiros montados sobre animais criados a alfafa e milho_, Caxias partiu com 21500
brasileiros, 6000 argentinos e 600 orientais, deixando 10.000 homens do Corpo guardando
Tuiuti
58
.
Seu projeto consistia cercar Humaitá cortando-a de qualquer contato com
Assunção ou outras tropas paraguaias (ver mapa “Marcha de flanco” nos Anexos). Tal plano
foi explicado ao general Osório em correspondência de 04.04.1867, quando ainda era
esquematizado
[...] tendo o inimigo concentrado toda a sua defesa nas matas próximas ao rio
Paraguai, fortificando-as consideravelmente [...] seria um contrasenso irmos fazer-
lhe a vontade, procurando-o justamente no único lugar em que ele nos pode resistir.
Daquele modo me parece que López não terá senão duas resoluções a tomar: ou
abandona sua linha fortificada, e reunir suas forças para nos ir dar uma batalha
campal, ou atacar as forças que eu deixar guardando a linha que ocupamos. Se tomar
57
FORJAZ, Cláudio R. Hehl.Espada Caxias. Rio de Janeiro: 2005, p. 204.
58
Cf. SOUZA JUNIOR, Antonio de. Guerra do Paraguai. In HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da
Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1985, Tomo II, v. 4, p. 307.
36
a primeira, saindo ao nosso encontro, terá que abandonar suas trincheiras; então as
forças que aqui [Tuyuty] ficarem as poderão tomar com pouco prejuízo. Se, pelo
contrário, vier com toda a força atacar a nossa atual linha, nos dará tempo para
avançarmos pelo seu flanco esquerdo, e tomar-lhe a retaguarda antes que possa
retirar-se. E, mesmo quando ele se julgue o forte, que nos tente bater em detalhe,
será isso para nós de muita vantagem, porque, do primeiro ataque que
empreendesse, sairia tão mutilado que nos seria depois mais fácil aniquilá-lo.
59
Esta apreciação de Caxias confirmou-se a 3 de novembro de 1867 na segunda
batalha de Tuiuti (ver mapa “Tuiuti, 3 Nov. 1867”), quando López, tentando aliviar o cerco
promovido pelos aliados _ no dia anterior, tropas aliadas haviam chegado até Taii, na margem
esquerda do rio Paraguai ao norte de Humaitá, ameaçando-a seriamente com o isolamento_
procurou atacar a base de operações aliada em Tuiuti, então guardada por forças do Corpo
de Exército, sob comando de Porto Alegre.
1.5 Segunda Tuiuti (3 de novembro de 1867)
Os paraguaios notaram que com o grosso do exército aliado espalhado entre
Tuyu-Cuê _ onde Caxias instalou seu quartel-general _ e Taii, na margem esquerda do rio
Paraguai, Tuiuti passava a ser um alvo cil de ser atingido. O pensamento de López era
atacá-la para cortar a retaguarda de Caxias, ou, pelo menos, forçá-lo a retroceder,
atrapalhando sua marcha de flanco para sitiar Humaitá.
Após obterem uma surpresa inicial, capturando as duas primeiras linhas de
trincheiras aliadas, que se achavam fracamente guarnecidas, os 8000 soldados paraguaios
entregaram-se ao saque de Tuiuti e do Passo da Pátria _ além do que, a visão das tropas
brasileiras e argentinas fugindo em pânico levou os soldados de López a uma perseguição
desenfreada e desorganizada. Além disso, o barão de Porto Alegre pôde reunir seus homens
no reduto central de Tuiuti _ mandado construir por Caxias _ para fazer resistência ao ataque
e recebeu reforços de Tuyu-Cuê, podendo, dessa forma, repelir aquele que seria o último
assalto paraguaio em grande escala contra posições fortificadas aliadas.
Em três horas de refrega (das 6h às 9h) 2000 soldados brasileiros resistiram dentro
do reduto central, suportando 800 mortos ou feridos e 233 homens do 4º Batalhão de artilharia
a que, tentando defender um forte na direita das linhas aliadas, foi obrigado a render-se
59
Citado em FRAGOSO, op. cit., v. III, 1958, p. 233-234.
37
quando os paraguaios se aproximaram, pois os soldados desta unidade dispunham somente de
mosquetões sem baioneta para sua defesa pessoal.
60
Contudo, pode-se considera-la uma vitória aliada, dado que os paraguaios não
somente não alcançaram seu intento como, também, a perda de cerca de mais 2400 homens
obrigou-lhes, em seguida, a reduzir o perímetro defensivo externo de Humaitá e
reconcentrarem-lhe em seu interior.
1.6. O cerco a Humaitá (2 de novembro de 1867 a 25 de julho de 1868)
A tomada de Humaitá era vital, desde o início do conflito, para que os aliados
franqueassem a navegação no rio Paraguai e seguissem até Assunção. Com este intuito o
exército aliado, sob comando integral de Caxias desde 13.01.1868, e a esquadra imperial sob
comando do almirante José Ignácio (visconde de Inhaúma), contando com navios blindados
(encouraçados e monitores, sendo estes navios de baixo calado e pouco perfil) realizaram
várias operações combinadas neste período.
López, percebendo o inexorável estrangulamento de sua guarnição em Humaitá,
manda, por sua vez, que se construa na margem direita do rio Paraguai, entre Timbó e Monte
Lindo (ambos no Chaco), uma estrada cujo propósito inicial era suprir a Fortaleza mas que,
posteriormente, foi usada para evacuá-la.
Em 19 de fevereiro de 1868 uma parte da esquadra força as passagens de Humaitá
e Timbó (esta, a direita do rio) e chega a Taii para unir-se às forças terrestres, no mesmo dia o
reduto paraguaio do Estabelecimento (reduto Cierva) é atacado e conquistado, apertando
ainda mais o perímetro do cerco aliado sobre Humaitá. Notando isso, López retira-se de seu
principal baluarte, com 12 mil soldados, através de sua estrada no Chaco, em 3 de março de
1868 _ pouco depois é seguido pelos generais Resquim e Barrios, com mais de 10 mil homens
_ seu destino é S. Fernando, ao norte de Humaitá e entre esta e Assunção.
Reconhecendo o plano e as ações de López, Caxias envia tropas ao Chaco, com
apoio de navios da esquadra, para barrar a fuga. Neste intuito foram conduzidas operações
anfíbias combinadas _ é também interessante notar que, pela segunda vez na campanha, as
60
Para os números de baixas da batalha: BORMANN, op. cit., p. 69; para a situação do de artilharia a pé:
FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 376.
38
forças brasileiras a oeste do rio Paraguai fizeram uso de uma linha ferroviária para se
suprirem entre seus aquartelamentos
61
.
Por outro lado, Caxias ainda tem que lutar contra inconvenientes logísticos que
lhe atrapalham as operações. Após a passagem da esquadra por Humaitá, esta tinha que ser
suprida em Taii com munições, alimentos e carvão, que eram trazidos por terra de Tuiuti, num
trajeto de cerca de 12 léguas (80 Km)
62
.
Com o propósito de apertar ainda mais o cerco e reduzir as distâncias para a
logística da esquadra, Caxias ordena que os generais Argolo Ferrão (no comando do
Corpo); Osório (dirigindo o Corpo) e Gelly y Obes (exército argentino) ataquem,
respectivamente, Sauce/Curupaiti, Espinilho e Ângulo, que eram as principais posições
fortificadas que cobriam o sul de Humaitá.
Tal assalto se em 21 de março de 1868, tendo como resultado na tomada
daquelas áreas, francamente defendidas, pois haviam em Humaitá apenas 8000 homens
com 200 peças de artilharia para cobrir todos os lados
63
.
Uma vez isolada Humaitá, cabia a Caxias a opção de deixá-la render-se pelo
esgotamento dos recursos de seus defensores ou tomá-la, após bombardeio preparatório, num
assalto. Muitos de seus generais subordinados, contudo, não estavam propensos a apoiarem
um assalto. O general Argolo, por exemplo, escreveu
Que nos faria ganhar o assalto precipitado? Alguns dias de adiantamento? E de
quantos necessitaríamos depois para prosseguirmos? Por que preço alcançaríamos
esse adiantamento? Compensaria a ele os recursos gastos para conquista-lo? Não me
parece [...] Humaitá é hoje objetivo secundário. Creio, pois, que o devemos comprar
o mais barato possível e termos junto todos os nossos recursos para a aquisição do
principal. Se para a compra for necessário o assalto, este a meu ver, só convirá se for
dado depois do emprego dos meios que aconselha a arte para torná-lo menos
dispendioso e nunca antes do emprego destes meios.
64
Muitos, também, eram os que defendiam a tomada imediata de Humaitá. O
presidente Mitre, por exemplo, escrevia de Buenos Aires, a 27 de maio de 1868, ao general
Gelly Y Obes que
61
Cf. FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 309-310. A outra ocasião em que os aliados se utilizaram de tal recurso foi
quando uma divisão da marinha, composta de navios, ultrapassou as baterias de Curupaity e atracou entre esta e
Humaitá. A ligação se fazia, então, entre Palmar e Porto Elisário, numa extensão de 25 KM. Cf. DORATIOTO,
op. cit., p. 302.
62
FRAGOSO, op. cit., v. 3, p. 443.
63
FRAGOSO, op. cit., v. 3, p. 454-455.
64
Citado em FRAGOSO, v. 3, p. 471-472.
39
[...] embora fosse possível deixar Humaitá na retaguarda ocupada pelo inimigo
lançando uma expedição irresistível ao interior, as regrar da guerra ensinam que
aquele que deixa atrás de si obstáculo que não soube ou não de vencer, esde
antemão derrotado. [...] Agora, quanto ao assalto a Humaitá, considerado
isoladamente, é operação tão decisiva quanto séria [...]. Se nos apoderássemos de
Humaitá à viva força, decerto que a guerra findaria ali moralmente; se, porém,
fossemos rechaçados, teríamos de volver à empresa, como se nada tivéssemos feito
até agora. [...] moralmente, tanto se arrisca numa pequena expedição ao interior,
como num ataque a Humaitá; num e noutro caso, nem as pedras seriam menores,
nem maiores os perigos; os resultados da tomada de Humaitá à viva força seriam
desde logo mais fecundos.
65
Assim é que, Caxias optando pela tomada mais rápida o possível, ordenou, em 16
de julho de 1868, o bombardeio prévio com a artilharia dos 1º, e Corpos brasileiros e
demais aliados, mais a artilharia da marinha, e o assalto às trincheiras de Humaitá com as
forças do 3º Corpo de Exército, sob comando de Osório.
Como não houve fogo de contra-bateria por parte dos paraguaios, Caxias animou-
se com a perspectiva que a Fortaleza estava vazia e, portanto, podia ser conquistada
tranquilamente. Tal fato aguçou-lhe o ânimo para investir sobre a fortaleza e, assim, ordenou
a Osório que reconhecesse a posição e, se possível, investisse sobre ela. As tropas sob
comando deste general compreendiam um corpo de cavalaria (que lutou apeado), quatro
brigadas de infantaria, um batalhão de engenheiros e uma brigada de artilharia de campo.
Vários, porém foram os problemas ocorridos durante o assalto, especialmente
após Osório chegar ao primeiro fosso, dentre eles: tanto a artilharia quanto a infantaria
paraguaias, que se encontravam em silêncio e ocultas, tornaram-se ativas; as baixas brasileiras
tornaram-se, em terreno descoberto e sem proteção natural, demasiadas; a artilharia brasileira
não obteve um grande efeito, dado que as trincheiras eram de terra; as fortificações paraguaias
(fossos, bocas de lobo, abatises e trincheiras) eram bem construídas; o terreno estava coberto
de brejos e lagoas. Dessa maneira, além do ataque malograr, Osório amargou 1019 baixas,
entre mortos, feridos e desaparecidos
66
.
O Diário do Exército nos conta do volume de fogo de artilharia despejado
sobre Humaitá: 3666 tiros, um dos maiores bombardeios preparatórios de toda a guerra, ao
qual “[...] o inimigo deixou de responder, tendo-o apenas feito contra as forças dos mesmos
corpos de exército que avançaram contra as suas trincheiras [...]”.
67
65
Citado em FRAGOSO, v. 3, p. 474-475.
66
FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 490-493.
67
CAXIAS, Diário do Exército, p. 444.
40
Fazendo uma comparação do ocorrido neste assalto com as ocorrências da
Guerra Mundial, Fragoso nos mostra que Caxias dispunha, em terra, de 155 peças de artilharia
para bater posições entrincheiradas de Humaitá, mas que
[...] ainda assim não bastava à solução dos problemas que os aliados tinham diante
de si. Como peças de sítio, se poderiam considerar, quando muito, os Whitworth
de 32 e os La Hitte de 12, e o seu número era incontestavelmente irrisório; a sua
ação eficaz ficava [...] restringida unicamente aos alvos vivos; contra as trincheiras,
[...] era quase nulo o efeito dos projéteis. [...] lembrando-nos de quanto ocorreu na
última guerra mundial. Tratava-se, como no Paraguai, embora em escala mais
ampla, de atacar um inimigo habilmente entrincheirado no terreno e, [...] o que se
reclamou em altos brados [...], foi artilharia abundante e de grande poder balístico.
[...] Quando hoje estudamos qualquer desses ataques, o que logo nos salta à vista é a
pobreza dos aliados de 1865-1870, no que concerne à artilharia, em contraposição à
riqueza dos de 1914. Quanto ao emprego propriamente dito do material, sem dúvida
estava-se longe da perfeição que se atingiu na última guerra européia. Todo o apoio
dos ataques reduzia-se a uma preparação prévia; a artilharia não podia acompanhá-
los por falta de material com os necessários predicados e até mesmo por falta de
doutrina. Feito o bombardeio prévio [...] as bocas de fogo em geral silenciavam e os
infantes arremetiam contra o objetivo. É, pois, natural que, depois de se abrigarem
para escapar à neutralização prévia, os defensores ganhassem seus postos, a fim de
repelir com eficácia os atacantes. Por isso, eram os assaltos operações que exigiam
grande dispêndio de material humano.
68
Humaitá só seria ocupada pelos aliados em 25 de julho de 1868, após seus últimos
defensores evacuarem-na, seguindo para o Chaco, na margem direita do rio Paraguai. No
interior desta Fortaleza os aliados capturaram: 177 canhões; e estativas de foguetes e farta
munição, armamento e 90 carros. Emílio Jourdan calcula que até esta altura da guerra os
paraguaios haviam perdido 80.000 homens (em combate ou prisioneiros e doentes), 271 peças
de artilharia e 7 estativas de foguetes, além de muitos outros materiais
69
.
