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um tempo e de um espaço, a produção do conhecimento também é, sempre, fruto
de um crivo de leitura processado através de um dado arcabouço teórico. É
possível afirmar que, ao menos no campo das Humanidades, não mais imperam os
ideais de universalização e neutralidade da ciência clássica – majoritária desde o
nascimento da Modernidade até o século XX – e o ato de pesquisar comporta em
sua atividade a incerteza e a insegurança, sem se preocupar com a busca de um
saber totalitário e de uma verdade absoluta. Neste contexto, a presente pesquisa
tem suas delimitações estabelecidas pela psicanálise freudiana
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, acrescida da
interpretação e dos avanços lacanianos, ou seja, o que se convencionou denominar
de referencial freudo-lacaniano.
Um outro aspecto inegável, ao menos para nós psicanalistas, de
uma produção é sua relação com as particularidades e, mesmo, a subjetividade do
pesquisador. Devo dizer que minhas incursões pelos caminhos da pesquisa sempre
tiveram como mote uma formação e uma atuação eminentemente clínicas. Assim
foi na dissertação de mestrado
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e também por um viés clínico é marcado o meu
interesse pelo tema da presente tese de doutorado, tema delineado, gradual e
principalmente, a partir da minha prática como psicanalista. Concomitantemente
ao referido percurso clínico, somou-se o início da minha carreira como professora
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Considero uma redundância a utilização desta expressão, mas o intuito é de delimitar com a
devida clareza a orientação teórica desta pesquisa. A redundância está no fato de avaliar como
questionável a sugestão, implícita na expressão em causa, da existência de outras mais
“psicanálises” que não vinculadas aos pressupostos fundamentais freudianos. Entretanto, é
recorrente a consideração de que por psicanálise pode-se compreender uma série de concepções
teóricas – incluo aqui todo o campo psicológico das psicoterapias e as teorias junguiana e reichiana
– que, em minha opinião, muito se distanciam das proposições freudianas. As mais diversas
escolas de psicoterapia teriam em comum o fato de contornarem os três conceitos freudianos que
norteiam e definem o campo psicanalítico: o inconsciente, a sexualidade e a transferência. As
psicoterapias substituem o inconsciente freudiano por algo da ordem de um subconsciente
biológico; a sexualidade, não mais situada como conflito psíquico, é interpretada através do crivo
culturalista ou biológico; a transferência é reduzida a uma relação dual calcada na mestria e na
sugestão (Roudinesco, 2000). Miller (1997, p.12) propõe que o elemento essencial de qualquer
psicoterapia é a existência de um “Outro que diz o que deve ser feito, um Outro a quem o sujeito
que sofre obedece, e do qual se espera aprovação”. Em contraposição, o “analista recusa-se a ser o
mestre, recusa em utilizar os poderes da identificação” (Miller, 1997, p. 15). O sentido do trabalho
de Lacan de um retorno à Freud está calcado, exatamente, na identificação de distorções e
distanciamento de alguns pós-freudianos em relação à teoria fundadora. Com estas observações,
desejo demarcar a adequação desta pesquisa aos fundamentos freudianos e às contribuições
lacanianas a partir dos mesmos.
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A dissertação foi defendida pela Unesp-Assis em 2001, com o título: Escuta analítica no
Hospital Geral: implicações com o desejo do analista. Na época trabalhava como psicóloga
clínica no Hospital Universitário Regional Norte do Paraná, em Londrina, função que
desempenhei durante nove anos.