O diplomata, ex-militar, escritor erudito inglês Richard Francis Burton, em carta
para um amigo, denominado apenas como “Z”, datada de 24 de agosto de 1868, ridiculariza e
menospreza a posição fortifica paraguaia
Depois de um olhar de puro espanto minha primeira pergunta foi _onde fica
Humaitá? Onde estão os “polígonos regulares da cidadela de Humaitá?” Onde está o
“grande baluarte que era considerado a pedra fundamental do Paraguai? Eu a vira ser
comparada a Silistria e Kars [...] a Sebastopol [...] ao Quadrilátero, que aterrorizou a
Itália; a Luxemburgo, tão cara à França; a Richmond, que por tanto tempo manteve
as forças unionistas em apuros, às baterias blindadas de Vicksburg e às defesas bem
protegidas Gibraltar. Será que essas pobres barbetas, esse acampamento
entrincheirado sem praça-forte [...] são os mesmos que resistiram a 40.000 homens,
para não falar nos couraçados e canhoneiras, e que suportaram um cerco de dois
anos e meio? Cheguei à conclusão de que Humaitá foi um monstruoso engodo e que,
68
FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 523-524.
69
JOURDAN, op. cit., p. 152.
41
como restante do público, em fora induzido a acreditar que o ponto mais fraco da
campanha paraguaia era o mais forte.
70
Burton, visitando Humaitá quase um mês após sua queda e observando-a apenas
brevemente, não notou _como as veteranas defensores e assaltantes_ que sua verdadeira força
não estava em trabalhos de alvenaria, semelhantes às fortalezas que citou, mas sim, no fato de
ser muito elevada em relação ao rio Paraguai _ inviabilizando um bombardeio preciso por
parte da esquadra, que estava bem dotada de artilharia pesada
71
_ e de que seus
entrincheiramentos de terra e madeira podiam ser prontamente refeitos após um
bombardeio
72
.
Com a queda de Humaitá, Caxias transferiu todo o Corpo de Exército, sob
comando do general Argolo Ferrão, mais depósitos, hospitais, tribunais militares e outras
repartições, que se encontravam em Corrientes e Tuiuti, para esta nova praça aliada.
Em 19 de agosto os e corpos de exército brasileiro e unidades uruguaias
iniciam sua marcha para o norte, em demanda do exército paraguaio, enquanto o corpo
permanecia em Humaitá.
1.7 A manobra do Piquiciri e a Estrada do Chaco
Após retirar-se de Humaitá com cerca de 22 mil soldados, López buscou
entricheirar-se ao norte do rio Tebicuary, porém, notando que a posição na margem direita
(setentrional), do rio Piquiciri, acima do Tebicuary, oferecia qualidades topográficas que
proporcionavam uma melhor defesa contra a aproximação aliada que ameaçava vir do sul,
decidiu estabelecer seu quartel-general, sua linha de defesa e uma fortificação, conhecida
como Augostura _deixada ao comando do tenente-coronel inglês Thompson, de cuja obra
tanto nos servimos aqui_, para tentar barrar as subidas de navios da esquadra Otaviano P. de
Souza diz que
Com extraordinária importância, deparava-se a linha de defesa de Piquiciri
refortificada por uma trincheira abalaurtada com bastante reentrância para o
cruzamento de fogos no capo defensio. Com Angostura à direita, ligava-se essa
70
BURTON, Richard Francis. Cartas dos campos de batalha do Paraguai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1997, p.
273.
71
39 embarcações, com 186 peças de artilharia e 3.719 marinheiros. Cf. BURTON, op. cit., p. 296.
72
Cf. BORMANN, op. cit., p. 255.
42
trincheira; assim mesmo com Ita-Ivaté à esquerda pelo mato cerrado, provido de
caminhos estreitos com numerosos abatises, desfiladeiros perigosos até mesmo para
as menores unidades de infantaria. O conjunto da linha do Piquiciri com Angostura e
Ita-Ivaté nos flancos, formava uma sistema único, a posição de Lomas Valentinas.
73
Entre 28 de setembro e de outubro de 1868 o exército brasileiro e a esquadra
realizaram alguns reconhecimentos àquela linha defensiva. Enéas Rufino Galvão, oficial
engenheiro brasileiro, registrou em suas memórias que no reconhecimento em força de de
outubro
Ficou patente que o inimigo, além de haver represado as águas daquele arroio,
alimentado pela lagoa Ipoá, o tinha tornado invadeável; que a margens do arroio
eram ribanceiras altas; que a margem direita estava entrincheirada e guarnecida de
abatises; que ele tinha estabelecido baterias nos lugares mais elevados; resultando de
tudo isto a impossibilidade de assaltar tão fortes posições
74
.
Neste reconhecimento, onde se perderam 165 soldados para o fogo paraguaio,
ficou claro para Caxias que um assalto frontal seria extremamente custoso, senão totalmente
inviável. Tornou-se evidente assim, que a manobra mais prática seria flanquear a linha do
Piquiciri marchando pelo Chaco, na margem direita do rio Paraguai, e atacá-la por trás, sendo
necessário, portanto, construir uma estrada por onde pudesse passar o grosso do exército
aliado.
O tenente-engenheiro Emílio Jourdan, um dos envolvidos na obra, diz que ela
contava com 10.714 metros e 8 pontes, precisando de 22 dias e 30 mil troncos de palmeiras
para ficar pronta, além disso, contava com uma linha telegráfica em toda sua extensão.
O corpo de exército, trazido de Humaitá, foi o encarregado de construir tal
obra, sendo que seu comandante, o general Argolo, conhecido por sua perícia na edificação de
obras defensivas _ José L. R. da Silva, veterano da Guerra do Paraguai, chega a comparar o
general a um “tuco-tuco”
75
, uma espécie de animal escavador, ao passo que Dionísio
Cerqueira diz que quando o general comandava a divisão de infantaria as trincheiras desta
eram “primores de sapa”
76
_, não abriu mão de postar pequenas posições defensivas ao longo
da estrada para precaver-se de qualquer surpresa paraguaia. Utilizava-se, então, uma ofensiva
estratégica combinada com uma defensiva tática
77
.
73
SOUZA, op. cit., p. 335.
74
MARACAJU, Rufino Enéas Galvão, Visconde de. Campanha do Paraguay (1867 e 1868). Rio de Janeiro:
Imprensa Militar, 1922, p. 133.
75
SILVA, op. cit., p. 64.
76
CERQUEIRA, op. cit., p. 195.
77
MARACAJU, op. cit., p. 143.
43
Embora López estivesse consciente das ocorrências no Chaco, sua falha em dar
combate aos aliados devia-se a duas questões: acreditava que os brasileiros não seriam
competentes o bastantes para concluírem a obra; e não podia se dar ao luxo de desviar tropas
que guarneciam a trincheira de Piquiciri para o Chaco.
78
Em 5 de dezembro de 1868 a esquadra atravessou 17.000 soldados brasileiros
(sendo cerca de mil de cavalaria) _ além de outros 1.600 no dia _ para a margem esquerda
(leste) do rio Paraguai, em Santo Antonio
79
. Tal contingente começou sua marcha rumo ao
sul, para tentar surpreender López na linha do Piquiciri, no dia 6 de dezembro. Iniciava-se,
assim, a seqüência de batalhas que ficaria conhecida como “campanha da dezembrada”.
1.8 A Dezembrada (6 a 27 de dezembro de 1868)
1.8.1 Batalha de Itororó (6 de dezembro de 1868)
Apesar de Caxias ter enviado ao sul um destacamento para reconhecer a área
próxima à ponte do arroio Itororó _ ponte esta que contava com cerca de três metros de
largura e era o único acesso ao sul do arroio e, portanto, constituía o caminho mais rápido
para atacar a linha do Piquiciri por trás _, tal unidade, comandada pelo coronel Niederauer,
nada encontrou e retornou sem guarnecer a ponte. O tenente Jourdam, presente à batalha de
Itororó, julgou em suas memórias que “foi um erro depois do reconhecimento da cavalaria no
dia 5 a tarde, não se ter mandado uma força de infantaria e artilharia guarnecer o passo e a
ponte.”
80
Quando a 6 dezembro, as forças brasileiras chegaram ao arroio, deparavam-se
com o lado sul totalmente tomado por unidades de artilharia, infantaria e cavalaria paraguaias,
que ocupavam posições em terreno elevado. Além disso, as tropas brasileiras teriam que, em
virtude da estreiteza da ponte, manobrar em coluna, recebendo fogo pela frente e pelos
flancos, sendo que, após a travessia tinham que formar quadrados rapidamente para
enfrentarem as cargas da cavalaria paraguaia. Assim, embora os paraguaios contassem
78
LEUCHARS, op. cit., p. 194.
79
DORATIOTO, op. cit., p. 360.
80
JOURDAM, op. cit., p. 160.
44
somente com 5.000 homens frente aos 12.000 soldados brasileiros (1º e 2º corpos) que
tomaram parte na lute, as características topográficas da localidade potencializavam seu fogo
e inibiam o dos brasileiros
81
.
Segundo Jourdan as perdas paraguaias teriam sido em torno de mil homens (400
mortos) e as brasileiras seriam 39 oficiais mortos e 95 feridos, 330 praças mortos e 1.952
feridos, totalizando 2.416
82
.
Antes de lançar seu ataque frontal em Itororó, Caxias havia enviado o corpo,
sob comando de Osório, num movimento de flanqueamento pela direita dos paraguaios,
esperando cair-lhes sobre a retaguarda. O guia do corpo, o major paraguaio Céspedes,
havia dito aos generais brasileiros que a manobra cobriria 10 Km, mas foi muito mais longa,
demandando, assim, muito mais tempo do que o calculado
83
. Quando Osório chegou, a
batalha já havia acabado.
Apesar do grosso do contingente paraguaio conseguir retirar-se, Caxias não estava
disposto a dar-lhes trégua _mesmo tendo sofrido pesadas perdas em Itororó_. Na manhã
seguinte deu início à perseguição. Durante esta, as tropas imperiais sofreram demasiadamente
com o calor, a baixa umidade e a falta de víveres, uma vez que marcharam com poucos
suprimentos. Cerqueira que participou desta marcha nos diz
O calor era intenso. Sentíamos o ar abafado. A respiração era ofegante e o suor
corria em grandes gotas pelas faces adustas dos soldados e oficiais. [...] Depois do
meio-dia, era quase impossível marchar. [...] Dezenove morreram de inanição
naquele dia. [...] Nesse dia e no seguinte, todo aquele exército de milhares de
homens esteve à míngua de víveres. Havia, felizmente, milharais perto, e dede os
generais até o último corneta não houve, talvez, um que não regalasse com uma
espiga. [...] Felizmente, tudo passou. Os empregados de Lezica et Lanús chegaram,
solícitos, com a bóia, e nunca soaram mais vibrantes e alvissareiros àqueles ouvidos,
os toques de carneação e munício
84
.
As forças brasileiras reencontrariam os paraguaios no arroio Avai, em 11 de
dezembro de 1868, onde lutaram por três horas.
1.8.2 Batalha de Avai (11 de dezembro de 1868)
81
JOURDAN, op. cit., p. 162.
82
Ibidem, ibidem. Francisco Doratioto erra ao dizer em sua obra Maldita Guerra, p. 360, que entre os oficiais
mortos encontravam-se o general Argolo, este fora apenas ferido e só morreria em 1870, após o fim da guerra, na
Bahia, conforme DUARTE, Paulo de Queiroz, op. cit., p. 103.
83
DORATIOTO, 2002, op. cit., p. 361.
84
CERQUEIRA, op. cit., p. 274-276.
45
Nesta nova batalha, o general paraguaio Caballero contava com 5.500 homens e
18 peças de artilharia, ao passo que Caxias apresentou-se com 18.000 soldados, enviando o
general Barão do Triunfo à retaguarda dos paraguaios para cortar-lhes uma eventual retirada,
enquanto o general Mena Barreto, com forças de cavalaria exploraria o flanco esquerdo
exposto dos paraguaios. Na luta que então se deu, uma forte chuva impediu que os mosquetes
de pederneira dos paraguaios funcionassem eficientemente, visto que dependiam da produção
de fagulhar para tanto.
Em Chris Leuchare podemos ler que
Atacados pela frente e pela esquerda por dois corpos brasileiros, os defensores
formaram um grande quadrado, que resistiu, quase literalmente, até a morte.
Ensopados pela chuva, com munição que havia se tornado inútil, o quadrado tinha
que encarar não somente a cavalaria mas as compactas fileiras da infantaria aliada,
que lentamente mas certamente o arruinou.
85
O saldo da batalha foi calamitoso para López, pois havia perdido 3.000 homens,
entre mortos e feridos, e mais 1.000 prisioneiros _entre as quais 300 mulheres que, segundo
Doratioto, foram vítimas sexuais das tropas brasileiras. O exército brasileiro amargou cerca de
800 baixas.
86
Caxias, ocupou-se, na seqüência, de estabelecer suas forças Villeta (ao sul do
arroio Avai), conectando-se à esquadra, alimentando, descansando e resuprindo suas
unidades. Preparava-se, assim, para o assalto, por trás, da linha do Piquiciri, do Forte
Angostura e da posição fortificada de Ita-Ivaté, em Lomas Valentinas, onde López havia
estabelecido seu quartel general.
1.8.3 Lomas Valentinas (21 a 27 de dezembro de 1868)
Caxias deixou Villeta às 02:00 da manhã, de 21 de dezembro, com 19.415
soldados _ graças aos reforços trazidos pela esquadra até Villeta nos dias que se seguiram à
85
LEUCHARS, op. cit., p. 202.
86
DORATIOTO, 2002, op. cit., p. 356.
46
batalha de Avai _, para bater-se com 9.300 paraguaios em Ita-Ivaté, 700 em Angostura e cerca
de 2.500 em Piquiciri
87
.
Na luta do dia 21, que durou das 15:00 às 18:00 horas, embora a artilharia raiada
brasileira rapidamente silenciasse as peças lisas paraguaias em Ita-Ivaté, a infantaria imperial,
forçada a um ataque frontal contra posições fortificadas, e em terreno elevado, pelo seu
comandante, teve um assustador número de baixas (4.000 entre mortos e feridos). Conforme
Leuchars
A batalha [...] terminou com os brasileiros tendo realizado pequenos ganhos em
troca de imensas perdas em homens. Caxias que havia sido confiante em excesso,
iniciou o ataque no final da tarde, sem um reconhecimento adequado, e escolheu
avançar de frente contra fortes posições paraguaias, percebeu que havia sido muito
apressado.
88
Neste mesmo dia forças argentinas e uruguaias atacaram a linha do Piquiciri de
frente, enquanto os brasileiros assaltavam-na por trás. A queda desta linha para os aliados
provocou o isolamento de seus dois pontos fortes: Angostura na direita e Ita-Ivaté na
esquerda.
Entre os dias 22 e 27 o exército aliado realizou intensos bombardeios contra Ita-
Ivaté, sendo que o do dia 25 foi o pior _46 peças despejavam 50 granadas cada uma, além de
enorme quantidade de foguetes
89
.
No dia 27 Caxias lançou um ataque geral a toda linha em volta de Ita-Ivaté,
todavia escolheu um ponto pouco fortificado à retaguarda paraguaia para o assalto principal
posicionando 18 peças de artilharia, que realizaram 100 disparos cada uma. Na seqüência
2000 argentinos e 56000 brasileiros carregaram, tomando o reduto de Ita-Ivaté e dispersando
o exército paraguaio.
Terminava, assim, a fase mais sangrenta da Guerra do Paraguai _ que ainda
duraria até março de 1870, quando López finalmente morreu em Cerro Cora. Em janeiro de
1869 o próprio marquês de Caxias daria o conflito por encerrado ao ocupar Assunção e se
retiraria do Paraguai.
87
DORATIOTO, 2002, op. cit., p. 367.
88
LEUCHARS, op. cit., p. 207-208.
89
SOUZA, op. cit., p. 351.
47
CAPÍTULO 2 REVOLUÇÃO MODERNIZADORA OU DITADURA DOS
COSTUMES?
uma vasta discussão historiográfica sobre o caráter moderno/arcaico das
Guerras da Criméia e da Secessão Americana. Pela aplicação do conceito de “moderno” ao
fenômeno bélico se compreende o resultado de uma verdadeira Revolução em Questões
Militares (ou RMA, Revolution in Military Affairs). Nos casos mencionados, esta revolução,
hipoteticamente seria constatada pelos avanços tecnológicos da Revolução Industrial
-telégrafo, navios blindados a vapor (encoraçados), balões de observação e direção de tiro de
artilharia, armamento raiado (rifle), munições cilindro-conodais, minas navais (torpedos),
entre outro
-
que teriam produzido uma drástica transformação na forma de se lutar, ou seja, na
tática
90
. Recentemente, por exemplo, o jornalista Ricardo Bonalume Neto, em reportagem
sobre a Guerra do Paraguai, afirmou que o fuzil do sistema Minié podia atingir um alvo com
precisão a 300 metros, levando o leitor a crer que tal distância era o usual para soldados
equipados com estas armas e que, assim, haveria ocorrido uma revolução nos campos de
batalha, pois os fuzis Brown Bess, até então utilizados, podiam matar com alguma precisão
apenas entre 75 e 100 metros.
91
Por outro lado, e totalmente oposta a esta perspectiva, existe uma historiografia
que acusa à anterior do pecado metodológico do “determinismo tecnológico”. Esta outra
abordagem a introdução das novas tecnologias com precaução e ceticismo, pois crê que
tradições e conceitos militares usuais não são facilmente abandonados em proveito de
novos comportamentos e tese mais adequados às novas tecnologias. Além disso, questões
relacionadas mais diretamente ao uso daquelas inovações em combate real. Aqueles soldados,
formados e treinados com a doutrina anterior, sabiam realmente retirar o devido proveito das
novidades tecnológicas incorporadas durante o conflito? As condições climáticas e
especificidades geográficas não interfeririam no seu funcionamento? O treinamento recebido
pelos soldados era adequado ao seu uso em campo?
Um dos mais proeminentes especialistas em tática empregada na Guerra da
Secessão Americana, o inglês Paddy Griffith, nos mostra quão precipitado foram aqueles
90
Para uma investigação mais ampla sobre a RMA, ver: PARKER, Geoffrey. La revolucion miltar. Entre os
autores que trataram o século XIX como uma época de salto tecnológico-militar, utilizamos aqui MURRAY,
Willianson. The industrialization os war, 1815-71. in: PARKER, Geoffrey. Cambridge Illustrated History of
Warfare. Cambridge University Press, 1995.
91
BONALUME NETO, Ricardo. Guerra do Paraguai trouxe avanços para a medicina. In Folha de o Paulo,
Folha Ciência, domingo, 24 de agosto de 2008.
48
historiadores que rotularam-na de revolucionária e moderna, quando tratavam das questões
relacionadas ao emprego das novas tecnologias industriais no campo de batalha. Griffith
prefere vê-la como “a última das guerras napoleônicas”.
92
Sobre a introdução do mosquete
raiado (rifle), uma tecnologia que o próprio Griffith considera muito superior aos antigos
mosquetes de pederneira com alma-lisa, diz que
O soldado estava usualmente bastante limitado a um magro suprimento de
cartuchos, permitindo que o fogo pesado fosse sustentado por um regimento por
apenas um período relativamente breve. Uma quase total falta de prática de tiro ao
alvo significava que muitos rifles eram erroneamente carregados em combate e que
os pontos mais elevados da precisão de longo alcance eram negligenciados ou
ignorados. O exercício de ordem unida da época também significava que o soldado
em batalha estava submetido a uma barragem de sinais, sons e emoções que deviam
distraí-lo poderosamente da sua missão. Mesmo com estas maravilhosas novas
armas, na verdade, permanece dubitável que uma [...] revolução no poder de fogo
tivesse realmente ocorrido.
93
Griffith nos mostra que o soldado comum da Guerra Civil Americana, armado
com rifles de modelo Minié, costumava começar a atirar a cerca de 141 jardas (ou 129
metros) -distância que o pesquisador encontrou em relatórios oficiais de combate, tanto do
exército federal quanto do exército confederado. Comparando estas distâncias com as das
Guerras Napoleônicas (1799-1815), quando o fuzil mais usado era o de alma-lisa, Nosworthy
calcula uma melhora de apenas 50% no desempenho de soldados de infantaria armados com
os novos rifles.
94
Edward Hagerman, foi considerado um dos mais importantes experts a discutir o
impacto da tecnologia sobre a tática empregada na Guerra da Secessão Americana. Em sua
tese de doutorado, The American Civil War and the origins of modern warfare”, ele parte do
princípio de que a inovação proporcionada pelas armas de alma-raiada teria levado a arte da
guerra a se transformar em arte da guerra de trincheiras. Para ele, os soldados envolvidos
naquele conflito teriam percebido a necessidade da fortificação de campo, ou
entrincheiramento, como a melhor maneira de proteção contra o fogo de longo alcance de
rifle.
95
92
Nossa crítica ao “determinismo tecnológico” nos estudos de história militar é baseada em BLACK, Jeremy.
Rethinking military history. Routledge, New York, 2004, p. 104-124 e em GRIFFITH, Paddy. Battle Tactics
of Civil War. Yale University Press, New Heaven, 2001.
93
GRIFFITH, op. cit., p. 90.
94
Ibid., p. 147 e NOSWORTHY, Brent. The bloody crucible of courage: fighting methods and combat
experience of the Civil War. New York: Carrol & Graf Publishers, 2003, p. 278.
95
HAGERMAN, Edward. The American Civil War and the origins of modern warfare. Indiana University
Press, Bloomington & Indianapolis, 1992, p. XI-XII.
49
Contrariando Hagerman e seu “determinismo tecnológico”, Earl J. Hess, professor
da Lincoln Memorial University, propõe uma interpretação que amplia as observações de
Paddy Griffith. Segundo Hess não se pode afirmar que foi o rifle o responsável da
transformação para a guerra de trincheiras -até porque a Guerra Civil Americana, sobre a qual
este pesquisador se detém em suas obras, apresentava o uso destas fortificações entre os
anos 1861-63, quando os fuzis de curto alcance (os Brown Bess de alma-lisa e acionamento
por pederneira) eram, ainda, muito empregados- mas, antes, a causa adequada dessa mudança
na fisionomia da guerra teria sido o contato ininterrupto entre o Exército do Potomac
(Federal) e o Exército da Virgínia Setentrional (Confederado)
Em vez da presença do mosquete raiado, foi a presença do Exército do Potomac que
inspirou os Confederados a cavar tão extensivamente [...] A política de contato
contínuo de Grant significava que os exércitos estariam dentro da distância de
ataque um do outro, sujeitos a ataques repentinos que podiam ser melhor repelidos
se os defensores estivessem atrás de alguma proteção. Lee não podia saber quando
Grant lançaria outro assalto, então os homens automaticamente usavam suas
ferramentas de entrincheiramento onde quer que tomassem uma nova posição. Os
Federais entrincheiravam-se também por uma razão similar, mas usavam
fortificações de campo ofensivamente para manterem terreno próximo às posições
rebeldes ou para conservarem força numa parte do campo de batalha [...].
96
Em outra obra, Hess enfatiza, também, as limitações do mosquete raiado nas mãos
de recrutas novatos. Como o soldado comum na Guerra Civil Americana não tinha
consciência das potencialidades do seu mosquete raiado (rifle), ou mesmo carecia de
treinamento de tiro ao alvo para exercitar cálculos de distância e precisão, Hess nega a
possibilidade de que tal tecnologia poderia ter provocado uma revolução na arte da guerra.
Além disso, a razão de fogo bastante lenta desta arma, que era um mono-tiro de ante-carga
-tal como os velhos alma-lisa-, e as condições geográficas dos campos de batalha americanos
(bastante acidentados e densamente arborizados), impediam um tiro bem visado de longa
distância, salvo as exceções representadas pelos escaramuçadores (batedores) e sharpshooters
(snipers ou franco-atiradores), que “[...] tendiam a ser homens que tinham uma atitude natural
para com as armas ou haviam recebido algum tipo de treinamento especializado em medir
distâncias”.
97
Robert B. Edgerton defende que a modernidade da guerra na segunda metade do
século XIX mostrando que o rifle tinha um alcance tão dilatado que praticamente
inviabilizava a carga com baioneta, tornando-a uma relíquia de museu. Como prova de sua
96
HESS, Earl J. Trench warfare under Grant and Lee: field fortifications in the Overland Campaing.
University of North Carolina Press, 2007, p. XIV-XV.
97
Ibid., p. 4.
50
tese, ele mostra que na batalha de Fredericksburg (11 a 15 de dezembro de 1862), durante a
Guerra Civil Americana, apenas 6 soldados teriam sido feridos por armas brancas.
98
Todavia, a defesa do uso da baioneta era tal que o treinamento da infantaria, na
maioria dos exércitos ocidentais, enfatizava os exercícios com esta arma, mesmo após a
distribuição do mosquete raiado, em detrimento do tiro ao alvo. Brent Nosworthy salienta que
as guerras da Criméia (1853-56) e Italiana (1859) exibiram ao mundo impressionantes e
vitoriosas cargas de infantaria com baionetas caladas nos fuzis
A raridade com que a baioneta era usada para infligir baixas imediatas não diminuía
a confiança dos táticos militares nesta arma. Eles haviam percebido que sua
eficiência não devia ser medida pelas baixas que provocava [...] Muitos historiadores
militares modernos haviam falhado em apreciar a dimensão psicológica das armas
cortantes e têm confundido a idéia de cargas de baionetas com a de luta com
baionetas -que hoje em dia, infelizmente, são utilizadas de maneira intercambiante.
[...] Uma luta de baionetas refere-se àquela na qual os dois lados haviam manejado
para avançar a uma distância extremamente próxima e fitarem um ao outro, cara a
cara, conforme a ação se desenvolve numa confusa mistura na qual um indivíduo
tenta baionetar seu oponente [...] Uma carga de baionetas, por outro lado, é uma
tática formal, pré-definida, por meio da qual os infantes [...] estendem seus
mosquetes a sua frente e correm para o inimigo, ameaçando “atravessar” quem quer
que permaneça à sua frente [...] o verdadeiro poder da baioneta repousa em seu
impacto psicológico sobre o oponente, muitos soldados, recrutas e oficiais,
pensavam similarmente que uma carga de baionetas era o prelúdio para a luta com
baionetas. [...] A eficiência da baioneta repousa no domínio psicológico em vez de
ser um meio de destruição física. Quando adequadamente executada, ela animava o
moral daqueles que desfecharam a carga, enquanto intimidavam os inimigos em
frente, de forma que eles instantaneamente fugiam, usualmente sem nenhuma
baixa dos dois lados. [...] Nos momentos finais do ataque, aqueles que ficassem
esperando a carga, em muitos casos, literalmente entrariam em nico quando se
tornasse evidente que os oponentes assaltantes estavam determinados a resolver a
questão pelo frio aço.
99
Muitos historiadores têm sido unânimes em adotar, pelo menos implicitamente, a
perspectiva “determinista” quando tratam da Guerra do Paraguai, apresentando-a como a
“primeira guerra moderna” ou “primeira guerra total” da América Latina.
100
Assim como as
guerras da Criméia (1853-1856) e da Secessão Americana (1861-1865), o conflito com o
Paraguai (1864-1870) também testemunhou a presença de tecnologias bastante inovadoras
para a época. A suposição, porém, de que tais avanços foram capazes de transformar a face da
guerra de forma irreversível precisa ser novamente analisada de forma cautelosa -tarefa que
nos dispomos a encarar desde já.
98
EDGERTON, Robert. Death or glory: the legacy of the Crimean War. Oxfor: Westview Press, p. 189.
99
NOSWORTHY, op. cit., p. 267.
100
Tais são os casos de DORATIOTO, op. cit., p. 195.
51
Durante a Guerra do Paraguai, em especial no período que aqui tratamos (1866-
1868), todas estas questões acerca do armamento, do treinamento e da tática estiveram
presentes. Doravante procuraremos trata-las. Para tanto, utilizamos fontes primárias
constituídas de diários (oficiais e particulares), memórias e reminiscências de ex-combatentes,
Relatórios do Ministério da Guerra (anos 1863, 1867-1871) e livros de época de autores que,
quando não estavam diretamente envolvidos no conflito, acompanharam-no pela imprensa da
época e apresentaram opiniões e juízos que nos são, igualmente, muito preciosos.
Deixemos agora que as vozes do passado nos comuniquem suas impressões sobre
o comportamento dos soldados frente aos mosquetes raiados e lisos, as armas de retro-carga e
repetição, a baioneta, o telégrafo, a artilharia raiada, o revolver, o balão cativo e tantas outros
progressos da engenhosidade militar humana destinados a aumentar as oferendas ao deus da
guerra.
2.1 O armamento portátil
Como armamento portátil nos referimos aqui ao armamento que um soldado pode
carregar consigo (mosquetes, revolveres, baionetas) e ao uso que pode dar a ele. Comecemos
pelo mosquete que, como seus similares (clavina de cavalaria, mosquetão de engenheiros e
artilheiros, carabina para infantaria de caçadores e espingarda para a infantaria de fuzileiros),
chamaremos de “armas de ombro”, seguindo nisto aos historiadores europeus e americanos
(shoulder arms).
O armamento de ombro brasileiro, segundo podemos constatar no Relatório
Ministerial de 1858, era ainda do modelo Brown Bess, ou seja, de alma-lisa, e ignição pela
faísca da pederneira. Naquele mesmo relatório, entretanto, podemos ler a interessante medida
modernizadora do armamento, mandada implementar pelo então ministro da guerra, Manuel
Felizardo
[...] que todo esse armamento de fuzil seja substituído por armamento fulminante,
fazendo substituir desde logo alguma porção, que existia no arsenal da corte,
mandado transformar para fulminantes todas as armas de fuzil existentes em bom
estado, e, finalmente, fazendo encomendas para a Europa. Por este modo a
substituição irá efetuando-se sucessivamente. Além desta espécie de armamento,
encomendei mais para a Europa porção eficiente de armamento raiado e de precisão
à Minié, com o qual serão armadas companhias de escolha de cada regimento ou
batalhão, ou mesmo corpos inteiros. Este armamento à Minié é destinado a servir, de
52
preferência, nos tempos de guerra, podendo servir nos tempos ordinários o
armamento comum.
101
Nas “Instruções para a aquisição de armamento na Europa”, constantes do
Relatório do Ministério da Guerra de 1864, podemos ver que o ministro José Marianno de
Mattos havia enviado a Europa uma comissão de oficiais do exército, chefiada pelo general
Polydoro da Fonseca Q. Jordão -que durante a Guerra do Paraguai comandou o corpo de
exército em 1866- composta, ainda, pelos capitães Ayres Antonio de Moraes Ancora e
Jeronymo Francisco Coelho e o mestre espingardeiro Otto Mehring. Essa comissão adquiriu
os primeiros rifles “Minié” na Bélgica e Enfield na Inglaterra. A maior preocupação do
ministro, entretanto, era a aquisição de potente artilharia costeira que pudesse danificar navios
encouraçados. Foram adquiridos, então, 27.000 fuzis e carabinas raiados, além de 85 canhões
(todos igualmente raiados) e 17.000 projéteis cilíndricos de artilharia.
102
O general Paulo de Queiroz Duarte informa que foram adquiridos armamentos
raiados nos modelos “Minié” de calibre 14,8 mm, e “Enfield” de calibre 14,66 mm.
103
Evidentemente, havia o problema da duplicidade de calibres, fato que poderia causar confusão
na distribuição de munições. Tal fato levou o exército a padronizar o armamento ainda
durante a guerra, em 1867, no calibre “Minié”, recalibrando as peças Enfield, como chama a
atenção o “Manual do soldado de infantaria”, de 1872, do capitão Antônio Francisco Duarte
Conquanto esta medida trouxesse uma pequena diminuição no alcance do tiro, em
virtude do pouco forçamento da bala de 14,66 mm, por ter-se querido aproveitar
grande quantidade deste cartuchame, que até então existia, teve por outro lado a
vantagem de ficarmos reduzidos a um calibre, 14,8 mm, obviando o grave
inconveniente que poderia resultar se continuássemos no mesmo sistema de
cartuchames distintos, qual o de verem-se nossos soldados, no momento do
combate, privados de fazerem uso de suas armas, por causa de um engano fácil de
dar-se na ocasião da distribuição das munições.
104
Perceba-se que o perigo maior era, durante um combate prolongado, fato nada
incomum na Guerra do Paraguai, um soldado equipado com armamento Enfield receber
munição de 14,8 mm, impossível de colocar na sua arma. Todavia, o capitão Duarte salienta
101
Relatório do Ministério da Guerra do ano de 1858, p.35. Por “fuzil” o ministro compreendia o armamento
de pederneira e alma-lisa. Quando, porém, fala em “fulminante” está se referindo a uma arma disparada pela
queima de uma pequena espoleta de cobre com conteúdo de mercúrio _ tal arma podia ser raiada ou lisa.
102
Relatório do Ministério da Guerra de 1864, Instruções para a aquisição de armamento na Europa, p. 3, 4 e
5.
103
DUARTE, Gen. Paulo de Queiroz. Os voluntários da pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1980, v. I, p. 162.
104
DUARTE, Cap. Antônio Francisco. Manual do Soldado de Infantaria. Apud: FRAGOSO, Gen. Augusto de
Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Biblioteca do Exército, 1960, v. V, p. 304.
53
que existia, no caso inverso, a perda de potência do tiro de 14,66 mm na arma de Minié,
diminuindo o alcance deste projétil. Adler H. F. de Castro, do Museu Conde de Linhares, nos
mostra a gravidade desta escolha do exército
O resultado foi uma degradação das qualidades balísticas do armamento Minié, pois,
apesar da diferença de calibres nos parecer mínima -menos de dois décimos de
milímetros- experiências recentes mostraram que o uso de uma bala subcalibrada na
Minié é suficiente para fazer a bala “trambolhar” a já 25 metros da boca da arma,
perdendo precisão e poder de penetração.
105
O visconde de Pelotas também chamava a atenção para estes problemas logo após
o final do conflito ao colocar que
O armamento a Minié, de que se serviu nossa infantaria na ultima guerra, pode-se
dizer que preenchia as necessidades do momento. Os paraguaios dispunham apenas
de dois corpos armados com carabinas raiadas, e então algumas vezes tiramos
vantagem de nossas armas, a que opunham as antigas espingardas lisas [...]. Disse
algumas vezes [...] no princípio da guerra, porque com a sua continuação essa
superioridade foi desaparecendo, para o que concorreram diversas razões: o estrago
das armas, a diversidade de adarmes e muito principalmente a péssima gente que era
mandada para preencher as lacunas [...].
106
Rifles demandavam, como ainda demandam, constante treinamento de tiro ao
alvo, além da instrução das operações de manutenção e limpeza do armamento. Os militares
franceses e ingleses haviam percebido desde os anos 1850, que estas novas armas exigiam
rigoroso treinamento dos seus usuários para que se pudesse subtrair o melhor rendimento
delas. Os franceses estabeleceram uma escola de tiro em Vincennes e os ingleses em Hythe,
com o objetivo de selecionar sargentos de todos os corpos de infantaria de seus respectivos
exércitos, instruí-los e devolve-los aos seus corpos para que treinassem seus soldados. A
ênfase desta preparação recaia sobre o tiro ao alvo e a estimativa de distâncias, especialmente
porque a trajetória da bala cilíndrica do rifle, em forma parabólica, exigia tal
condicionamento.
107
Nas recordações de guerra de Dionísio Cerqueira, por exemplo, podemos ler que
105
CASTRO, Adler Homero de. Notas sobre o armamento na Guerra do Paraguai. Disponível em:
http://bndigital.bn.br/guerradoparaguai/artigos/Adler%20Armamento%20da%20Guerra%20do%20Paraguai.pdf.
Acesso em: 30 nov. 2008, p. 9.
106
Relatório do Ministério da Guerra do ano de 1871, Anexo A, p. 49.
107
NOSWORTHY, op. cit., p. 31-32 e MYATT, Frederick. The illustrated encyclopedia of 19
th
century
firearms. London: Salamander Books, 1979, p. 61-64.
54
O nosso pequeno e mal aparelhado exército deixava muito, senão tudo, a desejar,
desde a instrução técnica e o preparo indispensável para a guerra até o comissariado
de víveres e forragens [...].
Ou ainda
A minha ignorância naqueles assuntos não era privilégio meu. Quase todos os
camaradas sofriam o mesmo mal. Não podia ser de outro modo porque não nos
instruíram. [...] Não me consta que durante os quatorze meses, que medearam entre a
rendição de Montevidéu e a passagem do Paraná, houvesse um exercício de tiro
ao alvo, quer na artilharia, quer na infantaria ou cavalaria.
108
Tal carência, entretanto, não era um privilégio do exercito brasileiro. O tenente
Francisco Seeber, do exército argentino, em carta a um amigo, diz
Os fuzis que nos foram dados são de qualidade muito má. São de fulminante,
fabricação alepara exportação, e muitos não disparam o fulminante ao primeiro
golpe do gatilho. Atiramos muito pouco ao alvo, e a economia de pólvora se
traduzirá mais tarde em esbanjamento de vidas.
109
A maior parte do treinamento, pelo menos antes de 1866, era baseado em
manobras de linhas e colunas e a passagem de uma para outra.
110
O resultado inevitável, do
que foi dito até aqui é, portanto, que, os soldados de infantaria brasileiros não sabiam e não
podiam por causa da munição, aproveitar as largas vantagens de maior alcance e precisão de
seu armamento.
Outro problema que detectamos na documentação diz respeito ao carregamento de
vários projéteis no mesmo rifle Minié. Em sua breve tese para a Escola Militar em 1872, o
capitão Antonio J. do Amaral, falando a respeito das vantagens do armamento de retro-carga
sobre o de ante-carga, diz “não nestas armas o perigo que oferecia o armamento antigo, de
ficarem carregados com dois ou maior número de cartuchos, feito que muitas vezes se dava
no ardor do combate [...].”
O capitão prossegue mostrando um relatório do governo dos Estados Unidos que
apresentava a impressionante quantidade de 24.000 armas de ombro, recolhidas após a batalha
de Gettysburg (01 a 03 de julho de 1863), na Guerra Civil Americana, que ainda estavam
carregadas, sendo que quase a metade tinha dois cartuchos no cano e 25% tinha entre três e
dez cartuchos
111
. Uma explicação possível é que o fulminato podia arrebentar sem detonar a
108
CERQUEIRA, op. cit., p. 63 e 65-66.
109
SEEBER, Francisco. Cartas sobre la Guerra del Paraguay, 1865-1866. Buenos Aires: Talleres Gráficos de
L. J. Rosso, 1907, p. 38.
110
CERQUEIRA, op. cit. p. 72.
111
AMARAL, Antonio José do. A influência do armamento de carregar pela culatra sobre os diferentes
ramos da arte militar. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1871, p. 24
55
pólvora do cartucho, levando o soldado a uma nova recarga, prejudicando o desempenho e o
alcance da arma.
As trocas de tiros com os paraguaios, embora os fuzis brasileiros contassem com
alças de miras para até 825 metros de alcance,
112
davam-se, geralmente, a distâncias bem
curtas. Dionísio Cerqueira nos fala que no combate de 16 de julho de 1866, os homens do
batalhão de infantaria de linha, ao qual estava agregado como alferes, atiravam a 200 metros
do inimigo,
113
Bormann diz que a infantaria brasileira, na batalha de Tuiuti (03.11.1867),
começou a sua fuzilaria quando se deu a carga inimiga e que os paraguaios estavam a 200
metros quando receberam o seu sinal de ataque.
114
Ou ainda, novamente Dionísio Cerqueira:
A briga andava cada vez mais travada. Os soldados já não tiravam a vareta para
calar a bala. Derramavam a pólvora no cano, metiam o projétil e batiam com o coice
no chão. Em combate geralmente o soldado não aponta: por isso as zonas perigosas
são as do ponto em brando e do maior alcance da arma. entre eles uma zona
neutra, onde são raros os impactos.
115
Assim, é cil imaginar que as balas, não sendo adequadamente socadas na
culatra, deviam perder muito de sua potência quando disparadas e, pior, que na excitação do
combate o soldado nem fazia pontaria e, dessa forma, desaproveitava o maior alcance de sua
arma. Um problema que E. J. Hess também identificou na Guerra Civil Americana é que “a
trajetória parabólica era tão alta que as balas voavam sobre as cabeças de muitos oponentes,
criando duas zonas de morte.”
116
O tenente Seeber, queixando-se dos uniformes argentinos que julgava
desconfortáveis, diz que são excelentes alvos para os atiradores paraguaios, mas que estes não
podem se aproveitar disso porque suas armas têm pouco alcance e, de qualquer maneira, “[...]
que os encontros se dão sempre à meio tiro de fuzil, à cuja distância toda cor é igual”.
117
E,
que falamos de Seeber é importante frisar que os contingentes da província de Buenos Aires
estavam equipados com o rifle Thouvenin, de fabricação francesa, com alcance bem próximo
dos 825 metros previstos para o Minié e o Enfield.
118
Notamos, nestes três testemunhos de época, portanto, que os soldados e oficiais
não eram preparados para extrair tudo o que suas modernas armas tinham a oferecer,
112
Cf. CASTRO, Adler Homero de. op. cit., p. 8.
113
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., p. 167.
114
BORMANN, José Bernardino. História da Guerra do Paraguay. Curitiba: Impressora Paranaense, 1897, v.
2, p. 61.
115
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., p. 232.
116
HESS, op. cit., p. 02.
117
SEEBER, op. cit., p. 113-114.
118
DE MARCO, Miguel Angel. p. 123-125.
56
transparecendo que a precisão não era uma necessidade básica em combate, mas sim o
volume de fogo proporcionado pela concentração de homens em fileiras, e a rapidez de tiro.
Por fim, há no Diário do Exército uma interessante, embora passageira, citação de
uma constatação feita pelo tenente Etchebarne, da Marinha Imperial, de que, no dia 14 de
abril de 1868, após ter desembarcado de um navio da esquadra para encontrar-se com o
marquês de Caxias, teria passado pela área do combate do Forte do Estabelecimento
(19.02.1868), onde observou que “[...] na margem do rio muitas árvores crivadas de balas de
infantaria, o que não poderia atribuir senão à fuzilaria do combate de 19 de fevereiro último
[...]”.
119
Podemos notar, então, que os soldados eram ainda atrapalhados pelas
características próprias de uma luta num terreno acidentado ou arborizado, impedindo a plena
eficácia do armamento.
O historiador Francisco Doratioto diz textualmente que os Minié eram armas de
carregamento bucal (antecarga) de
[...] operação lenta e difícil sob chuva, o que, em alguns combates, reduziu a
vantagem militar dos fuzis dos brasileiros em relação aos paraguaios. Este fato
explica, em parte, a importância do uso da baioneta, da espada e mesmo da lança,
em diferentes ocasiões durante a guerra.
120
Tal afirmação é corroborada pelas memórias dos veteranos de guerra. Logo no
desembarque aliado em solo paraguaio (16.04.1866) quando as tropas brasileiras chocavam-se
com as paraguaias, diz-nos Cerqueira que “Desabou uma chuva de pedras grandes como ovos
de pombas. A ventania acoitava a ramalhada da floresta [...]. A nossa infantaria investia, a
baioneta, os corpos paraguaios e levava-os de vencida. O seu comandante foi morto por um
golpe da sábia arma, que tantos louros ceifou para nós naquela guerra de cinco anos”.
121
Comentando a batalha do Avaí (11.12.1868), durante a campanha da
“Dezembrada”, o general Paulo de Queiroz Duarte apresenta-nos uma “parte” (relatório) de
combate bastante ilustrativa dos problemas que a chuva representava para as armas de
antecarga. O capitão Carlos Frederico da Rocha (13º batalhão) diz que “[...] fui substituído na
linha de fogo pelo batalhão em conseqüência de ir escasseando o fogo, por ter os restos de
munição molhados e algumas armas encravadas.”
122
119
Diário do Exército, p. 346.
120
DORATIOTO, Francisco. O conflito com o Paraguai: a grande guerra do Brasil. São Paulo: Ática, 1996,
p. 34.
121
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., p. 127.
122
Apud. DUARTE, Paulo de Queiroz. op. cit., p. 168.
57
O marechal Visconde de Maracaju (Enéas Rufino Galvão) registrou em seu diário,
quando ainda era major de engenheiros, que no dia 6 de outubro de 1867 um temporal
[...] lançou por terra grande número de barracas e estragou alguma munição de
artilharia, furando as pedras um encerado, que cobria uma viatura. O 31º corpo de
voluntários, que sofreu grande parte do temporal em marcha de Tuiu-cuê para S.
Solano, ficou com 17 mil cartuchos inutilizados.
123
A questão principal aqui, entretanto, é saber por que as tropas faziam uso
constante da baioneta -mesmo quando não havia chuva e as munições estavam secas e prontas
para uso. Entendemos que existe uma vasta gama de respostas possíveis.
Nos séculos XX e XXI com a possibilidade de matar qualquer pessoa a distâncias
enormes, parece inverossímil que o aço frio da baioneta possa representar, ou ter representado
em qualquer época, uma ameaça séria. Contudo, é preciso lembrar que, até a Guerra do
Paraguai, a maior parte do armamento trazia consigo uma grave limitação: o monótiro. Daí
uma razão consistente para se compreender o emprego da baioneta: como os tiroteios se
davam a curta distância e o carregamento era demasiadamente lento a baionetas, assim como
a espada, figurava como alternativa confiável para os soldados que precisavam continuar a
lutar e, pela proximidade do inimigo, não dispunham de tempo para uma recarga.
Como as falhas (negas) do tiro não eram incomuns _daí o porquê dos soldados
carregarem, em média 100 cartuchos e 150 espoletas de fulminante
124
_, assim como a
carência de munição no meio de uma refrega, a baioneta tinha que estar a mão. No combate
do Andar (04.05.1868), o então alferes Dionísio Cerqueira teria ouvido entre seu comandante
de batalhão, tenente-coronel Antonio Tibúrcio, e um coronel, na qual este dizia: ”[...] estamos
sem munição. O comandante respondeu: temos baionetas.”
125
A urgência em conduzir um ataque de infantaria podia levar os oficiais a
orientarem seus soldados no sentido de que não atirassem e não recarregassem em meio a
carga, tal como podemos ver no relato de José Luis Rodrigues da Silva sobre o combate de 17
de abril de 1866, um dia após o desembarque aliado no Paraguai, quando teria ouvido o
general Osório dizer aos oficiais do 13º de infantaria de linha “Senhores comandantes, não
quero um tiro.” Completando na seqüência: O 13º, pouco adiante, armou baionetas e
123
MARACAJU, op. cit, p. 38.
124
Cf. CERQUEIRA, op. cit., p. 146 e MARACAJU, op. cit., p. 12.
125
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., p. 239.
58
desenvolveu em linha. A carga violenta que levou ao inimigo foi tão eficaz, que o desbaratou
completamente, fugindo em debandada. O combate cessou como por encanto [...].”
126
Brent Nosworthy mostra que desde 1690 os franceses haviam adotado a tática de
carregar sobre o inimigo, com baionetas caladas, sem dispararem um só tiro, fato este que lhes
conferia uma enorme vantagem psicológica sobre os inimigos em posição de defesa, pois, no
momento decisivo do assalto, contavam com armas carregadas ao passo que os defensores
não disporiam de mais tempo para recarregarem as suas. Diz ele, “Encarado por um inimigo
assaltante, com as nuvens de fumaça de toda a formação ofensiva, tendo atirado unida, e as
necessariamente pesadas baixas, os defensores quase certamente romperiam antes que fosse
feito o contato.”
127
Acerca do combate pelo controle da barranca do Taii, temos o seguinte relato do
então tenente Bormann
O marechal [Caxias] ordenou que o general [João Manuel Menna Barreto]
imediatamente atacasse para evitar que se completassem as fortificações e que, no
ataque, não devia perder tempo em gastar cartuchos, porque o inimigo temia a nossa
baioneta, ao passo que era difícil arranca-lo à bala do terreno.
Ou ainda
Em campo raso ou abrigado em fáceis obstáculos, o inimigo não resistia por muito
tempo nem ao ímpeto da nossa bizarra cavalaria, nem à terrível baioneta da nossa
incomparável infantaria. À bala era difícil arranca-lo de uma posição: para não
demorar a luta e aumentar inutilmente a perda de vidas, convinha, em geral, investir
à arma branca.
128
Dessa forma, podemos observar que enquanto no presente a baioneta tem uma
função meramente “decorativa”, aparecendo, em especial, calada nos fuzis em desfiles
militares, no século XIX ela tinha garantido seu espaço tático no campo de batalha devido ao
temor que inspirava nos atacados e a confiança que passava aos assaltantes. Seu impacto era
fundamentalmente psicológico, mas extremamente funcional. Ela esteve em cada batalha e
com ela as armas imperiais se impuseram no Paraguai.
Literalmente na outra extremidade do rifle, a coronha não era um mero apoio da
arma nos ombros dos soldados, ela apresentava uma utilidade que, embora rudimentar,
combinava-se com a baioneta no combate corpo-a-corpo: servia como um porrete, uma
126
SILVA, José L. Rodrigues da. Recordações da Campanha do Paraguay. São Paulo: Melhoramentos, 1924,
p. 39.
127
NOSWORTHY, op. cit., p. 264.
128
BORMANN, op. cit., v. 2, p. 41.
59
massa. Assim como a baioneta, existem vários relatos na documentação consultada sobre tal
emprego. Vejamos, por exemplo, o mapa (tabela) N.1, intitulado “relação das obras, que se
manufacturárão na officina de coronheiros, do de Janeiro a 31 de Dezembro de 1867”, de
autoria do mestre coronheiro José Pedro Teixeira, do Relatório do Ministério da Guerra de
1868, no qual se que foram consertadas 2071 coronhas de espingardas Minié, 194 de
carabinas, 12 de mosquetão (estas dotavam engenheiros e artilheiros) e 11 clavinotes (ou
clavinas de cavalaria). Por que tão grande diferença entre os Minié e as carabinas, de um lado,
e os mosquetões e clavinotes, de outro? Nossa resposta é que aquelas eram armas de dotação
da infantaria, e uma das funções da infantaria era entrar em contato direto, às vezes cara-a-
cara com o inimigo e, assim, as coronhas eram usadas como porretes para bater enquanto as
baionetas furavam e rasgavam.
129
Por outro lado, podemos constatar neste mesmo quadro, que artilheiros e
engenheiros raramente entravam em combate corporal, aqueles porque sua missão exigia que
lutassem à distâncias maiores e estes porque eram muito poucos e preciosos demais para
serem sacrificados em combates corpo-a-corpo. Além disso, as principais armas de choque
aproximado da cavalaria eram lança e o sabre, daí o pequeno número de clavinotes com
coronhas danificadas.
Tratando da tomada do Forte do Estabelecimento (19.02.1868) Bormann nos dá
um retrato de um combate corporal “Centenas dos nossos bravos que neste momento vão
galgando o parapeito [...] atiram-se ao recinto, enovelam-se, matam à baioneta, à sabre e à
coice d´arma os artilheiros e infantes inimigos [...].”
130
As riquíssimas reminiscências de Dionísio Cerqueira trazem também um bom
relato do uso da coronha como arma de “coice”, na luta pelo controle da ilha da Redenção no
rio Paraná
A luta prolongava-se cada vez mais acesa, mais tétrica, mas sangrenta. alguns
rostos morenos, com as bocas negras de pólvora dos cartuchos que mordiam, no afã
de repetir tiros mortíferos [...], cabeças ensangüentadas, cobertas por barretinas de
couro, negras, com a larga faixa de tricolor, assomavam por momentos esparsas na
vista do parapeito, para logo rolarem no Fundo do Fosso aos golpes das espadas, das
baionetas e das coronhas, brandidas como massas esmagadoras.
131
129
Relatório do Ministério da Guerra de 1868. Infelizmente muitos dos Relatórios Ministeriais do século XIX
não apresentam páginas numeradas, daí a necessidade de citar o título da tabela e seu autor no texto.
130
BORMANN, op. cit., v. 2, p. 113.
131
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., p. 114.
60
Podemos perceber, consequentemente, que, apesar de toda a modernidade
atribuída ao rifle na Guerra do Paraguai, o conjunto baioneta/coronha encontrou muito espaço
tático vago para continuar sendo tão presente e decisivo quanto havia sido na batalha de
Culloden (1746), mais de um século antes, durante a Guerra Jacobita, na Escócia.
132
Por fim, um armamento comum a todos os oficiais do Exército, Guarda Nacional
e Voluntários da Pátria, foi o revólver.
O Relatório da Comissão de Melhoramentos de Armamentos do Exército de 1864
mostra a primeira compra feita na Europa, consistindo em 998 peças de seis tiros para oficiais
de cavalaria.
133
De Marco, tratando especificamente das Forças argentinas, diz que “Os chefes e
oficiais de infantaria, costumavam portar revólveres do sistema LeFouchete, de ante-carga
pelo tambor, provistos pelo governo ou adquiridos por eles mesmos, porém fiavam sua defesa
e capacidade ofensiva às espadas afiadas como lâminas de barbear”.
134
O único testemunho que encontramos nas memórias brasileiras consultadas, está
na obra de Cerqueira: “Recebi as ordens do comandante [...] e parti, a pé, para o porto Quiá,
tendo por companheiros a minha espada, sempre fiel, a inseparável e boa amiga e um revólver
LaFaucheux, em cuja lealdade, confiava muito menos.”
135
O armamento de carregamento pela culatra estava em pauta em todos os exércitos
que se pretendiam modernos no século XIX. No Brasil, por meio do fuzil de agulha Dreyse,
ele era uma realidade desde que algumas tropas foram com ele dotadas, em 1851, para a
campanha contra Rosas.
136
Durante o período em que durou a Guerra do Paraguai (1865-1870) apenas um
exército no mundo esteve totalmente equipado com armamento de retrocarga, o prussiano, e
este justamente com a Dreyse. Muitos historiadores foram unânimes em afirmar, inclusive,
que tal arma teria sido o pivô da vitória prussiana frente aos austríacos em Königgrätz em
1866.
137
Geoffrey Wawro, professor do Naval War College nos Estados Unidos e
especialista das guerras de unificação opina que
132
Sobre Culloden, ver MACDONALD, John. Grandes batallas del mundo. Barcelona: Folio, 1989, p. 46-53.
133
Relatório do Ministério da Guerra do ano de 1864, Comissão de Melhoramentos, p. 13.
134
DE MARCO, op. cit., p. 126.
135
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., p. 216.
136
Relatório do Ministério da Guerra do ano de 1853.
137
Tal é o caso de STRACHAN, Hew. European armies and the conduct of war. London and New York:
Routledg, 2004, p. 112.
61
A decisão de Moltke em fazer do infante prussiano o melhor e mais dotado de
recursos da Europa foi ajudada pela coincidência de que, em 1866, a Prússia era a
única grande potência européia armada com rifles de retrocarga, o Dreyse
Zündnadehgewehr, ou rifle de agulha, assim chamado por causa de seu percussor na
forma de agulha. Embora o rifle de agulha com ferrolho pudesse ser carregado e
disparado quatro vezes mais rápido do que os rifles de antecarga usados por outras
potências européias, nenhum dos rivais da Prússia adotou o rifle Dreyse após ele ter
sido introduzido em 1849. Este fato curioso é atribuível às falhas no rifle prussiano
que tornaram-no suspeito aos olhos das potências estrangeiras. Ele era
grosseiramente construído, com um percussor frágil, uma dura ação de ferrolho que,
às vezes, tinha que ser martelado com uma pedra para abrir e uma culatra defeituosa
que soprava faíscas nas faces de seus manuseadores. Este defeituoso selo de gases,
que era o defeito básico de todos os primeiros retrocarga, também dissipava muito
do impulso e da velocidade do rifle [...] No tocante à rápida razão de fogo do rifle,
esta também era percebida por muitos oficiais europeus como um defeito, não uma
força, pois em quaisquer mãos que não as mais frias, tal rifle seria disparado muito
rapidamente, exaurindo os estoques de munições com escaramuças, antes que
começasse a batalha total.
138
Na Guerra do Paraguai este “fuzil de agulha” foi empregado em ação real uma
única vez: na batalha do Forte do Estabelecimento, em 19 de fevereiro de 1868. Os defeitos
que então apresentou foram tais que o comando do exército decidiu retira-lo definitivamente
de uso.
Na Ordem do Dia 15 do Marquês de Caxias, determinando a transformação do
15º batalhão de infantaria em Corpo de Atiradores, também conhecido entre seus pares como
“batalhão agulha”, datada de 21 de dezembro de 1866, pode-se ler:
S. Ex. o Sr. Marechal do Exército [...] Comandante em Chefe, determina que os Srs.
Comandantes dos Batalhões de infantaria existentes no corpo de Exército,
escolham e nomeiem, quanto antes, vinte e cinco praças dos mais robustos dos seus
respectivos corpos, para aprenderem o exercício das armas de agulha com os
subalternos e inferiores que para esse fim, acabam de receber instrução das mesmas
armas [...].
139
Muito provavelmente a ordem para escolher “praças dos mais robustos” decorria
do reconhecimento da dureza/dificuldade de manuseio do ferrolho de que nos fala Mauro,
mas pode ser também conseqüência da necessidade de dar a estes soldados uma arma que,
embora não fosse mais pesada (4,08 Kg), comparada à espingarda de 14,8 mm (cerca de 4,31
138
WAWRO, Geoffrey. The Austro-Prussian War: Austria´s war with Prussia and Italy in 1866. New
York: Cambridge University Press, 1996, pág 21-22.
139
Exército em operações na república do Paraguay, sob comando em chefe de todas as forças de S. Ex. o Sr.
Marechal de Exército, Luis Alves de Lima e Silva. Ordens do Dia. Primeiro Volume (compreendendo as de n. 1
a 96), 1866-1867, Rio de Janeiro: Lythographia de Francisco Alves de Souza, 1877, p. 71.
62
Kg), obrigava-os a carregar mais munição (500 cartuchos por soldado) e mais pesada, embora
também fosse de papel.
140
Sobre as dificuldades de manuseio e defeitos destas armas temos vários
testemunhos, todos tratando da citada infeliz experiência na batalha do Estabelecimento.
Comecemos com o do então tenente de engenheiros Emílio C. Jourdan
Esta mortandade em oficiais, sendo nos mortos 25 tenentes e alferes, proveio da [...]
formação de um corpo de atiradores armados com os péssimos fuzis de agulha,
armas mandadas vir da Alemanha. [...] Poucos dias depois do ataque foi extinto o
corpo de atiradores, mudados os fuzis de agulha por carabinas Minié e reorganizado
o 15º batalhão de infantaria de linha.
141
Não muito diferente da apreciação de Jourdan, o capitão José Luis R. da Silva nos
diz
Outro sistema de espingarda apareceu no exército, suponho de origem belga, e a
experiência a que se procedeu no combate do Estabelecimento, deu como resultado
um completo desastre. O major Meyer, alemão, antigo instrutor de infantaria na
Escola Militar da Praia Vermelha, passou a comandar o 15º batalhão, ao qual estava
distribuída essa arma de agulha [...]. Aos primeiros disparos, as armas se
inutilizaram, não conseguindo o projétil ser expelido na forma precisa, ficando
aderente às paredes interiores da boca do cano. Um descalabro horroroso! O autor
destas linhas testemunha ocular do monumental fracasso, verificou a realidade do
fato, ao empunhar uma das malfadadas espingardas. Os soldados [...] esperavam a
queda dos companheiros servidos a Minié, para se apoderarem dos meios de
agressão e defesa.
142
Dionísio Cerqueira, que lutou no 1de infantaria lado a lado com os homens do
15º na referida batalha, nos deixou o seguinte relato
O 15º, mas conhecido por batalhão de agulha ou de atiradores, ia na testa,
comandado pelo Méier, o nosso estimado instrutor de Tige da Escola Militar. Estava
armado com espingardas de agulha, das que deram aos prussianos [...] as suas
estupendas vitórias. [...] Travou-se ali luta de morte entre os nossos homens, em
na berma, e o inimigo, que defendia a brecha [...] Os soldados do 15º lançavam fora
as espingardas de agulha, que falhavam muito e se apoderavam para combater das
Miniés dos mortos e feridos dos outros batalhões.
143
Ou ainda, as impressões do Visconde de Maracaju, que diz
140
Para dimensões destas duas armas, veja-se MYATT, Frederick. op. cit., gs. 45 e 72. Sobre a quantidade de
munições carregada por cada praça com fuzil Dreyse, veja-se MARACAJU, op. cit., p. 12.
141
JOURDAN, Emílio Carlos. Guerra do Paraguay. Rio de Janeiro: Typographia de Laemmert & C., 1890, p.
137.
142
SILVA, José L. Rodrigues da. op. cit., p. 29-30.
143
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., p. 217-222.
63
Nesse combate não provaram bem as espingardas de agulha, sistema prussiano, com
que estava armado o corpo provisório de infantaria, sob comando do valente
tenente-coronel Pedro Meyer, natural da Prússia, pelo que determinou o general em
chefe, que fossem substituídas por carabinas a Minié [...]. O estrago da munição das
espingardas de agulha era enorme, como tive ocasião de verificar, na qualidade de
deputado do Quartel-Mestre-General.
144
Das memórias que pesquisamos, o único autor favorável a tais armas foi o tenente
de artilharia José B. Bormann: “As armas eram excelentes; infelizmente, porém, a munição é
que era péssima. Foram as armas desse mesmo modelo que concorreram para a vitória dos
prussianos em Sadova, pouco tempo antes.”
145
O Relatório do Ministério da guerra de 1868 nos diz que outras duas armas de
carregar pela culatra, entretanto, foram enviadas ao exército imperial no Paraguai
Com o fim de ensaiar a introdução das armas de carregamento pela culatra no nosso
exército, e aproveitar ao mesmo tempo as vantagens de seu emprego na guerra que
sustentamos, procurou o governo obter e examinar pela comissão de melhoramentos
os diferentes modelos de armas desse sistema, à proporção que ia tendo notícia dos
aperfeiçoamentos que neles se realizavam. Foi assim que, ouvindo o parecer da
referida comissão, e na previsão de que a reserva do armamento de que dispunha não
fosse suficiente para suprir as faltas, caso a guerra se prolongasse por mais tempo,
resolveu o governo efetuar a encomenda de 5000 espingardas americanas desse
sistema, modelo Robert´s, para armamento da nossa infantaria, e 2000 clavinas
ditas, modelo Spencer, para a cavalaria. [...] o que, porém, determinou a sua escolha
de preferência [...] foi, quanto ao primeiro, a prontidão de seu tiro, que se executa
em cinco muito rápidos movimentos; e quanto ao segundo a qualidade de arma
repetidora, tão importante para o cavaleiro, por permitir-lhe dar 7 tiros sucessivos
sem precisar carrega-la de novo senão depois de esgotado este número.
146
O rifle monotiro de retrocarga Robert´s enviado ao Exército Imperial não chegou
a ser distribuído e utilizado pelas tropas. Tal arma foi adquirida em 1867. Seu ostracismo nos
depósitos do Exército em operações no Paraguai se deve ao parecer do major de estado-maior
Ayres Antonio de Moraes Ancora, membro da Comissão de Compras de Armamentos na
Europa, em 1857, citado no Relatório Ministerial de 1858,
147
que lhe eram totalmente
contrário. Diz o major
[...] julgo dever encarar esta arma debaixo de três pontos de vista: fabricação,
mecanismo para o carregamento pela culatra e cartuchame. [...] começarei por dizer
que a arma daquele sistema, que foi submetida ao meu exame, carece de muitos
predicados para poder ser considerada de primeira qualidade [...] Facilmente se
reconhecerá a pouca resistência que oferece a madeira de que é feita a coronha, e a
imperfeição de muitas peças metálicas, aliás de suma importância para uma arma de
144
MARACAJU, op. cit., p. 75.
145
BORMANN, op. cit., v. 2, p. 118.
146
Relatório do Ministério da Guerra do ano de 1868, Material do Exército, p. 16-17.
147
Relatório do Ministério da Guerra de 1858.
64
guerra. Quanto ao segundo ponto, sou de opinião que o mecanismo de que se trata é
de fácil manejo e dos mais engenhosos que tenho visto; porém não o considero no
caso de satisfazer a todas as condições requeridas pelas máquinas de guerra; pois,
além de apresentar defeitos capitais em referência à solidez exigida para o trabalho
propriamente mecânico, muito deve sofrer com a presença dos fenômenos físicos e
químicos, sem dúvida inevitáveis em muitas circunstâncias que ocorrem, nos
combates, depois de algumas horas de fogo, já no serviço dos postos avançados, em
dias de grande calor, ou de copiosa chuva, sem falar dos nocivos efeitos da constante
humidade atmosférica que, como todos sabem, nestes países muito prejudica o
armamento portátil em uso no nosso exército, por isso que se torna preciso limpá-lo
com freqüência, e nem todos os nossos soldados possuem a necessária aptidão para
fazê-lo convenientemente. [...] a espingarda Robert´s não pode com vantagem
substituir a que presentemente empregamos, nem é ainda a arma de carregamento
pela culatra, que tanto tempo se busca como meio para se obter, pelo perfeito
forçamento do projétil, o máximo alcance e precisão no tiro, além de grande
celeridade no carregamento. A experiência nos tem mostrado que as armas que se
carregam pela culatra, até hoje conhecidas entre nós, não devem ser adotadas pela a
infantaria, quer pela dificuldade que apresentam os respectivos mecanismos no
tocante ao seu asseio e conservação, quer pela prontidão com que se desarranjam e
deixam de funcionar regularmente depois de certo mero de tiros; podendo isso
acarretar o grave inconveniente do soldado marchar para o combate sem a menor
confiança na sua arma [...]. Quanto ao cartuchame [...] nada tem de peculiar pois é o
mesmo adotado por [...] outros muitos que pretendem ter descoberto a arma de
carregamento pela culatra [...]. Padece, portanto, essa munição do mesmo
inconveniente que se nota em todas as armas similares, cuja extração do cartucho
metálico deve ser feita automaticamente: isto é, depois de certo número de tiros, o
extrator não tem força suficiente para sacar o cartucho, geralmente fabricado de
cobre roseta, cuja maleabilidade faz com que a sua aderência às paredes do cano da
arma seja considerável. Além do inconveniente que acabo de apontar e é inerente ao
sistema, tem-se observado pouca regularidade e perfeição no cartuchame que
acompanham as armas de Robert´s; o que é mais uma razão para não serem
adotadas, sob pena de ficar comprometido o corpo que com elas entrar em ação. [...]
Concluo, portanto, assegurando que nutro a convicção de que tanto o sistema
Robert´s, como o de Spencer, não convém ser adotado para a nossa infantaria, pois é
de esperar que qualquer deles produza o funesto resultado obtido pelas armas de
agulha, como era de prever, e eu o disse mais de uma vez.
148
Os defeitos apontados pelo major Ancora -pouca resistência, imperfeição das
peças metálicas, deficiências do mecanismo de carregamento e disparo na culatra, problemas
de forçamento do projétil, que reduzia, assim, o alcance e a precisão do tiro, sujeira
acumulada após vários tiros e mau funcionamento do extrator de cartucho, obrigando o
soldado a sacá-lo com a mão- foram apontados por muitos outros pareceristas na Corte, todos
eles membros da Comissão de Melhoramentos do Material do Exército. Em 21 de janeiro de
1868, o major Francisco Primo de Souza Aguiar, por exemplo, dava a seguinte opinião
sobre as referidas armas: “[...] direi que o trabalho nela executado não me parece perfeito, e
deixa muito a desejar quanto à mão de obra [...].”
149
148
Diário do Exército, p. 310-311.
149
Relatório do Ministério da Guerra de 1868, p. 02.
65
No mapa apresentados pelo major Aguiar podemos observar que o calibre da
Robert´s era 14,6mm, que era dotada de 3 raias e seu cartucho era metálico. No mesmo
relatório o parecer do major Maximiliano Emerich nos mostra que os cartuchos metálicos
[...] têm indubitavelmente grandes vantagens: não deterioram pela humidade,
conservam-se intactos nos transportes e os resíduos do cartucho não engraxam a
alma do cano da arma; mas as desvantagens do cartucho metálico não o
compensadas pelas suas vantagens. O maior inconveniente dos cartuchos metálicos
é o de necessitar a arma um aparelho especial para extrair a cápsula depois de cada
tiro. Em quase todos os modelos desse sistema o extrator deixa de funcionar às
vezes e desarranja-se facilmente e assim o atirador perde tempo vendo-se obrigado a
tirar a psula com a mão. [...] O aparelho do extrator complica ainda mais a já
complicada construção das armas de carregar pela culatra e arruinando-se esta peça
mais difícil ainda será o concerto na campanha.
Sua opinião sobre os cartuchos de papel, como os utilizados na Dreyse, por
exemplo, não é muito mais animadora
Os cartuchos de papel m o grande inconveniente de se alterarem pela humidade,
no transporte e os solavancos na patrona e que o resíduo do papel queimado suja a
alma do cano da arma, de sorte que esta se deve limpar depois de um certo número
de tiros.
150
O Dr. Francisco Carlos da Luz, também membro daquela comissão, a princípio
elenca cinco vantagens do armamento de carregar pela culatra
[..] tornar impossível a introdução de mais de um cartucho no cano, como
acontece no calor do combate com as armas ordinárias; não precisar da vareta no
seu carregamento, o que é de grande vantagem, principalmente para a cavalaria; 3º
facilitar a introdução de toda a carga na câmara, donde resulta muita regularidade no
tiro; permitir a regularidade da posição da bala e por conseguinte do seu
forçamento; finalmente, dar estabilidade a bala, que sendo forçada no cano, é
lançada com maior justeza, e não pode descer por efeito do trote do cavalo, quando o
soldado conserva sua arma com a boca voltada para baixo.
Logo depois, entretanto, começa a tratar dos defeitos destas armas
[...] a obstrução da culatra, no fim de um tiro muito prolongado, deixa de ser
perfeita, e os gases se escapam pelas juntas, a ponto de incomodarem seriamente ao
soldado e sujarem por tal modo as diversas peças do mecanismo, que muitas vezes
ele não pode continuar a funcionar. Este estado de coisas é tanto mais grave, quanto
maior é a rapidez com que atiram as armas de carregar pela culatra [...] A rapidez do
tiro, ocasionando um fogo muito repetido, pode, em um momento dado, dar ganho
de causa às tropas bem disciplinadas; mas a experiência tem mostrado que, fora
destas condições, semelhante vantagem pode ocasionar, no calor do combate o
indiscreto desperdício de munições antes do momento decisivo. [...] A facilidade
150
Ibid.
66
com que se consome o cartuchame destas armas torna-se um inconveniente, tanto
mais sensível, quanto pelo maior peso das balas modernas a munição que hoje
conduz o soldado não pode ser muito abundante, [...] A elevada rapidez de tiro ainda
poderá na prática ocasionar outros males, como seja, o elevado grau de calor que a
arma atingirá, se tiver de fazer fogo por mais tempo, daí resultará a impossibilidade
do soldado continuar a trabalhar com ela, sem que primeiro procure esfria-la [...]
Destas ligeiras considerações se depreende que essa rapidez de tiro, principal
vantagem em questão pode ser antes um mal que um bem [...].
151
Vê-se, assim, que o conjunto de problemas e experiências mal-sucedidas das
armas de retrocarga e monótiro, Dreyse e Robert´s, levou à sua total reprovação pelos oficiais
no front e alguns na Corte, especialmente dos ligados à Comissão de Melhoramentos. Estas,
entretanto, não foram as únicas armas de retrocarga empregadas na luta contra as forças
paraguaias, havia também a clavina de calaria Spencer, de fabricação norte-americana, e que
havia sido utilizada pelas tropas federais (nortistas) na Guerra de Secessão Americana com
grande êxito.
Foram adquiridas 2000 delas para emprego na cavalaria, pois era pequena,
confiável, ao contrário das outras duas, rápida no fogo e resistente. O citado Dr. Francisco
Carlos da Luz, trata de duas importantes virtudes desta arma para cavalheiros quando fala das
vantagens, anteriormente citadas, do armamento de retrocarga: não era de antecarga, portanto
dispensava a vareta tão inconveniente sobre o cavalo; e a bala não descia pelo cano quando
era guardada de “cabeça para baixo” na sela ao lado de uma das pernas do cavaleiro. Além
disso, ela diferia das demais armas de carregar pela culatra por ser uma repetidora com sete
tiros armazenados em seu interior e disparados por meio de um repetido movimento de
alavanca, proporcionando uma razão de fogo que não era igualada pela Dreyse ou a Robert´s.
Por fim, tinha calibre 12,7 mm, média de 99,66 cm e pesava 3,8 kg.
152
A ordem do dia 122 do Marquês de Caxias nos uma idéia da superioridade
de fogo que as Spencer podiam proporcionar à cavalaria brasileira
No dia 6 do corrente [...] uma força inimiga de 500 homens de cavalaria, acometeu o
nosso piquete, postado em S. Solano, sob comando do Sr. Capitão do 1º corpo
provisório da Guarda Nacional, Vasco Antonio da Fontoura Chananeco, que, com os
oficiais e praças do mesmo piquete, em número total de 57 homens [...] fez frente e
resistiu com denodo ao impulso de toda aquela cavalaria. [...] pode evadir-se parte
da força inimiga, deixando, porém, o campo juncado de pouco mais ou menos 150
cadáveres e em nosso poder 14 prisioneiros [...]. Tivemos fora de combate um
oficial, dois sargentos e quatro soldados feridos e dois ditos mortos.
153
151
Ibid.
152
Cf. FARWELL, Byron. The encyclopedia of nineteenth century land warfare. W.W. Norton & Campany,
2001, p. 778.
153
Ordem do dia 122.
67
A visível disparidade de forças e baixas de cada lado uma pequena amostra do
poder de fogo destas armas americanas, desde que colocadas nas mãos de veteranos com
sangue frio suficiente para, em menor número, aguardarem uma carga de cavalaria e então
desfecharem sua fuzilaria. É interessante sublinhar que tal emprego tático da cavalaria a ,
como uma infantaria a cavalo, equipada com rápidos rifles repetidores de retrocarga havia
sido realizado durante a Secessão Americana. Brent Nosworthy, por exemplo, diz que a única
maneira pela qual as forças de cavalaria podiam ainda contar com alguma chance de
desempenhar papéis de algum relevo, no campo de batalha, era equipando-se com estas novas
armas e comportar-se como “infantaria montada”.
154
O próprio marquês de Caxias, em instrução enviada ao general Osório quando
este organizava o 3º Corpo de Exército, ainda no Rio Grande do Sul, em 1867, diz
Sendo a guerra que temos a fazer [...] mais de caçadores e artilheiros que de
cavaleiros, por isso que são ali os cavalos quase impossíveis de manter em grande
número, V. Exa. Armará a força que daí marche com clavinas e a tratará de exercitar
a e a cavalo, para que possam servir ainda quando lhes faltem cavalos. A todos
dará o título de corpos de caçadores a cavalo.
155
Na Guerra do Paraguai, entretanto, cargas de cavalaria a todo galope, com lanças
e sabres em punho, continuaram a acontecer e, como no caso da batalha de Avai (11.12.1868),
com grande efeito positivo para os cavalarianos. Pode-se, contudo, argumentar que neste
combate, como vimos, havia chovido muito e a pólvora dos infantes paraguaios, como a
dos brasileiros, estava molhada e, assim, inutilizada.
No Relatório do Ministério da Guerra de 1871, o Visconde de Pelotas diz que:
“[...] carabinas de Spencer são de um magnífico efeito. Os bons resultados que delas colhi no
Paraguai exigem que eu opine pela sua conservação.”
156
Neste mesmo Relatório o Conde D´Eu também tece elogios a este armamento,
mas faz a ressalva de que as vantagens que conferia à cavalaria não podiam ser estendidas à
infantaria, pois
[...] o aparelho de repetição que torna esta arma excelente para a cavalaria, não tem a
mesma vantagem na infantaria, em que seu emprego será até bastante incômodo, em
razão das maiores dimensões da espingarda ou carabina.
157
154
NOSWORTHY, op. cit., p. 280.
155
FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 216.
156
Relatório do Ministério da Guerra de 1871, Anexo A, p. 49.
157
Idem, ibidem, p. 17.
68
Quando o Conde trata do “Spencer de infantaria”, está na verdade referindo-se ao
monótiro Robert´s de que já tratamos anteriormente.
Chegamos, assim, a conclusão de que, naquilo que tange ao armamento de
retrocarga, de três modelos, apenas dois foram usados em combate real, e apenas um, o
Spencer, foi plenamente aprovado e reconhecido em seus méritos. Quanto ao Dreyse, é
preciso lembrar que os prussianos realizaram, na década de 1860, três grandes guerras bem
sucedidas contra seus vizinhos -Dinamarca (1864), Áustria (1866) e França (1870-71)-
armando suas infantaria e cavalaria com estas armas, ao passo que a única experiência de
combate fora do exército prussiano -justamente o emprego pelo 15º batalhão de infantaria no
assalto ao Estabelecimento- foi um completo fiasco. A nosso ver, estas experiências tão
diversas com a mesma arma contribuem para colocar abaixo qualquer afirmação
“determinista” sobre o papel da modernidade industrial como verdadeiro agente
transformador da guerra. Defendemos que não é a introdução do novo armamento, pura e
simplesmente, que marca a diferença entre vitória e derrota na guerra, mas antes, doutrina
adequada, treinamento e disciplina superiores. Do contrário, as forças armadas com mais
elevados índices de tecnologia facilmente se imporiam no campo de batalha, e não é o que
podemos constatar em conflitos contemporâneos como no Vietnã, no Afeganistão (contra os
soviéticos e, atualmente, contra forças da OTAN) e nas diversas lutas pelas independências
afro-asiáticas.
2.2 Artilharia
A partir da leitura e analise das fontes primárias e material historiográfico
consultado, pudemos constatar, também, alguns aspectos interessantes sobre esta arma. O
primeiro deles é a diversidade de calibres, criando uma miscelânea muito maior do que na
arma de infantaria, como prova o Relatório do Ministério da Guerra de 1867, ao dar o total de
104 peças ao Exército em Operações no Paraguai, sendo elas: 17 Wythwoort (em três calibres
de 32, 12 e montanha), 73 La Hitte (em quatro calibres de 12, 6, 4 e montanha), 4 obuses de
calibre 14, dois obuses de montanha e 8 morteiros de 220 mm.
158
158
Relatório do Ministério da Guerra de 1867, Resumo da força pronta pertencente aos dois corpos de
exército em operações contra o governo do Paraguai, relativo ao mês de janeiro de 1867.
69
Depreende-se destes números que tanto as peças pesadas usadas em especial, em
posições fixas, no sítio de Humaitá (as Wythwoort 32 e 12 e La Hitte 12 e os morteiros de
0m22cm)_ quanto as de campanha (todas as demais, que podiam ser facilmente tracionadas
por animais rápidos, como mulas e cavalos)_ eram muito poucas para as variadas tarefas que
a artilharia tinha que cumprir. Comentando a criação de um corpo de artilharia, para somar
força ao batalhão de artilharia a pé e os dois regimentos de artilharia a cavalo, o conde D´Eu
reconhece essa carência “com o desenvolvimento que tiveram as operações por ocasião do
cerco de Humaitá, este acréscimo dado a nossa artilharia a cavalo ainda assim mostrou-se
insuficiente [...]”
159
Geralmente a artilharia emprega munições compactas (sólidas) contra alvos a
longa distância e munições dispersivas, como a metralha e o schrapnell, para curtas distâncias,
especialmente contra formações de infantaria e cavalaria.
160
Neste particular o tenente
Bormann, que servia na artilharia, realizou um interessante relato de como esta arma
trabalhou no combate de 3 de novembro de 1867, em Tuiuti, reduto mandado construir por
Caxias
Por enquanto, as nossas baterias assestadas opõem à marcha do inimigo uma
chuva de granadas. A 200 metros da fortificação as cornetas e caixas de guerra
inimigas dão o sinal de carga. [...] Porto Alegre [...] passa calmo por nós, artilheiros
do corpo de artilharia e diz: ‘A vitória depende hoje dos senhores; a glória é da
artilharia.’ [...] Ao toque de carga dos clarins e caixas de guerra do inimigo as nossas
granadas são substituídas pelas lanternetas e a fuzilaria dos nossos infantes toma
proporções enormes.
161
Note-se que os artilheiros começaram a disparar “lanternetas” (metralha) a 200
metros das formações de infantaria paraguaia, distância atualmente considerada muito curta
entre os artilheiros.
A metralha era utilizada desde o século XVIII para romper formações compactas
de infantaria e cavalaria. No Paraguai ela estava entre as principais causas de falecimentos em
combate. Descrevendo o ataque do corpo de exército, comandado pelo general Osório, em
16 de julho de 1868, contra Humaitá, o tenente Jourdan nos fornece o número de baixas e suas
impressões sobre aquela munição
159
Relatório do Ministério da Guerra do ano de 1871, Anexo A, p. 13.
160
NOSWORTHY, op. cit., p. 219-220.
161
BORMANN, op. cit., v. 2, p. 64.
70
Nosso prejuízo no malogrado ataque de Humaitá foi de: 27 oficiais mortos, 86
feridos, 298 praças mortos, 908 feridas, ao todo 1329 fora de combate (muitos dos
feridos faleceram nos hospitaes por serem ferimentos de estilhaços e metralha.
162
Na batalha de Tuiuti (24.05.1866) o regimento de artilharia a cavalo, do
coronel Emílio L. Mallet, que hoje é considerado o patrono da artilharia do Exército
Brasileiro, parou uma carga de cavalaria paraguaia a 60 metros de seus 24 canhões,
disparando munição de metralha e contando com um fosso cavado à frente de sua posição. O
fogo rápido desenvolvido por este regimento naquela batalha rendeu-lhe o apelido de
“artilharia a revólver” e, que ao contrário do restante do exército, era conseqüência do
treinamento intenso imposto pelos seus oficiais às equipes de seus homens de cada uma de
suas peças.
163
Analisando o Relatório da Guerra de 1871 percebemos que as peças de artilharia
La Hitte usufruíam da maior confiança dos artilheiros. Contudo, existiam três diferentes
fabricações destas (todas presentes no Exército Imperial): a espanhola, comprada antes do
início da guerra de 1864-70; a francesa, adquirida a partir de 1866; e a brasileira, fabricada
nos arsenais de guerra (exército) e marinha. Sobre estas peças nacionais um interessante
parecer de Conde D´Eu, no Relatório da Guerra de 1871 que explica parcialmente, pelo
menos, a razão de muitas falhas ocorridas com estas armas
[...] por falta de fornos apropriados nunca foi possível obter entre nós bronze de tão
boa qualidade como o fundido na Espanha e na França. Daí resultava para as peças
fundidas no Brasil falta de dureza e resistência, e essa circunstância aconselhou que
se dessem dimensões mais reforçadas e também maior profundidade nas raias, o que
não obstou que se mostrassem inferiores em justeza de tiro às peças francesas, e bem
assim mesmo algumas vezes rachadas e encurvadas, enquanto que os canhões de
fundição espanhola e francesa continuavam a prestar bons serviços até o fim da
guerra.
164
O visconde de Pelotas, em seu parecer no mesmo relatório nos mostra que a
diversidade de peças e calibres (adarmes) era um inconveniente tão grande para a artilharia
quanto o era na infantaria: com o agravante de que os canhões utilizavam-se de variadas
munições como granadas e metralha: “ponderei a inconveniência da diversidade de espécies
de artilharia, como seja artilharia francesa, espanhola e brasileira, que exigem munições
diversas, conquanto do mesmo calibre.”
165
162
JOURDAN, op. cit., p. 150.
163
ALVES, Joaquim V. Ferreira. Mallet, o patrono da artilharia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1979,
p. 140.
164
Relatório do Ministério da Guerra o ano de 1871, Anexo A, p. 31-32.
165
Idem, ibidem, p.
71
A partir de 1867 o marquês de Caxias começou a introduzir importantes
modificações táticas no emprego da artilharia que haviam sido anteriormente empregadas
pelos aliados (britânicos, franceses, turcos e piemonteses) durante o cerco de Sevastopol na
Guerra da Criméia
Tinha-se observado que o inimigo, apenas começava a bombardear a sua posição,
afastava para longe as suas forças, deixando apenas nas trincheiras os artilheiros. De
ordem do marechal Caxias, o comandante da esquadra e o general Argolo
assentaram que, no dia 2 de fevereiro, o corpo de exército simularia um ataque a
Curupaity para obrigar o inimigo a estar sob as armas nas trincheiras e suas
proximidades, de modo que o nosso bombardeio produzisse assim grandes
estragos.
166
Posteriormente, em 1868, Caxias passou a concentrar sua artilharia de campo,
tática a então não utilizada, preferindo-se o uso dispersivo das peças entre unidades de
infantaria e cavalaria. Na batalha de Lomas Valentinas, onde o exército paraguaio foi
destroçado e deixou de ser uma força regular e convencional para converter-se em mera
guerrilha, o marquês mandou reunir 46 canhões, que bombardearam a posição entrincheirada
dos paraguaios com 50 tiros de granadas compactas, cada um, a distâncias de 700 metros.
Assim, podemos depreender que mesmo na arma de artilharia, cujo material era
igualmente raiado e, portanto, podia ter maior alcance e precisão, os problemas técnicos e a
preferência dos comandantes levavam a opção do tiro de curta distância em detrimento do
longo alcance.
2.3 Balões de observação
Balões cativos (presos à terra), inflados com hidrogênio, começaram a ser
utilizados pelos franceses pouco antes das guerras da Revolução Francesa, em 1783, com os
objetivos de levantar plantas dos terrenos de manobras e posições fortificadas do inimigo,
descobrir-lhe os movimentos e guiar o fogo da artilharia amiga além do alcance da visão de
seus artilheiros.
Herman Hattaway nos mostra que os americanos inovaram radicalmente no uso
dessas naves ao empregá-las juntamente com a telegrafia militar para orientar fogo de
166
BORMANN, op. cit., v. 2, p. 12.
72
artilharia em terra contra formações de soldados ou posições fortificadas que não podiam ser
vistas pelos artilheiros, emprego este que não se viu na Guerra do Paraguai.
167
A eficácia de tal equipamento, entretanto, era muito discutível e por vários
motivos: camuflagem dos movimentos, dificuldade de visão das disposições de batalha e
fortificações do inimigo devido à fumaça dos combates ou mato denso, clima hostil às
ascensões, desconfiança dos oficiais em terra sobre as informações colhidas pelos aeronautas,
entre outros problemas.
Durante a Guerra da Secessão Americana, especialmente no período de 1861-62,
assistiu-se a um grande uso deste equipamento para missões de reconhecimento e direção de
fogo de artilharia, tanto pelos confederados (sulistas) quanto pelos federais (nortistas),_
embora a disponibilidade de recursos técnicos e financeiros do lado federal fosse muito maior.
Trabalhando para a União durante a campanha da Península de Yorktown (primavera de
1862), o professor civil Thaddeus Sobieski Constantine Lowe, o mais afamado dos aeronautas
federais e quem mais ascensões fez, produziu valiosos levantamentos topográficos vitais para
os movimentos do Exército Federal do Potomac, então comandado pelo general George B.
McClellan, como nos mostra Hattaway
Em várias ocasiões durante os primeiros dois anos da Guerra Civil, Lowe e outros
aeronautas providenciaram úteis vigilâncias aéreas para os generais da União no
teatro ocidental. Talvez o mais notável exemplo esteja na batalha de Fair Oaks (ou
Seven Pines) em maio de 1862, quando -pelo menos de acordo com Lowe- suas
observações aéreas de um balão cativo de hidrogênio proporcionaram informações
vitais que evitaram [...] um desastre federal.
168
Nos anos seguintes, mais precisamente em 1867, Lowe recusou uma oferta do
governo brasileiro para realizar o mesmo trabalho no Paraguai, mas indicou os homens que o
fariam: os irmãos James e Ezra Allen.
Pouco antes de partir para o teatro de operações do Paraguai, o marquês de Caxias
contratou, com autorização do governo imperial, o aeronauta francês Louis Desiré Doyen para
tal serviço. Seu balão, entretanto, foi descuidadamente danificado pelo fato de ter sido
dobrado com seu verniz ainda úmido, fato que impediu sua abertura e enchimento. Daí a
opção pelos americanos, cuja experiência em combate real era muito mais vasta que a de
167
Cf. HATTAWAY, Herman. Reflections of a Civil War historian: essays on leadership, society and the
art of war. Columbia and London: University of Missouri Press, 2004, p. 147.
168
Ibid., p. 149.
73
Doyen. Em 31 de maio de 1867 os irmãos Allen, com dois balões, chegaram ao acampamento
aliado em Tuiuti e logo surgiram os primeiros problemas operacionais.
169
O primeiro e permanente problema foi a falta de combustível adequado para inflar
o balão. O hidrogênio era produzido através do derretimento de limalha de ferro por ácido
sulfúrico, todavia, durante o tempo em que os balões foram operados (de 24 de junho a 25 de
setembro de 1867, sendo realizadas vinte ascensões), houve constante carência de limalha,
levando ao uso de sucata de ferro enferrujada e folhas de zinco, que não produziam o mesmo
efeito, pois o balão demorava mais para ficar cheio e necessitava, assim, de cada vez mais
sucata ou zinco para que seu invólucro ficasse completamente preenchido. Lavenère-
Wanderley comenta como as deficiências logísticas da época podiam atrasar, senão impedir,
as operações
As deficiências de ordem logística, relacionadas com o suprimento de ácido
sulfúrico e limalha de ferro, para a produção de hidrogênio, impediram a utilização
do balão maior, de 37.000 pés cúbicos e 12 metros de diâmetro, e diminuíram de
muito, o rendimento operacional do balão menor, de 17.000 pés cúbicos de 8,5
metros de diâmetro.
170
Ou, ainda, o Diário do Exército, com data de 1º de julho de 1867:
O aeronauta Allen veio ao quartel general participar que a limalha vinda no vapor
Dezesseis de Abril era em pouca quantidade, e que para supri-la haviam mandado
zinco em folha; porém que, não servindo este metal tão bem como aquele para o fim
a que se destinava, iria ele, não obstante, tentar a ver si era possível preparar o
hidrogênio em quantidade que bastasse para o pequeno balão.
171
Ventos fortes, nevoeiros ou chuvas também contribuíam para impedir as subidas
dos balões:
3 de julho _ A chuva que sobreveio pouco depois do meio dia e que continuou pela
tarde, com vento algum tanto impetuoso, impediu que se levasse a efeito a ascensão
aerostatica, estando tudo disposto para este fim. 4 de julho _ O aeronauta Allen
veio ao quartel general participar que, durante a noite, tinha-se esvaziado o balão,
que se achava pronto para elevar-se no momento determinado, por motivo da forte
ventania, que tinha ameaçado arruína-lo; mas que estava tudo disposto para começar
novo desprendimento de gás, na noite seguinte, se por ventura o tempo melhorasse
[...] 5 de julho _ Durante todo o dia conservou-se o sol encoberto, e a atmosfera
nublada e carregada de nevoeiros, o que impediu que se efetuasse a ascensão
aerostatica. 7 de julho _ Continuou a chover durante a noite passada, e ao
169
LAVENÈRE-WANDERLEY, Nelson Freire. Os balões de observação da guerra do Paraguai. In: Revista do
IHGB, nº299 (abril-junho de 1973), p. 210.
170
Ibid., p. 214.
171
Diário do Exército, p. 12.
74
amanhecer, a atmosfera carregada de densos nevoeiros ameaça manter o mau tempo,
que tem permanecido desde o dia 3 do corrente.
172
Da parte dos paraguaios surgiu uma importante contramedida às observações a
que se pretendiam os balões: as queimadas; que produziam nevoeiros artificiais com o claro
propósito de obstar o trabalho dos oficiais de engenharia e aeronautas que embarcavam nas
ascensões.
173
Concluímos, então, que embora os balões cativos fossem impressionantes saltos
tecnológicos no contexto sul-americano da época, sua eficácia no campo de batalha era
demasiadamente tolhida pelas condições climáticas, problemas técnicos e contramedidas dos
paraguaios.
2.4 Telegrafia militar
De todas as tecnologias militares ou civis, adaptadas ao meio militar, de que
tratamos até o presente, a telegrafia provavelmente foi a de maior impacto transformador na
condução da guerra de 1864-70
174
. O comando, até então habituado às comunicações
sustentadas por estafetas a cavalo, passou a contar com um importante elemento de
velocidade na transmissão de ordens e inteligência.
O uso da telegrafia em guerra praticamente teve sua origem no conflito da
Criméia, todavia, esta era utilizada apenas para ligar os governos aos seus generais ou os
correspondentes de guerra aos seus respectivos jornais. Em campo, ou seja, no ambiente
tático, o telégrafo começou a ser utilizado pelos britânicos na repressão ao Motim Indiano, ou
Revolta dos Sipaios, de 1857-58, e pelos franceses na sua Campanha da Itália, de 1859, contra
a Áustria. Todavia, foi na Guerra da Secessão que a telegrafia, tanto em comunicações
estratégicas quanto nas táticas, ganhou maturidade e projeção.
175
No desenrolar da Guerra Civil Americana, os comandantes federais foram
obrigados a manter comunicações regulares, via telégrafo, com a Casa Branca, que exigia
constantes relatórios sobre as operações federais e eventualmente, quando descobertos, os
172
Ibid., p. 15-16, 18 e 20.
173
Ibid., p. 37.
174
Para Brian Holden Reid ela chegou mesmo a revolucionar a arte do comando.Veja-se: REID, op. cit., p. 28.
175
Cf. ROSS, Charles. Trial by fire: science, technology and the Civil War. Shippensburg: White Mane
Books, 2000, p. 148.
75
movimentos dos confederados. Além disso, utilizavam linhas civis, geralmente de
propriedade de empresas ferroviárias privadas, para sustentarem comunicações entre si. Em
batalha foram utilizados os telégrafos de balões cativos -para dirigir fogo de artilharia- e o
telégrafo móvel Beardslee, colocado sobre uma carroça e contando com carretilhas de fios
próprios.
176
Embora a telegrafia fosse uma realidade no Brasil desde 1852, quando foi
instalada a primeira linha entre o Paço Imperial e o Quartel General do Exército, na campanha
de 1864 contra Aguirre, no Uruguai, o exército imperial ainda se valia da correspondência
manuscrita para suas comunicações. Neste mesmo ano, a invasão paraguaia ao território do
Mato Grosso encontrou o governo no Rio de Janeiro totalmente desprovido de comunicações
com aquela província.
177
Lutando no sul do Paraguai, as forças imperiais e aliadas (argentinas e uruguaias)
permaneceram desprovidas de telegrafia entre abril de 1866 (desembarque aliado no Passo da
Pátria) e novembro de 1867 (ascensão de Caxias ao comando das forças brasileiras), ao passo
que López mantinha interligadas todas as suas principais posições defensivas entre si e com a
capital da república, Assunção.
178
Assim, o uso da telegrafia militar brasileira teve sua origem no comando do
marquês de Caxias, que, segundo Tasso Fragoso, “[...] criou, por meio de telégrafo elétrico,
uma rede de ligações entre as unidades, a qual facilitava e garantia o comando”
179
. Quando as
forças aliadas combinadas executaram a “marcha de flanco” em torno de Humaitá (22 a 31 de
julho de 1867), manobrando por 45.446 metros na área leste daquela posição, foram
instalados postes telegráficos que garantiam a comunicação entre Tuyu-Cuê, quartel general
de Caxias, e o acampamento base em Tuyuti, além de uma linha subterrânea entre os quartéis
de Caxias e Osório -provavelmente para evitar que o fogo da artilharia paraguaia cortasse a
comunicação ou, talvez, que os próprios soldados da Tríplice Aliança viessem a cortá-los
180
(cf. Fragoso, p. 253-54, e Hagerman). Porém, a partir desta marcha de flanco -se uma
importante inovação tática com rias conseqüências estratégicas negativas para os
paraguaios: o uso de unidades de cavalaria brasileira e aliada para romper linhas telegráficas
em torno de Humaitá, quando do cerco desta. Após o combate de S. Solano, de 3 de agosto de
1867, que tratamos anteriormente, o general uruguaio Henrique Castro determinou que um fio
176
Ibid., p. 154-156.
177
Cf. GEROMEL, Antonio Sergio. Caxias, pioneiro da telegrafia em campanha. In: A Defesa Nacional. Rio de
Janeiro: Bibliez, n. 758, out/dez-1992, p. 120.
178
Cf. FRAGOSO, op. cit., v. III, p. 209-210
179
Idem, ibidem, p. 210.
180
Idem, ibidem, v. III, p. 253-254.
76
telegráfico paraguaio encontrado por seus homens fosse cortado em 10 ou 12 pontos, para
prejudicar as comunicações das forças de López, e esta é apenas a primeira de uma grande
série de ações que caminhavam neste sentido
181
.
181
FRAGOSO, p. 258.
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lutando ao sul do Paraguai entre abril de 1866 e dezembro de 1868, o exército
aliado demorou em obter uma vitória decisiva sobre os defensores por uma séria de motivos
que podemos extrair das memórias dos veteranos: o desconhecimento cartográfico sobre o
terreno onde se combatia, um aspecto constante naquelas memórias; a tenacidade e
genialidade do exército paraguaio em aproveitar-se ao máximo das qualidades do relevo local
para montar seu sistema de entrincheiramentos defensivos; as dificuldades logísticas inerentes
a qualquer campanha militar prolongada; as epidemias, como a cólera, que constantemente
ceifavam mais vidas que o próprio campo de batalha _ Burton nos mostra que somente após a
ocupação de Humaitá é que as doenças começavam a refluir, sendo que a ”[...] percentagem
de doentes entre os brasileiros é de 8,5% ao passo que nos grandes exércitos a média é de 10 a
12%
182
”_; as complexidades da navegação de um rio, o Paraguai, que estava, em sua margem
esquerda, fortemente guardado (sendo, do sul par ao norte, pontilhado pelas seguintes
posições: Curuzu, Curupaiti, Humaitá, Estabelecimento e Angostura) e salpicado de torpedos
(minas navais), levando, fatalmente, a esquadra a retardar suas operações em apoio às forças
terrestres; as constantes carências de animais para a cavalaria, a tração da artilharia e para os
transportes, inviabilizando operações ofensivas de vulto.
Levando-se em consideração tal quadro não se pode dizer, assim acreditamos, que
a guerra se prolongou devido à incompetência da oficialidade em comando, mas sim em
virtude das dificuldades próprias desta guerra, que difere de todas as outras que o Brasil havia
lutado na região
183
Do que vimos até aqui podemos depreender que a Guerra do Paraguai, embora
apresente “aspectos de modernidade”, como o rifle, o telégrafo e os balões cativos, está, no
que tange mais especificamente ao combate, ainda aquém do que se poderia chamar em
sentido estrito um “conflito moderno” da era industrial. E isso, por vários motivos, dentre os
quais salientamos o fato de que nenhum dos países nela envolvidos podem ser considerados
industrializados naquele momento histórico. Indo além, entretanto, cremos que a Guerra de
1864-1870 deva ser ainda considerada dentro de uma ótica muito mais napoleônica, pois sua
tática se assemelhava demasiadamente com aquela empregada na Europa entre os anos de
182
BURTON, p. 302.
183
DORATIOTO, p. 477.
78
1799 e 1815, muito mais do que com as inovações plantadas pela Guerra Franco-Prussiana, de
1870-71 -esta sim, com inovadores fundamentos táticos que ainda teriam espaço no século
XX.
79
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Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 5 vol., 1958.
86
Ocupação de Curuzu e assalto a Curupaiti. In: FRAGOSO, op. cit..
87
Marcha de flanco até Taii. In: FRAGOSO, op. cit..
88
Batalha de Curupaiti. In: DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, p.306 .
89
Sítio de Humaitá e evacuação da fortaleza pelos paraguaios. In: FRAGOSO, op. cit..
90
Marcha de flanco. In: DUARTE, Paulo de Queiroz. Os voluntários da pátria na Guerra
do Paraguai. Rio de Janeiro: Bibliex, v. 3, tomo I, p. 205.
91
Segunda Batalha de Tuiuti. In: DUARTE, op. cit., v. 3, tomo IV, p. 208.
92
A Dezembrada. In: DORATIOTO, 2002, op. cit., p. 369.
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